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Artigo de revisão
Repercussões da fisioterapia cardiopulmonar na anemia falciforme
Effects of cardiopulmonary physiotherapy in sickle cell anemia
Géssyka Fernandes Mazzilli1,Giulliano Gardenghi2
Resumo
Introdução: A anemia falciforme (AF) ocorre pela mutação do cromossomo 11.Essa
mutação promove a alteração da estrutura normal da hemoglobina transformando-a em
hemoglobina S (HbS). O afoiçamento das hemácias com sua rigidezalteram fisicamente o
fluxo sanguíneo, o que pode culminar em obstrução, isquemia e dano orgânico irreversível.
20-30% das mortes em adultos com anemia falciforme são provocadas por complicações
pulmonares.Objetivo:Realizar
revisão
sistemática
da
literatura
para
identificar
as
intervenções e repercussões da fisioterapia cardiopulmonar passíveis de aplicação em
pacientes com AF.Metodologia:Esta revisão de literatura foi conduzida nos bancos de
dados eletrônicos MedLine, Lilacs e SciELO de acordo com os seguintes critérios de
inclusão: artigos publicados no período de 2000 a 2014; estudos realizados com a
população pediátrica e adulta portadoras de Anemia Falciforme e submetidos à fisioterapia
cardiopulmonar.
Resultado/Considerações
finais:A
abordagem
da
fisioterapia
cardiopulmonar no paciente com AF tem se mostrado bastante eficaz nos quesitos:
complicações pulmonares (pneumonias e atelectasias), crises dolorosas na região torácica,
melhora clínica e dos níveis de saturação de pulso de oxigênio, menor tempo de internação.
Descritores: Anemia Falciforme; Fisioterapia respiratória; Fisioterapia cardiovascular;
Síndrome Torácica Aguda.
Abstract
Introduction: Sickle cell anemia (SCA) occurs by mutation of chromosome 11, this mutation
changes the normal hemoglobin structure turning into hemoglobin S (Hb). The sickling of red
blood cells along with their rigidity physically alter blood flow, which may result in obstruction,
ischemia and irreversible organ damage. 20-30% of deaths in adults with sickle cell anemia
are caused by pulmonary complications. Objective:Conduct a systematic literature review to
identify interventions and effects of cardiopulmonary physical therapy and how could be
applied in patients with SCA. Methodology: This literature review was conducted in the
electronic databases MedLine, Lilacs and SciELO according to the following inclusion
2
criteria: articles published from 2000 to 2014; studies of the pediatric and adult population
carriers of sickle cell disease and subjected to cardiopulmonary physiotherapy.
Results/Final considerations: The approach of cardiopulmonary physiotherapy in patients
with SCA have been showed effective in some requirement: pulmonary complications
(pneumonia and atelectasis), painful attacks in the chest, clinical improvement and pulse
oxygen saturation levels, shorter hospital stays.
Key words:Sickle Cell Anemia; Respiratory physiotherapy; Cardiovascular physiotherapy;
Acute Chest Syndrome.
1. Fisioterapeuta,
Graduada
pela
Universidade
Católica
de
Brasília(UCB),
Brasília/DFem 2012;
2. Fisioterapeuta, Doutor em Ciências pela FMUSP, Coordenador Científico
doServiço de Fisioterapia do Hospital ENCORE/GO, Coordenador Científico do
CEAFI Pós-graduação/GO e Coordenador do Curso de Pós-graduação em
Fisioterapia Hospitalar do Hospital e Maternidade São Cristóvão, São Paulo/SP –
Brasil.
Introdução
A anemia falciforme (AF)ocorre pela mutação do cromossomo 11em quehá a
substituição do ácido glutâmico pela valina na posição 6 de cadeia beta na globulina
originando a hemoglobina S (HbS) e, desta forma, surgem as manifestações
fisiopatológicas. A AF nada mais é que uma das formas mais graves da doença
falciforme (DF).Dentre as DFs, também estão incluídas: HbS-C, HbS-talassemia1,2.
Considerada comum no Brasil, a AF caracteriza-se por ser hereditária e
monogênica com predominância em afrodescendentes3.
