DIRETRIZES Orientação e tratamento de usuários de cigarro, álcool e drogas Como orientar e tratar usuários de cigarro, álcool e drogas O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) e a Associação Médica Brasileira (AMB) elaboraram diretrizes para a orientação de profissionais que atendem usuários de cigarro, álcool e drogas, contidas no manual: Usuários de Substâncias Psicoativas: abordagem, diagnóstico e tratamento. O projeto, que levou um ano para ser concluído, visa informar todos os médicos e profissionais de saúde sobre as melhores evidências no tratamento da dependência química, assim como informar ao público em geral de que existem critérios sobre o melhor tratamento a ser feito.“Estamos diante de um problema de saúde pública que atinge todas as camadas sociais. O médico tem o dever de contribuir com a solução do problema”, afirma Regina Parizi, presidente do Cremesp. Para Reinaldo Ayer, que representou o Cremesp na coordenação dos trabalhos, “o uso nocivo de substâncias psicoativas tem sido pouco diagnosticado pelos médicos e cabe a todos os colegas, não apenas ao especialista, fazer o diagnóstico precoce, orientar corretamente o paciente e motivá-lo a buscar ajuda especializada”, afirma. Abordagem Geral do Usuário As diretrizes levam em conta o novo conceito de dependência química, descritivo, baseado em sinais e sintomas. Além de trazer critérios diagnósticos claros, aponta para a existência de diferentes graus de dependência, rejeitando a idéia anterior da existência apenas do dependente e do não-dependente. Desse modo, a dependência é vista como uma síndrome, determinada a partir da combinação de diversos fatores de risco, aparecendo de maneiras distintas em cada indivíduo. O diagnóstico de dependência consiste na obtenção de três perfis básicos: 1) o padrão de consumo e a presença de critérios de dependência; 2) a gravidade do padrão de consumo e como ele complica outras áreas da vida; e 3) a motivação para a mudança. De acordo com Ronaldo Laranjeira, coordenador científico das diretrizes, “se cada médico reservar três minutos de conversa com o paciente, é possível uma intervenção mínima sobre o uso de álcool e drogas”. Recomendações - Todo médico deve investigar o uso de álcool e drogas em seus pacientes, com atenção especial aos adolescentes. - Os pacientes que apresentam uso problemático de álcool e drogas devem receber orientação básica sobre os conceitos de abuso, dependência, abstinência, fissura e tratamento. - Intervenções comportamentais breves, com uso de técnicas motivacionais, podem ser eficazes. Técnicas de confronto devem ser evitadas. - A combinação de psicoterapia e farmacoterapia é mais efetiva. De acordo com a gravidade da síndrome de abstinência, a farmacoterapia deve ser administrada. - A família do paciente deve receber orientações e participar do tratamento. - Caso o médico generalista não se sinta apto a intervir, ele deve motivar o paciente a procurar ajuda especializada, realizando o encaminhamento. A seguir, deve estabelecer um sistema de referência e contra-referência para cada caso. Questões essenciais para avaliação do consumo de álcool e drogas - O último episódio de consumo (tempo de abstinência) - A quantidade de substância consumida - A via de administração escolhida - O ambiente do consumo (festas, na rua, no trabalho, com amigos, com desconhecidos, sozinho...) - A freqüência do consumo nos últimos meses Sinalizadores de problemas decorrentes do uso de álcool e drogas - Faltas freqüentes no trabalho e na escola - História de trauma e acidentes freqüentes - Depressão - Ansiedade - Hipertensão arterial - Sintomas gastrintestinais - Disfunção sexual - Distúrbio do sono Sinais físicos sugestivos do uso de álcool e drogas - Tremor leve - Odor de álcool - Aumento do fígado - Irritação nasal (sugestivo de inalação de cocaína) - Irritação das conjuntivas (sugestivo de uso de maconha) - Pressão arterial lábil (sugestivo de síndrome de abstinência de álcool) - Taquicardia e/ou arritmia cardíaca - “Síndrome da higiene bucal” (mascarando o odor de álcool) - Odor de maconha nas roupas Álcool Cerca de 12% da população brasileira têm problemas com o uso do álcool. Não existe consumo isento de riscos e a dependência de álcool é pouco diagnosticada. A ênfase da prática clínica geral diária está dirigida apenas às complicações clínicas do consumo, sendo que a demora em fazer o diagnóstico piora o prognóstico. Avaliação do risco O consumo de álcool é considerado de risco a partir da resposta afirmativa a duas das perguntas: 1Você alguma vez já sentiu que deveria diminuir a quantidade de bebida ou parar de beber? 2 As pessoas o(a) aborrecem porque criticam o seu modo de beber? 3 Você se sente culpado(a) (chateado consigo mesmo) pela maneira como costuma beber? 4 Você costuma beber pela manhã para diminuir o nervosismo ou a ressaca? Cigarro O consumo diário de cigarros atinge 20,3% da população paulista e 50% dos fumantes morrerão devido ao uso da nicotina. Essas pessoas precisam de tratamento, mas respondem pouco à prevenção. Os novos medicamentos dobram a chance de parar de fumar, como, por exemplo, a reposição de nicotina, bupropriona e nortriptilina. Questionário de Tolerância Fumante? ( ) Sim ( ) Não 1- Quanto tempo, depois de acordar, você fuma o seu primeiro cigarro? 