O direito de viver sem o prolongamento artificial

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MARIA CARLA MOUTINHO NERY
O DIREITO DE VIVER SEM PROLONGAMENTO ARTIFICIAL
Dissertação de Mestrado
Recife
2014
MARIA CARLA MOUTINHO NERY
O DIREITO DE VIVER SEM PROLONGAMENTO ARTIFICIAL
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Direito do
Centro
de
Ciências
Jurídicas/
Faculdade de Direito do Recife da
Universidade Federal de Pernambuco
como requisito parcial para obtenção
de título de Mestre em Direito.
Área de Concentração: Teoria e
Dogmática do Direito
Linha de Pesquisa: Transformações nas
Relações Jurídicas Privadas e Sociais
Orientador: Professor Doutor Paulo
Luiz Netto Lôbo
Recife
2014
Catalogação na Fonte
Bibliotecária Karine Vilela CRB/4-1422
N456d
Nery, Maria Carla Moutinho
O direito de viver sem prolongamento artificial / Maria Carla Moutinho Nery. – Recife: O
Autor, 2014.
96f.
Orientador: Paulo Luiz Netto Lôbo.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCJ. Programa
de Pós-Graduação em Direito, 2014.
Inclui bibliografia.
1. Direito constitucional - Brasil. 2. Direito civil – Brasil. 3. Ortotanásia. 4. Dignidade
humana. 5. Doenças terminais – aspectos jurídicos. I. Lôbo, Paulo Luiz Netto
(Orientador). II. Título.
342 CDD (22. ed.)
UFPE (BSCCJ2014-012)
MARIA CARLA MOUTINHO NERY
O DIREITO DE VIVER SEM PROLONGAMENTO ARTIFICIAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em
Direito da Faculdade de Direito do Recife/ Centro de
Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco
como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Direito.
Área de Concentração: Teoria de Dogmática do Direito
Orientador: Prof. Dr. Paulo Luiz Neto Lôbo
A banca examinadora composta pelos professores abaixo, sob a presidência do
primeiro, submeteu a candidata à defesa, em nível de Mestrado, e a julgou nos seguintes
termos:
MENÇÃO GERAL: ___________________________________________________________
Professor Dr. Paulo Luiz Neto Lôbo (Presidente-Orientador/UFPE)
Professor Dr. Roberto Paulino Albuquerque Júnior (1º Examinador externo/UFPE)
Julgamento:________________________ Assinatura: ________________________________
Professora Drª Fabiola Albuquerque Lôbo (2ª Examinadora interna/UFPE)
Julgamento : ______________________ Assinatura : ________________________________
Professor Dr. Torquato da Silva Castro Júnior (3º Examinador interno/UFPE)
Julgamento : ______________________ Assinatura : _________________________________
Recife 17 de janeiro de 2014.
Coordenador: Prof. Dr. Marcos Antônio Rios da Nóbrega
À minha mãe, Lúcia Moutinho. Com ela
aprendi a dar os primeiros passos, a ler, a
escrever, a ser, a lutar pela vida, a amar, a
respeitar e a fazer o bem sem olhar a quem.
Por ela, segui os trilhos da vida acadêmica e
com ela perseguirei os caminhos mais estreitos
por onde se alcançam as grandes conquistas.
Ao meu esposo, Fábio Nery, pela paciência e
pelo amor incondicionais durantes esses anos
de muita renúncia e dedicação.
AGRADECIMENTOS
Ao professor, orientador e amigo, a quem tanto admiro, Paulo Luiz Netto Lôbo pela
serenidade e competência em conduzir esta pesquisa com a maestria e a humildade que lhes
são peculiares;
Aos amigos Marcos Ehrhardt e Expedito Lima que abriram as portas e me mostraram
quão lindo é o horizonte da vida na academia;
Aos professores da UFPE - Fabíola Albuquerque Lôbo, Larissa Leal, Roberto Paulino
e Torquato de Castro Júnior, sem os quais essa pesquisa não teria sido levada a efeito, pelo
aprendizado diário que tanto me engrandeceram como estudante e como pessoa;
Aos amigos da UFPE - Maria Rita Holanda, Luciana Brasileiro, Gustavo Andrade e
José Barros, que tanto contribuíram para o meu crescimento com afeto, carinho, apoio e
atenção, e os quais aprendi a amar e admirar;
A minha família! Minha Mãe, Lúcia Moutinho, um exemplo a ser seguido. Com
doçura, força e competência, ela alcançou o mais alto título da academia, o pós-doutoramento,
posição onde um dia pretendo chegar. Meu pai, Múcio Moutinho, e meu irmão, Luiz Mário
Moutinho, por me fazerem iniciar a carreira jurídica, estimulando-me à busca do saber, com
exemplos de seriedade, compromisso e honestidade. Ao meu irmão Paulo Góes Moutinho, à
minha cunhada Claudia Nicoletto e à minha madrasta Nivalda Moutinho pela crença no
alcance desta vitória e pela compreensão dos longos meses de ausência. Às minhas irmãs do
coração Maíra Bailey e Camila Fonseca, pelo envio de textos, pelo apoio, pelo carinho e pela
torcida. Ao meu esposo, Fábio Nery, meu fã número um, pelo suporte diário, pelos finais de
semana renunciados, pela paciência e sobriedade durante essa longa jornada;
A Neurinete Carvalho pela paz, sabedoria e serenidade que me deu, as quais me
mantiveram firmes na realização deste trabalho;
Ao amigo, médico e estudioso da medicina Paulo Hernando Ferraz pelas orientações e
textos sempre bem aceitos sobre a ciência médica;
Aos colegas dos Grupos de Pesquisa „Virada de Copérnico‟ da UFPR, em especial,
Marcos Alberto Rocha Gonçalves, Carlos Pianovsky e Viviane Girardi, e „Perfis de Direito
Civil‟ da UERJ, principalmente, Paula Francesconi, Eduardo Nunes e Fernanda Nunes
Barbosa, sempre solícitos em enviar-me textos e outras contribuições para esta pesquisa;
A Maria Lia pela presteza e disponibilidade em me orientar sobre as normas da
ABNT. Ao professor João Luís Lins pelo conhecimento singular da Língua Portuguesa e
pelos ensinamentos grandiosos na transmissão de um texto claro e coeso;
Aos amigos do Tribunal de Justiça de Pernambuco pela confiança, carinho e
compreensão. Ao meu chefe, o Desembargador Eduardo Sertório, por reconhecer os valores e
o conhecimento que só o ambiente acadêmico pode nos proporcionar, dando-me a
oportunidade para novos desafios profissionais.
“Minha profissão é dizer o que penso”
Voltaire
RESUMO
NERY, Maria Carla Moutinho. O direito de viver sem o prolongamento artificial. 2014. 96
fl. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de
Ciências Jurídicas / FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2014.
Esta dissertação enfoca o direito de viver sem o prolongamento artificial e como esse direito
pode ser exercido no Brasil. Para tanto, fez-se uma análise doutrinária sobre a ortotanásia, a
eutanásia, o suicídio assistido e a distanásia com o objetivo de melhor compreender as
situações da terminalidade da vida. Em seguida, estudou-se os princípios da autonomia
privada e da dignidade da pessoa humana como fundamentos para o exercício do direito de
viver sem prolongamento artificial. Fez-se uma análise do tema na com o estudo da
Constituição Federal, dos Códigos Penal, Civil e de Ética Médica, das Resoluções do
Conselho Federal de Medicina e dos Projetos de Lei em trâmite no País. Verificou-se a
possibilidade de se empregar o testamento vital no ordenamento jurídico brasileiro como
instrumento hábil para o exercício do direito de viver sem prolongamento artificial. Fez-se
uma análise da experiência internacional sobre o assunto, notadamente, quanto as leis editadas
na Espanha, em Portugal, na Argentina, na Noruega, na Suíça, apontando os acertos e
desacertos destas legislações. Encontrou-se a representação mista como uma alternativa para
alcançar o direito de viver sem prolongamento artificial sem que a declaração de vontade
prestada nos momentos de lucidez pelo paciente terminal perca a sua eficácia. Como base
teórica, utilizou-se a doutrina do direito civil-constitucional, com ênfase nos direitos da
personalidade, tomando como fundamento os princípios da dignidade da pessoa humana e da
autonomia privada.
Palavras-chave: Vida. Ortotanásia. Autonomia privada. Dignidade humana. Testamento
vital.
ABSTRACT
NERY, Maria Carla Moutinho. The right to live without the artificial prolongation. 2014.
96 fl. Dissertation (Master's Degree of Law) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro
de Ciências Jurídicas / FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2014.
This dissertation focuses on the right to live without the artificial prolongation and how that
right may be exercised in Brazil. As such, there is a doctrinal analysis of orthothanasia,
euthanasia, assisted suicide and dysthanasia to better understand the terminal situations. That
force us to study deeply the doctrine of civil and constitutional law in the analysis of existing
normative regulations in Brazil on the subject, through the study of the Constitution, the
Criminal Code, Civil Code and Medical Ethics Code, the Resolutions of the Federal Council
of Medicine and Bills pending in the country. There was the possibility of using the living
will in the Brazilian legal system and skilled to perform the self-determination of the patient
terminal instrument when he becames incompetent. There was an analysis of international
experience on the subject , notably , as the laws published in Spain , Portugal, Argentina ,
Norway, Switzerland , pointing out the rights and wrongs of these laws . The attorneyship
show us an alternative way to achieve the right to live without artificial prolongation without
a declaration of will in moments of lucidity provided by terminal patients lose their
effectiveness. As a theoretical background, we used the doctrine of civil and constitutional
law, with an emphasis on personal rights, taking as a basis the principles of human dignity
and personal autonomy.
Key Words: Life. Orthothanasia. Private autonomy. Human dignity. Living will.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADI
Ação direta de inconstitucionalidade
ADPF
Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental
CCB
Código Civil Brasileiro
CDC
Código de Defesa do Consumidor
CEM
Código de Ética Médica
CF
Constituição Federal
CPB
Código Penal Brasileiro
CPC
Código de Processo Civil
CRM
Conselho Regional de Medicina
EEG
Eletroencefalograma
LCT
Limitação Consentida de Tratamento
NSV
Não-Oferta de Suporte Vital
ONR
Ordem de Não-Ressuscitação
OMS
Organização Mundial de Saúde
PL
Projeto de Lei
PLS
Projeto de Lei do Senado
RSV
Retirada de Suporte Vital
SNT
Sistema Nacional de Transplante
STF
Supremo Tribunal Federal
RENTEV
Registro Nacional do Testamento Vital
VOLP
Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa
UTI
Unidade de Terapia Intensiva
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 111
1
A TERMINALIDADE DA VIDA ............................................................................ 155
1.1
Ortotanásia ................................................................................................................ 166
1.2
Eutanásia ................................................................................................................... 233
1.3
Suicídio Assistido ........................................................................................................ 29
1.4
Distanásia................................................................................................................... 311
1.5
Crítica à expressão “morte digna” .......................................................................... 333
2
OS PRINCÍPIOS DA AUTONOMIA E DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA COMO FUNDAMENTO DO DIREITO À VIDA SEM
PROLONGAMENTO ARTIFICIAL ..................................................................... 377
2.1
Autonomia da vontade, autonomia privada e autonomia do paciente ................ 377
2.2
Liberdade e Dignidade Humana ............................................................................. 433
3
A REGULAMENTAÇÃO NORMATIVA DA ORTOTANÁSIA ........................ 477
3.1
A Constituição Federal ............................................................................................... 48
3.2
A ortotanásia segundo a perspectiva dos códigos penal, civil e de ética médica. 533
3.3
As resoluções do Conselho Federal de Medicina. .................................................. 633
3.4
Os Projetos de Lei em tramitação no Brasil. ............................................................ 68
4
O “TESTAMENTO VITAL”: UMA DECLARAÇÃO VÁLIDA E EFICAZ ..... 722
4.1
Experiência Internacional ........................................................................................ 755
4.2
Condições de validade e eficácia. ............................................................................... 78
CONCLUSÃO.........................................................................................................................85
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 88
11
INTRODUÇÃO
O objetivo desta dissertação é a análise do direito de viver sem o prolongamento
artificial. Esse direito pode ser entendido como a extinção da vida de um paciente em estágio
terminal de forma indolor e fugaz, sem sofrimento. O tema se insere na área de Direito CivilConstitucional, com ênfase na doutrina dos direitos da personalidade bem como na Teoria dos
Direitos Fundamentais, partindo do pressuposto de que o direito à ortotanásia é um tipo de
direito da personalidade, garantido pelo sistema constitucional brasileiro.
O marco teórico utilizado para o desenvolvimento deste estudo foi a doutrina do
direito civil constitucional, segundo a qual os institutos de direito civil são interpretados
segundo a orientação dos princípios constitucionais, tomando como base as publicações do
Professor Paulo Luiz Netto Lôbo.
O estágio terminal de um doente está relacionado à evolução das técnicas médicas de
reavivamento. Isso porque, tradicionalmente, até o Século XVIII, os enfermos passavam seus
últimos dias em casa, ao lado dos entes queridos, com o acompanhamento do médico da
família. Os hospitais guardavam uma natureza protetiva e assistencialista aos desafortunados,
pois a morte, tanto como o nascimento, era um acontecimento social, próprio das famílias.
Com as duas grandes guerras mundiais, o progresso tecnológico também alcançou a
medicina. As técnicas de reanimação possibilitaram a remoção de pessoas gravemente
doentes de suas casas para os hospitais, onde realizariam todos os esforços terapêuticos
possíveis, em favor da manutenção da vida. Os médicos deixaram sua condição de „médico da
família‟ para ocuparem a função de especialista em determinado ramo da medicina.
A escolha da terapia mais adequada à doença ficava a cargo desses profissionais que
adquiriram um poder de decisão maior que o do próprio paciente em estágio terminal ou da
família deste. Os tratamentos das enfermidades passavam a fazer parte do cotidiano médico,
despersonalizando-se o processo de morte (MENEZES, 2003, p. 105).
Há uma perseguição irrefletida pela cura da doença, ainda que em detrimento do bemestar do enfermo. As atenções se voltam para a enfermidade e para as descobertas científicas
de novas terapias, ficando em segundo plano o ser humano, os interesses na minoração do
sofrimento dele e o seu conforto físico e mental. Isso gera a despersonalização do paciente,
pois se mantém a vida pela busca de uma cura inatingível, olvidando-se que o essencial é
cuidar do enfermo e não da doença a ele acometida.
12
Em oposição a essa prática, emergiu a necessidade de se repersonalizar o processo de
finitude da vida. As doenças fatais, vistas como parte do ciclo vital, deixam de ocupar o
centro das atenções para que o ser humano volte a assumir esta posição, por meio da medicina
paliativa, que tem por objeto a minoração da dor em vez da busca desenfreada pela cura.
Nesse sentido, os avanços tecnológicos não mais se prestam para retardar o processo de
morte, mas para viabilizar esse acontecimento da forma mais tênue possível, utilizando os
aparatos médicos para poupar os pacientes de dores desnecessárias.
É nesse cenário que a prática da ortotanásia, objeto da presente dissertação, está
inserida, pois a pesquisa trata de situações em que, uma vez afastadas as possibilidades de
cura, espera-se a morte chegar, proporcionando ao paciente a minimização da dor e a
maximização do bem-estar dentro do contexto da doença por ele vivenciada. Optou-se pela
Ortotanásia em razão deste fenômeno, até o presente momento, ser o único dentre os
fenômenos da terminalidade da vida aceito pelo direito brasileiro.
A dissertação está organizada em quatro capítulos, além desta introdução e da
conclusão. Importa esclarecer, inicialmente, que, apesar de os pacientes terminais se
sujeitarem a todos os fenômenos da finitude da vida, a saber, a ortotanásia, a eutanásia, o
suicídio assistido e a distanásia, este estudo prioriza a ortotanásia com enfoque no paciente
terminal que tenha manifestado formalmente o desejo de não ter sua vida prolongada sem
necessidade.
Optou-se pela ortotanásia porque, por enquanto, é o único autorizado pelo
ordenamento jurídico, dentre os fenômenos relativos à finitude citados acima. Assim, no
primeiro capítulo, faz-se uma explanação geral da ortotanásia e destes fenômenos próximos a
ela, com a finalidade de ambientar o tema e de distingui-los uns dos outros.
Depois, avalia-se a inadequação do uso da expressão „morte digna‟, por meio das
variadas acepções dadas a ela pela doutrina, visando a contribuir com a discussão acerca das
nomenclaturas no âmbito da terminalidade da vida. Ao final deste capítulo, apontam-se
algumas legislações mais avançadas sobre o tema, notadamente, as leis promulgadas na
Argentina e em algumas regiões dos Estados Unidos da América, para demonstrar como esses
países vêm tratando as questões da terminalidade da vida bem como referendar a inadequação
da utilização da expressão „morte digna‟ como sinônimo de ortotanásia, sem a pretensão,
contudo, de fazer um estudo de direito comparado sobre o assunto.
13
No segundo capítulo, enfoca-se o princípio da autonomia privada sob o ponto de vista
do direito, partindo da idéia inicial de autonomia da vontade construída por Immanuel Kant
no Iluminismo, a qual tem conotação subjetivista, para se chegar ao conceito atual de
autonomia privada, de natureza objetivista. Não haverá aprofundamentos em relatos
históricos, por fugir ao objeto deste trabalho.
Ressalte-se, todavia, que a abordagem dada ao princípio da autonomia privada leva em
consideração tanto atos de conteúdo patrimonial como os de essência existencial, tendo em
vista que ambos estão inseridos na categoria dos atos jurídicos. O escopo da presente
dissertação não é discutir a natureza dos atos jurídicos em si, mas o exercício da liberdade
individual, por meio da autonomia privada no âmbito das relações extrapatrimoniais,
notadamente, no que tange ao direito de viver sem o prolongamento artificial. Em seguida,
demonstra-se como a autonomia do paciente é definida pela doutrina do Biodireito,
particularizando a relevância do direito à informação do paciente para que este consinta na
escolha de seu tratamento. Assim, deve-se enfatizar que o objeto deste estudo restringe-se à
consideração dos contratos remunerados de prestação de serviço entre médico e paciente, cuja
natureza é, por excelência, de consumo.
Em um segundo momento, discorre-se sobre a preservação da vida e da saúde do ser
humano no âmbito da dignidade para demonstrar como o exercício da autonomia privada, um
dos vértices da liberdade, materializa a dignidade humana do paciente em estágio terminal.
Mais adiante, no capítulo terceiro, estudam-se as questões relativas à terminalidade da
vida na área da doutrina civil-constitucional, a partir de uma leitura da Constituição Federal
Brasileira, dos Códigos Penal, Civil e de Ética Médica vigentes no Brasil, das Resoluções do
Conselho Federal de Medicina e dos projetos de lei brasileiros em tramitação sobre este tema,
utilizando-se a óptica kelseniana do sistema escalonado de normas jurídicas.
É oportuno registrar que a contribuição extraída das normas de natureza penal é
decorrente da tendência do legislador brasileiro em criminalizar condutas atinentes à
terminalidade da vida, típicas dos direitos da personalidade, razão pela qual se faz necessária
uma breve explanação sobre como o direito penal vem abordando esse assunto.
O último capítulo analisa as questões acerca do testamento vital, visto como um dos
instrumentos hábeis para o exercício da autonomia do paciente no que concerne ao direito de
viver sem prolongamento artificial. Nesta oportunidade, avaliam-se algumas legislações
editadas em outros países sobre o tema para verificar como este instituto vem sendo utilizado.
14
Em um segundo momento, analisa-se a validade e a eficácia deste instrumento bem
como a sua adequação no direito brasileiro, ante a legislação pátria existente sobre os
testamentos tradicionais.
Importa registrar, neste ponto, que o objeto deste estudo restringe-se às hipóteses de
pessoas que oficialmente realizaram a sua manifestação de vontade em estado de consciência
e competência, isto é, em pleno gozo de suas faculdades mentais e, portanto, capazes para
decidir sobre os últimos dias de suas existências (DWORKIN, 2003, pp. 251-262). Nesse
sentido, situações de reconstrução judicial da vontade de pacientes, que não chegaram a
exteriorizar sua vontade formalmente, não estão abrangidas por esta dissertação.
15
1
A TERMINALIDADE DA VIDA
Sumário: 1.1. Ortotanásia. 1.2. Eutanásia. 1.3. Suicídio Assistido. 1.4.
Distanásia 1.5. Crítica à expressão “morte digna”.
A indefinição semântica está sempre presente quando se trata das questões relativas à
„terminalidade da vida‟. Sobre esse assunto, registre-se que o vocábulo „terminalidade‟ já foi
inserido no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da Academia Brasileira
de Letras e, segundo Aulete (2013) )1, significa “estado ou condição do que é terminal”.
Nesse sentido, Marília Campos Telles e Antônio Carlos Coltro (2010, pp. 290-291) afirmam
que:
A terminalidade da vida é uma condição diagnosticada pelo médico diante
de um enfermo com doença grave e incurável: há, portanto, uma “doença em
fase terminal” e não um “doente terminal” e assim a prioridade deve ser a
pessoa doente não mais o tratamento da doença, buscando o bem estar físico
e emocional do paciente.
Advirta-se, contudo, que o objeto deste estudo prioriza a ortotanásia e os pacientes
terminais, isto é, aqueles que são vítimas de uma doença prolongada, incurável e progressiva,
cuja morte está próxima e, portanto, precisam de cuidados especiais como forma de garantir o
processo de humanização na finitude da vida.
Em razão disso, deve-se esclarecer serem os doentes terminais diferentes dos pacientes
em estado vegetativo persistente os quais, sendo vítimas de lesão cerebral aguda ou crônica,
não têm consciência plena e são alimentados artificialmente. Nesse ensejo, Leocir Pessini
(2001, p. 112) distingue os doentes em estado vegetativo daqueles em estágio terminal ao
afirmar que:
Os pacientes em estado vegetativo persistente não sofrem, porque os
mecanismos do sofrimento foram destruídos. Eles também não são doentes
terminais, porque a sobrevivência é possível por muitos anos. Contudo, são
incapazes de requerer a interrupção de tratamentos de suporte de vida.
Percebe-se, portanto, estarem esses doentes em estado de hibernação, sem nenhuma
vida de relação com as demais pessoas e o sofrimento, em essência, atinge a família e não o
enfermo, pois são os entes queridos que se afligem ao ver a suspensão de uma vida num leito
de hospital.
Da mesma forma, o estudo não abrange as vítimas de enfermidades, acidentes ou
traumas que, por conseqüência, acarretaram impossibilidade de movimentação corporal do
1
Disponível em: < http://aulete.uol.com.br/terminalidade >.
16
doente, tal como, a tetraplegia. Exemplo disto foi o caso Ramón Sampedro, cuja vida foi
retratada no filme „Mar Adentro‟.
O espanhol Ramón tinha uma vida ativa e feliz quando, aos 22 anos, sofreu uma lesão
na coluna cervical, ao se lançar ao mar de cima de um rochedo, permanecendo tetraplégico
por 30 anos enquanto batalhava incansavelmente pela autorização judicial da sua morte. O seu
pedido não foi acolhido pelo Tribunal de Direitos Humanos de Estrasburgo e ele somente
conseguiu o seu intento por meio da realização, às escondidas, de um suicídio assistido
(FERRAREZE FILHO, 2010, pp. 143-159).
Os pacientes terminais não se igualam, tampouco, aos doentes em estado grave, porém
com chances de cura, ainda que mínimas. É a hipótese, por exemplo, das vítimas de sepse,
décima causa de morte mais freqüente nos Estados Unidos, comumente conhecida por
infecção generalizada. Em termos técnicos, a sepse ocorre quando “[...] a síndrome da resposta
inflamatória sistêmica é decorrente de um processo infeccioso comprovado” (MATOS;
VICTORINO, 2013, p. 102).
Assim, a expressão „paciente terminal‟ está restrita a pessoas acometidas de doenças
graves, cujo processo de cura não mais será alcançado, fato que implica numa mínima
expectativa de vida. Pacientes assim estão sujeitas a sofrimentos físicos e psicológicos
atrozes. São, por exemplo, pessoas acometidas de câncer em estágio avançado ou de AIDS,
entre outras.
Nesse sentido, Genival Veloso França (2007, p. 501) assevera: “Como paciente
terminal, entende-se aquele que, na evolução da sua doença, não responde mais a nenhuma
medida terapêutica conhecida e aplicada, sem condições portanto de cura ou de
prolongamento da sobrevivência.”. De um modo mais objetivo, Rachel Sztajn (2002, p. 107)
resume doente terminal como “aquele cuja vida está próxima do fim”.
1.1
Ortotanásia
O vocábulo ortotanásia é traduzido pela expressão „morte correta‟ e a sua criação é
atribuída ao professor Jacques Roskam. Ao publicar seu estudo em um congresso de
gerontolgia, na cidade de Liège (Bélgica), em 1950, ele percebeu a existência de um liame
entre a abreviação célere da vida, por meio da eutanásia, e o excesso de terapias, responsáveis
por retardar ao máximo a morte do paciente, chamada de distanásia. O trabalho Roskam
revelou ser concebível a supressão de esforço terapêutico de pacientes terminais ou de pessoas
17
em estágio de vida vegetativa como uma solução social e humana para doenças incuráveis,
pois, do mesmo modo que seria odioso acelerar a morte de um doente (eutanásia), a tortura do
prolongamento da sua sobrevida por meios artificiais seria repugnante. A esse fenômeno ele
denominou ortotanásia, referindo-se à morte justa, correta, ao tempo certo (ROSKAM, 1950,
pp. 709 - 713). Aliás, é este significado etimológico da palavra ortotanásia: „morte correta‟,
oriunda dos termos „orthos‟ (correto) e „thanatos‟ (morte).
