lesão por esforço repetitivo e a organização do trabalho

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LESÃO POR ESFORÇO REPETITIVO E A ORGANIZAÇÃO DO
TRABALHO1
Marly Helena Guelfi2
Neide Tiemi Murofuse3
RESUMO
As novas exigências do mundo do trabalho tendem a ocasionar diferentes doenças do
trabalho e dentre elas as Lesões por Esforços Repetitivos (L.E.R.). Com o intuito de
investigar a interferência do processo de trabalho nas manifestações da L.E.R. foi
desenvolvido o presente estudo, numa abordagem qualitativa, com o objetivo compree
nder a relação entre a L.E.R. e a organização do trabalho. A população foi constituída
pelos 210 filiados ao Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas Públicas, Empresas
de Economia Mista, de Estacionamento Regulamentado e Fundações do Município de
Cascavel (SITEP). A coleta de dados foi através de entrevistas semi-estruturadas, co
m quatro filiadas ao SITEP, com L.E.R.. Os depoimentos foram agrupados em duas c
ategorias: “Processo de Trabalho” e “A L.E.R. como doença do trabalho”. Os resultado
s apontam que o processo de trabalho atuou como fator determinante para o adoecim
ento, devido às exigências excessivas em relação à quantidade de notificações e
regularizações emitidas, às condições de trabalho submetidas e à pouca participação
nas decisões, bem como à ausência de pausas e a competição existente entre as
trabalhadoras. Constatou-se ainda a existência de dificuldades com o diagnóstico da d
oença, o posicionamento da empresa frente a doença e as limitações trazidas pela L.
E.R. na vida profissional e pessoal destas trabalhadoras, já que depois da cronificação
da doença as expectativas em relação ao futuro ficaram restritas. Concluímos com o
estudo que a prevenção desta patologia passa necessariamente pela mudança no pro
cesso e na organização do trabalho no modo de produção capitalista.
1
2
3
Extraído da monografia apresentada ao Curso de Especialização em Saúde Pública com ênfase em
Saúde Mental da Unioeste.
Psicóloga, Especialista da Prefeitura Municipal de Cascavel. E-mail: [email protected].
Telefone: 3035 – 7345.
Professora, Doutora do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus
de Cascavel. E-mail: [email protected].
PALAVRAS CHAVES: trabalho, adoecimento, Lesão por Esforço Repetitivo – L.E.R..
INTRODUÇÃO: O trabalho tem sido estudado como forma de organização e
manifestação da condição humana, porém, na maioria das vezes é visto como algo
natural. Compreender o trabalho e o trabalhador inseridos num modo de produção
como processo histórico e social, mas não natural, faz a diferença. Ao falar em
trabalhadores e doenças relacionadas ao trabalho, o enfoque predominante é a
perspectiva do trabalho no modo de produção capitalista e a exploração do homem
pelo homem como a única forma possível de organização do trabalho, sendo natural
obter lucros pela expropriação da força de trabalho. Fazendo a correlação do
processo saúde/doença com o trabalho, podemos perceber como as diferentes
formas de compreensão a respeito do trabalho interferem de maneira direta na
concepção da saúde do trabalhador. A organização do trabalho no modo de produção
capitalista define o ideal de trabalhador. As exigências estabelecidas desconsideram
as características individuais e podem levar ao adoecimento por um processo que
envolve condições somáticas, cognitivas, emocionais, sociais e ambientais. Para esta
compreensão devemos perceber como o trabalho é visto e entendido em nossa
sociedade. No final do século XX, tornou-se comum o discurso das mudanças que
estão ocorrendo no mundo do trabalho. O trabalhador de hoje deve ser diferente do
trabalhador de alguns anos atrás, a necessidade de envolvimento e comprometimento
com os objetivos da empresa se mostra como essencial, compreendemos a tentativa,
não como sinônimo de mudança como se quer fazer entender, mas como forma,
quase sempre bem sucedida, de exatamente manter as coisas como elas estão, uma
relação de dominação e submissão. Para Guareschi e Grisci (1993), os mecanismos
sociais, apesar de transformarem-se com o passar do tempo, permanecem com o
objetivo de fazer com que um trabalhador trabalhe mais, ou seja, de forma mais dócil
e eficiente, acreditando que não existe outra alternativa a não ser enquadrar-se no
padrão desejado. Através da crença criada de que existe uma obrigação moral de
