Fundação Educacional de Divinópolis – FUNEDI Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG Mestrado em Educação, Cultura e Organizações Sociais INCLUSÃO PRODUTIVA E ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI: Análise sobre desafios e perspectivas em unidades socioeducativas de internação Jaqueline Lago Divinópolis/MG 2010 Jaqueline Lago INCLUSÃO PRODUTIVA E ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI: Análise sobre desafios e perspectivas em unidades socioeducativas de internação Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da Fundação Educacional de Divinópolis – FUNEDI, unidade associada à Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG, como requisito à obtenção do título de Mestre em Educação, Cultura e Organizações Sociais. Área de Concentração: Estudos Contemporâneos Linha de Pesquisa: Espaço e Sociedade Orientadora: Profª. Dra. Batistina M. S. Corgozinho Divinópolis/MG 2010 L177i Lago, Jaqueline Inclusão produtiva e adolescentes em conflito com a lei: análise sobre desafios e perspectivas em unidades socioeducativas de internação [manuscrito] / Jaqueline do Lago Homem Antunes. – 2010. 112 f., enc. Orientador : Batistina Maria de Souza Corgozinho Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado de Minas Gerais, Fundação Educacional de Divinópolis. Bibliografia : f. 113 a 119 1. Adolescência. 2. Medida Socioeducativa. 3. Socioprofissionalização Inclusão Produtiva. 4. Trabalho. I. Corgozinho, Batistina Maria de Souza. Universidade do Estado de Minas. Fundação Educacional de Divinópolis. III. Título. CDD: 362.74 Dissertação intitulada: “Inclusão Produtiva e Adolescentes em Conflito com a Lei: Análise sobre desafios e perspectivas em unidades socioeducativas de internação”, de autoria da mestranda Jaqueline do Lago Homem Antunes, aprovada pela banca examinadora constituida pelos seguintes professores: No sinal fechado / Ele vende chiclete Capricha na flanela / E se chama Pelé Pinta na janela / Batalha algum trocado Aponta um canivete / E até... PIVETE Chico Buarque Composição: Francis Hime e Chico Buarque DEDICATÓRIA Dedico este trabalho à todos os adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação que dele participaram e a todos os outros que mesmo em conflito com a Lei, buscam de alguma forma traçar um projeto de vida ou simplesmente alternativas produtivas distantes da criminalidade, mesmo com as angústias e todo estigma social que são alvo, visando sempre o que lhes é mais precioso: a liberdade e a juventude. AGRADECIMENTOS Ao Criador, pelo dom da vida e pela oportunidade de realizações tão significativas nessa breve estada terrestre. Hari Om! Aos meus pais pelo apoio e incentivo. Meu eterno, obrigada! Ao meu companheiro Ricardo Alexandre que esteve presente nesse processo, incentivando e contribuindo para que o meu sonho se realizasse. Meu beijo carinhoso! Aos amigos(as) que contribuíram direta ou indiretamente e que torcem pelo meu sucesso profissional. Beijos mil... Aos(as) adolescentes, que se mostraram disponíveis a explicitarem um pouco de suas histórias de vida. Valeu! A todos os profissionais que participaram deste estudo e que se dedicam a difícil tarefa de educar. Agradeço a acolhida! A Patrícia e a Helena, que se envolveram nas transcrições do material coletado e ao Geraldo Afonso pela minuciosa correção. Obrigada! Aos colegas, professores e demais funcionários da FUNEDI/UEMG, pela parceria, pela contribuição e pelo empenho nesses dois anos de luta. Obrigada por tudo! Ao Professor Alexandre Simões, pelas preciosas orientações e compreensão nos momentos de inquietação. Minha eterna admiração! A Professora Batistina pela eficiente orientação deste trabalho. Agradeço Imensamente! RESUMO O presente estudo é resultado de pesquisa realizada nos 05 Centros Socioeducativos da cidade de Belo Horizonte/MG – responsáveis pelo cumprimento da medida de internação por adolescentes que cometeram atos infracionais. Tais instituições são administradas pela Secretaria de Estado de Defesa Social – SEDS, através da Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas – SUASE. A inclusão produtiva é uma modalidade de ação pedagógica que visa contribuir para a preparação do cidadão e futura inserção no mundo do trabalho. O objetivo geral deste estudo foi o de analisar os desafios e perspectivas da inclusão produtiva para o adolescente, em cumprimento de medida socioeducativa de internação e identificar formas que estejam contribuindo para o seu protagonismo e para sua (re)inserção social. Especificamente buscou-se investigar como o adolescente autor de ato infracional percebe o mundo do trabalho e se já realizou alguma atividade pregressa, bem como a existência de ações efetivas da SUASE, voltadas para a sua socioprofissionalização, visando o cumprimento do ECA e do SINASE. No tocante à metodologia, a investigação é um estudo de natureza qualitativa, fundamentada nos depoimentos dos atores sociais, através de entrevistas semi-estruturadas com os(as) adolescentes e com as Diretoras e a realização de grupos focais com os profissionais das unidades socioeducativas. As informações foram analisadas através da técnica do Discurso do Sujeito Coletivo – DSC de LEFÈVRE & LEFÈVRE. É relevante investigar o processo de inclusão produtiva do adolescente autor de ato infracional, pois essa forma de inclusão pode possibilitar a ele a busca por sua autonomia e a construção de um projeto de vida longe da criminalidade. Foram identificados o crescente envolvimento dos adolescentes com o narcotráfico e a falta de Políticas Públicas que privilegiem a temática em questão, desconsiderando a legislação vigente e os direitos dos adolescentes privados de liberdade. O resultado deste estudo aponta, as dificuldades encontradas pelos adolescentes sobre uma futura inserção no mercado de trabalho. Mas acredita-se que essa lacuna poderá ser preenchida pelo Poder Público através da iniciação socioprofissional desses adolescentes, visando sua futura inclusão produtiva, através de parcerias público-privadas. Palavras-chave: adolescência, medida socioeducativa, socioprofissionalização, inclusão produtiva, trabalho. ABSTRACT The present study is the result of research conducted in 05 socio-educational centers of the city of Belo Horizonte / MG - responsible for enforcing the measure of adolescents hospitalization that have committed crimes. These institutions are administered by the Ministry of Social Defense - SEDS, through the Secretariat of Social Assistance - SUASE. The inclusion is a form of productive pedagogic actions, that contributs to the preparation of citizens and future integration into the world of a job. The aim of this study was to examine the challenges and prospects of productive inclusion for adolescents in socio-admission and identify ways that contributs to their role and to reintegration into society. Specifically we sought to investigate how the adolescent, that was an author of infractions, see the world of work and the one that already done some previous activity and the existence of effective actions of his own, directed to its socio-profissionalization, for compliance with the ECA and SINASE. Regarding the methodology, the research is a qualitative study, based on the speech of social actors, through semi-structured interviews with people and with the Directors and conducting the focus on groups with socio-professional units. The material collected was analyzed using the technique of the Collective Subject Discourse - DSC LEFÈVRE & LEFÈVRE. It is important to investigate the process of productive inclusion of teenagers author of infractions, because this form of inclusion may enable him to search his autonomy and construct a project of life out of the crime life. Was identified the increasing involvement of adolescents with drugs trafficking and lack of policies that emphasizes the theme in question, disregarding the law and the rights of incarcerated adolescents. The results of this study highlights the difficulties found by adolescents on a future integration into the labor market. But its true that this gap can be filled by the Government through socio-professional initiations to these teenagers, seeking their futures productive inclusion, through publicprivate partnerships. Keywords: adolescence, sócio-educative methods, socio-profissionalization, productive inclusion, job. LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURA 1 – Visão geral do Sistema de Garantia de Direitos............................................ 28 FIGURA 2 – Organograma do Sistema de Defesa Social de Minas Gerais........................ 64 FIGURA 03 – Vista frontal do CRSSJ.............................................................................. 124 FIGURA 04 – Vista Interna do CSESC............................................................................. 124 FIGURA 05 – Vista frontal do CSESH............................................................................. 125 FIGURA 06 – Vista interna do CSEST............................................................................. 125 FIGURA 07 – Vista frontal do CEAD............................................................................... 126 FIGURA 08 – Grupo Focal realizado no CSESH.............................................................. 126 FIGURA 09 – Biblioteca do CSESC.................................................................................. 127 FIGURA 10 – Sala de Atendimento decorada.....................................................................127 FIGURA 11 – Enfermaria do CSESH................................................................................. 128 FIGURA 12 – Sala de Aula do CSESC.............................................................................. 128 FIGURA 13 – Esporte no CEAD........................................................................................ 129 FIGURA 14 – Aula de Informática no CEAD.................................................................... 129 FIGURA 15 – Oficina de Informática do SENAC no CSESC........................................... 130 FIGURA 16 – Sala de Oficina Profissionalizante no CSESC............................................. 130 FIGURA 17 – Atividade Artística de adolescente no CRSSJ............................................. 131 FIGURA 18 – Produto Artesanal do CSEST...................................................................... 131 FIGURA 19 – Produto Artesanal do CSESH...................................................................... .132 FIGURA 20 – Produtos Artesanais do CSESC................................................................... 132 FIGURA 21 – Stand do CEAD no 2º Simpósio Mineiro de Assistentes Sociais – Maio /2009 no Minascentro - Belo Horizonte/MG................................................................................ .133 FIGURA 22 – Apresentação Musical do Grupo Tamborlescentes do CEAD no 2º Simpósio Mineiro de Assistentes Sociais-Maio /2009 no Minascentro- BH/MG............................... .133 GRÁFICO 1 – Atores envolvidos no estudo ...................................................................................... 69 GRÁFICO 2 – Atividades realizadas pelos adolescentes antes da internação.................................... 83 QUADRO 1 – Percepções dos adolescentes sobre o mundo do trabalho........................................... 78 QUADRO 2 – Atividades realizadas pelos adolescentes antes da internação................................... 82 QUADRO 3 – Atividades realizadas pelos adolescentes em cumprimento de medida de internação 86 QUADRO 4 – Expectativas de futuro e/ou projetos de vida dos adolescentes após o desligamento da Unidade Socioeducativa...................................................................................................................... 88 QUADRO 5 – Percepções das Gestoras quanto ao direito à profissionalização e proteção ao trabalho, de acordo como artigo 69 do ECA....................................................................................................... 90 QUADRO 6 – Responsáveis pelas ações relativas à socioprofissionalização dos adolescentes......... 92 QUADRO 7 – Ações realizadas na unidade socioeducativa que propiciem o protagonismo dos adolescentes.......................................................................................................................................... 92 QUADRO 8 – Posicionamento dos gestores quanto às ações de inclusão produtiva dos adolescentes 95 QUADRO 9 – Impressões sobre a música Pivete de Chico Buarque e Francis Hime apresentada e relacionada à realidade vivenciada pelos adolescentes......................................................................... 98 QUADRO 10 – Ações e percepções sobre preparação e/ou inserção socioprofissional dos adolescentes .......................................................................................................................................................... 102 LISTA DE TABELAS TABELA 1 – Total de adolescentes em 2008............................................................................ 65 TABELA 2 – Tipo de atos infracionais mais frequentes............................................................ 66 TABELA 3 – Média de idade dos adolescentes......................................................................... 66 TABELA 4 – Etnia dos adolescentes........................................................................................ 66 TABELA 5 – Escolaridade dos adolescentes.............................................................................. 67 TABELA 6 – Tipo de convivência familiar............................................................................... 67 TABELA 7 – População de adolescentes nos Centros Socioeducativos de Internação de Belo horizonte/MG, fevereiro/março de 2009.................................................................................... 68 LISTA DE SIGLAS CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CESAM – Centro Salesiano do Adolescente Trabalhador CONANDA - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas CNS - Conselho Nacional de Saúde DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio Econômicos DGIP - Diretoria de Gestão da Informação e Pesquisa ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente IBICT – Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ISJB – Inspetoria São João Bosco OIT – Organização Internacional do Trabalho OS - Organização Social ONG – Organização não governamental PBH – Prefeitura Municipal de Belo Horizonte PDCA – Planejamento, Execução, Monitoramento e Avaliação PEA – População Economicamente Ativa PUC – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais SEDH - Secretaria Especial dos Direitos Humanos SEDS – Secretaria de Estado de Defesa Social SGD - Sistema de Garantia de Direitos SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo SPDCA - Subsecretaria Especial de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente SUASE – Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas TRT - Tribunal Regional do Trabalho TST - Tribunal Superior do Trabalho UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 12 CAPÍTULO I – ADOLESCÊNCIA E INFRAÇÃO ................................................................ 21 1.1 Aspectos sobre a Proteção Social à Infância e Caracterização da Adolescência ............... 21 1.2 A Constituição “Cidadã”, o ECA e o SINASE .................................................................. 26 1.3 Internação e o processo socioeducativo ............................................................................. 29 CAPÍTULO II - TRABALHO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE ............................................. 36 2.1 Considerações sobre o tema Trabalho ................................................................................ 36 2.2 Aspectos Gerais sobre Educação Inclusiva e a Inclusão Produtiva.................................... 45 2.3 Iniciação socioprofissional de adolescentes e a função das organizações sociais .............. 56 CAPÍTULO III – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................................... 62 3.1 Campo de estudo ................................................................................................................ 62 3.2 Atores da pesquisa .............................................................................................................. 67 3.3 Metodologia ........................................................................................................................ 69 3.4 Obtenção de Informações ................................................................................................... 72 3.5 Aspectos éticos ................................................................................................................... 76 CAPÍTULO IV – INCLUSÃO PRODUTIVA: PERCEPÇÃO DOS DIFERENTES SUJEITOS........ 77 4.1 Adolescentes (A) ................................................................................................................ 78 4.2 Diretores (D) ....................................................................................................................... 90 4.3 Profissionais (P).................................................................................................................. 98 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 105 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 113 APÊNDICES .......................................................................................................................... 120 ANEXOS................................................................................................................................ 134 INTRODUÇÃO [...] é necessário que as atividades profissionalizantes possibilitem ao adolescente o desenvolvimento de habilidades que tenham colocação no mercado de trabalho (VOLPI, 2002, p. 36). A trajetória acadêmica e profissional da pesquisadora possibilitou a definição do tema de interesse e sua relevância para a presente dissertação. Desde o seu ingresso no curso de graduação em Serviço Social pela PUC MINAS, atuou em projetos sociais, mais especificamente na área da criança e do adolescente. Devido a sua motivação profissional, em 2006 concluiu o Curso de Pós-Graduação Lato Sensu – Especialização Interdisciplinar em Adolescência, pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Sendo assim, no período entre 2002 e 2007 atuou no sistema socioeducativo1 de atendimento ao adolescente em conflito com a lei2. Esta atuação teve inicio em unidade de semiliberdade3 e em seguida de internação4, ambas gerenciadas pela Inspetoria São João Bosco – ISJB (organização não governamental – ONG), em parceria com a Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS) e também atuou na Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (SUASE), ligada à SEDS, no cargo de Diretora de Formação Profissional e Saúde do Adolescente. Conforme sua experiência profissional verificou que a inserção no mundo do trabalho5 é almejada por grande parte dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa e é vista por eles como possibilidade “única” para o não retorno à criminalidade. Nesse sentido, entende-se oportuno registrar o seguinte depoimento de um adolescente nas condições supracitadas: ______________ 2 O termo Sistema Socioeducativo refere-se ao conjunto de todas as medidas privativas de liberdade (internação e semiliberdade), as não privativas de liberdade (liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade) e a internação provisória. 2 O adolescente em conflito com a lei é aquele que cumpre medida socioeducativa, a saber: advertência, reparação do dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. 4 A semiliberdade é uma medida socioeducativa que não comporta prazo determinado e afasta o adolescente do convívio familiar, mas não o priva totalmente de seu direito de ir e vir (Art. 120 do ECA). 4 A Internação constitui medida privativa de liberdade sujeita aos princípios de brevidade e excepcionalidade e é aplicada aos adolescentes que cometem atos graves e não comporta prazo determinado (Art. 121 do ECA). 5 A inserção do adolescente no mundo do trabalho seja ele formal ou informal, será denominada pela pesquisadora como Inclusão Produtiva, bem como toda qualificação socioprofissional voltada para a geração de trabalho e renda. 13 [...] A vida do crime é assim, você entra brincando, mas para sair é difícil... Falei com Deus que já tinha aprontado muito, mas se Ele me desse mais uma oportunidade... eu ia cumprir tudo e que queria ter um emprego quando saísse de lá. Precisa ter apoio, mas a primeira coisa é a gente querer mudar... porque as tentações são muitas. Tive apoio de minha família, da minha mulher, dos Salesianos e agora do pessoal do restaurante. Eu agradeço muito essa oportunidade, o trabalho é ótimo. Tenho sonho de construir uma casa, morar com minha mulher e meu filho. O Renato6 do passado não existe mais. (ENTREVISTA DE UM ADOLESCENTE QUE TEVE EXPERIÊNCIA DE INCLUSÃO PRODUTIVA, 2003). Diante do depoimento deste adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de semiliberdade, que a pesquisadora teve a oportunidade de acompanhar no período de 2002 à 2004, pode-se verificar que a inclusão produtiva é vista nesse depoimento como uma “válvula de escape” para se livrar do envolvimento com o tráfico de drogas e com a criminalidade e também como uma alternativa de se construir um projeto de vida lícito. O acompanhamento de adolescentes envolvidos em atos infracionais ainda é um desafio, pois os atos infracionais cometidos pelos mesmos são permeados por fatores sociais, econômicos, políticos e principalmente subjetivos. Fatores intensos e por vezes contraditórios, onde em muitos casos a necessidade de sobrevivência leva o adolescente ao envolvimento com o narcotráfico, que passa a ser a uma das formas de sustento da família, levando-o para um ciclo vicioso, onde o foco é a criminalidade, mesmo depois do cumprimento de medida socioeducativa. Todos esses fatores podem ser percebidos pelos profissionais durante o processo socioeducativo do adolescente e estão presentes em suas trajetórias de vida e na maioria das vezes refletem negligência, exploração, violência, pobreza, submissões e exclusão social. Diante deste contexto muitos projetos de vida construídos por eles não se efetivam. Em alguns casos, esta impossibilidade é permeada pela falta de apoio familiar e de Políticas Públicas que permitam aos adolescentes o gerenciamento de suas vidas distante da criminalidade. Para Alberti (2004) a desistência dos pais para com os filhos é assustadora, pois o adolescente se vê perdido e em completo desespero e normalmente inicia uma busca que poderá resultar em catástrofe. Para a autora esta é uma fase de transição e todo o adolescente busca reconhecimento e possibilidade de escolhas. Estar diante de um adolescente com perspectivas educativas e produtivas e muitas vezes se deparar com uma gama de situações como baixa escolaridade, evasão escolar, exclusão social, entre outras, produz tanto no adolescente como no profissional das unidades socioeducativas a emergência de sensações intensas: nos primeiros a falta de possibilidades de ______________ 6 O nome do adolescente citado é fictício, de acordo com artigo 17 do ECA. 14 escolha e no segundo a constante impotência de se realizar efetivamente um trabalho socioeducativo. De certa forma, esse quadro permite o questionamento dos múltiplos aspectos da prática socioeducativa e a necessidade de um trabalho interdisciplinar que irá despertar no adolescente sua autonomia, ou melhor, seu protagonismo. O termo protagonismo juvenil é definido por Costa (1999, p. 179) como “modalidade de ação educativa, é a criação de espaços e condições capazes de possibilitar aos jovens envolverem-se em atividades direcionadas à solução de problemas reais, atuando como fonte de iniciativa, liberdade e compromisso.” O protagonismo juvenil está diretamente ligado à participação dos adolescentes nos diversos espaços coletivos e sociais, legitimando sua cidadania, pois ele passa a ser o agente de uma ação. Tal protagonismo muitas vezes, pode ser descaracterizado por uma série de dificuldades – incompleta efetivação dos direitos elencados no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), desvalorização social do trabalho que realizam, permanência de práticas referendadas pelo antigo Código de Menores (1979), entre outras – encontradas muitas vezes no desenrolar do próprio processo socioeducativo. Um contexto de privação de liberdade com base apenas na contenção e punições, limita a participação dos adolescentes nos espaços de decisões coletivas. Isto pode ocasionar uma maior segregação do adolescente autor de ato infracional7 e o consequente fortalecimento das relações e vivências típicas do “mundo do crime”8, dificultando ainda mais a sua inclusão social e produtiva. A inclusão produtiva significa uma modalidade de ação pedagógica voltada para o cidadão em situação de vulnerabilidade pessoal e/ou social acima de 16 anos de idade, no sentido de contribuir para sua preparação e futura inserção no mundo do trabalho. De acordo com o Dicionário de Termos Técnicos da Assistência Social (2007), segue seu objetivo principal: A inclusão produtiva tem por objetivo qualificar o cidadão para sua inserção no mundo do trabalho através da formação, qualificação profissional e projetos de geração de trabalho e renda. São oferecidos cursos através de uma ação pedagógica orientada a formar cidadão a partir de 16 anos em situação de risco social ou pessoal (BELO HORIZONTE, 2007. p. 51). ______________ 7 Ato Infracional é conduta descrita no ECA como crime ou contravenção penal. “Mundo do Crime” é uma expressão utilizada constantemente pelos adolescentes envolvidos em atos infracionais para identificar as relações estabelecidas com a criminalidade. 8 15 Diante disso, alguns questionamentos se fazem pertinentes: Quais as formas de (re)inserção social dos adolescentes envolvidos em atos infracionais? Como os adolescentes envolvidos em atos infracionais percebem o fazer profissional? Qual o nível de escolaridade desses adolescentes? Existem iniciativas de parcerias público-privada no tocante a profissionalização dos adolescentes visando o cumprimento do ECA e do SINASE? Como esses adolescentes estão sendo preparados e absorvidos pelo mundo do trabalho? Existem políticas públicas efetivas voltadas para a inclusão produtiva desse adolescente? Se existem quais e como? Segundo pesquisa realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – DIEESE (2001), tendo como base o ano de 1999, em seis capitais9 do país, revela altas taxas de desemprego entre os jovens10 maiores de 16 anos incluídos na População Economicamente Ativa (PEA). Em Belo Horizonte a taxa de desemprego ficou em 30,3% e a mais elevada foi em Salvador, chegando a 43,2%. Mesmo com índices elevados em todas as capitais pesquisadas, permanecem distorções, se comparadas as regiões sudeste com nordeste, pois esta última região é reconhecida por taxas acentuadas de pobreza. A Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2001) confirma tal situação, no que diz respeito às taxas de desemprego total e juvenil no Brasil, que cresceram entre 1989-1999, colaborando para isto as mudanças econômicas, tecnológicas e as crises financeiras. A OIT considera como “crítico” o desemprego juvenil, não só no Brasil como em diversos países da América Latina e em alguns da União Européia. Em 2009, a taxa de desemprego (PEA), em seis das principais regiões metropolitanas do País ficou em 15% em julho, segundo dados divulgados pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE) e pelo Departamento Intersindical de Estudos Socioeconômicos (DIEESE). O desemprego praticamente não se alterou em relação ao mês de junho, quando estava em 14,8%, mas subiu em relação a julho de 2008, quando estava em 14,6%. O contingente de desempregados aumentou em 45 mil pessoas nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, São Paulo e Distrito Federal, para 3.029 milhões. ______________ 9 As áreas metropolitanas pesquisadas, com altas taxas de desemprego entre os jovens, foram: São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador e Distrito Federal. 10 De acordo com o IPEA, jovem é aquele que possui idade entre 18 e 24 anos, mas a pesquisa do DIEESE citou jovem e inclusive o colocou como maiores de 16 anos, mas mesmo assim a pesquisadora optou pela pesquisa em referência para ilustrar a problematização, devido a escassez de dados específicos de adolescentes. Ao longo do texto foram utilizados também outros autores que citam o termo jovem. 