MACROECONOMIA: DINÂMICA E EQUILÍBRIO 1 INTRODUÇÃO A

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Revista Eletrônica Novo Enfoque, ano 2011, v. 13, n. 13, p. 29 – 41
MACROECONOMIA: DINÂMICA E EQUILÍBRIO
BIELSCHOWSKY, Pablo 1
CUSTÓDIO, Marcos da Cunha 2
1
Doutorando em Economia – UFF, Prof. da ESGT - UCB 2Mestrado em Economia Empresarial –UCAM, Prof. da ESGT UCB
1
INTRODUÇÃO
A partir da contribuição de Keynes, a macroeconomia se orienta por duas grandes
controvérsias: o debate sobre a dinâmica econômica e sobre o equilíbrio de curto prazo.
O debate sobre a dinâmica se inicia com as contribuições de Harrod e Kalecki, que
atribuem a instabilidade do capitalismo ao efeito dual do investimento. O problema do efeito
dual do investimento de Harrod será incorporado pela síntese neoclássica através dos modelos
de acelerador-multiplicador de Samuelson e Hicks.
Harrod aponta também para o problema da excepcionalidade do crescimento com
pleno emprego. Kaldor responde que a distribuição de renda ajusta o nível de poupança para
permitir o crescimento de pleno emprego, enquanto Solow argumenta que a relação
capital/produto se ajusta para permitir o pleno emprego – incorporando o problema do
crescimento de pleno emprego na teoria neoclássica.
O debate sobre o equilíbrio de curto prazo se inicia com as contribuições de Hicks, que
reduz o problema da determinação do emprego ao problema do equilíbrio de curto prazo, e
interpreta a análise de Keynes como um caso especial da macroeconomia neoclássica. Em
seguida, Modigliani analisa as situações que podem resultar em desemprego involuntário.
Contrapondo-se à sintese neoclássica, Friedman defende a teoria quantitativa da moeda e
atribui o desvio do desemprego ante seu nível natural aos erros na expectativa de inflação dos
trabalhadores. Lucas desenvolve esta análise, argumentando que as oscilações da oferta
agregada em relação ao nível natural decorrem da dificuldade de distinguir as mudanças de
preços relativos e absoluta.
Este artigo pretende recuperar a evolução da macroeconomia a partir de suas
principais controvérsias. A segunda seção resgata a contribuição independente de Kalecki. A
terceira seção apresenta a controvérsia sobre a dinâmica macroeconômica. A seção quatro
analisa a controvérsia sobre o equilíbrio macroeconômico de curto prazo.
2
A CONTRIBUIÇÃO DE KALECKI
Embora as contribuições de Kalecki sejam independentes das contribuições de
Keynes, a análise do ciclo de Kalecki influenciou a controvérsia sobre a dinâmica econômica
travada durante a “era de ouro” do capitalismo. Kalecki dá quatro contribuições ao
pensamento econômico: a conclusão que os capitalistas ganham o que gastam, o multiplicador
do investimento, análise dos determinantes do investimento e a análise dos ciclos de
sobreacumulação.
A partir da equação renda nacional no livro “Teoria da dinâmica econômica” de 1954,
e dos esquemas reprodução no texto “as equações marxistas de reprodução e a economia
moderna” de 1968, Kalecki conclui que os capitalistas ganham o que gastam, e que o nível da
produção nos departamentos de bens de capital e bens de consumo dos capitalistas determina
o nível da produção no setor de bens de consumo dos trabalhadores. Deste modo, chega num
resultado semelhante ao princípio da demanda efetiva de Keynes.
Kalecki (1968) modifica os esquemas de reprodução de Marx. Seja DI o departamento
de bens de capital, DII o de bens de consumo dos capitalistas, e DIII o de bens de consumo
dos trabalhadores. Supondo que: cada insumo é incluido no respectivo departamento, que os
três departamentos produzem bens finais, e os trabalhadores consomem toda a renda, Kalecki
obtém então os esquemas:
DI
L1
S1
I
DII
L2
S2
Cc
DIII
L3
S3
Cw
S
Y
Total L
Uma vez que os trabalhadores não poupam: Cw = S.
Segue-se que
L3 + S3 = S1 + S2 + S3
Portanto:
L3 = S1 + S2
Deste modo:
L = L1 + L2 + L3 = L1 + S1 + L2 + S2.