O conceito de ortotanásia foi delineado por Luís Roberto Barroso e Letícia de Campos
Velho Martel (2011, p. 107) ao afirmarem que:
Trata-se da morte em seu tempo adequado, não combatida com os métodos
extraordinários e desproporcionais utilizados na distanásia, nem apressada
por ação intencional externa, como na eutanásia. É uma aceitação da morte,
pois permite que ela siga o seu curso.
Adicionalmente, em entendimento concorde, José de Oliveira Ascensão (2009, p. 431)
diz que: “A ortotanásia consistiria em suspender os tratamentos extraordinários, mantendo
apenas os secundários, a alimentação e os cuidados paliativos – contra a dor, por exemplo”.
Todavia, cumpre registrar a compreensão dissonante de Genival Veloso de França (2007, pp.
493 e 500) sobre ortotanásia, ao considerar que:
A ortotanásia, como a suspensão de meios medicamentosos ou artificiais de
vida de um paciente em coma irreversível e considerado em “morte
encefálica, quando há grave comprometimento da coordenação da vida
vegetativa e da vida de relação. (...) Ipso facto, a ortotanásia, constante da
supressão de meios artificiais para o prolongamento da vida de um indivíduo
em “coma dépasse”, já merece a compreensão da sociedade, tendo em conta
que ele se mantém com respiração assistida, arreflexia e perda irreversível da
consciência, associadas a um “silêncio” eletroencefalográfico. Para essas
pessoas, o prolongamento penoso de uma vida vegetativa, por seus aspectos
físicos, emocionais e, mesmo, econômicos, seria de nenhuma utilidade.
Lembre-se, por essencial, que o paciente em estágio irreversível de coma (“coma
dépassé”) e com comprometimento da vida de relação não é carecedor de cuidados paliativos,
por não estar mais vivo, segundo os parâmetros médicos e legais sobre a definição de morte
encefálica.
O direito brasileiro, acompanhando a orientação dada pelo Comitê ad hoc da
Universidade de Medicina de Harvard, utiliza a morte encefálica como o critério adequado de
verificação e decretação do encerramento da personalidade civil do indivíduo, fornecido pela
deontologia médica, positivado na Resolução 1.480/1997, do Conselho Federal de Medicina –
CRM, e aceito pela doutrina civilista brasileira2. A ocorrência da morte encefálica decorre de
2
(LÔBO, 2010, p. 118; EHRHARDT JÚNIOR, 2009, p.152).
18
um diagnóstico imutável cuja causa conhecida, é atestada por dois médicos e verificada por
meio de exame clínico e de eletroencefalograma.
Nesse aspecto, os critérios clínicos para a sua verificação são dois: o coma aperceptivo
com ausência de atividade motora supra-espinal e a apneia (artigos 3º e 4º da Resolução
1.480/1997). O coma aperceptivo constitui a impossibilidade de reflexos e de quaisquer
movimentos; a ausência de atividade motora supra-espinal é a ausência total e irreversível do
sistema nervoso central e a apneia, por seu turno, é a impossibilidade de respiração sem a
ajuda de aparelhos. (CORRÊA NETO, 2010, p. 360).
Diversamente, praticar ortotanásia, portanto, é reumanizar o processo de finitude,
porque se permite que a vida tome o seu curso natural rumo à extinção, sem a adoção de
procedimentos de retardamento ou de aceleração, mediante os cuidados paliativos necessários
para esse fim. Com isso, elimina-se a dilação do tratamento do paciente terminal, mantendose tão somente os cuidados terapêuticos, a fim de evitar a dor e o sofrimento até que o
enfermo expire naturalmente.
A assistência a ser dada ao doente é integral, isto é, busca-se garantir não só o bem
estar físico dele, mas também o mental e o espiritual. Desta maneira, o enfermo deve também
receber suportes psicológico e religioso, de acordo com suas convicções, além do
estreitamento das suas relações interpessoais, nutridas por entes queridos e familiares
(ASCENSÃO, 2009, p. 444).
A medicina paliativa se materializa na filosofia do hospices. Esta palavra está
vinculada ao radical do vocábulo „hospitium‟ que se significa „acolhimento‟. Nos dias atuais,
o hospices designa o ambiente onde são ministradas medidas de conforto, em que não mais se
obstina a cura, mas o bem estar dos doentes para reumanizar o processo de finitude, por meio
de um atendimento especial prestado por uma equipe multidisciplinar.
Essa prática teve início em Londres, em 1948, por meio de um trabalho realizado pela
Dra. Cicely Saunders no Hospital St. Thomas. Os ensinamentos da Dra. Saunders se
propagaram pelo mundo e foram sendo aprimorados com a criação de setores de cuidados
paliativos dentro dos hospitais e em domicílio (ALVES, 2001, p. 386).
O hospices, segundo Maria Helena Diniz (2007, p. 363), é um setor dentro do hospital
apropriado para dar amparo aos pacientes terminais, em que se garante o pronto atendimento
às necessidades especiais deles, pela prestação de auxílio psicológico e social, e com a
interação entre doentes e as respectivas famílias. Além disso, a ideologia defendida pelo
19
hospices busca, na medida do possível, viabilizar a liberdade do doente fora dos hospitais,
como forma de abrandar sua dor e aflição, deixando o internamento hospitalar seja a última
opção de tratamento. Isso se materializa por meio de hospitais residência e de atendimento
domiciliar.
Acredita-se que a prestação eficiente da assistência paliativa, por meio do hospice,
mediante equipe especializada de profissionais, afasta do paciente terminal o desejo de
praticar a eutanásia ou o suicídio assistido (MENEZES, 2010, p. 16).
Os cuidados paliativos são, portanto, as medidas tomadas pelos médicos para minorar
o infortúnio do paciente em estágio terminal, diminuindo-lhe as dores e as tribulações. A
Organização Mundial de Saúde (OMS) define cuidados paliativos como aqueles destinados
aos pacientes acometidos de doenças com risco de morte, visando a prestar-lhes um
tratamento interdisciplinar mediante assistência física, psicológica e espiritual, aprimorandolhes a qualidade de vida (WHO, 2011, p. 6).
Nesse amparo, as dores físicas são controladas pela prescrição de analgésicos,
devendo, ainda, ser prestado o acompanhamento de profissionais na área de psicologia e
psiquiatria. Tudo isto com o objetivo de minorar as angústias sofridas pelo enfermo, pois as
doenças fatais normalmente vêm acompanhadas de doenças da alma, como a depressão. Além
disso, a depender da crença do indivíduo, é importante a disponibilização de auxílio espiritual
dado pelos capelães e ministros da fé, com a finalidade de prestar consolo nos tempos difíceis.
A interação do paciente junto à família e ao meio social é essencial para que ele se sinta
lembrado e amado por seus entes queridos.
Os fundamentos da medicina paliativa são relacionados por Leocir Pessini (2001, p.
209) da seguinte forma:
a) Afirma a vida e encara o morrer como um processo normal; b) não
apressa nem adia a morte; c) procura aliviar a dor e outros sintomas
angustiantes; d) integra os aspectos psicológicos e espirituais nos cuidados
do paciente; e) oferece um sistema de apoio para ajudar os pacientes a
viverem ativamente tanto quanto possível até a morte; f) oferece um sistema
de apoio para ajudar a família a lidar com a doença do paciente e com o seu
próprio luto.
Com tal, personaliza-se o tratamento, isto é, o feixe de luz deixa de ser a doença para
alcançar quem realmente merece atenção, o doente. É ele quem precisa ser cuidado, tratado,
medicado, enfim, poupado de qualquer terapia inócua para alcançar o seu último estágio vital
com dignidade.
20
É de se notar, ainda, que, em determinadas hipóteses, as terapias utilizadas podem
gerar um duplo efeito, isto é, uma ação médica que produz duas consequências: uma almejada
e imediata; outra indesejável e colateral. A primeira decorre do objetivo primordial do
tratamento, ou seja, a redução da dor provocada pela enfermidade. A segunda surge das
implicações colaterais da medicação e resulta na abreviação não intencional da morte do
paciente. Exemplo disto é a utilização de morfina, como recurso analgésico, que pode resultar
na insuficiência respiratória do enfermo e em sua consequente morte.
Nessa perspectiva, o essencial é considerar que a vontade do paciente deve ser
respeitada, seja para manter uma medicação que poderá resultar na sua morte, seja para
suspendê-la, o que aumentaria a dor física sofrida. Reafirme-se: é o doente quem deve optar
pelo que entende ser melhor para si. Para tanto, é necessário que ele tenha o conhecimento
exato do estágio da doença e, com isso, possa expressar a sua vontade de forma idônea.
Dentro desse contexto, uma vez informado dos tratamentos disponíveis e dos efeitos
colaterais dele resultantes, o paciente pode, além de recusar o início do tratamento médico,
optar por restringir certas medidas de esforço terapêutico. Essa limitação consentida acontece,
por exemplo, quando uma pessoa com câncer em estágio avançado que, após cirurgias e
sessões de quimioterapia sem resultado, opta por não se submeter à medida extrema de
amputação de um membro atingido pela doença.
Além desse tipo de restrição ou recusa de terapia, o doente pode declarar seu desejo de
protelar ou não o procedimento para a ocasião em que o estágio de inconsciência avançar, isto
é, expressar se consente a aplicação de técnicas de reanimação e ressuscitação ou se prefere
esperar a chegada da morte sem a utilização de esforços terapêuticos. Sobre as medidas de
limitação consentida Luís Roberto Barroso e Letícia de Campos Velho Martel (2011, pp. 108109) esclarecem que:
A retirada de suporte vital (RSV), a não-oferta de suporte vital (NSV) e as
ordens de não-ressuscitação ou de não-reanimação (ONR) são partes
integrantes da limitação consentida de tratamento. A RSV significa a
suspensão de mecanismos artificiais de manutenção da vida, como os
sistemas de hidratação e de nutrição artificiais e/ou o sistema de ventilação
mecânica; a NSV, por sua vez, significa o não-emprego desses mecanismos.
A ONR é uma determinação de não iniciar procedimentos para reanimar um
paciente acometido de mal irreversível e incurável, quando ocorre parada
cardiorrespiratória. Nos casos de ortotanásia, de cuidado paliativo e de
limitação consentida de tratamento (LCT) é crucial o consentimento do
paciente ou de seus responsáveis legais, pois são condutas que necessitam da
voluntariedade do paciente ou da aceitação de seus familiares, em casos
determinados.
21
Desta maneira, compete ao paciente, enquanto possível, escolher a forma como a sua
doença será vivenciada e tratada, devendo a sua vontade ser respeitada em qualquer
circunstância. A família, por seu turno, terá um papel essencial na preservação e no
cumprimento da vontade declarada pelo moribundo, não devendo se furtar a atender os
últimos desejos de quem está ver terminado o seu ciclo vital.
De outro modo, as mortes do Papa João Paulo II e do ex-governador de São Paulo
Mário Covas são dois exemplos importantes em que a ortotanásia foi defendida e vivenciada,
pois ambos, além de refutarem a utilização de técnicas de extraordinárias de tratamento ao
final de suas vidas, defenderam, cada um à sua maneira, a prática da ortotanásia por meio de
suas publicações.
O primeiro publicou a Carta Encíclica „Evangelium Vitae‟, em maio de 1995; o
segundo, enquanto Governador do Estado de São Paulo, sancionou a denominada Lei Mário
Covas (Lei Estadual Nº 10.241/99), de autoria do Deputado Estadual Roberto Gouveia,
destinada aos usuários dos serviços de saúde daquele estado-membro.
Karol Wojtyla teve uma longa história como chefe da Igreja Católica, com inúmeras
publicações de livros, cartas e encíclicas. Preocupado com a vinda da morte, chegou a
declarar no aditamento ao seu testamento que todos deveriam estar preparados para a chegada
deste dia (PAULO II, 1980, online). Entre seus escritos, João Paulo II defendeu, também, a
prática da Ortotanásia, na Cúpula da Igreja Católica, ao declarar que:
Na iminência de uma morte inevitável, apesar dos meios usados, é lícito em
consciência tomar a decisão de renunciar a tratamentos que dariam somente
um prolongamento precário e penoso da vida, sem contudo, interromper os
cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes. Por isso, o
médico não tem motivos para se angustiar, como se não tivesse prestado
assistência a uma pessoa em perigo.3
Anos depois, publicou a Encíclica „Evangelium Vitae‟ que atestou o valor sagrado da
vida humana, buscando reafirmar a sua inviolabilidade, com o escopo de que ela seja vista
pelo homem como um bem primário do início ao fim. Nesta publicação, há uma repulsa a
tudo quanto se opõe à vida, notadamente, ao homicídio, ao genocídio, ao aborto e ao suicídio
voluntário, em respeito ao amor de Deus pelo ser humano. Ressalte-se que a Ortotanásia não
foi incluída pelo Papa como uma das formas de atos atentatórios à vida do ser humano. Ao
invés, ele autorizou aos cristãos a renúncia a tratamentos fúteis de prolongamento da vida,
quando o seu fim se avizinha de maneira incontestável, sem, contudo, interromperem-se os
3
(PAULO II, 1980, online).
22
cuidados essenciais responsáveis por minorar o sofrimento do enfermo. O cristão tem o dever
moral de procurar um tratamento para suas enfermidades, devendo as terapias disponíveis ser
proporcionais à expectativa de evolução. Nesse sentido, o texto esclarece, ainda, que o
repúdio a meios extraordinários de tratamento não implica suicídio ou eutanásia, pois revela a
resignação do ser humano perante um fato irrefutável, a morte (PAULO II, 1995, online).
O Papa João Paulo II viria a falecer dez anos após a edição dessa encíclica, no dia 02
de abril de 2005, aos 84 anos, em seus aposentos, com vista para a Praça de São Pedro, no
Vaticano, cercado dos amigos mais próximos e de muitas orações dos inúmeros fieis que
faziam vigília permanente naquela praça. Vencido pelo Mal de Parkinson, que o acometia
havia algum tempo, a causa direta da morte do Papa João Paulo II foi choque séptico, seguido
de um colapso cardiovascular (BUZZONETTI, 2013, online). Após realizar uma
traqueostomia, em fevereiro daquele ano, com a finalidade de melhorar a sua respiração, o
Papa preferiu passar seus últimos dias no Vaticano, cercado dos cuidados médicos suficientes
para a espera de sua partida quando, dois meses depois, o seu estado de saúde foi considerado
irreversível (MENDES, 2005, p. 2).
No Brasil, especificamente no Estado de São Paulo, em 17 de março de 1999, entrou
em vigor a Lei Mário Covas que autorizava, no artigo 2º, inciso VII, os usuários dos serviços
de saúde a “consentir ou recusar de forma livre, voluntária e esclarecida, com adequada
informação, procedimentos diagnósticos ou terapêuticos a serem nele realizados”.
A lei representou um grande avanço, permitindo ao meio médico e à sociedade dar
início às discussões sobre a terminalidade da vida, com o escopo de humanizar a prestação
dos serviços de saúde por meio do oferecimento de cuidados paliativos e da repulsa à
obstinação terapêutica. O artigo 2º do ato normativo buscou regular a prestação dos cuidados
paliativos, pois apontou a necessidade de proporcionar o conforto e o bem estar do paciente
(inciso XVIII), que deve ser atendido em local digno e adequado (inciso XIX) e acompanhado
por pessoas de sua confiança nas consultas e internações (no inciso XV). Além disso, o
mesmo dispositivo disponibiliza ao paciente a assistência moral, psicológica, social ou
religiosa, se assim ele desejar (inciso XX) bem como a opção pelo local onde almeja passar
últimos dias de sua vida (inciso XXIV). Por fim, merece destaque o inciso XXIII do artigo 2º
que autorizou a prática da ortotanásia ao permitir ao paciente a recusa de tratamentos
dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida.
Dois anos após a promulgação desta lei, no dia 6 de março de 2001, o ex-governador
Mário Covas faleceu, no Instituto do Coração, por falência múltipla de órgãos, decorrente da
23
irreversibilidade de um câncer. Sem possibilidade de cura, recusou-se a ir para a Unidade de
Terapia Intensiva (UTI), preferindo passar os últimos dias de sua trajetória na companhia de
seus familiares e sob o efeito de medicação para minoração da dor (ROZOWYKWIAT, 2001,
p. A4).
1.2
Eutanásia
O termo Eutanásia, oriundo do grego, significa boa (eu) morte (thanatos), também
conhecida como „morte doce‟ ou „morte suave‟. Originariamente, o vocábulo sugeria a ideia
de morte tranqüila, isto é, ausente de dor, sem que houvesse intervenção para o seu
abreviamento (ALVES, p. 28).
A protelação do tratamento do paciente terminal era eliminada, mantendo-se apenas os
cuidados terapêuticos, a fim de evitar a dor e o sofrimento resultantes da enfermidade, para
aguardar o óbito natural do doente. Hoje, esse comportamento é denominado de Ortotanásia e
não Eutanásia, como outrora. Dividiu-se, portanto, a classificação: na Eutanásia, ainda que
seja possível a cura, antecipa-se a morte; na Ortotanásia, em razão de não haver mais chances
de cura, espera-se a morte mediante a minoração da dor.
Ao longo dos anos, a palavra „eutanásia‟ foi utilizada de várias formas, englobando
situações divergentes entre si. Serviu tanto para métodos eugenésicos, com a finalidade de
selecionar a melhor raça (eutanásia eugênica), como para práticas econômicas em que as
crianças e os anciãos deficientes ou deformados eram sacrificados, por serem inúteis aos
interesses da comunidade (eutanásia econômica). Chamaram-se, ainda, de eutanásia criminal
os casos de pena de morte em que se imola um delinqüente socialmente perigoso. Já a
eutanásia solidarística tinha por escopo salvar a vida de alguém, por meio do sacrifício de
pessoa gravemente enferma para retirar-lhe os órgãos (SAWEN, 2008, p. 132).
Voltando para a significação etimológica do vocábulo, isto é, „boa morte‟, a eutanásia
teve outras acepções, tais como a religiosa, vista como um favor imerecido, concedido por
Deus, e a estóica, entendida como a libertação de toda inquietude terrena a que se sujeitam os
mortais. Ricardo Royo-Villanova y Morales (1933, p. 26) foi quem melhor sintetizou as
variadas concepções da eutanásia, englobando, entre outros, o conceito de: eutanásia natural,
eutanásia teológica, eutanásia estóica, eutanásia terapêutica, eutanásia eugênica e eutanásia
legal.
É a morte doce e tranquila, sem dores físicas nem torturas morais, que pode
sobrevir de um modo natural nas idades mais avançadas da vida, acontecer
24
de um modo sobrenatural como graça divina, ser sugerida por uma exaltação
das virtudes estóicas ou ser provocada artificialmente, já por motivos
eugênicos, bem com fins terapêuticos, para suprimir ou abreviar uma
inevitável, longa e dolorosa agonia, porém sempre com o prévio
consentimento do paciente ou uma prévia regulamentação legal (tradução
livre).
Luis Jiménez de Asúa (1929, p. 186) entendeu que “Eutanásia significa «boa morte»,
mas em sentimento mais próprio e estrito é a que outro proporciona a uma pessoa que padece
uma enfermidade incurável ou muito penosa, e a que tende a truncar a agonia excessivamente
cruel ou prolongada.”. Na mesma linha de pensar, Luciano Santoro (2010, p. 21) afirmou que:
[...] pode ser entendida como a conduta, positiva ou negativa, que tem por
escopo abreviar, a vida de um paciente reconhecidamente incurável,
suprimindo-lhe a dor e o sofrimento. Portanto, uma pessoa dá início ao
evento que causará a morte. Diferencia-se de um homicídio simples (matar
alguém) por apresentar o componente de agir de forma piedosa, procurando
fazer um “bem” àquela pessoa. O seu elemento caracterizador é a
compaixão.
Atualmente, de forma mais simples, a eutanásia é vista como abreviamento da morte,
realizado por um terceiro que, imbuído do sentimento nobre da compaixão, viabiliza a
extinção da vida do paciente. A eutanásia se distingue de uma ação homicida porque a
misericórdia é a motivação para a prática do ato humanitário.
Assim, os pressupostos para a configuração da eutanásia são: a conduta de terceiro
(normalmente exercida por um médico ou por um familiar), o sentimento de clemência ante a
enfermidade de alguém e a forma de execução, que deve ser livre de qualquer sofrimento.
Por outro lado, apesar da tentativa doutrinária de chegar a um consenso sobre a
conceituação da eutanásia, reduzindo a polissemia do seu termo, a variedade de classificações
quanto às suas modalidades permanece. Nesse diapasão, dentro da significação de suavidade
da morte, os tipos mais freqüentes são: eutanásia voluntária, não-voluntária e involuntária e
eutanásia ativa e passiva.
Entende-se que eutanásia voluntária (ou consentida) é a forma mais comum porque
praticada com o consentimento prévio e expresso do paciente em estágio terminal. Nesse
sentido, Álvaro Lopes-Cardoso (1986, p. 90) afirma que:
Eutanásia voluntária, ou seja, o acesso à morte, pelos meios menos dolorosos
em casos de doentes incuráveis ou terminais e que manifestam (ou
manifestaram enquanto conscientes) a sua vontade de que a morte lhes seja
facultada com o máximo de dignidade e o mínimo de sofrimento.
A eutanásia não-voluntária e a involuntária têm como ponto comum a falta de
consentimento do paciente. A diferença entre elas é que na não-voluntária inexiste a
25
manifestação de vontade do doente porque ele já se encontra incapaz de emiti-la, como, por
exemplo, nos casos de coma profundo. Na involuntária, diversamente, o enfermo tem
condições de expressar sua vontade, mas ela é desrespeitada (SINGER, 1998, pp. 186-191).
Esta última hipótese enquadra-se no tipo de homicídio qualificado por impossibilidade
de defesa da vítima (art.121, § 2º, inciso IV, do CPB4), não se subsumindo à ideia de boa
morte, por faltar-lhe elemento essencial, a saber, a vontade do paciente terminal.
Impende registrar que o fato de o enfermo se encontrar sem perspectiva de melhora,
ocupando um leito de hospital e, por óbvio, realizando despesas, não autoriza nenhum
profissional de saúde ou familiar a desligar os aparelhos que o mantêm vivo, com a finalidade
de contenção desses gastos. Condutas desse jaez, ao invés, resultam no acréscimo de mais
uma qualificadora ao tipo do homicídio, o motivo torpe (art.121, § 2º, inciso I, do CPB).
De outro modo, a diferença entre a eutanásia ativa e a passiva reside no ato comissivo
da primeira e no omissivo da segunda. Na forma ativa, o terceiro responsável pela antecipação
terapêutica da finitude da vida ministra, por exemplo, doses mortíferas de determinado
medicamento no paciente terminal, causando-lhe a morte. Na eutanásia passiva, a conduta é
um non facere que também resultará na morte do paciente. Nesta hipótese, ainda existem
tratamentos possíveis para o enfermo, mas opta-se por suspendê-los, antecipando
paulatinamente o advento de sua extinção como, por exemplo, a suspensão de alimentação e
hidratação.
Isso foi o que ocorreu no caso da americana Terry Schiavo, acometida de um ataque
cardíaco com comprometimento cerebral, enquanto se submetia a uma severa dieta de
emagrecimento, em 1990. Em extensa batalha judicial, o então marido e curador de Terry
conseguiu autorização para desligar os aparelhos que mantinham a alimentação dela,
causando-lhe a morte em 2005 (GOODNOUGH, 2005, online).
Deve-se salientar, ainda, a distinção entre a ortotanásia e a eutanásia passiva. Apesar
de parte respeitável da doutrina5 tratar a ortotanásia e „eutanásia passiva‟ como sinônimos,
estes fenômenos não se confundem, pois a ortotanásia tem como fundamento a inutilidade do
tratamento de cura, por não ser mais viável chegar ao fim almejado com os recursos
disponibilizados pela medicina.
4
Art. 121. Matar alguém: [...] § 2° Se o homicídio é cometido: [...] IV - à traição, de emboscada, ou mediante
dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
5
(ALVES, 2001, pp. 314-325); (GIOSTRI, 2007, pp. 155-170); (LÔBO, 2011, p. 116); (SÁ, 2005, p. 39).
26
Já na „eutanásia passiva‟, como dito, omitem-se, inclusive, os cuidados paliativos de
manutenção da vida do paciente, antecipando-lhe a sua morte, como, por exemplo, mediante
supressão da alimentação por via de aparelhos. Sobre essa distinção, José Roberto Goldim
(2010, p. 30), doutor em Medicina e Bioética, ensina:
A melhor maneira de se descrever o que é ortotanásia é utilizar o conceito
de futilidade, isto é, reconhecer que alguns tratamentos são inúteis, sem
benefício para o paciente, e que podem ser não iniciados ou retirados. Não é
a ortotanásia que deve ser implantada como uma nova prática, mas a
futilidade que deve ser evitada. Evitar a futilidade é retirar as medidas inúteis
que apenas prolongam, de forma indevida, a vida do paciente. [...] A
eutanásia passiva, ao contrário, suprime a implantação de medidas que ainda
trariam benefício real para o paciente. Se intencionalmente elas não forem
implantadas, irão abreviar a vida do paciente, ainda que com a finalidade de
reduzir sofrimentos. Esta é a diferença. O reconhecimento da situação de
futilidade, ou ortotanásia, se quiserem, evita prolongar a utilização
desnecessária de medidas sem benefícios, permitindo que a morte ocorra em
seu devido tempo. O que diferencia ambas as situações são a intenção e o
resultado, pois uma antecipa a morte – eutanásia passiva – e outra –
futilidade – evita prolongar a vida.