16 O segmento jovem da população brasileira, na busca por inserção no mercado de trabalho, tem enfrentado as dificuldades deste cenário econômico. A pesquisa de 2001 citada demonstrou que o desemprego entre a população jovem supera o da população adulta; esta é uma realidade não somente brasileira como mundial. Estima-se que cerca de 60 milhões de jovens em todo o mundo estejam desempregados ou em empregos precários. É significativo o fato de que em momentos de crise econômica os jovens sejam um dos primeiros a perder o posto de trabalho, uma vez que não são considerados como aqueles responsáveis pelo sustento de uma família (FORTUNY, 2001). Essa constatação de Fortuny nos faz refletir que, ao mesmo tempo que é natural o jovem perder seu emprego em momentos de crise, não se pode generalizar que os jovens não sejam os responsáveis diretos pela família. Pois constatamos nesse estudo, que muitos adolescentes são arrimo de seu grupo familiar e como não conseguem colocação no mercado de trabalho e/ou a remuneração é pequena, optam pela criminalidade. A pesquisa do DIESSE, citada acima, permite vislumbrar uma pequena faceta do cenário nacional e evidencia a difícil recolocação daqueles que estavam empregados e perderam seus empregos, quanto mais a busca e obtenção do primeiro emprego. Diante dessa realidade consideramos que existem iniciativas público-privadas pontuais e pulverizadas em relação a socioprofissionalização11 do adolescente em conflito com a lei, porém elas não se configuram enquanto políticas públicas efetivas preconizadas no ECA e no SINASE. A educação formal e a qualificação profissional são aspectos essenciais, mas não são fatores suficientes para garantir a inserção do adolescente em conflito com a lei no mercado de trabalho e na sociedade, porque depende de fatores externos inerentes a situação socioeconômica de cada indivíduo. A inclusão produtiva para o adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de internação é fundamental, mas não suficiente para garantir o protagonismo e a (re)inserção social do mesmo, porque diante das propostas “atrativas” do narcotráfico, muitas optam por continuarem em conflito com a lei. Essas hipóteses foram analisadas no decorrer do processo da presente pesquisa. Segundo o artigo 69 do ECA, “o adolescente tem direito à profissionalização e à proteção no trabalho, observados os seguintes aspectos, entre outros: I - respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento; II - capacitação profissional adequada ao mercado de ______________ 11 Na maioria dos textos e documentos legais o termo citado é profissionalização e que será utilizado neste estudo de socioprofissionalização, que nada mais é do que a educação para o trabalho. 17 trabalho.” E o SINASE12 no tocante à Profissionalização, Trabalho e Previdência, legitima que se faz necessário: Encaminhar os adolescentes ao mercado de trabalho desenvolvendo ações concretas e planejadas no sentido de inserí-los no mercado formal, em estágios remunerados, a partir de convênios com empresas privadas ou públicas, considerando, contudo, o aspecto formativo.” (SINASE, 2006, p. 64). Nessa mesma perspectiva, Volpi (2002) defende que os adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas devem ser orientados pela concepção do trabalho como princípio educativo. Ele cita também que pesquisas anteriores ao ECA registraram que a maioria dos “adolescentes internos13” apresentava uma concepção negativa em relação ao trabalho, devido à obrigação de realizar atividades sem utilidade prática e muitas vezes vexatórias, utilizadas apenas como punição. Para ele as atividades profissionalizantes e o trabalho não podem ser utilizados como castigo, mas como uma importante dimensão da vida humana. Michel Foucault (2008) também deixa claro que as formas de repressão, por si só, não constituem em aderência as atividades de forma geral, nem tampouco refletem na mudança da trajetória infracional do sujeito. Enfatiza este autor, que apenas o receio à punição não será o suficiente para agir sobre o “detento”, sendo certo que o mesmo deverá se conscientizar. Torna-se necessário ao indivíduo fazer um trabalho consigo mesmo, nas profundezas de sua própria consciência para poder introjetar sua real mudança no tocante a sua conduta social. Nesse contexto, consideramos que as unidades socioeducativas têm o papel fundamental de contribuir para tal, através de ações socioeducativas de qualidade e que favoreçam esse aspecto. O trabalho, em qualquer cultura, é uma condição para que as pessoas se posicionem, digam qual o papel que exercem e qual a sua importância na sociedade. Torna-se, assim, impossível separar o trabalho da vida, uma vez que é uma atividade social presente em todas as sociedades, embora possa receber diferentes definições (BLASS, 1998). Além disso, a entrada do adolescente para o mercado de trabalho apresenta variáveis de acordo com cada região em que vive e suas tendências culturais. ______________ 12 O Tema Profissionalização, Trabalho e Previdência, comum a todos os programas que executam a internação provisória e as medidas socioeducativas, pode ser verificado no SINASE, no eixo temático 6.3.7, especificamente no 6.3.7.1 do item quatro. 13 O autor Volpi (2002) designa de “adolescentes internos” aqueles em cumprimento de medida socioeducativa de internação, delineados no presente estudo. 18 A ausência de políticas de geração de emprego e renda para o adolescente colabora para a instalação de uma “geração insegura”, pois segundo Machado (2001), os jovens são importantes agentes de mudanças, e quanto mais tardia é a sua entrada no mercado de trabalho, mais demorada se torna a chance de ser independente. A dificuldade de se estabelecer profissionalmente compromete a vida do jovem e principalmente do adolescente não só nos aspectos psicológicos, fisiológicos, mas gera dificuldades econômicas, refletindo na dinâmica da sociedade. Verifica-se, portanto, a extrema importância da iniciação socioprofissional do adolescente, nesse momento de mudanças. Os adolescentes também precisam viver experiências grupais, a fim de suprir necessidades afetivas e de apoio. Segundo Maakaroun et al. (1991, p. 06), “o adolescente não se separa da turma, nem de seus caprichos e modas [...]. Ele é profundamente dependente dos valores e julgamentos do grupo [...].” Esses grupos, que são criados na escola, no trabalho, entre outros locais, levam os adolescentes a experimentar sensações de pertencimento, identificação e uma enorme gama de sentimentos que são essenciais para seu pleno desenvolvimento. Podemos considerar a inclusão produtiva desse adolescente um fator essencial para favorecer essas experiências grupais, pois o ser humano precisa encontrar um sentido para sua vida, algo em que valha a pena investir (FRANKL, 1999). A entrada para o mercado de trabalho se torna uma espécie de ritual de passagem, significando a passagem da adolescência para a idade adulta, onde terá a oportunidade de construir sua própria vida (OIT, 2001). No contexto das relações capitalistas, a capacidade de consumir credencia e qualifica o sujeito e interfere na maneira de vivenciar sua ascensão social. No caso específico do Brasil, onde a desigualdade social é marcante, isto se torna mais visível. Muitos sujeitos, diante desta realidade, encontram no narcotráfico e na criminalidade a alternativa para ter acesso aos bens de consumo. Para isto, colocam suas vidas em risco através do enfrentamento permanente, tentando alcançar o tão almejado status social, através do consumismo. Essa lógica é a que rege o mundo do adolescente e é estimulada pela sociedade de consumo que incentiva o acúmulo de bens materiais a curto prazo. Isto gera ansiedade e frustração, na medida em que ele é estimulado a ter acesso ao que é colocado como valor social e de status no momento. Para analisar essas questões é necessário refletir sobre a política de proteção à criança e ao adolescente no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988 (CF/88), com o 19 advento do ECA e do SINASE, além disso refletir sobre os desafios e as perspectivas do mundo do trabalho no contexto social, político e econômico brasileiro. O objetivo geral dessa pesquisa é analisar os desafios e perspectivas da inclusão produtiva para o adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de internação e identificar formas que estejam contribuindo para o seu protagonismo e para sua (re)inserção social. Especificamente buscou-se investigar como o adolescente autor de ato infracional percebe o mundo do trabalho e se já realizou alguma atividade pregressa e registrar o nível de escolaridade e os tipos de atividades educativas e produtivas internas e externas realizadas pelo adolescente na unidade socioeducativa de internação. Além disso, buscou-se compreender como a unidade socioeducativa de internação estimula o protagonismo do adolescente tendo em vista sua iniciação socioprofissional e investigar a existência de ações efetivas da SUASE voltadas para a socioprofissionalização do adolescente, visando ao cumprimento do ECA e do SINASE e analisar os seus desafios e perspectivas. A investigação foi realizada numa abordagem qualitativa. Iniciamos com análise documental, baseada em dados e informações estatísticas coletadas na Diretoria de Gestão da Informação e Pesquisa (DGIP) da SUASE e no setor administrativo do próprio Centro Socioeducativo. O presente estudo justifica-se na medida em que busca evidências do funcionamento dos Centros Socioeducativos, bem como os desafios e perspectivas da inclusão produtiva para o adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de internação. Além disso, contribui para identificar as relações estabelecidas por eles com a criminalidade que engendram a experimentação ocupacional, ou seja, as atividades ilegais. Existe uma escassez de estudos acadêmicos que priorizem a temática em questão, pois os estudos encontrados abarcam de forma tangenciada14 a questão da iniciação socioprofissional de adolescentes e a perspectiva que adotamos foi a da inclusão produtiva. Pelo senso comum, mesmo após o advento do ECA, ainda admite-se que o adolescente autor de ato infracional é meramente “o Menor Infrator” sujeito apenas às medidas coercitivas e de contenção e que não necessita de oportunidades. No entanto, não se ______________ 14 Geralmente os trabalhos envolvendo o adolescente autor de ato infracional enfocam a legislação, o atendimento, a família do adolescente, sua relação com substâncias entorpecentes, as causas da violência, entre outros. No tocante às questões relativas ao mercado de trabalho e/ou a profissionalização dos adolescentes em conflito com a lei, poucos trabalhos foram encontrados e nenhum utilizando-se o termo Inclusão Produtiva. 20 problematiza como o sistema socioeducativo contribuirá para a (re)inserção social deste adolescente. Portanto, tornou-se relevante investigar os desafios e perspectivas do processo de inclusão produtiva do adolescente autor de ato infracional que cumpre medida socioeducativa de internação, o que poderá possibilitar a busca por sua autonomia e a construção de um projeto de vida longe da criminalidade. Isso ainda se configura como um grande desafio na sociedade contemporânea, diante do estigma que esse adolescente é alvo e da escassez de Políticas Públicas que privilegiem a temática em questão. Dessa forma, inicialmente serão tratados os aspectos sobre Adolescência e Infração no capitulo I. A seguir discutiremos sobre Trabalho, Educação e Sociedade no Capitulo II. No Capítulo III, foram enfatizados os aspectos metodológicos. Ao final, foi analisado como o adolescente, em cumprimento de medida socioeducativa de internação, percebe o mundo do trabalho, se já havia realizado alguma atividade pregressa e quais atividades estavam inseridas no momento do cumprimento da medida. Além disso, buscou-se compreender a visão dos profissionais relativa à temática em questão e analisar os seus desafios e perspectivas, tendo em vista sua iniciação socioprofissional, bem com a existência de ações efetivas da SUASE visando o cumprimento do ECA e do SINASE. CAPÍTULO I – ADOLESCÊNCIA E INFRAÇÃO 1.1 Aspectos sobre a Proteção Social à Infância e Caracterização da Adolescência Para delinearmos os aspectos sobre a adolescência torna-se necessário iniciar este capítulo com um breve histórico sobre a infância e a juventude, sem perder de vista algumas concepções sócio-jurídicas no Brasil até o início da década de 80 e em seguida entraremos no tema propriamente dito. Segundo Del Priore (1996), até o século XVI tanto crianças como adolescentes eram vistos como pequenos adultos e a infância era considerada um período de total dependência física. Desde o século XVII, as autoridades brasileiras já enfrentavam o problema do abandono, constatando um elevado número de crianças e adolescentes nas ruas e terrenos baldios, sobrecarregando com isso o orçamento público e tornando precária a assistência. Para atenuar esse problema, seguindo a antiga tradição portuguesa, foi fundada na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, em 1738, a Roda15. A promulgação da Lei do Ventre Livre, em 1871, favoreceu o aumento do número de crinças pardas e negras abandonadas e não trouxe benefícios para os filhos de escravos. Visando lucros, muitos senhores de escravos abandonavam os filhos de escravos e vendiam suas mães como amas de leite. Os abandonados eram deixados nas Casas dos Expostos, conhecidas como Casas da Roda, forma típica de atendimento nos séculos XVIII e XIX, onde permaneciam de um a dois meses. Aqueles que sobrevivessem eram enviados à criadeiras, pagas pelas Santas Casas de Misericórdia e, após sete anos, eram encaminhados a famílias adotivas ou ao Artesanal de Marinha, no caso dos meninos, e ao Recolhimento de Órfãs, no caso das meninas. Del Priore (1996) relata que a Roda recebeu, aproximadamente, 42.200 “enjeitados”, durante os séculos XIII e XIV na Europa. Era procurada por pessoas pobres, sem condições financeiras para criarem seus filhos; pela elite, no caso de mulheres que não podiam assumir um filho ilegítimo, ou por adultério e, também, por senhores que abandonavam adolescentes escravos. A Roda foi criada com o objetivo de salvar a vida de recém-nascidos abandonados mas, em consequência dos altos índices de mortalidade, passou a adotar medidas de higiene e práticas de puericultura. Deu-se espaço para a investida médica ______________ 15 “A roda era um dispositivo cilíndrico, dividido em duas partes, dando, respectivamente, uma para a rua e outra para o interior da Santa Casa. Era assistida por uma ama-rodeira, que, dia e noite, vigiava a entrega dos expostos, tendo como obrigação dar logo parte ao Magistrado da Terra, ou administrador da Roda, da sua entrada.” (DEL PRIORE, 1996, p. 30) 22 e, por volta de 1872, pediatria e filantropia se associaram, iniciando, assim, uma preocupação voltada à saúde no atendimento à infância. Com o surgimento dos primeiros internatos, iniciou-se o processo de substituição das Casas da Roda. No século XIX, devido à quantidade de “enjeitados” a sociedade contou com uma vasta população de anônimos, e nesse período foram redefinidos os papéis sociais de mulheres, crianças e adolescentes. Fato esse, devido ao avanço acelerado da industrialização e e pela organização do operariado. A partir do século XX, movimentos sociais, principalmente de médicos e filantropos, pressionaram o Estado no sentido de proteger o menor. O órfão, o abandonado e o adolescente delinquente passaram a merecer atenção especial. As primeiras legislações destinadas à criança e ao adolescente foram criadas no final do século XIX. Entre as décadas de 20 e 30, período em que se deu a aprovação do primeiro Código de Menores (1927), com a desativação da Roda dos Expostos (1938) e a criação e regulamentação por parte do Poder Judiciário, do Juizado de Menores e de todas as entidades auxiliares, o Estado passa a ser o responsável legal pela tutela da criança órfã e abandonada. Enquanto diversos países ditos avançados ainda admitiam o castigo físico, a legislação brasileira já se encaminhava no sentido da proteção à infância, por mais perigoso que fosse o menor ou por mais grave que fosse a sua infração. O Código de Menores delegava aos Estados da Federação Brasileira a execução do atendimento, que se caracterizou, no período de 1930/1945, pela intervenção dos Estados no controle da população carente. Em 1938, foi criado o Serviço Social de Menores, através do Decreto nº 9.744 e, a partir de 1947, passou a subordinar-se à Secretaria da Justiça e Negócios do Interior, tornando-se, então, o órgão executivo da Política Estadual de Assistência ao Menor. Nessa época, os menores apreendidos nas ruas, independentemente das causas, eram recolhidos ao abrigo de triagem do Serviço Social de Menores. De um modo geral, os menores abandonados e infratores recebiam a mesma denominação, ou seja, todos eram tratados como infratores. (DEL PRIORE, 1996) Tentando prestar atendimento aos adolescentes “desvalidos e infratores”, o Estado autoritário criou o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), em 1942. Tratava-se de um órgão do Ministério da Justiça que atuava em caráter correcional-repressivo, o equivalente a um sistema penitenciário para a população menor de idade. Seu atendimento baseava-se em internatos (reformatórios e casas de correção) para adolescentes autores de infração penal e de patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos para os menores carentes e abandonados. (DEL PRIORE, 1996) 23 Nas décadas de 40 e 50, ampliou-se a discussão sobre o problema do menor, contribuindo para o surgimento do primeiro documento legal de âmbito internacional: a Declaração Universal dos Direitos da Criança, aprovada em 1959 pela Assembléia Geral das Nações Unidas. No período entre 1946 e 1964, o Estado brasileiro passou por transformações, de tal forma que o gasto social público fortaleceu segmentos do setor empresarial e atendeu às necessidade básicas dos setores mais vulneráveis da população. A partir dessa declaração, um forte movimento de sensibilização se alastrou pelo mundo, no sentido de rever o trato com a infância, tanto nas relações privadas quanto principalmente na esfera das políticas públicas. O regime militar de 1964 veio destruir a política social no Brasil, passando a ser usada para outros fins. No entanto, o período pós-64 introduziu alterações significativas nos padrões de proteção social à criança e ao adolescente. (DEL PRIORE, 1996). Para o atendimento aos direitos da criança e do adolescente em circunstâncias difíceis, o Estado criou a Lei 4.513/64, que estabelecia a Política Nacional de Bem-Estar do Menor e a Lei 6.697/79 (Código de Menores), que tratava da proteção e vigilância aos menores em situação irregular. Estas medidas destinavam-se ao menor carente, ao abandonado e ao infrator. (DEL PRIORE, 1996). No Código de Menores/79, não há distinção de gênero entre adolescentes. Os mesmos não são definidos como sujeitos de direitos e não há menção a deveres do Estado e da sociedade ou de penalidades previstas para violadores. No início da década de 70, formulouse uma Política Nacional de Atendimento à Criança, através da criação da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), extinguindo o antigo SAM. (DEL PRIORE, 1996). Em seus primeiros anos de existência, a FUNABEM deu prioridade à melhoria dos serviços de atendimento existentes como internatos, à implantação de serviços de recepção, triagem e centros de reeducação. Estimulou a montagem de uma rede urbana de programas para atender a população infanto-juvenil na sua comunidade, além de serviços especiais. Passou também a exigir estruturas específicas para berçário e creche, atendendo crianças de zero a seis anos. Em meados dos anos 80, a sociedade brasileira, através dos movimentos sociais, começou a reagir contra as diretrizes apresentadas juridicamente, visando libertar a criança e o adolescente das condições precárias de atendimento e a ineficácia de seus programas sociais. Posteriormente, serão explicitados os avanços significativos em termos jurídicos e sociais ocorridos com a promulgação da Constituição Federal de 1988. A seguir entraremos no tema da adolescência, alvo do presente capítulo. 24 A adolescência16 para Maakaroun (1991, p. 3) é “um periodo de transição entre a infância e a idade adulta, continuando um processo dinâmico de evolução da vida, iniciado com o nascimento”. Esse período correponde a segunda década da existência e essa fase do desenvolvimento humano pode ser caracterizada como uma das construções identitárias culturais mais significantes da sociedade contemporânea. Dessa mesma forma, o historiador Ariés (1981) entendeu a fase denominada adolescência como uma importante etapa da vida, no sentido de ser um momento de reconhecimento social para o indivíduo e denominou o desenvolvimento humano como “idades da vida”. A maturação biológica é comum à espécie humana, sendo denominada de puberdade, termo que o senso comum confunde com a palavra adolescência. A pubescência é entendida como a etapa em que acontecem as modificações físicas que levam à puberdade, período em que a maturidade reprodutiva é obtida e segundo Maakaroun (1991, p. 3) “a puberdade inaugura biologicamente a adolescência.” Essas variações físicas recebem a influência dos fatores genéticos e ambientais, bem como da qualidade de vida e do histórico familiar. Por esses motivos o início e duração dessa fase variam de indivíduo para indivíduo, mas as modificações puberais são inerentes ao adolescente de forma geral. Contudo, o crescimento pode acontecer de modo que partes diferentes do corpo se desenvolvam mais rapidamente que outras. Segundo Aberastury e Knobel (1981), do ponto de vista psicanalítico, a revolução psicológica da adolescência pode ser comparada a um processo de luto através das perdas reais ou simbólicas, pois o adolescente tem de elaborar a perda do corpo e identidade infantil dos pais e da infância. Na adolescência a auto-imagem que foi construída na infância, tem que ser desconstruída a partir das novas mudanças corporais, dos novos modelos de relacionamento desencadeados com o mundo e consigo mesmo. No tocante a socialização, os adolescentes precisam viver experiências grupais, a fim de suprir necessidades afetivas e de apoio. Segundo Maakaroun et al. (1991, p. 6), “o adolescente não se separa da turma, nem de seus caprichos e modas [...]. Ele é profundamente dependente dos valores e julgamentos do grupo [...].” Esses grupos, que são criados na escola, no trabalho, entre outros locais, levam os adolescentes a experimentar sensações de pertencimento, identificação e uma enorme gama de sentimentos que são essenciais para seu pleno desenvolvimento. ______________ 16 Os dados desse tópico têm por base o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e autores como: Erikson, Philippe Áries, Arminda Aberastury, Maurício Knobel, Contardo Calligares, Marília Maakaroun, Peter Blos e Musss. 25 Em seu processo de individuação e de construção da sua identidade, o adolescente busca referências nos seus pares, expressando uma crítica às regras, crenças e atitudes do mundo adulto. A crítica denota a capacidade do adolescente, cada vez mais consolidada no sentido de formular seus próprios pensamentos sobre a realidade social. O comportamento “rebelde” e agressivo a todo momento em relação ao adulto, é resultado da crítica que o adolescente consegue fazer nesta etapa. Sendo assim, a convivência no grupo é fundamental para o adolescente aprender formas de sociabilidade referentes à sua idade, seu gênero e sua condição social, a fim de nortear seu processo de busca da autonomia. O processo de amadurecimento do adolescente e a construção de sua identidade é um processo angustiante, principalmente na sociedade contemporânea onde os valores humanos estão em constante processo de transformação. A puberdade é um processo que atinge todos os seres humanos, porém a adolescência não é um fenômeno universal, pois não são todos os adolescentes que deixam a infância em direção a vida adulta, vivenciando os mesmos conflitos e tensões no mesmo espaço temporal. (MAAKAROUN, 1991) A definição de adolescência não é única, pois existem muitas tentativas de definição do termo e da faixa etária que a delimita. Cada cultura possui um conceito próprio de adolescência, baseando-se sempre nas diferentes idades para definir esse período. O consenso é o de que a adolescência é representada por um papel social, ou ainda uma fase simultânea à puberdade na qual o indivíduo constituirá seus relacionamentos, sua individualidade e estará introjetando costumes e regras. Segundo Calligares (2000, p. 77), “o termo adolescência passou a ser usado a partir do século XX, por Granville Stanley Hall, que já a considerava uma etapa na qual os jovens precisavam de proteção por mais tempo”. Em decorrência dessa percepção de Granville desenvolve-se a defesa dos direitos juvenis, e os jovens de sua época passaram a ter escolarização obrigatória. Dentre as diversas concepções que compõem esta fase da vida, considera-se nesse estudo, o período da adolescência segundo o critério cronológico adotado pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (ECA), citado no artigo 2º e definido através da faixa etária compreendida entre doze e dezoito anos de idade. A adolescência não é vivida de um único modo em todas as sociedades. No caso do Brasil, segundo o ECA ela é situada entre 12 e 18 anos e como sugere a Organização Mundial de Saúde – OMS (1975), entre 10 e 19 anos. A oscilação nesses limites deve-se ao 26 fato de que o critério etário não é suficiente para caracterizar essa fase, pois nesta é necessário considerar também o aspecto social e histórico, fundamental na sociedade contemporânea. No Brasil, a adolescência apresenta características específicas, que variam de acordo com a camada ou classe social, com o gênero, com o período histórico e com a cultura em que o adolescente está inserido (ALVES-MAZZOTTI, 2002). A fase da adolescência pode ser considerada a partir da emergência de novas formas de sociabilidade dos adolescentes com as diferentes esferas da vida social, quando passam a viver sentimentos conflitantes e procuram autonomia e independência diante dos pais e dos adultos e amparo nos grupos afins. Para Erikson (1991), citado por Maakaroun (1991), “[...] a adolescência é considerada como um período crucial para a formação da identidade. Somente neste estágio, a pessoa localiza, verdadeiramente, seu Ego no tempo e no espaço [...].” Para o adolescente, esse é um período de transformação, importante para o desenvolvimento da personalidade através da participação, o que lhe propicia assumir uma postura protagonista em relação aos diferentes contextos sociais. Nas sociedades capitalistas ocidentais a adolescência constitui uma fase de transição conturbada, que tende a prolongar-se inclusive nos países economicamente mais desenvolvidos (UNESCO, 1981). É neste contexto social, plural e sistêmico que se busca considerar o desafio de tantos adolescentes crescerem nas adversidades, como sujeitos sociais, sujeitos de direitos e deveres e protagonistas de suas próprias histórias. 