Logo
L = I + Cc
No capítulo 3 da Teoria da Dinâmica Econômia, Kaleki (1954) obtem resultados semelhantes.
Partindo da equação da renda nacional:
Y= L + S = I + Cc + Cw
Uma vez que os trabalhadores não poupam:
S = Cw
Segue que:
L = I + Cc.
Portanto:
L1 + L2 + L3 = L1 + S1 + L2 + S2
Portanto:
L3 = S1 + S2
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Partindo destes caminhos distintos, Kalecki (1954, 1968) conclui que:
Uma vez que os capitalistas não podem decidir o que ganham, mas apenas o que
gastam, a igualdade L = I + Cc significa que os capitalistas ganham o que gastam,
ou seja, os gastos com Investimento I e consumo capitalista Cc determinam o lucro
L.
A condição equilíbrio L3 = S1 + S2 indica que a produção em D3 aumenta até L3
= S1 + S2. Portanto, a produção nos departamentos I e II determina a produção no
departamento III. Deste modo, a decisões de gasto dos capitalistas determinam a
renda.
A segunda contribuição de Kalecki (1954), o Multiplicador do Investimento, mostra
que os gastos em investimento determinam os gastos em consumo e a renda1.
Y = I/(1- )(1-q).
A terceira contribuição de Kalecki (1954), sua análise dos determinantes do
Investimento, pode ser resumida pela equação:
I = aS + b L - c K + d
Nesta equação:
aSt reflete as condições de financiamento sujeitas ao princípio do risco crescente,
indicando que um aumento da poupança amplia o acesso ao financiamento interno e
externo.
L e K refletem a necessidade de ajuste da capacidade produtiva:
o
L indica que o aumento da demanda resulta em aumento do uso da
capacidade, estimulando o investimento
o
K indica que o aumento do estoque capital resulta em queda do uso da
capacidade, desestimulando o investimento
d reflete o componente autônomo do investimento: gastos públicos, inovações...
1
No capítulo 2, Kalecki (1954) supõe que: (i) o grau de monopólio afeta a distribuição renda, de modo que o
salário S flutua menos renda Y, e (ii) os trabalhadores consomem todo salário. Obtém então a relação entre o
consumo dos trabalhadores e a renda real: S = Y+ . No capitulo 4 supõe que o consumo dos capitalistas Cc é
proporcional (q) ao lucro L no período anterior. Uma vez que os capitalistas ganham o que gastam L = I + Cc,
Kalecki conclui que o lucro segue o investimento: Lt = (It- + A)/1-q. Então, no capítulo 5, dado que S = Y – L,
Kalecki obtém o multiplicador do investimento: Yt = It- /(1- )(1-q)
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Sua quarta contruição é análise dos ciclos de sobreacumulação. Kalecki (1954) combina o
multiplicador com os determinantes do investimento, obtendo:
i t+1 = a it +
1+c
it + g
t
Onde:
O termo (a/1+c)it: indica o efeito defasado do investimento na capacidade, que
desestimula os novos investimentos
O termo ( it/ t); <1: reflete o efeito imediato do investimento na demanda efetiva,
que estimula os novos investimentos
Analisando o impacto destes termos nas quatro fases do ciclo:
(a/1+c)it
( it/ t)
Ascenção: i>0, i>0
Reduz i t+1
Aumenta i t+1
Queda: i>0, i<0
Reduz i t+1
Reduz i t+1
Recessão: i<0, i<0
Aumenta i t+1
Reduz i t+1
Retomada: i<0, i>0
Aumenta i t+1
Aumenta i t+1
Deste modo:
Na ascensão o crescimento dos investimentos amplia imediatamente a demanda,
estimulando os novos investimentos. De outro lado, o investimento positivo amplia a
capacidade, desestimulando de modo defasado os novos investimentos até provocar a
reversão do ciclo para baixo.
Na queda, a diminuição dos investimentos reduz demanda, e o investimento positivo
aumenta capacidade. Ambos os efeitos contribuem para reduzir o investimento, que cruza
a linha de depreciação vinda de cima.
Na recessão: a queda investimentos contrai imediatamente a demanda, desestimulando os
novos investimentos. No entanto, o investimento negativo reduz a capacidade,
estimulando de modo defasado os investimentos até provocar a reversão do ciclo para
cima.
Na retomada, o crescimento do investimento amplia demanda, e o investimento negativo
reduz capacidade. Ambos os efeitos estimulam o investimento, que cruza a linha de
depreciação vinda debaixo.