Existem alguns meios que ajudam na redução da mortalidade em crianças
com AF, tendo em destaque: diagnóstico neonatal, início do tratamento por meio de
vacinas(penicilina) e medicamentos e também reconhecer de maneira precoce o
sequestro esplênico. Já nos casos de adolescentes e adultos, para a redução da
mortalidade, é importante identificar riscos de acidente vascular encefálico (AVE),
tratar e diagnosticar a síndrome torácica aguda (STA) e realizar, de maneira
precoce, transfusões de sangue3.
3
A isquemia, a oclusão vascular e o infarto tecidual são provocados pela
deformação das hemácias. Em torno disto, surgem as principais complicações da
AF, a saber: STA, AVE e crise de vaso-oclusão dolorosa2.Tratando-se da vasooclusão, a complicação mais comum no paciente com AF é a osteonecrose, que tem
por preferência as regiões de úmero e fêmur1.
As complicações pulmonares começam a surgir a partir dos 20 anos de idade,
sendo responsáveis por 20-30% das mortes em adultos. A obstrução da via aérea
superior, infecções pulmonares, e estado pró-inflamatório, ocasionam distúrbios
pulmonares obstrutivos e/ou restritivos. Se esses fatores se agravarem, é gerada
hipertensão pulmonar, podendo levar o indivíduo à morte4.
A fisioterapia cardiopulmonar estará indicada para melhorar as trocas
gasosas
provocadas
pelos
distúrbios
ventilatórios,bem
como
prevenir
as
comorbidades advindas das crises dolorosas e vaso-oclusivas2.
O objetivo deste estudo foi realizar revisão sistemática da literatura para
identificar as intervenções e repercussões da fisioterapia cardiopulmonar passíveis
de aplicação em pacientes com AF.
Metodologia
Esta revisão de literatura foi conduzida nos bancos de dados eletrônicos
MedLine, Lilacs eSciELOcom os seguintes critérios de inclusão: artigos publicados
no período de 2000 a 2014; estudos realizados com a população pediátrica e adulta
portadora de anemia falciforme e submetidos à fisioterapia cardiopulmonar. A
pesquisa foi realizada no idioma português, com os seguintes descritores: “anemia
falciforme”, “síndrome torácica aguda”, “fisioterapia”, “acidente vascular encefálico”.
Foram selecionados 11 artigos.Destes,dois foram excluídos por não apresentarem
conteúdo relacionando a fisioterapia à anemia falciforme; também foram excluídos
os estudos com data anterior à de 2000.
Resultados
Os estudos encontrados durante o levantamento de dados estão relacionados
na tabela a seguir.
4
Resultado da busca de artigos relacionados à fisioterapia cardiopulmonar no
portador de Anemia Falciforme.
REFERÊNCIA
OBJETIVOS
MÉTODOS
CONCLUSÃO
O portador de AF pode
Verificar
Moreira et al.,
5
2002 .
os
Revisão
bibliográfica
de
parâmetros fisiológicos
artigos que relacionam os
durante
exercício
efeitos fisiológicos durante o
físico em portadores
exercício em portadores de
de anemia falciforme.
AF.
o
praticar exercício físico de
maneira
moderada
e
controlada por conta de
algumas
complicações
decorrentes do estresse.
O
exercício
trará
benefícios terapêuticos.
A avaliação cardiológica
Realizar
Gualandro
et
6
al., 2007 .
no portador de AF deve
uma
avaliação cardiológica
Revisão
completa e orientar o
artigos
tratamento
complicações
das
bibliográfica
de
relacionados
às
complicações da AF
cardiopulmonares na AF e
perante as diretrizes
seu tratamento.
incluir anamnese, exame
físico,
eletrocardiograma,
ecocardiograma
com
Doppler e raio X de tórax.
O
tratamento
dessas
complicações
atuais.
devem
seguir as orientações das
diretrizes atuais.
Estudo transversal descritivo
Avaliar a qualidade do
sono
Souza et al.,
7
2007 .
e
função
pulmonar
em
adolescentes
portadores
de
AF,
estáveis clinicamente.
com 50 pacientes portadores
de
AF
submetidos
polissonografia
noturna
a
e
espirometria.
Foram
analisados
dados
antropométricos,
polissonográficos
função pulmonar.
e
de
A
qualidade
alterada
de
nos
sono
pacientes
portadores de AF se deve
provavelmente
à
dessaturação
da
hemoglobina
e
não
às
alterações individuais da
função pulmonar.
