a justiça federal e a construção de um projeto de nação: patriotismo

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A JUSTIÇA FEDERAL E A CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO DE NAÇÃO:
PATRIOTISMO CONSTITUCIONAL E A EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL NOS 20 ANOS DE INSTAURAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO
SUMÁRIO: Resumo; Abstract; I – Introdução; II - O Poder Judiciário e sua expressão no Império e
na República sob o paradigma do Estado Liberal e do paradigma do Estado Social;
III -A prestação jurisdicional na perspectiva da predominância do interesse da União diante da tensão
permanente entre público e privado no paradigma Estado Democrático de direito; IV - A atuação da
Justiça Federal na construção de um Projeto de Nação: a hermenêutica constitucional compromissada
com uma sociedade plural e permanentemente aberta para novas aquisições evolutivas; V Considerações Finais; VI - Referências Bibliográficas.
RESUMO
O objetivo do presente trabalho é resgatar a história político-institucional do Poder Judiciário
brasileiro com enfoque para a Justiça Federal. Por meio da reflexão sobre o patriotismo constitucional
que entrelaça temas como a centralidade do Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito, busca
reinventar circularmente a legitimidade do quase vintenário Texto Constitucional, de modo a sustentar
um sentimento viável de identidade constitucional coletiva em direção a um “Projeto de Nação”. Isso
para reafirmar o ideário do que somos e do que pretendemos ser, partindo do pressuposto que a
democracia, como fundamento de uma sociedade bem ordenada, não é um dado hipostasiado, mas
uma construção permanente que pressupõe um processo de contínuo aprendizado institucional e, por
conseqüência, sujeito a avanços e retrocessos próprios de uma época sem referenciais ideológicos
fixos.
PALAVRAS-CHAVES: PODER JUDICIÁRIO; JUSTIÇA FEDERAL; ESTADO DEMOCRÁTICO
DE DIREITO; LEGITIMIDADE; PATRIOTISMO CONSTITUCIONAL; PROJETO DE NAÇÃO
ABSTRACT
The goal of present essay is ransom the political-institutional history of the judicial function brazilian
highlighting for the Federal Justice. Into the reflexion on the Constitutional Patriotism entwine themes
like a centrality of the judicial function in democratic Rule of Law, search circle reinvent the
legitimacy of almost twentieth Constitutional Text, the way support one possible feeling of collective
constitutional identity bound for one “Nation Project”. This is to re-affirming the idea than what its
and what is intent to be, from the presuppose than democracy like a fundamental of the well orderly
society, is not one natural thing, bus a permanent construction which suggest continuous process of the
learning that, for the consequence, there is an advance and retrocede, with the time without fixed
ideological references.
KEYWORDS: JUDICIAL FUNCTION; FEDERAL JUSTICE; DEMOCRATIC RULE OF LAW;
LEGITIMACY; CONSTITUTIONAL PATRIOTISM; NATION PROJECT
I -INTRODUÇÃO
Sob os auspícios do paradigma do Estado de Direito Liberal no qual a interpretação
judicial se reduzia à mera adequação mecanicista do fato à norma e a função preponderante era a
legislativa (dura lex, sede lex), a Justiça Federal foi implantada pela primeira Constituição
Republicana.
Por sua vez, no paradigma do Estado de Direito Social em que a função preponderante
era a executiva com fins a materialização de políticas públicas, ao verificar que a interpretação judicial
poderia ampliar seus horizontes à vista da tessitura aberta dos textos, Hans Kelsen passa a defender
uma “teoria pura do direto” (Reine Rechtslehre) para que o judiciário não julgasse com critérios
extrajurídicos (moldura das interpretações possíveis).
0
No atual paradigma do Estado de direto Democrático (art. 1º, caput, Constituição da
República de1988), a função central na arquitetura constitucional passa a ser a judicial, tendo em vista
o princípio da vedação moderna ao non liquet, ou seja, o magistrado não pode negar-se a decidir as
demandas que lhe são apresentadas (art. 4º, da Lei de Introdução ao Código Civil).
Desse modo, diante das aquisições evolutivas no âmbito da hermenêutica
constitucional e as ondas renovatórias do processo civil numa sociedade cada vez mais complexa e
especializante, a Justiça Federal ultrapassa o legado de lócus de defesa de bens, interesses e serviços
da União para uma arena de emancipação da cidadania e a construção permanente da identidade
nacional.
II - O PODER JUDICIÁRIO E SUA EXPRESSÃO NO IMPÉRIO E NA REPÚBLICA SOB O
PARADIGMA DO ESTADO LIBERAL E DO ESTADO SOCIAL
Ao resgatar os precedentes histórico-institucionais do Brasil, como a tentativa da
implantação, em 1821, da “Constituição de Cádiz”1 e da “Constituição da Mandioca”,2 em 1823, fica
evidenciada a dificuldade de se lidar com a substituição da sacralidade pela mediação institucional do
poder ao se constatar que “nossa própria história institucional como nação <vínculo sociológico> e
como povo <vínculo jurídico> é bastante peculiar. Tivemos formalmente uma Constituição muito
antes de sermos ou de nos constituirmos como uma nação.”3
Desse modo, sob os auspícios do Estado liberal, a preponderância manifesta do Poder
Legislativo nos diversos modelos constitucionais é tolhida no Brasil por meio do exercício do poder
moderador pelo imperador4, tendo assim uma Monarquia Constitucional, e não uma Monarquia
Parlamentar. Com efeito, a Constituição imperial de 1824, ao instituir a Câmara dos Deputados e a
Câmara do Senado, estabeleceu: “O Poder Legislativo é delegado à Assembléia Geral com a sanção do
Imperador” (art. 13).
Por sua vez, incrustado nesta Constituição pactuada entre a monarquia e a aristocracia
dos saguaremas5 para selar a escravidão como base das instituições, o Poder Judiciário, representado
pelo Supremo Tribunal de Justiça, os juízes e os tribunais do júri, se submetia aos auspícios do Poder
Moderador, impedindo, por conseqüência, o controle de constitucionalidade. Neste contexto como
elemento ideológico e agregador, a educação superior era um diferencial na influência institucional de
um Império que ora pendia para a República americana, ora para a Monarquia européia. Os membros
dessa elite sempre apregoavam a necessidade da tutela aos ainda não iniciados de forma a continuar a
1
Com a Revolução Constitucionalista do Porto de 1820, parte da classe política da colônia brasileira pressiona
D. João VI a adotar a Constituição Espanhola da Cádiz (1812), com receio que D. Pedro de Alcântara assumisse
com poderes absolutistas, quando da retirada do então príncipe regente para assumir o trono de Portugal. Assim,
adotada na noite do sábado de aleluia, do dia 21.04.1821, na Praça do Comércio do Rio de Janeiro, na
madrugada do domingo de páscoa, o mesmo ato foi revogado por pressão de outra parte da elite política,
‘dissolvida a manu militari. Na repressão houve um morto e vários feridos’ (RUSCHEL, Ruy Buben. Direito
constitucional em tempos de crise. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1997, p. 12).