trabalhar, de que é natural que uns tenham o controle sobre os outros, legitima-se as
relações de submissão e coerção. De acordo com Dejours apud Araujo (1998), o
sofrimento frente à organização do trabalho pode ser patogênico ou criativo. Pode ser
patogênico quando o que prevalece no trabalho é a repetição, a frustração, o
aborrecimento, o medo e o sentimento de impotência, levando o trabalhador a uma
descompensação mental ou psicossomática e, conseqüentemente, para a doença. Já
como força criativa, o trabalho beneficia a identidade do trabalhador, dando-lhe
resistência à desestabilização psíquica e somática, tornando o próprio trabalhador um
mediador para sua saúde. A presente investigação visa compreender como os
elementos de uma organização do trabalho interferem na manifestação de uma
doença do trabalho como a Lesão por Esforço Repetitivo (L.E.R.) tendo em vista que
trata-se de doença do trabalho envolta em controvérsias. Para Oliveira (1998), a
L.E.R. manifesta-se a partir de condições em que o trabalho é exercido pelos
indivíduos enquanto seres sociais, estando também ligada à organização do trabalho
e às relações sociais e econômicas existentes na sociedade. Por sua vez, a L.E.R., é
uma doença decorrente de uma dada organização do trabalho que afeta a saúde do
trabalhador, a produtividade (OLIVEIRA, 1998) e manifesta-se a partir das condições
em que o trabalho é exercido, numa determinada realidade econômica e social.
OBJETIVOS: compreender a relação existente entre a doença e a organização do
trabalho, na visão dos portadores de L.E.R. do município de Cascavel, Paraná.
METODOLOGIA: Trata-se de um estudo que se insere no campo da pesquisa social,
desenvolvido numa abordagem qualitativa que tem por objeto um nível de realidade
que não pode ser quantificado. Conforme a proposta de Minayo (1999) a abordagem
qualitativa visa aprofundar no mundo dos significados das ações e relações humanas.
A população do presente estudo foi composta pelos 210 filiados ao Sindicato dos
Trabalhadores
nas
Empresas
Públicas,
Empresas
de
Economia
Mista,
de
Estacionamento Regulamentado e Fundações do Município de Cascavel (SITEP). A
amostra foi constituída por seis portadoras de L.E.R. da Companhia Cascavelense de
Transporte e Tráfego (CCTT), concursados como orientadora de tráfego. Os aspectos
éticos foram observados e o projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética
em Pesquisa com Seres Humanos do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da
Unioeste. Os dados foram coletados através de entrevista semi-estruturada, com
roteiro contendo duas partes: a primeira com dados de identificação (cargo, função,
idade, tempo de empresa, diagnóstico), e na seqüência duas questões abertas
contendo a descrição das atividades profissionais (rotina, exigências, forma de
controle, forma de supervisão e relacionamentos), e a doença (início, sintomas
apresentados). As entrevistas foram gravadas em fita cassete e transcritas logo após,
sendo que as mesmas foram realizadas no período compreendido entre os meses de
outubro de 2000 a janeiro de 2001 e encerrada com a repetição e a saturação dos
dados. Houve muita relutância por parte dos participantes da pesquisa, devido ao
receio em se expor, pelo desgaste provocado pela doença e pelas dificuldades
vivenciadas na instituição e nas relações com colegas de trabalho e familiares. Foi
necessária a intervenção do presidente do Sindicato para que os trabalhadores
concedessem as entrevistas. Os conteúdos das entrevistas foram organizados a partir
da leitura dos depoimentos transcritos que foram agrupadas conforme a semelhança
das idéias apresentadas nos seguintes aspectos: carga horária, quantidade de
trabalho, descrição da atividade, exigências, condições de trabalho, surgimento dos
sintomas, reação da empresa frente à doença, limitações, posicionamento da chefia,
descrição da doença e reação apresentada. Após a releitura dos conteúdos
agrupados as idéias foram reagrupadas em duas categorias: “Processo de trabalho”
e a “A L.E.R. como doença do trabalho”. Os conteúdos das duas categorias
empíricas foram analisadas à luz do referencial teórico adotado no presente estudo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO: Na categoria denominada “Processo de trabalho”
utilizou-se os conceitos referentes à organização do trabalho no modo de produção
capitalista para analisar o desenvolvimento do processo de trabalho das entrevistadas.