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3
O DEBATE SOBRE A DINÂMICA ECONÔMICA
O modelo de Harrod (1939) busca conciliar a análise clássica da acumulação de capital
com o principio da demanda efetiva de Keynes. Harrod opõe três taxas de crescimento:
efetiva, garantida e natural. Sejam (g) a taxa de crescimento (g = ∆Y/Y) e (s) a propensão a
poupar constante (s = 1-c).
Supondo dadas (i) a poupança ex-post S = sY
(ii) a relação capital-produto incremental ex-post v = I/∆Y.
Então, o equilíbrio ex-post entre poupança e investimento S =I determina a taxa de
crescimento efetiva ga= s/v.
Supondo que (i) a poupança ex-post S=sY está dada,
(ii) o investimento ex-ante Iex-ante busca manter uma relação capitalproduto estável: Iante = vd∆Y.
Então o equilíbrio entre a poupança ex-post e o investimento ex-ante, S = Iante,
determina a taxa de crescimento garantida: gw = s/vd.
Seja n a taxa de crescimento da força de trabalho, supondo que o progresso técnico é
neutro, segue que a taxa de crescimento natural é gn = n.
A partir desta análise, Harrod destaca dois problemas para o crescimento com pleno
emprego:
1. O equilíbrio de pleno emprego exige que: n = s/vd. No entanto n, s , vd são variáveis
exógenas e independentes. Deste modo, o crescimento com equilibrio de pleno
emprego é uma coincidencia excepcional.
2. O Fio da Navalha: não há porque I ex ante e S ex post se igualarem. Se a taxa de
crescimento efetiva for maior que taxa de crescimento garantida (ga >gw), então o
equilibrio ex-post resulta em sobre uso da capacidade (v<vd). As tentativas de
aumentar o investimento aumentam ∆Y, agravando o desequilíbrio. Se ga<gw ocorre o
inverso.
Deste modo, Harrod (1939) mostra que o investimento: cria uma capacidade produtiva
para um nível de renda esperada (ex-ante), e determina através do multiplicador uma renda
efetiva (ex-post). Se renda efetiva for superior a renda esperada, a sobreutilização da
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capacidade estimula uma ampliação ainda maior do investimento (acelerador), que aumenta
novamente a renda efetiva (multiplicador)... O inverso ocorre quando a renda verificada expost é inferior a renda esperada ex-ante. Kalecki (1954) acrescenta que o efeito do
investimento sobre a renda é imediato, enquanto que seu efeito sobre a capacidade é
retardado, o que resulta em ciclos de sobreacumulação. Na ascensão, os investimentos
ampliam a renda (multiplicador), que estimula os investimentos (acelerador), que amplia a
renda... A onda de investimentos prossegue até que a capacidade produtiva entrar em
operação. Então, o nível de investimento começa a cair frustrando as expectativas de renda
(multiplicador), o que contrai ainda mais o investimento (acelerador)... Em uma espiral
recessiva que se estende até o estoque de capital se depreciar e ter de ser reposto. Então, o
nível de investimento volta a subir, estimulando a renda, que amplia o investimento...
Resultando em uma nova onda de investimento.
Tanto Harrod quanto Kalecki argumentam que o efeito dual do investimento resulta
em um sistema inerentemente instável, que não tende a nenhum equilíbrio. O problema do fio
da navalha de Harrod será incorporado pela síntese neoclássica através dos modelos de
acelerador-multiplicador de Samuelson (1939) e Hicks (1949), que reduzem o problema da
instabilidade ao problema dos valores dos parâmetros v e c necessários para a flutuação
amortecida.
Seja “v “= o coeficiente do acelerador e” I” = o investimento, “Io” =o investimento
autônomo, C o consumo, co =o consumo autônomo, c = a propensão marginal a consumir, Y
= renda. No modelo de Samuelson (1939), o acelerador é dado por It = I0 + v(Ct – Ct-1). O
multiplicador é determinado pela função consumo Ct = co + cYt-1 e pela equação do produto
Yt = Ct + It. A combinação do acelerador com o multiplicador resulta em uma equação em
diferenças, de onde se conclui que as flutuações são constantes se c=1/v, amortecidas se
c<1/v, e explosivas se c>1/v. No modelo de Hicks (1949), o acelerador é dado por It = I0 +
v(Yt-1 – Yt-2). O multiplicador é semelhante ao de Samuelson. A combinação do acelerador
com o multiplicador resulta em uma equação em diferenças, de onde se conclui que: se v = 1
as flutuações são constantes, se v>1 as oscilações as explosivas, e se v<1 as oscilações são
amortecidas.