2
Outro episódio que marca as raízes do constitucionalismo brasileiro é o Projeto de Constituição elaborado pela
Assembléia Nacional Constituinte após a Independência, tendo em vista a tentativa no projeto de limitar os
poderes do Imperador (antiabsolutista) e de seus consortes portugueses (antilusitana). Relatada por Antônio
Carlos de Andrada, ficou conhecida como a ‘Constituição da Mandioca’, por prever um sistema indireto de voto
censitário com fundamento em ‘alqueires de farinha de mandioca’ (Brasil. Assembléia Geral, Constituinte e
legislativa (1823). Diário da Assembléia Geral, Constituinte e Legislativa do Império do Brasil. Brasília: Senado
Federal, Conselho Editorial, 2003).
3
CARVALHO NETTO, Menelick de. A constituição da Europa. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (org.).
Crise e desafios da constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 288.
4
“versão moderna da antiga Doutrina do Direito Divino dos Reis” (CARVALHO NETO, Menelick de. A sanção
no procedimento.Ob. cit. p. 75).
5
MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo saquarema. 4a ed., Rio de Janeiro: ACCES, 1999, 171p.
1
manter a ordem de privilégios recorrendo, invariavelmente, a qualificações maniqueístas. Desta forma,
tem-se a justificação segundo a qual:
A Inglaterra é um país no qual as reformas encontram mais obstáculos para
prevalecerem. [...] Acontecem ali o contrário do que em outras nações nas
quais o espírito das leis é mais liberal do que o espírito dos homens. E as
reformas lentas e tardias que os ingleses preferem têm uma grande vantagem.
São as próprias para remover o mal, e uma vez feitas ficam assentadas sólida
e definitivamente. Estou convencido de que as nossas instituições
administrativas requerem, sôbre muitos pontos, sem alteração de bases
constitucionais <é de lembrar que a constituição imperial de 1824 não citava
uma palavra sequer sobre o regime escravocrata>, desenvolvimento e
melhoramentos consideráveis, preenchidas muitas lacunas que apresentam.
Creio que, pela escassez de estudos e de conhecimento administrativos, não
está uma grande parte de nossa população em estado, de formar uma opinião
conscienciosa sobre quaisquer reformas que sejam intentadas. É preciso
primeiro que tudo estudar e conhecer bem as nossas instituições, e fixar bem
as causas porque não funcionam, ou porque funcionam mal e
imperfeitamente.”6
De fato, ao problematizar este marco do constitucionalismo verifica-se que na
dicotomia real-ideal vivenciam-se conteúdos idealizantes o tempo inteiro7, logo, por mais paradoxal
que seja, o Brasil foi sim, um Estado liberal em pleno modelo de exploração escravocrata. De modo
que o não liberalismo brasileiro foi liberalismo e atualmente vive-se a herança de suas mazelas8. Tanto
assim que há menos de uma década que se discute ações afirmativas como forma de, minimamente,
reparar injustiças até então suficientemente acomodadas. Por isso, não mais se justifica a premissa
segundo a qual esse foi o período o que “mais se apartou talvez da Constituição formal, em que essa
logrou o mais baixo grau de eficácia”9, como vislumbra a doutrina constitucionalmente orientada
6
URUGUAI, Paulino José Soares de Souza, Visconde de. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Brasília:
Ministério da Justiça, 1997, p. 12.
7
Descreve o autor que: “A força normativa da Constituição, como uma homenagem formal a Konrad Hesse, é
reduzida a um mero ideal loewensteineano e que só vem, em último termo, reforçar a força normativa, a
idealidade, da facticidade que se revela na continuidade das velhas práticas políticas e jurídicas que a
Constituição veio a abolir, na medida em que se eleva à condição de 'realidade'. Ora, se, superando os supostos
de uma filosofia da consciência, tematizarmos a condição humana como uma condição ligüística, discursiva,
hermenêutica veremos que a nossa própria 'realidade' cotidiana e inafastável é permeada de idealidades, de
pretensões idealizantes, constitutiva da capacidade lingüística como tal. Por isso mesmo a oposição entre a
constituição formal tomada como constituição ideal e a efetiva pragmática político-jurídica vista como
constituição real é, ela própria, uma construção idealizada, uma armadilha conceitual que eterniza o que
pretendera denunciar, pois, por um lado, é incapaz de revelar a natureza de idealidade normativa das terríveis
pretensões idealizantes que ganham curso sob a capa do que denomina 'realidade' , e , por outro, absolutiza o
poder de regulamentação de condutas da Constituição e do Direito em geral” (CARVALHO NETTO, Menelick.
Requisitos pragmáticos da interpretação jurídica sob o paradigma do Estado Democrático de Direito. Revista
da Procuradoria do Estado de Minas Gerais. Brasília, p. 473-474).
8
“Para o povo, o chefe do governo aparece como o não político que, em ágil golpe de capoeira, estatela no chão
seus oponentes ou companheiros de jornada. Na imagem ingênua das ruas, o quadro, antes de ser grotesco,
satisfaz aspirações ocultas e vinga agravos anônimos: o homem se casaca, chapéu alto, recebe o golpe certeiro,
inesperadamente, chaplinianamente entre as gargalhadas do auditório. Na outra face, ou dentro dela, emerge o
mito, personificado no protetor das classes desamparadas. No jogo inconseqüente das manobras de cúpula, o
‘homem providencial’, formado nas entrelinhas da ideologia colorida da utopia do tenentismo, amalgamadas ao
povo, o presidente encarna o condutor das transformações [...]” (FAORO, Raymundo. Os donos do poder:
formação do patronato político brasileiro. 3a ed., revista, 2001, p. 787).
9
BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. Brasília: Paz e Terra, 1999, p.
14-19.
2
[...] ao buscarem descrever isso que visualizam como um hiato, terminam
por justificá-lo a título de o descreverem <ontologia>.São explicações
intrinsecamente incapazes de oferecer qualquer saída para o problema que
tematizam, a não ser a sua própria justificação e eternização. Tomam a
‘idealidade’ como algo oposto e oponível à “realidade social” em que surge
e sobre a qual visa influir, e como se pudéssemos ter acesso a uma
objetividade, que a atual filosofia da ciência certamente reconheceria como
mítica, retratada em uma normativa absolutizada como o “real”. 10
Tal exercício histórico-institucional vem demonstrar que neste período já ficava
patente que a racionalidade iluminista dos textos jurídicos não dava conta de reduzir a concretude da
vida, demonstrando que texto, por si só, não segura a complexidade da vida. O horizonte da
interpretação do texto somente é implementado pela densificação do contexto.
Do Parlamentarismo sui generis do Império unitário, tem-se a partir da Constituição
de 1891, a implantação da forma federativa de Estado e a implantação do sistema de governo
republicano, ainda sem participação popular (“Os Bestializados”, José Murilo Carvalho), mesmo em
se tratando de uma Constituição promulgada. O presidente da República é elevado à condição de um
“imperador dessacralizado”. O Poder Legislativo passa a refletir essa nova dinâmica, na medida em
que a Câmara dos Deputados mantém sua representação popular, incrementada pela universalização
do voto, e o Senado Federal deixa de ser vitalício e passa a representar os Estados federados.
Mas é no Poder Judiciário que se tem uma modificação substancial. Influenciada
predominantemente pelo modelo constitucional americano, a Assembléia Nacional Constituinte
inaugura o controle de constitucionalidade em sua modalidade difusa, extinguindo-se o Supremo
Tribunal de Justiça e inaugurando o Supremo Tribunal Federal. Importa salientar que este tribunal foi
criado antes mesmo da Constituição Republicana, posto que pelo Decreto n. 848, de 11 de outubro de
1890, estabeleceu que o Poder Judiciário da União fosse exercido pelo Supremo Tribunal Federal, seu
órgão de cúpula, e pelos Juízes e Tribunais Federais distribuídos pelo País, em conformidade com os
atos de criação do Congresso Nacional.