Inicialmente apresenta-se a caracterização dos participantes do estudo e os
elementos da organização do trabalho. As entrevistadas eram todas do sexo feminino
e que, como orientadoras de tráfegos, desenvolviam atividades na área de
estacionamento regulamentado de Cascavel denominado Zona Azul. A idade variou
entre vinte e sete e quarenta anos e o tempo de serviço entre cinco a sete anos. A
rotina de trabalho das entrevistadas era estar nas ruas notificando veículos
estacionados irregularmente; sem o cartão de autorização ou com o tempo expirado,
bem como regularizar após a notificação, recebendo do usuário o valor referente ao
período estacionado. A carga horária de trabalho era de oito horas diárias, de
segunda a sexta-feira, com intervalo de duas horas para almoço e sem pausa durante
a jornada. A avaliação do trabalho das participantes do estudo ocorria através da
verificação da quantidade de notificações e regularizações emitidas por elas. Com o
passar do tempo houve intensificação do trabalho já que a meta inicial de 50
avisos/dia foi aumentada para 150 avisos e 150 regularizações ao dia. O horário
registrado nas notificações servia também como forma de controle do trabalho, por
parte do supervisor, e quando o tempo de notificação gasto por carro ultrapassava um
minuto era motivo de questionamento e cobrança. A ausência de pausas durante a
jornada de trabalho aliada à avaliação quantitativa dos avisos emitidos ou de
regularizações efetuadas pode levar ao desgaste físico, principalmente dos membros
superiores, devido a especificidade da atividade desempenhada. A ênfase na
quantidade destitui do sujeito o sentido mais amplo do trabalho, como possibilidade de
transformar a si e ao mundo e torna-o alienado. Esta visão está em conformidade com
o modelo taylorista de organização do trabalho que, ao enfatizar a atividade manual
desconsidera o trabalho intelectual, parcializa as tarefas e exige o cumprimento de
metas relacionadas à quantidade, como forma de controle e dominação. Outra forma
de controle e dominação, entre as orientadoras de tráfego, ocorria através da
competição existente entre elas. A disputa entre as trabalhadoras era acirrada como
forma de diminuir as cobranças e vigilância exercida sobre elas, ficar em boa situação
com a chefia e como forma de manter o emprego. Estas formas, aparentemente
contraditórias de vivenciar o trabalho, ou seja, por um lado a cobrança explícita, por
outro a responsabilidade de cada um em realizar suas tarefas como cobrança
implícita, são formas diferenciadas de manutenção da organização do trabalho no
modo de produção capitalista. A competição entre os trabalhadores é uma das formas
encontradas pelos administradores para conseguir maior produtividade de cada um,
conseguindo, além desta produtividade, algo que traz um ganho talvez maior que
esta, a individualização dos trabalhadores, competindo entre si não fazem mais parte
de um mesmo grupo, devem, portanto procurar atender interesses individuais, manterse no emprego, ser um bom empregado e bem quisto pela administração. A
existência do controle do tempo necessário para cada tarefa em relação ao montante
arrecadado, aliado à idéia de que quem produz mais é melhor evidenciava, entre as
entrevistadas, a continuidade do conceito de “homem padrão” em que se estabelecem
metas para o trabalho, sem considerar as características individuais, mas visando
exclusivamente o aumento da produtividade. Esta perspectiva de que quem produz
mais é melhor, atende a uma determinada concepção de trabalho e de trabalhador;
em que o próprio trabalhador, com objetivo de destacar-se dos demais, assume o
controle do próprio trabalho, tendo assim a impressão de que é ele que está no
comando de suas atividades, e não mais a chefia, dando a falsa sensação de ter
recuperado a sua subjetividade na atividade profissional desenvolvida, bem como sua
autonomia. Porém, ficou claro nos depoimentos que isso ocorre com único objetivo do
aumento da produtividade, já que o trabalho continua a ser medido, através da
quantidade e velocidade da atividade desempenhada. O resultado da análise do
processo de trabalho evidenciou o predomínio do trabalho repetitivo, ritmo intenso,
exigências de cumprimento de metas quantitativas, num ambiente sem espaço para
participação nas decisões ou manifestações de insatisfação. Trata-se de um conjunto
de elementos que infligem ao trabalhador sofrimento que além do físico, atinge a autoimagem, a auto-estima e o universo simbólico. A condição de não planejar o que faz,
não participar dos destinos de sua produção, não compreender as relações de
dominação e exploração no contexto de trabalho pode levar ao sofrimento psicológico
(GUARESCHI, 1993), pois a alienação do trabalhador em relação a seu trabalho, traz
como conseqüência o sofrimento (CODO, 1997). Na segunda categoria “A L.E.R.