Kaldor (1955-56) parte do 1º problema de Harrod, para mostrar que s se ajusta para
igualar n=s/v, permitindo o crescimento de pleno emprego. Para Kaldor:
Sendo sp a propensão a poupar dos capitalistas, supondo que os trabalhadores não
poupam, segue que: s=sp(P/Y).
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O crescimento de pleno emprego exige que: s=vdn, portanto: sp(P/Y) = vdn.
Kaldor argumenta que a distribuição de renda ajusta S a I, através da compressão do consumo
C. Quando a poupança S é inferior ao investimento I, o aumento dos preços aumenta s,
elevando a poupança S até que S=I. Inversamente, quando a poupança S é superior ao
investimento I, a queda dos preços reduz s, resultando na queda da poupança S até que S=I.
Deste modo, a taxa de investimento (vn) e a taxa de poupança dos capitalistas (sp) determinam
a distribuição de renda (P/Y).
Solow (1956) também parte do 1º problema de Harrod, mas argumenta que a relação
capital/produto v se ajusta para igualar n=s/v. Admitindo para simplificar que a depreciação é
zero. Supondo que
(i)
I = ∆K, (ii) S = sY,
(ii)
I = S,
(iii)
a função produção Y=F(K, L) tem retornos constantes escala,
Sendo k=K/L, e y=Y/L, segue que: y = F(K/L, 1) = f(k).
Portanto:
∆k = sf(k) – nk.
Logo:
∆k/k = (s/v) – n.
Deste modo, se k<k*, então sf(K) >nk, o que resulta no aumento de k. O inverso ocorre se
k>k*. Solow conclui que a tendência ao estado estácionário sf(k*)= nk* resulta na tendência
ao equilibrio s/v = n. Deste modo, Solow incorpora o problema do crescimento de pleno
emprego de Harrod ao pensamento neoclássico.
4
A CONTROVÉRSIA SOBRE O EQUILÍBRIO NO CURTO PRAZO
A análise da determinação do emprego no curto prazo realizada por Keynes será
rapidamente incorporada pelo pensamento neoclássico nos trabalhos de Hicks e Modigliani.
No entanto, esta incorporação só se completa com a difusão das teses de Friedman e Lucas na
década de 1970, quando o problema da dinâmica é eclipsado pelo problema da instabilidade
macroeconômica nos paises centrais.
Hicks (1937) constroi as curvas SI e LL, para enquadrar a análise de Keynes no
modelo de equilíbrio geral Walrasiano.
Supondo que a oferta de moeda é exógena (definida pela autoridade monetária), e que
a demanda por moeda decorre dos motivos transação que depende da renda e especulação que
depende da taxa de juros. Então a curva LL indica as combinações de r e Y compatíveis com
o equilíbrio no mercado de moeda
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MD (r,Y) = MS.
Uma vez que YD= C+ I, e que YS = C+S, em equilíbrio I=S. Supondo que a demanda
por investimento é determinada pela taxa de juros, que é a oferta de poupança é determinada
pela renda via multiplicador. Então a curva SI indica as combinações de taxa de juros r e
renda Y compativeis com o equilíbrio no mercado de bens
I(r) =S(Y)
O cruzamento entre as curvas de SI e LL indica os niveis de r e Y compatíveis com o
equilibrio no mercado de Moeda e de Bens. A partir desta análise, Hicks opõe o caso clássico
e caso Keynesiano como casos especiais de uma teoria macroeconomica neoclássica mais
geral. No caso clássico, a TQM implica que MD = kY, resultando em uma curva LL vertical,
que torna política monetária (os deslocamentos da curva LL) eficiente e a política fiscal
(deslocamentos da SI) ineficiente para afetar o produto. No caso Keynesiano, a curva LL é
horizontal, o que torna a política monetária (deslocamentos da LL) ineficiente e a política
fiscal (deslocamento da SI) eficiente para afetar o produto.
Pigou (1943) defende o “modelo clássico” argumentando que, se os salários são
flexíveis, quando a economia está abaixo do pleno emprego, a queda dos salários nominais
resulta em queda dos preços, ampliando a riqueza real, o que estimula os gastos com
consumo, restaurando o pleno emprego.