No âmbito do direito comparado, a Justiça Federal de segunda instância é
assemelhada no sistema norte-americano com as “Cortes de Circuitos de Apelação” (Circuit Courts of
Appeals) e na primeira instância com as “Cortes Federais de Distrito”. Neste sentido, os juízes federais
eram conhecidos na primeira Constituição Republicana brasileira, como “juízes seccionais
Assim, criada em ato conjunto com o Supremo Tribunal Federal, a Justiça Federal, no
âmbito da República Velha e da nascente capilaridade de suas atribuições com a Constituição de 1934
que buscou dar-lhe envergadura federativa, incluindo a previsão de julgamento de questões
especializadas em direito administrativo, veio a ser extinta pela Constituição autoritária do Estado
Novo (Polaca), ao outorgar ao Supremo Tribunal Federal os poderes de tribunal de apelação das
causas decididas pelos juízes dos Estados e do Distrito Federal em que a União fosse interessada.
Timidamente restaurada pela Constituição da redemocratização de 1946, visto que
criara apenas a sua 2ª instância, o Tribunal Federal de Recursos (art. 93, II e art. 103 ao art. 105),
somente com o Ato Institucional n. 2, de 27 de outubro de 1965, a Justiça Federal veio efetivamente a
ser restaurada, completado este pela EC 16, de 16 de novembro de 1965, vindo o mesmo que
implantou o controle concentrado no Brasil. A Justiça Federal, neste contexto foi restaurada por um
momento de exceção institucional, justificado mais pela premência de se retirar as causas de interesse
da União do âmbito da Justiça Estadual e Trabalhista, pelo que o regime militar receava serem
alinhados ao comunismo.
10
CARVALHO NETTO, Menelick. Legitimidade como conflito concreto positivo. 1999 Cadernos do
Legislativo. Belo Horizonte, p. 9.
3
Isso em nada desmerece a sua real necessidade de suas atribuições em uma sociedade
cada vez mais especializada. Tanto assim que a Constituição da República de 1988 não só reconheceu
sua restauração como elevou sua importância ao prever sua regionalização (art. 27, § 6º a 9º, do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias) e de imediato criando cinco Tribunais Regionais
Federais, extinguindo-se o Tribunal Federal de Recursos. Outra não tem sido a acolhida da Justiça
Federal ao longo desses vinte anos, vindo o Poder Constituinte Derivado, por meio da Emenda
Constitucional de reforma n. 45/2004, ampliar sua competência ao criar o incidente de federalização
dos crimes contra os direitos humanos (art. 109, V-A e § 5, da CR), no qual o Procurador Geral de
República propõe no Superior Tribunal de Justiça o deslocamento do inquérito ou processo, em
qualquer fase, da Justiça Comum para a Justiça Federal, reforçando ainda mais a sua natureza
federativa que ultrapassa os interesses provincianos e a natureza da responsabilidade internacional do
Estado brasileiro, representado pela União, perante o sistema regional (Organização dos Estados
Americanos - OEA) e o sistema internacional (Organização das Nações Unidas – ONU) de proteção
aos Direitos Humanos, pois
De acordo com o Direito Internacional, a responsabilidade pelas violações de direitos
humanos é sempre da União, que dispõe de personalidade jurídica na ordem
internacional. Nesse sentido, os princípios federativos e de separação de Poderes não
podem ser invocados para afastar a responsabilidade da União em relação à violação
de obrigações contraídas no âmbito internacional. [...] Um Estado Federal é também
responsável pelo cumprimento das obrigações decorrentes de tratados no âmbito de
seu território inteiro, independentemente das divisões internas de poder. [...] Todavia,
paradoxalmente, em face da sistemática até então vigente, a União, ao mesmo tempo
em que detém a responsabilidade internacional não é responsável em âmbito nacional,
já que não dispõe da competência de investigar, processar e punir a violação, pela qual
internacionalmente está convocada a responder [...] Por meio da federalização das
violações de direitos humanos, cria-se um sistema de salutar concorrência
institucional para o combate à impunidade. De um lado, a federalização encoraja a
atuação do Estado, sob o risco de deslocamento de competência [...]. Por outro lado, a
federalização aumenta a responsabilidade das instâncias federais para o efetivo
combate à impunidade das graves violações a direitos humanos. O impacto há de ser o
fortalecimento das instituições locais e federais.11
O que mais se estranha é a axiologia para eleger qual “violação a direitos humanos”
que seja menos “grave”, quando, na realidade, os direitos humanos são ontologicamente interligados e
situam-se no mesmo nível. Isso porque não se trata de escolha ou preferência (valores), mas de
expectativas de comportamento (normas). Outra conclusão não se pode chegar de que toda violação a
direitos humanos é grave.
Por sua vez, ainda na esteira de popularização da prestação jurisdicional no âmbito da
Justiça Federal, as causas cíveis de menor complexidade e as infrações penais de menor potencial
ofensivo no âmbito da Justiça Federal ( art. 98, inciso I, da Constituição de República), a Lei Federal
10.259/2001, modificada pela Lei 11.313/2006, estabeleceu o procedimento de conhecimento e
julgamento pelos Juizados Especiais Federais, de modo a ensejar maior celeridade e eficiência à
prestação jurisdicional ao criar os juizados especiais cíveis e criminais, as turmas recursais e as turmas
de uniformização (art. 14, § 2º , da LJEF), incluindo o Fórum Nacional dos Juizados Especiais
Federais (FONAJEF) que busca meios mais eficazes de operacionalizar o conjunto das práticas e
rotinas administrativas de melhor adequação à prestação jurisdicional.
III- A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NA PERSPECTIVA DA PREDOMINÂNCIA DO
INTERESSE DA UNIÃO DIANTE DA TENSÃO PERMANENTE ENTRE PÚBLICO E
PRIVADO NO PARADIGMA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
11
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e direito constitucional internacional. 8ª ed. ver., ampli., e atual., São
Paulo: Saraiva, 2007, p. 291-293.
4
Se a concepção liberal clássica (Locke, Kant e Rawls) defende a existência de direitos
pré-políticos, de modo que o direto natural à vida, à propriedade, à liberdade e à segurança limitaria o
direto positivo, principalmente no que se refere aos atos que desrespeitam os direitos e garantias
fundamentais. A concepção republicanista (Rousseau, Walzer e Ackerman) está fundamentada na
garantia da manifestação de uma cidadania ativa, em que a autonomia pública prepondera sobre a
privada. De modo que o processo político
[...] serve apenas ao controle da ação estatal por meio de cidadãos que, ao exercerem
seus direitos e as liberdades que antecedem a própria política, tratam de adquirir uma
autonomia já preexistente. O processo político tampouco desempenha uma função
mediadora entre o Estado e sociedade, já que o poder estatal democrático não é em
hipótese alguma uma força originária. A força origina-se, isso sim, do poder gerado
comunicativamente em meio à práxis de autodeterminação dos cidadãos do Estado e
legitima-se pelo fato de defender essa mesma práxis através da institucionalização da
liberdade pública.12
Ao buscar diferenciar-se dessas concepções, a democracia procedimentalista
denuncia a centralidade que, tanto o liberalismo quanto o republicanismo atribuem ao Estado no
processo político, numa visão concorrente entre a soberania popular e a democracia. Ao superar a
dicotomia liberal-republicana, a concepção procedimentalista também busca superar a tradicional
dicotomia entre autonomia privada e pública.