1.2 A Constituição “Cidadã”, o ECA e o SINASE É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente com absoluta prioridade o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Art. 227 da Constituição Federal de 1988) O tema “infância e adolescência” ganhou grande visibilidade no Brasil, principalmente no final da década de 80, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, chamada de “Cidadã”, quando avanços significativos em termos jurídicos e sociais 27 foram introduzidos no ordenamento jurídico pátrio. Aboliu-se o emprego do termo “menor17” carregado de preconceitos e estigmas, referindo-se à criança e ao adolescente menores de 18 anos, em situação de abandono, como infratores ou delinquentes. Sendo assim, a criança e o adolescente passaram a ser vistos, ao menos na Legislação, como sujeitos de direitos, com prioridade absoluta, alvo de responsabilidade do Estado e da sociedade civil. A Constituição Cidadã, em seu Art. 227, consolidou assim no Brasil, a Doutrina da Proteção Integral, e ao observar a estrutura do caput deste artigo, nota-se que ali existem dois agrupamentos de direitos da criança e do adolescente e de deveres da família, da sociedade e do Estado. O primeiro diz respeito aos direitos que devem ser promovidos: o direito à vida, à educação, ao lazer, à liberdade, à convivência familiar e comunitária. E o segundo agrupa situações em relação às quais a criança e o adolescente devem ser defendidos, situações das quais devem eles ser colocados a salvo de qualquer mal, como de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. A partir desses pontos, como resultado de movimentos de mobilização e organização social, foi promulgado em 13 de julho de 1990 o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/90 e com este dispositivo, esta população específica passou a ser detentora de direitos atribuídos a todos os cidadãos além de outros especiais pela sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. O Estatuto da Criança e do Adolescente, apresentou e representou em nossa sociedade contemporânea um considerável avanço nas garantias dos direitos da infância e da juventude. Este documento legal representa uma verdadeira revolução em termos de doutrina, ideias, práxis, frente à criança e ao adolescente. Ele expressa os novos direitos da população infanto-juvenil brasileira, inovando em termos de concepção geral e processo de elaboração. Costa (1996) ressalta que o Estatuto transformou em Lei maior a proposta gerada no seio da sociedade civil, tendo importante participação em comissões municipais e, em uma segunda etapa, o Fórum de Defesa da Criança e do Adolescente. Ressalte-se que o ECA apresenta um novo conceito de infância e adolescência, pois é um documento que traz uma nova maneira de se pensar e perceber as diversas situações em que se encontram tantas crianças e adolescentes. O ECA é um documento jurídico que estabelece direitos e deveres, e explicita na sociedade brasileira a personalidade jurídica da criança e do adolescente. Refere-se à criança e ao adolescente como pessoas em desenvolvimento, e isso diz respeito a todas, não apenas ______________ 17 O termo “menor” ainda continua sendo utilizado pelo senso comum e pela mídia no sentido de desqualificar a criança e o adolescente e inviabilizar o ECA. 28 como grupo estigmatizado, por estar em situação de risco pessoal e/ou social ou por estar em conflito com a lei. Com o objetivo de concretizar os avanços contidos no ECA e contribuir com o Sistema de Garantia de Direitos (SGD)18 dos adolescentes em conflito com a lei, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA)19 responsável por deliberar sobre a política de atendimento à infância e adolescência, no ano de 2002 juntamente com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), entre outros, realizaram encontros em âmbito municipal, estadual e nacional com os operadores dos SGD, no sentido de debater e avaliar a proposta de Lei referente a elaboração de parâmetros e diretrizes para a execução das medidas socioeducativas. A figura mostra a estrutura do SGD: FIGURA 1 – Visão geral do Sistema de Garantia de Direitos Fonte: SINASE (2006) Como resultado desses encontros, em fevereiro de 2004 a SEDH, por meio da Subsecretaria Especial de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente (SPDCA), em conjunto com o CONANDA e com o apoio do Fundo das Nações Unidas pela Infância (UNICEF) sistematizaram a proposta do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). Em 2006, fruto de uma construção coletiva dos operadores do Sistema de Garantia de Direitos foi entregue à sociedade o SINASE. Documento legal organizado em dez capítulos que objetiva o desenvolvimento de uma ação socioeducativa sustentada nos princípios dos direitos humanos e sustentado por bases éticas e pedagógicas. ______________ 18 O Sistema de Garantia de Direitos (SGD) é composto pelos Sistemas: Educacional, de Justiça e Segurança Pública, de Saúde e de Assistência Social, conforme o esquema acima. (SINASE, 2006) 19 O CONANDA foi regulamentado pela Lei Federal nº 8.242 de 12/10/91. 29 1.3 Internação e o processo socioeducativo Para adentrarmos no tema em questão, referente ao processo socioeducativo dos adolescentes em cumprimento de medida de internação, é fundamental caracterizarmos primeiramente as medidas socioeducativas. Segundo Volpi (2002) as medidas socioeducativas são aplicadas de acordo com as características da infração, circunstância sociofamiliar e disponibilidade de programas sociais. Possuem natureza coercitiva, uma vez que são aplicadas exlusivamente a adolescentes20 que cometeram atos infracionais ou mais popularmente como adolescentes em conflito com a lei. De acordo com a legislação vigente, os aspectos educativos, denominados a partir de 2006 de socioeducativos, de acordo com o SINASE, deverão ser contemplados no sentido da formação integral, oportunizando a formação, informação e sempre que possível encaminhamento social e profissional. As medidas são aplicadas de acordo com a gravidade do ato praticado e/ou sua reiteração. As medidas socioeducativas tem o objetivo de responsabilizar o adolescente que comete o ato infracional, mas são também uma tentativa constante de superar a sua condição de exclusão, bem como agregar valores éticos imprescindíveis à vida em sociedade. Segue uma breve definição com os tipos/característica das medidas socioeducativas, de acordo com o Capítulo IV - Artigo 112 do ECA, aplicadas sempre por autoridades21 competentes aos adolescentes que praticam o ato infracional: • Advertência: Admoestação verbal, reduzida à termo e assinada; • Obrigação de Reparar o Dano: ressarcimento do dano ou compensação do prejuízo; • Prestação de Serviços à Comunidade (PSC): realização de tarefas gratuítas de interesse geral, por um período de no máximo 06 (seis) meses e 8 (oito) horas semanais, levando em conta às aptidões do adolescente. É de responsabilidade do município; • Liberdade Assistida (LA): seu objetivo é acompanhar, auxiliar e orientar o ______________ 20 As medidas socioeducativas são aplicadas apenas aos adolescentes na faixa etária compreendida entre 12 a 17 anos e 11 meses de idade. Caso a criança cometa ato infracional serão aplicadas apenas as medidas protetivas cabíveis a ela e aos seus responsáveis legais. Como os adolescentes poderão permanecer até 03 (três) anos em cumprimento de medida, caso ocorra, é possível e permitido pelo ECA, ele atingir os 21 anos de idade no centro socioeducativo. 21 A aplicação da medida socioeducativa é de responsabilidade da Vara da Infância e Juventude do município. 30 adolescente; seu prazo mínimo é de 06 (seis) meses e também é executada pelo município; • Semiliberdade: é uma medida que não comporta prazo determinado e contempla aspectos coercitivos pois afasta o adolescente do convívio familiar, mas não o priva totalmente do direito de ir e vir. A escolarização e a profissionalização são obrigatórias e; é de responsabilidade do Estado; • Internação: constitui medida privativa de liberdade, mas guarda em si conotações coercitivas e principalmente as educativas, porém, somente é aplicada aos adolescentes que cometem atos graves; sujeita aos princípios de brevidade e excepcionalidade, apesar de não comportar prazo determinado, devendo ser reavaliada a cada 06 (seis) meses e não podendo exceder a 03 (três) anos. Também é de responsabilidade do Estado. A aplicação das medidas socieducativas tem que ocorrer independentemente do contexto social, político e econômico dos adolescentes. Devido a isso, foram organizadas as políticas públicas do Estado, a fim de assegurar os deveres e direitos infanto-juvenis, com prioridade absoluta, conforme prevê o ECA. O processo socioeducativo dos adolescentes privados de liberdade, de uma forma geral visa à responsabilização por seus atos e à formação para a cidadania, sempre no intuito de auxiliar o mesmo a traçar um projeto de vida lícito, distante da criminalidade. A proposta pedagógica da unidade socioeducativa de internação, tem que ser coerente com a Política de Atendimento aos Direitos da Criança e do Adolescente, seguindo as diretrizes do ECA (1990), do SINASE (2006) e legislação correlata, conforme discutiremos a seguir. Tendo por base as diretrizes do SINASE (2006), é importante ressaltar que os resultados da aplicação das medidas socioeducativas poderão ser eficazes, se houver um espaço reservado aos adolescentes para se dedicarem à educação formal, pois esta é obrigatória nas unidades. É preciso também que haja um espaço externo para recreação ao ar livre, podendo os adolescentes usufruir de momentos de lazer e espaços apropriados à realização de atendimentos e oficinas diversificadas. Através das atividades lúdicas, esportivas e profissionalizantes, as normas e regras repassadas aos adolescentes nestas atividades poderão facilitar, portanto, a convivência coletiva, evitando a rigidez e o autoritarismo que na maioria das vezes são utilizados quando se trata de entidades que tem por base apenas normas e regras, esquecendo-se que o adolescente ainda é um ser em formação. A uniformalização e a disciplina severa são um fator que limita a expressão de necessidades e desejos individuais dos adolescentes. O bom senso por parte dos gestores e 31 demais funcionários auxiliará na manutenção de um clima saudável, com opção pelo diálogo, estabelecendo as diretrizes e colocando limites, sempre que necessário, desde que não impeçam a naturalidade e a espontaneidade presentes no ambiente juvenil. Assim, é fundamental compreender que as normas e as regras são essenciais à convivência coletiva, desde que utilizadas de forma a contribuir para um ambiente saudável e harmônico a toda Comunidade Socieducativa22 envolvida no processo. As atividades aplicadas em grupo, são essenciais buscando desenvolver a solidariedade, a compreensão e o espírito de equipe entre os próprios adolescentes, o que pode levá-los a uma reflexão maior frente aos seus atos. É fundamental que a unidade recorra à atividades externas, abrindo possibilidades para que o adolescente, mesmo privado de liberdade, conviva socialmente, ajudando-o a trabalhar seu protagonismo juvenil e sua autoestima, preparando-o para o retorno ao convívio social. No livro “A presença da Pedagogia – Teoria e Prática da Ação Socioeducativa”, Costa (1999) define: [...] O termo Protagonismo Juvenil, enquanto modalidade de ação educativa, é a criação de espaços e condições capazes de possibilitar ao jovens envolverem-se em atividades direcionadas à solução de problemas reais, atuando como fonte de iniciativa, liberdade e compromisso. O termo Protagonismo Juvenil, vem do grego. Proto quer dizer o primeiro, o principal. Agon significa luta. Agonista, lutador. Protagonista, literalmente, quer dizer o lutador principal. No teatro, o termo passou a designar os atores que conduzem a trama, os principais atores. O mesmo ocorrendo também com os personagens de um romance. No nosso caso, ou seja, no campo da educação, o termo Protagonismo Juvenil designa a atuação dos jovens como personagens principais de uma iniciativa, atividade ou projeto voltado para a solução de problemas reais. O cerne do protagonismo, portanto, é a participação ativa e construtiva do jovem na vida da escola, da comunidade ou da sociedade mais ampla (COSTA, 1999, p.179). De uma forma geral, torna-se fundamental abrir espaços nos centros socioeducativos, através da realização de oficinas de artes, música, dança, teatro e tudo que for possível... deixando, assim, fluir o desenvolvimento natural e espontâneo do adolescente através de seu protagonismo, visando com isso abrir caminhos para a construção de seu projeto de vida. (SINASE, 2006) Conforme determina o artigo 19 do ECA, é importante ressaltar que o trabalho com o grupo familiar do adolescente é essencial nas unidades socioeducativas, pois a família é ______________ 22 De acordo com o eixo 5.1.2. Comunidade Socioeducativa – Cap. 5 – Gestão dos Programas do SINASE, na convivência coletiva e gestão participativa o objetivo superior deverá ser alcançado com a lógica da Comunidade Socioeducativa, composta pelos profissionais de forma geral e pelos adolescentes dos programas e/ou unidades de atendimento socioeducativo, que deverão operar com transversalidade, todas as deliberações, planejamento e execução de forma que as ações sejam sempre compartilhadas, contemplando as peculiaridades e singularidades de todos os atores sociais envolvidos (SINASE, 2006). 32 tida como a base fundamental para o desenvolvimento e proteção tanto da criança quanto do adolescente. Segundo Lago (2006), compreender o processo socioeducativo de adolescentes nas unidades de internação, [...] implica entendê-lo em seus diferentes aspectos; de socialização, de individualização, de limite e das relações sociais que envolvem os funcionários, o quadro de dirigentes e o adolescente; assim como entendê-lo também em nível de suas práticas institucionais, através do regimento interno, do cumprimento da lei, das normas, regras, da contenção, ou seja, a forma como se realiza o funcionamento da unidade de internação diante das transformações impostas pelo ECA (LAGO, 2006, p. 25). Após a promulgação do ECA, nota-se que mudanças significativas ocorreram em relação aos direitos da criança e do adolescente. No tocante às medidas socioeducativas, em especial em seu art. 112, destinadas exclusivamente aos adolescentes e cujo objetivo principal refere-se à responsabilização do mesmo frente ao ato infracional cometido, levará em conta sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. Não são admitidos a prestação de trabalho forçado e métodos de contenção violentos. Vale ressaltar que tal medida é, ainda, um grande desafio, pois representa uma ruptura com os modelos tradicionais e propõe uma nova modalidade de atendimento, cuja lógica é baseada numa ação voltada para uma proposta pedagógica que visa à educação do adolescente de forma integral, priorizando a convivência em todos os aspectos. A análise sobre a educação escolar implica num conhecimento sobre o contexto social, econômico e político do país. O Brasil é hoje um país onde a desigualdade social é um fator predominante e a aplicação da lei, no que se refere aos direitos da criança e do adolescente, é reflexo da omissão da cobrança da responsabilidade pública. Assim, fala-se e escreve-se no Brasil sobre direito à educação, mas não se garante, de fato, a consolidação desse direito. Apesar da lei, ainda se presencia um quadro dramático de adolescentes fora da escola, vivendo a marginalização, a segregação, a violência e o abandono. Para Draibe (1989) o país defende, através da lei, a universalização, mas na verdade é marcado por uma cultura elitista, residual e seletiva, onde a riqueza e o direito, infelizmente, são ainda parceiros na sociedade brasileira, retratando a distância real entre o proposto e o posto, levando a uma cultura de descrédito no dispositivo legal. Neste contexto de privação de liberdade, a educação escolar é um desafio ainda maior, visto que uma enorme parcela dos adolescentes tem baixa escolaridade, visto a evasão escolar e vivem em situação de extrema pobreza, passando um longo tempo nas ruas, onde as necessidades materiais, afetivas e sociais encontram-se fragmentadas, não encontrando ali as 33 referências básicas para o seu desenvolvimento biopsicossocial. Essa informação pode ser confirmada através dos dados apresentados pela SUASE apresentados na página 68 a seguir. Para compreender as barreiras do trabalho socioeducativo numa unidade de internação, que é permeada pela contenção e a segurança, faz-se necessário também entender um pouco sobre o processo de institucionalização tradicional, com o objetivo de refletir sobre o desafio atual em torno da educação e da segurança. A institucionalização na perspectiva tradicional apresenta um caráter fechado, tornando-se uma barreira para o adolescente com o mundo externo, o que muitas vezes implica em proibições e impossibilidades, impedindo a saída do adolescente para a vida, o que pode ser notado pela própria estrutura física da unidade: grades e muros que os separam da sociedade. Uma disposição básica da sociedade moderna é que o indivíduo tende a dormir, brincar e trabalhar em diferentes lugares, com diferentes co-participações, sob diferentes autoridades e sem um plano racional geral. O aspecto central das instituições totais pode ser descrito com a ruptura das barreiras que comumente separam essas três esferas da vida (GOFFMAN apud CAMPOS, 1985, p. 22). Isso leva a refletir sobre a prática institucional, envolvendo todos os aspectos da vida individual e social, como o banho, a alimentação, o lazer, o trabalho realizados sempre em conjunto, no mesmo horário e no mesmo local, determinados pelos funcionários e com a presença constante de uma autoridade, como forma de garantir o funcionamento da entidade e a ordem interna. Isto demonstra a importância das diretrizes preconizadas no SINASE (2006). Conforme Campos (1985), a imposição de disciplina pode trazer consequências importantes sobre o desenvolvimento do adolescente, sendo uma delas a impossibilidade de criar significações. A maior parte de seus atos e gestos é esvaziada de significação, tornandose alienante e repetitivo, inteiramente exterior ao adolescente. A privacidade e a individualidade são fatores quase inexistentes nas entidades. O atendimento é massificante, em série. Qualquer possibilidade de ter um objeto que lhes dê a sensação de posse é tolhida, todos os objetos são coletivos, todos os lugares são de uso comum, até mesmo um momento de recolhimento tem a interferência de outra pessoa que quer se relacionar ou provocar. Campos (1985) relata ainda que o tipo de vínculo que se estabelece entre adolescentes, funcionários e os próprios colegas; os valores; as normas e as ligações internas e externas se articulam e formam um ambiente psicossocial determinado, privando-os muitas vezes de viver sua individualidade. 34 Através do internamento, o indivíduo é despojado de suas defesas e, ao ser submetido às experiências de mortificação, separação do mundo externo, rotina diária da vida institucional, restrições de movimentos, convívio com grupos de outros indivíduos, obediência a determinadas normas, restam-lhe possibilidades mínimas de conservar a concepção de si mesmo e apoio na constituição do eu (GOFFMAN apud CAMPOS, 1985, p. 30). Lago (2006) confirma em parte as palavras de Goffman (1985), através de sua experiência profissional no interior das Unidades Socioeducativas de Internação, e destaca: [...] o adolescente privado de sua liberdade é despojado de seus desejos, suas aspirações, seus sentimentos e pensamentos, muitos se fecham e se calam; outros se rebelam, apresentando comportamentos agressivos; e alguns conseguem, apesar das dificuldades, conviver com tal situação e não influenciar-se pela mesma, saindo de cabeça erguida23 (LAGO, 2006, p. 28). De acordo com Campos (1985), a brincadeira, ou o lúdico, é um espaço de liberdade, criatividade, sonho, prazer, uso da imaginação, possibilidade de se investir em um determinado objeto. Desta forma, surge a oportunidade de individualização. Como este é um fator que foge à rotina diária da entidade, delimita-se o tempo de atividades e, quando são realizadas é sob forte vigilância, pois a brincadeira torna-se perigosa e por isso precisa ser limitada, impedida e barrada. Neste contexto, a institucionalização configurou-se como uma prática tradicional, sem levar em conta a individualidade, a relação familiar, a comunidade, e muito menos o futuro dos adolescentes que por ela passaram. A partir do ECA, mudanças significativas ocorreram especialmente no tratamento oferecido aos adolescentes privados de liberdade. Eles passaram a ser vistos como sujeitos de direitos, garantidos por lei, e de responsabilidade do conjunto da sociedade. Neste sentido, as entidades estão sendo orientadas a reverem suas práticas e adotarem medidas alternativas de atendimento, valorizadoras da cidadania e da dignidade. As medidas de contenção e segurança são vistas como um meio para responsabilizar o adolescente e ajudá-lo a retornar ao convívio social e ser um cidadão integrado e participativo, conforme desejado por esse estatuto. Sem dúvida que os impasses são inevitáveis, pois devido as mudanças na legislação, as unidades de internação ainda estão em fase de reconstrução, numa ruptura com o modelo tradicional, pois a Doutrina da Proteção Irregular aprovava a contenção rígida, agressiva e autoritária ao “menor infrator” e hoje, com a Doutrina da Proteção Integral, o aspecto educativo se torna um aliado da segurança para que esses adolescentes em conflito ______________ 23 A expressão “cabeça erguida” é sempre verbalizada por adolescentes no interior dos Centros Socioeducativos que almejam cumprir toda a medida imposta. 35 com a lei possam cumprir sua medida socioeducativa de forma adequada, ou seja, conforme o ECA. Caso seja necessário a contenção, ela deverá ser de forma não violenta e respeitando todos os direitos do adolescente, conforme a legislação já citada. Nesse contexto, Lago concluiu que: apesar da medida socioeducativa de internação ainda ser considerada um grande desafio e colocá-la em prática se constitui tarefa árdua, pois não é fácil conciliar a educação e a segurança, nota-se que aos poucos vem apresentando mudanças significativas, graças à implementação da Lei 8.069/90 – ECA, que representa uma conquista para a sociedade. Através do ECA, a sociedade civil (representada pelos Conselhos de Direitos) e os órgãos competentes (como: Juizado da Infância e Juventude e Ministério Público) podem questionar e exigir, fazendo indagações referentes ao modo de funcionamento dos centros envolvidos (LAGO, 2006, p. 29). Acreditamos que os Centros Socioeducativos de Internação tem o papel de realizar um planejamento pedagógico que vise à inserção dos adolescentes em escola formal, em práticas corporais, cultura e lazer e o acesso às atividades externas como: cinema, teatro, exposições, entre outros. E, sempre que possível, reforçando a manutenção dos vínculos familiares e comunitários, proporcionando um ambiente interno mesclado com o externo, promotores da dignidade e da cidadania. Essa perspectiva está sendo reforçada pelo SINASE (2006). CAPÍTULO II - TRABALHO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE 2.1 Considerações sobre o tema Trabalho Trabalho vem da expressão latina tripalium, referindo-se a um instrumento de tortura usado pelos romanos para obrigar os escravos a trabalhar, uma espécie de canga que se punha nos bois para propiciar a tração de carga. Nesse sentido a expressão designa um instrumento de tortura feito de três paus e, por isso, o trabalho passou a ser visto fundamentalmente como aquilo que “tortura” (CUNHA, 2000). Com os cristãos, o trabalho apresenta-se com um duplo sentido. Primeiramente como um complemento da obra do criador, ou seja, o homem deve imitar a Deus quando trabalha, assim como quando repousa, pois o mesmo Deus quis apresentar-lhe a própria obra criadora sob a forma de trabalho e sob a forma do repouso. É o que encontramos no segundo capítulo do Livro do Gênesis (9): “Tendo Deus terminado no sétimo dia a obra que tinha feito, descansou do seu trabalho. Ele abençoou o sétimo dia e o consagrou, porque nesse dia repousara de toda a obra da criação” (BÍBLIA SAGRADA, 2002, p. 50). Em um segundo sentido, o trabalho anda inevitavelmente junto à fadiga. No mesmo Livro do Gênesis, há uma contraposição àquela benção original do trabalho contida no próprio mistério da criação e ligada à elevação do homem como imagem de Deus. Por causa da maldição do pecado, o homem agora terá que tirar da terra o seu próprio alimento: “Maldita seja a terra por tua causa. Tirarás dela com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias de tua vida. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de que foste tirado; porque és pó e em pó te hás de tornar” (BÍBLIA SAGRADA, 2002, p. 50). Com base nesses preceitos, a doutrina cristã vê o trabalho como uma obrigação, como um dever. O homem deve trabalhar, quer pelo fato do criador lhes haver ordenado, quer pelo fato da sua subsistência e desenvolvimento assim o exigirem. Como castigo ou como tortura, o trabalho passou também a ser sinônimo de status social. Na sociedade medieval, o artesão adquiriu status, pois, mesmo tendo sua origem nos estratos mais baixos da sociedade, ele dominava técnicas utilizadas no processo de produção, sobre o qual exercia controle desde sua concepção, execução, até a obtenção do produto final. A nobreza e o clero, por outro lado, dedicavam-se a tarefa de governar e, somente a eles era facultado o direito à educação formal (CUNHA, 2000). 37 A partir da Revolução Industrial Inglesa, o trabalho passou a ser visto como um transformador da natureza e da sociedade e, com a Revolução Francesa, ele passou a ser um símbolo da “liberdade” do homem. Vários pensadores viriam contribuir com suas teorias para legitimar uma concepção de engrandecimento do trabalho, visando ao aumento da produtividade (ENRIQUEZ, 1999). Adam Smith no Século XVIII, também contribuiu ao afirmar que “o trabalho é o que permite efetivamente aumentar a riqueza das nações”. Para ele, a divisão do trabalho era essencial ao crescimento da produção e do mercado, e a sua aplicação eficiente dependia da livre concorrência, que forçaria um aumento da produção, sendo necessário o desenvolvimento de novas técnicas, aumentando assim a qualidade do produto e diminuindo o custo da produção (ADAM SMITH apud ENRIQUEZ, 1999). Também no século XVII, a visão de Comte, era de que a sociedade que surgia deveria ser uma sociedade “industrial e positiva”. O Positivismo de Comte fundamentou-se na ciência e na organização técnica e industrial da sociedade moderna, e considerou a comprovação pelo método científico o “único” caminho válido para se atingir o conhecimento. Desenvolveu-se na trilha do empirismo, aproveitando-se dos avanços das ciências experimentais, sobretudo da química e biologia, e dos argumentos evolucionistas que proclamavam uma visão de causa e efeito baseando-se na observação dos fatos, inspirado no pensamento de Darwin (COMTE apud ENRIQUEZ, 1999). No século XIX Spencer considerava que a sociedade deveria evoluir de um tipo militar para um tipo industrial onde cada indivíduo poderia desenvolver-se plenamente e unirse livremente a seus semelhantes para atingir o bem-estar econômico e moral. Essa visão fez muitos seguidores, principalmente nos primeiros anos da República, pois havia uma forte pressão dos diversos grupos da sociedade para promoverem a industrialização nos seus países de origem (SANTOS, 2000). É importante destacar, também, no século XIX, a obra de Émile Durkheim – Da Divisão do Trabalho Social de 1893, na qual ele discorre sobre a especialização das funções entre os indivíduos de uma dada sociedade. De acordo com Durkheim, autor também positivista, ao desenvolver-se, a sociedade multiplica-se em atividades a serem realizadas. A partir daí, cada indivíduo tem uma função a cumprir, importante para o funcionamento de todo o corpo social. Cada membro da sociedade desenvolvendo uma atividade útil e especializada passa a depender cada vez mais dos outros indivíduos (DURKHEIM apud CUIN; GRESLE, 1994). 