Segundo Modigliani (1944), sem a rigidez dos salários nominais, a armadilha da
liquidez e a insensibilidade juros-investimento não ocorrem. Então, o desemprego
involuntário resulta em queda dos salários nominais, que resulta em queda dos preços,
ampliando os saldos reais M/P, o que resulta na queda da taxa de juros, elevando o
investimento, e assim do produto até que o aumento do emprego restaure o pleno emprego.
Modigliani conclui que, mesmo se os salários forem flexíveis, existem duas situações que
podem resultar em desemprego involuntário no longo prazo: (i) a armadilha da liquidez (LM
horizontal), quando a ampliação dos saldos monetários reais não reduz a taxa de juros, e (ii) a
insensibilidade juros-investimento (IS vertical), quando a queda da taxa de juros não resulta
em ampliação do investimento. Nestas condições, a política monetária se revela ineficaz,
enquanto que a política fiscal se revela eficaz para afetar o produto.
Friedman (1956) critica a substituição exclusiva entre moeda e títulos da síntese
neoclássica, argumentando que a moeda tem diversos substitutos possíveis na carteira ativos.
Para Friedman, a demanda por saldos monetários reais depende da renda permanente, dos
salários, do retorno esperado dos títulos, da inflação esperada e da utilidade da moeda. A
partir desta crítica, Friedman “restaura” a teoria quantitativa da moeda argumentando que, o
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aumento na oferta de moeda resulta em saldos monetários reais (M/P) superiores aos
desejados, levando os agentes a comprar outros ativos para ajustar suas carteiras. Friedman
critica a síntese neoclássica afirmando que, no curto prazo, o excesso de saldos monetários
reais é absorvido diretamente pelo crescimento da renda, tendo pouco efeito sobre a taxa de
juros. No longo prazo, o aumento dos preços absorve o aumento da oferta de moeda.
Friedman (1968) adota a curva de demanda macroecômica por trabalho do “modelo
clássico”, ND(w, p), onde as firmas conhecem os salários e os preços. Mas argumenta que a
curva de oferta macroeconômica de trabalho depende das expectativas dos preços, pois os
trabalhadores conhecem apenas os salários. E acrescenta que estas expectativas são
adaptativas, o que significa que a inflação esperada no período atual é igual à inflação
observada no período anterior. Uma vez que o emprego N e o desemprego U estão
inversamente relacionados, a curva de oferta de trabalho NS(w,pe) pode ser aproximada pela
curva de Phillips com espectativa adaptativa: w = f(U) + Pe.
Partindo de um equilíbrio com inflação zero, a teoria quantitativa da moeda implica
que, no curto prazo, um aumento da oferta de moeda resulta em um aumento dos preços e, em
menor grau, dos salários. Esta inflação não esperada, combinada com o aumento do salário
nominal, leva os trabalhadores a acreditar que o salário real aumentou, quando de fato o
salário real se reduziu. Os trabalhadores reagem ampliando a oferta de trabalho. No outro lado
do mercado de trabalho, as firmas, que conhecem os preços e os salários, percebem que o
salário real se reduziu, e ampliam a demanda por trabalho. O que resulta na queda do
desemprego. No longo prazo, os trabalhadores percebem que estão sendo enganados, pois o
salário real se reduziu, e contraem a oferta de trabalho, trazendo o emprego e o salário real de
volta para seu nível natural - os trabalhadores incorporam a inflação observada em suas
expectativas deslocando a curva de Phillips para w1 = f(UN) + Pe1. Portanto, no longo prazo, a
curva de Phillips é vertical, e a moeda é neutra.
Friedman (1968) conclui que a política monetária é ineficiente no longo prazo e só
reduz o desemprego no curto prazo porque engana o trabalhador. Isto significa que o
desemprego só pode ficar abaixo do natural durante um período longo de tempo porque o
governo engana continuamente o trabalhador, provocando uma inflação crescente. A partir
desta análise, Friedman critica as políticas monetárias discricionárias (ativas), e defende uma
política monetária orientada por metas de crescimento da oferta de moeda, associada a
políticas de redução do desemprego natural (voluntário-friccional) conhecidas como “suply
side”.