No mesmo sentido, Eduardo Luiz Santos Cabette (2009, p. 25) pontua que:
É a „morte correta‟, mediante a abstenção, supressão ou limitação de todo
tratamento fútil, extraordinário ou desproporcional, ante a iminência da
morte do paciente, morte esta a que não se busca (pois o que se pretende
aqui é humanizar o processo de morrer, sem prolongá-lo abusivamente), nem
se provoca (já que resultará da própria enfermidade da qual o sujeito padece.
Nesses termos as condutas ortotanásicas diferem amplamente da eutanásia
passiva, pois nesta ocorre a provocação da morte do doente terminal por
meio da omissão quanto aos cuidados “paliativos ordinários e proporcionais”
que evitariam seu passamento.
Há de se ter em mente, portanto, que na ortotanásia espera-se a morte chegar,
proporcionando ao paciente a minimização da dor e a maximização do conforto, dentro do
contexto da doença sofrida pelo enfermo. Por outro lado, na eutanásia passiva suprime-se o
tratamento posto à disposição do paciente, abreviando o termo de sua existência.
Sobre esse ponto de vista, James Rachels (1975, p. 78) defende que a omissão inerente
à eutanásia passiva, consistente no „deixar morrer‟, pode ser mais lenta e penosa que a ação
letal da eutanásia ativa. O autor aponta a hipótese dos bebês com Síndrome de Down que
nascem com obstrução intestinal e precisam se submeter à cirurgia corretiva com pouca
esperança de sobrevivência. Alguns pais e médicos optam por não realizar a intervenção
cirúrgica e esperam que a morte sobrevenha em decorrência da infecção e da desidratação.
Comportamentos dessa estirpe, tidos como prática de eutanásia passiva, estão distantes
do que se compreende genuinamente por eutanásia, isto é, a abreviação da morte sem
27
sofrimento para aqueles que se encontram acometidos de enfermidades insuperáveis, realizada
por alguém imbuído de piedade. Ao invés, essa omissão implica não só a majoração da dor,
como também evidencia a ausência de compaixão diante do sofrimento de alguém,
enquadrando-se no tipo de homicídio qualificado por impossibilidade de defesa da vítima e
mediante a prática de tortura (art. 121, § 2º, incisos III e IV, do CPB).
Impende esclarecer que a qualificadora da tortura não se confunde com o crime de
tortura, previsto na Lei 9.455/97. Aquela se refere à provocação da morte de alguém por
meios torturantes; o crime de tortura, por seu turno, diz respeito à utilização destes recursos
com a finalidade de obter informações ou confissões de alguém.
A abreviação da vida por omissão de tratamento, chamada de eutanásia passiva, não se
coaduna, em essência, com o que se pretende com a eutanásia, aproximando-se muito mais
das formas árduas de eutanásia de outrora como, por exemplo, a eugênica e a econômica.
Por outro lado, não se deve olvidar que muitos são os argumentos favoráveis e
contrários à prática da eutanásia. A corrente vitalista tem seu fundamento na sacralidade da
vida. Esta é vista como um bem irrenunciável e absoluto que antecede ao direito e supera a
autonomia da vontade, não sendo possível haver um direito subjetivo à morte porque daquela
não se pode dispor. Neste sentido, seria inconstitucional, por ofensa ao artigo 5º, caput, da
Constituição Federal, qualquer regramento tendente a macular a vida humana (DINIZ, M. H.,
2007, p. 439).
Além disso, os diagnósticos podem ser falhos e a possibilidade de superveniência de
novos tratamentos é sempre possível para a ciência. Tais fatos tornam a decisão do paciente
passível de instabilidade, pois, ao tomar conhecimento de novos tratamentos, o enfermo, se
consciente, poderia vir a desistir da ordem de não reanimação por ele proferida. Assim, a
permissão para a abreviação da morte de alguém, para a corrente vitalista, seria um ato
arriscado, pois nem sempre é possível aferir a real motivação do pedido proferido pelo
familiar ou pelo médico, se por motivo altruísta ou oportunista.
Na concepção dessa corrente, não existem parâmetros objetivos para a estimativa do
sofrimento dos doentes, pois o que é insuportável para alguns é ultrapassável para outros.
Dessa forma, não há a possibilidade de autorizar a morte de alguém em estágio de dor
exacerbada, quando não se tem um meio seguro para mensurar o que essa dor representa
(FRANÇA, 2007, p. 494).
28
Os fundamentos dessa corrente vitalista são passíveis de críticas, pois, conforme se
verá no capítulo seguinte, o direito à vida não é absoluto. Se o fosse, o ordenamento
constitucional não permitiria a pena de morte no artigo 5º, XLVII, aliena „a‟, tampouco
admitiria como excludente de ilicitude, a realização do „aborto necessário‟, quando não há
meios de salvar a vida da gestante, e do „aborto humanitário‟, em que a gravidez resulta de
estupro (art. 128 do CPB).
Ademais, a má-fé dos familiares ou de profissionais médicos que têm interesses
escusos para a abreviação da morte de alguém, não se presume. Ao invés, dessas pessoas se
exige o dever de cuidado, de prestar informações claras e verdadeiras e de preservar os
desejos de última vontade do paciente.
O sofrimento decorrente de uma doença terminal não pode ser descrito; diversamente,
é vivido. Argumentar que não há parâmetros para a aferição do sofrimento de alguém não
afasta, mas corrobora a tese de que é a vontade do paciente que deve ser respeitada. Somente
ele sabe como e até quando suportará os efeitos da enfermidade. Nesse aspecto, a ciência deve
estar a serviço do homem, de modo que traga melhoria à qualidade de vida de todos, e não
para escravizá-lo e postergar o que é inevitável. O enfermo, diante das informações que lhe
forem prestadas, precisa ser ouvido.
Dessa forma, enfocam-se como fundamentos da eutanásia: a qualidade da vida, o
sofrimento incalculável, a compaixão, a irreversibilidade do diagnóstico e a preservação da
autonomia individual. Seguindo estes argumentos, Austrália, Holanda, Suíça e Bélgica
promulgaram leis que autorizam a prática de eutanásia (BARBOZA, 2010, pp. 31 - 49;
FRANÇA, 2007, pp. 494 - 499).
A qualidade de vida não está relacionada aos bens materiais reunidos durante o seu
curso ou à forma de usufruí-los, mas se destina à capacidade de realizar as atividades
cotidianas do ser humano como, por exemplo, levantar-se, sentar-se e alimentar-se. Nutre-se o
sentimento de compaixão por alguém que está acometido de doença cujo diagnóstico seja
irreversível, com a finalidade de mitigar-lhe o sofrimento, aplacando a dor.
Nesse sentido, repise-se, não se está a defender a tese de que alguém é inútil no meio
social, em razão da enfermidade, para descartá-lo do mundo existencial, realizando um tipo de
eugenia seletiva, com o propósito de salvaguardar aqueles que servem para continuar vivos.
Não é a sociedade ou o Estado que vão fomentar a abreviação da morte de pessoas com vidas
dispendiosas ou inservíveis e selecionar pacientes sem qualidade de vida para praticarem
29
eutanásia. Ao contrário, o paciente sabedor das próprias limitações e enfermidades é que deve
optar pelas terapias a que deseja se submeter, em observância ao seu livre arbítrio.
Deve-se buscar a preservação do direito de escolha das pessoas. Cada um é
responsável por suas predileções, no decorrer da vida. Assim como todos são autorizados a
optar por construir ou não uma família, ou ter filhos, ou galgar um espaço no mercado de
trabalho, dentro de suas possibilidades, deve ser disponibilizada a alternativa para o
prolongamento ou não da vida com o suporte de aparelhos e remédios.
A ressignificação da eutanásia, numa perspectiva civil-constitucional, é a de que a sua
prática não é um pensamento utilitarista, mas humanitário. Enxerga-se a morte não como um
mal ou um castigo, mas como o último estágio da existência em que se deve preservar a
vontade do seu protagonista.
1.3
Suicídio Assistido
Na mesma linha de pensar da eutanásia voluntária estão as razões que levam o
paciente a buscar o suicídio assistido, ou auto-eutanásia, a saber, o sofrimento demasiado, a
péssima qualidade da vida e a enfermidade incurável. Em oposição a esses argumentos, a já
referida corrente vitalista defende que os médicos não devem transmudar-se em homicidas,
instruindo seus enfermos a como se alcançar a abreviação da vida, quando os analgésicos já
não mais abrandam a dor física. A eles não é dado o direito de poupar o sofrimento dos seus
pacientes desta maneira (DINIZ, M. H., 2007, pp. 20-103 e 334-376; FRANÇA, 2007, pp.
510-515).
Esse fenômenos distingue-se, por sua vez, da eutanásia na medida em que o agente
provocador da abreviação da vida é o próprio paciente terminal, que recebe auxílio de terceiro
para a consecução do seu desiderato. No suicídio assistido, há apenas uma colaboração para a
prática do ato; na eutanásia, de modo diverso, é o terceiro quem executa o gesto humanitário
(PESSOA, 2013, pp. 85-86).
Importa ressaltar, ainda, que a abreviação da vida, por meio do suicídio assistido,
depende da consciência inequívoca do paciente, pois a execução do ato letal é dele, em pleno
gozo do seu livre arbítrio, enquanto na eutanásia, em algumas hipóteses, isto não seria
possível, como, por exemplo, quando o paciente já mergulhou em coma profundo.
Ademais, o auxílio de terceiro para este fim é essencial à caracterização do suicídio
assistido, pois é ele quem viabiliza os meios necessários à realização da conduta do paciente
30
terminal. Sem essa participação, o fato jurídico restringe-se à prática de suicídio simples,
motivado por sofrimento demasiado decorrente de enfermidade incurável (SANTORO, 2010,
p. 124).
O surgimento da AIDS, nos anos oitenta, contribuiu para que muitas pessoas
desejassem o suicídio, ao constatar que não viveriam os próximos anos da forma que queriam,
a despeito de não terem atingido, ainda, o estágio final da doença. Obviamente, essas pessoas
eram punidas quando alcançavam seu intento.
Davi Zimerman (2010, p. 129) pontuou o suicídio assistido da seguinte forma:
Já a expressão suicídio assistido refere ao fato de alguém, geralmente o
médico de confiança, oferecer ajuda necessária para facilitar a morte da
pessoa que deseja – conscientemente – e que está com uma doença incurável
ou fatal a curto prazo – que claramente, querem por fim ao seu ciclo de vida
e não encontram meios de como praticá-lo (a morte de Freud, que durante
algumas décadas tinha um sofrimento atroz devido a um incurável, na época,
câncer de maxilar, resultou de um acordo sigiloso com o seu médico
assistente).
Assim, o suicídio assistido é a abreviação da vida, praticada pelo próprio paciente
terminal, acometido de doença incurável, por meio de auxílio de um terceiro (médico, familiar
ou pessoa de sua confiança), imbuído de sentimento altruísta. Essa prática é autorizada, por
exemplo, na Suíça e em alguns estados-membros dos Estados Unidos da América. A
legislação americana6 estabelece que, para se autorizar o suicídio assistido, são necessárias
avaliações psiquiátricas e exames médicos com comprovação de diagnóstico e constatação de
que todas as possibilidades de tratamento foram exauridas.
Os casos mais emblemáticos de suicídio assistido foram realizados com o auxílio do
médico Jack Kervokian, conhecido como “Doutor Morte”, no Estado de Michigan, o qual
prestou mais de cem assistências a pacientes que apresentavam um diagnóstico exato de
irreversibilidade da doença, além do manifesto desejo de acabar com seus sofrimentos. O Dr.
Kervokian filmava as entrevistas com seus pacientes, esperava um período de reflexão e, em
seguida, permitia que eles tivessem acesso a uma das várias máquinas construídas por ele,
para a realização do „ato humanitário‟, ora por meio de injeções, ora por meio de inalação de
gás (SCHREIBER, 2011, p. 63).
Processado várias vezes, preso, perseguido por ativistas natalistas e com sua licença
médica cassada o objetivo do Dr. Kevorkian era que a sua causa humanitária chegasse à
6
Lei 127.800 até Lei 127.890, Lei 127.895 e Lei 127.897 do Estado de Oregon e Lei 70.245.010 até Lei
70.245.904 do Estado de Washington
31
Suprema Corte americana. No entanto, isto não foi possível, por ele ter sido absolvido de
todas as acusações de participação na provocação de suicídio assistido, ao apresentar, no Júri,
as filmagens dos depoimentos dos seus pacientes.
Finalmente, por ter praticado um ato de
eutanásia ativa, aplicando injeção letal no paciente Thomas Youk, que sofria de esclerose
amiotrófica (doença neurodegenerativa), com a finalidade de se ver novamente processado.
Desta vez, o corpo de jurados o considerou culpado de homicídio, tendo ficado preso entre os
anos de 1999 e 2007, sem que seu recurso chegasse à Suprema Corte, segundo reportagem de
Dirk Johnson, publicada no jornal The New York Times7.
Por outro lado, o médico Timothy Quill, no Estado de Nova York, receitou
barbitúricos para sua paciente Patrícia Trumbull, acometida de leucemia, instruindo-lhe sobre
a quantidade que deveria ser ingerida para que ela antecipasse o fim do seu sofrimento, o que
a levou a óbito. Nesse caso específico, não houve punição ao médico nem pelo Júri daquele
estado, nem pelo Conselho de Medicina, que entenderam não haver má conduta por parte
dele, pois sua participação não constituiu causa direta da morte. O Conselho consignou que a
conduta do Dr. Quill distinguia-se da do Dr. Kevorkian, uma vez que aquele mantinha estreita
relação com sua paciente e sabia das limitações e necessidades dela, enquanto este conhecia
os seus pacientes superficialmente sem que houvesse nenhum relacionamento duradouro entre
ele e seus doentes (DWORKIN, 2003, pp. 261-262).
Percebe-se, todavia, que o propósito para a conduta de ambos foi o mesmo: o
sentimento altruísta de libertar os seus pacientes do sofrimento exacerbado que suportavam.
Logo, não havia razão para que uma e outra prática humanitária tivessem tratamento distinto,
sendo uma punida pela entidade médica, e a outra não.
1.4
Distanásia
O vocábulo „distanásia‟ também é originário do grego. A tradução do termo resultaria
na morte desgraçada ou morte difícil, pois o prefixo „dys‟ tem o sentido de dificuldade,
contrariedade ou desgraça (PEREIRA, I., 1984, pp. 154 e 262) enquanto „thanatos‟ significa
morte.
Assim, pode-se entender por distanásia a morte lenta e eivada de demasiado
sofrimento, em que as técnicas de prolongamento da existência são aplicadas de modo
irracional e exagerado, sem que haja a preocupação com a qualidade de vida do paciente, mas,
7
(JOHNSON, 1999, online)
32
tão-somente, com a sua duração. Quanto mais tempo se mantiver o enfermo vivo, mesmo com
elevado grau de dor física e espiritual, tanto melhor.
Neste sentido, Rachel Menezes (2010, p. 16) afirma que: “Já a distanásia significa um
processo de morte prolongado, com sofrimento, sendo considerada análoga ao
“encarniçamento” ou “obstinação” terapêutica”.
O ex-presidente da Venezuela, Hugo Chavez, por opção própria, foi um exemplo
recente desta prática, pois se utilizou de todos os métodos possíveis para se manter vivo – e
no comando do poder daquele país –, na tentativa de superar o advento da sua morte.
Os avanços da tecnologia, aliados ao desejo do ser humano de tornar-se imortal,
incentivam, de maneira insensata, esta prática, na busca constante de alongar o processo
natural de extinção. Acrescente-se a isso o fato de os profissionais de saúde enxergarem a
morte como um fracasso profissional. Em razão disto, há a desenfreada prática de obstinação
terapêutica, isto é, a persistência do tratamento da enfermidade, visando – em vão – a cura do
enfermo, ainda que esta seja impossível de alcançar e implique em um elevado tormento para
ele.
Também é possível se utilizar a expressão „accanimento terapêutico‟ em referência a
uma forma de empenho canino do paciente para se manter vivo (SCHREIBER, 2011, p. 58).
Percebe-se que não é mais a vida do paciente que se está a postergar, mas o processo de
morte. Geralmente, essa obstinação terapêutica está atrelada ao tratamento fútil, qual seja ao
manejo de técnicas inócuas que em nada contribuirão para reverter o quadro da enfermidade,
mas apenas traz transtornos ao doente, angústia aos seus familiares e, não raro, resultados
mais danosos que os produzidos pela doença.
De outro modo, deve-se ressaltar que não há uma definição objetiva sobre o que se
entende por obstinação terapêutica e tratamento fútil, pois o que é considerado essencial para
alguém, pode ser desmedido e ofensivo para outrem. Conseqüentemente, as técnicas de
reanimação e a ventilação mecânica podem, a depender do enfoque dado, parecer excessivas
de um lado ou essenciais de outro. No pensamento de Débora Diniz (2007, p. 295), há um
limiar muito tênue entre o que é útil e essencial e o que é desnecessário e excessivo,
inexistindo consenso sobre o assunto, por haver concepções de cunho pessoal sobre o que se
entende por vida com qualidade.
Apesar disso, pode-se afirmar que a futilidade é voltada aos tratamentos
extraordinários, isto é, aqueles em que há o prolongamento do processo de morte, como, por
33
exemplo, a aludida ventilação mecânica em algumas hipóteses. Diversamente, distancia-se
desta prática a intervenção de meios ordinários, em que se busca prolongar a vida com o
objetivo de salvá-la efetivamente como, por exemplo, a colocação de um „stent‟ no coração de
um cardiopata.
Afastar a obstinação terapêutica não implica reconhecer a impotência dos médicos
perante seus pacientes, mas, ao invés, resulta na constatação de que a morte faz parte da
condição humana, admitindo-se que sempre haverá alguma incapacidade da técnica médica
em alcançar a imortalidade.
Ressalte-se que a futilidade de um tratamento está no sentido diametralmente oposto
ao dos cuidados paliativos. São os extremos da medicina: de um lado, a protelação do
processo de morte, mantendo-se uma vida com demasiado sofrimento; de outro, a
preocupação de trazer conforto e bem estar ao paciente, nos seus últimos dias de existência.
Portanto, não há limites para cuidar, dar carinho e atenção a quem chega ao estágio final do
processo de sua existência. Essa limitação deve existir para o sofrimento, para a dor do corpo
e da alma, cabendo ao paciente apontar onde estão as barreiras do suportável.
1.5
Crítica à expressão “morte digna”
Alguns autores tratam a ortotanásia como sinônimo da expressão „morte digna‟,
enxergando-a como a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana na seara do
direito de morrer. Nesse ensejo, Leocir Pessini (2001, pp. 30-31) diz:
[...] a atitude que honra a dignidade humana e preserva a vida é a que muitos
bioeticistas, tais como Javier Gafo, Marciano Vidal e outros espanhóis,
denominam ortotanásia para falar da morte digna, sem abreviações
desnecessárias e sem sofrimentos adicionais. [...] A ortotanásia,
diferentemente da eutanásia, é sensível ao processo de humanização da
morte, ao alívio das dores e não incorre em prolongamentos abusivos com a
aplicação de meios desproporcionais que imporiam sofrimentos adicionais.
Na mesma linha de pensar, Luciano Santoro, ao tratar da morte, ensina que “Ela será
digna sempre que for natural, tendo o ser humano feito passagem desta vida com o mínimo de
sofrimento e com a máxima atenção – tanto médica quanto familiar – possível naquele
momento” (2010, p. 19). Por outro lado, Anderson Röhe (2004, pp. 30-31) dá à compreensão
de „morte digna‟ uma nuança individual, em que se concebe o exercício da autonomia da
vontade por parte do paciente terminal. Confira-se:
Morrer com dignidade significa poder decidir sobre o seu tratamento e sobre
sua vida (para isso o paciente precisa ter acesso à verdade); significa não ser
34
abandonado pelo médico, quando este resolve que não há mais nada a fazer;
não ter seu tratamento prolongado infinitamente.
A „morte digna‟, no entender deste autor, aproxima-se da ortotanásia, já que ele faz
menção, em outro momento (RÖHE, 2004, p. 28), da necessidade de disponibilização dos
cuidados paliativos ao paciente terminal, mas não haja, em seu discurso, uma expressa
equiparação entre os temas.
Apesar dessas conceituações, percebe-se que não existe um consenso na doutrina apto
a autorizar a utilização da expressão „morte digna‟ como sinônimo de ortotanásia, pois
existem autores que conferem significado diverso à expressão. Cristiano Chaves de Farias e
Nelson Rosenval (2006, p. 111), por exemplo, emprestam à expressão „morte digna‟ o mesmo
significado defendido acima por Anderson Röhe, no sentido de haver um direito de decisão
individual sobre a finitude da vida, mas, em seguida, afirmam que: “como a dignidade da
pessoa humana é valor a ser preenchido concretamente, é possível chegar à ilação da
existência de um direito à morte digna, o que não significa, de nenhum modo, um discurso
favorável à eutanásia ou à ortotanásia”.
Já Maria Helena Diniz (2007, p. 339), ao tratar da dignidade na morte, destoa do
pensamento dos autores até então mencionados aqui, porque ela equipara a dignidade no
processo de morte à eutanásia ativa.
Em defesa do morrer com dignidade, há quem sustente a necessidade de
admitir-se legalmente, em certos casos específicos, a eutanásia ativa,
também designada benemortanásia ou sanicídio, que no nosso entender não
passa de um homicídio, em que por piedade, há deliberação de antecipar a
morte de doente irreversível ou terminal, a pedido seu ou de seus familiares,
ante o fato da incurabilidade de sua moléstia, da insuportabilidade de seu
sofrimento e da inutilidade de seu tratamento, empregando-se, em regra,
recursos farmacológicos, por ser a prática indolor de supressão da vida.
Acrescente-se que há um desalinho na própria conceituação dos fenômenos
relacionados à finitude da vida porque a inutilidade do tratamento é característica típica da
ortotanásia e não da eutanásia como parece crer a autora. Por outro lado, Luiz Flávio Gomes
(2007, p.171), ao tratar do tema não delimita o alcance da expressão „morte digna‟. Senão,
vejamos:
É a morte desejada por quem já não tem mais possibilidade de vida e que,
em estado terminal, está sofrendo muito. A morte nessas circunstâncias,
rodeada de vários cuidados (para que não haja abuso nunca), não se
apresenta como uma morte arbitrária, ou seja, não gera um resultado jurídico
desvalioso, ao contrário, é uma morte “digna”, constitucionalmente
incensurável.
35
Se a morte é buscada pelo paciente, não se está a falar de ortotanásia porque este
fenômeno se refere à espera da morte, isto é, a permitir o seu advento no seu tempo. O desejo
de antecipar a morte é inerente à eutanásia e ao suicídio assistido. Em contrapartida, os
cuidados referidos pelo autor, conhecidamente denominados de cuidados paliativos, são
típicos de uma conduta ortotanásica, fato que referenda a indefinição trazida pela expressão
„morte digna‟.
Marília Campos Telles e Antônio Carlos Coltro (2010, p. 278) situam a „morte digna‟
“no seio da família democrática, que defende a autonomia de seus membros, com respeito às
diferenças, permitindo que possam ter o direito de decidir sobre o fim de sua vida e que
tenham esta vontade respeitada”. Esta visão é voltada para a Antropologia Social e também
não delimita se a expressão em questão se aproxima do âmbito da eutanásia ou da ortotanásia.
Diante dessas ponderações, pode-se perceber a evidente indecisão dos doutrinadores quanto à
significação de „morte digna‟.
A imprecisão da expressão „morte digna‟ afasta, portanto, a possibilidade de ter uma
conceituação uniforme, pois o termo „digna‟ veio para adjetivar o substantivo „morte‟ sem
que se tenha um consenso sobre que sentido deve ser dado à dignidade atribuída aos
fenômenos relativos à morte, a saber: a ortotanásia, a eutanásia, o suicídio assistido e a
distanásia. No mesmo raciocínio, a „morte digna‟ também não pode ser arrolada como um
topos, isto é, como um lugar comum, pois não há consenso solidificado na doutrina e na
jurisprudência.
A divergência acerca do significado dessa expressão referenda o alto grau de
subjetividade que a ela possui, fato que a torna um mero juízo de valor subjetivo, não sendo
recomendável a sua utilização. Apesar disso, impende registra que a dispensa da utilização da
expressão „morte digna‟, não afasta a utilização do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
como meio de materializar a humanização do processo de finitude do paciente em estágio
terminal.
No âmbito legal, a expressão „morte digna‟ também não traz uma conceituação
uniforme, pois as legislações que buscam regulamentar os aspectos da terminalidade da vida
promulgadas, por exemplo, na Argentina e em algumas regiões dos Estados Unidos da
América, ora tratam do direito de morrer com dignidade como sinônimo de ortotanásia (Lei
26.742 – Argentina), ora se referem ao suicídio assistido (Lei 127.800 até Lei 127.890, Lei
127.895 e Lei 127.897 do Estado de Oregon e Lei 70.245.010 até Lei 70.245.904 do Estado
de Washington).
