Avaliação e planejamento nutricional em câncer

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nutrição
Avaliação e planejamento
nutricional em câncer
Dan Linetzky Waitzberg
* Professor associado do
Departamento de Gastroenterologia
da FMUSP; coordenador do Laboratório de Metabologia e Nutrição
em Cirurgia (Metanutri – LIM 35);
diretor do Grupo de Nutrição
Humana (GANEP)
Letícia De Nardi
* Nutricionista; mestre pelo
Programa de Pós-Graduação em
Gastroenterologia da Faculdade de
Medicina da Universidade de
São Paulo (FMUSP); pesquisadora
do Laboratório de Metabologia e
Nutrição em Cirurgia (Metanutri –
LIM 35 – FMUSP); especialista
em nutrição clínica pelo Grupo
de Nutrição Humana (GANEP)
Claudia Cristina Alves
* Nutricionista; doutora em ciências
pelo Programa de Pós-Graduação em
Oncologia da FMUSP; pesquisadora
do Laboratório de Metabologia e
Nutrição em Cirurgia do Departamento de Gastroenterologia da
FMUSP (Metanutri – LIM 35); especialista em nutrição clínica pela
Faculdade São Camilo
Lilian Mika Horie
* Nutricionista; mestranda pelo
Programa de Pós-Graduação em
Gastroenterologia da FMUSP;
pesquisadora do Laboratório de
Metabologia e Nutrição em Cirurgia
(Metanutri – LIM 35 – FMUSP);
especialista em Nutrição Hospitalar
em Hospital Geral do Instituto
Central do Hospital das
Clínicas da FMUSP
Contato: [email protected]
30
Avaliação nutricional
A avaliação nutricional do paciente oncológico deve
ser feita já no momento da primeira consulta e realizada periodicamente ao longo de todo o tratamento.
Os métodos de avaliação nutricional mais utilizados na prática clínica são a avaliação nutricional
subjetiva global, associada a medidas de variáveis
antropométricas, laboratoriais e nutricionais.
Questionário de avaliação nutricional
A avaliação nutricional por meio de aplicação
de questionário é simples, de baixo custo e possibilita rápida identificação de pacientes com risco
nutricional. Pode ser utilizado já no primeiro contato com o paciente. Caso se verifique algum grau
de desnutrição ou risco de desnutrição, a avaliação
nutricional deve ser mais aprofundada, mediante a
análise de critérios objetivos.
Para pacientes com câncer, três questionários
específicos foram validados, como se observa na
Tabela 1.
Medidas antropométricas
A antropometria caracteriza-se por ser um
método simples, de baixo custo, não invasivo e de
alta confiabilidade. Sua finalidade é identificar a
quantidade e a distribuição dos principais determinantes da composição corporal.
O peso corporal pode ser utilizado como percentual de perda de peso, percentual de peso ideal
ou peso ajustado, índice de massa corpórea (IMC)
e como marcador indireto da massa proteica e reservas de energia.
Mediante a obtenção do peso e da altura do paciente, é possível calcular o índice de massa corporal
(IMC), ou índice de Quetelet. O IMC é muito utilizado e difundido como método de avaliação do estado nutricional e leva em consideração o peso em
dezembro 2011/janeiro-fevereiro 2012 Onco&
quilos, dividido pela altura em metros ao quadrado.
O peso atual é útil para o cálculo da porcentagem de alteração de peso habitual do paciente, que
pode ser classificado em perda ponderal moderada
ou grave, considerando-se o tempo e a quantidade
de peso perdido, como ilustra a Tabela 2. Considera-se perda de peso não intencional de 10% ou
mais do peso corpóreo nos últimos seis meses como
déficit nutricional importante e com relação direta
ao mau prognóstico dos pacientes com câncer.
Informações relacionadas à história clínica dos
pacientes com câncer podem indicar mudanças recentes da alteração corpórea e hábitos alimentares.