como doença do trabalho” são abordadas as alterações físicas e as interferências no
ritmo de trabalho decorrentes dessa doença. Por ocasião das entrevistas as
trabalhadoras estavam afastadas de suas funções pela L.E.R.. O inicio dessa doença
foi associado à mudança no ritmo de trabalho pela limitação física apresentada. A dor
e a perda da sensibilidade dificultaram a escrita e restringiu o movimento para
destacar as notificações e recibos. A progressão dos sintomas levou a diminuição da
resistência física, do ritmo e da produtividade, ocasionando sofrimento às
trabalhadoras. O desgaste vivido na tentativa de cumprir as metas exigidas e suas
conseqüências sobre a saúde era percebido pelas entrevistadas, porém as mesmas
obrigavam-se a extrapolar os limites físicos a fim de manter-se empregadas e com
boa imagem perante o empregador. Segundo Dejours apud Tractenberg (1999), a
organização científica do trabalho veio acompanhada de exigências fisiológicas até
então desconhecidas, gerando novos padrões em relação ao tempo e ritmo de
trabalho, fazendo com que o corpo seja o principal ponto de impacto e causa de
adoecimento. Esta situação ficou demonstrada entre as entrevistas quando referiram
que ocorreram alterações físicas que acabaram interferindo em seus ritmos de
trabalho, mas que mesmo assim não podiam parar de notificar. Ao assumir condições
desfavoráveis e inadequadas o trabalhador além de vender sua força de trabalho
vende também sua saúde para permanecer empregado (BERLINGUER, 1983). Os
resultados obtidos evidenciaram que o adoecimento das trabalhadoras foi decorrente
das condições desfavoráveis da organização do trabalho marcada pela ausência de
intervalos, exposição ao sol e temperaturas elevadas, falta de local adequado para
higiene e hidratação. Acrescente-se ainda a convivência cotidiana com a tensão
gerada pelos conflitos decorrentes da relação estabelecida com os usuários. Na
atividade desempenhada como orientadoras de tráfegos recai sobre as trabalhadoras
a imagem que os usuários do serviço fazem delas, visto que suas atividades
acarretam ônus aos mesmos e assim muitas vezes eles acabavam por destratá-las,
considerando-as como representantes da instituição. Os depoimentos evidenciaram
que a organização do trabalho resulta em diferentes padrões de adoecimento dos
trabalhadores, em função das condições de trabalho a que estão expostos os
trabalhadores e as estratégias que estes utilizam para lidar com estas situações. De
acordo com Berlinguer (1983) o trabalhador além de vender sua força de trabalho
vende também sua saúde, submetendo-se às condições de trabalho desfavoráveis,
porém, necessárias para sua permanência no emprego. Na situação estudada
verificou-se que as condições desfavoráveis da organização do trabalho e das
condições oferecidas para o desempenho das atividades, ocasionaram o adoecimento
das trabalhadoras, mesmo que a doença aqui referida, a L.E.R., por vezes nem seja
considerada real, mas uma invenção, fingimento ou mentira do trabalhador. Para as
entrevistadas, as causas da doença relacionavam-se com as condições de execução
das atividades, pois o preenchimento dos formulários ocorria sobre pranchetas,
apoiadas no próprio braço, que interferia no posicionamento do punho da mão. Em
função do desconhecimento em relação à gênese da doença e à própria
discriminação existente, muitos trabalhadores relutaram em relacionar os sintomas
iniciais com a doença, já que admiti-la significaria admitir também a diminuição da sua
capacidade de trabalho e arcar com todas as conseqüências que isso poderia
acarretar, assim o que ocorre inicialmente é a negação dos sintomas que acabam
retardando o diagnóstico e o tratamento da L.E.R.. A dificuldade aumenta em relação
á identificação dos sintomas em função do posicionamento de muitos profissionais da
medicina que, também têm resistência em diagnosticar a doença como tendo sido
causada pelo trabalho. A L.E.R. é uma síndrome que engloba diversas doenças já
conhecidas da ortopedia, reumatologia e clínica médica que são decorrentes do uso
excessivo das estruturas osteomusculares em condições especiais e inadequadas em
que o trabalho foi executado, portanto, a denominação L.E.R. indica apenas a origem
laboral da síndrome e ela aponta as contradições fundamentais do modo de produção
capitalista
(OLIVEIRA,
1998).
