Valor Econômico, 4 de setembro de 2015 Fugir para a frente não resolve Por Armando Castelar Pinheiro Impressionou-me a coluna de Cristiano Romero em 19 de agosto passado, intitulada "Fracasso do ajuste exige nova estratégia". Primeiro, por decretar - prematuramente, na minha visão - o "fracasso do ajuste". Segundo por revelar que "pelo menos um ministro influente já defende a ideia, dentro do governo, do crescimento a qualquer preço para resolver o impasse fiscal". Os sinais de que o governo está hesitante em relação à estratégia de ajuste em curso ficaram mais frequentes. O principal deles, sem dúvida, foi a abertura de novas linhas de crédito subsidiado para setores escolhidos pela Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. Essa medida custou caro em termos de credibilidade. E atrapalha o lado fiscal e monetário. É compreensível a frustração com o ajuste. De fato, apesar de o governo cortar investimentos, elevar impostos e aprovar medidas impopulares, as contas públicas continuam no vermelho. O motivo principal para isso é a queda real das receitas tributárias, fruto da recessão econômica, da piora do mercado de trabalho, e da expectativa de (mais) uma anistia fiscal (Refis). Trocar a estratégia atual por uma política expansionista não vai resolver o problema. É hora de perseverar Creio que em parte essa frustração também deriva de um otimismo exagerado, da expectativa de que o ajuste produzisse resultados rápidos e a economia se recuperasse ainda no segundo semestre de 2015, repetindo o padrão de 1999 e 2003. Essa expectativa era irrealista. Desta vez há menos credibilidade e bem mais coisas a corrigir; logo, o custo e a duração do ajuste serão maiores. Senão vejamos. O pilar central da atual política econômica é o ajuste fiscal, para tirar a dívida pública de uma trajetória explosiva. Um dos passos para isso foi encerrar a sangria de recursos públicos necessária para manter a energia elétrica no preço em que esteve de 2012 a 2014. Isso gerou, porém, um choque de preços ao consumidor, com 48% de alta da energia elétrica no ano até julho. Junto com outras correções de preços e uma inflação de serviços já alta, a inflação em 12 meses pulou para 9,5%. Para um Banco Central que vinha até então acomodando uma inflação elevada, soou o alarme, provocando uma forte alta da Selic. Esta, por sua vez, ajudou a derrubar o nível de atividade, as importações, a massa salarial formal e, com isso, as receitas do governo. Os juros mais altos também aumentam o custo de oportunidade de pagar os impostos em dia. O país também experimenta uma forte (e esperada) queda do preço das suas exportações e uma alta do prêmio de risco soberano, o que gerou forte desvalorização cambial. Como desde 2013 o Banco Central vinha vendendo grandes volumes de dólares no mercado futuro, para manter a inflação abaixo de 6,5%, a alta do dólar gerou grandes prejuízos ao Tesouro. Junto com a alta da Selic, isso elevou as despesas do governo com juros, inflando o déficit e a dívida pública. Adicionalmente, têm-se os problemas do setor de óleo e gás, da indústria naval e da construção civil pesada, em consequência da deterioração das finanças da Petrobrás, fruto do controle dos preços da gasolina, dos erros de gestão e dos problemas que vieram à tona na Lava-Jato. Some-se a isso a crise política, resultante da própria deterioração econômica, da frustração com as promessas eleitorais não cumpridas e das revelações da Lava-Jato. A crise política também encurtou horizontes e elevou os prêmios de risco, ajudando a derrubar o investimento. Finalmente, erros diversos na política microeconômica e uma carga tributária absurdamente alta diminuíram o potencial de crescimento do país. O investimento está em queda acelerada: depois de cair 4,4% em 2014, deve contrair 11% este ano e 7% em 2016, segundo o Ibre/FGV. A produtividade, por sua vez, segue em queda. E, nesta área, tem-se avançado bem menos em corrigir os erros do passado. Sem investimento e sem produtividade, não há como crescer. Em suma, o ajuste ainda apresenta poucos resultados, não por erro de estratégia, mas porque os problemas a resolver são muitos e graves. Trocar a estratégia atual por uma política expansionista não vai resolver o problema: a situação da Petrobras não vai melhorar, a crise política e a Lava-Jato não vão embora, o cenário externo não ficará mais favorável, mas a inflação subirá, as contas públicas vão piorar e a incerteza vai crescer, pela inevitabilidade de um ajuste mais à frente. Esse tipo de fuga para frente já foi tentado em 2012-14, com resultados desastrosos. A situação é difícil, mas a hora é de perseverar. Ao ajuste macro devem-se somar reformas que aumentem a segurança jurídica, estimulem a competição e reduzam a burocracia. Também é preciso ter em mente que o ajuste levará anos, durante os quais deve-se aproveitar para corrigir a dinâmica do gasto público. Aumentar ainda mais a carga tributária só adia o problema e pode virar um tiro no pé. De resto, é esperar que com o tempo as políticas se reforcem positivamente umas às outras, do mesmo jeito que hoje a conjugação de problemas magnifica o custo do ajuste. Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV e professor do IE/UFRJ. twitter: @ACastelar. Escreve mensalmente às sextas-feiras.