Além disso, o exame físico pode revelar precocemente sinais de desnutrição, como perda de massa
muscular, perda de força muscular e depleção dos
estoques de gordura.
Medidas de composição corporal
A avaliação da composição corporal na prática
clínica pode ser realizada por meio das pregas
cutâneas e de bioimpedância elétrica. A utilização
da circunferência do braço (CB) e as pregas cutâneas podem ser ferramentas importantes para
diagnosticar o estado nutricional do paciente, principalmente na falta do peso corporal. A CB representa a somatória dos tecidos ósseo, muscular e
gorduroso; a prega cutânea do tríceps (PCT) se refere à estimativa das reservas e/ou comprometimento de tecido adiposo; e a circunferência
muscular do braço (CMB) reflete a quantidade ou
o grau de depleção da reserva muscular. A Tabela 3
apresenta a classificação do estado nutricional, segundo Jellife 1996.
A bioimpedância elétrica (BIA) é um método não
invasivo, rápido, sensível, indolor e relativamente
preciso que pode ser aplicado à beira do leito para
avaliação da composição corporal. É um método
Tabela 1 Características de três questionários para câncer, adaptada de Huhmann, 2005
Itens de
questionário
Modelos de
avaliação
Ref
Dados inclusos
17
Histórico de perda de peso,
ingestão alimentar, sintomas,
atividades, demanda metabólica,
avaliação física. É realizada pelo
paciente e por avaliador.
36
Miniavaliação
nutricional
18
Histórico de perda de peso,
ingestão alimentar, atividades,
estresse fisiológico, dados
antropométricos. É realizada
por um avaliador.
37
Instrumento de
triagem de desnutrição
3
Histórico de perda de peso,
alterações no apetite. É realizada
pelo próprio paciente.
38
Avaliação nutricional
subjetiva global
Adaptado de: Huhmann e Cunninghan, 2005
Tabela 2 Classificação da perda de peso habitual em porcentagem
Período
Perda grave (%)
Perda moderada (%)
1 semana
1 mês
3 meses
6 meses ou +
≤ 2,0%
≤ 5,0%
≤ 7,5%
≤ 10,0
> 2,0%
> 5,0%
> 7,5%
> 10,0%
Fonte: Blackburn, 1977
Tabela 3 Classificação do estado nutricional de acordo com CB, PCT, CMB e sexo
70%
60%
10
23
20
8
20
17
7,5
18
15
90%
80%
70%
60%
15
25
21
13
22
18
11
20
16
9
17
13
Masculino
Eutrófico
90%
80%
PCT
CB
CMB
12,5
29
25
11,3
26
23
Feminino
Eutrófico
PCT
CB
CMB
16
27
23
Classificação
Fonte: Jellife, 1996
• >120%: obeso
• 110% - 120%: sobrepeso
• 90% - 110%: eutrófico
• 80% - 90%: desnutrição leve
• 60% - 80%: desnutrição moderada
• <60%: desnutrição grave
Onco& dezembro 2011/janeiro-fevereiro 2012
31
“ A avaliação
nutricional do
paciente oncológico
deve ser feita já
no momento da
primeira consulta”
estimativo dos volumes hídricos, a partir da resistência de uma corrente elétrica e da estatura do paciente.
A análise da BIA é feita por meio de passagem de corrente elétrica da baixa amplitude (500 a 800mA) e
alta frequência (50kHz), mensurando os componentes primários, a resistência (R), a reactância (Xc),
a impedância (Z) e o ângulo de fase (AF).
Catalano e colaboradores avaliaram o estado nutricional de pacientes com câncer por meio de BIA e
variáveis antropométricas e verificaram que, apesar
de os índices antropométricos apresentarem valores
dentro da normalidade, o exame de BIA revelou
desnutrição, através da alteração da razão da massa
extracelular e massa intracelular.
Entretanto, em situações de edema e ascite a
avaliação da composição corporal por esses métodos deve ser interpretada com cautela.