O
diagnóstico
dessa
doença
do trabalho
é
fundamentalmente clínico e não apresenta, como outras doenças, a possibilidade de
ser comprovada através da realização de exames complementares. Muitos
profissionais médicos emitem prováveis diagnósticos e procuram explicar as suas
causas no próprio individuo e desconsidera a relação da doença com o trabalho
desempenhado. Entretanto, o diagnóstico inadequado resulta da falta de investigação
do possível nexo existente entre a doença e a atividade desempenhada. Ao
desconsiderá-la como uma doença do trabalho a explicação é buscada no indivíduo,
que acabou sendo responsabilizado pelo próprio adoecimento, sendo sua gênese
atribuída a fatores emocionais, genéticos ou de gênero. Outra tendência existente
entre os médicos, verificado através dos depoimentos, foi caracterizar a L.E.R. como
um problema psicossomático, ou seja, uma doença que teria sua origem em
problemas emocionais do individuo e se manifestaria através de sintomas físicos,
desvinculando
assim
a
doença
da
atividade
profissional
e
novamente
responsabilizando o individuo por seu problema de saúde. A L.E.R. caracteriza-se por
ser uma doença com um quadro clínico em que ocorre o predomínio dos sintomas
com poucos sinais, tornando-a uma doença “invisível” e freqüentemente são motivos
de dúvidas e acusações de simulação. Em função destas dificuldades quando o
trabalhador percebe o aparecimento dos sintomas iniciais ele faz diversas tentativas
de solucionar, individualmente, as dores apresentadas e assim evitar maiores
sofrimentos decorrentes das acusações de simulação (MUROFUSE,2000). Trata-se
de uma situação marcada por muita angústia e busca estratégias para solucioná-los,
já que a possibilidade de ser visto como alguém que simula uma condição de
sofrimento também é geradora de sofrimento. Quando a doença atinge um estágio
que possibilita sua detecção através de exames de radiografias e ultrassonografias,
os trabalhadores já estão apresentando limitações não só em suas atividades
profissionais, mas também em atividades da sua vida diária. As entrevistadas
relataram que devido ao preconceito e a discriminação muitos negaram a doença até
impossibilitar o trabalhando. Tendo a capacidade laborativa comprometida, a L.E.R.
afeta também as perspectivas em relação ao futuro pessoal e profissional, já que os
entrevistados dependem exclusivamente de seu trabalho para garantir sua
sobrevivência, sendo isto mais um motivo de sofrimento causado pela doença. A falta
de perspectiva de reabilitação profissional e de alternativas que possam ser
oferecidas pela empresa levam ao sentimento de abandono e desespero em relação
ao futuro. O sentimento de abandono e desespero em relação ao futuro surgiu pela
falta de perspectiva de reabilitação profissional e de alternativas na empresa. Os
depoimentos corroboram os achados de Oliveira (1998, p.27) sobre o aspecto de que
a L.E.R. “[...] cronificada tem uma faceta social terrivelmente excludente. Marginaliza o
individuo.” Isto ocorre pelo fato de o individuo ser retirado do processo de produção,
causando
revolta
e
problemas
emocionais,
estes
entendidos
aqui
como
conseqüências da doença e não causa dela. Ao terem a clareza de que a doença da
qual são portadoras tem como causa o processo de trabalho a que estão submetidas,
as trabalhadoras entrevistadas passam a ter este sentimento de revolta e desânimo
em relação ao trabalho e à empresa. Compreendem a condição de exploração a que
foram submetidas e responsabilizam a empresa, conseguindo, assim, ainda maior
hostilidade por parte desta, demonstrando um processo de conscientização em
relação aos seus direitos como trabalhadoras. Como pudemos perceber através da
analisa das falas das entrevistadas, a L.E.R. é uma doença relacionada ao trabalho,
às condições em que ele é exercido, portanto, diretamente ligado à organização do
trabalho no modo de produção capitalista, em que a exploração de um homem pelo
outro permeia as relações de trabalho e determina a condição de vida do trabalhador.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: A investigação realizada evidenciou que a organização
do trabalho favoreceu o desenvolvimento da L.E.R., seu agravamento e o surgimento
de novos casos. Os elementos comuns do processo de trabalho foram as excessivas
exigências em relação à quantidade de atividades, condições de trabalho
desfavoráveis e ausência de participação do trabalhador mesmo nas decisões que
interferem diretamente em sua vida e, sobretudo, em sua saúde. Ao permanecer a
lógica da exploração da “mão-de-obra” com vistas à produtividade, o adoecimento
será uma constante seja como L.E.R. ou outras formas de manifestação.