36
A Argentina publicou, em 24 de maio de 2012, a Lei 26.742, denominada de „Morte
Digna. Direitos do paciente em relação aos profissionais e instituições de saúde‟ (tradução
livre)8, e regula a prática da ortotanásia naquele país. Da leitura dos seus dispositivos,
depreende-se que a Argentina, na busca por um processo de humanização da morte, passou a
admitir que o paciente em estágio terminal tenha autonomia para aceitar ou rechaçar terapias,
intervenções médicas e técnicas de reanimação artificial, com ou sem justa causa, quando
estes tratamentos se demonstrarem excessivos ou desproporcionais.
Já, nos Estados Unidos da América, os estados de Oregon (Lei 127.800 até Lei
127.890, Lei 127.895 e Lei 127.897) e Washington (Lei 70.245.010 até Lei 70.245.904)
foram pioneiros na promulgação de normas legais com o título de „Lei da Morte com
Dignidade‟(tradução livre)9. Além destes, o estado de Montana referendou legislação no
mesmo sentido e outros projetos de lei semelhantes tramitam nos estados americanos de
Connecticut, Havaí, Kansas, Nova Hampshire e Nova Jérsei. Entretanto, a aprovação da „Lei
da Morte com Dignidade‟ não é consenso entre os estados. O estado de Massachusetts, por
exemplo, rejeitou o projeto de lei que autorizava a assistência médica ao suicídio do paciente
terminal.
É importante observar que as leis americanas não estão relacionadas à ortotanásia, isto
é, ao deixar morrer, mas ao suicídio assistido, pois autorizam a prescrição médica de remédios
letais para pacientes que se encontram acometidos de doenças terminais. Segundo essa
legislação, ao doente terminal é dado o direito de escolher como passar os últimos dias de sua
vida. Para tanto, é necessário formular dois requerimentos verbais e um escrito, submeter-se a
determinado procedimento para aferir o pleno gozo de sua capacidade volitiva, realizado pelo
médico que o acompanha e referendado por outro perito para, só então, receber a prescrição
para do medicamento letal.
Diante da legislação aqui apontada, depreende-se que expressão „morte digna‟ é um
juízo de valor, e, por conseguinte, de cunho subjetivo, razão pela qual não é possível utilizá-la
em substituição aos fenômenos da ortotanásia ou do suicídio assistido, pois a subjetividade
que a envolve resulta na falta de consenso sobre o seu significado.
8
Lei 26.742. „Muerte digna. Derechos del paciente en su relacion con los profesionales e instituciones de la
salud.‟
9
„Death With Dignity Act.‟
37
2
OS PRINCÍPIOS DA AUTONOMIA E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
COMO FUNDAMENTO DO DIREITO À VIDA SEM PROLONGAMENTO
ARTIFICIAL
Sumário: 2.1. Autonomia da vontade, autonomia privada e autonomia do
paciente. 2.2. Liberdade e Dignidade Humana.
2.1
Autonomia da vontade, autonomia privada e autonomia do paciente
Etimologicamente, o vocábulo „autonomia‟, do grego, significa próprio (autós) norma
(nomos), isto é, a capacidade de prescrever suas próprias normas, de se autogovernar.
Oriundo dos postulados iluministas, o princípio da autonomia, originalmente
denominado de „autonomia da vontade‟, foi sistematizado pelo pensamento Kantiano como
princípio subjetivo da atividade humana. O direito fez uso de tais ensinamentos, atribuindo a
este princípio um formato dogmático-jurídico estrito. Ter o poder de reger-se segundo sua
vontade, no viés trazido pelo Estado Liberal, confundia-se com a ideia de liberdade, pois a
autonomia da vontade, cuja natureza era subjetiva, traduzia-se na busca dos desejos pessoais
do indivíduo sua própria lei. Aliás, ser livre, sob esse prisma, também implica não estar
impedido de reger seus atos. (LÔBO, 2010, pp. 98-99).
O proceder do indivíduo, segundo Kant, era guiado pelas acepções da vontade humana
capazes de criar uma legislação universal. Nela, as diferenças pessoais foram separadas para
que assim fosse estabelecido um conjunto de máximas de auto-regramento global, presente na
vontade de todos os seres racionais. A vontade perfeita estaria em harmonia com a moralidade
e com as leis objetivas (KANT, 2002, pp.51-64). A idéia de Kant estava na autonomia
limitada pela moralidade porque a vontade só poderia ser boa se fosse moralmente aceita pela
sociedade. Deste modo, Kant retirou um extrato da vontade racional dos seres humanos, por
meio de princípios válidos para todos, sem que o grau de subjetividade na busca da vontade
íntima do indivíduo estivesse ausente.
Numa concepção clássica, a autonomia da vontade foi consagrada pelo Código de
Napoleão (1804) como princípio informador do sistema jurídico de Direito Privado,
garantindo-se ao contrato, sob o prisma kelseniano, o status de norma jurídica disciplinadora
de relações particulares, por meio de uma construção jurídica voluntarista, circunscrita no
brocardo „pacta sunt servanda‟10. A paixão burguesa pelo individualismo fez do contrato o
instrumento aplicável à circulação de bens, num ambiente em que se valorizava a vontade
10
Os pactos devem ser respeitados (tradução livre).
38
como elemento nuclear, fonte de legitimação da relação jurídica contratual. Esta vontade livre
de vícios, portanto, era suficiente para impor ao indivíduo o cumprimento de todas as
obrigações por ele contraídas, ficando limitada apenas pela observância da lei (MEIRELES,
2009, pp. 66-67).
Essa concepção subjetivista, tida como vontade interiorizada, foi sendo substituída por
uma percepção mais objetiva, isto é, a vontade manifestada ou declarada, pois enquanto a
cogitação não ingressa no mundo dos fatos, não se torna cognoscível por parte da outra pessoa
e do sistema jurídico, existindo apenas na mente do indivíduo. Assim, é com a exteriorização
que o querer passa a ser relevante juridicamente (BORGES, 2009, p. 52). Ademais, foram
constatadas algumas contradições no sistema, tais como, a discrepância entre a vontade
interna e a exteriorizada, a impossibilidade de se perquirir a vontade dos incapazes ou, ainda,
a possibilidade de se aliar efeitos buscados pelos sujeitos a resultados indesejados por eles
(MORAES, 2005, p. 100).
Em razão disto, o direito se distanciou cada vez mais da denominação da autonomia da
vontade, por ser esta voltada para a psyché, em prol de um conceito de autonomia privada que
refinou as impurezas do subjetivismo para alcançar a face objetiva do princípio, decorrente da
exteriorização da vontade prestada pelo sujeito. Não se investiga mais o querer interior do
indivíduo e sim aquilo foi declarado por ele.
O direito brasileiro herdou o dogma da vontade, oriundo da Revolução Francesa,
buscando uma forma de o indivíduo ditar suas próprias leis, sem a interferência estatal,
quando a separação entre o direito público e o privado se evidenciava no individualismo das
codificações oitocentistas. Isto serviu de base para a teoria contratual clássica brasileira,
fulcrada na vontade dos contratantes e na igualdade formal, tornando a autonomia o
fundamento para a circulação de riquezas. Após a 2ª Guerra mundial, o Estado Social, com
ideais garantistas, passa a regular a ordem social e econômica, alicerçando o Estado de Direito
em outros valores para além da igualdade formal e da legalidade estrita. As constituições
mundiais começam a contemplar princípios de obediência compulsória, para proteger o
indivíduo da mão invisível do mercado, trazendo capítulos que regulam a ordem social e
econômica, e o paradigma principiológico se volta para proteger a pessoa, tida como centro da
tutela jurídica.
No Brasil, a Constituição Federal de 1934 foi a precursora desse intervencionismo,
porém o grande marco na valorização da justiça social veio com a Constituição Federal de
1988 que, além de estabelecer o princípio da Dignidade da Pessoa Humana como fundamento
39
da República Federativa do Brasil, positivou o princípio da Solidariedade Social (art. 3º,
inciso I), regulou a ordem econômica e social (artigos 170 e segs.) e instituiu a função social
da propriedade (art. 5º, inciso XXIII). Além disso, determinou a proteção do consumidor (art.
5º, inciso XXXII), da criança, do idoso e da família (artigos 226 – 230). Tudo isto, demonstra
a evidente escolha do constituinte de intervir nas relações entre particulares. No âmbito
infralegal, o Código de Defesa do Consumidor – e posteriormente o Código Civil –, sob a
égide da Constituição Federal de 1988, são promulgados para realizar os objetivos do Estado
Social, afastando-se do individualismo preconizado pelo então Código Civil de 1916. Assim,
o Código Civil de 2002 verteu em princípios a função social do contrato (art. 421), a boa-fé
objetiva (art. 422) e, implicitamente, a equivalência material (arts. 423 e 424).
O Estado Social trouxe, portanto, outro contorno ao exercício da autonomia privada,
pois substituiu a igualdade formal pela material, permitiu maior intervenção estatal nas
relações entre privados e, com isso, estreitou a dicotomia existente entre o direito público e o
direito privado, mediante a intervenção rotineira do Poder Público nas relações privadas. Esse
estreitamento entre o público e o privado demonstra que o princípio da autonomia é
garantidor do Estado Democrático de Direito, pois tanto o poder estatal como a vontade dos
sujeitos nas relações privadas são limitadas pelo direito. Este é visto como o conjunto de
normas jurídicas, formado não só pelas leis, mas também pelos princípios constitucionais,
sobretudo, o da dignidade humana e o da solidariedade social (MORAES, 2010, p. 44).
A livre manifestação da vontade não deixou de ser regra, porém a autonomia privada
foi profundamente relativizada para adequar-se aos preceitos da justiça social, sofrendo
restrições. A ideia negativa de liberdade, compreendida na atuação livre do indivíduo, sem a
interferência estatal, desde que não atinja a liberdade de outrem, que limitava classicamente a
autonomia privada por meio da lei, dos bons costumes e da ordem pública, mostrou-se
insuficiente para o Estado Social. A constitucionalização do direito privado fez uma releitura
dos dispositivos do Código Civil por meio das lentes da Constituição Federal de modo a
permitir que a solidariedade e a dignidade, valores sociais exaltados pelo constituinte,
assumam a função de limites para o exercício da autonomia. Esta, para manter o equilíbrio
entre os sujeitos das relações privadas, detém agora uma postura de incentivo destes valores.
Por outro lado, dentro da concepção de ato jurídico em sentido amplo, pode-se afirmar
que, nas questões patrimoniais, notadamente nos contratos, o alicerce da autonomia é pautado
nos valores sociais da livre iniciativa (art. 170 da CF/88). Já nas relações existenciais, como
ocorre, por exemplo, consentimento dos pais para o matrimônio de um filho menor de
40
dezesseis anos, ou no reconhecimento da paternidade de um filho havido fora do casamento
(LÔBO, 2011, p. 21) o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, além de limitador, é
fundamento para o exercício dessa autonomia.
A autonomia privada, portanto, corresponde ao poder outorgado pelo sistema jurídico
ao indivíduo para que ele expresse livremente suas escolhas e, em decorrência, sujeite-se às
conseqüências jurídicas delas advindas, sejam estas constitutivas, modificativas ou extintivas
de direitos (PERLINGIERI, 2002, pp. 17 e 97). Não se ignora, contudo, que a melhor
expressão a ser utilizada seria a de autorregramento da vontade, criada por Pontes de Miranda
e entendida como “o espaço que o direito destina às pessoas, dentro dos limites prefixados,
para tornar jurídicos atos humanos e, pois, configurar relações jurídicas e obter eficácia
jurídica” (LÔBO, 2013b, online). Não obstante, nesta pesquisa, a preferência é seguir a
posição majoritária da doutrina11 e utilizar a expressão autonomia privada como o „poder de
autorregramento na relação entre privados‟.
Cumpre ressaltar, ainda, que o Biodireito, ao apoderar-se do conceito jurídico de
autonomia, para referir o direito de autodeterminação do paciente em relação aos tratamentos
a serem por ele vivenciados, retomou o subjetivismo de outrora, priorizando a autonomia da
vontade e a liberdade subjetiva. Maria de Fátima Freire de Sá e Diogo Luna Moureira, ao
conceber a definição dada pelo Biodireito de autonomia, afirmam que: “Considera-se
autonomia, ou direito à autonomia, a capacidade ou aptidão que têm as pessoas de
conduzirem suas vidas como melhor convier ao entendimento de cada uma delas” (SÁ e
MOUREIRA, 2012, p. 145). Na mesma linha de pensar, Rachel Sztajn (2002, p. 25) emprega
à autonomia privada12 o “poder de disposição de faculdades e direitos subjetivos,
reconhecendo, porém, que desse exercício resultam modificações em relações jurídicas”.
Percebe-se ter havido uma apropriação equivocada do atual conceito jurídico de
autonomia privada, pois a natureza objetiva assumida pelo princípio visou a preservar a
vontade exteriorizada do indivíduo, em substituição às escolhas não manifestadas, conforme
já explanado acima. Mais adequado, seria chamar a autonomia do paciente – enquanto
prerrogativa de decidir sobre si mesmo e sobre a própria saúde – de autodeterminação, isto é,
o direito de se determinar subjetivamente segundo sua vontade, suas crenças ou convicções
11
(MEIRELES, 2009, passim); (BORGES, 2009, passim); (TEIXEIRA, 2010; passim); (MORAES, 2010, pp.
41-54); (BARBOZA, 2010, pp. 31-49)
12
A autora utiliza a expressão „autonomia privada em sentido estrito‟.
41
éticas, mantendo-se o conceito jurídico de „autonomia do paciente‟ no campo da objetividade,
isto é, da exteriorização formal da vontade.
Assim, a autonomia privada do paciente há de ser expressada e não pode ser objeto de
questionamento por parte do médico, devendo ser abandonada a ideia paternalista de que as
decisões clínicas dos profissionais de saúde são soberanas em relação aos seus doentes, para
que estes assumam o domínio sobre a escolha das terapias a que serão submetidos, mediante
os esclarecimentos prestados pelo médico responsável. Aliás, esta é a finalidade do artigo 24
do Código de Ética Médica13: conceder ao paciente o direito de decidir livremente sobre sua
pessoa ou seu bem-estar.
Por outro lado, não se deve esquecer que, apesar da redação dada ao inciso XX do
Capítulo I do Código de Ética Médica14, a relação jurídica decorrente de contrato remunerado
de prestação de serviços médicos é de consumo, cujas partes são o médico-fornecedor
(prestador de serviço técnico-científico) e o paciente-consumidor (pessoa física carecedora de
atendimento médico), nos termos dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor –
CDC, não tendo a regra de cunho deontológico o condão de afastar a proteção constitucional
concedida ao consumidor no art. 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal (PEREIRA, P.,
2011, pp. 39-44). Ademais, as normas instituídas pelo CDC são de ordem pública e de
interesse social e, nesta hipótese, destinadas a proteger toda pessoa que utiliza os serviços
médicos de forma remunerada.
Logo, dentre os inúmeros direitos decorrentes dessa relação de consumo conferidos à
parte vulnerável, enfocam-se: “o direito de decidir sobre o seu tratamento e sua vida; direito
de ser informado, passo a passo, dos procedimentos médicos aos quais será submetido; direito
de conhecer os serviços de saúde existentes, dar seu consentimento informado antes de
qualquer procedimento de diagnóstico ou de terapia; direito de recusar tratamento ou nãoaceitação da continuidade terapêutica nos casos incuráveis ou de sofrimento atroz.”
(PEREIRA, P., 2011, pp. 71-71). Tudo isto, resume-se no direito à informação, pressuposto
para que o paciente possa dispor do seu consentimento livre e esclarecido e, assim, realizar
sua autonomia.
O direito fundamental à informação é assegurado tanto pela Constituição Federal de
1988 (art. 5º, inciso XIV) como pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, inciso VI) e
13
Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu
bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.
14
Inciso XX. A natureza personalíssima da atuação profissional do médico não caracteriza relação de consumo.
42
tem por objetivo conceder ao consumidor o conhecimento e a compreensão dos dados
essenciais do produto ou serviço a ser adquirido por ele, repercutindo de forma direta e
imediata na sua escolha (LÔBO, 2001, online).
Numa análise mais detida, o paciente-consumidor tem o direito de ser informado tanto
sobre seu diagnóstico, em uma linguagem acessível, clara e precisa, quanto sobre as diferentes
alternativas terapêuticas, de acordo com a sua condição clínica, mediante a explanação das
vantagens, desvantagens, riscos, efeitos colaterais e possíveis reações adversas provenientes
do tratamento. Sobre o assunto, a Carta dos Direitos dos Usuários de Saúde (Portaria
1.820/2009) estabelece no artigo 4º, parágrafo único, inciso IX que é direito dos usuários dos
serviços de saúde: “a informação a respeito de diferentes possibilidades terapêuticas, de
acordo com sua condição clínica, baseado nas evidências científicas, e a relação custobenefício das alternativas de tratamento, com direito à recusa, atestado na presença de
testemunha”.
A informação prestada adequadamente materializa o „direito de escolha‟ do pacienteconsumidor denominado pelo Biodireito de „consentimento livre e esclarecido‟,
„consentimento informado‟, „consentimento pós-informação‟ ou „consentimento consciente‟
(BARBOZA, 2004, p. 06). Já o Conselho Nacional de Saúde, ao regulamentar, no inciso II.7
Resolução 196/96, as diretrizes e regras para pesquisas com seres humanos, preferiu a
expressão „consentimento livre e esclarecido‟, definindo-a da seguinte maneira:
II.7 - Consentimento livre e esclarecido - anuência do participante da
pesquisa e/ou
de seu representante legal, livre de vícios (simulação, fraude ou erro),
dependência,
subordinação ou intimidação, após esclarecimento completo e
pormenorizado sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos,
benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar.
Neste sentido, Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber (2009, p. 6) alertam que a
materialização do direito de autodeterminação do doente ocorre por meio do consentimento
informado, afirmando que:
A exigência de consentimento informado, como expressão do direito da
autodeterminação da pessoa humana, vem transformar a relação entre
médico e paciente, substituindo o paternalismo de outrora por uma
participação ativa do enfermo nas decisões terapêuticas, especialmente em
setores em que a medicina não oferece uma solução consagrada pela prática
médica, mas uma variedade ainda indefinida de tratamentos. O medicado
deixa, assim, de ser mero paciente para se tornar agente do processo de cura,
como expressão do seu direito de autodeterminação no campo biológico.
43
O esclarecimento completo sobre o quadro clínico do doente repercute diretamente no
exercício da autonomia do paciente, por meio da sua manifestação de vontade, isto é, de seu
consentimento formal, competindo ao médico prestar todas as informações necessárias para
que o exercício desta autonomia seja realizado da maneira mais lídima possível, sem interferir
na opção adotada pelo doente.
2.2
Liberdade e Dignidade Humana
Com a evolução conceitual da autonomia privada, percebe-se que o poder de auto-
regrar-se, segundo sua própria vontade, não faz mais desta autonomia sinônimo da liberdade,
pois aquela, segundo Rose Meireles implica na “a expressão privada da liberdade jurídica”
(2009, p. 69) em que há auto-regência do indivíduo dentro dos limites impostos pelo
ordenamento jurídico já referidos acima.
Ademais, não há como conceder ao indivíduo um espaço de liberdade que macule os
preceitos constitucionais, pois a autonomia privada deve servir de instrumento para a
concretização da dignidade humana (BARBOZA, pp. 36-37, 2010). Aliás, a autonomia, vista
como expressão da liberdade, é uma das condições imprescindíveis à realização do indivíduo
como pessoa, sendo necessária, ainda, a conjugação dos demais princípios aqui abordados
para que o ordenamento jurídico possa proporcionar ao sujeito de direitos a fruição desta
dignidade. Neste sentido, Anderson Schreiber pontua:
A ordem jurídica não é contra ou a favor da vontade. É simplesmente a favor
da realização da pessoa, o que pode ou não corresponder ao atendimento da
sua vontade em cada caso concreto. Se a dignidade humana consiste, como
se viu, no próprio “fundamento da liberdade”, o exercício dessa liberdade
por cada indivíduo só deve ser protegido na medida em que corresponda a tal
fundamento (SCHREIBER, 2011, p. 26).
Saliente-se que não é a Dignidade Humana que será ponderada frente aos demais
valores constitucionais. Longe disso, ela é o ponto que deve ser atingido por meio da
ponderação desses valores, dentro da seara da razoabilidade, tomando as medidas necessárias,
adequadas e proporcionais, para alcançar a solução ideal do caso concreto com o mínimo de
sacrifício possível (MEIRELES, 2009, p. 198).
Atualmente, a liberdade, vista sob o prisma das relações extrapatrimoniais, tem por
escopo garantir a privacidade, a intimidade e o livre exercício da vida privada do indivíduo,
para que ele exerça as suas escolhas pessoais de maneira independente (MORAES, 2010,
p.108). No entanto, essa faceta da liberdade, expressada pela autonomia, no que concerne à
concretização de direitos existenciais, não é tida como absoluta e ilimitada, pois é incapaz de
44
absorver, por si só, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, construído também pelos
valores da igualdade, da solidariedade e da integridade (MEIRELES, 2009, p.190).
Em uma análise mais detida, pode-se dizer que o direito de viver sem o prolongamento
artificial é uma das formas de materialização do princípio da autonomia privada, exercido por
meio da vontade declarada do doente terminal, com os contornos constitucionais desta
dignidade. A autodeterminação de um doente para a escolha do melhor caminho a ser
percorrido nos momentos finais da vida é melhor alcançada quando há uma reflexão sobre os
valores em questão. A saúde e a vida do ser humano devem ser preservadas, repita-se, dentro
do espaço da dignidade, construída pela conjugação da solidariedade, da integridade e da
igualdade, sem que, com isso, se exija do indivíduo o prolongamento de uma vida em
condições subumanas.
Ressalte-se, ainda, que a solidariedade, no âmbito das relações existenciais, não
assume somente a conotação de fraternidade extraída da ideia de função social, oriunda da
Revolução Francesa e seguida pelo artigo 3º da Constituição Federal. Ao invés, volta-se para
a pessoa humana como meta suprema do sistema jurídico brasileiro. (MEIRELES, 2009, pp.
43-45). Numa conotação personalíssima, a solidariedade é destinada ao indivíduo em si, com
o propósito de conceder-lhe uma convivência saudável no meio social dentro da sua
capacidade físico-psíquica. Dentro desta concepção solidarística, deve ser reinserido o
paciente terminal, por meio do recebimento de carinho e atenção dos que o cercam, para,
assim, ter o seu sofrimento minorado.
Por outro lado, a preservação da integridade do ser humano decorre do direito amplo à
saúde, definido pela OMS como um complexo de arranjos sociais, consubstanciado entre
normas e políticas públicas que busquem propiciar ao indivíduo um ambiente favorável para a
sua saúde (WHO, s.d.). A integridade psicofísica do indivíduo não se resume a questões de
manipulação genética, porquanto, no âmbito da terminalidade da vida, a materialização da
integridade consiste em viabilizar meios ao indivíduo para viver os últimos dias de sua
existência com o mínimo de sofrimento e o máximo de conforto físico e mental. Tal se
concretiza, como já foi visto, pela filosofia dos hóspice, em que o doente recebe
acompanhamento físico, psíquico, espiritual e familiar, evitados os tratamentos degradantes e
inúteis.
Ademais, para que a igualdade substancial do doente seja assegurada, as situações
devem ser analisadas caso a caso. Em outras palavras, a igualdade deve ser garantia
incondicional, não só no recebimento de informações sobre a doença, as quais devem ser
45
precisas e adequadas, mas também no curso do tratamento, por se tratar de relação de
consumo, em que o paciente é parte vulnerável deste elo, sobretudo, pela enfermidade que o
acomete, razão pela qual deve ser tratado desigualmente na medida desta desigualdade.
Importante registrar, ainda, que a liberdade almejada nessa hipótese deve garantir
também ao paciente o direito de lutar obstinadamente por sua vida, buscando, quanto
possível, a cura, se tal for sua vontade, pois coibir o desejo de suportar um tratamento também
seria atentatório à autonomia, à dignidade, à integridade e à solidariedade. O que se pretende é
garantir a materialização da vontade do paciente, seja para afastar-se de tratamentos fúteis,
seja para buscar terapias de cura, com o objetivo de lutar por mais dias de vida, desde que
dentro dos parâmetros estabelecidos pelos princípios aqui ressaltados.
Defende-se então o respeito à opção do doente, pois será ele quem suportará as
conseqüências dos tratamentos escolhidos. Este pensamento se restringe a defender o direito
de escolha do paciente dentro da composição da dignidade garantida pelo ordenamento
jurídico, não se confundindo, contudo, com o poder de definição de dignidade pelo próprio
indivíduo, adotado por Roxana Borges, quando afirmou que “compete a cada um definir a sua
dignidade e apontar em que hipóteses ela é maculada” (2009, p. 143). Aliás, prefere-se
considerar que a garantia para o desenvolvimento da pessoa, não resulta somente do exercício
da autonomia do sujeito. Isto porque a definição individual do significado de dignidade,
extraída da vontade livre de vícios, finda por conceder à autonomia privada um caráter
absoluto que ela não detém (MEIRELES, 2009, p. 192 e MORAES, 2010, p. 44).
O poder de escolha do paciente é limitado, portanto, pelo Princípio da Dignidade da
Pessoa Humana, responsável por afastar esse caráter absoluto dado à Autonomia Privada.