Nas últimas décadas, estudos têm investigado
o papel do ângulo de fase como possível marcador
de saúde em diversas condições de doença, como
câncer de pulmão, insuficiência renal, queimados
e crianças desnutridas.
Gupta e colaboradores (2004) avaliaram o
papel prognóstico do ângulo de fase e a média do
tempo de sobrevida de 58 pacientes portadores de
câncer de pâncreas estágio IV. Pacientes com ângulo
de fase <5,0º (n=29) tiveram média de tempo de
sobrevida de 6,3 meses, enquanto os pacientes com
ângulo de fase >5,0º tiveram média de tempo de
sobrevida de 10,2 meses, p<0,02. Esse estudo sugere que o ângulo de fase é um importante
indicador prognóstico em câncer de pâncreas
avançado. Entretanto, mais estudos, com número
maior de pacientes e diferentes tipos de câncer,
ainda são necessários.
Medidas bioquímicas e imunológicas
A avaliação laboratorial nutricional considera
medidas bioquímicas de proteínas de síntese hepática, hemograma, leucograma e medidas plasmáticas de minerais, oligoelementos e vitaminas.
Em condições mórbidas, os níveis das proteínas
plasmáticas de síntese hepática podem estar alterados,
como doença hepática, metástase, disfunção renal,
doença inflamatória intestinal, drogas, estresse e lesão.
A Tabela 4 ilustra o uso clínico e as limitações das
proteínas plasmáticas.
A hemoglobina é uma proteína de transformação
metabólica muito lenta e sua diminuição ocorre mais
tardiamente na depleção proteica. É um índice sensível, mas pouco específico da desnutrição, podendo
se alterar quando há perda sanguínea, estados de
diluição sérica e transfusões sanguíneas.
A contagem total de linfócitos (CTL), ou linfo-
Tabela 4 Proteínas plasmáticas: uso clínico e limitações em avaliação nutricional
Proteínas
Meia-vida
Uso clínico
Limitações
Albumina
14-21 dias
Índice prognóstico de
gravidade
Hidratação, distúrbio
renal, hepático
>3,5g/dL = normal
3,0-3,5g/dL = depleção leve
2,4-2,9g/dL = depleção moderada
<2,4g/dL = depleção grave
Transferrina
8-9 dias
Índice prognóstico e
monitorização
Alteração do
metabolismo do ferro
150-200mg/dL = depleção leve
100-150mg/dL = depleção moderada
< 100mg/dL = depleção grave
Pré-albumina
2 dias
Monitorização e depleção aguda
Distúrbio renal,
hepático e inflamação
20mg/dL = normal
10-15mg/dL = depleção leve
5-10mg/dL = depleção moderada
< 5mg/dL = depleção grave
Proteína transportadora do
retinol
12 horas
Índice prognóstico de
gravidade
Distúrbio hepático,
inflamação, diminuição
de vitamina A e zinco
Valores inferiores a 3mg/dL
indicam desnutrição
Valores de referência
Fonte: Coppini, 2004
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citometria, mede as reservas imunológicas momentâneas, indicando
condições do mecanismo de defesa celular do organismo. Valores encontrados entre 1.200 e 2.000/mm3 são considerados depleção discreta;
entre 800 e 1.199, depleção moderada; e valores menores que 800 indicam depleção grave.
Necessidades energéticas e nutricionais
A necessidade energética diária de pacientes com câncer varia de
acordo com diversos fatores: idade, sexo, peso, altura, atividade, composição corporal e condições fisiológicas.
O aumento de peso é um efeito colateral comum em mulheres com
câncer de mama em tratamento quimioterápico (QT) adjuvante. Campbell e colaboradores verificaram o efeito da QT adjuvante em dez mulheres portadoras de câncer de mama. Os autores não encontraram
mudanças no gasto energético de repouso antes e após QT (1.189,68
± 80,27 vs 1.205,76 ± 56,71 kcal/d; p =0,74). Além disso, as pacientes
não ganharam peso durante o tratamento (663 ± 5,1 vs 68,2 ± 5,0 kg;
p =0,09), entretanto apresentaram aumento de massa gorda (24,2 ±
3,8 vs 26,5 ± 3,2kg; p=0,04), enquanto a massa muscular permaneceu
inalterada. Os autores sugerem que essa alteração na composição corporal pode ter uma importante implicação na saúde dessas mulheres.