Com efeito, no paradigma do Estado Liberal a autonomia privada preponderava sobre
a autonomia pública, o culto à propriedade era a medida dos direitos individuais e políticos
egoisticamente vinculados, a preponderância do Poder Legislativo fazia com que o Poder Judiciário
interpretasse da maneira acromática e mecanicista os preceitos legais, o culto à hermeticidade da lei
marcava o início da positivação massiva do direito.
No paradigma do Estado Social a autonomia pública preponderava sobre a autonomia
privada, ao passo que “tudo que o estado tocava, virava ouro” (Kelsen), aumentando de sobremaneira
a noção do que seriam bens, interesses e serviços da União. A preponderância passa a ser do Poder
Executivo, em nome do sobredito “interesse público”. O Poder Judiciário passou a ser enquadrada pela
“moldura das interpretações” concebidas pela “teoria pura do direito” que refutava qualquer
interpretação que possuísse indícios de critérios políticos ou sociológicos. Essa crença exacerbada na
razão entra em crise no pós-guerra, Ainda na efervescente década de 1970, em relação à situação da
hermenêutica constitucional questionava-se sobre a ampliação da atuação de quem se considerava
como os legítimos intérpretes da Constituição. Assim, Peter Häberle, buscou problematizar as tarefas e
os métodos de interpretação, na tentativa de retirar a concentração da interpretação constitucional dos
juízes conformados em seus procedimentos formalizados. Defende o autor que a interpretação
constitucional deve encarar o tema “realidade constitucional.”13 Por isso, sua tese inova na discussão
sobre os participantes do processo constitucional, visto que não é possível estabelecer um elenco
numerus clausus de intérpretes da Constituição.
Até então, concebia-se conscientemente a interpretação constitucional como sendo
atribuição de uma sociedade firmada na idéia de que público era sinônimo de estatal. Na perspectiva
defendida pelo autor, tem-se que a interpretação do texto com a realidade contextual é mais um
elemento da sociedade aberta. Por isso, seus critérios de interpretação, devem ser tanto mais abertos
quanto mais pluralista for a sociedade. Para o conceito de interpretação entende-se que quem vive a
12
HABERMAS, Jürgen. Três modelos normativos de democracia. In A inclusão do outro: estudos de teoria
política. Tradução: George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Edições Loyola. 2002, p. 272.
13
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional e a sociedade aberta dos intérpretes da constituição:
contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da constituição. Tradução: Gilmar Ferreira
Mendes. Porto Alegre: SAFE, 1997.
5
norma acaba por interpretá-la ou pelo menos co-interpretá-la. Todos são intérpretes, mesmo que
sequer tenha lido a Constituição ou se pense na sua existência.
Outrossim, a jurisdição constitucional vinculada a uma comunidade de princípios é
responsável pela última palavra sobre a interpretação. No entanto, é impensável uma interpretação da
Constituição sem o cidadão ativo e sem as potências públicas como pano de fundo. O direito tem que
ser internalizado por seus destinatários, que, concomitantemente, são seus co-autores, uma vez que sua
função na modernidade é a regulação de riscos, e não a eliminação destes.14
Não somente o processo de formação de vontade, mas também o desenvolvimento
posterior revela-se pluralista. Daí a teoria da ciência, a da democracia, a Teoria da Constituição e a da
hermenêutica propiciam uma mediação específica entre Estado e sociedade. No que se relaciona com
os participantes do processo de interpretação constitucional, Häberle, pretendendo apoiar-se em
Habermas, emprega em sua perspectiva socioconstitucional os conceitos de esfera pública e espaço
público, trabalhados por Habermas em sua tese de 1961, a Mudança estrutural da esfera pública.15
Assim, Peter Häberle arrisca fazer uma apresentação sistemática e provisória dos
participantes da interpretação constitucional ao buscar demonstrar que ela não é um evento
exclusivamente estatal. A jurisdição constitucional é uma catalisadora essencial, ainda que não seja a
única, da Ciência do Direito Constitucional, como a interpretação constitucional. A sua efetiva
influência interpretativa suscita uma indagação sobre a sua legitimação, questão que também se aplica
às outras forças participantes do processo de interpretação.
Ao antecipar possíveis críticas, Häberle declara que uma teoria constitucional que tem
por escopo a produção de unidade política, pressupondo a existência da diferença, ao afirmar e reiterar
o postulado da unidade da Constituição, está obrigada a submeter-se a essa crítica. A questão da
legitimação coloca-se para todos aqueles que não estão formal, oficial ou competencialmente
nomeados para exercer a função de intérpretes da Constituição. A interpretação conhece possibilidades
e alternativas diversas. A vinculação (estrita correspondência entre a constituição e a legitimação para
a interpretação) converte-se em liberdade, na medida em que se reconhece que a nova orientação
hermenêutica consegue contrariar a ideologia da subsunção.
A vinculação judicial à lei e a independência pessoal e funcional dos juízes não
podem escamotear o fato de que o juiz interpreta a Constituição na esfera pública e na realidade. A
unidade da Constituição surge da conjugação do processo e das funções de diferentes intérpretes
(Teoria da Constituição e Teoria da Democracia). Ao considerar a realidade e a publicidade
estruturadas, nas quais o povo atua, inicialmente, de forma difusa, mas, afinal, de maneira concertada,
há de se reconhecer que essas forças, faticamente relevantes, são igualmente importantes para a
interpretação constitucional.
No que se refere à reflexão sobre a Teoria da Democracia como legitimação, afirmase que a democracia do cidadão é mais realista do que a democracia popular. A possibilidade e a
realidade de uma livre discussão do indivíduo e de grupos de indivíduos sobre e sob as normas
constitucionais e os efeitos pluralistas sobre elas emprestam à atividade de interpretação um caráter
multifacetado. Desse modo, a sociedade é livre e aberta, à medida que se amplia o círculo dos
intérpretes da Constituição em sentido lato.
Como conseqüências para a hermenêutica constitucional os objetivos, métodos16 e
legitimados para a interpretação constitucional resultam em indagações que suplantam a jurisdição
constitucional, elevando o debate ao nível da teoria constitucional em sua essência. É neste contexto
14
Para Niklas Lhuman o Direito existe para criar expectativas de comportamentos.
HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da
sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.
16
E não mais “o método” da características cartesianas.
6
15
que não se pode mais conceber a teoria constitucional simplificada a uma concepção meramente
harmonizadora que busca a produção do consenso e a obtenção da unidade política como fim em si
mesmo do processo constitucional e do próprio processo político. O Direito Constitucional é um
direito de conflito e compromisso onde o consenso deve ser resultado desta tensão que sustenta
diferentes opiniões e seus participantes. Elegem-se métodos diferenciados de interpretação,
procurando abrigar o conteúdo da controvérsia dentro desses diferentes modelos e métodos. Neste
aspecto, Häberle aproxima o processo constitucional do direito parlamentar.