Exemplo de violação à Dignidade Humana é a autorização de amputação de membros
superiores e inferiores aos „amputees by choice15‟ ou „wannabes‟, isto é, pessoas portadoras
de um distúrbio psíquico, responsável por fazê-las crer que certas partes do seu corpo,
particularmente braços e pernas, são extremante doentes ou inservíveis, causando-lhes o
desejo de amputação desses membros. Há uma discrepância entre a realidade do corpo do
doente e a imagem psíquica dada por ele ao seu próprio corpo. O distúrbio se assemelha ao
sofrido por anorexos que pensam serem obesos e, na realidade, não o são.
15
Amputados por escolha (tradução livre).
46
A justificativa do distúrbio mental não é suficiente para fazer um ser humano detentor
de membros motores saudáveis se tornar um cadeirante, pois a Dignidade Humana visa o
tratamento das enfermidades e não o aumento destas.
Isso é diferente da autorização dada para amputar um membro atingido por células
cancerígenas, pois, para alguns, pode ter como conseqüência uma mutilação insuportável;
para outros, será a porta de acesso à fé para dias melhores de vida. A experiência é pessoal e,
por isso, a decisão do paciente deve ser respeitada, para que seja mantido o livre
desenvolvimento de sua personalidade.
Na visão do Direito Civil Constitucional, a garantia da morte correta se materializa por
meio do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Isso ocorre não só quando é possível
prestar um bom tratamento médico, cercado dos cuidados paliativos e do acompanhamento
familiar, mas também quando se respeitam as convicções do indivíduo, honrando a sua
autonomia. Nesse sentido, Heloíza Helena Barboza (2010, pp. 46-47) pondera que: “A
autonomia revela-se, enquanto manifestação da liberdade e da dignidade humana, um dos
princípios norteadores a serem resguardados em tais situações, sob pena de violação do
princípio da dignidade da pessoa humana”.
Deve-se, portanto, cumprir a vontade do paciente terminal, a fim de permitir que ele,
somente ele, suportando o sofrimento da doença manifestamente incurável e, repita-se,
imbuído de todas as suas crenças, decida sobre o prolongamento da sua vida por meio de
aparelhos.
47
3
A REGULAMENTAÇÃO NORMATIVA DA ORTOTANÁSIA
Sumário: 3.1. A Constituição Federal. 3.2. A Codificação na perspectiva
penal, civil e médica. 3.3. As resoluções do Conselho Federal de Medicina.
3.4. Os Projetos de Lei em tramitação no Brasil.
Apesar de o Congresso Nacional ainda não ter editado uma lei ordinária federal
específica para regulamentar as questões relativas à terminalidade da vida, alguns dispositivos
contidos tanto na Constituição Federal do Brasil, como em outros regramentos, devem ser
levados em consideração na discussão do tema.
Neste capítulo, examina-se o direito à ortotanásia, mediante a análise da Constituição
Federal Brasileira, dos Códigos Penal, Civil e de Ética Médica vigentes no Brasil, das
resoluções do Conselho Federal de Medicina e dos projetos de lei brasileiros em tramitação,
acerca da matéria, sob o prisma do sistema escalonado de normas jurídicas, adotado por Hans
Kelsen (KELSEN, 1997, pp. 246-255).
Destaque-se que, na teoria kelseniana (1997, pp. 95-100), as normas jurídicas são
classificadas em gerais e individuais. Aquelas, elaboradas pelos órgãos legislativos e adotadas
pelo costume, são regulamentadoras da conduta humana; estas, por exemplo, podem ser
emanadas de órgãos judiciários, por meio das decisões prolatadas no caso concreto, ou pela
vontade das partes, na hipótese dos contratos, todos elaborados em conformidade com as
normas gerais vigentes no ordenamento.
Assim, pode-se afirmar que as resoluções do Conselho Federal de Medicina se
enquadram como atos administrativos que, na teoria aqui utilizada, posicionam-se no final da
pirâmide de escalonamento, ao lado das decisões judiciais e dos contratos. Em razão disto,
embora normas jurídicas em sentido amplo, esses atos normativos são desprovidos de eficácia
erga omnes, uma vez que se classificam como regras éticas e técnicas destinadas a
determinada categoria de profissionais, com o escopo de, exclusivamente, disciplinar a
atuação do médico. Não alcançam, portanto, a órbita jurídica de terceiros, pois estão limitadas
à corporação profissional e não passam pelo crivo dos representantes do povo. Estes, reunidos
no Congresso Nacional, são os únicos legitimados a editar normas com efeitos gerais.
Sendo assim, sob a óptica da hierarquia abstrata das fontes, a resolução será incapaz de
afastar a aplicação da lei ou de qualquer norma jurídica de validade superior, se a esta for
contrária (ASCENSÃO, 1997, p.583).
48
3.1
A Constituição Federal
O artigo 5º, caput, da Carta Constitucional de 1988, enumera alguns dos direitos
fundamentais da pessoa humana, dispondo que:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: (...).
A corrente vitalista16, mais conservadora, ao discorrer sobre a interpretação que deve
ser dada a este dispositivo, mormente quanto à inviolabilidade do direito à vida, defende que
esse direito é pressuposto existencial para os demais direitos fundamentais, levando a crer que
o direito à vida é indisponível, absoluto e encontra-se em patamar superior em relação aos
demais direitos ali contidos.
Não
haveria,
portanto,
um
direito
subjetivo
à
ortotanásia,
revelando-se
inconstitucional, inclusive, quaisquer das práticas relativas à terminalidade da vida
(ortotanásia, eutanásia e suicídio assistido), ainda que visando a minorar o sofrimento do
paciente em estágio terminal. Em razão disto, será sempre vedado ao Poder Público qualquer
tipo de consentimento com relação a estas práticas.
Não obstante, o sentido dado ao artigo 5º da Constituição Federal é o de que ele
protege a inviolabilidade do direito à vida contra a atuação de terceiros, sem que isto resulte
na indisponibilidade de tal direito por parte do seu titular. Isso porque a inviolabilidade não se
confunde com a indisponibilidade. Àquela, como dito, refere-se à atuação arbitrária de
terceiros, esta, por seu turno, atinge especificamente o indivíduo, que não pode despojar-se,
de forma discricionária, de certos direitos a ele concedidos. O constituinte, no artigo 5º, caput,
preferiu utilizar a expressão „inviolabilidade do direito à vida‟ a „indisponibilidade do direito
à vida‟ (BASTOS, 2011, pp. 39 e 40).
No âmbito internacional, o Pacto de São José da Costa Rica (artigo 4º)17 e o Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas (artigo 6º) 18, dos quais o Brasil
é subscritor desde 1992, resguardam, em essência, o direito à vida, registrando que dela
ninguém poderá ser privado arbitrariamente.
16
(DINIZ, M. H., 2007, pp. 20-103 e 334-376); (FRANÇA, 2007, pp. 510-515); (BRANCO, 2010, pp. 441- 449);
(BULOS, 2007, p. 116); (PELUSO, 2012, pp. 32-33).
17
Art. 4º. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em
geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.
18
Art. 6º. O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá
ser arbitrariamente privado de sua vida.
49
A compreensão dada pelos tratados internacionais também é no sentido de resguardar
a pessoa humana da privação arbitrária do bem jurídico „vida‟ por parte de um terceiro, que
dela não poderá dispor de forma despótica. É, portanto, uma maneira de limitar o exercício da
liberdade do ser humano, para que este não venha privar a vida de outrem a seu bel-prazer.
Anote-se, por essencial, que o termo „arbitrariamente‟, utilizado nos dois artigos
citados acima, é de singular importância, pois ilustra que a disposição da vida por parte de
terceiro não deve ser desregrada19, afastando-se da ideia de proibição do direito à vida sem
prolongamento artificial.
Em que pese o posicionamento contrário já exposto, enxergar a vida como algo de
valor absoluto não é a melhor interpretação a ser dada ao art. 5º em comento, pois, os direitos
fundamentais, embora de relevância ímpar, não devem ser assim compreendidos. Tais direitos
reúnem um caráter principiológico, em razão do qual se exige um procedimento racional de
ponderação para cada decisão no caso concreto. Por esse motivo, independentemente da
robustez, não há como lhes conferir esse caráter absoluto, podendo, a depender da hipótese,
ceder espaço a interesses de sentido oposto (CAMBI, 2009, p. 103).
Visto como um direito fundamental, o direito à vida deve conviver em harmonia com
os demais direitos individuais positivados na Constituição Federal, podendo vir a ser limitado,
se, por hipótese, houver colisão entre quaisquer dos valores ali descritos. Esclareça-se, por
oportuno, que a colisão de princípios aqui abordada se restringe a esfera de direitos inerentes
a uma só pessoa, como, por exemplo, a divergência entre a liberdade e a integridade física do
indivíduo (MORAES, 2010, p.188), cuja solução se dá por meio da técnica da ponderação20.
Contudo, tal não se confunde com a colisão de direitos fundamentais entre privados,
em que dois ou mais indivíduos, titulares de direitos fundamentais, têm interesses divergentes
entre si. Exemplo disto é a oposição entre a liberdade de imprensa, de um lado, e o direito à
honra, à imagem, à intimidade e à vida privada, de outro. Tais questões também são
solucionadas por meio da técnica da ponderação, porém não são objeto deste estudo.
19
Segundo o Dicionário Eletrônico Aulete, o significado de „arbitrário‟ é: “que depende do arbítrio ou vontade
de quem decide; que não tem regras estabelecidas (medidas arbitrárias)” (AULETE, 2013).
20
Enunciado 274 – Art. 11. Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil,
são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição (princípio
da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais,
deve-se aplicar a técnica da ponderação.
50
Retomando, a discussão sobre o caráter não absoluto do direito à vida, Guilherme de
Souza Nucci (2009, pp. 581-582), ao introduzir o capítulo dos „crimes contra a vida‟, no seu
Código Penal Comentado, registra a relatividade deste bem jurídico, declarando que:
Em regra, protege-se a vida, mas nada impede que ela seja perdida, por
ordem do Estado, que se incumbiu de lhe dar resguardo, desde que interesses
maiores devam ser abrigados. O traidor da pátria, em tempo de guerra, não
tem direito ilimitado à vida. A mulher, ferida em sua dignidade como pessoa
humana, porque foi estuprada, merece proteção para decidir pelo aborto. O
seqüestrador pode ser morto pela vítima, que atua em legítima defesa. Em
fim, interesses podem entrar em conflito e, conforme o momento, a vida ser
o bem jurídico de menor interesse para o Estado, o que não o torna menos
democrático.
Sob esse prisma, o texto constitucional excepciona essa inviolabilidade do direito à
vida, ao admitir a pena de morte em caso de guerra declarada, no artigo 5º, inciso XLVII,
alínea „a‟, cujas hipóteses estão descritas no Código de Processo Penal Militar. A legislação
infraconstitucional também apresenta exceções quanto a essa inviolabilidade. O Código
Brasileiro da Aeronáutica, no artigo 303, permite a derrubada de aeronaves, consideradas
hostis ao espaço aéreo pátrio, pela autoridade administrativa nacional, o que, em
conseqüência, ocasionaria a morte dos seus ocupantes.
No mesmo sentido, o Código Penal, além das excludentes genéricas de ilicitude
(legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento de dever legal e exercício
regular de direito), contidas o artigo 23, traz como excludentes específicas, no artigo 128, o
aborto terapêutico, quando a vida da gestante está em risco, e o aborto humanitário, em que a
gravidez decorreu de estupro.
Impende registrar que a inconstitucionalidade destes dispositivos não foi questionada
no Supremo Tribunal Federal. Ao invés, tanto no julgamento da ADI nº 3.510/DF como no da
Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54/DF, este Tribunal
consignou ser inquestionável o caráter não absoluto do direito à vida, razão pela qual a
validade e a eficácia dos dispositivos são plenas.
Na primeira ação, a Corte declarou a constitucionalidade do artigo 5º da Lei 11.105/05
(Lei de Biossegurança) no que concerne à viabilidade de pesquisas com células-tronco.
Discutiu-se o início e o fim da vida, além dos inúmeros avanços que as pesquisas em
embriões inviáveis podem trazer para o tratamento e a cura de doenças. Ademais, na ADPF nº
54/DF conferiu-se interpretação conforme a Constituição Federal, também com fundamento
na relatividade do direito à vida, para afastar a incidência do crime de aborto, nas hipóteses de
antecipação terapêutica do parto de feto anencefálico.
51
A laicidade do Estado ficou evidenciada em ambas as ações. Explicitou-se que a opção
por um estado leigo não implica apenas a tolerância à liberdade de diversos cultos ou ao
direito de não acreditar em deus algum, mas, sobretudo, o dever de não guiar as decisões
estatais atinentes aos direitos fundamentais de toda uma sociedade sob a influência de crenças
confessionais. Nesse sentido, destaquem-se as palavras da Ministra Carmem Lúcia Antunes
Rocha, no julgamento da ADI nº 3.510/DF:
Aqui, a Constituição é a minha Bíblia, o Brasil, minha única religião. Juiz,
no foro, cultua o Direito. Como diria Pontes de Miranda, assim é porque o
Direito assim quer e determina. O Estado é laico, a sociedade é plural, a
ciência é neutra e o direito imparcial. [...] Emoção não faz direito, que é a
razão transformada em escolha jurídica.
Também merecem destaque as ponderações do Ministro Marco Aurélio Mello no
julgamento da ADPF nº 54/DF sobre a antecipação terapêutica do parto de feto anencefálico:
Se, de um lado, a Constituição, ao consagrar a laicidade, impede que o
Estado intervenha em assuntos religiosos, seja como árbitro, seja como
censor, seja como defensor, de outro, a garantia do Estado laico obsta que
dogmas da fé determinem o conteúdo de atos estatais. Vale dizer:
concepções morais religiosas, quer unânimes, quer majoritárias, quer
minoritárias, não podem guiar as decisões estatais, devendo ficar
circunscritas à esfera privadas. A crença religiosa e espiritual – ou a ausência
dela, o ateísmo – serve precipuamente para ditar a conduta e a vida privada
do indivíduo que a possui ou não a possui. Paixões religiosas de toda ordem
hão de ser colocadas à parte na condução do Estado. Não podem a fé e as
orientações morais dela decorrentes ser impostas a quem quer seja e por
quem quer que seja. Caso contrário, de uma democracia laica com liberdade
religiosa não se tratará, ante a ausência de respeito àqueles que não
professem o credo inspirador da decisão oficial ou àqueles que um dia
desejam rever a posição até então assumida.
Desta forma, afastou-se a supremacia e o absolutismo do direito à vida para permitir a
pesquisa em células-tronco e autorizar antecipação terapêutica do parto, utilizando-se, dentre
outros fundamentos, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
As convicções sobre o caráter absoluto do direito à vida são subjetivas e, no mais das
vezes, traduzem as crenças de cada um. Não cabe ao Estado, portanto, ditar modelos de
comportamento que reflitam a intimidade do ser humano, mas respeitar as acepções
individuais, garantindo o cumprimento da escolha pessoal do sujeito seja para concordar, seja
para discordar da sacralidade da vida.
Nesse aspecto, impende registrar, por fim, que o dever de laicidade estatal é
decorrência do direito à liberdade de consciência e de crença, também garantido pelo artigo
52
5º, inciso VI, da Constituição Federal21. A regra é bem abrangente, pois abarca não só o
direito que o indivíduo tem de crer em um ou em vários deuses, mas também a liberdade de
não crer em deus algum, permitindo que os ateus sejam também reconhecidos pelo
ordenamento jurídico como livres nas suas convicções.
Por outro lado, é certo reconhecer que a vida humana guarda um valor peculiar,
inerente ao homem. Porém, a materialização deste direito não deve ser vista de forma isolada
dos demais preceitos constitucionais, mas dentro de uma perspectiva civil-constitucional, por
meio de uma leitura sistêmica do ordenamento jurídico brasileiro. A Constituição Federal não
impôs nenhuma prevalência do bem jurídico „vida‟ em detrimento dos demais bens
positivados no transcrito artigo 5º (liberdade, igualdade, segurança e propriedade). Além
disso, todos os direitos ali assegurados devem estar em conformidade com o Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana.
Nesse sentido, deve-se ter em mente que esse princípio, positivado como fundamento
da República Federativa do Brasil, no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, é
“conformador da ordem jurídica brasileira” (LÔBO, 2010, p. 87), isto é, o valor fundante da
dignidade humana é arcabouço para as demais disposições normativas do ordenamento
jurídico pátrio.
O aludido princípio, portanto, serve de substrato normativo e valorativo para todos os
direitos existenciais, de modo que, ao se conceber o direito à vida, é necessário idealizá-lo
como um direito a uma vida com dignidade (FACHIN, 2006, p. 631). Em razão disto, antes
de se recusar ao paciente o direito de viver sem o prolongamento artificial, deve-se,
sobretudo, preservar-lhe a dignidade que lhe é inerente, por meio do respeito da liberdade de
escolha dele, no que tange à terapia que melhor lhe aprouver.
Dentro desta interpretação sistemática do texto constitucional, não se deve olvidar
tampouco que a vedação ao tratamento desumano e degradante, descrita no inciso III do artigo
5º da Constituição Federal22, não se restringe às práticas de tortura ocorridas durante o período
da ditadura militar, nem ao dever de se respeitar a integridade física dos encarcerados. A
interpretação do dispositivo, ao invés, deve ser ampla e irrestrita. Desse modo, a degradação
de um enfermo, mediante o prolongamento do seu sofrimento, por meio de utilização de
técnicas de ressuscitação, sem o seu consentimento, é inconcebível.
21
Art. 5º, inciso VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.
22
Art. 5º, inciso III - Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.
53
Nesse mesmo espírito, deve-se ter em mente que a promoção do bem estar de todos é
objetivo da República Federativa do Brasil, nos termos do artigo 3º, inciso IV, da
Constituição Federal23, devendo o poder público estar atento às questões da terminalidade da
vida, de modo a incentivar práticas legislativas e governamentais, assecuratórias da
integridade do paciente terminal.
Em suma: o direito fundamental à vida está assegurado pela Constituição Federal de
1988, no mesmo patamar valorativo dos demais direitos ali previstos e mediante a
observância do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, como forma de garantir que
ninguém venha a ser dele privado, por meio de investidas arbitrárias, sem que, para tanto,
àquele direito seja atribuído caráter absoluto e indisponível, se vier a colidir com outros
valores fundamentais ao indivíduo.
3.2
A ortotanásia segundo a perspectiva dos códigos penal, civil e de ética médica.
No âmbito das codificações penal e civil, também não existe uma posição específica
do legislador quanto ao direito à ortotanásia. Apesar disto, o Código de Ética Médica autoriza
sua prática. Assim, o direito à vida sem prolongamento artificial pode ser extraído, por meio
de uma interpretação teleológica, dos Códigos Penal, Civil e de Ética Médica sob diferentes
prismas, cada um na perspectiva do direito a qual regula, conforme se verá a seguir.
Registre-se, de início, que questões existenciais, como a versada no presente trabalho,
são ambientadas e discutidas, de maneira mais adequada, na seara civil-constitucional,
principalmente porque a terminalidade da vida é própria dos direitos da personalidade do
indivíduo. A criminalização de condutas dessa estirpe deveria ser a última escolha do
legislador. No entanto, não é o que ocorre no atual sistema penal brasileiro, pois, como se
verá, a eutanásia e o suicídio assistido são tipificados como crime. Além disso, a depender da
interpretação dada aos dispositivos do atual Código Penal Brasileiro (CPB), a ortotanásia
também pode ser enquadrada como tal.
A assistência ao suicídio, por exemplo, é prevista pelo Código Penal Brasileiro, no
artigo 12224, que impõe pena de reclusão de 02 (dois) a 06 (seis) anos, àqueles que prestam
auxílio a quem deseja matar-se. O dispositivo em comento não faz qualquer ressalva quanto à
possibilidade de diminuição da pena se a motivação do crime for humanitária. Não obstante, é
23
Art. 3º, inciso IV - Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.
24
Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena – reclusão de 02
(dois) a 06 (seis) se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 01 (um) a 03 (três) anos, se da tentativa de suicídio
resulta lesão corporal de natureza grave.
54
possível aplicar a atenuante genérica, contida no artigo 65, inciso III, alínea „a‟, do CPB25,
com o escopo de ver reduzida a pena do agente causador do suicídio assistido por essas
razões.
Ademais, a ortotanásia e a eutanásia, em princípio, podem ser consideradas formas de
homicídio. A eutanásia ativa é tipificada como crime no artigo 121, § 1º, do CPB26, que
institui uma causa especial de diminuição de pena de 1/6 a 1/3, para quem suprimir a vida de
alguém, impelido por relevante valor moral.
A eutanásia passiva, em que são suprimidos os tratamentos ordinários, a exemplo da
alimentação parenteral, como já foi mencionado, pode configurar homicídio qualificado pela
tortura, cuja pena é reduzida ante a aplicação da causa de diminuição do relevante valor moral
(art. 121, §2º, inciso III, c/c §1º do CPB). O posicionamento incriminador encontra suporte na
citada doutrina vitalista27, que defende o caráter absoluto do direito à vida. Apesar disto, em
defesa do agente causador da abreviação da vida do paciente terminal, é possível alegar o
consentimento do ofendido, como causa supralegal de exclusão da ilicitude (NUCCI, 2009, p.
590), ou a inexigibilidade de conduta diversa, como meio de afastar a culpabilidade, ou,
ainda, o perdão judicial, como forma de extinção da punibilidade.
Diversamente, a depender da interpretação dada aos dispositivos penais, a ortotanásia
pode também vir a ser considerada uma forma de homicídio, na modalidade omissiva. Isso
porque o médico adquiriria a posição de „garante‟ em relação à vida do paciente, nos termos
do artigo 13, § 2º, alínea „a‟, CPB28. No entanto, deve-se ter em mente que a omissão do
tratamento da doença pelo profissional de saúde, em relação à ortotanásia, é penalmente
irrelevante, já que ele é incapaz de evitar o resultado morte.
Assim, se o advento da finitude do paciente terminal é inevitável, em razão de a
doença se encontrar em estágio avançado e, portanto, sem possibilidades de cura, a escolha do
médico em manter apenas os cuidados paliativos não deve ser vista como conduta delituosa.
Na ortotanásia, não se deixa de prestar atendimento ao paciente, isto é, não há uma recusa ou
omissão do tratamento por parte do médico, mas tão-somente a indicação de uma terapia
25
Relevante valor social ou moral.
Art. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos. § 1º Se o agente comete o crime impelido por
motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta
provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
27
(DINIZ, M. H., 2007, pp. 20-633); (FRANÇA, 2007, pp. 510-515); (PELUSO, 2012, pp. 32-33).
28
Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa.
Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. (...) § 2º - A omissão é
penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a
quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
26
55
paliativa, como meio de garantir o conforto do doente terminal, pois a obstinação terapêutica
não é recomendada, porque ineficaz. Tudo isto, torna atípica a conduta do médico.
Pelas mesmas razões, a conduta do terapeuta que pratica a ortotanásia também não se
enquadra no tipo do artigo 135 do Código Penal29, pois, além de os pacientes terminais não se
encontrarem em situação de desamparo, não há a negativa da prestação do atendimento
médico.
Em contrapartida, sob o prisma do Código Civil, partindo da perspectiva do Direito
Civil-Constitucional, existem dois vieses argumentativos para a admissão do direito à vida
sem prolongamento artificial.
O primeiro é considerar o reconhecimento da relativa disponibilidade dos direitos da
personalidade, mitigando a disposição das características contidas no artigo 11 do Código
Civil30, em favor da materialização do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. O direito à
vida é um dos tipos de direitos da personalidade e, como tal, entre outras características, é
intransmissível, irrenunciável e insuscetível de limitação voluntária, além de absoluto,
conforme entendimento consolidado na doutrina31.
Deve-se esclarecer, desde já, que o caráter absoluto dos direitos da personalidade,
notadamente, do direito à vida, refere-se a sua oponibilidade erga omnes, ou seja, a sua
eficácia é contra todos. Desta forma, tanto a coletividade como o Estado têm o dever jurídico
de respeitar estes direitos, sem que a sua garantia se torne ilimitada, ante a necessidade de se
conceder a toda a sociedade, ainda que minimamente, a sua eficácia.
Se, por hipótese, houver colisão de direitos fundamentais entre privados, a técnica da
ponderação há de ser utilizada, com o fito de garantir a todos a aplicabilidade desses direitos
existenciais, preservando a característica da oponibilidade contra todos.
Por outro lado, de acordo com a literalidade do mencionado artigo 11, os direitos da
personalidade são indisponíveis, pois não se admite a sua cessão a terceiros
29
Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou
extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses
casos, o socorro da autoridade pública: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único - A
pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a
morte.
30
Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e
irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
31
(EHRHARDT JÚNIOR, 2009, pp. 191-195); (FARIAS e ROSENVALD, 2006, p. 105); (LÔBO, 2010, pp.143145); (TEPEDINO, 2008, pp. 26-62).
56
(intransmissibilidade) ou a sua abdicação (irrenunciabilidade), além de não ser possível a sua
limitação por vontade própria, ressalvadas as hipóteses previstas em lei.
A interpretação literal do dispositivo em questão inviabiliza o exercício de alguns dos
direitos inerentes à pessoa humana, tais como, o direito à cirurgia de transgenitalização, o
direito à recusa de transfusão de sangue pelos adeptos da Igreja Testemunhas de Jeová ou,
ainda, o direito à vida sem o prolongamento artificial. Por esta razão, há que se admitir uma
disponibilidade moderada dos direitos existenciais, quando, dentro da esfera da
autodeterminação, haja o respeito e a realização do Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana. Nesta linha de pensamento, a cessão do uso de direitos autorais, nos termos da Lei
9.610/98, e a permissão para utilização dos direitos de imagem de artistas são formas de
abrandamento do atributo da intransmissibilidade desses direitos.