38 Com isso, o efeito mais importante da divisão do trabalho social não é apenas seu aspecto econômico – aumento de produtividade, mas também tornar possível a união e a solidariedade entre as pessoas de uma mesma sociedade. É o que Durkheim chama de solidariedade orgânica, que aparece quando a divisão do trabalho social aumenta e torna as pessoas mais unidas, não por uma crença comum, mas pela interdependência das funções sociais. Karl Marx na obra: O Capital, volume I, editado pela primeira vez em 1867, dirá que “o trabalho é a propriedade fundamental do homem”, pois é nas relações capitalistas de produção, que os indivíduos livres estabelecem uma relação mediada pelo mercado, isto é, aqueles que não são donos dos meios de produção vendem a única coisa de que dispõem – o seu trabalho, em troca dos recursos necessários à sua sobrevivência. Marx afirmou que na sociedade capitalista é o capital que explora o trabalho. É dessa exploração a que o trabalhador está submetido, que resulta sua alienação, ou seja, por causa da fragmentação do trabalho, o trabalhador se aliena ao processo total de produção. A alienação de que fala Marx é consequência do afastamento entre os interesses do trabalhador e aquilo que ele produz. De modo mais amplo, trata-se também do abismo entre o que se aprende apenas para cumprir uma função no sistema de produção e uma formação que realmente auxilie o ser humano a exercer suas potencialidades. Com Weber (1905), em sua obra: A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo; veremos que, a riqueza era um sinal não de prazer, mas de abstinência, o resultado do trabalho árduo e da autonegação, exatamente aquilo que é necessário para se acumular capital. O calvinista em ascensão via o seu próprio esforço como algo virtuoso. Weber indicou que a ansiedade pela salvação levava a ações que, a longo prazo, produziam resultados que levavam ao empreendimento – condição primordial para o capitalismo. No entanto, o trabalho que anteriormente era visto como meio de alcançar a salvação, acaba por transformar o crente em um burguês satisfeito com a recompensa mundana, e com isso, consolidar uma nova ordem social, a ordem social capitalista (CUIN; GRESLE, 1994). Para compreendermos o alcance das mudanças na vida da sociedade atual, deve-se considerar as mudanças ocorridas na economia industrial no início do século XX, que ganhou enorme eficiência com o Taylorismo, ao preconizar a divisão dos processos industriais em tarefas simples cronometradas e organizadas, bem como com o Fordismo, que ampliou os princípios do gerenciamento científico para a produção em massa. Após a década de 70 surge o Toyotismo, com a adoção do modo de acumulação flexível de capital decorre de necessidade do capitalista superar a crise e manter ou alcançar a maior taxa de lucros, que é o elemento motriz de todo o sistema. O novo 39 método, iniciado pelos japoneses, iria ter estoques muito menores, produzir o suficiente para abastecer os vendedores just in time (no tempo justo ou na hora), e de qualquer modo com uma capacidade muito maior de variar a produção, a fim de enfrentar as novas exigências do mercado. Essas mudanças levaram a uma “economia do conhecimento” que contribuiu para o crescimento econômico. A partir dessa breve contextualização teórica sobre o trabalho vamos explicitar alguns desafios e perspectivas do mundo do trabalho no Brasil a partir do século XX. Os direitos sociais para os trabalhadores brasileiros foram alcançados na década de 30, mesmo assim, foram atingidos apenas os funcionários públicos ou aqueles que tinham carteira de trabalho assinada. Somente estes trabalhadores adquiriram o acesso à saúde, aposentadoria e pensões. Aqueles que não estavam enquadrados nesta situação continuavam à mercê da falta de políticas públicas. Para Telles (1999, p. 109) os trabalhadores deixaram de se submeterem ao poder patronal e foram “jogados sob a tutela estatal”. A partir da década de 50, o processo de industrialização no Brasil acelerou-se e voltou-se para o mercado interno, gerando a migração das pessoas do campo para as cidades, bem como para o sul e sudeste do país. Devido ao crescimento econômico nesse momento, as taxas de desemprego tenderam a se manter altas, pois as políticas públicas que enfocavam a área do trabalho eram de tradição européia e ainda não haviam sido efetivadas no Brasil. Somente a partir dos anos 80, em resposta ao desemprego e outros fatores, surgiram políticas macroeconômicas, estruturais e de proteção social, na tentativa de minimizar os efeitos da crise no mercado de trabalho. A crise atingiu principalmente o jovem, aumentando o desemprego juvenil, dificultando sua inclusão. Um autor que analisa as questões relativas à inserção ocupacional dos jovens é Marcio Pochmann: [...] o desemprego juvenil remete ao problema mais amplo de desestruturação do mercado de trabalho, que teve início nos anos 80 e que está se aprofundando no anos 90. Isso tende a agravar as dificuldades tradicionais de inserção dessa camada da população no mercado de trabalho (POCHMANN, 1998, p. 7). Para Azeredo (1998), o novo contexto de dificuldades dos anos 80 exigiu que as políticas de emprego fossem repensadas, pois o Brasil não tinha um mecanismo que assegurasse proteção ao trabalhador desempregado. No final dos anos 80, foram aprimorados os direitos sociais, principalmente as políticas de proteção ao emprego. Diante do desemprego crescente, buscaram-se alternativas para diminuir o impacto negativo sobre os trabalhadores, 40 pois surgiu outro fator de ameaça: a automação, que se tornava uma realidade e excluía ainda mais os trabalhadores. Para Escorel (1999, p. 23) a exclusão social “pode designar toda situação ou condição social de carência, dificuldade de acesso, segregação, discriminação, vulnerabilidade e precariedade em qualquer âmbito.” Como se vê, exclusão pode ser entendida tanto no cenário econômico, social, cultural, político como até mesmo no conjunto destes. Ora, excluído do mercado de trabalho, o trabalhador tem como principal objetivo sua sobrevivência. Assim, a busca por satisfazer suas necessidades básicas é prioridade. Portanto, na maioria das vezes o não ingresso no mercado de trabalho implica em exclusão social, impedindo que a pessoa se perceba enquanto cidadão detentor de direitos. De tal maneira, a vida destas pessoas fica comprometida e marcada pela incerteza de ter acesso ao trabalho, moradia, educação, saúde, proteção e alimentação, podendo-se dizer que a desigualdade social caminha lado a lado com a “exclusão”, interagindo-se e reforçando-se mutuamente. Para Escorel (1999), a sociedade brasileira pode ser entendida como “desigual” no aspecto social, pois os índices de distribuição de renda são considerados um dos piores do mundo; depois de sucessivas crises econômicas presentes desde a década de 70, o Brasil foi classificado em 1990, por organismos das Nações Unidas, “como um dos países de maior desigualdade social” (ESCOREL, 1999, p. 26). Em uma sociedade desigual, a possibilidade de ascensão dos atores sociais, pode ser considerada como um “bálsamo”; mas o agravamento da situação socioeconômica e a impossibilidade de ascensão social podem culminar em aumento da violência e do tráfico de drogas. Daí a importância do trabalho enquanto fator de inserção ou exclusão social e, acrescente-se a isso, as políticas sociais que dão suporte ao trabalhador (empregado ou desempregado). Estas são condições significativas para se manter o mínimo necessário para sobreviver, mínimo este, nem sempre fácil de definir, como declara Sposati (1997). O desemprego no Brasil tornou-se, de fato, problema social na década de 80, para o qual os governos, a sociedade, os sindicatos e os empresários buscam, até hoje, soluções. Vale ressaltar que durante alguns anos as políticas de emprego e proteção social não foram adotadas no Brasil. Com a desaceleração da economia nos anos 80, o país se viu impossibilitado de entrar em um novo ciclo de crescimento econômico, como ocorrera anteriormente (DIEESE, 2001). Em 2009, a taxa de desemprego em seis das principais regiões metropolitanas do País ficou em 15% em julho, segundo dados divulgados pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE) e pelo Departamento Intersindical de Estudos Socioeconômicos 41 (DIEESE). O desemprego praticamente não se alterou em relação ao mês de junho, quando estava em 14,8%, mas subiu em relação a julho de 2008, quando estava em 14,6%. O contingente de desempregados aumentou em 45 mil pessoas nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, São Paulo e Distrito Federal, para 3.029 milhões. Azeredo (1998) destaca as dificuldades para resolver os problemas do desemprego no Brasil devido aos fatores histórico-estruturais, os quais, ao serem atingidos pela crise econômica mundial, vieram à mostra, tais como a precariedade das relações de trabalho, a desigualdade social, as falhas no sistema de proteção social e o baixíssimo nível de escolaridade da força de trabalho, gerado pela deficiência do sistema educacional brasileiro. A educação escolar tem sido vista como importante instrumento para resolver os problemas do desemprego brasileiro. Muito embora tenha contribuído para o melhor desenvolvimento social, a educação deve ser parte de um conjunto de ações inter-relacionadas entre mercado de trabalho e sistema educacional, posição defendida por Azeredo (1998). Nessa mesma perspectiva, Volpi (2002) defende que os adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, sejam orientados pela concepção do trabalho como princípio educativo. Ele cita também que pesquisas anteriores ao ECA registraram que a maioria dos adolescentes internos apresentava uma concepção negativa em relação ao trabalho, devido à obrigação de realizar atividades sem utilidade prática e muitas vezes vexatórias, utilizadas como punição. Para ele as atividades profissionalizantes e o trabalho não podem ser utilizados como castigo, mas como uma importante dimensão da vida humana. Michel Foucault (2008) deixa claro que as formas de repressão, por si só, não constituem em aderência às atividades de forma geral, nem tampouco refletem na mudança da trajetória infracional do sujeito. Enfatiza o autor, que apenas o receio à punição não será o suficiente para agir sobre o “detento”, sendo certo que o mesmo deverá trabalhar-se internamente, ou seja, nas profundezas de sua própria consciência, e as unidades socioeducativas tem o papel de contribuir para tal. O trabalho é uma condição para que as pessoas se posicionem, digam qual o papel que exercem e qual a sua importância na sociedade. Torna-se, assim, impossível separar o trabalho da vida, uma vez que é uma atividade social presente em todas as sociedades, embora possa receber diferentes definições (BLASS, 1998). A ausência de políticas de geração de emprego e renda para o adolescente colabora para a instalação de uma “geração insegura”, pois segundo Machado (2001), os jovens são importantes agentes de mudanças, e quanto mais tardia é a sua entrada no mercado 42 de trabalho, mais demorada se torna a chance de ser independente. A dificuldade de se estabelecer profissionalmente compromete a vida do jovem e principalmente do adolescente não só nos aspectos psicológicos, fisiológicos, mas gera dificuldades econômicas, refletindo na dinâmica da sociedade. Verifica-se, portanto, a importância da iniciação socioprofissional do adolescente, nesse momento de mudanças. O ser humano precisa encontrar um sentido para sua vida, algo em que valha a pena investir (FRANKL, 1999). A entrada para o mercado de trabalho se torna uma espécie de ritual de passagem, significando a passagem da adolescência para a idade adulta, onde terá a oportunidade de construir sua própria vida (OIT, 2001). No contexto das relações capitalistas a capacidade de consumir credencia e qualifica os sujeitos e interfere na maneira de vivenciar sua ascensão social. No caso específico do Brasil, onde a desigualdade social é marcante, isto se torna mais visível. Muitos sujeitos, diante desta realidade, encontram no narcotráfico e na criminalidade a alternativa para ter acesso aos bens de consumo. Para isto, colocam suas vidas em risco através do enfrentamento permanente, tentando alcançar o tão almejado status social, através do consumismo. Frigotto (1985) em artigo referente ao Trabalho como Princípio Educativo esclarece que mesmo na sociedade contemporânea, ainda existem ambiguidades entre as categorias Trabalho e Educação. Para o esse autor não basta a mudança de termos como: profissinalização, formação para o trabalho, educação pelo trabalho, entre outros, mas é necessário uma análise mais profunda das relações sociais concretas que comandam o processo de trabalho, suas relações de produção e o contexto educativo. Conforme Frigotto (1985) sempre houve resistência por parte da classe trabalhadora em aderir às propostas educacionais, por acreditarem que tais propostas servem apenas aos interesses do capital. Atualmente grande parte dos trabalhadores reivindicam por escolaridade, por perceberem que o saber no interior das relações sociais em que está inserido é uma forma de poder, mas por outro lado ainda resiste a um tipo de educação que não tem nada a ver com seu contexto cultural e socioeconômico. Frigotto (1985) diz que educar, neste contexto, é: explicitar criticamente as relações sociais de produção da sociedade burguesa [...] e criar as condições objetivas para que se instaure um novo bloco histórico onde não haja exploradores e explorados [...] e que, pelo trabalho, mediatizados pela técnica, os homens produzam sua existência de forma cada vez mais completa” (FRIGOTTO, 1985, p. 51). 43 Gramsci (1968) suscitou a inseparabilidade entre ensino e trabalho produtivo enfocando o princípio do trabalho como elemento educativo, num movimento chamado Escola Única. A escola única poderá auxiliar as classes trabalhadoras partindo do seu senso comum, de sua cultura, a elaborar e explicitar seu saber e sua consciência crítica, expressa ao mesmo tempo, numa postura política e na necessidade de mediação técnica. O princípio da escola única e pública é a criação das condições concretas para a eliminação do caráter de privilégio e de elitismo, próprios da sociedade burguesa. O trabalho como princípio educativo indica que é pelo trabalho que o ser humano encontra sua forma própria de “produzir-se” em relação aos outros homens. A integração entre ensino e trabalho para Gramsci é colocada como sendo possível dentro do próprio processo autônomo de ensino. A fim de explicitar melhor o trabalho sob a ótica educativa e a função da Escola Única Gramsciana, utilizaremos as explicações de Saviani (2007) que para tal, faz uma linha de raciocínio iniciando no ensino fundamental e chegando até o ensino superior. A linguagem escrita e a matemática já estão incorporadas na vida da sociedade atual: as ciências naturais, cujos elementos básicos relativos ao conhecimento das leis que regem a natureza são necessários para compreender as transformações operadas pela ação do homem sobre o meio ambiente e as ciências sociais, pelas quais se pode compreender as relações entre os homens, as formas como eles se organizam, as instituições que criam e as regras de convivência que estabelecem, com a consequente definição de direitos e deveres. O último componente – ciências sociais – corresponde, na atual estrutura, aos conteúdos de história e geografia. Eis aí a forma como se configura o currículo do ensino fundamental. O princípio educativo do trabalho é a base em que se assenta a estrutura do ensino fundamental. O estudo das ciências naturais, assinala Gramsci (1968), visa a introduzir as crianças na societas rerum, e pelas ciências sociais elas são introduzidas na societas hominum. Uma vez que o princípio do trabalho é imanente à escola, isso significa que na Educação Escolar a relação entre trabalho e educação está implícita. Ou seja, o trabalho orienta e influencia o caráter de todo o currículo escolar em função das exigências da vida em sociedade. A escola não precisa, então, fazer referência direta ao processo de trabalho, porque ela se constitui basicamente como um meio, ao qual os indivíduos se apropriam daqueles elementos, para a sua inserção efetiva na própria sociedade. Aprender a ler, escrever e contar, e dominar as ciências naturais e sociais constituem pré-requisitos para compreender o mundo em que se vive e entender a própria incorporação pelo trabalho dos conhecimentos científicos no âmbito da vida e da sociedade. 44 Se no ensino fundamental a relação é implícita e indireta, no ensino médio a relação entre educação e trabalho, entre o conhecimento e a atividade prática deverá ser tratada de maneira explícita e direta. O saber tem uma autonomia relativa no processo de trabalho do qual se origina. O papel fundamental da escola de nível médio será, então, o de recuperar essa relação entre o conhecimento e a prática do trabalho. Desta forma, no ensino médio, já não basta dominar os elementos básicos do conhecimento que contribuem para o processo de trabalho na sociedade. Trata-se, agora, de explicitar como o conhecimento, isto é, como a ciência, se converte em potência material no processo de produção. Tal explicação deve envolver o domínio não apenas teórico, mas também prático sobre o modo como o saber se articula com o processo produtivo. Pode-se citar como exemplo, a atividade prática/manual de transformação da madeira e do metal pelo trabalho humano (PISTRAK, 1981, p. 55-56), e como ela pode contribuir para explicitar a relação entre ciência e produção. O trabalho com a madeira e o metal tem imenso valor educativo, pois apresenta possibilidades amplas de transformação. No trabalho prático com madeira e metal, aplicando os fundamentos de diversificadas técnicas de produção, pode-se compreender como a ciência e seus princípios são aplicados ao processo produtivo. Pode-se perceber como as leis da física e da química operam para vencer a resistência dos materiais e gerar novos produtos. Faz-se, assim, a articulação da prática com o conhecimento teórico, inserindo-o no trabalho concreto realizado no processo produtivo. O ensino médio envolverá, pois o recurso às oficinas nas quais os alunos manipulam os processos práticos básicos da produção; mas não se trata de reproduzir na escola a especialização que ocorre no processo produtivo. O horizonte que deve nortear a organização do ensino médio é o de propiciar aos alunos o domínio dos fundamentos das técnicas diversificadas utilizadas na produção. Não a formação de técnicos especializados, mas de politécnicos (SAVIANI , 2007). Conforme Saviani (2007) Politecnia significa, especialização como domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas utilizadas na produção moderna. Nessa perspectiva, a educação de nível médio concentrará as modalidades fundamentais que darão a base a uma infinidade de processos e técnicas de produção existentes. A concepção anteriormente formulada por Saviani (2007) implica a necessidade do ensino médio como formação necessária para todos, independentemente do tipo de ocupação que cada um venha a exercer na sociedade. Sobre a base da relação explícita entre trabalho e educação desenvolve-se, portanto, uma escola média de formação geral. Nesse sentido, tratase de uma escola de tipo “desinteressado” como propugnava Gramsci (1968, p. 123-125). É 45 assim que ele entendia a escola ativa, e não na forma como essa expressão aparecia no movimento da Escola Nova. Para ele, o auge dessa escola ativa seria a escola criativa, entendida como o momento em que os educandos atingiriam a autonomia. Completava-se, dessa forma, o sentido gramsciano da escola mediante a qual os educandos passariam da anomia à autonomia, pela mediação da heteronomia. Ou seja, passariam de um estado de falta de objetivos e perda de identidade a uma investidura em seus próprios interesses, mas levando em conta a vontade da coletividade. Ao término do ensino fundamental e médio, os jovens têm diante de si alguns caminhos: a vinculação permanente ao processo produtivo, por meio da ocupação profissional, a especialização universitária ou ambos. A educação superior para Saviani (2007), tem como tarefa, organizar e possibilitar que os indivíduos participem plenamente da vida cultural, independentemente do tipo de atividade profissional que professem. A opção pela continuidade dos estudos, além de propiciar o clima estimulante imprescindível à continuidade do desenvolvimento cultural e da atividade intelectual, tal mecanismo funciona como um espaço de articulação entre os trabalhadores e os estudantes, criando a atmosfera indispensável para vincular de forma indissociável o trabalho intelectual e o trabalho material. Essa afirmação de Saviani foi uma tentativa de desconstruir a idéia de que o trabalho intelectual seja incompatível com o trabalho material, conforme é sempre estimulado pela sociedade capitalista no imaginário dos indivíduos. Esta proposta é diversa da atual função da extensão universitária, que ainda coloca a população trabalhadora como receptora passiva. Tal proposta tende a evitar que os trabalhadores caiam na passividade intelectual e ao mesmo tempo, que os universitários caiam apenas no academicismo. Aliás, Gramsci (1968, p. 125-127), imaginava que tal função viesse a ser desempenhada exatamente pelas academias que, para tanto, deveriam ser reorganizadas e totalmente revitalizadas. 2.2 Aspectos Gerais sobre Educação Inclusiva e a Inclusão Produtiva Neste item serão explicitados alguns conceitos e ponderações fundamentais que farão parte da reflexão sobre a inclusão produtiva, um termo ainda “carente” de re-significação, diante da escassez de estudos acadêmicos referentes ao tema em questão e como a educação inclusiva entra nesse contexto e poderá contribuir para sua efetivação. Para iniciarmos, é imprescindível citarmos que os movimentos inclusivos surgiram para as pessoas com necessidades especiais nos Estados Unidos e na Europa. Contudo, o 46 movimento brasileiro somente teve seu início na década de 90, quando a Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura, convocou uma reunião mundial para discutir uma política de educação para todos. O movimento ocorreu na Tailândia e contou com a participação de instituições mundiais como Banco Mundial e o UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância, de representantes dos diferentes governos, inclusive o do Brasil, além da participação da sociedade civil. Esses representantes produziram uma declaração mundial. Diante disso foi possível perceber que a política inclusiva é primordial, a educação é uma estratégia, uma chave de mudança, um instrumento de transformação. Porém, não se pode depositar todos os créditos das mudanças na educação, é necessário reorganizar e fortalecer a luta em busca da universalização da cidadania, principalmente quando se fala de inclusão (SANTOS M., 2000). A Declaração de Jomtien ou Conferência Mundial de Educação Para Todos entende que a educação pode contribuir para conquistar um mundo mais seguro, mais sadio, mais próspero e ambientalmente mais puro, que ao mesmo tempo favoreça o progresso social, econômico e cultural, a tolerância e a cooperação internacional, reiterando ainda que a educação é fundamental para o progresso pessoal e social (UNESCO, 1990) . Essa conferência estabelecu objetivos fundamentais a serem alcançados: 1. Cada pessoa – criança, jovem ou adulto – deve estar em condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem. Essas necessidades compreendem tanto os instrumentos essenciais para a aprendizagem – como a leitura e a escrita, a expressão oral, o cálculo, a solução de problemas quanto aos conteúdos básicos da aprendizagem – como conhecimentos, habilidades, valores e atitudes necessários para que os seres humanos possam sobreviver, desenvolver plenamente suas potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida, tomar decisões fundamentadas e continuar aprendendo. A amplitude das necessidades básicas de aprendizagem e a maneira de satisfazê-las variam segundo cada país e cada cultura, e, inevitavelmente, mudam com o decorrer do tempo; 2. A satisfação dessas necessidades confere aos membros de uma sociedade a possibilidade e, ao mesmo tempo, a responsabilidade de respeitar e desenvolver a sua herança cultural, linguística e espiritual, de promover a educação de outros, de defender a causa da justiça social, de proteger o meio ambiente e de ser tolerante com os sistemas sociais, políticos e religiosos que difiram dos seus, assegurando respeito aos valores humanistas e aos direitos humanos comumente aceitos, bem como de trabalhar pela paz e pela solidariedade internacionais em um mundo interdependente. 3. Outro objetivo, não menos fundamental, é o enriquecimento dos valores culturais e morais comuns. É nesses valores que os indivíduos e a sociedade encontram sua identidade e sua dignidade; 4. A educação básica é mais do que uma finalidade em si mesma. Ela é a base para a aprendizagem e o desenvolvimento humano permanentes, sobre a qual os países podem construir, sistematicamente, níveis e tipos mais adiantados de educação e capacitação (UNESCO,1990). 47 O Brasil é um dos membros do Grupo de Alto Nível sobre Educação para Todos (EFA). Portanto, o combate às desigualdades educacionais está intimamente ligado às desigualdades socioeconômicas. Sendo assim, mesmo com os financiamentos de apoio cedido pelos países mais ricos as correções dos desníveis ainda são uma grande barreira à educação para todos, pois conforme dados de 1990 o Brasil investiu apenas 5% do PIB brasileiro na educação e o atualmente (2009) o investimento representa 4,6%, ou seja, ocorreu uma queda. O movimento de Educação para Todos deu início, no Brasil e em vários países, à criação de um novo paradigma, que preconiza a inserção socioeducacional. Esse movimento mundial, conduziu a um conceito de sociedade inclusiva e fez surgir outros que deram início a uma cultura inclusiva ou a chamada “Onda Inclusiva”. A onda inclusiva realçou a necessidade de fazer cumprir algumas leis já existentes e promoveu uma avalanche de novas leis a favor do processo inclusivo. Contudo, a legislação proporcionou uma série de ações afirmativas que culminaram numa nova maneira de pensar a Educação e agora idealizar a educação para todos, Os indivíduos não são iguais e para ser igualitária a educação deve respeitar as diferenças, assim instaura-se o primeiro paradoxo na sociedade inclusiva (REIS, 2007). Em Salamanca, 1994, a UNESCO promoveu a reunião mundial a respeito dos Portadores de Necessidades Especiais de Educação, quando acabou sendo aprovada a Declaração de Salamanca (UNESCO 1994). A partir daí, inúmeros eventos e projetos em todo o mundo tiveram início ou foram dinamizados em prol de uma educação inclusiva e até hoje caminham nesse rumo, mas ainda de maneira tímida (REIS, 2007). Adorno (1995) diz que o que foi negado historicamente ao indivíduo, vítima de preconceito, foi a possibilidade de modificação dessa realidade, na qual deveria ser pensada nos seus próprios termos, para que não se tornasse uma resignação. A sociedade só será inclusiva quando a própria pessoa fizer suas demandas, realçando seus desejos e necessidades para que não se tornem passivos, mas realmente façam parte de uma sociedade, como verdadeiros cidadãos. O movimento de inclusão no Brasil vem percorrendo um caminho difícil, com uma problemática de ensaio e erro, pois os entraves permitem, apenas, uma inclusão parcial dos indivíduos. Ao longo dos dezesseis anos da proposta inicial, percebem-se muitas mudanças significativas, porém não se pode ainda comemorar uma sociedade inclusiva, de um modo geral, voltada para o cumprimento dos direitos dos indivíduos. Nem as leis generalistas, como por exemplo, aquela em que a Constituição preconiza que todos têm direito à educação, ao trabalho, a moradia, entre outros, foram efetivadas. Tendo em vista este fato e muitos outros, a sociedade brasileira ainda não é inclusiva, em decorrência de fatores de ordem cultural, 48 política, econômica, etc. Não se acaba com o preconceito somente com políticas públicas. Falar de uma sociedade inclusiva é mostrar uma sociedade que esteja preparada para receber o indivíduo e a atender suas reais necessidades, seja ele portador ou não de necessidades especiais. Várias escolas, têm se esforçado para receber os alunos com necessidades especiais24, contudo, o número de pessoas incluídas ainda é pequeno, conforme pesquisas do Departamento de Ciência Política (2004) e da Fundação João Pinheiro (2005). Um dos fatores que mais impede a inclusão dessas pessoas é o fator acesso, sendo que em populações mais vulneráveis o problema é potencializado: falta o transporte, é deficitário o acesso físico às ruas, há falta de equipamentos individuais e outros. Todos esses fatores contribuem para dificultar a idéia de inclusão na sociedade brasileira, mas não afastam os esforços de pessoas e instituições que continuam em busca de possibilidades inclusivas e, assim, a responsabilidade muitas vezes é transportada para o terceiro setor e para os órgãos fiscalizadores e jurídicos. As ações do Ministério Público, bem como de certos setores do judiciário, têm propiciado o cumprimento desse direito social. Conforme alerta Kátia Caiado (2003), a educação inclusiva é um processo árduo, que exige reflexão da realidade, organização e além de tudo produção de conhecimento, tendo em vista que a complexidade da inclusão envolve um grande desafio político. Sendo assim, necessita de ações políticas e principalmente as que envolvem políticas públicas mais eficientes. Portanto, a sociedade inclusiva no Brasil ainda necessita de um caminhar mais direcionado. Sem desconsiderar outras categorias carentes de oportunidades que poderíamos elencar, mas vamos focar nesse momento o público alvo desse estudo, ou seja, os adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa em busca de oportunidades de inclusão no campo produtivo. A percepção da diferença como algo inerente ao humano, nos faz refletir que a pessoa considerada “excluída” nada mais é do que um cidadão que necessita apenas de oportunidades para melhor adaptar-se às exigências do meio. Essa dinâmica produz os processos de inclusão/exclusão e vale argumentar em favor de uma visão que integre políticas e práticas públicas a uma análise do movimento social mais amplo em que se inserem. O exame da política de inclusão é particularmente interessante, porque neste caso, as diferenças ______________ 24 O termo foi cunhado para definir pessoas que demandam um atendimento diferenciado ou mesmo adaptações para viver plenamente no ambiente em que vivem, ou seja, não somente as pessoas deficientes. 