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Lucas (1972, 1993) adota o equilíbrio geral neowalrasiano2, que implica na Lei de
Say, para sustentar que a oferta agregada determina a renda nacional. E adota a Hipótese de
Expectativas Racionais (HER)3 para argumentar que a informação limitada resulta em
oscilações da oferta agregada, explicando as oscilações da renda. Deste modo, Lucas
desenvolve o argumento iniciado por Friedman, de que o desequilíbrio decorre de um erro na
formação das expectativas. No entanto, apaga a diferença entre capitalistas e trabalhadores, e
afirma que o erro de expectativa é corrigido durante o curto prazo.
Para Lucas, cada agente isolado observa o preço no mercado em que participa, mas
não sabe qual será o nível geral dos preços ao final do período. Esta informação limitada
resulta no problema de extração do sinal: a partir dos preços observados em seu mercado, o
agente deve decidir se a mudança dos preços que ele observa decorre de mudanças do nível
geral dos preços ou de mudanças dos preços relativos, ou seja, deve formular uma previsão da
inflação conforme a HER. A partir desta análise, Lucas formula sua função de oferta:
Y-YN = a(P - Pe).
Uma vez que o produto e o desemprego estão inversamente relacionados, segue-se que:
U-UN = ψ(Pe-P).
Então, se a inflação efetiva é superior a inflação esperada (P-Pe > 0), cada agente interpreta a
equivocadamente a variação dos preços em seu mercado como uma mudança dos preços
relativos, e reage ampliando a oferta, o que resulta em um nível de produto e emprego
superior ao nível natural de pleno emprego (Y-YN>0). No entanto, antes que o “curto prazo”
2
A construção dos modelos de equilíbrio geral neowalrasianos decorre de uma longa controvérsia sobre a
inclinação das curvas de oferta e demanda. Na década de 1920 diversos autores criticaram as curvas de oferta e
demanda de Marshall, afirmando que os retornos crescentes podem gerar uma curva de oferta decrescente, e que
a diferenciação de produtos afeta as curvas de oferta e demanda das firmas. Na década de 1930, Hicks e
Sammuelson buscam analisar as condições suficientes para que a curva de oferta seja crescente e a curva de
demanda seja decrescente, assegurando o equilibrio parcial. Na década de 1950, o modelo de Arrow e Debreu
(1954) estende esta análise para o equilíbrio geral. Admitindo por simplificação uma economia de troca. Se o
conjunto consumo é fechado e convexo, a dotação está no interior do conjunto consumo, e as preferências são
completas, transitivas, contínuas, monotônicas forte e estritamente convexas. Então a função excesso de
demanda é contínua, homogênea de grau zero, e satisfaz a Lei de Walras. Nestas condições, é possivel provar
que existe um equilíbrio geral para uma economia de troca. Então, pode-se mostrar que (i) um equilíbrio
competitivo é eficiente de Pareto, portanto, o mercado privado resulta em uma alocação eficiente, e (ii) se as
preferências são convexas, existe sempre um conjunto de preços para o qual uma alocação eficiente de Pareto é
um equilíbrio, para uma distribuição apropriada de dotações.
3 Segundo Snowdon e Vane (1994), a Hipótese de Expectativas Racionais (HER), formulada por John Muth em
1961, pode ser expressa em quatro proposições: as expectativas estão em média corretas, a informação é
incompleta, os agentes fazem o melhor uso das informações, e aprendem com os erros anteriores. O argumento
da HER é que, uma vez que os agentes fazem o melhor uso das informações e aprendem com os erros passados,
os motivos que levaram ao erro de previsão no passado são incorporados no método de previsão. Segue-se que
os agentes não podem ser repetidamente “enganados” pelo mesmo motivo. Mas o que explica então os erros no
presente? Segundo a HER os novos erros decorrem da falta de informação sobre o presente combinada com
novos motivos que resultam em erro que não ocorreram no passado. Deste modo, as expectativas são nãoviesadas. Portanto, em média, as expectativas são corretas.
38
termine, os agentes percebem o erro na formação da expectativa, e reduzem a oferta de
produto e trabalho, trazendo o produto e o emprego de volta para o nível de equilibrio natural.
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Kalecki (1954, 1968) dá quatro contribuições à teoria econômica:
1. Mostra que os capitalistas ganham o que gastam, e o nível da produção nos
departamentos de bens de capital e bens de consumo dos capitalistas determina o nível
da produção no setor de bens de consumo dos trabalhadores.