Apesar disso, impende registrar que, em tais hipóteses, o que ocorre é a cessão da
repercussão patrimonial, decorrente do exercício do direito personalíssimo, e não a alienação
do direito em si (LÔBO, 2010, p. 144).
Em outra forma de interpretação, os direitos da personalidade, na seara da
relativização moderada, podem ser considerados renunciáveis e, portanto, disponíveis.
Esclareça-se, por essencial, que o sentido de disponibilidade adotado neste trabalho é o de
disponibilidade relativa, utilizado por Roxana Borges, significando a “liberdade jurídica de
exercer certos direitos de personalidade de forma ativa ou positiva, não apenas na forma
negativa” (BORGES, 2009, p. 112). Prefere-se, no entanto, utilizar a expressão
„disponibilidade moderada‟ para conceder um grau de proporcionalidade à abordagem da
liberdade do indivíduo, isto é, para expressar uma liberdade proporcional dos direitos da
personalidade, afastando-se da idéia de uma liberdade ínfima.
A disposição do próprio corpo é consentida pelo artigo 13 do Código Civil32 desde
que, por exigência médica, não haja a diminuição permanente da integridade física do
indivíduo e não ofenda os bons costumes. Em entendimento concorde, as Jornadas de Direito
Civil elaboraram os Enunciados 04 e 13933, autorizando a limitação voluntária dos direitos da
32
Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar
diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei
especial.
33
Jornadas de Direito Civil: Enunciado 04 - O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação
voluntária, desde que não seja permanente nem geral. Enunciado 139 - Art. 11: Os direitos da personalidade
podem sofrer limitações, ainda que não especificamente previstas em lei, não podendo ser exercidos com abuso
de direito de seu titular, contrariamente à boa-fé objetiva e aos bons costumes.
57
personalidade por parte do seu titular, desde que não seja permanente ou geral e não contrarie
a boa-fé e os bons costumes.
Apesar da vedação quanto ao caráter permanente da limitação, por orientação dos
enunciados e do artigo 13 do Código Civil, há hipóteses em que a limitação voluntária por
parte do indivíduo será imutável, sem que, para tanto, a conduta se torne contrária à norma
jurídica. A Lei 9.434/1997, por exemplo, permite a disposição gratuita de órgãos duplos e de
partes destacáveis do próprio corpo, para fins de tratamento ou de transplantes. Consideramse destacáveis, para os efeitos da lei, as partes organicamente renováveis como, por exemplo,
o sangue, a medula óssea e a pele. No entanto, a disposição de órgãos, ainda que duplos, é
permanente e não se renova.
Por outro lado, a expressão „exigência médica‟, nos moldes literais da redação do
citado dispositivo, sugere que a avaliação do profissional de saúde tem caráter absoluto,
sobrepondo-se a questões éticas e jurídicas. Sem embargo, ela não deve ser vista desta forma,
pois os direitos existenciais aqui abordados não envolvem apenas demandas terapêuticas. A
discussão vai além do parecer clínico que é apenas um entre os vários aspectos a serem
avaliados dentro deste contexto. Observe-se que, no nosso ordenamento jurídico, a perícia
médica não é absoluta e não vincula o julgador34, razão pela qual deve-se buscar a temperança
nas decisões judiciais, pois o que o parecer clínico autoriza por „exigência médica‟ nem
sempre será acolhido pelo direito.
Não se deve aceitar, por exemplo, amputação de membros superiores e inferiores
saudáveis como a realizada pelo cirurgião Robert Smith que, sob a justificativa de „exigência
médica‟, amputou as pernas de dois „amputees by choice‟ em um hospital da Escócia,
causando perplexidade na imprensa internacional (BAYNE; LEVY, 2005, pp. 75-86).
Outra situação relevante de disponibilidade moderada de direitos existenciais, e já
aceita pelo direito, é o das cirurgias de transgenitalização, em que há a redesignação do sexo
da pessoa. Em princípio, o procedimento para mudança de sexo ofenderia a vedação contida
no artigo 13 do Código Civil, ante a disposição de caráter permanente do próprio corpo.
Porém, impor ao indivíduo que fique preso a um corpo cuja mente não o reconhece, sofrendo
preconceitos e problemas psicológicos, ofende não só o Princípio da Autonomia Privada, mas,
sobretudo, o da Dignidade da Pessoa Humana. Em razão disto, a cirurgia de
34
Art. 436 do CPC: O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros
elementos ou fatos provados nos autos.
58
transgenitalização é permitida35, mesmo em hospitais públicos, mediante avaliação de equipe
médica multidisciplinar, nos termos da Resolução 1.652/2002, que dispensa a necessidade de
determinação judicial para tanto. Sobre o assunto, Anderson Schreiber pontua que:
Controvérsias como aquelas envolvendo os amputees-by-choice e as
cirurgias de mudanças de sexo gravitam em torno de escolhas que não são
biológicas, nem clínicas, mas éticas e valorativas, ainda que amplamente
baseadas em dados técnicos. Para tais escolhas, um jurista não está menos
habilitado que um médico. Se é verdade que aqui, como em todos os outros
campos, a verdade jurídica não é verdade por inteiro, tampouco o será a
verdade médica. O melhor remédio há de surgir não da prevalência de uma
verdade sobre outra, como sugere o art. 13 do Código Civil, mas de um
aberto diálogo no meio social. A vedação generalizada às diminuições físicas
permanentes, com a única ressalva da “exigência médica”, é norma que não
se compadece com a necessária ponderação entre a tutela do próprio corpo e
outros princípios atinentes à realização da pessoa humana, como a liberdade
sexual, a liberdade de expressão e até a liberdade religiosa (SCHEREIBER,
2011, p. 45).
Exemplo recente de disposição permanente do próprio corpo, sem que houvesse
diagnóstico da existência de doença degenerativa, foi a da atriz norte-americana Angelina
Jolie que achou por bem retirar definitivamente as duas glândulas mamárias e os ovários,
diante da possibilidade de ser acometida por câncer nessas regiões do corpo. No artigo „Minha
escolha clínica‟ (tradução livre)36, publicado no jornal The New York Times, a atriz relata que
sua mãe faleceu, vítima de câncer de mama, aos 56 anos. Temerosa com a possibilidade de vir
a sofrer do mesmo mal, ela descobriu, por meio de exames, que teria 87% de probabilidade de
desenvolver a doença nas mamas, e 50% de desenvolvê-la nos ovários. Por isso, retirou as
duas mamas e, após a recuperação deste procedimento, fará outra cirurgia para a retirada dos
ovários. A atriz achou por bem dividir sua experiência nesse artigo, no qual ela diz que,
apesar de ter sido uma decisão muito difícil, está feliz com sua escolha, já que, agora, a
probabilidade de desenvolver a enfermidade foi reduzida para 5%. Não tardará muito para que
este tipo de intervenção cirúrgica seja permitida no Brasil, ainda que sem regulamentação
específica neste sentido.
É de se ver, portanto, que os direitos da personalidade são, em regra, indisponíveis.
Não obstante, permite-se a sua disponibilidade moderada, mesmo em caráter permanente,
quando o ato de disposição é voluntário, não ofende a ordem pública e se presta para realizar
o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, no caso concreto. Essa disposição é reconhecida
35
Enunciado 276 – O art. 13 do Código Civil, ao permitir a disposição do próprio corpo por exigência médica,
autoriza as cirurgias de transgenitalização, em conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo
Conselho Federal de Medicina, e a conseqüente alteração do prenome e do sexo no Registro Civil.
36
(JOLIE, 2013, online)
59
quando tem por escopo materializar, em essência, a existência do indivíduo, devendo,
contudo, ser afastada, se for conduzida por razões avessas à concreção da dignidade humana
do indivíduo (SCHREIBER, 2011, pp. 26-27).
Em razão disto, deve-se ter cautela na interpretação do artigo 15 do Código Civil37,
que consagra o princípio da autonomia do paciente, isto é, confere-lhe o direito de escolha,
relativamente aos tratamentos a que deseja submeter-se, contanto que seja prévia e
adequadamente informado.
Não se devem omitir as opiniões discordantes38 ao que aqui vem sendo defendido, no
tocante ao direito do paciente de escolher o tratamento que mais lhe pareça adequado ao seu
caso. Para essa corrente, o direito à vida é indisponível e absoluto, fato que inviabiliza o
pedido do paciente para interromper determinados tratamentos, pois a paralisação poderá
abreviar-lhe a morte. Em defesa da indisponibilidade do direito à vida, em detrimento do
direito de autodeterminação do paciente, Cezar Peluso (2012, p. 32), ao comentar o artigo 15
do Código Civil, declarou que: “O direito à vida é indisponível, de modo que o médico está
autorizado, em princípio a realizar todos os procedimentos para a recuperação do paciente,
independentemente da aquiescência deste”.
Uma leitura apressada do dispositivo pode levar à compreensão equivocada de que o
paciente estaria obrigado a submeter-se a terapias ou procedimentos cirúrgicos contra a sua
vontade, desde que não suscitassem risco de morte. No entanto, ressalvadas as hipóteses em
que há justo receio de prejuízo ao interesse público, a exemplo da prevenção de contágio de
doenças por meio de campanhas de vacinação, a permissão do paciente deve ser obtida
(SCHREIBER, 2011, p. 54).
É preferível, porém, crer que a escolha do paciente não deve estar submissa aos
julgamentos dos profissionais de saúde, dos familiares ou da sociedade, pois, conforme
ensinamento de Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber (2009, p.7), “Se o risco, todavia, é
exclusivamente individual, a vontade informada do paciente deve ser respeitada, como
imperativo de proteção a sua autodeterminação e à dignidade humana.”.
Com efeito, é o caso de refletir sobre o constrangimento que sofrem certos pacientes,
quando se lhes impõe uma transfusão de sangue, em desrespeito às suas convicções religiosas,
37
Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a
intervenção cirúrgica.
38
(DINIZ, M.H., 2007, pp. 20-633); (FRANÇA, 2007, pp. 510-515); (PELUSO, 2012, pp. 32-33).
60
e a pretexto de indisponibilidade do direito à vida, afronta-se à liberdade de credo e à
dignidade da pessoa humana. É aqui que se trava a discussão sobre a imposição de transfusão
de sangue aos seguidores da Igreja Testemunhas de Jeová.
A Constituição Federal assegurou ao indivíduo não só o direito à vida e à liberdade de
consciência e de crença previstos nos já citado artigo 5º, caput e inciso VI, mas também
garantiu a escusa de consciência, positivada no inciso VIII do mesmo artigo 39, para que
ninguém seja preterido do exercício de direito seu, em virtude de suas convicções, quer
religiosas, quer filosóficas.
Tanto a vida como a liberdade de crença são direitos formadores da personalidade do
indivíduo, cabendo a este, e não a terceiros, decidir o que é fundamental para si (TEPEDINO,
2002, p. 144). Desta maneira, não há como impor ao indivíduo a submissão a tratamento
contra a sua vontade, notadamente quando esta está lastreada em íntima convicção.
Ademais, em cumprimento ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, deve-se
observar não somente à integridade física, psíquica e intelectiva do indivíduo, mas também
respeitar a sua esfera de liberdade mínima, entre elas a liberdade de credo, cujo desrespeito
implica violação ao próprio conceito de vida digna (CHAVES; ROSENVALD, 2006, pp.
120-121).
Já se salientou que ao Estado compete o dever de laicidade. Obrigar um religioso a
receber sangue de outrem, mediante transfusão, e a que ele conviva com o sentimento de estar
em pecado permanente, sendo rejeitado pela comunidade em que vive, é o mesmo que
submeter uma gestante, também religiosa, contra a sua vontade, a realizar um aborto, sob o
argumento de que a gravidez é fruto de estupro, ou, a contrario sensu, negar-lhe o direito de
abortar, impondo-lhe que conviva com um filho fruto de violência sexual.
É em razão disso que se devem respeitar as convicções do paciente, conferindo-lhe o
direito de escolher o tratamento que mais lhe aprouver, observadas suas crenças (ou
descrenças) e sua liberdade de escolha, principalmente quanto ao tratamento a que deseja ser
submetido. Logo, como já se disse, não cabe aos médicos ou ao Estado intervir nessa decisão,
sob a justificativa de padronização de comportamentos.
39
Art. 5º, VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou
política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação
alternativa, fixada em lei;
61
Apesar disso, o Conselho Federal de Medicina editou a Resolução 1.021/80, com o
aval dos tribunais pátrios40 e de respeitável doutrina41, que autoriza aos médicos sedar seus
pacientes e realizar as transfusões de sangue que entenderem necessárias, mesmo sem o
consentimento deles. Essa prática distorce o papel hierárquico exercido pelas resoluções no
ordenamento jurídico brasileiro, conforme referenciado no início deste capítulo.
Por outro lado, a situação do paciente terminal, no âmbito da doutrina civilconstitucional, deve manter o mesmo enfoque da disponibilidade moderada, até então
desenvolvida. Em outras palavras, pode-se dispor de uma vida – que já alcançou o seu estágio
terminal – em favor da preservação da dignidade do seu titular. Isso porque seria irracional
pensar que o paciente pode recusar certos tratamentos médicos, nos termos do artigo 15 do
Código Civil, mesmo que esta renúncia resulte na abreviação lenta e dolorosa de sua vida, e,
ao mesmo tempo, negar-lhe o direito à ortotanásia, sob o argumento de que tal conduta
resultaria em prática ilícita.
Tais atos de disposição, todavia, conquanto permanentes, não contrariam a boa fé e os
bons costumes, pois os cuidados paliativos são mantidos, afastando-se, tão-somente, a
obstinação terapêutica, para que o direito de viver sem o prolongamento artificial seja a
materialização da dignidade humana, na seara da terminalidade da vida.
Em contrapartida, a posição mais acertada para garantir aos pacientes terminais o
direito à vida sem o prolongamento artificial é considerar que a ortotanásia não constitui ato
de disposição desse direito. A disponibilidade acontece nos casos de eutanásia, suicídio
assistido e distanásia, mas não na ortotanásia. Nos dois primeiros, a disposição seria para
abreviar a vida; nesta, para prolongá-la.
Declarar o desejo de „não-prolongamento artificial de sua vida, preferindo a morte
natural‟, não é ato de disposição, mas aceitação do curso natural do ciclo vital. Diversamente,
a utilização artificial de aparelhos para manutenção das pessoas vivas é que contraria a
naturalidade do processo de existência, porque provoca o prolongamento antinatural da vida,
impedindo o fenecimento espontâneo.
40
8881 MS 2004.008881-7, Relator: Des. Josué de Oliveira, Data de Julgamento: 04/04/2005, 1ª Seção Cível,
Data de Publicação: 26/04/2005; 20060020045004 DF , Relator: SANDRA DE SANTIS, Data de Julgamento:
12/07/2006, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: DJU 31/08/2006; 155 RS 2003.71.02.000155-6, Relator:
VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 24/10/2006, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação:
DJ 01/11/2006
41
Por todos: (EHRHARDT JÚNIOR, 2009, pp. 206 - 208).
62
Nesse sentido, Paulo Lôbo (2010, p. 148) pondera que: “Não se considera antecipação
ou violação do direito à vida, a pretensão à morte natural, quando a vida é mantida
artificialmente mediante o uso de equipamentos ou medicações”. Desta maneira, o direito de
viver sem prolongamento artificial não macula a indisponibilidade do direito à vida, pois a
ortotanásia, vista como morte natural, não viola a vida; ao invés, a integra.
Sob outra perspectiva, o Código de Ética Médica (CEM) traz princípios e regras sobre
a prática de ortotanásia. Dentre os princípios fundamentais, destacam-se os contidos nos
incisos VI e XXII42, que guardam o mesmo espírito, isto é, o de preservar o bem-estar do
doente, afastando-se de procedimentos causadores de demasiado sofrimento.
Sob outra perspectiva, o Código de Ética Médica (CEM) traz princípios e regras sobre
a prática de ortotanásia. Entre os princípios fundamentais, sobressaem os contidos nos incisos
VI e XXII43, que guardam o mesmo espírito, isto é, o de preservar o bem-estar do doente,
afastando os procedimentos causadores de demasiado sofrimento.
Assim é que, no inciso VI, proíbe-se o uso da ciência para produzir sofrimento físico e
mental nos enfermos, permitindo a utilização dos cuidados paliativos em substituição à
obstinação terapêutica. O médico deve agir com bom senso na oferta dos tratamentos
disponíveis, para que a sua atuação não ultrapasse as barreiras da dignidade.
Na mesma linha de entendimento, o inciso XXII orienta o profissional de saúde a
evitar tratamentos despiciendos, incentivando a prática de cuidados paliativos para os doentes
terminais. A morte não deve ser encarada pelos profissionais da medicina como uma derrota,
mas como um fato da existência humana, de forma que se deve evitar o prolongamento
desregrado da vida, como se fosse a única alternativa de terapia aos pacientes terminais.
Assim, a principiologia do Código de Ética Médica está em consonância com o texto
constitucional, na medida em que materializa o Princípio da Dignidade Humana e busca
afastar do âmbito da relação médico-paciente o tratamento desumano e degradante, nos
42
Inciso VI - O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais
utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para
permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.
Inciso XXII - Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos
diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados
paliativos apropriados.
43
Inciso VI - O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais
utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para
permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.
Inciso XXII - Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos
diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados
paliativos apropriados.
63
termos dos já mencionados artigos 1º, inciso III, e 5º, inciso III, da CF/88 (DANTAS;
COLTRI, 2011, p.40).
Diversamente, no capítulo atinente à relação do médico com os seus pacientes, e com
os familiares deste, o Código de Ética Médica segue no espírito do exercício da medicina
eficiente e humanitária, com o propósito de utilizar a tecnologia em favor da cura, sem que,
para isso, tal objetivo seja perseguido a qualquer custo. Nessa perspectiva, o artigo 36, § 2º,
do CEM44, ao proibir que o médico abandone seus pacientes, sobretudo os que se encontram
em estágio terminal, reafirma a aplicação da medicina paliativa a esses enfermos, conforme já
referiu o inciso XXII.
Outrossim, observe-se que a prática da eutanásia e do suicídio assistido, além de
criminalizadas pelo Código Penal, como já foi dito, é coibida pelo Código de Ética Médica,
nos termos do artigo 4145. O dispositivo sugere, no parágrafo único, a existência de um direito
à ortotanásia, quando determina a disponibilidade da medicina paliativa aos enfermos
incuráveis, vedando, ao final, os procedimentos médicos típicos de prolongamento artificial
da vida do paciente terminal.
A suspensão de tratamentos inócuos não configura a antecipação da morte, vedada
pelo sistema jurídico brasileiro. Pelo o contrário, visa a permitir que a vida tome seu curso
natural, evitando-se a dilatação do sofrimento do paciente terminal. Percebe-se, portanto, que
a deontologia médica busca, sobretudo, o bem-estar do doente, garantindo-lhe o respeito e a
integridade necessários, para que ele ultrapasse as adversidades da enfermidade com o
mínimo de desconforto possível.
3.3
As resoluções do Conselho Federal de Medicina.
No mesmo espírito do Código de Ética Médica, as Resoluções 1.805/2006 e
1.995/2012, editadas pelo Conselho Federal de Medicina, são no sentido de humanizar a
finitude da vida, respeitando a vontade declarada do paciente para na escolha do tratamento
que mais lhe aprouver.
44
Art. 36, § 2º - Salvo por motivo justo, comunicado ao paciente ou aos seus familiares, o médico não
abandonará o paciente por ser este portador de moléstia crônica ou incurável e continuará a assisti-lo ainda que
para cuidados paliativos.
45
Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.
Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados
paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando
sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante
legal.
64
Editada antes do atual Código de Ética Médica, a Resolução 1.805/2006, no artigo 1º,
autorizou os médicos a suspender tratamentos que prolonguem inutilmente a vida de doentes
cujas enfermidades são incuráveis. Confira-se:
Art. 1º. É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos
que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e
incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.
§ 1º. O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal
as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação.
§ 2º. A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário.
§ 3º. É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma
segunda opinião médica.
Defende-se que a redação do dispositivo é contraditória, pois afirma que a vontade do
doente terminal deve ser respeitada, ao mesmo tempo que dá ao médico o poder de decidir
sobre a suspensão do tratamento fútil, desde que fundamente sua decisão no prontuário
(ASCENSÃO, 2009, p. 433). Entretanto, apesar pouca clareza redacional do artigo 1º, a
melhor interpretação para o dispositivo é a de reconhecer que o médico informará o paciente
sobre todas as terapias disponíveis e aplicáveis, com o objetivo de garantir que o
consentimento deste seja lídimo, para, assim, respeitar e fazer cumprir a decisão dele ou de
seu representante legal.
Tudo isto, numa leitura sistemática, é decorrência do consentimento livre e esclarecido
do paciente, ou melhor, do ato legítimo de vontade do doente, realizado após o recebimento
das informações imprescindíveis acerca do seu tratamento (PEREIRA, P. 2011, p. 114). A
informação prestada pelo médico ao paciente, fruto da relação de consumo existente entre
ambos, deve ser clara e precisa, para que a decisão tomada por este seja legítima e livre de
quaisquer vícios de vontade.
A Resolução 1.805/2006 assegura ainda, no artigo 2º 46, a prestação dos cuidados
paliativos, para que o enfermo receba o alento necessário a minorar não só a sua dor física,
mas também seu sofrimento psíquico e espiritual. Nesse aspecto, a Resolução 1.805/2006
abriu portas para a discussão da preponderância do indivíduo sobre a doença que o acomete,
fazendo com que a medicina se preocupe menos em superar a morte, trazendo mais
naturalidade ao processo de finitude.
46
Art. 2º. O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao
sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive
assegurando-lhe o direito da alta hospitalar.
65
Por outro lado, impende registrar que o Ministério Público da União, no Distrito
Federal, ingressou com uma Ação Civil Pública (Processo nº 2007.34.00.014809-3),
objetivando suspender os efeitos da Resolução 1.805/2006, sob a alegação de que o Conselho
Federal de Medicina havia extrapolado os limites de sua competência, ao editar a mencionada
resolução. Argumentou-se que haveria ofensa ao artigo 22, inciso I, da Constituição Federal47,
uma vez que a ortotanásia, por ser uma forma de homicídio, deveria ser legislada pela União.
Como já se disse, a ortotanásia não se enquadra em nenhum dos tipos penais da
legislação brasileira. Ademais, a regulamentação da atuação médica é de competência do
Conselho Federal de Medicina, conforme determina o artigo 2º da Lei 3.268/1957 48. Apesar
disso, a liminar foi concedida para suspender os efeitos da Resolução 1.805/2006, ao passo
que, com mais acerto, no mérito, a ação foi julgada improcedente, razão pela qual a resolução,
atualmente, tem plena eficácia.
Após o advento do atual Código de Ética Médica, o Conselho Federal de Medicina
editou a Resolução 1.995/2012, que regulamenta as diretivas antecipadas de vontade dos
pacientes. Essa resolução reafirma a disposição inicial da Resolução 1.805/2006, segundo a
qual a escolha da terapia mais adequada é do paciente, que poderá revelar sua opção por meio
das denominadas „diretivas antecipadas de vontade‟, definidas no artigo 1º da Resolução
1.995/201249.
47
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: Inciso I - direito civil, comercial, penal, processual,
eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
48
Art. 2º O conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina são os órgãos supervisores da ética
profissional em tôda a República e ao mesmo tempo, julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendolhes zelar e trabalhar por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo
prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente.
49
Art. 1º. Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente
manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver
incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.
66
O artigo 2º50 da aludida resolução buscou trazer o disciplinamento das diretivas
antecipadas de vontade, determinando, entre outras coisas, onde serão registradas e quem será
o responsável pelo seu cumprimento. Uma vez atingido o estágio de inconsciência, a vontade
do paciente expressada a título de „diretivas antecipadas de vontade‟ deverá ser cumprida pelo
médico e respeitada pelos familiares daquele, desde que não se contrariem os preceitos do
Código de Ética Médica.
Além das diretivas antecipadas de vontade, o médico poderá levar em consideração as
informações fornecidas pelo curador, designado previamente pelo enfermo, quando em pleno
gozo de sua capacidade. A vontade manifestada com antecipação pelo paciente, livre de vício,
de acordo com a Resolução 1.995/2012, será lançada no prontuário desse paciente, para que
todos os profissionais de saúde atuantes nos cuidados dele possam cumpri-la, para o bem dele.
Assim, ficou evidenciado no artigo 2º, § 3º da Resolução 1.995/2012 que as diretivas
antecipadas prestadas pelo paciente prevalecem, inclusive, sobre a vontade dos seus
familiares. Dessa forma, elas devem ser preservadas, ainda que não haja consenso da família
neste sentido. Aliás, os familiares devem atuar em colaboração com a equipe médica para o
benefício do enfermo, devendo ser ouvido, porém, o paciente, para que sua vontade declarada
não deixe de ser respeitada, em caso de discordância de entendimentos entre ambos. Isso se
justifica porque a família, em princípio, não tem aceita com facilidade que alguém querido
está prestes a falecer, e pode não guardar a imparcialidade essencial para decidir sobre o
melhor caminho a ser trilhado pelo enfermo.
50
Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se,
ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas
antecipadas de vontade.
§ 1º Caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em
consideração pelo médico.
§ 2º O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou
representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética
Médica.
§ 3º As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive
sobre os desejos dos familiares.
§4º. O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente
comunicadas pelo paciente.