49 entre indivíduos e grupos entram em conflito imediato com os modos de funcionamento do sistema, evidenciando suas tensões sociais. (CAIADO, 2003) No Brasil, apenas em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, foi oficializado um dos princípios inclusivos: o de que os portadores de necessidades especiais devem ser educados preferencialmente na rede regular de ensino. E seu artigo 227 dispõe, por sua vez, sobre a criação de programas de prevenção, atendimento especializado, integração social, treinamento para o trabalho e remoção de barreiras arquitetônicas. Torna-se necessário, então, a ampliação de outros princípios nesse mesmo modelo inclusivo, direcionando-o para outras áreas, como exemplo podemos citar a inclusão produtiva, que estamos analisando. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN nº 9.394/96, estabelece no seu artigo 59, que os sistemas de ensino devem se organizar para assegurar aos alunos com necessidades especiais “currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender as suas necessidades”. Deve ser oferecida, também, educação especial para o trabalho25 e acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares. O Plano Nacional de Educação – PNE - Lei nº 10.172/2001, afirma, entre outras metas, o desenvolvimento e a ampliação de programas educacionais em todos os municípios, o trabalho em parceria com as áreas de saúde e assistência social, a realização de ações preventivas e educação continuada dos educadores em exercício. Porém, muitas metas do PNE, ainda, não foram alcançadas. Em 2001, as Diretrizes para a Educação Especial mencionam, pela primeira vez, a inclusão. O documento cita a legislação anterior como base para a sua elaboração e dá destaque à Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), enquanto fonte de inspiração filosófica. Como lembra Kassar (2004), a idéia norteadora da Declaração é a de que todas as escolas deveriam acomodar todas as crianças, portadoras ou não de necessidades especiais e encontrar uma maneira de educá-las com êxito. Essa idéia impulsionou a difusão do termo “inclusão” e também popularizou a noção de que todas elas devem ser educadas no mesmo ambiente. ______________ 25 “IV – A Educação especial para o trabalho, visa a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora”. A menção ao trabalho competitivo, por oposição a um tipo de trabalho que não é competitivo, sugere a necessidade de uma reflexão mais profunda sobre o estatuto do trabalho na sociedade e as formas de participação de diferentes grupos sociais, cabe aqui dar crédito à professora Gilberta Jannuzzi pela sua insistência em incentivar a importância de abordar esta questão (LAPLANE, 2004b). 50 Por outro lado, Laplane (2004a), revelou o apagamento da dimensão política e a persistência da visão ingênua que atribui à educação o poder de mudar, sozinha, a sociedade e uma certa tendência à prescrição. A leitura das diretrizes legais permite identificar, em alguns momentos, a persistência dessas características. Vejamos a sua primeira definição de inclusão: [...] a garantia a todos do acesso contínuo ao espaço comum da vida em sociedade, sociedade essa que deve estar orientada por relações de acolhimento à diversidade humana, de aceitação das diferenças individuais, de esforço coletivo na equiparação de oportunidades de desenvolvimento, com qualidade, em todas as dimensões da vida (LAPLANE, 2004a, p. 7). Esta definição remete a um conceito amplo de inclusão, e a afirmação, de que a sociedade “deve estar orientada por relações de acolhimento à diversidade humana” evidencia o fato de que a sociedade ainda, não se caracteriza por essa orientação, Nesse sentido, a inclusão pode ser entendida como um princípio filosófico que preconiza a convivência das diversidades, pressupondo que as diferenças são constituintes do ser humano e caracterizam-se como a maior riqueza da vida em sociedade (OLIVEIRA, 2003, p. 33). Assim, as Diretrizes da Constituição Federal de 1988 destacam o surgimento de uma nova mentalidade (BRASIL, 2001, p. 8) e assumem como princípios: o direito à dignidade, à busca de identidade e o exercício da cidadania (p. 9). A noção de inclusão é objeto de nova elaboração, enfatizando-se que ela não é um mero mecanismo, mas requer a revisão de concepções e paradigmas (p. 12). A política inclusiva exige a intensificação da formação de recursos humanos, a garantia de recursos financeiros e de apoio pedagógico e o exercício da descentralização do poder. Deverão ser criados sistemas de informação que permitam a avaliação das condições reais para a inclusão e o conhecimento da demanda, assim como a identificação, análise, divulgação e intercâmbio de experiências inclusivas (BRASIL, 2001, p. 13). As estratégias de comunicação e ação comunitária são também consideradas como formas de reafirmar o compromisso político com a inclusão. No início de 2004, a Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação lançou a série Educação Inclusiva, um conjunto de documentos destinados a promover a implementação da política de inclusão. A série é composta de quatro documentos que abordam os aspectos filosóficos da inclusão, o papel dos municípios, da escola e da família. O primeiro deles assume como ponto de partida a Declaração Universal dos Direitos Humanos, os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade e o respeito à diversidade como uma consequência dos anteriores. Na sequência, a idéia de uma sociedade inclusiva fundamenta-se 51 numa filosofia que reconhece e valoriza a diversidade como característica inerente à constituição de qualquer sociedade. Partindo-se desse princípio e tendo-se como horizonte o cenário ético dos Direitos Humanos, afirma-se a garantia de acesso e a participação de todos, independentemente das peculiaridades de cada indivíduo e/ou grupo social (BRASIL, 2004, p. 8). Também preconiza que a escola deve organizar-se “de forma a garantir que cada ação pedagógica resulte em uma contribuição para o processo de aprendizagem de cada aluno” (BRASIL, 2004, p. 9). A autora afirma que: “escola inclusiva é aquela que garante a qualidade de ensino educacional a cada um de seus alunos, reconhecendo a cada um de acordo com suas potencialidades e necessidades”(LAPLANE, 2006, p. 18-19). “O ensino inclusivo é a prática da inclusão de todos – independentemente de seu talento, deficiência, origem socioeconômica ou origem cultural – em escolas e salas de aula provedoras, onde todas as necessidades dos alunos são satisfeitas”(KARAGIANNIS, STAINBACK E STAINBACK, 1999, p. 21). Neste sentido, a sociedade só poderá ser considerada inclusiva quando estiver organizada para favorecer o cidadão, independentemente de etnia, sexo, idade, necessidades especiais, condição social ou qualquer outra situação de vulnerabilidade e/ou exclusão. Desde o final do século passado – década de 90, existe um questionamento fundamental, de que não há mais como aceitar práticas sociais que intensifiquem os processos de exclusão social. E é neste contexto que acontece um aprofundamento na discussão sobre a inclusão, cujo movimento busca denunciar essa sociedade excludente se inserindo num movimento mundial, na busca de uma sociedade mais igualitária e mais justa, a qual não restrinja as oportunidades das pessoas somente ao poder econômico. Vê-se, portanto, que a questão da inclusão e exclusão, antes de tudo, é uma questão política (OLIVEIRA, 2003, p. 34). O processo de inclusão deve ser capaz de atender a todos, indistintamente, sendo capaz de incorporar as diferenças no contexto social, o que exigirá a transformação e, certamente, o surgimento de “novas formas de organização, comprometidas com uma nova forma de pensar a sociedade e principalmente de como fazer educação” (OLIVEIRA, 2004, p. 109). Assim, a proposta de uma sociedade inclusiva coloca-nos frente a este grande desafio: a transformação. Estamos diante de uma das metas mais complexas vivenciadas nos últimos tempos: aliar o processo de democratização quantitativa ao processo de qualificação de Políticas Públicas, voltadas para a inclusão, num cenário político ainda pouco favorável a uma proposta inclusiva. Embora possamos observar alguns avanços no delineamento de ações inclusivas as 52 propostas ainda estão timidamente colocadas no contexto social. Muitas vezes limitam-se apenas à inserção de pessoas com necessidades especiais, reduzindo, sobremaneira, os princípios teóricos e legislativos de uma educação inclusiva na íntegra. Observa-se, assim, o desvirtuamento do prescrito nas próprias regulamentações nacionais, ocasionando um “distanciamento entre o discurso oficial e o planejamento das condições concretas, não só da educação especial, mas da escola pública como um todo” (OLIVEIRA, 1996, p. 39). De acordo com Ferreira (2004), outro aspecto que deve ser lembrado ao falarmos de políticas públicas de inclusão e que está no bojo das reformas observadas na década de 90, refere-se ao processo de descentralização, como decorrência do prescrito na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1994). Se, por um lado, apontamos as dificuldades inerentes ao processo de descentralização do poder, por outro, devemos apontar a possibilidade, mesmo que latente, de a comunidade reivindicar seus direitos de cidadania, lutando pelos preceitos que, mesmo estando estabelecidos em lei, se encontram ainda distantes da prática cotidiana. E é exatamente aqui que vislumbramos um cenário favorável à ampliação das Políticas Públicas Inclusivas, através de ações reivindicatórias que busquem principalmente melhores condições, que promovam as adequações necessárias para garantir, entre outras coisas, o acesso e a permanência de pessoas em situação de vulnerabilidade pessoal e/ou social de forma geral. Para Oliveira (2004) esse, certamente, é um momento precioso para o desenvolvimento de uma Educação Inclusiva, uma vez que ações inclusivas não surgem espontaneamente, mas dependerão de ações planejadas, as quais envolvem todos os setores sociais, não se restringindo à educação em si. O atendimento às necessidades educacionais extrapola a esfera meramente escolar e atinge todas as instâncias sociais, desde os setores de saúde e assistência social até o âmbito familiar. Como vemos, concretizar a idéia de um sistema inclusivo exige um planejamento bastante complexo, que engloba desde as ações a serem implementadas no macrossistema, a partir da elaboração de uma política diferenciada, até as ações pontuais no cotidiano através de um planejamento que atenda à diversidade. O artigo 227 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1994), também estabelece que a promoção e defesa dos direitos humanos só ocorrem quando se respeitam as diferenças individuais, garantindo a todos os cidadãos a igualdade de direitos e proteção a qualquer discriminação, e isso não deveria ser diferente em nenhum contexto. Entendemos, desse modo, que a inclusão deve basear-se no princípio da igualdade, em que respeitar a diferença não é se opor à igualdade e sim garantir direitos iguais para atender às necessidades específicas de cada um, considerando que todos são diferentes. Essa ideia é complementada pelo princípio da equidade que, por sua vez, postula o favorecimento de condições diferenciadas para suprir as 53 desigualdades sociais, culturais e econômicas daqueles que se encontram em situação de desvantagem. Aranha (2004), ao se referir a essas considerações, sintetiza a aplicação desses princípios, quando relata que reconhecer a diferença é ético. A falta da ética se dá quando as diferenças são utilizadas para a promoção de ações injustas, que desvelem desigualdades intoleráveis. Esta autora acrescenta que a adoção da inclusão social (promulgada em Jontiem, Salamanca e Dakar) delineia contornos da convivência não segregada e do acesso ao espaço comum e aos recursos disponíveis na sociedade. Isso vai ocorrer a partir das adaptações e da disponibilização de suportes necessários para participação de todos na vida doméstica; escolar; social; profissional e econômica. O Brasil, por ser partidário e signatário desse paradigma, deve estabelecer parâmetros que possibilitem a transformação social, em consonância ao atendimento à diversidade. Nessa perspectiva, estamos num momento de transformação das ideias, buscando compreender de forma diferenciada o processo de inclusão e papel da educação e da sociedade de forma geral neste contexto de formação humana, tendo consciência dos limites e atuando nas suas possibilidades. Os objetivos deste modelo inclusivo do qual estamos falando, centram-se na aprendizagem e no apoio ao educador e ao cidadão, no sentido de garantir o desenvolvimento das capacidades individuais. Para Mantoan (2001, p. 62), inclusão “é a nossa capacidade de entender e reconhecer o outro e, assim, ter o privilégio de conviver e compartilhar com pessoas diferentes de nós.” Como se pode perceber, a definição de inclusão é ampla e abrange não apenas as necessidades especiais, mas toda a variedade e diversidade social, devendo visar à aprendizagem e à construção de competências que habilitem para a cidadania. Para Corbett (2001) “a educação inclusiva diz respeito à qualidade da educação comum e não somente à educação especial”. Os questionamentos que percorrem o presente estudo, são resultado de leituras, conversas, observações e reflexões sobre o papel da inclusão produtiva e sua conexão com a educação, formando um sistema de parceria fundamental. Apesar dos principais conceitos acima serem voltados para a educação e inclusão de pessoas com necessidades especiais, será imprescindível conceituarmos o tema em questão, pois conforme o Dicionário de Termos Técnicos da Assistência Social, (BELO HORIZONTE, 2007), a inclusão produtiva deverá ser respaldada por uma ação pedagógica orientada. Segue seu objetivo principal: 54 A inclusão produtiva tem por objetivo qualificar o cidadão para sua inserção no mundo do trabalho através da formação, qualificação profissional e projetos de geração de trabalho e renda. São oferecidos cursos através de uma ação pedagógica orientada a formar cidadão a partir de 16 anos em situação de risco social ou pessoal (BELO HORIZONTE, 2007. p. 51). Segundo a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) os projetos de inclusão produtiva devem estar articulados com as políticas setoriais e inseridos em políticas de desenvolvimento regional, e objetivam: a) promover ações que possibilitem a inserção de indivíduos no mercado de trabalho; c) contribuir para o seu processo de emancipação social; d) ampliar os trabalhos executados por cooperativas comunitárias e outros sistemas associativos; e) abertura de frentes de trabalhos compatíveis com a vocação econômica do município; f) garantir a convivência familiar e comunitária. Sendo assim, a inclusão produtiva pode ser caracterizada através de ações de enfrentamento às vulnerabilidades socioeconômicas, conforme estabelecido no art. 25, Inciso V, da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), viabilizando a promoção social do cidadão em situação de vulnerabilidade, visando a sua autonomia e garantindo o seu acesso às condições mínimas de sobrevivência, elevando assim a sua qualidade de vida. A partir das considerações apresentadas anteriormente, principalmente sobre os processos de inclusão produtiva voltados para o cidadão em situação de vulnerabilidade, principalmente no caso do adolescente, devemos considerar que a sua inserção ocupacional exerce duas funções que devem ser consideradas: a) a função moral e disciplinadora; b) a função de subsistência. A primeira aparece no sentido de manter o adolescente ocupado, afastando-o do crime e da marginalidade. Através do pressuposto de que o espaço laboral é o ambiente oposto à desorganização da rua, por exemplo, a exploração do trabalho infantil foi muitas vezes justificada (MINAYO-GOMEZ; MEIRELLES, 1997). A segunda função encontra consonância no caráter de subsistência do trabalho. A percepção deste como meio de obtenção do sustento econômico é bastante forte atualmente e, em muitos momentos acaba por justificar a utilização indevida do trabalho de crianças e adolescentes como componentes estruturais da economia brasileira (MINAYO-GOMEZ; MEIRELLES, 1997). Assim, ainda que para parte da população a escolha profissional seja determinada pela interação entre as aspirações individuais e as determinações sociais, sendo que cada um tem sua parcela na efetivação dessa escolha, para grande parte dos adolescentes em situação de vulnerabilidade as condições socioeconômicas são fortemente determinantes na inserção desse público no mundo do trabalho, devido comprovações neste estudo. 55 Referente à inclusão produtiva é necessário apontar uma possibilidade pouco enfatizada nas propostas de intervenção existentes: considerar o trabalho como fonte de satisfação e prazer e como elemento fundamental no processo de construção da identidade juvenil, juntamente com a família, a escola e os grupos sociais (BOHOSLAVSKI, 1997). Sendo assim, a inclusão produtiva muda o status do indivíduo a quem se atribui valores importantes como o respeito e a assimilação das normas necessárias ao convívio social. Além disso, o trabalho confere um sentimento de utilidade aos adolescentes trabalhadores, em oposição ao não-trabalho, associado ao sentimento de inutilidade. Dentro de uma sociedade em que se valoriza a centralidade do trabalho na vida das pessoas (SUPER D.; SAVICKAS; SUPER C., 1996), ironicamente esse aspecto é preterido nas intervenções com adolescentes em situação de vulnerabilidade, que parecem não ter a permissão de buscar prazer no trabalho e estruturar seus projetos de vida a partir dele, passando apenas a cumprir tarefas. E é justamente a ausência de uma identidade pessoal e social que torna tanto a educação quanto o trabalho sem significado para esse público (ZAGOTTO et al., 2001). Consideramos que a reflexão sobre o papel da inclusão produtiva possui como objetivo a resignificação do trabalho na vida do indivíduo – reavaliando crenças e valores presentes em suas histórias de vidas e propondo uma mudança de paradigmas na representação do mesmo. Cabe ressaltar que a partir do ECA (1990), algumas iniciativas surgiram com o intuito de fechar esta lacuna, propondo programas que tem como objetivo a educação “pelo trabalho” e não, a educação “para o trabalho”, ao qual estamos chamando no presente estudo de inclusão produtiva. Essas iniciativas devem subordinar o produtivo ao formativo, dando apoio integrado ao adolescente e novo significado à atividade exercida (MELO-SILVA; DUARTE; OLIVEIRA, 2003). Em relação à conexão trabalho-escola numa vertente inclusiva, existem evidências de que esta relação pode ser fundamental. Acredita-se que a escola pode, ainda, auxiliar o adolescente a desenvolver sua identidade profissional. As escolas ditas “inclusivas” devem auxiliar os adolescentes a obter aprendizado pelo trabalho. A partir dos objetivos, conceitos e reflexões explicitados foi possível chegar ao seguinte significado de inclusão produtiva: é uma ação pedagógica voltada para o cidadão em situação de vulnerabilidade pessoal e/ou social acima de 16 anos de idade, no sentido de contribuir para sua preparação e futura inserção no mundo do trabalho. 56 2.3 Iniciação socioprofissional de adolescentes e a função das organizações sociais Segundo o artigo 69 do ECA, “o adolescente tem direito à profissionalização e à proteção no trabalho, observados os seguintes aspectos, entre outros: I - respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento; II - capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho.” No caso dos adolescentes em conflito com a lei, o SINASE no eixo temático 6.3.7 que diz respeito à Profissionalização, Trabalho e Previdência, especificamente no 6.3.7.1 Comum a todas as entidades e/ou programas que executam a internação provisória e as medidas socioeducativas, no item 4 preconiza: Encaminhar os adolescentes ao mercado de trabalho desenvolvendo ações concretas e planejadas no sentido de inserí-los no mercado formal, em estágios remunerados, a partir de convênios com empresas privadas ou públicas, considerando, contudo, o aspecto formativo” (SINASE, 2006, p. 64). Nessa mesma perspectiva, Volpi (2002) defende que os adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas devem ser orientados pela concepção do trabalho como princípio educativo. Ele cita também nessa obra, que pesquisas anteriores ao ECA registraram que a maioria dos adolescentes internos apresentava uma concepção negativa em relação ao trabalho, devido à obrigação de realizar atividades sem utilidade prática e muitas vezes vexatórias, utilizadas como punição. Para ele as atividades profissionalizantes e o trabalho não podem ser utilizados como castigo, mas como uma importante dimensão da vida humana. Quando se fala em iniciação socioprofissional de adolescentes, não se pode deixar de citar a família, pois ela constitui uma instituição relevante no processo de reprodução social, e para tal, configura-se como grupo de convivência organizado por elementos culturais, no qual os interesses individuais de cada um de seus integrantes se conjugam com o interesse coletivo da unidade doméstica como um todo (ROMANELLI, 1997). Enquanto primeiro grupo de convivência, a família tem dois lugares distintos: um das representações simbólicas e outro da maneira pela qual organiza o consumo de bens materiais devido à cooperação econômica de seus componentes (DURHAM, 1980). Por isso, a esfera privada configura-se como espaço de reelaboração das representações sobre a esfera pública, pois segundo Hannah Arendt (1991) “[...] tudo que vem do público pode ser visto e ouvido por todos [...]” e envolve o modo como os indivíduos interpretam, dentre outros, o universo do trabalho, da política, do sistema educacional, da religião e do lazer. As famílias em situação de vulnerabilidade podem ser consideradas como constituídas pela população “pobre”, principalmente dos grandes centros urbanos, que vivem 57 em condições financeiras precárias, decorrentes da reduzida qualificação ocupacional e da baixa escolaridade de seus integrantes, limitado aos serviços públicos, como educação e saúde (ROMANELLI, 1997)26 A importância do rendimento do trabalho dos filhos para assegurar o consumo de bens e serviços necessários à sobrevivência e reprodução do grupo doméstico foi documentada em estudos sobre as classes em situação de vulnerabilidade, principalmente na obra de Machado Neto (1980). Os estudos apontam a importância que estas famílias atribuem à escolarização dos filhos, a qual resulta da representação que pais e filhos fazem da escola e do mercado de trabalho, isto é, a possibilidade de se conseguir emprego e melhores colocações profissionais nas representações da família, o acesso ao ensino público – fundamental e médio – o que é considerado pelos integrantes do grupo familiar como obrigação do Estado, ou seja, um direito social de todo cidadão. A seguir serão explicitados alguns pontos da legislação sobre a aprendizagem voltada para o público adolescente de uma forma geral e não somente para os que estão em cumprimento de medida socioeducativa. De acordo com o Juiz Dr. Hélio Mário de Arruda, do Tribunal Regional do Trabalho – TRT da 17ª Região (ARRUDA, 2001), no direito do trabalho brasileiro o contrato de aprendizagem é destinado ao adolescente trabalhador entre quatorze e dezoito anos de idade. Inexplicavelmente o legislador não determinou a aplicação das normas especiais de aprendizagem ao trabalhador de 18 anos de idade em diante. Na década de cinquenta já se criticava a falta de orientação aos jovens a partir de 18 anos de idade segundo a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que ainda persiste, mesmo com a nova Lei n° 10.097 de 2.000 (ANEXO 08), que alterou vários artigos pertinentes à aprendizagem. A referida lei alterou a CLT e também alterou a lei do FGTS, no que se refere ao percentual do depósito relativo ao trabalhador aprendiz. O empregador deverá sempre contratar o aprendiz por escrito e por prazo determinado. O adolescente deverá estar inscrito em programa de aprendizagem. As obrigações de cada um em relação ao objetivo da aprendizagem deverá vir expresso no contrato (CLT, art. 428). A cláusula salarial fixará o salário pactuado que nunca será inferior ao salário mínimo hora (idem, § 2°). Preferencialmente os cursos de iniciação profissional serão ministrados pelos Serviços Nacionais de Aprendizagem, e supletivamente pelas Escolas Técnicas de Educação ou pelas entidades sem fins lucrativos – ONG’s, que tenham por objetivo a assistência ao ______________ 26 Romanelli (1997) e a maioria dos autores citados neste estudo utilizaram o termo “classes populares”, sendo substituído pelo termo atual, “famílias em situação de vulnerabilidade social”, conforme explicado acima. 