Diagnóstico é desafio Chance de aborto é 76% maior

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Bem Viver!
Gabriela Perufo
[email protected]
Q
uem vê a professora Cristiane Cassel, 33 anos,
brincando com o filho
Benjamin Cassel Vautero,
três anos, não imagina o
sofrimento pelo qual ela
passou antes e durante a gravidez.
O diagnóstico de endometriose,
doença que atinge cerca de 15%
das mulheres brasileiras em idade
fértil, e as hemorragias durante
a gestação deixaram Cristiane e
o marido, Jaisso Vautero, 33, em
alerta, transformando os nove
meses de espera pelo bebê em um
período de muito cuidado e repouso.
– Eu tinha 29 anos e, assim que
tive o diagnóstico, já adiantamos
a tentativa de engravidar. Chegamos a falar inclusive em adoção.
Foram oito meses até confirmar
que eu estava grávida. Nas primeiras semanas, tive sangramento e
fiquei de cama direto. Além desse
susto, foram três episódios em
que precisei ficar em total repouso. Para quem tem uma vida ativa,
é difícil parar tudo, mas eu seguia
as recomendações à risca, com
medo de fazer algo errado.
As preocupações da professora
tinham sentido. O ginecologista
Paulo Afonso Beltrame, professor
do curso Medicina da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM), explica que, além dos
sintomas desagradáveis – que incluem ainda cólicas, dor durante
as relações sexuais e sangramento
intenso –, a endometriose se apresenta como uma das principais
barreiras para quem deseja ser
mãe, já que é a maior causa de infertilidade feminina.
– Se o casal tenta durante um
ano e não consegue, é preciso investigar. E em muitos casos, o
problema pode ser a endometriose – explica Beltrame.
De acordo com o ginecologista
João Sabino Cunha Filho, professor da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS),
uma mulher na faixa dos 30 anos
tem 25% de chance de engravidar a cada mês. Uma mulher da
mesma idade, com endometriose, pode ter a chance reduzida a
menos de 5%.
– Há várias teorias sobre isso:
desde os problemas hormonais e a
dificuldade de ovular, ou porque a
mulher ovula de forma deficiente.
Também há mulheres que têm
as trompas obstruídas por causa
da endometriose, ou ainda, que
Endometriose: um
obstáculo para a
8 – Santa Maria, sábado e domingo, 25 e 26 de julho de 2015
gravidez
Diagnóstico
é desafio
Doença é a principal
causa de infertilidade
entre as mulheres
Chance
de aborto é
76% maior
A
O
diagnóstico ainda é difícil, principalmente pelo fato de muitas pessoas sequer conhecerem a enfermidade. Dados da Associação Brasileira de Endometriose e Ginecologia Minimamente Invasiva mostram que as pacientes precisam, em média, de
cinco médicos e sete anos de investigação até obter a confirmação
da doença. Ela é difícil de ser diagnosticada por meio de um exame físico. No entanto, o ginecologista Paulo Afonso Beltrame
diz que há uma exame de sangue que pode indicar a doença, que
geralmente é feito no segundo dia de menstruação.
O ginecologista João Cunha filho explica que, na maioria dos
casos, o diagnóstico só é confirmado através da videolaparoscopia,
procedimento considerado invasivo por muitos médicos. O exame
consiste em introduzir uma microcâmera na cavidade abdominal.
Durante o exame, o médico também insere bisturis e um tubo de
sucção, por meio de furinhos no abdômen. Uma vez localizados,
os focos de endométrio aderidos à cavidade são ressecados.
Cristiane começou a investigar as causas de suas cólicas aos 18
anos. Mas foi só através da videolaparoscopia, aos 29, que soube
do diagnóstico. Até então, ela tinha dores tão fortes que precisava
deixar o trabalho para ir ao hospital. Em um episódio, quando estava no cinema, ela não aguentou esperar pelo final do filme:
– Os médicos desconfiavam de muitas coisas, quase sempre diziam
que era por causa dos ovários policísticos. Em uma das vezes que parei
no hospital, chegaram a cogitar que era apendicite – lembra.
Beltrame alerta que a doença pode ter relações genéticas: quando a mãe ou irmã de uma paciente tem a doença, o médico já fica
atento para a possibilidade.
Cunha Filho explica que há pesquisas para que o diagnóstico
seja feito de outras formas, menos invasivas, com o uso de ecografias, ressonâncias ou exames de sangue, mas essas alternativas ainda não são determinantes para a confirmação do problema.
Para o futuro, a promessa é de um exame rápido, barato e indolor. Em março deste ano, pesquisadores da Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp) descobriram que oito genes (dos 252 citados na literatura médica) podem indicar a endometriose. A Unifesp ainda pesquisa, assim como a Universidade Federal do Maranhão, o uso de fitoterápicos para o tratamento da endometriose.
Para Cristiane, superados o diagnóstico, o tratamento e a
gestação cheia de cuidados, o dia mais feliz foi o 6 de setembro de
2011, dia do nascimento de seu filho:
– Ser mãe é uma sensação incrível. Quando suas chances de ser
mãe são menores, a felicidade em ver o seu filho é ainda maior.
MIX
MIX
O diagnóstico
levou
Cristiane a
adiantar os
planos de
gravidez.
Foram oito
meses de
tentativas
e uma
gestação
cheia de
cuidados até
a chegada
exemplo de Cristiane, muitas
mulheres que sofrem de endometriose enfrentam o temor de perder o bebê. Uma pesquisa apresentada em junho deste
ano, no Encontro Anual da Sociedade Europeia de Reprodução
Humana e Embriologia, em Portugal, mostrou que as mulheres que
sofrem da doença têm 76% mais
chances de sofrer um aborto espontâneo.
A pesquisa, feita na Escócia e
que durante 30 anos observou 15
mil mulheres, revela ainda que as
pacientes com endometriose têm
mais chances de ter hemorragia
pré ou pós-parto e mais chances
de ter filhos prematuros.
– A mulher com endometriose
que engravida apresenta um risco maior de gravidez na trompa e
um risco maior de aborto. Naturalmente, é uma paciente que vai
entrar em um pré-natal de risco
porque tem uma chance maior de
abortar – alerta o ginecologista
João Cunha Filho.
A endometriose é apelidada pelos médicos de “doença da mulher
moderna” por dois motivos: primeiro, porque nos dias de hoje as
mulheres optam por engravidar
mais tarde, geralmente têm menos
filhos e por isso menstruam mais.
A mulher de hoje menstrua cerca
de 400 vezes ao longo da idade
reprodutiva. Uma média até 10
vezes maior se comparada com a
mulher do início do século 20. Em
segundo lugar, a endometriose
pode ter influência do estresse,
que provoca picos de adrenalina,
substância associada a liberação
do estrógeno, hormônio feminino que alimenta as células do
Santa Maria, sábado e domingo, 25 e 26 de julho de 2015 – 9
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