Com efeito, o Direito Constitucional material surge de um número enorme de funções
“corretamente” exercidas: aquelas desempenhadas pelo legislador, pelo juiz constitucional, pela
opinião pública, pelo cidadão, mas também pelo governo e pela oposição. Essa reflexão sobre a
interpretação constitucional demonstra que, de uma perspectiva funcional-processual, a correção
funcional da interpretação constitucional leva praticamente a uma diversidade de interpretação
constitucional. A interpretação adequada depende, pois, de cada órgão, do procedimento adotado, de
sua função e de suas qualificações. Questionam-se a segurança jurídica e a expectativa de
comportamentos. Essa indagação sobre a noção de uma interpretação adequada é colocada como uma
questão fundamental para a Teoria da Constituição, referindo-se à possibilidade de vincular
normativamente as diferentes forças políticas por meio de razoáveis métodos de interpretação. O que
se tem em mente é que a fixação exclusiva na jurisdição deve ser superada, possibilitando inserção da
teoria da legislação na doutrina constitucional, conformando-a como interlocutora do legislador.
Ao retomar a questão sobre os diferentes objetivos e métodos dos diversos
participantes da interpretação constitucional, Häberle explica que alguns postulados, como a
preferred-freedoms-doctrine17 e o self-restraint18, aplicam-se à jurisdição, e não à legislação. O autor
propõe que não se pode mais avaliar a questão apenas de um prisma negativista, pela ótica dos limites
jurídico-funcionais do intérprete constitucional, sendo é necessário romper com o dogma kelseniano
da jurisdição atuar apenas na condição de “legislador negativo”. Para ele, em sede de teoria
constitucional, enquanto teoria da legislação, tem-se de pesquisar e desenvolver uma compreensão
positiva para o legislador, seja enquanto intérprete da Constituição, seja enquanto pré-formulador, no
processo político, enquanto participa formalmente do processo constitucional.
Com isso, Häberle reconhece a dificuldade em estabelecer formas e processos para
outros participantes, singular e coletivamente considerados, ou em grupos, segundo uma
normatividade constitucional. No entanto, indica que cada processo deve ser diferenciado e tomado
como tarefa da teoria constitucional procedimental democrática, em que o processo político deve
sempre permanecer, tanto quanto possível, aberto, devendo também haver uma interpretação
diversionista.
Esse enfrentamento deve repercutir os procedimentos que venham romper com as
tradições e práticas interpretativas reiteradas, que até então negam participação dessa comunidade
aberta em um debate público que esclareça a superação do atual modelo brasileiro de representação
privatística do mandato e as seguidas reformas políticas. Tal processo é exatamente inverso àqueles
que negam efetividade à Constituição, que há quase vinte anos tem buscado implementar
cotidianamente o Estado Democrático de direito, que é uma construção permanente, e não um dado
naturalístico no qual se possa tirar qualquer conclusão a priori.
Por isso, outro enfrentamento deve ser realizado como contraponto àqueles que
avaliam o estado de arte da Teoria da Constituição no Brasil como simbolicamente revisitada19 ou
17
Doutrina da autonomia que presume a legitimidade da atuação legislativa, o que aqui no Brasil o STF
denomina de matéria interna corporis.
18
Auto-limitação (trudução livre).
19
NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007, p. 104-105,
ênfase adicionada.
7
como simulacro20, principalmente pela perspectiva própria de um observador externo ao se utilizar a
teoria da sociedade luhmaniana descurando-se da perspectiva interna do participante.
É inegável que a Constituição, como acoplamento estrutural entre direito e política,
entrelaça a impermeabilidade desses sistemas na existência moderna de uma norma congruentemente
generalizada, que, de forma legítima, consegue transformar a realidade por meio da mobilização do
poder, para a obtenção de decisões coletivamente vinculantes. No entanto, uma sociedade bem
ordenada pressupõe a existência de um instrumento evolutivo, no sentido de conseguir abarcar as
crescentes complexidades de suas relações e de manter a diferenciação funcional (sistemas
cognitivamente abertos) e o fechamento operacional (sistemas operacionalmente fechados), sob pena
de configurar a corrupção de códigos - ou seja, quando posturas não autorizadas juridicamente
contrariam princípios fundantes desse sistema, de modo a gerir politicamente nos pressupostos do que
é lícito ou ilícito.
Por sua vez, a perspectiva democrática procedimentalista proposta por Habermas
[...] a formação democrática da vontade realiza-se na forma de um auto-entendimento
ético-político, em que o conteúdo da deliberação dever ter o respaldo de um consenso
entre os sujeitos individualmente, e ser exercido pelas vias culturais. Essa précompreensão socialmente integradora pode renovar-se por meio da recordação
ritualizada do ato de fundação da república <enquanto soberania popular>.21
Sob o paradigma do Estado Democrático de direito o público não existe sem o
privado; ele precisa do privado (garantia de cidadania e integridade do direito). De outro lado, o
privado sem o público é egoísmo; por isso também necessita da dimensão pública. Podem ser
aparentemente contrários, no entanto, no caso concreto, não são contraditórios, mas complementares.
Segundo a teoria procedimentalista da democracia,
[...] o direito positivo, por depender das resoluções adotadas por um legislador, tem
que distinguir, na autonomia das pessoas jurídicas, uma autonomia privada e uma
pública, as quais se encontram numa relação complementar, permitindo que os
destinatários do direto estabelecido possam entender-se, ao mesmo tempo, como
autores que criam o direto.22
É dessa forma que deve ser revisitado o princípio da predominância do interesse da
União: sem infringir o federalismo centrífugo e assimétrico, voltado para uma prestação jurisdicional
sob a ótica do jurisdicionado e não de reafirmação da potestas estatal, pois estes, por meio da
fundamentação (art. 93, inciso IX, da Constituição a República), devem se sentir convencidos da
solução construída para o seu caso concreto, ou seja, o consenso pelo dissenso, na medida em que o
jurisdicionado verifica que, o magistrado, de forma imparcial (e não neutra), levou a sério suas
pretensões como um caso irreptível e datado, mesmo que não tenha obtido êxito.
IV - A ATUAÇÃO DA JUSTIÇA FEDERAL NA CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO DE
NAÇÃO: A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL COMPROMISSADA COM UMA
SOCIEDADE PLURAL E PERMANENTE ABERTA PARA NOVAS AQUISIÇÕES
Ao contrário do “agir comunicativo”, o “agir estratégico” é uma forma de adequação
de meios a fins, sem levar em consideração o preço institucional cobrado por não se aprender com os
20
O conceito de “simulacro” é tomado não apenas na concepção de imitação, mas também como “substitutivo
funcional” de uma representação popular que cria restrições e regulações normativas para vincular os sujeitos de
uma comunidade política. (MOREIRA, Luiz. A constituição como simulacro. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2007).
21
.HABERMAS, Jürgen. Faktizität und geltung: beiträge zur diskurstheorie...Ob. Cit. p. 359, tradução livre).
22
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia...vol. II, Ob. Cit. p. 157
8
erros. O que era para ser tradição de um determinado contexto histórico continua constituindo o
presente de forma vinculativa como resultado da incapacidade dessa comunidade de lidar
conscientemente com suas frustrações e equívocos.