58 adolescente e à educação profissional, desde que registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CLT, art. 430). É imprescindível que tais entidades tenham uma estrutura adequada ao desenvolvimento dos programas de aprendizagem, de forma a manter a qualidade do processo de ensino, bem como em condições de acompanhar e avaliar os resultados (idem, § 1°). O certificado de qualificação profissional será concedido aos aprendizes que concluírem os cursos de aprendizagem, com aproveitamento (idem, § 2°). Cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego fixar as normas para avaliação da competência de tais entidades, ou seja, os critérios para a avaliação do desempenho das entidades de aprendizagem (idem, § 3°). O curso se desenvolverá em atividades teóricas e práticas, metodicamente organizadas em tarefas de complexidade progressiva desenvolvidas no ambiente de trabalho (CLT, art. 428, § 4°). Todos os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem um número de aprendizes equivalente a 5% no mínimo, e 15% no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional. O percentual será calculado não pelo conjunto dos trabalhadores na empresa, mas sim dos trabalhadores em cada estabelecimento, ou seja, fábrica, loja, entre outros (CLT, art. 429). O limite percentual é inaplicável quando o empregador for entidade sem fins lucrativos, que tenha por objetivo a educação profissional (idem, § 1°-A). As frações de unidade, no cálculo da percentagem darão lugar à admissão de um aprendiz (idem, § 1°). A Carteira de Trabalho e Previdência Social do adolescente aprendiz deverá ser anotada; ele deverá estar matriculado e frequentando a escola, caso não tenha concluído o ensino fundamental, além de estar inscrito em programa de aprendizagem desenvolvido sob a orientação daquelas entidades acima referenciadas (CLT, art. 428, § 1°). O Adolescente trabalhador poderá ser contratado não somente pela empresa onde se realizará a aprendizagem, mas também pelos Serviços Nacionais de Aprendizagem ou entidades similares, em autêntica terceirização, mediante contratação por empresa interposta. Nesse caso o vínculo de emprego será com a entidade educadora e não com a empresa tomadora dos serviços. Todavia, é aplicável, à hipótese, a Súmula n° 331, IV, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em ocorrendo a inadimplência do empregador/instituição de ensino, respondendo subsidiariamente o tomador dos serviços (CLT, art. 431). Os cursos de aprendizagem não poderão ser estipulados por tempo superior a dois anos (CLT, art. 428, § 3°). A jornada de trabalho será no máximo de 06 (seis) horas, afastada qualquer possibilidade de prorrogação e compensação de jornada, exceto aos aprendizes que 59 já tiverem completado o ensino fundamental, se nelas forem computadas as horas destinadas à aprendizagem teórica, estes poderão ter uma jornada de 08 (oito) horas (CLT, art. 432, § 3°). Nesta última hipótese será obrigatória a concessão de intervalo para descanso e refeição (CLT, art. 411). O depósito do FGTS será somente no percentual de 2% da remuneração paga ou devida no mês anterior (Lei n. 8.036/90, art. 15, § 7°). No termo do contrato de aprendizagem ou quando o aprendiz completar 18 anos de idade acarretará a extinção do contrato, e em algumas hipóteses poderá extinguir-se antecipadamente. O desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz, ou seja, quando o adolescente não tiver bons resultados escolares ou não conseguir se adaptar às atividades de formação profissional poderá acarretar a extinção do contrato de aprendizagem (CLT, art. 433, I). A falta disciplinar grave autorizará a despedida do adolescente trabalhador (inciso II). A ausência injustificada à escola que implique perda do ano letivo também autorizará a extinção do contrato de aprendizagem (inciso III). Finalmente, o pedido de demissão do próprio aprendiz também implicará a extinção do contrato de aprendizagem (inciso IV). Inadmissível será a rescisão do contrato de aprendizagem, sem justa causa, por parte do empregador. Contraditória foi a redação do § 2°, do art. 433, da CLT, no que tange a inaplicabilidade do artigo 479, porquanto nenhuma das hipóteses dos incisos do artigo 433, da CLT, se refere a despedida do empregado sem justa causa. Se o legislador teve essa intenção, frustrada ela ficará face ao erro no enquadramento legal. Na verdade o empregador continuará tendo que indenizar o empregado na despedida do aprendiz sem justa causa, conforme entendimento do Juiz Dr. Hélio Mário de Arruda, citado anteriormente. Podemos citar no contexto de aprendizagem descrito, a função das Organizações Sociais (OS’s), que vem desenvolvendo seu trabalho junto a adolescentes das classes mais vulneráveis e tem como objetivo dar-lhes formação socioprofissional, orientação educacional, cultural e esportiva, defendendo seus direitos trabalhistas e previdenciários e controlando suas relações no trabalho, em conformidade com as disposições da Lei 10.097 de 2000, citada e do ECA. Uma das formas de atuação das OG’s tem sido a participação nos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, tanto em nível municipal como Estadual e até nacional e também pela atuação do Ministério do Trabalho e Emprego em locais impróprios ao trabalho de adolescentes. A expansão das Organizações Sociais nos anos 1990 fez com que estas se tornassem quase que substitutas dos movimentos sociais da década anterior (GOHN, 1997). Estas organizações têm a função de orientar o adolescente, acompanhar o seu processo 60 escolar27 e (re)encaminhá-lo à escola sempre que necessário e principalmente realizar sua iniciação profissional, baseada no exercício da cidadania e futuramente inseri-lo em trabalho adequado à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. O ambiente de trabalho, quando condizente com o descrito no Capítulo V do ECA (Direito à Profissionalização e à Proteção no Trabalho), pode favorecer ao adolescente o aprendizado de novas formas de sociabilidade e suas variadas representações, mesmo estando ele submetido ao controle de seus superiores, principalmente no tocante a continuidade de seus estudos. O adolescente deverá ter a oportunidade de ampliar suas experiências, o que favorece o seu processo de amadurecimento psicológico e intelectual. Através do trabalho remunerado o adolescente conquistará sua autonomia financeira e, consequentemente, diante da autoridade dos responsáveis, conquistará também uma maior liberdade. Para Hannah Arendt (1991), “o que preside o processo de labor e todos os processos de trabalho executados à maneira do labor não é o esforço intencional do homem nem o produto que ele possa desejar, mas o próprio movimento do processo e o ritmo que este impõe aos operários”. Daí ser necessário evitar atividades limitadas a movimentos repetitivos, monótonos e automatizados, devido às consequências negativas que tais atividades podem acarretar nesta fase de desenvolvimento físico, psicológico e social dos adolescentes. As Organizações Sociais devem oferecer os seguintes programas de treinamento aos adolescentes: Formação para a Cidadania e Valores Humanos, Qualificação, Proteção e Inserção do Adolescente no Mercado de Trabalho. Toda equipe técnica, principalmente o profissional de Serviço Social responsável por encaminhá-lo, deverá levar em conta o perfil e o desejo do candidato28. As empresas que empregam os adolescentes deverão manter um Contrato de Prestação de Serviço com a organização responsável, que repassará mensalmente à segunda um salário mínimo a ser pago ao adolescente, além de arcar com todos os encargos sociais e com o pagamento de 10% do salário-mínimo para a manutenção da organização. O contrato ainda estipula que os adolescentes serão submetidos a exame médico antes da admissão na empresa, terão registro em carteira de trabalho, direitos previdenciários garantidos e seguro de vida (VOLPE, 1999). ______________ 27 A preocupação com a escolarização dos adolescentes torna-se mais relevante quando se trata de alunos das classes mais vulneráveis, pois registram-se elevados índices, tanto de analfabetismo quanto de reprovação e evasão escolar (ZAGO, 2000). 28 Volpe (1999) enfatiza a importância do perfil e do desejo do candidato, para um desempenho adequado à função oferecida pela empresa. 61 O Serviço Social tem a atribuição de entrar em contato com empresas para abertura de novas vagas para os adolescentes, desenvolver trabalho junto às escolas através de palestras, participar de fóruns regionais com o intuito da erradicação do trabalho infantil e na formação de Conselhos Municipais. Devem também servir de canal de veiculação de informações sobre o ECA para os empresários, adolescentes e seus grupos familiares. Conforme a Lei 10.097/2000, torna-se necessário enfatizar que, para o adolescente ser integrado nestas Organizações Sociais é necessário estar matriculado e frequentando a escola regularmente, já que a idéia básica de profissionalização, contida no ECA, é que ela se dará atrelada ao sistema educacional, com a finalidade de iniciá-lo profissionalmente, mas não perdendo de vista o cidadão29. Periodicamente as escolas e as empresas deverão enviar à equipe técnica das Organizações Sociais um controle da frequência escolar e notas dos alunos, bem como o desempenho e a conduta dos adolescentes no trabalho. É importante ressaltar que as atividades exercidas pelos adolescentes concentram-se basicamente no setor de serviços e ao completarem 18 anos, cessa o contrato dos adolescentes com a organização e com a empresa contratante, podendo ele ser novamente contrato ou não, dependendo do interesse da empresa e do desempenho e habilidade do mesmo quanto ao trato interpessoal e nas atividades laborais. ______________ 29 Iniciar o adolescente profissionalmente não perdendo de vista o indivíduo como cidadão, nos dá a possibilidade de denominar este subitem de iniciação socioprofissional. CAPÍTULO III – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 3.1 Campo de estudo O campo de estudo é concebido como o recorte que fizemos, em termos de espaço, em uma realidade social, representativa da realidade empírica estudada. Segundo Bourdieu (1983), um recorte espacial é ocupado por pessoas e grupos que convivem numa dinâmica de interação social e são atores de um determinado contexto a ser investigado. O campo se constitui como espaços estruturados de posições. Tais postos possuem propriedades inerentes que variam de acordo com o local que ocupam, podendo ser analisadas independentemente das características de seus ocupantes, mas é em parte determinada por elas. Estes espaços sociais possuem leis gerais que regem campos diversos, o que permite a elaboração de uma teoria que seja aplicável a todos os campos, para sua análise. Juntamente com as leis gerais, os campos apresentam regulações específicas que contribuem para o conhecimento dos mecanismos gerais, já que estes se especificam em razão de variáveis secundárias. A partir dessa abordagem bourdiniana, consideramos 05 Centros Socioeducativos de Internação de Belo Horizonte/MG, descritos a seguir; como campos para a realização do estudo pretendido: a) Centro de Reeducação Social São Jerônimo (CRSSJ): possui capacidade para trinta adolescentes do sexo feminino em regime de internação e internação provisória30 e está localizado à Rua Santo Agostinho, nº 1361- Horto; b) Centro Socioeducativo Santa Clara (CSESC): possui capacidade para 50 (cinquenta) adolescentes do sexo masculino em regime de internação e está localizado na Estrada Beira Linha, s/nº – Capitão Eduardo; c) Centro Socioeducativo Santa Helena (CSESH): possui capacidade para 30 (trinta) adolescentes do sexo masculino em regime de internação e está localizado na Av. Senador Levindo Coelho, nº 940 – Distrito Industrial – Vale do Jatobá; ______________ 30 O Centro Socioeducativo São Jerônimo possui também regime de internação provisória por ser o único para adolescentes do sexo feminino no Estado de Minas Gerais. A internação provisória deverá ser aplicada a adolescente pelo prazo máximo de 45 dias, até que ocorra audiência, onde o Juiz da Vara da Infância e Juventude aplicará a medida adequada ao caso em questão. Foi verificado que a incidência de adolescentes do sexo feminino é menor que a do masculino, mas mesmo assim existe a necessidade de mais Centros dessa modalidade no Estado de Minas Gerais. 63 d) Centro Socioeducativo Santa Terezinha (CSEST): possui capacidade para 30 (trinta) adolescentes do sexo masculino em regime de internação e está localizado na Rua Conselheiro Rocha, nº 3792 – Santa Tereza; e) Centro de Atendimento ao Adolescente (CEAD): possui capacidade para 30 (trinta) adolescentes do sexo masculino em regime de internação e está localizado na Rua Viva de Carvalho, nº 64 – Lindéia; Estes cinco Centros Socioeducativos de Belo Horizonte descritos estão sob a responsabilidade direta da Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS) através da Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (SUASE), atualmente localizada na Rua Rio de Janeiro 471, 18º andar, Centro – Belo Horizonte/MG. A seguir apresentamos um breve histórico sobre a Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS) e sobre a Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (SUASE) a partir de informações envidadas pela DGIP/SUASE em março de 2009. A SEDS foi criada em 2003 pelo Governador Aécio Neves, em substituição às Secretarias de Segurança Pública e Justiça. A criação da SEDS vai além da junção dessas duas Secretarias. Ela representou o início do delineamento de uma Política Estadual de Segurança Pública, pois sua missão é promover a segurança da população em Minas Gerais, desenvolvendo ações de prevenção à criminalidade, integração operacional dos órgãos de Defesa Social, custódia e reinserção social dos indivíduos privados de liberdade, proporcionando a melhoria da qualidade de vida das pessoas. A característica principal do antigo modelo era o “gerenciamento de crises”, já o novo é de “Gestão por Resultados”, específico para o combate à criminalidade. Esse modelo consiste em acompanhamento intensivo das atividades, que são desenvolvidas em quatro etapas: Planejamento, Execução, Monitoramento e Avaliação (PDCA). Uma das principais inovações do novo modelo foi a criação do Colegiado de Integração de Defesa Social, instância deliberativa máxima do Sistema de Defesa Social, composta pela SEDS, através da Subsecretaria de Administração Prisional (SUAPI) e Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (SUASE), da Polícia Civil (PCMG), da Polícia Militar (PMMG), do Corpo de Bombeiro (CBMMG) e da Defensoria Pública de Minas Gerais, que se reúnem periodicamente para discutir, planejar e deliberar. Segue o organograma do Sistema de Defesa Social: 64 FIGURA 2 – Organograma do Sistema de Defesa Social de Minas Gerais Fonte: Secretaria de Defesa Social de Minas Gerais No tocante à Política de Atendimento ao adolescente em conflito com a lei, autor de ato infracional, pode-se dizer que foi fortalecida no Estado a partir de 2003, e foi impulsionada em 2007, com a criação da Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (SUASE), específica para esse fim. Entre 2003 e 2008, foram criadas 603 vagas para atendimento de medidas socioeducativas de privação de liberdade no Estado de Minas Gerais. Nesse período, o número de unidades mais do que dobrou. Há cinco anos eram 12 unidades e 420 vagas. Atualmente, são 26 Centros Socioeducativos, com 1.023 vagas em todo Estado, devido ao aumento de atos infracionais cometidos pelos adolescentes. E segundo informações colhidas na SUASE, até 2010, deverão ser inauguradas mais sete unidades de internação, gerando mais 540 vagas no sistema, de forma que todas as regiões do Estado possuam um centro regionalizado para atendimento das demandas. Nos centros socioeducativos de internação, os adolescentes participam de projetos culturais, esportivos e de inclusão social. As atividades têm o objetivo de ensiná-los noções de trabalho coletivo, disciplina e força de vontade, além de contribuir para a melhoria de sua autoestima. Os adolescentes também frequentam aulas regulares do Ensino Fundamental e Ensino Médio. A SUASE também trabalha com a medida de semiliberdade em parceria com organizações da sociedade civil. Cabe a ela o repasse de recursos e toda a coordenação política do programa. Aos parceiros, cabe executar a parte administrativa, segundo orientações da SEDS. A semiliberdade em Minas Gerais foi desvinculada das medidas de privação de liberdade, ou seja, atualmente ela faz parte das medidas de meio aberto. O adolescente que cometeu ato infracional de menor potencial ofensivo é encaminhado a estas unidades, onde retorna para dormir, após cumprir uma série de atividades, utilizando o aparato comunitário: escola, oficinas profissionalizantes, atividades esportivas etc. Em maio de 2009 foi criado o Centro de Encaminhamento para Semiliberdade (CES), no bairro Horto, em Belo Horizonte, com capacidade para 32 adolescentes. Ainda no mesmo ano serão abertas mais quatro casas de semiliberdade na capital (sendo uma feminina) 65 e uma em Contagem, gerando 75 novas vagas. O ano de 2008 fechou com um total de 159 adolescentes atendidos em dez casas de semiliberdade. O Governo do Estado de Minas Gerais, através da SEDS, ampliou também o apoio técnico e financeiro às prefeituras mineiras que tiveram seus projetos de implantação de meio aberto selecionados, ou seja, nos Programas Liberdade Assistida (LA) e Prestação de Serviços a Comunidade (PSC). O meio aberto é uma modalidade que permite a execução de medidas de caráter socioeducativo sem a restrição da liberdade aos adolescentes autores de ato infracional de menor gravidade. A proposta visa a reduzir a reincidência de casos e a necessidade permanente de abertura de vagas de internação. Através do meio aberto, o autor de ato infracional cumpre a medida judicial com acompanhamento do Poder Judiciário, Ministério Público e da própria família, contando com o apoio de assistentes sociais e psicólogos. O cumprimento de medidas socioeducativas para autores de atos infracionais pelo meio aberto já contava, em 2007 com 170 vagas mantidas em convênios da SEDS com as prefeituras do interior de Minas Gerais. A SEDS firmou novas parcerias em 2008 com outros municípios totalizando o apoio e fomento a 540 vagas em meio aberto (LA e PSC) no Estado. No sentido de caracterização dos sujeitos da pesquisa, seguem dados documentais enviados pela DGIP/SUASE31 em março de 2009, referentes aos adolescentes nos 05 centros socioeducativos supra referidos no período de 2008: Caracterização dos Adolescentes: TABELA 1 Total de adolescentes em 2008 Centro CEAD CSESC CSEST CRSSJ CSESH Total Frequência % 46 74 62 211 51 444 10,4 16,6 14 47,5 11,5 100 Fonte: DGIP/SUASE (2009) ______________ 31 Nem todos os dados solicitados foram enviados pela SUASE. Isto poderá ser verificado no ANEXO A – Roteiro de Dados Documentais. 66 TABELA 2 Tipo de atos infracionais mais frequentes Ato Infracional Homicídio Tentativa de homicídio Lesão corporal Furto Roubo Latrocínio Tráfico de drogas Porte ilegal de armas Descumprimento de medidas Outros Total CEAD 4,8% 11,9% 14,3% 47,6% 2,4% 9,5% 4,8% 4,8% 100% CSESC 20,8% 2,8% 1,4% 8,3% 36,1% 22,2% 4,2% 4,2% 100% Centro CSEST 6,6% 6,6% 1,6% 11,5% 42,6% 13,1% 14,8% 3,3% 100% Fonte: DGIP/SUASE (2009) TABELA 3 Média de idade dos adolescentes Idade 12 13 14 15 16 17 18 19 20 Total % ,5 2,5 6,3 14,4 17,3 26,8 20,5 9,9 1,8 100,0 Fonte: DGIP/SUASE (2009) TABELA 4 Etnia dos adolescentes Raça ou cor Branco Pardo Preto Total % 30,6 51,6 17,7 100,0 Fonte: DGIP/SUASE (2009) CRSSJ 6,8% 2,5% 5,9% 17,8% 2,5% 50,8% ,8% 1,7% 11,0% 100% CSESH 8,0% 10,0% 6,0% 44,0% 2,0% 26,0% 4,0% 100% 67 TABELA 05 Escolaridade dos adolescentes Faixas de escolarização 1ª a 4ª séries 5ª a 9ª séries 1º ao 3º anos Total % 23,7 72,1 4,2 100,0 Fonte: DGIP/SUASE (2009) TABELA 6 Tipo de convivência familiar Convivência Em família de origem Sozinho Com sua própria família Em grupo Abrigo Outras instituições Trajetória de rua Total % 57,8 3,4 7,3 19,0 ,7 ,7 11,0 100,0 Fonte: DGIP/SUASE (2009) 3.2 Atores da pesquisa Os atores envolvidos neste estudo foram o(a) Diretor(a) Geral do Centro Socioeducativo, os adolescentes e alguns profissionais nas cinco unidades de Belo Horizonte, conforme detalhamento a seguir. Os primeiros atores sociais entrevistados foram os Diretores(as) dos Centros Socioeducativos32. Em cada um dos centros entrevistamos a Diretora Geral e todas eram do sexo feminino, num total de 05. A seguir entrevistamos os adolescentes em cumprimento de medida de internação, na faixa etária de 16 a 18 anos de idade. Nos meses de Fevereiro e Março de 2009 ocorreu a obtenção das informações e nesse período a população total nos 05 Centros Socioeducativos era de 161 (cento e sessenta e um) adolescentes, sendo que o público alvo da presente pesquisa era de 114 (cento e quatorze) ______________ 32 É necessário informar que o Centro Socioeducativo possui um Diretor(a) Geral, um Diretor(a) de Atendimento Socioeducativo e um Diretor(a) de Segurança. 68 adolescentes na faixa etária de 16 a 18 anos. Foram realizadas 43 (quarenta e três) entrevistas semi-estruturadas, ou seja, um percentual de 37,71% dos adolescentes, conforme Tabela 7: TABELA 7 População de adolescentes nos Centros Socioeducativos de Internação de Belo Horizonte/MG, fevereiro/março de 2009 CENTROS SOCIOEDUCATIVOS Total de Adolescentes Total de Adolescentes (16 a 18 anos) Total de Adolescentes Entrevistados (16 a 18 anos) Centro de Atendimento ao Adolescente (CEAD) 28 06 06 Centro de Reeducação Social São Jerônimo (CRSSJ) 34 26 07 Centro Socioeducativo Santa Clara (CSESC) 36 35 10 Centro Socioeducativo Santa Helena (CSESH) 31 24 10 Centro Socioeducativo Santa Terezinha (CSEST) 32 24 10 161 114 43 GERAL Fonte: Centros Socioeducativos de Belo Horizonte/MG, meses de Fevereiro e Março de 2009. O terceiro grupo foi o dos profissionais das unidades socioeducativas e para tal foi utilizada, em cada Centro, a técnica do Grupo Focal, num total de 05. Esta técnica foi realizada com profissionais de diversas funções, dentro da disponibilidade de cada centro a fim de facilitar a coleta dos depoimentos num menor espaço de tempo, devido ao grande número de atividades realizadas pelos profissionais no interior das unidades: no CEAD com 12; no CSESH com 09; no CSESC com 06; no CRSSJ com 05 e no CSEST com 09 profissionais. O GRÁFICO 1 explicita o universo de informações obtidas nos 05 Centros Socioeducativos de Belo Horizonte/MG: 69 GRÁFICO 1 Atores envolvidos no estudo Fonte: Centros Socioeducativos de Internação de Belo Horizonte/MG - Fevereiro/Março de 2009 3.3 Metodologia Minayo define a metodologia como “o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade”, acrescentando que a metodologia inclui as concepções teóricas de abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a construção da realidade e também o potencial criativo do pesquisador. A autora aponta, em outro momento, uma tendência contemporânea para a valorização do vivido, do qualitativo, das ciências que se ocupam dos significados, das motivações, dos valores (MINAYO, 2007, p. 14). A presente pesquisa foi realizada numa abordagem qualitativa, o que tornou possível uma reflexão teórica e crítica a respeito do conteúdo analisado. Essa abordagem foi utilizada por considerar a relação dinâmica entre o real e o sujeito, entre o mundo objetivo e o subjetivo o que dificilmente poderá ser traduzido em indicadores quantitativos, conforme Minayo (2007) [...] A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se ocupa, nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. Esse conjunto de fenômenos humanos é entendido aqui como parte da realidade social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com seus semelhantes. O universo da produção humana que pode ser resumindo no mundo das relações, das representações e da intencionalidade e é objeto da pesquisa qualitativa dificilmente pode ser traduzido em números e indicadores quantitativos (MINAYO, 2007, p. 21). 70 Antes da pesquisa empírica, foi necessário obter um embasamento teórico, que orientou todo o trabalho de obtenção das informações, de acordo com os seus objetivos. Este embasamento contribuiu para clarear e facilitar a construção dos instrumentais. Minayo (2007) sustenta que, ao invés de reconhecer na subjetividade um obstáculo para a construção científica, é necessário trazê-la para o interior da análise, considerando que nas ciências sociais o objeto é também sujeito e a produção científica é sempre uma criação que carrega a marca de seu autor. Nessa perspectiva, considerou-se a importância desta reflexão para abordar o adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de internação. Os instrumentais utilizados no exercício investigativo qualitativo foram: a Coleta Documental, realizada e enviada pela Diretoria de Gestão da Informação e Pesquisa – DGIP da SUASE e pelo próprio Centro Socioeducativo e a realização das Entrevistas SemiEstruturadas (com o Diretor(a) e com os adolescentes) e dos Grupos Focais (com profissionais). A princípio foi feita uma seleção dos adolescentes pela equipe técnica do Centro Socioeducativo, a fim de não interromper as atividades dos mesmos e posteriormente foram entrevistados apenas os adolescentes que concordaram em participar da pesquisa. Optamos por desenvolver o estudo com os adolescentes na faixa etária entre 16 à 18 anos de idade considerando os que estavam e que não estavam, inseridos em alguma atividade produtiva ou de geração de renda. O Grupo Focal é uma técnica bastante utilizada e que oferece informações qualitativas, por isso, a opção por realizá-la com os profissionais das unidades socioeducativas, com no mínimo 06 e no máximo 12 pessoas em diferentes funções – técnicos, agentes socioeducativos, serviços gerais, enfermeiros, professores, entre outras. As entrevistas semi-estruturadas foram fundamentais e são consideradas por Gil (1999) como uma das técnicas mais adotadas pelos pesquisadores sociais, devido a sua flexibilidade e por propiciarem uma forma de interação social entre investigador e investigado. Por meio das entrevistas pretendeu-se captar e compreender histórias de vida, discursos e opiniões dos atores pesquisados, pautando-se pelo cuidado em captar e registrar, fielmente, o ponto de vista sobre a realidade vivenciada pelos adolescentes e delimitada no objeto. Utilizou-se, para o tratamento dos dados, a técnica denominada Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) modalidade temática proposta por Lefèvre F. e Lefèvre A.: “A elaboração dos Discursos do Sujeito Coletivo é uma das formas de que o pesquisador pode lançar mão para reconstruir o universo de representações existente no campo pesquisado [...] (LEFÈVRE F.; LEFÈVRE A., 2003, p. 37). 71 O motivo da escolha dessa técnica se justifica por ser uma técnica de pesquisa qualitativa, que consiste basicamente em analisar o material coletado de entrevistas e documentos, extraindo-se deste material as Expressões Chaves (ECH), Ancoragem (AC), as Ideias Centrais (IC), e finalmente os discursos individuais considerados como base dos discursos coletivos, ou discursos-síntese, que estarão na forma de enunciados a nos fornecer através de palavras escritas ou depoimentos, as informações que buscamos a partir de nossos objetivos para fundamentar a análise sobre o tema pesquisado. Os DSC – que podem resultar tanto das Ideias Centrais quanto das Ancoragens – podem ser compostos de um ou mais depoimentos que apresentam um sentido singular que, sob uma forma discursiva refletem os pensamentos e os valores associados a um dado tema, presentes numa formação sócio-cultural num dado momento histórico. No DSC, por um lado, os elementos do conjunto, os conteúdos das informações individuais, não se anulam já que o objetivo não é produzir uma soma matemática, mas um discurso coletivo que veicule um sentido, um posicionamento, uma opinião onde o colorido e os matizes que cada depoimento individual confere a esta opinião coletiva estejam preservados. Dessa forma, optou-se por utilizar somente as ECH’s e as IC’s dos discursos, podendo ser definidos sinteticamente como: As Expressões Chaves (ECH) são pedaços, trechos ou transcrições literais do discurso, que devem ser sublinhados, iluminados, coloridos, pelo pesquisador, e que revelam a essência do depoimento. A esta base denominamos de Ancoragem (AC) e esta é a base teórica onde o discurso está fundamentado. A Idéia Central (IC): é um nome ou expressão linguística que revela e descreve da maneira mais sintética, precisa e fidedigna possível o sentido das afirmações específicas presentes em cada um dos discursos analisados. É importante assinalar que a IC não é uma interpretação, mas uma descrição do sentido de um depoimento ou de um conjunto de depoimentos. O DSC, enquanto figura metodológica é um discurso-síntese, redigido na primeira pessoa do singular, sendo elaborado a partir das Ideias centrais, expressões chaves e/ou ancoragens, compondo a soma das Ideias e da base contextual dos discursos elaborados. O processo de construção do DSC foi baseado nas entrevistas semi-estruturadas e nos grupos focais e na identificação das ECH’s, uma figura metodológica constituída por trechos selecionados nos Instrumento de Análise 1, 2 e 3 (IAD 1; IAD 2 e IAD 3), separadamente para cada resposta relacionada a uma pergunta específica. 72 A seguir, as IC’s identificadas nos depoimentos de cada informante foram listadas conjuntamente para cada pergunta respondida como parte do Instrumento de Análise 1, 2 e 3. As IC’s identificadas como equivalentes, foram instituídas como categorias que somaram respostas de diferentes informantes sobre uma mesma denominação de modo a preservar a IC de cada um deles. Com isso foi possível chegar ao DSC em cada questão do roteiro de entrevistas e de grupo focal. Buscou-se, na verdade, através do DSC, o sentido ou os sentidos produzidos pelas falas dos informantes, enquanto elementos recorrentes que possam oferecer indicações sobre a temática da inclusão produtiva em questão, observando com cautela a relação entre o que é dito e o que é escrito, ou seja, a forma como o discurso é recebido por quem ouve ou lê suas palavras. Dessa forma os DSC’s permitem reconstruir as representações como entidades qualitativas na medida em que estas aparecem como discursos. É importante esclarecer que nesse estudo, conforme Castro (2008) consideraremos o discurso como uma construção social, não individual, e que só pode ser analisado considerando seu contexto histórico-social; significa ainda que o discurso reflete uma visão de mundo determinada necessariamente, vinculada à do(s) seu(s) autor(es) e à sociedade em que vivem. Tais discursos são qualidades porque são coisas que não existiam sob esta forma, antes da pesquisa. Uma representação social33 construída pelo DSC é uma qualidade muito particular que poderíamos chamar de opinião ampliada. (LEFÈVRE F.; LEFÈVRE A., 2006) 3.4 Obtenção de Informações Conforme já explicitado anteriormente, os dados foram obtidos através de diferentes técnicas de pesquisa, especificamente: a pesquisa documental; as entrevistas semiestruturadas e o grupo focal, descritos a seguir. A palavra documento tem uma conotação ampla, abrangendo material escrito, estatístico e iconográfico. Assim, esclarece Godoy (1995), o exame de materiais de natureza diversa, que ainda não receberam um tratamento analítico ou que podem ser reexaminados, buscando-se novas formas e/ou interpretações complementares, constitui o que foi denominado de Pesquisa Documental. Esse tipo de forma de obter informações, oferece ______________ 33 De acordo com a Wikipédia, a enciclopédia livre, Representações Sociais são o conjunto de explicações, crenças e ideias que nos permitem evocar um dado acontecimento, pessoa ou objeto. Estas representações são resultantes da interação social, pelo que são comuns a um determinado grupo de indivíduos. 