1 Fosfoetanolamina, Anvisa e SUS Cesar Vanucci * “Ministérios da Saúde e de Ciências anunciam estudos mais aprofundados a respeito do composto sintetizado em São Carlos.” (Do noticiário dos jornais) A inflamada controvérsia em torno da aplicação da Fosfoetanolamina no tratamento do câncer trouxe um beneficio palpável. Criou as condições propicias para a efetivação de uma pesquisa oficial aprofundada, destinada a apurar a alegada eficácia da substância medicamentosa processada no Instituto de Química da USP em São Carlos. Abriu, ainda, a chance de se poder comprovar uma certa inconsistência nas alegações sustentadas por setores científicos quanto à exigência do registro da Anvisa para a utilização da droga citada em função de determinações judiciais. Acontece que, conforme relatado abaixo, sem que ocorram quaisquer questionamentos por parte desses mesmos setores, o SUS vem gastando fortunas em remédios estrangeiros desprovidos também de registro da Anvisa, liberados igualmente pela Justiça. Os Ministérios da Saúde e da Ciência anunciaram a disposição governamental de promover o estudo, que já poderia ter sido efetuado há bastante tempo, a levar em conta a circunstância de que o composto sintetizado pelo químico Gilberto Chierice vem sendo aplicado com bons resultados, consoante copiosa documentação, desde o ano de 1995. A distribuição das cápsulas era regularmente procedida pela USP em São Paulo até o ano passado. Abruptamente foi interrompida, o que levou milhares de pessoas a recorrerem à Justiça para obter o produto. Segundo registros recentes do Fórum de São Carlos, oitocentas petições jurídicas são protocoladas diariamente requerendo a liberação da substância. As pessoas se louvam, esperançosamente, em testemunhos numerosos de pacientes que passaram pelo tratamento com a Fosfoetanolamina e que se confessam curados dos males que os afligiam. A cura ou a melhora alegadas são, contudo, questionadas por parte de muitos especialistas em oncologia. Eles sustentam a inexistência de avaliações clínicas rigorosas sob controle com seres humanos, etapa fundamental para que o composto possa vir a ser reconhecido pela Anvisa. Os defensores do emprego da droga contra argumentam com dados apurados pelos cancerologistas da equipe do químico Chierice. Garantem eles que a Fosfoetanolamina revela-se altamente eficaz na regressão de células tumorais de melanoma (câncer de pele), leucemia e cânceres de rim e cólon. A celeuma em torno da questão trouxe a público também a revelação de que, em mais de uma oportunidade, instituições científicas manifestaram interesse em ampliar as pesquisas realizadas no Instituto de Química da USP em São Carlos, mas as 2 negociações a respeito jamais foram concretizadas. Outra informação de grande significado social liberada em razão da incandescente polêmica à volta da Fosfoetanolamina diz respeito ao manifesto propósito dos responsáveis pela distribuição das cápsulas de não usufruírem benefícios pecuniários da comercialização da fórmula. Em seu modo de entender o medicamento terá que ser gratuitamente fornecido aos interessados. Existe um outro dado extremamente curioso relacionado com a relutância oferecida à ideia de liberação do composto. É alegado a toda hora que o produto não possui o registro legalmente exigido da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Tem ocorrido, entretanto, com frequência, a liberação por ordens judiciais de um punhado de fármacos estrangeiros sem o competente registro na Anvisa, considerados importantes para tratamentos especiais de saúde com custos elevadíssimos para o SUS. O caso do remédio conhecido por “Soliris”, indicado para amenizar as complicações de uma forma rara de anemia – a “hemoglobinúria paroxística noturna (HPN)” -, é bem elucidativo. Por exigência da Justiça, o SUS foi obrigado a adquirilo centenas de vezes. O medicamento – voltamos a lembrar, de origem estrangeira – custa 440 mil dólares ao ano por paciente. Em reais, 1.7 milhão de reais. De 2010 para cá, o Ministério da Saúde aplicou 554,5 milhões de reais só com o “Soliris”. E ele não é a única fórmula medicamentosa adquirida pelo governo no exterior, a preços que custam os olhos da cara, desprovido do “de acordo” da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. E, agora, José? * Jornalista ([email protected])