Contextualizando a relação de trabalho aqui estudada inserida, no modo de produção
capitalista, em que o trabalhador é visto como mercadoria de compra e venda, ocorre
o confronto entre quem compra o trabalho, e quer usufruir ao máximo da mercadoria
comprada, e entre quem vende seu trabalho, que quer preservar sua força de trabalho
para então poder vendê-la novamente, possibilitando assim sua sobrevivência, porém
percebemos nesta luta a desigualdade de forças, como afirma Marx apud Oliveira
(1998, p.179) “uma antinomia direito contra direito, ambos apoiados no intercâmbio de
mercadorias. Entre direitos iguais, decide a força”. Na maioria das vezes a força
maior, aqui referida, está nos compradores da mercadoria, restando ao trabalhador,
vendedor desta mesma mercadoria, ceder nesta relação de forças. Quando os
envolvidos num processo de trabalho concebem o modo de produção capitalista como
natural e imutável, tornando também natural a venda e compra da força de trabalho,
ao surgirem manifestações de falhas neste sistema, logo elas são vistas como
devidas à falta de compreensão e adaptação do indivíduo, nunca do sistema. A
justificativa para a ocorrência de falhas seria atribuída, ao trabalhador que por não
estar adaptado, não saberia como exercer sua função sem adoecer, ou ainda como se
fosse decorrente de seu estado emocional a causa que o estaria levando a ter
problemas com sua produção ou ao seu adoecimento. Individualizar o problema ou
desconsiderar a fala do trabalhador, parece ser este o caminho encontrado para que
as coisas permaneçam como estão. Ao não conseguir, neste conflito de forças
desiguais, impor suas defesas quanto aos excessos impostos à sua resistência física
e psíquica, o trabalhador adoece. Vimos nos depoimentos que por vezes houve a
tentativa de mudar a forma de trabalho imposta, porém, como não cabia aos
trabalhadores este poder de decisão, restava-lhes apenas executar o determinado. O
adoecimento, aqui especificamente falamos da L.E.R., veio então agravar a situação
de trabalhadores expostos a condições de trabalho com exigências excessivas. O que
percebemos nesta pesquisa é que a L.E.R. aponta as contradições capital/ trabalho
ao relacionar o adoecimento do trabalhador à organização do trabalho e, também as
contradições na questão saúde/ doença, ao considerar esta patologia como um
problema individualizado e, mais ainda, por ter como sintomas iniciais a dor, e ser esta
subjetiva, então difícil de ser comprovada e atestada, os profissionais da saúde
encontrem-se também num momento de conflito dentro do seu conhecimento
tradicional. Considerando-se os problemas trazidos pela doença, acreditamos que a
prevenção é o caminho mais lógico a ser seguido, porém quando falamos em
prevenção não estamos pensando em estratégias direcionadas ao indivíduo somente,
como ginásticas laborais, técnicas de relaxamento, ou medidas ergonômicas, como
observamos freqüentemente, e que originou o interesse por este estudo. Fazem-se
necessárias aqui medidas mais abrangentes, referentes principalmente ao processo
de trabalho e à organização do trabalho de maneira mais complexa. As questões em
comum encontradas nos depoimentos, referentes à organização do trabalho,
demonstram que o adoecimento do trabalhador não é um processo exclusivamente
fisiológico, mas com uma faceta social determinante, a forma social de utilização do
corpo, definida aqui pela organização do trabalho no modo de produção capitalista.
Ouvir o trabalhador, considerar sua experiência, pensar o trabalho como processo
construtivo e não condição de luta e exploração “natural” da organização do trabalho,
parece ser um caminho possível para evitar novos sofrimentos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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