73 vantagens como o estudo de pessoas e situações às quais não podemos acessar, o fato de se poder contar com uma fonte não-reativa, uma vez que os dados não se alteram por um longo período de tempo e de possibilitar análises longitudinais, através do estudo de longos períodos de tempo na identificação de tendências. Para a coleta de material sob a forma de documentos escritos e estatísticos foi utilizado um roteiro específico (APÊNDICE A). Os dados obtidos foram fornecidos pela Diretoria de Gestão da Informação e Pesquisa (DGIP) da SUASE. As entrevistas do tipo, semi-estruturadas foram realizadas concomitantemente, com dois segmentos com roteiros específicos: a) um para os(as) os Diretores(as) dos Centros Socioeducativos (APÊNDICE B), constituída de identificação e 05 questões. Em cada um dos centros a Diretora Geral, a qual denominaremos de DSC-D, independentemente do centro socioeducativo que estão responsáveis; b) e outro para os adolescentes em cumprimento de medida de internação (APÊNDICE D), na faixa etária, entre 16 a 18 anos de idade, conforme explicitado no item Atores da Pesquisa (3.2 do Capítulo III) do presente estudo, constituída de identificação e oito questões e serão denominados DSC-A. As entrevistas foram realizadas mediante consentimento de cada informante, após os esclarecimentos sobre a participação dos mesmos na pesquisa. Este consentimento foi estabelecido pela assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ANEXO C). As entrevistas foram realizadas nas próprias unidades socioeducativas em horários pré-estabelecidos pela Direção, inclusive em finais de semana, no sentido de não interferir na rotina de atividades realizadas pelos(as) adolescentes. As entrevistas foram gravadas em aparelho de MP3, mediante consentimento verbal da Direção e de cada informante, com assinatura do Termo citado acima e posteriormente transcritas e digitadas. Além dos dados de identificação constantes nesses roteiros, esses foram complementados pelos dados da coleta documental. Para complementar as informações de forma mais eficiente, contemplando um maior número de profissionais e facilitar a interlocução interdisciplinar sobre o tema em questão, foram realizados, cinco grupos focais nos Centros Socioeducativos já descritos. Os grupos foram realizados apenas com profissionais que foram escolhidos pela direção, de acordo com a disponibilidade dos mesmos, respeitando apenas um maior número de especificidades profissionais possíveis: no CEAD com 12; no CSESH com 09; no CSESC com 06; no CRSSJ com 05 e no CSEST com 09. Esse segmento foi denominado DSC-P. Para realização dos grupos foi necessário um empenho da equipe de direção do Centro Socioeducativo e disponibilidade dos profissionais. Assim, foram necessárias cinco 74 datas previamente agendadas em cada uma das instituições. A pesquisa de campo aconteceu em fevereiro e março de 2009. Devido ao grande número de atividades o grupo foi organizado em apenas um dia por aproximadamente uma hora e trinta minutos. A técnica do grupo focal34 foi introduzida com a música Pivete, composição de Chico Buarque e Francis Hime, no sentido de sensibilizar e introduzir o tema em questão (ANEXO A). Ocorreu sem maiores problemas, necessitando apenas da pesquisadora para dar sequência às questões chaves e à temática relacionada que deveria ser enfocada nas discussões, conforme o roteiro (APÊNDICE C). Segundo Minayo (2000) a técnica de Grupo Focal viabiliza o acesso, através da interação às visões e aos dados que dificilmente seriam disponibilizados sem a situação peculiar da troca e do debate. Krueger (1994, p. 15) define Grupo Focal como “uma determinada técnica de entrevista, direcionada a um grupo que é selecionado pelo pesquisador a partir de determinadas características identitárias, visando obter informações qualitativas.” Minayo (2000, p. 24) ressalta que “ao buscar obter informações qualitativas, persegue-se apreender os valores e códigos do grupo, seus modelos explicativos da realidade social e de suas próprias experiências; assim como seus quadros de relevância.” Buscando apreender mais essa técnica e retirar dela todo o potencial para o trabalho compreensivo, tornou-se necessário entender seu uso e sua história nas ciências sociais. Apenas na década de 40 o termo “Grupo Focal” foi utilizado e estruturado por Robert Merton e colaboradores, que realizaram pesquisas sociais com soldados durante a Segunda Guerra Mundial, cujo objetivo era conhecer a eficácia do material de treinamento para as tropas e o efeito de propagandas persuasivas. Em 1952, Thompson e Demerath estudaram os fatores que influenciavam a produtividade nos grupos de trabalho, ao mesmo tempo em que Paul Lazarsfeld e outros adaptaram o Grupo Focal para pesquisas em Marketing. Nos anos 90, esta metodologia passou a ser amplamente utilizada em pesquisas de opinião, de marketing, mas também em várias áreas de conhecimento, dentre as quais o campo da saúde, vários autores têm analisado o comportamento em crianças, adolescentes e adultos a partir dessa técnica, inclusive Minayo (2000). O Grupo Focal foi definido por Morgan (1987) como uma técnica de pesquisa. É denominado grupo, por envolver mais de dois participantes, possuir sessão ou sessões semiestruturadas, um setting informal e um moderador que coordena e lidera as atividades e os ______________ 34 Mesmo tendo ciência dos procedimentos e roteiros da técnica do Grupo Focal, a pesquisadora sob anuência da orientadora, introduziu um elemento novo, ou seja, a música - no sentido de possibilitar abertura para o tema em questão, auxiliando na descontração dos profissionais. 75 participantes. O termo focal é designado pela proposta de coletar informações sobre um tópico específico. Os Grupos Focais são eficientes na etapa de levantamento de informações, pois um número pequeno de grupos pode gerar um extenso número de Ideias sobre as categorias necessárias para o estudo desejado. Auxilia o pesquisador a conhecer a linguagem que a população usa para descrever suas experiências, seus valores, os estilos de pensamento e o processo de comunicação. A seleção dos participantes do Grupo Focal tem como base suas experiências em comum e relacionadas ao tópico de investigação. Quanto maior a complexidade do tema, menor deve ser o número de participantes no grupo. O ideal é de seis a doze pessoas por sessão. É importante que haja duas pessoas neste processo onde uma delas faz o papel de moderador do grupo e outra se responsabiliza pela relatoria e pela gravação. Minayo (2000). Os cinco grupos realizados nos Centros Socioeducativos apresentaram características bastante similares. Ambos tiveram o número de participantes desejável e foram contemplados 41 profissionais de diversas áreas. Os grupos contaram com a participação de duas pessoas, a pesquisadora que fez o papel de moderadora, e uma auxiliar convidada que ficou responsável por registrar o debate. Antes de iniciar o trabalho de grupo, que aconteceu em uma sala isolada onde o sigilo pudesse ser mantido, explicamos o sentido da pesquisa, a importância de utilizar o gravador e que era imprescindível sua presença ali por vontade própria. Pedimos o consentimento dos profissionais e todos que concordaram assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ANEXO C) e iniciamos a técnica. Em um dos grupos realizados35 a direção não concordou com a gravação, dificultando assim a sistematização das Ideias centrais, necessitando de nossa intervenção no sentido de explicitar aos profissionais a seriedade e dimensão de um trabalho de pesquisa, a fim de não ocorrer tais impedimentos com pesquisadores futuros. Por conhecer com maior profundidade a realidade dos Centros Socioeducativos, sabíamos de antemão que o nosso roteiro não deveria ser muito longo, pela dificuldade dos profissionais de se ausentarem das atividades diárias. Isso demandou a elaboração de um roteiro objetivo que complementasse as entrevistas realizadas com os adolescentes e com a direção (APÊNDICES B e D). Enfatizamos assim três questões chave: a) O que é o mundo do trabalho? b) Existem ações voltadas para a preparação do adolescente em cumprimento de ______________ 35 A direção do Centro Socioeducativo Santa Clara não concordou com a gravação do grupo focal e demais técnicas. 76 medida de internação para o mundo do trabalho? c) Para a equipe, quais são os desafios e as perspectivas quando um adolescente tem possibilidade de inserção no mundo do trabalho? É importante assinalar que neste estudo, o Grupo Focal foi utilizado como fonte complementar em triangulação de métodos ou multimétodos, uma vez que tornava-se necessário saber as impressões dos profissionais sobre a temática em questão e as entrevistas semi-estruturadas realizadas com os adolescentes e com a direção já haviam sido realizadas. 3.5 Aspectos éticos Quanto aos aspectos éticos que envolveram este estudo, foram adotados vários procedimentos. A princípio o Projeto de Pesquisa foi enviado à SUASE, mais precisamente no mês de Agosto de 2008, para apreciação. Em seguida, a SUASE sugeriu algumas adequações que foram revistas pela pesquisadora, e uma pré-autorização foi formalizada, mas somente no dia 23 de janeiro de 2009 foi concedida a autorização definitiva para realizar a busca pelas informações nas Unidades Socioeducativas de Internação de Belo Horizonte/MG. Anteriormente foi apresentado ao Comitê de Ética em Pesquisa – CEP da FUNEDI/UEMG o Projeto de Pesquisa e toda a documentação necessária para análise e em 18 de dezembro de 2008 a investigação foi aprovada sob o Parecer nº 36/2008. Nos meses de Fevereiro e Março de 2009 a obtenção de informações foi realizada e os atores, alvo desta investigação, foram esclarecidos sobre os objetivos da pesquisa e confidencialidade dos dados. Algumas posturas éticas de proteção foram adotadas aos atores sociais envolvidos como: a) garantia da não citação dos nomes dos profissionais e adolescentes que fizessem parte da pesquisa; b) orientação prévia aos profissionais e adolescentes de que, ao realizar a técnica de intervenção36 esta seria gravada e os que concordassem o fariam voluntariamente, não existindo nenhum constrangimento, ficando a eles reservada a possibilidade de não aceitar o convite ou de desistir em qualquer etapa do procedimento; c) informação aos adolescentes de que os depoimentos relatados teriam caráter sigiloso, não sendo levado ao conhecimento do poder judiciário seu conteúdo na íntegra ou parte deles. Além disso, foram esclarecidos que, em qualquer situação, interna ou externa, a unidade socioeducativa não faria referência a sua identidade; d) realização de uma análise rigorosa dos dados obtidos através de técnicas e instrumentos metodológicos, garantindo a validação dos resultados obtidos. Os que concordaram em participar assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para pesquisas científicas com seres humanos, de acordo com a resolução 196 de 1996 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Os documentos citados farão parte dos Anexos/Apêndices da presente dissertação. ______________ 36 As técnicas de intervenção realizadas foram: entrevistas semi-estruturadas com os adolescentes e com a Direção e a realização de um grupo focal com os demais profissionais da unidade. CAPÍTULO IV – INCLUSÃO PRODUTIVA: PERCEPÇÃO DOS DIFERENTES SUJEITOS O processo de pesquisa realizado ao longo dos últimos dois anos foi um compromisso desafiador, primeiro pela opção de se trabalhar com um tema socialmente polêmico e ainda restrito no sentido acadêmico. Além disso, o objeto de estudo fez parte da trajetória profissional da pesquisadora, convocando-a a lançar um novo olhar sobre uma prática vivenciada por muito tempo, como se fosse um contexto diferente e estranho. Este caminhar favoreceu observar para descrever, explicar e interpretar fenômenos que fazem parte das inquietações, que foram colocados nesse estudo como problemas de uma pesquisa científica. Realizar esta experiência, portanto, foi um desafio, por que implicou, conforme Oliven (2002) pensar de uma forma antropológica, e observar acontecimentos conhecidos, ou seja, corriqueiros ou cotidianos e construir novas interpretações. Considerando esta trajetória, este estudo teve etapas bem definidas, que foram constituído de análise documental e organização dos discursos orais e escrito coletado nas entrevistas semi-estruturadas e nos grupos focais realizados. Com estes resultados, elaborouse a discussão em tópicos. Estes tópicos foram subdivididos levando em consideração os objetivos específicos da pesquisa e explicitados na introdução da presente dissertação, ao qual apresentaremos em forma de quadros, seguidos das análises e inferências. Esclarecemos que os dados documentais desse estudo e fornecidos pela SUASE, por meio da Diretoria de Gestão da Informação e Pesquisa referente ao ano de 200837, foram utilizados apenas para caracterizar os adolescentes, explicitado no item Campo de Estudo (3.1. do Capitulo III) e servirá também para ilustrarmos as análises. É importante registrar que nem todos os dados solicitados (APÊNDICE A) foram informados por falta de sistematização, principalmente no tocante a média socioeconômica e profissionalização dos adolescentes. A técnica do Discurso do Sujeito Coletivo utilizada para análise dos resultados dessa dissertação pode ser, considerada uma proposta explícita de reconstituição de um ser ou entidade empírica coletiva, opinante na forma de um sujeito de discurso emitido na primeira pessoa do singular. Por que essa opção? Porque conforme Bourdieu (1990), o social falando – estrutura estruturante ou falado – estrutura estruturada, nos indivíduos, na primeira pessoa do singular, é o regime natural de funcionamento das opiniões ou representações sociais. De fato, as opiniões ou representações sociais são eficientes, funcionam justamente, porque os indivíduos acreditam que realmente são suas, ou seja, geradas em seus cérebros. Por isso, o ______________ 37 É relevante ressaltar que os dados fornecidos pela DGIP são referentes à 2008, pois conforme informações do setor em referência, somente ao final de cada ano os dados são compilados. 78 DSC, como esse sujeito de discurso aparentemente paradoxal, já que redigido na primeira pessoa do singular, mas reportando um pensamento coletivo, é, sociologicamente, possível. Uma coletividade, falando na primeira pessoa do singular, não apenas ilustra o regime regular de funcionamento das representações sociais como também é um recurso para viabilizar as próprias opiniões como fatos coletivos atinentes a coletividades qualitativas (de discursos) e quantitativas (de indivíduos). De fato, ninguém duvida que indivíduos compartilhem a(s) mesma(s) ideia(s), mas quando tais indivíduos opinam, individualmente, veiculam apenas uma parte do conteúdo da idéia compartilhada (LEFÈVRE F.; LEFÈVRE A., 2006). Esse método de análise aplicado neste estudo permitiu considerar o contexto de forma geral, independente de qual Centro Socioeducativo estivessem os atores sociais. Eles foram separados apenas por segmentos, ou seja, adolescentes (A), profissionais (P) e diretoras (D). Um sujeito no DSC vai se constituindo numa tentativa de reconstituir um sujeito coletivo que, enquanto pessoa coletiva, esteja ao mesmo tempo falando como se fosse indivíduo, isto é, como um sujeito de discurso “natural”, mas veiculando uma representação com conteúdo ampliado, fruto das relações estabelecidas e dos conhecimentos adquiridos em seu cotidiano, em seu contexto de vida. 4.1 Adolescentes (A) QUADRO 1 Percepções dos adolescentes sobre o mundo do trabalho Expressões Chaves (ECH’s) Ideias Centrais (IC’s) • Pra mim é…a pessoa tá ali, trabalhando, com o suor dela, ganhando grana sem precisar tirar nada dos outros. Na honestidade... A1 • Trabalhar é ganhar dinheiro honestamente, prá não precisar de roubar. (A3) • Trabalho é serviço honesto! Nunca ficar devendo nada a sociedade... Droga dá dinheiro, mas não é a praia, né? Você corre risco, de tomar tiro e arrumar guerra. (A14) • Pra mim, acho que emprego é você ter um sustento pra sua família. Você saber que vai comprar uma casa e ela vai ser sua pro resto da vida e não tem o risco de perder ela amanhã. Entendeu? Acho que ter emprego é ter dignidade. Você poder andar de cabeça erguida, sem devê nada a ninguém. (A16) • Acho que eu não tinha noção do que era trabalho. Era totalmente diferente! Pra mim trabalho hoje, tem que ser uma coisa com dignidade, né? (A26) • Trabalho é uma responsabilidade... que a pessoa está criando. Está • Trabalho como sinônimo de Honestidade e Dignidade. • Responsabilidade ligada à maturidade. • Segurança e condições de consumo. • Trabalho entrelaçado à superação, independência e valorização pessoal. 79 amadurecendo. Pode ver que ela está amadurecendo quando trabalha. (A31) • Tudo! Tudo de tudo. Porque você precisa trabalhar pra ter seu dinheiro, pra conseguir as coisas... É Fundamental! (A35) • Pra mim hoje trabalho é uma atividade física, que você pode pegar um dinheiro que não te atrapalha em nada. Que ajuda a você conquistar os seus ideais, as coisas que você precisa. É uma coisa benéfica! (A36) • Hoje seria... a única forma digna, porque se você não trabalha, você não tem jeito de se superar. Trabalho pra mim é o maior significado de dignidade. De independência. De valorização pessoal. De realização. ... É o meu sonho, agora! (A40) Fonte: Centros Socioeducativos de Belo Horizonte, meses de Fevereiro e Março de 2009. No QUADRO 1, procurou-se captar as percepções dos adolescentes sobre o tema trabalho e percebe-se através dos discursos que, a maior parte dos adolescentes ficou centrada nas qualidades e/ou nas virtudes que o trabalho poderá oferecer aos indivíduos e poucos falaram da importância das escolhas profissionais, valorização e satisfação pessoal que o trabalho pode oferecer ao indivíduo. Diante dos relatos podemos dizer que para o adolescente em cumprimento de medida socioeducativa, o trabalho está diretamente ligado aos conceitos de honestidade e dignidade, e até fazem referências às atividades ilegais realizadas por eles antes da internação e os efeitos que elas produziram em seu histórico de vida. Fato esse também verificado por parte de alguns profissionais nos Grupos Focais realizados nos Centros Socioeducativos, quando foi abordado tal tema: Trabalho é o que dá dignidade para o ser humano. Sem o trabalho a gente não é ninguém! (P2) Indiscutivelmente, para os adolescentes entrevistados e para os profissionais, o trabalho honesto e digno é considerado uma virtude. Enaltecem a honestidade com que um indivíduo executa a sua função, como também a sua própria natureza, quando justa. Eles nos passam que é honroso que um indivíduo se dedique a uma atividade que seja honesta e justa por si mesma, e que o exercício dessa atividade seja da mesma forma justo, pois o dinheiro sem o trabalho, não dignifica e nem traz segurança para o indivíduo. No entanto, pensa-se na honestidade quase sempre somente em termos do indivíduo – isto é, se ele age ou não de forma honesta dentro daquilo que ele foi designado a realizar. Mas há um tipo de honestidade que vale a pena refletir e que não é, de forma alguma, menos importante que é a honestidade enquanto dever moral individual. É a honestidade das relações de trabalho. Um trabalho não é honesto apenas pela maneira como ele é conduzido pelo indivíduo. Ele é honesto tanto em si quanto na relação que estabelece entre indivíduos. Trabalhos que se baseiam na exploração de pessoas não são considerados honestos. O que 80 existe nesses casos são indivíduos dentro de relações de trabalho desonestas, como no caso dos adolescentes envolvidos em atividades ligadas ao tráfico de drogas: “Eu parti para o tráfico com 12 anos. Eu parei de estudar para vender drogas, vendia era pedra. Material mais cheio de maconha, mesmo! Era no centro da cidade e tirava uns 200 contos por semana.” (A28) O viés da exploração pela via do trabalho foi muito bem expresso por um trecho da música “Fábrica”, da Legião Urbana, do álbum “Dois”, de 1986. Nessa letra, Renato Russo faz uma crítica à exploração capitalista, mas que servirá de exemplo também para a exploração infanto-juvenil pelo narcotráfico: “Quero trabalhar em paz / Não é muito o que lhe peço / Eu quero trabalho honesto / Em vez de escravidão.” Nesse sentido, o que o trabalhador reivindica ao seu patrão capitalista, é um trabalho honesto. Nota-se, presente na letra da música de forma implícita, a ideia de que a prática do trabalho honesto não é algo que depende unicamente do indivíduo trabalhador, mas também da relação que estabelece em seu trabalho e das oportunidades que ele passa a ter. A dignidade só é possível com a liberdade, porque somente o homem livre é digno, pois terá reconhecida sua honradez, a sua nobreza de ser humano. Pode-se observar no discurso da adolescente (A40), quando diz: “...Trabalho pra mim é o maior significado de dignidade. De independência...” Essa independência enfatizada pela adolescente é reforçada por Campos (1985), quando incluiu a liberdade, juntamente com outros fatores, como uma oportunidade de individualização do adolescente, essencial nessa fase de desenvolvimento, já explicitada no Capítulo I do presente estudo. Para ocorrer uma humanização abrangente, as Organizações Sociais, sejam públicas ou privadas, necessitam reconhecer seus membros por seus atributos intrínsecos humanos, e não somente pelos seus atributos materiais externos como riqueza material, pois é inconcebível perceber muitos indivíduos se submeterem a ter uma vida miserável enquanto outros esbanjam. Se compararmos os séculos passados com a cena contemporânea, a situação avançou consideravelmente, mas ainda há uma grande opressão à dignidade humana, pela dificuldade de acesso a melhores condições de vida e mesmo de poderem obter o mínimo de dignidade, mormente pela grande distinção de classes em decorrência do descontrole econômico. A desigualdade social tem causado o crescimento de jovens sem preparação para a vida profissional e muitos deles não conseguem oportunidades e acabam sendo marginalizados. Outro fator que agrava essa situação é a violência que cresce a cada dia. O fato é que, muitas vezes, o Estado e a Sociedade Civil, são as principais causadoras desse 81 processo de desigualdade, que causa exclusão e que gera um aumento da violência, agravado principalmente pela mídia. Torna-se fundamental que as autoridades, com o apoio da sociedade civil, projetem uma vida mais digna para os indivíduos, principalmente das classes mais vulneráveis, a fim de se inserirem e re-inserirem no mercado de trabalho e conseguirem o sustento do lar, não optando a exercer e se submeter às atividades ilegais e/ou desonestas conforme a maioria dos adolescentes entrevistados e enfatizado pelo discurso do adolescente (A28) no quadro 1, que se envolveu no tráfico aos 12 anos de idade e do (A3), que acredita que “Trabalhar é ganhar dinheiro honestamente, pra não precisar de roubar.” Percebe-se que a minoria dos adolescentes citou a importância da valorização e satisfação pessoal que o trabalho pode oferecer ao indivíduo, mas para alguns, representado pela fala da adolescente (A40), citada no quadro1, o trabalho está intrinsecamente ligado a idéia de superação, independência e valorização pessoal, o que nos provocou a seguinte reflexão: será que a passagem da adolescente pelo sistema socioeducativo, com o devido apoio, diálogo e acompanhamento da equipe, causou na mesma um despertamento para a importância do trabalho? De acordo com Maakaroun et al. (1991), a presença de “figuras” adequadas, principalmente as parentais, facilita o processo de conquista da identidade, o que pode ser favorecido com diálogo e contato afetivo, o que irá favorecer sua evolução, com o mínimo de tropeços. Essa autora observa também que é no final da adolescência, ou seja, entre os 16 e 17 anos, que afloram os interesses e as habilidades voltados para a escolha profissional. Fato esse também que coincide com a idade permitida pela Lei 10.097/00, favorável à iniciação profissional, conforme já foi abordada anteriormente no Capítulo II do presente estudo. Sendo assim, pode-se considerar que um processo socioeducativo adequado, com as características de acolhimento, limites e afetividade pode favorecer o amadurecimento do adolescente, mesmo ele estando temporariamente privado de sua liberdade. 82 QUADRO 2 Atividades realizadas pelos adolescentes antes da internação Expressões Chaves (ECH’s) Ideias Centrais (IC’s) • Vigiava carro e malabaris no sinal, tinha doze anos, por aí. ...fiquei um tempão tendo que olhar carro ...pra mim ter dinheiro. ...vinte, cinqüenta real por dia.(A3) • Tráfico. ...fiquei um tempão, tinha uns treze, quatorze até a pouco tempo. ... ah! por dinheiro, roupas caras, condições... dois a três mil por dia. (A6) • Ah, eu já engraxei sapato ... prá ajudar dentro de casa, mesmo! Pra ajudar minha mãe. ...devia ter uns treze ou quatorze anos, no dia eu conseguia vinte cinco, trinta reais. (A7) • Eu fazia muita coisa, mas trabalhar era difícil. Só tráfico, mesmo! Iniciei com uns treze anos, quatorze mais ou menos ...pra ganhar dinheiro. Pra eu não depender da minha mãe. Ter oportunidade... Começar a vida! Pra não ficar dependendo da família. Ganhava muito: uns cinco mil. ... uns quatro em cinco dias. (A8) • Eu vendia droga. comecei... com catorze anos. Pra uso, mesmo! ...pra comprar roupa. ...minha mãe me dava o que podia... hoje em dia a maioria dos adolescentes quer ter roupa cara! Ter melhores condições de vida. Eu fazia isso mais pra usar droga, mesmo! Por dia... eu tirava uns duzentos reais. (A20) • Babá aos treze anos. ...para ajudar minha mãe. ...ganhava cem reais. Já trafiquei (Cocaína) uma vez, com quatorze ou quinze. ...fiquei quase dois anos por dinheiro fácil. ...se eu vendesse muito, levava o lucro, de todo o dia, mais ou menos oitocentos, dependendo. (A27) • Eu só jogava bola e estudava, mesmo. (A29) • De produtivo? Não. Ah! eu vendia drogas desde os treze anos, até uns meses aí. ...porque eu sempre quis dar de tudo pros meus filhos. Pelo fato de ele não ter pai, eu acho que sou pai também, então eu quero dar tudo de bom e do melhor, não quero dar coisa fajuta! (A36) • Eu vendia roupa desde os meus 14 anos até pouco tempo, pela independência. ...tem vez que dá pra tirar livre, fora viagem e tudo mil e quinhentos reais. (A40) • Estratégias de Sobrevivência. • Atividades legais. • Atividades ilegais. Fonte: Centros Socioeducativos de Belo Horizonte, meses de Fevereiro e Março de 2009. É visível nos discursos dos adolescentes, relativo às atividades realizadas antes da internação, que a maioria foi estratégia de sobrevivência utilizadas pelos mesmos no sentido de conseguir recursos e acesso aos bens de consumo. Resultado semelhante também foi encontrado por Assis (1999) em seu estudo com jovens que praticaram ato infracional, onde 90% dos entrevistados haviam trabalhado em diferentes tipos de atividades em algum momento de suas vidas. Vendruscolo (1998) em sua dissertação sobre experiências de trabalho de jovens que praticaram ato infracional, atendidos pelo Serviço Social da Promotoria Pública de Ribeirão Preto no ano de 1995/1996, identificou que 56,3% eram jovens com experiência de trabalho. 