É sobre estas condições que deve ser repensada o papel do Poder Judiciário numa
sociedade constitucionalmente bem ordenada, sem querer que seja perfeita e não tratá-la como um
bem passível de ser tutelado,23 mas como uma dimensão normativa emancipatória que regula
expectativas comportamentais dos indivíduos.
Com efeito, um projeto de nação passa, necessariamente, pela compreensão de uma
comunidade sobre o que ela é o que ela pretende ser. Por certo, a história institucional brasileira não
teve iguais pressupostos como aqueles presentes nas colônias inglesas da América do Norte e muito
menos no contexto europeu, que também possui seus problemas de integração:
Não obstante, a continuidade do conflito basco e a existência de uma maioria de
forças parlamentares que, em Euskadi, seguem manifestando favoráveis ao
reconhecimento do direito da sociedade basca de decidir sobre seu futuro, supõe
lembrar as permanentes limitações que a Constituição e 1978 e as fórmulas do
patriotismo constitucional ou federalistas reafirmadas pela esquerda de âmbito do
Estado têm a envergadura de resolver livre e democraticamente os conflitos de
identidades nacionais existentes dentro do Estado espanhol.24
Como dito anteriormente, essa deve ser uma constatação que não pode pretender ser
uma justificação, inclusive para alcançar etapas de consciência nacional sem querer construir uma
teoria substancialista endógena, como propõem alguns autores que defendem uma adaptação “à
brasileira” para inserção da teoria habermasiana no Brasil, em um nível semelhante à classificação
ontológica das constituições, agora sob nova roupagem que chega a afirmar:
O protótipo de HABERMAS seduz. De fato, as soluções resultantes de um consenso
não derivado de protagonistas apáticos, indiferentes, mas de participantes interessados
e ativos, ostentam, significativamente seu potencial estabilizador das expectativas de
comportamento. Todavia, toda a sofisticação de HABERMAS termina por revelar
uma deficiência grave: a proposta, embora se candidate à universalidade,
somente se mostra viável em países onde já seja possível falar de uma cultura
política geral da comunidade e isto não é obra para políticos imediatistas, é obra
para a história pacientemente construída. Somente uma cidadania ativa,
interessada, dinâmica viabiliza o sonho habermasiano. Falar de interações
comunicativas informais para deliberação política em países periféricos, como os
da América Latina ou do continente africano, em que sequer necessidades vitais
elementares são atendidas, cheira a um involuntário escárnio. Como a proposta
habermasiana compõe-se de duas teses interdependentes, não havendo ambiente
saudável para desenvolvimento das situações de fala das quais são tiradas as
deliberações políticas, a crítica à excessiva desenvoltura judicial em temas
constitucionais perde totalmente consistência e a própria razão de ser. Pior que os
23
MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade: o papel da atividade jurisdicional na “sociedade
órfã”. Trad. Martônio Lima e Paulo Albuquerque. Novos Estudos Sebrap, Nov. 2000
24
“No obstante, la continuidad del conflicto vasco y la existencia de una mayoría de fuerzas parlamentarias que,
en Euskadi, siguen manifestándose favorables al reconocimiento del derecho de la sociedad vasca a decidir su
futuro suponen en recordatorio permanente de las limitaciones que la Constitución de 1978 y las fórmulas de
patriotismo constitucional o federalistas hechas desde la izquierda de ámbito estatal tienen a la hora de resolver
libre y democráticamente los conflictos de identidades nacionales existentes dentro del Estado español.”
(VERDÚ, Jaime Pastor. La izquierda de âmbito estatal. Entre el “patriotismo constitucional” español y el
federalismo plurinacional. In Nacionalismo español: esencias, memória e instituciones. TAIBO, Carlos (Org.).
2ª ed., Madrid: Catarata, 2007, p. 211).
9
riscos de decisões judiciais politicamente abusadas seria não haver canal algum para a
solução de controvérsias de fundo político25 (ênfase adicionada).
O que fica latente é o fato de que a naturalização de condições historicamente
construídas chega ao desplante de ter o Judiciário como o bastião da efetividade das demandas
reprimidas, uma espécie de “refugo constitucional”. Na realidade, a relação entre os poderes deve ser
de tal modo que um
[...] Presidente que se submeta às leis, que não ocupe o lugar da soberania popular,
como se pudesse encarná-la. Que reforce as instituições como o Congresso e o próprio
Supremo, deles cobrando que exerçam seus papéis constitucionais. Esse desafio posto
a todos nós. Um Presidente que recorrentemente desconhece seus limites
constitucionais. Um Congresso que efetivamente não desconheça a centralidade de
suas competências constitucionais, buscando ocupar exatamente o centro do processo
de formação de opinião pública, que permita a todos nós nos considerarmos coautores das leis que nos regem. Um Supremo Tribunal Federal que não continue a
permitir, por exemplo, a privatização do processo legislativo tomado como
prerrogativa pessoal do parlamentar e não como garantia do próprio regime
democrático. Imagine, qual o significado do seu voto nessa eleição que acabou de
passar, se você votou na minoria e a minoria pode ser tratorada pela maioria? Se as
normas regimentais não impedem a ditadura da maioria, se são apenas normas interna
corporis, ou seja, da eventual maioria? Elas não interessam a nós como povo. Esse é
risco que o Direito Constitucional tem que enfrentar hoje. Palavras gordas como povo,
democracia, sabemos hoje, são manipuláveis e é preciso preservar a pluralidade e a
abertura da identidade constitucional. 26 (Ênfase adicionada)
Outro risco sempre presente na sociedade aberta é a assunção do Judiciário como
superego da sociedade,27 o que faz a solução apontada como corretiva ser tão infactível ou até mais
abusiva como aquela que pretende afastar sob o argumento de incompatibilidade.
Uma tentativa de desarraigar, mesmo que de forma relativa, o vício idealista,
saudosista e de unidade orgânica buscada pelos saguaremas no século XIX, ocorreu no Brasil na
década de 1960 quando ocorria um momento de rupturas com os excessos do Estado Social em todo o
mundo, incrementado pelo aparecimento de questões que fixaram as premissas do constitucionalismo
do pós-guerra. Entrincheirados no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), autores como
Alberto Guerreiro Ramos e Álvaro Vieira Pinto empreendem estudos e pesquisas engajadas na
superação do que chamavam de “contexto semicolonial e subdesenvolvido” em que o País se
encontrava, objetivando recuperar e lançar novos fundamentos que se traduziriam na construção de um
projeto de nação.
Ao trabalhar com o conceito de redução sociológica, originado da “redução
fenomenológica” de Husserl, e os conceitos de “funcionalidade”, “ser-no-mundo”, de Heidegger,
Guerreiro Ramos passa a defender a assimilação crítica do conhecimento produzido no exterior e no
25
SOUZA JÚNIOR, Antônio Humberto. O Supremo Tribunal Federal e as questões políticas: o dilema
brasileiro entre o ativismo e a autocontenção no exame judicial das questões políticas. Porto Alegre: Síntese,
2004, p. 84-85. (Ênfase adicionada).
26
CARVALHO NETTO, Menelick de. A constituição da Europa....Op. Cit. 289. Ênfase adicionada.