§ 5º Não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem havendo representante
designado, familiares disponíveis ou falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da
instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e
Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta medida
necessária e conveniente.
67
Apesar de não ser da ordem natural das relações familiares, não se deve ignorar que
algumas pessoas podem ostentar o desejo de recusar o encargo de cuidar de um parente
enfermo, ou dos interesses sucessórios advindos da morte deste, ou, ainda, manifestar a
ambição de utilizar-se dos benefícios previdenciários do doente, proporcionada pelo
prolongamento da sobrevida deste.
Observe-se, por oportuno, que não havendo as diretivas antecipadas de vontade, e na
falta de consenso entre médicos e familiares, o artigo 2º, §5º da Resolução 1.995/2012 orienta
o médico a recorrer ao Comitê de Bioética, ou à Comissão de Ética Médica do Hospital, ou
aos Conselhos Regional e Federal de Medicina, para embasar sua decisão sobre eventuais
conflitos, quando necessário. Porém, em casos terminais, nem sempre há tempo hábil para se
aguardar o trâmite burocrático da realização de uma consulta a essas instituições. Em razão
disso, melhor seria que todos tivessem o propósito de manifestar sua vontade, antes que fosse
tarde demais para fazê-lo.
Assim como ocorreu com a Resolução 1.805/2006, o Ministério Público Federal, no
Estado de Goiás, ingressou com uma Ação Civil Pública (Processo nº 103986.2013.4.01.3500), objetivando suspender os efeitos da Resolução 1.995/2012 e da
declaração incidental de sua inconstitucionalidade, sob a alegação de que o Conselho Federal
de Medicina extrapolou os limites de seu poder regulamentar, ao dispor sobre tema que
envolve questões familiares, sociais e de direitos da personalidade.
Segundo o Ministério Público Federal, o Conselho ofendeu o artigo 22, incisos I, XVI
e XXIII da Constituição Federal51, omitiu a necessidade de capacidade civil do paciente para
prestar tais declarações, não impôs limite temporal de validade para esta, nem tratou da sua
forma de revogação, e impediu a influência da família na formação da vontade do paciente.
Ademais, utilizou, de forma indevida, o prontuário como forma de registro para o desejo do
paciente, considerando que o seu caráter sigiloso impede o controle da atuação do médico.
Até o presente momento o mérito da ação não foi julgado, encontrando-se concluso
para sentença desde 08/10/2013, porém, o pedido de liminar foi negado pelo juiz federal
competente, sob o fundamento de que a finalidade da resolução é regulamentar a conduta
médica, respeitando a vontade do paciente quanto às terapias a que será submetido, em
51
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: Inciso I - direito civil, comercial, penal, processual,
eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; Inciso XVI - organização do sistema nacional
de emprego e condições para o exercício de profissões; Inciso XXIII - seguridade social;
68
situações de terminalidade da vida. A decisão declarou, ainda, que a Resolução 1.995/2012 é
constitucional, pois se encontra em consonância com o Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana, ao assegurar o paciente os cuidados paliativos, sem o prolongamento artificial de
sua vida.
Registre-se que as resoluções expedidas pelo Conselho Federal de Medicina são
normas éticas destinadas aos médicos e têm por escopo regular a conduta destes no exercício
da profissão. Eles têm o dever ético e jurídico de cumpri-las, sob pena de sofrerem processo
disciplinar, nos termos da Resolução 1.897/2009, além da possibilidade de serem
responsabilizados civil e penalmente.
Respeitar a vontade declarada pelo paciente, nos termos das Resoluções 1.805/2006 e
1.995/2012, é dever do médico, tanto por razões disciplinares, como pelos encargos
decorrentes da relação médico-paciente. Estes vão além da obrigação principal de realizar
procedimento cirúrgico e tentar a cura do enfermo, atingindo, inclusive, obrigações
acessórias, como, por exemplo, o acatamento do desejo do doente quanto às terapias a que
deseja se submeter.
3.4
Os Projetos de Lei em tramitação no Brasil.
O Congresso Nacional vem tentando debater e regulamentar a ortotanásia há muito
tempo. Além dos Projetos de Lei (PL) em tramitação, algumas iniciativas de leis sobre o
assunto foram propostas e arquivadas por falta de impulso. No Senado, por exemplo, o PL nº
125/96, que buscava autorizar a prática da morte sem dor, apresentado em 05/06/1996, foi
encaminhado para Comissão de Constituição e Justiça e, depois de ser redistribuído para
vários relatores, foi arquivado ao final da legislatura (29/01/1999).
Atualmente, duas propostas estão em trâmite por iniciativa do Senado Federal. São os
projetos de lei 116/2000 e 524/2009, ambos de autoria do Senador Gerson Camata. O PL nº
524/2009 encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e busca dispor sobre
os direitos da pessoa cuja doença está em fase terminal. Foram apensados a ele os projetos:
PL 79/2003 e PL 101/2005, todos com o objetivo de disciplinar os direitos dos pacientes em
serviços de saúde, e o PL 103/2005, que visa a instituir o estatuto do enfermo.
Por outro lado, o projeto de lei nº 116/2000, responsável por alterar o Código Penal
Brasileiro para retirar expressamente a ilicitude da ortotanásia, autorizando a renúncia ao
excesso terapêutico, acrescenta dois parágrafos ao final do artigo 121 do Código Penal
Brasileiro. A matéria chegou a ser arquivada, tendo sido reativada em 2007, ante o
69
requerimento de 27 senadores. Após a realização de uma audiência pública, a Comissão de
Constituição e Justiça do Senado Federal efetuou emendas, aprovou o projeto e encaminhou
para a Câmara dos Deputados a proposta de criação do artigo 136-A52 para o Código Penal
Brasileiro. Na Câmara dos Deputados, esse projeto foi registrado em 23/12/2009, sob o
número 6.715/2009 e apensado às demais propostas no mesmo sentido. No dia 08/12/2010 foi
aprovado pela Comissão de Seguridade Social e Família, encontrando-se, atualmente, na
Comissão de Constituição e Justiça.
Antes de enfocar as propostas em tramitação na Câmara dos Deputados, impende
registrar que o projeto para o novo Código Penal (PLS 236/2012), em andamento no Senado
Federal, tipifica a eutanásia como crime, no caput do artigo 12253, impondo pena reduzida (2 a
4 anos) em relação ao Código Penal atual (6 a 20 anos). No parágrafo 1º54 do mesmo
dispositivo, o legislador pretende isentar o agente de pena, a depender das circunstâncias do
caso concreto, e, no parágrafo 2º55, reafirma a intenção de expressar a licitude da ortotanásia.
No entanto, na Câmara dos Deputados, a iniciativa legislativa mais antiga em
tramitação é a de nº 3.002/2008. A ela estão apensos, além do projeto de lei nº 6.715/2009,
proveniente do Senado Federal, os projetos nº 5.008/2009 e 6.544/2009. O projeto nº
5.008/2009 tem por escopo proibir a suspensão de cuidados de pacientes em estado vegetativo
persistente. Já o de nº 6.544/2009 visa a autorizar a ortotanásia, trazendo conceitos basilares
sobre assunto, sem, contudo, fazer uma regulamentação de como ela seria desempenhada.
Já os deputados federais, em vez de tratar da matéria no âmbito penal, optaram,
acertadamente, no projeto de lei nº 3.002/2008, por regulamentar a prática da ortotanásia no
território nacional, como já acontece na Argentina. A proposta define a ortotanásia como a
suspensão de procedimentos extraordinários, que se restringem a prolongar a vida de
pacientes terminais artificialmente, quando a cura já não é mais possível.
52
Art. 136-A. Não constitui crime, no âmbito dos cuidados paliativos aplicados a paciente terminal, deixar de
fazer uso de meios desproporcionais e extraordinários, em situação de morte iminente e inevitável, desde que
haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, do cônjuge, companheiro, ascendente, descendente
ou irmão.
§ 1º A situação de morte iminente e inevitável deve ser previamente atestada por 2 (dois) médicos.
§ 2º A exclusão de ilicitude prevista neste artigo não se aplica em caso de omissão de uso dos meios
terapêuticos ordinários e proporcionais devidos a paciente terminal.
53
Art. 122. Matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para
abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave: Pena – prisão, de dois a quatro anos.
54
§ 1º O juiz deixará de aplicar a pena avaliando as circunstâncias do caso, bem como a relação de parentesco ou
estreitos laços de afeição do agente com a vítima.
55
§ 2º Não há crime quando o agente deixa de fazer uso de meios artificiais para manter a vida do paciente em
caso de doença grave irreversível, e desde que essa circunstância esteja previamente atestada por dois médicos
e haja consentimento do paciente, ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge,
companheiro ou irmão.
70
Nessa perspectiva, o projeto distingue a obstinação terapêutica das terapias ordinárias,
que abrange os cuidados essenciais ao enfermo, englobando assistência de equipe
multidisciplinar, nutrição adequada, remédios para alívio da dor e medidas de conforto físico,
psíquico, social e espiritual. A proposta busca preservar o direito à informação do doente, pois
o médico tem o dever de assegurar que ele tome sua decisão, quando plenamente informado
sobre o seu diagnóstico, prognóstico, terapias disponíveis, além das alternativas para alívio da
dor. Deve, ainda, cientificá-lo que sempre será possível desistir da ortotanásia, a qualquer
tempo e sem nenhuma justificativa.
O projeto registra, ainda, que os planos de saúde, seguros de vida ou testamentos não
serão questionados em decorrência do pedido de ortotanásia realizado pelo doente, visto que,
nessa hipótese, a morte é natural. A iniciativa legislativa autoriza o médico responsável pelo
doente a praticar a ortotanásia, mediante solicitação expressa e por escrito deste ou de seu
representante legal, por meio de formulário próprio, que ficará registrado no prontuário. O
pedido do paciente deve ser datado e assinado na presença de duas testemunhas e uma junta
médica especializada o apreciará. Além do formulário preenchido, o prontuário deverá conter
o diagnóstico, o prognóstico, as informações prestadas ao paciente e o parecer da junta
médica especializada, ratificando a opinião do médico.
A proposta parece sugerir que é o médico, sob o aval da junta médica especializada,
quem decidirá sobre a autorização para a ortotanásia, o que seria uma falha. À equipe médica
compete investigar se o caso se enquadra numa situação terminal e prestar ao paciente todas
as informações necessárias para que ele possa decidir a respeito do assunto. A iniciativa
legislativa também se equivoca ao exigir que a prática da ortotanásia somente poderá ser
efetuada após parecer favorável do Ministério Público que, em caso de dúvida, deverá
provocar o Poder Judiciário para se manifestar sobre a o pedido do enfermo.
Com toda a deferência que esses órgãos merecem, a decisão é pessoal, não
competindo ao Estado, sob qualquer forma, imiscuir-se na vontade consciente e motivada do
doente terminal. Não se deve ignorar que esse tipo de expediente inviabiliza a materialização
do próprio direito do paciente à ortotanásia, pois o seu sofrimento será prolongado, não só
pelos aparelhos, mas pela morosidade e burocracia estatais.
71
Lembre-se, por oportuno, que competirá ao Ministério Público fiscalizar eventuais
irregularidades, tais como: a prática de eutanásia social, traduzida na liberação desregrada de
leitos por profissionais de saúde, as negativas injustificadas dos planos de saúde para evitar
gastos com pacientes internados nas Unidades de Terapias Intensivas, além do interesse dos
hospitais privados em manter pacientes internados na UTI desnecessariamente com o objetivo
de auferir mais lucros.
72
4
O “TESTAMENTO VITAL”: UMA DECLARAÇÃO VÁLIDA E EFICAZ
Sumário: 4.1. Experiência Internacional. 4.2. Condições de validade e
eficácia.
O mencionado trabalho de Jacques Roskam quanto à criação do termo „ortotanásia‟ já
anunciava que não seria possível ao paciente incapaz opinar sobre a suspensão de tratamentos
invasivos e terapeuticamente obstinados, salvo se ele tivesse manifestado por escrito seu
desejo de escapar de qualquer tipo de distanásia. Em caso de incapacidade, o consentimento
partiria dos familiares, após o parecer de três médicos, de autoridade científica moral
indiscutível, na presença de um tabelião, e levado ao presidente provinciano do Conselho de
Ética Médica (ROSKAM, 1950, p. 712).
Posteriormente, no final dos anos 60, quando ainda não havia um termo específico que
traduzisse com perfeição a idéia de „exteriorização da vontade garantidora da autonomia do
paciente terminal‟, a despeito da existência de várias terminologias, surgiu, nos Estados
Unidos o „testamento vital‟ (living will), também conhecido como „testamento biológico‟,
„testamento em vida‟, „testament de vie‟, „biotestamento‟, „diretivas avançadas‟, „vontades
antecipadas‟, „manifestação explícita da própria vontade‟ e „diretivas antecipadas de vontade‟.
A „Lei da Morte Natural‟ (tradução livre)56, pioneira em regulamentar o assunto, surgiu a
partir do caso Karen Ann Quinlan, no estado da Califórnia, na década de 70, e exigia que o
documento fosse assinado por pessoa maior e capaz, na presença de duas testemunhas, vindo
a produzir seus efeitos após quatorze dias da assinatura, com validade de cinco anos e
revogabilidade a qualquer tempo (BORGES, 2009, p. 249) e (MARINELI, 2013, online).
Apesar de a primeira lei sobre o testamento vital ter sido criada na Califórnia, o caso
paradigmático de Karen Ann Quinlan ocorreu na Suprema Corte do Estado de Nova Jérsei, no
ano de 1976, quando se reconheceu judicialmente o direito de recusa de tratamento médico
para diagnóstico crônico e irreversível. Karen, segundo o boletim médico, estava em estado
vegetativo permanente, sem perspectiva de cura, em decorrência de overdose de
entorpecentes, sendo mantida por aparelhos. Naquela ocasião, como lhe fosse impossível
manifestar a própria vontade, seu pai requereu judicialmente o desligamento dos aparelhos
médicos, com fundamento no princípio constitucional da autodeterminação e da privacidade
(CASTRO, 2007, p. 291).
A legislação federal americana, no entanto, começou a ser modificada com o caso
Nancy Cruzan (Cruzan by Cruzan v. Director, Missouri Department of Health). Nancy
56
Natural Death Act.
73
Cruzan sofreu um acidente automobilístico aos 25 anos de idade e foi diagnosticada como
paciente em estado vegetativo permanente e irreversível. Com isso, seus pais ingressaram
com um pedido judicial para a retirada dos aparelhos que a mantinham viva, sob o argumento
de que ela havia afirmado, inúmeras vezes, que não gostaria de ser mantida viva quando
tivesse menos da metade de sua capacidade normal. Embora o pedido tenha sido autorizado
em 1ª Instância, todavia o advogado designado para representar os interesses de Nancy em
juízo recorreu da decisão, e o Tribunal do Missouri negou o desligamento dos aparelhos, por
não existir prova clara e contundente da manifestação de vontade da paciente. Entretanto,
reconhecendo que pessoas capazes têm o direito constitucional de exigir que os seus suportes
vitais sejam desligados, a Suprema Corte Americana, depois de ouvir os colegas de trabalho
de Nancy Cruzan, testemunhas de que ela jamais desejaria viver em estado vegetativo,
determinou a retirada dos referidos suportes vitais. (DWORKIN, 2003, pp. 264-265);
(DADALTO, 2013, pp. 99-100).
Em 1991, como conseqüência direta do caso Cruzan, o Congresso Americano editou a
„Lei de Autodeterminação do Paciente‟(tradução livre)57, cuja finalidade é conscientizar as
pessoas para estarem preparadas para as decisões médicas ao final da vida, regulamentando o
direito de autonomia de pacientes terminais ou em estado vegetativo. Os hospitais mantidos
por fundos federais passaram a ter o dever de informar aos pacientes que ali ingressassem
sobre o conteúdo das leis estaduais de autodeterminação, bem assim sobre as formalidades
que eles deveriam observar, sobretudo no tocante ao dever de exteriorizar seus desígnios no
momento em que lhes sobreviesse a finitude da vida, caso não desejassem submeter-se ao
prolongamento artificial. É importante observar que essa lei não cria o testamento vital no
âmbito federal, mas somente obriga os nosocômios que recebem recursos federais a informar
sobre a previsão do living will na legislação de cada estado.
Observe-se que esses paradigmas foram situações em que a reconstrução da vontade
judicial das pacientes teve de ser perquirida, pois elas já se encontravam em estado
vegetativo, quando a família solicitou o desligamento dos suportes vitais. Os aparelhos
mantenedores das vidas de Karen Quilan e Nancy Cruzan só foram desligados depois de
longa batalha judicial, justamente porque elas não manifestaram previamente seu desejo nesse
sentido, o que demonstra a relevância da exteriorização da vontade como meio de garantir a
autonomia do paciente no final de sua existência.
57
Patient Self-Determination Act
74
A inadequação da expressão „testamento vital‟ é evidente, já que os testamentos
tradicionais têm efeitos post mortem, ao passo que a eficácia do testamento vital mantém-se
enquanto o paciente viver. Todavia, o testamento vital assemelha-se ao testamento comum
por ser um negócio jurídico unilateral, personalíssimo, gratuito e revogável. Na realidade, o
termo provém de uma tradução equivocada do inglês, pois o substantivo „will‟ pode
significar: vontade, desígnio ou testamento e „living‟ é flexão do verbo viver („to live‟), razão
pela qual, apesar de a locução „testamento vital‟ ser a mais comum na doutrina58, há quem
prefira a expressão „declaração prévia de vontade para o fim da vida‟ (DADALTO, 2013, p.
17).
Por outro lado, deve-se esclarecer que as chamadas „diretivas avançadas‟,
„manifestação explícita da própria vontade‟, „vontades antecipadas‟ e „diretivas antecipadas
de vontade‟ não se confundem nem com o „testamento vital‟, nem com o „mandato
duradouro‟ (ou procuração de saúde). Aquelas representam o conteúdo a ser materializado por
estes, tidos como instrumentos hábeis para tratar questões relativas à terminalidade da vida.
De modo diverso, Luciana Dadalto (2013, pp. 82-83) classifica as diretivas antecipadas como
gênero que tem como espécies o testamento vital e o mandato duradouro. A autora, baseada
na lei americana de autodeterminação do paciente, trata as diretivas antecipadas como um
documento apto a dar instruções acerca das terapias médicas de uma pessoa em qualquer fase
da vida, independentemente de esta ter ou não atingido o estágio terminal. Contudo, como já
referenciado acima, prefere-se utilizar o testamento vital e a procuração de saúde como
instrumentos das ditas diretivas antecipadas de vontade. Nesse sentido, a Resolução
1.995/2012, editada pelo Conselho Federal de Medicina, definiu, no artigo 1º, diretivas
antecipadas de vontade como: “O conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados
pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que
estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”, referendando a ideia
de que as diretivas são, de fato, o conteúdo.
Ademais, cumpre registrar que o testamento vital e o mandato duradouro não se
confundem, pois, enquanto o testamento vital é o instrumento por meio do qual a pessoa
declara, antecipadamente, sua recusa - ou não - à obstinação terapêutica, com o propósito de
deixar claro como deseja vivenciar os momentos finais da sua existência; o mandato
duradouro é um documento pelo o qual o paciente constitui um procurador, conferindo-lhe
58
(LÔBO, 2013a, 237-240); (BORGES, 2009, p. 249); (MARINELI, 2013, online); (TEIXEIRA; PENALVA,
2010, pp. 57-82);
75
poderes para tomar decisões atinentes à aceitação ou à recusa de tratamentos quando este
paciente atingir o estágio de inconsciência (DADALTO, 2013, p. 85).
Sob a perspectiva ontologicamente existencial, o testamento vital é a forma de garantir
a autonomia do paciente terminal nos últimos dias de sua vida. Na visão do Biodireito, ele é o
meio decidir sobre quais caminhos seguir no processo de finitude, permitindo que a extinção
ocorra sem obstinação terapêutica, com a concessão do máximo de conforto e o mínimo de
sofrimento possível aos pacientes e familiares; ou mesmo seja elastecida em decorrência do
desejo de mais dias de vida.
Juridicamente, segundo Paulo Lôbo (2013a, p. 237), testamento vital é, em essência,
um “negócio jurídico unilateral sujeito a condição suspensiva, isto é, o estado de
inconsciência duradoura do declarante”.
4.1
Experiência Internacional
Os norte-americanos, como dito, foram os pioneiros na edição de leis sobre o
testamento vital (Living Will), o mandato duradouro (Durable Power of Attorney for Care
Act), além das diretivas antecipadas de vontade (Advance Medical Care Directives), institutos
da manifestação de vontade do paciente, materializados em formulários próprios, em que,
logo após os imprescindíveis esclarecimentos da equipe médica, ele indica quais os
tratamentos que aceita e quais os que rejeita. Contudo, outras leis editadas no âmbito
internacional também merecem realce na regulamentação do assunto. Na Europa, a
Convenção de Direitos Humanos e Biomedicina de 1997, ocorrida em Oviedo, e a
Recomendação do Conselho Europeu de 2009 são os documentos de maior evidência na
consideração do tema.
A Espanha regulamentou a matéria com legislação federal específica em 2002 (Lei
41/2002), apesar de algumas comunidades autônomas como, por exemplo, Catalunha, Galícia,
Navarra e Madri, já terem pronunciamento legislativo anterior no que tange às chamadas
„instruções prévias‟ ou „vontade antecipada‟. A Lei espanhola 41/2002, no artigo 11, dispõe,
em linhas gerais, que pessoas maiores e capazes estão autorizadas a realizar suas instruções
prévias acerca dos cuidados de saúde, tratamentos médicos e doação de órgãos, podendo
designar, inclusive, um procurador para cumprir a manifestação de vontade ali prestada. Tais
instruções são revogáveis a qualquer tempo, por escrito, e serão assentadas no Registro
Nacional de Instruções Prévias (DADALTO, 2013, pp. 102-109).
76
Ressalte-se, por oportuno, que algumas comunidades autônomas da Espanha, tais como
Andaluzia, Valência e Navarra, nas respectivas leis locais, enfocam a possibilidade de
utilização das Diretivas Antecipadas de Vontade por parte de menores de idade, com a
exigência de que eles sejam emancipados (BLANCO, 2007, p. 66). Todavia, essa distinção
não tem utilidade para o sistema jurídico brasileiro, tendo em vista que as pessoas
emancipadas gozam de capacidade plena para os atos da vida civil.
Na mesma linha de pensamento, em Portugal, a Lei do Testamento Vital – Lei
25/2012, promulgada em 16 de julho de 2012 – tem por objetivo regular as „diretivas
antecipadas de vontade‟ em matéria de saúde, na forma de Testamento Vital. Essas diretivas,
à semelhança da lei argentina, descrita mais adiante, implicam na manifestação de vontade
escrita, unilateral e revogável, prestada por agente capaz, com o objetivo de explicitar quais
tratamentos o declarante deseja que lhe sejam aplicados, na hipótese de não mais ser possível,
no futuro, exprimir seus desejos. Distingue-se da norma da Argentina, contudo, porque,
enquanto as „diretivas antecipadas‟ daquele país não estipulam prazo de validade, a lei
portuguesa determina o período de eficácia de cinco anos para a declaração de vontade,
renovável mediante confirmação. Neste ponto, a lei argentina supera a lei portuguesa porque
não deveria haver prazo certo para o fim da produção de efeitos das declarações prestadas no
„testamento vital‟, considerando que não se sabe quando e em que situação a enfermidade se
instalará no corpo do declarante.
A Lei 25/2012 possibilita algumas exceções para o descumprimento do testamento, a
saber: a) em caso de urgência ou risco eminente de morte do declarante; b) quando se verifica
a desatualização da vontade do paciente, decorrente do avanço científico das terapias
disponíveis, e c) ante a possibilidade de escusa de consciência por parte do médico. Esta
última não implica desrespeito à vontade do paciente, pois a instituição de saúde fica obrigada
a proporcionar meios para que essa deliberação seja cumprida. Todavia, a família não pode
recusar-se a cumprir as declarações prestadas no testamento vital, exceto se o documento tiver
parado de produzir os seus efeitos. A ineficácia do testamento por caducidade aumenta a
insegurança do declarante, deixando-o vulnerável quanto ao momento da necessidade de
utilização do testamento.
Conforme já anunciado anteriormente, o Registro Nacional do Testamento Vital
(RENTEV), previsto na referida lei, apesar de não ser obrigatório para que a declaração tenha
eficácia, é de grande valia para o conhecimento dos procedimentos a serem adotados nos
77
tratamentos dos testadores, por parte dos profissionais de saúde competentes, que devem
guardar o sigilo ético quanto ao teor destas declarações.
Em acréscimo, há um capítulo próprio relativo ao „procurador para cuidados em
saúde‟, pessoa nomeada para representar o doente, quando este não conseguir expressar a sua
vontade autonomamente. Existe um amplo regramento sobre as atribuições do representante
legal, devendo-se ressaltar que, em caso de conflito entre as decisões expressas no testamento
vital e a vontade do procurador de saúde, as disposições do outorgante prevalecerão.
Por outro lado, a Lei 26.742/2012 da Argentina autoriza que o enfermo, tendo sido
suficientemente informado sobre o seu estado de saúde, os tratamentos disponíveis, os
benefícios e os riscos destes decorrentes, firme a sua declaração de intenções, expressando, de
forma clara e precisa, que tipo de terapia deseja que lhe seja aplicada. O denominado
„consentimento informado‟, que pode ser proferido tanto pelo paciente como por seu
representante legal, é uma declaração unilateral de vontade revogável, que o profissional de
saúde deve respeitar, fazendo o devido registro no prontuário médico.