5
REFERÊNCIA
OBJETIVOS
Realizar
MÉTODOS
revisão
da
literatura médica que
identifique
as
intervenções
da
fisioterapia respiratória
Hostyn et al.,
2
2011 .
que
podem
ser
aplicadas em crianças
com
AF
Relatar
e
STA.
também
o
nível de evidência e
recomendação
do
artigo.
CONCLUSÃO
Revisão de literatura guiada
nos
bancos
de
dados
eletrônicos MedLine, Lilacs
eSciELO de acordo com os
seguintes
critérios
de
inclusão: artigos publicados
no período de 1995 a 2009;
estudos realizados com a
população
pediátrica
submetidos
à
e
A fisioterapia respiratória
por meio do uso dos do IS,
PEP
e
VNI
pode
ser
aplicada em crianças com
DF e STA, com nível de
recomendação C.
fisioterapia
respiratória.
CF para o exercício abaixo
do predito para a faixa
Estudo
Hostyn
et
8
al.,2013 .
Avaliar a CF para o
prospectivo,
exercício
pacientes,
crianças
físico
de
transversal
etária na literatura. Os
com
46
pacientes com HbSS/Sβ0-
avaliou
os
talassemia
apresentaram
e
seguintes marcadores após
desempenho
adolescentes com DF
10 minutos do TC6’: FC,
distância percorrida, FR e
pelo TC6’.
FR,SPO2, PA, dispneia e
SPO2
o
TC6’,
cansaço de MMII.
comparativamente
aos
após
inferior
na
pacientes com HbSC/Sβ+talassemia.
AF=Anemia falciforme; STA=Síndrome torácica aguda; IS=Inspirometria de incentivo; PEP=Pressão expiratória positiva; VNI=Ventilação não
invasiva; DF=Doença falciforme; CF=Capacidade funcional pulmonar; TC6’=Teste de caminhada de seis minutos; FC=Frequência cardíaca;
FR=Frequência respiratória; SPO2= Saturação periférica de oxigênio; PA=Pressão arterial; MMII=Membros inferiores.
Discussão
Hostyn et al.(2011) relatam que a fisioterapia respiratória em torno da técnica
de inspirometria de incentivo (IS) em crianças com AF previne as complicações
pulmonares associadas à STA, evitando a hipoventilação, o acúmulo de secreções e
as atelectasias. Observou-se, nesse estudo,significativaredução daspneumonias e
atelectasias, das crises dolorosas na região torácica, melhora clínica geral e dos
níveis de saturação de pulso de oxigênio (SPO2)2.
Quando não há compreensão da IS, utiliza-se da respiração com PEP. Esta
técnica promove a redução do colapso de vias aéreas (previne e reverte
atelectasias), movimenta a secreção de vias aéreas superiores, levando essa
secreção à boca, facilitando a expectoração e ventilação colateral. Com o aumento
6
dos volumes ventilatórios, ocorre a melhorana distribuição e absorção da medicação
na via aérea2.
Ao aplicar a VNI, no modo ventilatório BIPAP, ocorre diminuição do trabalho
respiratório e melhora da oxigenação, além de prevenir contra a progressão da
complicação para insuficiência ventilatória aguda, reduzindo os custos da
internação2.
Segundo Moreira et al.(2002), se o exercício físico for praticado intensamente,
produz mudanças fisiológicas importantes. O exercício em uma pessoa não
portadora de AF naturalmente exige mais oxigênio para o músculo ou membro
solicitado. No portador de anemia falciforme, a oferta de oxigênio é diminuída; logo,
ocorrerá necrose tecidual5.
Durante o exercício, o paciente adulto com AF atinge menos de 50% da
capacidade de exercício.O eletrocardiograma mostra depressão do segmento ST,
aumento da FC e níveis baixos de hemoglobina. O baixo desempenho pode ser
justificado pela disfunção cardíaca na anemia e, por consequência, ocorrem
dispneia, cansaço e palpitações. À medida que a anemia se torna mais grave, a
resistência vascular periférica total diminui5.
O exercício no portador de AF deve ser considerado como terapia e realizado
com cautela pelo profissional que o acompanha, visto que que sua oferta de
oxigênio é diferenciada5.
Quando a STA já se encontrar instalada na AF, o tratamento está direcionado
: à reduçãoda hipóxia, à diminuiçãodas infecções, a evitar a sedação excessiva e à
hiperidratação. Gualandro et al.(2007) recomendammonitorização diária da doença
pulmonar com fisioterapia respiratória ativa6.