0 Após 60 minutos 1 31-60 minutos 2 6-30 minutos 3 Nos primeiros 5 minutos 2- Você encontra dificuldades em evitar de fumar em lugares onde é proibido, como por exemplo igrejas, local de trabalho, cinemas, shoppings etc.? 0 Não 1 Sim 3- Qual é o cigarro mais difícil de largar ou de não fumar? 0 Qualquer um 1 O primeiro da manhã 4- Quantos cigarros você fuma por dia? 0 10 ou menos 1 11 a 20 2 21 a 30 3 31 ou mais 5- Você fuma mais freqüentemente nas primeiras horas do dia do que durante o resto do dia? 0 Não 1 Sim 6- Você fuma mesmo estando doente a ponto de ficar acamado a maior parte do dia? 0 Não 1 Sim Pontuação (gravidade da dependência da nicotina) 1 Leve 0 a 4 2 Médio 5 a 7 3 Alto 8 a 10 Maconha e cocaína A dependência de maconha está entre as dependências de drogas ilícitas mais comuns; 1 em 10 daqueles que usaram maconha na vida se tornam dependentes. Este risco é mais comparável ao de dependência de álcool (15%) do que de outras drogas (tabaco é de 32% e opióides é de 23%). Apesar da existência de muitos efeitos nocivos da maconha permanecerem inconclusivos, a recomendação é que os profissionais de saúde informem seus pacientes usuários de maconha sobre os já comprovados efeitos nocivos (risco de acidente, danos respiratórios para usuários crônicos, risco de desenvolver dependência para usuários diários e déficit cognitivo para os usuários crônicos). Os efeitos nocivos inconclusivos também devem ser transmitidos. Intervenções mínimas, de natureza motivacional ou cognitiva, têm se mostrado de grande valia para esses indivíduos. Já os casos de dependência estabelecida devem ser encaminhados para atenção profissional especializada. Cocaína Entre as maiores cidades do Estado de São Paulo, o uso de cocaína atinge 2,1% da população, constituindo-se na terceira substância ilícita mais utilizada, atrás dos solventes (2,7%) e da maconha (6,6%). A dependência é a principal complicação crônica relacionada ao consumo de cocaína. Até o momento, nenhum medicamento mostrouse eficaz para proporcionar alívio aos sintomas de abstinência, tampouco para atuar sobre o comportamento de busca da substância. As condutas a esse respeito têm sido tomadas a partir da prática clínica, sem, no entanto, haver evidências científicas comprobatórias. Outras substâncias Os benzodiazepínicos são responsáveis por cerca de 50% de toda a prescrição de psicotrópicos. Atualmente, um em cada dez adultos recebe prescrição desses medicamentos a cada ano, quase sempre feita por clínicos gerais. Estima-se que cada clínico tenha em sua lista 50 pacientes dependentes de benzodiazepínicos, sendo que metade gostaria de parar o uso. No entanto, 30% pensam que o uso é estimulado pelos médicos. Um estudo com adultos de uma cidade brasileira mostrou prevalência de 1,3% de usuários de anfetaminas, sendo que 80% dos usuários possuíam prescrição médica para adquirir a substância. Entre estudantes, o uso é eminentemente feminino, provavelmente com o intuito de perder peso. Quanto aos opiáceos, há grande consumo entre os médicos. Possivelmente será uma das principais drogas a aumentarem o consumo no Brasil nos próximos anos. Já os solventes estão entre as drogas mais usadas por estudantes de escolas públicas brasileiras e entre adolescentes de baixa renda. Diversos usuários crônicos apresentam quadros neurológicos graves. Como foram elaboradas as diretrizes O Cremesp e a AMB enviaram convite para participar do projeto aos especialistas brasileiros, em especial os que atuam em São Paulo. Foram realizadas revisões de experiências de todos os grupos profissionais envolvidos; recomendações de entidades internacionais e atualização das evidências científicas. As condutas foram definidas por um grupo de especialistas coordenado pelo Dr. Ronaldo Laranjeira, da Unifesp. Além do Cremesp e da AMB participaram da elaboração as seguintes instituições: Associação Brasileira de Psiquiatria (APB), Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead), Associação Paulista de Medicina (APM), Conselho Estadual de Entorpecentes do Estado de São Paulo (Conen), Instituto de Medicina Social e Criminologia de São Paulo (Imesc), Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (Grea-USP), Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad-Unifesp), Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad-Unifesp), Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid-Unifesp), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade de Santo Amaro (Unisa), Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), Faculdade de Medicina de Botucatu e Hospital Israelita Albert Einstein. A compilação dos textos e as sugestões de modificações ficaram a cargo do relator Marcelo Ribeiro Araújo. Todas as discussões foram acompanhadas por Moacyr Roberto Cuce Nobre, Wanderley Marques Bernardo, representantes da AMB, e Reinaldo Ayer de Oliveira, representante do Cremesp. O presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), Eleuses Paiva, ressalta que as recomendações integram o Projeto Diretrizes, iniciativa da AMB e do Conselho Federal de Medicina, que têm como objetivo conciliar informações das diversas especialidades médicas, baseadas em evidências científicas, e padronizar condutas que possam auxiliar a tomada de decisão do médico. Segundo ele, as informações devem ser submetidas à avaliação e crítica do médico, responsável pela conduta a ser seguida, diante da realidade e do estado clínico de cada paciente.