27
SANTOS, Abraão Soares. Argüição de descumprimento de preceito fundamental e o direito ambiental: a
identidade constitucional para além da tutela do Ministério Público e do axiologismo do Judiciário. In
WERNECK, Mário; SILVA, Bruno Campos; MOURÃO, Henrique; MORAES, Marcus Vinicius Ferreira;
OLIVEIRA, Walter Soares (Org.). . Direito Ambiental visto por nós advogados. Belo Horizonte: Del Rey, 2005,
p. 677-685. Disponível em HTTP://www.abraao.com/artigos/administrador.htm.
10
desenvolvimento da produção teórica brasileira, buscando implementar num plano teóricometodológico as vicissitudes da interpretação nacionalista da sociedade brasileira por depuração.28
Para vislumbrar a representação das condições objetivas de consciência social, Vieira
Pinto estabelece a distinção entre consciência ingênua e consciência crítica. Enquanto esta possui
discernimento suficiente para constatar os fatores e as condições que determinam sua existência na
comunidade política, aquela é inerte, passiva e conformada de modo que,
[...] a realidade, de que se tem representação, sendo o estado de marasmo econômico e
de ausência de iniciativas criadoras, aparece-lhe como se fosse um mundo não afetado
pelo tempo. Sentindo o tempo passar sem que praticamente se alterem as
circunstâncias, embota-se o sentido histórico, porque é natural que desapareça a
expectativa de mudanças, para quem nunca as vê acontecer. O aspecto imóvel da
realidade, envolvida sempre pelas mesmas idéias e normas, é a origem da crença na
perenidade e no valor absoluto da verdade e do direito destas [...]. É uma deficiência
de compreensão, que inutiliza os seus portadores para o trabalho de construção
nacional, porquanto, pela deformação que habitua, os impede de trazer para seu país
os proveitos da experiência e da convivência nos órgãos coletivos das nações, por
tantos aspectos úteis e imprescindíveis.29
A atualização desse debate sobre “um projeto de nação” passa pela superação da
preponderância das distinções particularizantes como fundamento de legitimidade, uma vez que não
mais podem ser aceitáveis sob o enfoque da contemporânea Teoria da Constituição, pois não
consideram o pluralismo razoável e são fundamentalistas, de visões intolerantes e fechadas.
A sociedade sempre foi universal, por mais paradoxal que pareça diante dos
particularismos locais. O fato de o Brasil não haver experimentado as fases anteriores e posteriores à
sua colonização, como ocorreu nos países europeus, não o desincumbe de buscar de forma mais
concentrada e simultânea abarcar a pluralidade de doutrinas abrangentes razoáveis, mesmo que
incompatíveis entre si, desde que venham a sustentar uma pretensão de verdade factível, e não uma
legitimidade excludente e endógena ao se interpretar nossas práticas à luz da Constituição brasileira.
O que se pode constatar é uma maior “desdiferenciação” em países da América Latina
e da África, mas em nenhuma hipótese, pode servir de justificação sob o manto de uma “modernidade
periférica” ou denominada de “tardia”, pois tais fatos somente revelam os paradoxos nos quais o
próprio constitucionalismo está submetido.
Por isso, a visão interna se faz necessária para complementar essas tentativas de
desconstrução, que, monolítica e paradoxalmente, acabam por eternizar o que buscaram denunciar.
Neste sentido, Michel Rosenfeld trabalha pressupostos factíveis de como lidar com a idéia de
simulacro tem no discurso constitucional a necessidade articulação perene de uma auto-identidade.30
A Constituição efetiva é uma construção e desconstrução cotidiana de identidades, e
não um “dado” hipostasiado, que pode ser qualificado como demonstrado alhures. Como outrora foi
afirmado, a Modernidade impôs aos países colonizados uma tarefa de, simultaneamente, perpassar por
conflitos e frustrações de expectativas normativas, diferentemente do processo temporal europeu que
foi sucessivo. Significa que o processo histórico institucional deve ser considerado como um
aprendizado dessas comunidades políticas com o legado anterior e posterior à Modernidade. É
28
RAMOS, Guerreiro. A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações. 2ª edição.
Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1989, p. 126).
29
VIEIRA PINTO, Álvaro. Consciência e realidade nacional. Volume I, Rio de Janeiro: ISEB, 1960, p. 90 e
216.
30
ROSENFELD, Michel. The Identity of the Constitutional…Ob. Cit. p. 1057. Para maior detalhamento dos
instrumentos defendidos pelo autor cf. nota 175. (.Tradução livre).
11
transcender contexto. Isso implica dizer que ninguém está impune de cumprir com sua tarefa diária de
responsabilizar-se pelo seu presente e futuro sem esperar uma “solução milagrosa” por meio de um
“salvador da pátria” neste eterno “país jovem”.
Assim fica evidente a necessidade da modificação de postura dos intérpretes da
Constituição, mediante a tomada das “rédeas” do destino em comum. Não há que se delegar a
ninguém, seja os representantes eleitos (os representados devem sentir-se co-autores das deliberações),
seja ao Poder Judiciário (inconcebível numa sociedade constitucionalmente bem ordenada a existência
de uma instituição que seja classificada como o “superego” de uma sociedade órfã31) a tomada de
decisões que somente esta comunidade de princípios pode realizar.
A permanecer o discurso particularista de “brasilização”32, poder-se-ia defender a
aplicação eficaz do princípio da fidelidade partidária somente no parlamentarismo europeu e no
presidencialismo norte-americano. Em países inadequadamente denominados de “tardiamente
modernos” ou “periféricos”, dar-se-ia somente em regimes autocráticos como no regime ditatorial
brasileiro pós-1964, nunca no regime democrático, sob os auspícios de uma teoria discursiva em que
todos os partícipes são tratados como sujeitos. O caminho é mais tortuoso porque não é qualquer
argumento que pode pretender ser universalizável e alcançar o consenso sem eliminar a possibilidade
do dissenso.
Por isso, a construção de uma cultura ético-política pluralista com fundamento em
instituições de mediação numa democracia constitucional deve ser o projeto permanente de uma nação
que busca ser próspera nas presentes e futuras gerações (vínculos com o futuro).
A crise constituinte, portanto, está ligada aos bloqueios à manifestação da soberania
plena no Brasil. É possível, ainda, tentar relacionar a questão do poder constituinte
do povo, com a interrupção da construção da Nação [...] a grande questão é a da
possibilidade, hoje, de concretização do projeto constitucional e da conclusão da
construção da Nação, em um contexto de estado de exceção econômico permanente
a que estamos submetidos. 33
Nesse aspecto, o patriotismo constitucional34 revela procedimentalmente o modo no
qual se pode ordenar a satisfação em termos justos para a cooperação entre indivíduos que a todo
instante buscam maiores momentos de liberdade e igualdade.
31
MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade: o papel da atividade jurisdicional na ‘sociedade
orfã. Trad. Martônio Lima e Paulo Albuquerque. Novos Estudos Sebrap, Nov. 2000, p. 185.
32
HABERMAS, Jürgen. Caminos hacia la detrascendentalización. De Kant a Hegel y vuelta atrás. In Verdad y
justificación: Ensayos filosóficos. Traducción: Pere Fabra y Luis Díes. Madrid: Editorial Trotta, 2002, p.
219/220, ênfase adicionada.
33
BERCOVICI, Gilberto. O poder constituinte do povo do Brasil: um roteiro de pesquisa sobre a crise
constituinte. In : MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson; BARRRETO LIMA, Martônio Mont’alverne (org.).