A hipertensão pulmonar (HP) ocorre pelo agravamento dos distúrbios
obstrutivos e/ou restritivos, sendo considerado risco de vida em pacientes com AF. O
aparecimento da HP ocasiona maior dispneia, além de outros sintomas que
anteriormente eram bem tolerados pelos níveis de hemoglobina. O teste de seis
minutos tem ajudado na avaliação dos pacientes6.
Dentre as manifestações cardíacas, está inclusa uma miocardiopatia
específica na AF.
O débito cardíaco está elevado devido a um aumento do volume
sistólico. O volume sanguíneo aumenta devido ao aumento do
volume plasmático e a resistência periférica diminui. O aumento do
débito cardíaco leva ao aumento das câmaras cardíacas e hipertrofia
7
do septo. O débito cardíaco (DC) em repouso é maior em pacientes
com AF do que em pacientes com qualquer outra anemia crônica. A
AF apresenta queda de saturação de sangue e menor afinidade com
hemoglobina S, justificando o aumento do DC (GUALANDRO et al.,
2007).6
A dessaturação é comum nos portadores de AF – caso a dessaturação seja
noturna, o paciente normalmente apresenta distúrbios respiratórios como, por
exemplo, a apneia obstrutiva do sono, FC aumentada (sono e vigília) e saturação
abaixo de 90 durante todo o tempo de sono7. Nesse caso, a fisioterapia respiratória
reeducará a musculatura respiratória, a fim de promover um padrão respiratório
fisiológico, com o objetivo de promover menor gasto de energético. As técnicas
fisioterapêuticas mais utilizadas são: exercícios utilizando dos padrões ventilatórios e
alongamento da musculatura postural9.
Segundo Hostyn et al. (2013), caso a STA seja recorrente, o portador tem
maior possibilidade de lesão pulmonar crônica, visto que nesse caso ocorre redução
do pico de consumo máximo de oxigênio (VO2).Essa situação pode gerar impacto
importante na CFP(Capacidade Funcional Pulmonar) durante o exercício8.
O total percorrido no Teste de caminhada de 6 minutos (TC6’) em
crianças saudáveis é influenciado diretamente pela idade, estatura e
peso corporal, sendo inversamente proporcional com relação ao
peso e evidenciando um aumento na distância de acordo com o
aumento da idade e estatura. Na AF o total percorrido no TC6’ foi
menor, quando comparado aos valores preditos para a idade e
estatura, significando que outros fatores além do peso e estatura,
como por exemplo o valor de hemoglobina e a ocorrência de STA,
possam estar relacionados com esses achados (HOSTYN et al.,
2013) 8.
A oxigenação dos tecidos durante o exercício não está reduzida na AF por
conta de mecanismos compensatórios: aumento do ritmo cardíaco, aumento do
volume sistólico e diminuição da resistência vascular periférica, que acaba por
reduzir a resistência das hemácias, facilitando a oferta e o trânsito de oxigênio,
motivo pelo qual a saturação fica mista ou até mesmo próxima do normal, razãoda
SPO2
não reduzir significativamente no TC6’. A SPO2 está mais relacionada com a
gravidade da anemia comparada com a STA.
Conclusão
Diante de alguns estudos, pode-se observar a necessidade da fisioterapia
cardiopulmonar no paciente com AF, já que as suas complicações precisam ser
minimizadas. Nessa revisão, foram encontrados poucos artigos que envolvessem a
8
fisioterapia, sendo necessária maior abordagem em relação a estudos com
fisioterapia e AF. Diante do que foi encontrado em técnicas de fisioterapia
respiratória
como
IS,PEEP
e
BIPAP,
estasreduzem
significativamente
as
complicações pulmonares (pneumonias e atelectasias),as crises dolorosas na região
torácica, com melhora clínica e dos níveis de saturação de pulso de oxigênio (SPO2).
Quando se fala em exercício físico, deve-se agir de forma ponderada, já que o
mesmo exige demanda maior de oxigênio e na AF o transporte de oxigênio é
deficitário. Ressalta-se ainda que o trabalho ficou limitado devido à escassez de
referências, sendo sugerido mais estudos de pesquisa nessa área para melhor
abordagem dos pacientes com AF.
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