Além do consentimento informado, há, no artigo 11 da lei em comento, a previsão das
„diretivas antecipadas de vontade‟ em que a pessoa, em pleno gozo de suas faculdades
mentais, pode expressar quais são os tratamentos a que deseja submeter-se, e quais os que
pretende repelir. O médico responsável pelo tratamento do paciente deve aceitar essa
declaração, desde que não implique em prática de eutanásia.
Observe-se, contudo, que a Lei 26.742/2012 foi falha em alguns aspectos. Apesar de
existir norma da província de Buenos Aires, aprovada pelo Conselho Diretivo de Escrivães,
criando o primeiro „Registro de Atos de Autoproteção de Prevenção de uma Eventual
Incapacidade‟, o ato normativo federal foi silente quanto à criação de um registro nacional de
testamentos vitais. Além disso, não regulamentou a questão dos menores de idade, nem a
possibilidade de escusa de consciência por parte do médico, e, contrariando a essência do que
se pretende com a prática da Ortotanásia, autorizou a rejeição do paciente aos cuidados
paliativos.
Diversamente, na Noruega, a „lei de tutela‟ (tradução livre)59, que regulamenta o
„mandato para o futuro‟(tradução livre)60, foi editada no ano de 2010, porém, somente entrou
em vigor naquele país em julho de 2013. Em princípio, naquele país nórdico, assim como no
59
60
Law of guardianship.
Future Power of Attorney.
78
Brasil, a procuração tradicional perde seus efeitos quando o mandante se torna incapaz para
reger os seus atos da vida civil. Todavia, a regra norueguesa foi alterada para que, em
observância à orientação do Conselho Europeu, havendo previsão no instrumento
procuratório, o mandato possa ter a sua eficácia diferida para o momento futuro e certo do
estado de inconsciência do sujeito. Ainda segundo essa legislação, o mandante deve ser maior
de idade e pode constituir mais de um procurador, seja para administrar questões financeiras,
seja para cuidar das questões existenciais, devendo o documento ser escrito, à semelhança do
testamento, na presença de duas testemunhas e assinado pelo declarante (HAMBRO, 2013, p.
305-311).
Do mesmo modo, a legislação editada na Suíça permite a emissão de „mandato
duradouro‟ para surtir efeitos quando o declarante atingir o seu estado de incapacidade,
exigindo, porém, que o documento seja feito de próprio punho, datado e assinado pelo
declarante, por meio de escritura pública, e registrado em uma central de banco de dados.
Ademais, a lei suíça permite a criação de uma diretiva antecipada de vontade para as decisões
relativas à saúde do declarante, sem exigir as formalidades do mandato duradouro. Estas são
mais restritas que aqueles, pois ficam limitadas à escolha dos tratamentos de saúde a serem
realizados no doente. Essa lei determina que a indicação de existência de uma diretiva
antecipada esteja registrada no cartão de saúde do paciente, ficando este livre para escolher
onde guardar o documento que contém suas disposições de vontade para sua saúde. O médico
fica obrigado a cumprir a diretiva antecipada, salvo se o seu conteúdo ferir a lei ou se houver
sérias dúvidas quanto à veracidade dos desígnios ali contidos (SCHWENZER; KELLER;
2013, pp. 375-380).
Analisando a diversidade de regulamentações quanto aos meios legais existentes para
fazer valer a autodeterminação da pessoa natural no que concerne aos seus desígnios para
quando alcançar o estágio da terminalidade, percebe-se que o direito brasileiro está muito
aquém das previsões internacionais sobre o assunto. Isso porque, como já visto, nosso
ordenamento jurídico limitou-se a regulamentar a matéria por meio de resoluções editadas
pelo Conselho Federal de Medicina, sem que o Congresso Nacional, até então, tivesse
disciplinado a matéria, de modo específico.
4.2
Condições de validade e eficácia.
Assim como todos os negócios jurídicos em geral, os testamentos, nos termos do
artigo 104 do Código Civil, para serem válidos, exigem agente capaz, objeto lícito e forma
expressa, ou não defesa em lei. Além disso, o regramento dos testamentos tradicionais
79
reclamam certas formalidades, tais como, a presença de testemunhas em todos os tipos de
testamento, e concede capacidade testamentária ativa aos maiores de 16 anos, nos termos do
parágrafo único do artigo 1.860 do Código Civil61. Contudo, a capacidade e discernimento
plenos são essenciais para a feitura de um testamento vital, não se demonstrando adequado
aos incapazes, ainda que relativamente, o exercício do direito de autodeterminação em
situações de terminalidade. Assim, o testador, para este tipo de declaração, deve estar em
pleno gozo de sua capacidade civil, pois o discernimento é da essência deste tipo de negócio
jurídico.
Ademais, o conteúdo das disposições de vontade ali descritas deve estar dentro do que
o direito autoriza, não sendo possível, por exemplo, a autodeterminação para a eutanásia
(ativa ou passiva), pois que vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, as
disposições podem conter, por exemplo, o posicionamento do paciente sobre prática de
ortotanásia, recusa à obstinação terapêutica e a medidas heróicas invasivas, não-oferta de
suporte vital, ordens de não-ressuscitação ou de não-reanimação, doação de órgãos e local
onde deseja passar seus últimos dias. Importa ressaltar, ainda, que é difícil encontrar o
equilíbrio entre o progresso científico e a condição mortal do ser humano, pois a velocidade
com que as terapias se tornam obsoletas é cada vez maior. Por isso, não se deve, no momento
da confecção do documento, nominar os tratamentos indesejados, pois eles podem ter caído
em desuso quando o estágio de inconsciência for alcançado pelo enfermo, o que tornaria a
declaração de vontade desatualizada (DADALTO, 2013, p. 94).
A forma, por sua vez, também se distancia dos testamentos tradicionais, pois há de ser
livre, desde que não proibida por lei, tendo em vista não haver prescrição legal específica para
tal. Não se pode, portanto, impor os requisitos extrínsecos essenciais a um testamento
ordinário, como a presença de testemunhas, por falta de determinação legal. Desta forma, o
documento pode ser público ou particular, dispensando-se, também, a escritura pública
lavrada por tabelião – solenidade típica do testamento público (art. 1.864 do CCB).
Com base na liberdade da forma, Marcelo Marineli (2013, online) aceita, além de
quaisquer escritos do declarante, ainda que não assinados, a gravação de vídeo como meio
idôneo para o doente expressar suas disposições de vontade, quanto aos tratamentos médicos
desejados por ele, a serem executados quando alcançar o estágio de inconsciência.
Recomenda-se, todavia, a forma escrita e assinada pelo interessado, por ser o meio mais
61
Art. 1.860. Além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento.
Parágrafo único. Podem testar os maiores de dezesseis anos.
80
seguro de o sujeito externar, de maneira clara e precisa, os seus desígnios, e afastar quaisquer
dúvidas sobre sua declaração.
Impende lembrar que o Conselho Federal de Medicina, seguindo a mesma orientação
adotada pela Lei Argentina, apontou o prontuário médico como instrumento hábil para o
registro das diretivas antecipadas de vontade do enfermo, tanto no §2º do artigo 1º da
Resolução 1.805/06, como no §4º do artigo 2º da Resolução 1.995/2012, já transcritos acima.
Contudo, esta indicação não parece ser a mais acertada, pois, caso o paciente receba alta
hospitalar, e, depois de algum tempo, volte a ser internado em outro hospital, em situação de
emergência, quando não mais seja possível externar a sua vontade, os médicos encarregados
de prestar este novo atendimento não terão conhecimento da declaração de vontade já
externada pelo enfermo em ocasião anterior, ante a falta de publicidade inerente ao
prontuário. Em razão disso, são mais adequadas as disposições das leis editadas na Europa, as
quais estabelecem um registro nacional de conservação e acesso às diretivas antecipadas de
vontade dos cidadãos, ou orientam a anotação da existência dessas informações na carteira de
saúde do indivíduo.
Para a confecção do testamento vital, é dispensável que o sujeito alcance o estágio
terminal da vida, aconselhando-se, inclusive, que isso ocorra antes mesmo do aparecimento de
quaisquer doenças tidas como graves e de cura difícil, quando então o discernimento do
indivíduo estará vulnerável a eventuais pressões oriundas da sua falta de saúde. Não se deve
ignorar, também, que o testamento vital é revogável a qualquer tempo, permitindo que o
sujeito altere suas disposições de vontade, durante o curso da sua vida, se casualmente suas
convicções mudarem com o passar do tempo, ou, ainda, se o avanço tecnológico permitir a
eficácia do tratamento. Nesse sentido, Paulo Lôbo (2013a, p. 240) assevera que:
O testamento vital apenas deve ser desconsiderado em virtude de mudança
das circunstâncias que estiveram presente no momento de sua feitura (rebus
sic stantibus), como a evidente desatualização da vontade do outorgante em
face do ulterior progresso dos meios terapêuticos, ou se se comprovar que
ele não desejaria mantê-lo, em respeito a sua autonomia, presumida na
primeira hipótese, expressa na segunda.
É importante lembrar que, como já foi referido, caso a escrita do testamento vital
ocorra após a ciência do diagnóstico irreversível, o doente deverá receber todas as
informações necessárias sobre os tratamentos disponíveis, de forma clara e precisa, para que,
assim, a sua escolha seja exercida com discernimento e coerência. Afinal, o doente deve ter
condições de agir com competência, isto é, “conceito clínico de possuir habilidades para a
81
tomada de decisões válidas em relação ao tratamento” (MOREIRA; OLIVEIRA, 2008,
online).
Por outro lado, para produzir efeitos, o testamento vital está sujeito ao implemento de
uma condição suspensiva, ou seja, o estado de inconsciência duradouro do enfermo. É nesse
estágio, sobretudo, que se deve respeitar as diretivas antecipadas de vontade, materializadas
no testamento vital. A produção de efeitos inter vivos afasta, mais uma vez, as disposições
legais sobre os testamentos tradicionais do testamento vital, pois enquanto aqueles são aptos a
surtir efeitos com o advento da morte, este busca produzir eficácia durante a vida do sujeito.
Apesar disso, a eficácia futura desta vontade estabelecida previamente é erga omnes,
isto é, contra todos, abrangendo, portanto, os profissionais de saúde e os familiares. Eventual
descumprimento do testamento vital somente se justificaria se o negócio jurídico fosse nulo,
nos termos do artigo 166 do Código Civil62, deixando de produzir os efeitos jurídicos
desejados, em decorrência da nulidade e não em virtude de questões subjetivas pertinentes à
família ou aos profissionais de saúde.
Ressalte-se, por essencial, que, tal como ocorre nos testamentos tradicionais, a família
não pode modificar a declaração de vontade do testador no testamento vital, pois não é dado a
terceiros alterar os desígnios existenciais de quem testou. Assim, se não é possível, nos
testamentos ordinários, a rejeição de fatos que repercutam diretamente na divisão patrimonial
dos herdeiros, tais como a recusa das doações da parte disponível a um estranho ou o repúdio
ao reconhecimento de um filho, fruto de uma relação extraconjugal, por mais forte razão é
vedado aos familiares o descumprimento das disposições previstas no testamento vital. No
mesmo sentido, ao tratar da doação de órgãos, o Enunciado 277 das Jornadas de Direito
Civil63 confirma que a vontade declarada do doador prepondera sobre a de seus familiares,
que somente serão consultados no silêncio deste. Desse modo, tanto na doação de órgãos
como na ortotanásia, preserva-se o respeito às disposições de vontade externadas pelo sujeito.
Aliás, impende anotar que, em caso de dúvida, a interpretação do testamento vital deve ser
sempre em benefício do enfermo, buscando atender ao máximo o cumprimento de sua
62
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II - for ilícito,
impossível ou indeterminável o seu objeto; III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV - não revestir a forma prescrita em lei; V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial
para a sua validade; VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou
proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.
63
Enunciado 277. O art. 14 do Código Civil, ao afirmar a validade da disposição gratuita do próprio corpo, com
objetivo científico ou altruístico, para depois da morte, determinou que a manifestação expressa do doador de
órgãos em vida prevalece sobre a vontade dos familiares, portanto, a aplicação do art. 4º da Lei n. 9.434/97
ficou restrita à hipótese de silêncio do potencial doador.
82
vontade. Nesse aspecto, a lei portuguesa é esclarecedora ao determinar que, em caso de
divergência entre a vontade do testador e a do procurador de saúde, acata-se a daquele.
Sob outro prisma, os profissionais de saúde também têm o dever de executar as
disposições de vontade descritas no testamento vital, determinado pelo Código de Ética
Médica, consoante explanado no capítulo anterior. Os médicos somente estariam autorizados
a negar o cumprimento de tais disposições, se o conteúdo delas ofendesse norma jurídica ou
deontológica, o que, no caso da ortotanásia, não se aplica. A escusa de consciência é possível,
no entanto, outro médico deve assumir o tratamento para viabilizar o respeito à vontade do
indivíduo.
Ademais, apesar de não ser da ordem natural das relações familiares, tampouco da
conduta ética do médico, eles não devem ignorar as seguintes possibilidades: a) a ambição de
parentes de lançar mão dos benefícios previdenciários do doente, em decorrência do
prolongamento da sobrevida deste; b) o desejo de despojar-se do encargo de cuidar de
alguém; c) os interesses sucessórios, advindos da morte do enfermo, e d) a intenção do
médico em liberar leitos ocupados por vidas em via de extinção. Tais possibilidades
corroboram a necessidade do respeito às disposições individuais de caráter existencial do
paciente (ASCENSÃO, 2009, pp. 423 – 445); (ALVES, 2001, p. 73). Por esses mesmos
motivos, a construção judicial da vontade ou a vontade substitutiva por parte dos familiares
não é recomendável.
Em acréscimo, o Enunciado 528 das Jornadas de Direito Civil, ao comentar os artigos
1.729, parágrafo único, e 1.857 do Código Civil64 considera:
É válida a declaração de vontade expressa em documento autêntico, também
chamado “testamento vital”, em que a pessoa estabelece disposições sobre o
tipo de tratamento de saúde, ou não tratamento, que deseja no caso de se
encontrar sem condições de manifestar a sua vontade.
Utilizou-se, por analogia, a regra contida no artigo 1.729, parágrafo único, do Código
Civil, que autoriza aos pais a nomeação de tutor, por meio de testamento, para ficar
responsável civilmente pelos filhos incapazes, com o objetivo de admitir a emissão de um
documento idôneo – não necessariamente um testamento – com a finalidade de viabilizar o
64
Art. 1.729. O direito de nomear tutor compete aos pais, em conjunto. Parágrafo único. A nomeação deve
constar de testamento ou de qualquer outro documento autêntico.
Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para
depois de sua morte. § 1o A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento. § 2o São
válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha
limitado.
83
exercício da autodeterminação da pessoa, quanto aos tratamentos de saúde que deseja sejamlhe aplicados no final da vida.
No âmbito dos tribunais pátrios, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul proferiu
decisão pioneira sobre o assunto, reconhecendo expressamente ao paciente o direito à
ortotanásia. Na hipótese em questão, um idoso de 79 anos, obteve autorização judicial para
negar-se a ver sua perna amputada como meio hábil de tratamento para livrá-lo da morte. O
Ministério Público estadual recorreu da decisão (Apelação Cível Nº 70054988266 do TJRS),
utilizando o argumento da indisponibilidade do direito à vida. O julgamento, à unanimidade
de votos, foi ementado da seguinte forma:
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA À SAÚDE. BIODIREITO.
ORTOTANÁSIA. TESTAMENTO VITAL. 1. Se o paciente, com o pé
esquerdo necrosado, se nega à amputação, preferindo, conforme laudo
psicológico, morrer para "aliviar o sofrimento"; e, conforme laudo
psiquiátrico, se encontra em pleno gozo das faculdades mentais, o Estado
não pode invadir seu corpo e realizar a cirurgia mutilatória contra a sua
vontade, mesmo que seja pelo motivo nobre de salvar sua vida. 2. O caso se
insere no denominado biodireito, na dimensão da ortotanásia, que vem a ser
a morte no seu devido tempo, sem prolongar a vida por meios artificiais, ou
além do que seria o processo natural. 3. O direito à vida garantido no art. 5º,
caput, deve ser combinado com o princípio da dignidade da pessoa, previsto
no art. 2º, III, ambos da CF, isto é, vida com dignidade ou razoável
qualidade. A Constituição institui o direito à vida, não o dever à vida, razão
pela qual não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a
tratamento ou cirurgia, máxime quando mutilatória. Ademais, na esfera
infraconstitucional, o fato de o art. 15 do CC proibir tratamento médico ou
intervenção cirúrgica quando há risco de vida, não quer dizer que, não
havendo risco, ou mesmo quando para salvar a vida, a pessoa pode ser
constrangida a tal. 4. Nas circunstâncias, a fim de preservar o médico de
eventual acusação de terceiros, tem-se que o paciente, pelo quanto consta
nos autos, fez o denominado testamento vital, que figura na Resolução nº
1995/2012, do Conselho Federal de Medicina. 5. Apelação desprovida.
(Apelação Cível Nº 70054988266, Primeira Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 20/11/2013)
A decisão inovadora teve como fundamento primordial o Princípio da Dignidade
Humana no âmbito da terminalidade, reconhecendo, inclusive, o caráter não absoluto do
direito à vida, positivado no artigo 5º da Constituição Federal, e o direito de recusa a
tratamentos indesejados, nos termos do artigo 15 do Código Civil. O relator ressaltou,
também, a necessidade de discernimento do paciente, no sentido de ter competência clínica
para decidir sobre si, além da prevalência da vontade deste em relação à dos familiares e dos
profissionais de saúde.
Estranhamente, porém, o julgador reconhece o testamento vital como instituto presente
na Resolução 1.995/2012, editada pelo Conselho Federal de Medicina, para regulamentar a
84
atuação médica no âmbito das diretivas antecipadas de vontade. Tal fato, no entanto, não
desmerece o valor do julgamento no enfrentamento das situações existenciais, na seara da
terminalidade da vida. É possível que o início do debate judicial torne mais natural o
enfrentamento da questão, para que, assim, a finitude da vida seja vista de maneira mais
humana.
85
CONCLUSÃO
Sob a perspectiva do Direito Civil-Constitucional, a terminalidade da vida é uma
matéria ainda pouco debatida no Brasil, mormente com relação ao direito de viver sem o
prolongamento artificial, pois, em que pese às publicações sérias sobre o tema, até aqui não há
consenso quanto ao regramento a ser adotado para as situações existenciais. Isso decorre
principalmente da omissão do legislador ordinário federal, que ainda não se posicionou sobre
o assunto, apesar da existência de alguns projetos de lei com esse fim.
Nesse sentido, a ortotanásia, materializado na medicina paliativa, tem o propósito de
permitir que o processo de morte ocorra naturalmente, com o mínimo de sofrimento possível e
o máximo de conforto prestado ao paciente em estágio terminal, não resultando, portanto, em
ofensa ao direito fundamental à vida. Permitir que a finitude da vida aconteça sem
prolongamentos, de forma suave, nada mais é do que atender ao escopo da ortotanásia, isto é,
do morrer corretamente.
Aliás, o direito fundamental à vida, assegurado pela Constituição Federal de 1988,
deve ser visto no mesmo patamar valorativo dos demais direitos nela previstos. Nesse
aspecto, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana garante que ninguém venha a ser
privado do direito à vida, por meio de investidas arbitrárias, sem que, para tanto, àquele
direito seja atribuído caráter absoluto e indisponível. Do mesmo modo, os dispositivos do
Código Civil foram analisados para certificar que é possível extrair do sistema jurídico um
direito à ortotanásia, seja por meio do alcance da disponibilidade moderada dos direitos da
personalidade, seja porque a espera da morte natural não configura ato de disposição. Noutro
giro, a análise do Código Penal teve a finalidade de demonstrar que o tema está longe de ser
considerado como uma atuação delituosa, devendo a normatização da matéria ficar distante da
criminalização, por ser de natureza existencial e humanitária. Ademais, os regramentos
trazidos pelo Código de Ética Médica e pelas Resoluções do Conselho Federal de Medicina
estão restritos ao campo da deontologia profissional, mostrando-se insuficientes para
regulamentar um assunto inerente à natureza humana e à sua existência.
Seja com o testamento vital ou seja por meio do mandato duradouro, a experiência
estrangeira instrumentaliza o direito de viver sem o prolongamento artificial. No Brasil, uma
considerável parte da doutrina65 defende o testamento vital como meio hábil para o exercício
desse direito. No entanto, após esse estudo, percebeu-se que o instituto da representação mista
65
Por todos: (LÔBO, 2013a, pp. 237-240); (DADALTO, 2013, passim).
86
manifesta-se como alternativa viável e acessível ao sujeito, no exercício dos seus direitos
personalíssimos.
Caio Mário da Silva Pereira (2007, p. 621) esclarece que essa nova espécie de
representação ocorre “quando os poderes vêm da lei, mas a designação do representante vem
dos interessados”, utilizando como exemplo o síndico de um condomínio edilício, detentor de
poderes especificados em lei, porém nomeado pelos demais condôminos. Nas situações de
terminalidade, a representação mista é convencional – para admitir a escolha de quem melhor
representaria o declarante nas situações de incapacidade, e é também legal – para prestar
eficácia aos poderes assumidos pelo representante durante essa incapacidade.
A possibilidade de eleição do representante misto pelo declarante preserva a
autonomia privada deste e afasta a incidência do artigo 1.775 do Código Civil66. Com isso,
soluciona-se a problemática da parcialidade inerente aos familiares do enfermo terminal, seja
pelo sofrimento da perda de um ente querido, seja por interesse na situação econômica do
paciente, como ocorre na hipótese do rotineiro recebimento de benefícios previdenciários,
proporcionado pelo prolongamento da sobrevida deste. Além disso, a declaração de vontade
do enfermo permanece eficaz, mesmo após o advento da sua incapacidade, pois os poderes do
representante misto são garantidos por lei, conforme se verifica no artigo 1.780 do Código
Civil67, sem que haja a incidência do artigo 680, inciso II, do mesmo diploma legal68.
Por outro lado, o testamento e a procuração não constituem instrumentos essenciais
para o ato de nomeação do representante misto, pois a forma é livre, desde que não vedada
por lei, conforme prevê o artigo 104 do Código Civil. Para as situações existenciais como a da
terminalidade, melhor seria que o instrumento utilizado para consignar as disposições dos
últimos dias de vida fosse um formulário, porquanto é o meio mais simples e acessível para o
exercício do direito de viver sem o prolongamento artificial.
Assim, o „Formulário de Consentimento de Saúde‟ conteria a nomeação do
representante misto, bem como o posicionamento do declarante quanto à ortotanásia, à
66
Art. 1.775. O cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato, é, de direito, curador do outro,
quando interdito.
§1o Na falta do cônjuge ou companheiro, é curador legítimo o pai ou a mãe; na falta destes, o descendente que
se demonstrar mais apto.
§ 2o Entre os descendentes, os mais próximos precedem aos mais remotos.
§ 3o Na falta das pessoas mencionadas neste artigo, compete ao juiz a escolha do curador.
67
Art. 1.780. A requerimento do enfermo ou portador de deficiência física, ou, na impossibilidade de fazê-lo, de
qualquer das pessoas a que se refere o art. 1.768, dar-se-lhe-á curador para cuidar de todos ou alguns de seus
negócios ou bens.
68
Art. 682. Cessa o mandato:II - pela morte ou interdição de uma das partes.
87
obstinação terapêutica, a medidas heróicas invasivas, à oferta (ou não) de suporte vital, à
doação (ou não) de órgãos e ao local onde deseja passar seus últimos dias, tudo escrito de
forma simples, clara, precisa e com ênfase às situações de negativa de tratamentos invasivos,
possibilitando ao interessado assinalar, de maneira rápida, as suas opções.
Embora o Conselho Federal de Medicina chame essas disposições de „diretivas
antecipadas de vontade‟, é preferível, todavia, o emprego da locução „Desígnio Cautelar para
Viver sem Prolongamento Artificial‟, porque melhor se ajusta ao que o paciente almeja, no
sentido de acautelar-se para que a sua decisão seja respeitada, quando não mais lhe for
possível a autodeterminação.
Tomando por base os regramentos internacionais estudados para este trabalho, o meio
mais eficiente de viabilizar um „Formulário de Consentimento de Saúde‟, contendo o
„Desígnio Cautelar para Viver sem Prolongamento Artificial‟, é a carteira de saúde do
cidadão, como ocorre na lei suíça, porquanto, quer seja ele usuário da rede pública de saúde,
quer da rede particular, terá sempre a posse desse documento para conseguir acesso aos
atendimentos médico-hospitalares.
Além disso, a experiência estrangeira demonstra ser mais adequada a aquisição da
capacidade civil plena para o exercício desse direito, afastando, portanto, a possibilidade dos
maiores de dezesseis anos de dispor sobre tais aspectos da vida, por não terem o
discernimento necessário. Também não é apropriada a estipulação de prazo de validade para a
declaração, podendo, todavia, tais disposições ser afastadas, nas hipóteses legais de nulidade
do negócio jurídico, como a coação, por exemplo, e em caso de verificação de desatualização
da vontade do paciente, devendo ser mantida também a revogabilidade do documento.
Impende registrar, ainda, que, embora sendo possível a escusa de consciência, outro médico,
todavia, deve assumir o tratamento, para viabilizar o respeito à vontade declarada do
indivíduo.
88
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