Diálogos constitucionais: direito, neoliberalismo e desenvolvimento em países periféricos. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006, p. 221-223.
34
‘‘Patriotismo constitucional é um conceito originalmente cunhado pelo jurista e politólogo alemão Dolf
Sternberger , por oportunidade do 30º aniversário da Lei Fundamental de Bonn, em artigo publicado em 1979,
Sterberger procurou sintetizar, com esse conceito, o que representava a construção de uma nova identidade
coletiva alemã [...]. Foi no contexto da polêmica conhecida como a ‘disputa dos historiadores’, poucos anos
antes da queda do muro de Berlim, que Habermas passa a empregar, pela primeira vez, a expressão patriotismo
constitucional. O que, para o autor, em face dessa disputa, esta em questão era dar uma resposta consistente ao
grave problema de identidade política acerca de como os alemães, após a experiência totalitária do nazismo, do
holocausto e dos campos de concentração, poderiam reconciliar-se com sua própria história [...] esse tipo de
patriotismo não está orientado por uma normatividade tradicional a se impor por meio de uma
facticidade social irrefletida. Ao contrário, a defesa habermasiana do patriotismo constitucional diz
respeito à própria construção, ao longo do tempo, de uma identidade coletiva advinda de um processo
democrático autônomo e deliberativamente construído internamente por princípios universalistas, cujas
pretensões de validade vão além, pois, de contextos culturais específicos. Em outras palavras, trata-se de
uma adesão racionalmente justificável, e não somente emotiva, por parte dos cidadãos, às instituições
12
A defesa do patriotismo constitucional de Habermas com fundamento na integração
político-constitucional, em vez da integração ético-cultural ingênua e emotiva, é capaz de perfazer um
diálogo com o construtivismo político de John Rawls, sobretudo ancorado na noção de razão pública e
consenso por sobreposição.
A Constituição é um procedimento justo que satisfatoriamente cumpre as exigências
de proporcionar maiores momentos de liberdade e igualdade aos membros da comunidade política,
uma vez que está estruturada diferentemente de outras normas jurídicas viáveis: as expectativas nela
depositadas são no sentido de ter maior probabilidade de produzir um sistema de autolegislação justa e
eficazmente vinculante35. Isso se estabelece pela adesão voluntária dos indivíduos ao universalismo,
até mesmo por motivos e formas de vida conflitantes entre si, mas buscam a integração social no
sentido de ampliar seus momentos de liberdade e igualdade, sem assumir uma postura fundamentalista
e excludente, mantendo-se o respeito recíproco e tolerante com outras formas de vida igualmente
viáveis.
V - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para aqueles que, ao constatarem os percalços histórico-institucionais da origem da
Constituição de 1988, buscam um réquiem para sua legitimidade, as duas décadas de sua existência
confirmam que Constituição não é “folha de papel” (Ferdinand Lassale), mas é fruto e uma construção
cotidiana.
Neste sentido, basta lembrar que poucas constituições brasileiras chegaram a tamanha
maturidade, basta pesquisar o número de monografias, dissertações de mestrado, teses de doutorado e
construções jurisprudenciais que orientam para um nova hermenêutica de efetivação dos direitos
fundamentais como produto de uma tensão entre constitucionalismo e democracia.
É neste terreno que se destaca o desempenho da Justiça Federal na prestação
jurisdicional vinculada a um ordenamento jurídico aberto e principiológico, e não mais fundamentado
político-constitucionais – uma lealdade política ativa e consciente à Constituição democrática. Isso
significa dizer que, em última análise, a defesa do patriotismo constitucional identifica-se não com uma
tradição cultural herdada, mas refletida à luz dos direitos fundamentais e da democracia, princípios
típicos do constitucionalismo moderno. Nesse sentido deve-se entender que a questão acerca da
legitimidade democrática das instituições políticas modernas só pode ser compreendida como a própria
construção e projeção a um futuro aberto dessa legitimidade [...] É preciso, assim, abandonar esse complexo
de inferioridade tão convenientemente tratado como um dado naturalizado e inquestionável, por uma parte da
doutrina constitucional brasileira, e que, na minha opinião, se revela, por um lado, como falta de compreensão
hermenêutica de mundo e, por outro, em verdadeira desconfiança autoritária em relação à democracia, de que
nos falava Menelick de Carvalho Netto e Bernardo Sorj, inclusive para que, enfim, não continuemos achando
que celebrar uma missa fúnebre para uma Constituição democrática irá de alguma maneira contribuir para o
aprofundamento ou o resgate de um projeto constitucional aberto, constituinte permanente, de um Estado
Democrático de Direito entre nós. Eis, portanto, como se propõe tratar reconstrutivamente da legitimidade da
Constituição da República brasileira, a partir de uma reflexão sobre o projeto constituinte moderno, aberto e
plural, de uma sociedade de cidadãos solidários, livres e iguais, que se realiza ao longo do tempo histórico,
enquanto aprendizado social, sujeito a tropeços, mas capaz de se corrigir a si mesmo. O que, em outras palavras,
justamente significa que o projeto constituinte de um Estado Democrático de Direito envolve processos jurídicopolíticos de construção histórica de uma identidade constitucional inclusiva e aberta, presente a tesão entre
facticidade e validade (Habermas), a partir de interpretações paradigmáticas de um mesmo sistema de direitos. E
esse sistema de direitos, garantidores das autonomias pública e privada, interpretado no debate público, aberto a
concepções ético-políticas e culturais, diversas e não-fundamentalistas, envolve, assim, a defesa de um
patriotismo constitucional, sobre o pano de fundo de uma cultura política pluralista.’’ (CATTONI, Marcelo.
Poder constituinte e patriotismo constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2006, p. 65/69 e 89/90, ênfase
adicionada).
35
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução: Almiro Pesetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins
Fontes, 1997, p. 241.
13
na escolha axiológica de determinados bens e interesses estatais. Demonstrando assim que a
Constituição é o que a comunidade política, como autora e, ao mesmo tempo, destinatária das normas
(expectativas de comportameto) que ela mesma entabula para fundar as próprias regras da vida em
comum.
VI - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BERCOVICI, Gilberto. O poder constituinte do povo do Brasil: um roteiro de pesquisa sobre a crise
constituinte. In : MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson; BARRRETO LIMA, Martônio
Mont’alverne (org.). Diálogos constitucionais: direito, neoliberalismo e desenvolvimento em países
periféricos. Rio de Janeiro: Renovar, 2006,
CARVALHO, Vladmir Souza. Competência da justiça federal. 7ª ed., Rio de Janeiro: Juruá Editora,
2006.
CARVALHO NETTO, Menelick de. A sanção no procedimento legislativo. Belo Horizonte: Del Rey,
1992.
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos,
2002.
______________. Devido processo legislativo. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000.
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A fazenda pública em juízo. São Paulo: Editora dialética, 2007.
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: Entre facticidade e validade. Vol. I e II. Trad. Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
LUHMANN, Niklas. La costituzione come acquisizione evolutiva, in Il futuro della costituzione,
Gustavo Zegrebelsky, Pier Paolo Portinaro e Jörg Luther Organizadores. Torino, Einaudi, 1996.
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução: Almiro Pesetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo:
Martins Fontes, 1997
SANTOS, Abraão Soares; GOMES, Fernando Alves. Direito constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2008.
14
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