A estimativa do gasto energético é uma importante ferramenta para
nortear a terapia nutricional. Ele pode ser calculado por diversos métodos, como calorimetria indireta, direta, água duplamente marcada e
fórmulas preditivas (equações). As fórmulas utilizam variáveis como
peso, altura, idade, sexo e superfície corporal e são muito utilizadas
na prática clínica, por serem simples de calcular, não invasivas, sem
custo e de amplo acesso. As equações mais utilizadas para estimar o
gasto energético são as de Harris-Benedict (1919), apresentada na
Tabela 5, e a fórmula baseada no peso (Tabela 6).
A recomendação de ingestão proteica e de micronutrientes para pacientes com câncer varia em função da idade, estado nutricional prévio
do paciente, tipo de tumor, tratamento adotado e condição clínica. De
maneira geral, seguem-se os critérios apresentados na Tabela 7.
Tabela 5 Fórmula para cálculo da necessidade energética
estimada através da equação de Harris-Benedict
Equação de Harris-Benedict
Homens
GEB = 66,5 + (13,7 x peso) + (5 x altura) - (6,8 x idade)
Mulheres GEB = 655 + (9,6 x peso) + (1,8 x altura) - (4,7 x idade )
GET
GET = GEB x FA x FE x FT
GEB = gasto energético basal (Kcal/dia); peso em Kg; altura em cm; idade em anos; GET =
gasto energético total; FA = fator atividade, FE = fator estresse; FT = fator térmico.
O fator atividade relaciona-se à capacidade de locomoção do indivíduo, sendo: confinado à
cama (fator = 1,2), deambulando pouco (fator = 1,25) e deambulando (fator = 1,3).
Segundo Long (1979), para pacientes com câncer e também para aqueles em tratamento
quimioterápico e/ou radioterápico, recomenda-se aplicar um fator estresse de 1,25.
O fator térmico relaciona-se à temperatura corporal elevada: 38ºC (fator 1,1); 39ºC (fator
1,2); 40ºC (fator 1,3); e 41ºC (fator igual a 1,4).
Tabela 6 Fórmula para cálculo da necessidade energética estimada através
de valor calórico preestabelecido e peso corpóreo do indivíduo
Equação gasto energético total baseado no peso
Tipo de paciente
Objetivo
20-25
Acamado ou sedentário
Manutenção
30-35
Hipermetabólico,
anabolismo
Ganho de peso, suprimento
de maior demanda
Kcal/Kg peso/dia
Fonte: Justino et al, 2004
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dezembro 2011/janeiro-fevereiro 2012 Onco&
Tabela 7 Recomendação de ingestão proteica e de micronutrientes
para pacientes com câncer
Eutrófico submetido a estresse terapêutico
Calorias totais
Calorias não proteicas
25kcal/kg a
35kcal/kg
100% a 200% do gasto
energético de repouso
Proteínas
Solução padrão de
aminoácidos (NPT) ou
proteína íntegra (NE)
0,25 – 0,35g nitrogênio/kg/dia
ou 1,5 a 2,0g proteína/kg/dia
Vitaminas
Solução padrão balanceada
Vitamina K ≥ 10 mg/dia
Vitamina B1, B6 > 100 mg/dia
Antioxidantes: vitaminas A, C, E
Elementos traços
Solução padrão completa
Zinco 15-20 mg/dia
Selênio 120 µg/dia
Eletrólitos
Adaptação diária sódio, potássio, cálcio
Fósforo > 16 mMol/dia
Magnésio > 200 mg/dia
Fonte: Nitenberg, 2000
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