2. Endogeniza o consumo capitalista através do multiplicador, concluindo que os gastos
em investimento determinam os gastos em consumo e a renda.
3. Mostra que o investimento é determinado pela relação entre o nível da demanda e a
capacidade instalada.
4. Argumenta que o investimento tem efeito imediato na renda, e defasado na
capacidade, o que resulta em ciclos de sobreacumulação.
A partir da contribuição de Keynes, a macroeconomia se orienta por duas grandes
controvérsias: o debate sobre a dinâmica econômica e a controvérsia sobre o equilíbrio de
curto prazo.
O modelo de Harrod (1939) busca conciliar a análise clássica da acumulação de capital
com o principio da demanda efetiva, dinamizando a análise de Keynes. Harrod destaca dois
problemas para o crescimento com pleno emprego:
(i)
O equilíbrio de pleno emprego exige que n = s/vd. No entanto n, s , vd são
variáveis exógenas e independentes.
(ii)
Se a taxa de crescimento efetiva for maior que taxa de crescimento garantida,
as tentativas de aumentar o investimento aumentam ainda mais a taxa de
crescimento efetiva, agravando o desequilíbrio.
Tanto Harrod quanto Kalecki argumentam que o efeito dual do investimento resulta
em um sistema inerentemente instavel. O 2º problema de Harrod será incorporado pela síntese
neoclássica através dos modelos de acelerador-multiplicador de Samuelson (1939) e Hicks
(1949), que reduzem o problema da instabilidade ao problema dos valores dos parâmetros v e
c necessários para a flutuação amortecida.
Kaldor (1956) parte do 1º problema de Harrod, para mostrar que a distribuição de
renda ajusta s até igualar n=s/v, permitindo o crescimento de pleno emprego. Solow (1956)
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também parte do 1º problema de Harrod, mas argumenta que a relação capital/produto v se
ajusta para igualar n=s/v, incorporando o problema do crescimento de pleno emprego na
teoria neoclássica.
A análise da determinação do emprego no curto prazo realizada por Keynes será
incorporada pelo pensamento neoclássico nos trabalhos de Hicks e Modigliani. Hicks (1937)
constroi as curvas SI e LL, para opor o caso clássico e o caso Keynesiano como casos
particulares de uma teoria macroeconômica neoclássica mais geral. Modigliani (1944) mostra
que, mesmo supondo salários reais flexiveis, a armadilha da liquidez e a insensibilidade jurosinvestimento podem resultar em desemprego involuntário no longo prazo.
Friedman (1956) restaura a teoria quantitativa da moeda, afirmando que um aumento
da oferta de moeda é absorvido pelo crescimento da renda no curto prazo e dos preços no
longo prazo. Friedman (1968) afirma que um aumento da oferta de moeda só reduz o
desemprego no curto prazo porque faz o trabalhador subestimar a inflação, e que no longo
prazo o trabalhador corrige suas expectativas trazendo o desemprego de volta ao seu nível
natural.
Lucas (1972, 1973) adota as hipóteses de equilíbrio geral e expectativas racionais para
argumentar que, em virtude da informação limitada, a mudança de preço absoluta é
confundida com a mudança dos preços relativos, provocando oscilações da oferta agregada
em torno de seu nível de equilíbrio natural. No entanto, antes que o curto prazo termine, os
agentes corrigem suas expectativas retornando às posições de equilíbrio.
REFERÊNCIAS
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Econometrica, V. 22, n. 3, jul 1954.
FRIEDMAN, M. A teoria quantitativa da moeda – uma reafirmação. Em: Carneiro, R. (org).
Os clássicos da economia. V.2. São Paulo: Ática, [1956] 1997.
FRIEDMAN, M. o papel da política monetária. Em: Carneiro, R. (org). Os clássicos da
economia. V.2. São Paulo: Ática, [1968] 1997.
HARROD, An Essay in Dynamic Theory. The Economic Journal, Vol. 49, No. 193, Mar.
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40
HICKS, J.R. Keynes e os “clássicos”: Uma interpretação sugerida. In: SHAPIRO, E. (org.)
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___________Mr. Harrod's Dynamic Theory. in: Readings in business cycles. CORDON, R.;
KLEIN, L (org). Londres: Allen e Unwin, [1949] 1966.
KALDOR, N. Alternative theories of distribution. The Review of Economic Studies, V. 23,
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