83 Este fato pode vir a confirmar que, como discutido na escassa literatura existente sobre o assunto, crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social diante das reais necessidades de sobrevivência tentam buscar alternativas para o seu sustento e/ou de sua família. Embora a literatura em geral considere as atividades ligadas à sobrevivência dos jovens aquelas identificadas como experiências de trabalho, seja na rua ou não, nesse estudo consideramos todas as atividades relatadas pelos adolescentes, sejam elas legais ou ilegais. Portanto, essa análise não se propõe a realizar uma distinção entre o ato infracional e as demais atividades e/ou estratégias de sobrevivência, e sim, considerá-la mais uma das opções relatadas pelos adolescentes, quando esse foi mencionado como uma forma de conseguir recursos, acesso aos bens de consumo e até o tão almejado status social. Dos 43 adolescentes entrevistados 79,06 % relataram ter realizado alguma atividade, seja ela legal ou ilegal antes da internação e apenas 18,60 % disseram não estar incluídos em nenhuma atividade e o QUADRO 2, com exemplo de alguns discursos, vem demonstrar essa realidade. GRÁFICO 2 Atividades Realizadas pelos Adolescentes antes da Internação 18,60% 39,53% 11,63% 30,24% Atividades Legais Atividades Ilegais Atividades Legais/Ilegais Não Incluídos Fonte: Centros Socioeducativos de Belo Horizonte, meses de Fevereiro e Março de 2009. No GRÁFICO 2 é visível a diferença entre a frequência dos adolescentes que relataram somente atividades legais e os demais grupos. No entanto, as atividades legais aparecem com significativa frequência quando associada às ilegais: em 39,53 % dos discursos. Este dado pode sugerir que as atividade legais acabam sendo complementadas ou sendo um complemento das ilegais, pois esta última, referida por 41,87 % dos adolescentes, já 84 que 11,63%, relataram realizarem ambas atividades. Será que esses adolescentes estão querendo dizer que tiveram mais acesso às atividades ilegais do que as legais? Esse questionamento pode ser confirmado no discurso do adolescente (A41) descrito, quando inicia relatando a falta de oportunidades e a busca por sua liberdade/autonomia, optando assim pela via do narcotráfico para a solução de suas questões: Ah, porque estava faltando oportunidade. Não tinha... Tava faltando serviço. E eu queria ter uma certa liberdade, aí minha mãe... nem ela sabia o que era certo ou o que era errado, e ela deixava. “Nó! Eu via meus amigos saindo e pensava: eu não posso! Eu vou entrar no crime. Eu tentei fugir de casa... sair de casa. Saí, daí... comecei a vender droga... (A41) Se forem consideradas principalmente as precárias condições de trabalho oferecidas a esses adolescentes, as novas exigências do mercado de trabalho quanto a qualificação socioprofissional e o grau de escolaridade, as necessidades próprias do período juvenil, principalmente referentes à questão do consumo, podemos pressupor que as atividades ilegais acabam sendo mais acessíveis, pois de alguma forma, não exclui esse adolescente, seja por qualificação profissional ou sua escolarização. Esse aspecto pode ser confirmado no presente estudo pela própria SUASE em dados de 2008, fornecidos pela DGIP, pois de acordo com a TABELA 5 – Faixa de Escolarização, 72,1% dos adolescentes estavam entre a 5ª e a 9ª série e na TABELA 3 – Idade, a maior parte dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação em Belo Horizonte estavam com 17 anos de idade, ou seja, 26,8 %, demonstrando assim, a baixa escolaridade e a grande defasagem entre faixa-etária e escolaridade dos mesmos. Além disso, através das atividades ilegais, como o ato infracional, esse adolescente tem acesso a um dos requisitos mais valorizados na sociedade contemporânea e de certa forma facilitador de “inclusão”: a possibilidade de adquirir bens de consumo de forma mais rápida, atendendo aos imediatismos da própria fase da adolescência, como confirmado pela fala do adolescente (A6): “Tráfico! ...fiquei um tempão, tinha uns treze, quatorze até ha pouco tempo. ... ah! por dinheiro, roupas caras, condições... dois a três mil por dia”. De acordo com Abramovay et al. (1999), existe uma necessidade destes adolescentes terem um complemento financeiro para conseguir suprir suas necessidades e desejos de consumo. No entanto, a baixa qualificação não permite que os mesmos consigam realizar um trabalho com boa remuneração. Assim, alguns adolescentes acabam buscando 85 outras alternativas para complementar a renda, como as mais relevantes: o tráfico de drogas, roubo, entre outras. Por fim, refletindo um pouco mais a respeito da prática do ato infracional como uma forma de promover a “inclusão” desses adolescentes, concordamos com Sawaia (1999) para quem, todas as pessoas estão inseridas no sistema econômico capitalista, mesmo que seja de forma insuficiente e não digna. Nesse caso, a infração possibilita a esse adolescente sua inclusão nesse sistema perverso, que ao mesmo tempo promove sua exclusão, lhe negando o direito a liberdade e a vivenciar sua juventude sem riscos. Essa autora ressalta a dialética da inclusão/exclusão. Percebemos através dos depoimentos de alguns adolescentes que a possibilidade de livre acesso aos bens de consumo é uma necessidade emergente, capaz de mascarar as consequências geradas pelo contato desse adolescente com as atividades ilegais, criando-lhes a sensação de inclusão social. Nesse caso, parece que o valor dado a possibilidade de ter acesso aos bens de consumo é maior do que o risco de morte e de envolvimento com a justiça, através da prática do ato infracional que o leva para a situação de exclusão. Ficamos então com um questionamento: o que será que esse adolescente mais valoriza no seu momento de vida e que o faça sentir-se “incluído”? Silva (1997) pode nos auxiliar nessa reflexão, pois cita que existe uma enorme influência de super valorização do consumo na formação da identidade desses adolescentes, que só passam a se reconhecer enquanto sujeitos e se sentirem valorizados, quando inseridos na cultura do consumo. De um modo geral, nos depoimentos dos adolescentes foi percebido um grande número de entrevistados que relataram ter utilizado o dinheiro para o próprio benefício, comprando roupas, tênis, comida, além do gasto com diversão, drogas e outros. O consumismo estimulado de diversas formas, principalmente pelos meios de comunicação de massa, desperta desejos irrefreáveis nos adolescentes. Satisfazer esses desejos através da prática de atos infracionais, muitas vezes, é a saída mais rápida, quando combinados com a precariedade e fragilidade das instituições como família e igreja, que cada vez mais se tornam impotentes na arte de educar e colocar o limite necessário, nessa fase tão importante e complexa que é a adolescência. 86 QUADRO 3 Atividades realizadas pelos adolescentes em cumprimento de medida de internação Expressões Chaves (ECH’s) Ideias Centrais (IC’s) • Interna: Aqui eu vou pra escola e faço Oficina de Sabonete. Externa: • As atividades realizadas Arte do circo, Cinema e Informática. (A1) nos Centros Socioeducativos se • Interna: Escola e eu participo do Tamborlescentes (Grupo Musical). dividem em internas e Eu toco, canto, estou no coral. Eu toco tamtam, cidinho ripilica, externas; carola. Aneurola, chic-chic. Canto vários tipos de música: axé, melody, funk, hip-hop. Externa: Eu tô fazendo curso lá fora... no CESAM. Tem office-boy, computação e outras coisas lá. (A4) • Foram relatadas vários tipos de atividades: • Interna: Aqui dentro só faço quadrinho e escola. Externa: Lá fora Pedagógicas; Artísticoainda não. (A7) Culturais; • Interna: Ah, eu fiz tanto... Escola. Ah! que eu gosto mais é de pintar, Profissionalizantes e de mais eu gosto de pintar parede, né. Externa: Cabelereiro. (A16) Geração de Renda; • Interna: Tapeçaria; Oficina de quadrinhos e escola. Externa: ...já fiz oficina... Eu jogava futebol. Ah, agora eu tô fazendo o curso de • Adolescente participando Pizzaiolo/Salgadeiro, mas o curso mesmo é que me interessa. (A25) de Curso de Iniciação • Interna: Aqui eu faço percussão e escola. A gente tem um grupo de Profissional no Centro percussão e faço aula de espanhol. Externa: Percussão é externa, Salesiano do Adolescente também. A gente saí para tocar... (A26) Trabalhador – CESAM. • Interna: Tapeçaria. Curso de desinfetante, Espanhol e escola. Externa: estou fazendo habilitação.(A29) • Interna: Todas. Gosto mais de pintura. Faço tbém Bijouteria. A gente faz... e vai e vende. Fica uma porcentagem pro Centro e outra pra gente. Externa: Já fiz depilação. ...no Senac. Foi bom, eu nunca tinha pedido curso aqui. Eles falavam que é difícil, mas quando eu fui fazer, eu gostei. Eu gostei muito! (A34) • Interna: Além da escola, Bijouteria. Externa: Eu acabei o curso de porteiro. Mas eu vou começar outro terça-feira: Mecânica de motos. (A43) Fonte: Centros Socioeducativos de Belo Horizonte, meses de Fevereiro e Março de 2009. Em relação ao QUADRO 3, os adolescentes relataram as atividades que realizam do interior dos Centros Socioeducativos e foi detectado que as atividades se dividem em internas e externas e podem ser classificadas em: Pedagógicas; Artístico-Culturais; Profissionalizantes e de Geração de Renda. Através das entrevistas realizadas foi possível verificar que recentemente as propostas pedagógicas das unidades pesquisadas procuram ser coerentes com a Política de Atendimento aos Direitos da Criança e do Adolescente, respeitando dentro do possível o ECA e o SINASE em seu item 6.3 que trata dos Parâmetros Socioeducativos, principalmente nos aspectos referentes à escolarização, a cultura, ao esporte, ao lazer e algumas ações de geração de renda. Um fato interessante é que no momento da coleta de informações todos os adolescentes entrevistados estavam inseridos na escola, pois é fundamental que haja espaço reservado aos adolescentes para se dedicarem à educação formal, já que ela é obrigatória nas unidades, conforme legislação em vigor. 87 As atividades lúdicas, esportivas e de lazer também são relatadas pelos adolescentes e foram percebidos espaços ao ar livre em todos os Centros para sua prática, sendo necessário registrar que uns são mais adequados que outros. Sempre que possível os adolescentes podem usufruir de locais externos às unidades de acordo com o ECA, que zela pelo princípio da incompletude institucional, utilizando sempre e ao máximo os serviços disponíveis na comunidade, não se limitando aos muros da instituição. No tocante a preparação socioprofissional no momento das entrevistas, apenas um adolescente estava participando de Curso de Iniciação Profissional no Centro Salesiano do Adolescente Trabalhador (CESAM), aspecto relevante para o presente estudo, pois após a preparação do adolescente a instituição faz uma avaliação de seu rendimento e ele aguarda sua inserção no mercado de trabalho. Nos discursos dos adolescentes diversas atividades foram mencionadas, o que pode ser constatado através das fotos38 colocadas no APÊNDICE E do presente estudo. Ressaltamos a apresentação do Grupo Musical Tamborlescentes, do Centro de Atendimento ao Adolescente (CEAD), que se apresentou no 2º Simpósio Mineiro de Assistentes Sociais, em Maio de 2009. Ficou evidente neste estudo que a maioria dos adolescente entrevistados se encontrava inserida em alguma atividade/curso/oficina voltada(o) à socioprofissionalização, mas muitas vezes encontram dificuldades para a sua realização, devido aos pré-requisitos necessários à participação, sem falar no custo, quando a equipe não consegue a sua isenção. Alguns cursos são oferecidos no interior dos Centros e outros são externos, ou seja, realizados por entidades públicas ou privadas, em sua maioria por ONG’s, através das diversas parcerias firmadas pela SUASE e/ou pelos próprios profissionais que atuam no Sistema Socioeducativo, conforme já relatado anteriormente. Sendo assim, é importante ressaltar que muitas vezes os cursos e/ou oficinas oferecidos aos adolescente em cumprimento de medida socioeducativa à título de qualificação profissional resultam em poucas possibilidades reais de ingresso no mundo do trabalho, fato esse devido a dois fatores: primeiro a falta de opção na escolha da atividade e segundo ______________ 38 O registro fotográfico realizado pela pesquisadora com objetivo de enriquecer este estudo foi mediante autorização dos(as) gestores(as) dos Centros Socioeducativos no ato da pesquisa de campo, deixando claro que caso tivesse algum adolescente no momento seu rosto não poderia aparecer, respeitando assim as determinações do ECA e essa prerrogativa foi devidamente respeitada. Foi considerada exceção apenas as fotos dos adolescentes do Grupo Tamborlescentes, que se apresentaram publicamente para quase duas mil pessoas em maio de 2009, no 2º Simpósio Mineiro de Assistentes Sociais em Belo Horizonte/MG e também veiculadas no site do Conselho Regional de Serviço Social da 6ª Região: www.cress-mg.org.br. 88 principalmente devido ao preconceito que sofrem por estarem ou por terem passado pelo Sistema Socioeducativo. QUADRO 4 Expectativas de futuro e/ou projetos de vida dos adolescentes após o desligamento da Unidade Socioeducativa Expressões Chaves (ECH’s) Ideias Centrais (IC’s) • Ah, eu quero viver com minha mãe, né. Tem muita coisa que atrapalha nesse negócio de criminalidade. Você não convive em família. Só ver sua mãe triste, isso não faz bem nenhum. A namorada também fica infeliz. Tem isso também, né. Ter filho, casar. Eu quero entrar no exército.. Seguir o exército.(A10) • Dar finalidade nos estudos. E arrumar um emprego. ...eu liguei para minha mãe e ela, falou assim: “se você tivesse aqui, eu tinha arrumado emprego para você”. Lá onde meu irmão trabalha, numa loja. O vendedor pediu. Só que tem um preconceito. Como eu estou aqui, aí não dá! Porque tem meios de melhorar ainda aqui... Eu acho que ...não começo como vendedor. Eu começo no gerais e tal. Mas está bom para mim. Eu tenho interesse. (A26) • Vou estudar primeiro e morar com minha mãe. Aí vou ajudar minha mãe a cuidar da minha irmã pequena. Tem cinco meses. (A30) • Eu penso em arrumar um serviço, ficar de boa... Conviver mais com a minha família. Não me envolver mais com crime. (A32) • Eu quero fazer Direito ou Veterinária.... Qualquer um dos dois. Eu parei de estudar em 2007 porque eu não tinha nota. (A35) • O que eu queria fazer é trabalhar. Com coisa de eletricidade de auto. Tava fazendo curso no SENAI Horto. Agora eu vou arrumar outro curso. Daí quando me desligar vou arrumar, um trabalho. (A37) • Quando eu sair daqui... construir a minha casa. Não depender de pensão do meu ex-marido. Concluir o meu terceiro ano, né.. Quem sabe fazer minha faculdade. Levar uma vida honesta. Um trabalho... um emprego. Ter uma vida estável. Sem ter problemas na justiça. Nada ligado a crime, nem desonestidade de nenhuma forma. (A40) • Estudar... Curso que eu queria fazer era de Advogado. Dar uma boa vida para minhas filhas, né. Pagar uma escola e uma faculdade para elas. Ajudar elas na vida. ...Isso leva tempo. (A42) • Saindo daqui eu só quero dar uma continuidade aos estudos e procurar emprego. (A43) • Conseguir Trabalho / Emprego. • Convivência familiar. • Retomar estudos e alguns almejam a Educação Superior. Fonte: Centros Socioeducativos de Belo Horizonte, meses de Fevereiro e Março de 2009. Observa-se nos discursos dos adolescentes (QUADRO 4), as expectativas de estudar, de conseguir um emprego, de ajudar a família e ter uma convivência familiar agradável. Eles pensam no futuro, assim como ocorre com qualquer indivíduo, principalmente nos segmentos mais vulneráveis da população. O trabalho realizado com os adolescentes em conflito com a lei, em cumprimento de medidas socioeducativas, particularmente a privação de liberdade, que é o caso dos Centros Socioeducativos de Internação de Belo Horizonte/MG, significa, a partir da 89 promulgação do ECA, uma chamada à responsabilização desse adolescente, em face da transgressão cometida. Francischini e Campos (2005) avaliando o caráter socioeducativo das instituições apontam que uma boa estrutura física, a adequada preparação de profissionais para as ações educativas e um trabalho transdisciplinar são alguns dos aspectos que podem fazer a diferença em um ambiente “prisional”. As medidas socioeducativas, cujo foco não seja a “punição” e seus objetivos estejam centrados na reinserção social dos adolescentes, no fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, podem provocar a transformação e o desejo de realização de projetos de vida longe da criminalidade. Nesse sentido, percebe-se pelos discursos que o caráter educativo do trabalho desenvolvido pelas instituições de atendimento ao adolescente em cumprimento de medida de internação, visando à sua reinserção social, implica em educar, ainda que com regras para um melhor convívio social. Isto, consequentemente, requer a responsabilização do mesmo, quando ele desenvolve condutas transgressoras fora desses padrões. Nesse caminho, Barbosa (2002) defende que o processo de desenvolvimento do adolescente passa pela aprendizagem de um posicionamento crítico e responsável em relação às suas condutas. Percebemos que, para se efetivar um trabalho socioeducativo de fato, é imprescindível uma ação pedagógica sistematizada, mesmo quando se trata de medida de privação de liberdade, fato esse verificado nos discursos dos adolescentes no QUADRO 4. A observação da realidade atual dos Centros Socioeducativos, mostra que através da ação educativa é possível a construção do projeto de vida dos adolescentes. Verificou-se que muitas vezes esta ação revela-se parcialmente condicionada apenas à finalidade de responsabilização ou “punição”, muito embora sua efetividade dependa muito do caráter socioeducativo que se dê à medida. Sabe-se que o trabalho socioeducativo é alvo constante de críticas da mídia e que muitas vezes deixam margem para interrogações entre o que é preconizado pela lei e o que é efetivamente desenvolvido no interior dos Centros. Portanto, apesar dos discursos dos adolescentes mostrarem indícios de que o cumprimento da medida pode atuar de forma significativa sobre suas percepções, despertando interesses, desejos de mudança e a vontade de se manterem longe da criminalidade, pode-se dizer que o processo socioeducativo é parcial e relativo, não havendo certeza de que ele atenda todas as suas expectativas, uma vez que o adolescente é um sujeito fruto de uma dinâmica que, em muito extrapola esse processo. 90 4.2 Diretores (D) QUADRO 5 Percepções das Gestoras quanto ao direito à profissionalização e proteção ao trabalho, de acordo como artigo 69 do ECA Expressões Chaves (ECH’s) Ideias Centrais (IC’s) • O desafio maior é que o adolescente chega sem escolaridade para ser inserido em cursos de Aprendizagem Social que exige segundo grau. (D1) • A baixa escolaridade, às vezes atrapalha ser inserido no curso de profissionalização. Isso é uma realidade! ...adolescentes na 8ª, na 7ª e até inferior a isso. Acredito e aposto é que a gente tenha uma maior articulação com a escola para que esse adolescente possa ser promovido... Hoje a gente investe muito na Formação Básica para o Trabalho, que é a aprendizagem. (D2) • No momento é que se pensa na profissionalização, pois anterior a isso, mesmo com o ECA, acho que ninguém dava muita importância. Agora com a nova proposta socioeducativa (SINASE) é que se tem pensando em focar mais na profissionalização. Acho também que limita muito por causa da idade e escolaridade. Vc tem que procurar cursos que atendam essas limitações! (D3) • É essencial, porque muitas vezes esses adolescentes entram prá criminalidade em função de um não investimento em profissionalização. ... mas tem que ser associada ao desenvolvimento e investimento na escolaridade! Nós temos muitas dificuldades... por causa da baixa escolaridade, às vezes as condições que alguns cursos oferecem para o adolescente ser inserido não casam com a escolaridade e interesse. (D4) • Devido às questões de escolaridade e de oportunidade para o adolescente, o que tem sido feito ainda é muito pouco! Temos que chegar a possibilitar que 90% ou até 100% dos adolescentes tenham o mínimo de possibilidade de aprendizagem. Tem uma deficiência muito grande nessa preparação! A gente recebe aqui adolescentes com baixo nível de escolaridade, com apenas o ensino fundamental ...a SUASE está possibilitando no momento um convênio com o SENAC, é o que está propiciando um aumento na estatística de Preparação Básica para o Trabalho e Aprendizagem. (D5) • Grande desafio é a falta de escolaridade dos adolescentes devido a evasão escolar. • Poucas oportunidades de Profissionalização dos adolescentes. Fonte: Centros Socioeducativos de Belo Horizonte, meses de Fevereiro e Março de 2009. A percepção das gestoras no tocante ao direito à profissionalização e proteção ao trabalho ficou muito centrada nos desafios decorrentes desse processo, principalmente em relação à escolaridade dos adolescentes, fato este demonstrado também nas estatísticas repassadas pela DGIP/SUASE de acordo com a Tabela 05 – Campo de Estudo do Capítulo III do presente estudo, onde 72,1 % dos adolescentes encontravam-se no ensino fundamental, corresponde à 5ª e 9ª séries incompletas. De acordo com Volpi (2001, p. 83) em seus estudos com adolescentes autores de ato infracional, a escolaridade “[...] está concentrada nos primeiros anos de estudo, definindo 91 um índice de defasagem na relação série idade muito superior à media geral. Trata-se, portanto de jovens de muito baixa escolaridade e alto grau de defasagem.” Acredita-se que crianças e adolescentes que deixam de frequentar a escola, iniciem um comportamento transgressor, principalmente se os mesmos começarem a frequentar as ruas de forma constante e sem a imposição de limites por parte dos pais e/ou responsáveis. Dentro desta perspectiva, Sérgio Adorno (1991) atribui também à escola o papel de protetora e mantenedora da ordem social. Como o discurso do adolescente (A43), que vem confirmar a perspectiva do autor: “Eu comecei a ficar envolvido na escola. Na hora em que passei para noite, para estudar. A noite. Eu comecei: de 14 para 15. Eu comecei a me envolver, a fumar maconha: de 14 para 15 anos, eu já estava no crime.” No entanto, o mesmo autor aponta para a necessidade de questionar se a escola cumpre efetivamente este papel. Apesar de não ser o foco desse estudo, vale ressaltar que em geral, o espaço escolar se mostra distante do contexto deste público, não oferecendo condições para uma efetiva realização social. Muitas vezes, devido ao fato de se mostrar incompatível com o universo sócio-cultural dos mesmos, além de ser muitas vezes um espaço “[...] destituído de emoções e de atrações lúdicas, espaço desinteressante e desmotivador.” (ADORNO, 1991, p. 78). Observa-se que o investimento em socioprofissionalização é ressaltado, também, como forma de minimizar o acesso ao mundo do crime, visto que a maior parte dos adolescentes segundo Kodato e Silva (2000, p. 509), provém das camadas pobres da população devido à “[...] baixa escolaridade, desemprego, baixa qualificação profissional dos responsáveis e condições de moradia”, daí a necessidade dos adolescentes realizarem atividades que consigam um retorno financeiro. O que pode ser demonstrado pelos discursos das gestoras no QUADRO 5 e também no QUADRO 3, que diz respeito às atividades realizadas pelos adolescentes antes da internação. 92 QUADRO 6 Responsáveis pelas ações relativas à socioprofissionalização dos adolescentes Expressões Chaves (ECH’s) Ideias Centrais (IC’s) • Pedagoga e Terapeuta Ocupacional, sendo que a Diretora de Atendimento tem um papel fundamental. (D1) • Responsáveis diretos: Terapia Ocupacional e • Normalmente é a Pedagoga e a Terapeuta Ocupacional com a Pedagogia. participação de toda equipe. É um trabalho coletivo, integrado! (D2) • A Pedagoga junto com a Terapeuta Ocupacional, pois as duas trabalham articuladas. Toda equipe articula. Aqui a referência é a • Social no papel de articulador da rede. Pedagoga. (D3) • Nós temos três profissionais: a Terapeuta Ocupacional que faz um histórico ocupacional desse adolescente; a Assistente Social que • Demais profissionais: trabalho integrado. articula a rede no sentido de sensibilizar as instituições que acolham esses adolescentes no sentido da profissionalização e o Pedagogo que acompanha o adolescente quando já está inserido. ...mais toda a comunidade educativa é envolvida neste processo. (D4) • Como referência dessas ações, fica para a Terapia Ocupacional, mas a comunidade educativa é quem define, a gente tem um grupo de mediação dentro da unidade, composto pela Equipe Técnica, Supervisores, coordenadores e o corpo efetivo da unidade. (D5) Fonte: Centros Socioeducativos de Belo Horizonte, meses de Fevereiro e Março de 2009. A partir do QUADRO 6, pode-se concluir que de forma geral os responsáveis diretos pelas ações de socioprofissionalização nos Centros Socioeducativos são os técnicos da área da Terapia Ocupacional e da Pedagogia. O profissional de Serviço Social foi apontado como tendo um papel importante na articulação da Rede de Atendimento, no sentido de sensibilizar às instituições a acolherem os adolescentes no tocante a oferecerem oportunidades de inserção em cursos e/ou atividades profissionalizantes. O trabalho interdiscpilinar foi apontado como fator unânime para o sucesso das ações relativas a socioprofissionalização, pois é realçada a importância da realização de um trabalho coletivo, onde todos os profissionais que fazem parte da comunidade socioeducativa podem e devem contribuir com esse processo. QUADRO 7 Ações realizadas na unidade socioeducativa que propiciem o protagonismo dos adolescentes Expressões Chaves (ECH’s) Ideias Centrais (IC’s) • Assembléia mensal nos núcleos! Essa é a mais relevante, mas temos outras. (D1) • Na nossa plenária... Tudo que a gente faz aqui tem participação do adolescente, ou seja, o Regimento Interno, o Regulamento Disciplinar. ... Eles participam... e quando participam se apropriam, e isso é interessante!...Eu acho que isso é protagonismo! (D2) • Temos as comissões, e fazem parte delas tanto adolescentes como agentes e técnicos. O que foi discutido em reunião o representante leva para o grupo e cobra mesmo! Eles discutem e levam uma pauta. O Espaço Aberto é mais para as questões do dia-a-dia e a Assembléia • Ações que propiciem a autonomia e participação dos adolescentes: Assembléias; plenárias; comissões, etc. • Adolescente como sujeito de direitos. • Lógica da participação 93 para questões mais específicas. (D3) • Existem várias ações que propiciam essa autonomia; o espaço na assembléia, as comissões ...onde educadores e adolescentes participam e constroem propostas para o funcionamento do Centro. De forma geral a lógica do nosso trabalho possibilita que o adolescente e as famílias possam construir esse trabalho no dia-adia... e esse é um aspecto que favorece o protagonismo juvenil. (D4) • A gente tem tentado dar autonomia... acho que tem que ser trabalhada em toda comunidade educativa... Esse sujeito tem opiniões, é capaz! Tem sua cultura e é adequada a sua realidade... é preciso fortalecer sua autonomia porque lá fora nada vai mudar: - o tráfico ta lá, e vai bater na sua porta! A gente tem que criar expectativas de mudança pessoal do sujeito ou da sua vontade. ... Temos que cuidar das pessoas, não somos agentes penitenciários e sim socioeducativos. (D5) coletiva, através da Comunidade Educativa. Fonte: Centros Socioeducativos de Belo Horizonte, meses de Fevereiro e Março de 2009. Para analisarmos os discursos referentes às ações protagonistas dos adolescentes nos Centros Socioeducativos, torna-se necessário enfatizar que o debate acerca da participação social teve seu marco histórico no processo de redemocratização do País. Nesse período o Brasil vivenciou um novo contexto social, marcado pelo fim do ciclo militar e pela aprovação da Constituição Federal de 1998, a qual assegurou o estado de direito, garantindo a participação da sociedade na elaboração, controle e fiscalização de Políticas Públicas. No tocante à área da Criança e do Adolescente, em 1990, o ECA, conforme explicitado no item 1.3 do Capítulo I deste estudo, veio a regulamentar norma constitucional, assegurando que crianças e adolescentes fossem sujeitos de direitos e deveres. Com esse dispositivo legal, o modelo democrático deixou de ser apenas representativo para tornar-se participativo e assegurou, também, a crianças e adolescentes a participação social nos espaços de discussão, proposição e deliberação. No caso dos adolescentes em conflito com a lei, surgiu também o SINASE, que legitimou ainda mais a questão do protagonismo juvenil, que está diretamente ligada a participação dos adolescentes, conforme regulamentado no SINASE, item 3, referente as Diretrizes Pedagógicas do Atendimento Socioeducativo - 6.1, do Capitulo 6 que trata dos Parâmetros da Gestão Pedagógica no Atendimento Socioeducativo, conforme se vê: É fundamental que o adolescente ultrapasse a esfera espontânea de apreensaão da realidade para chegar à esfera crítica da realidade, assumindo conscientemente seu papel de sujeito. Contudo, esse processo de conscientização acontece no ato de açãoreflexão. Portanto, as ações socioeducativas devem propiciar concretamente a participação crítica dos adolescentes na elaboração, monitoramento e avaliação das práticas sociais desenvolvidas, possibilitando, assim, o exercício – enquanto sujeitos sociais – da responsabilidade, da liderança e da autoconfiança (BRASIL, 2006). 94 Diante das constatações legais acima, dos discursos dos profissionais responsáveis pela gestão dos Centros Socioeducativos e também de vários profissionais, detectados nos Grupos Focais, pode-se perceber que mesmo de forma ainda insuficiente, são realizadas ações pontuais que propiciam a autonomia e participação dos adolescentes como: assembleias; plenárias; comissões, entre outras. Essa lógica de participação denominada no SINASE (2006) como Comunidade Socieducativa, é importante, pois propicia um entrelaçamento de ações e responsabilidades de todos os atores sociais que fazem parte da dinâmica dos centros, considerando o próprio adolescente como parte do processo educativo e sujeito de direitos. A concepção de protagonismo foi elaborada a partir de uma ampla discussão sobre as experiências e práticas pedagógicas com adolescentes, realizadas pela Fundação Odebrecht em 1988 (COSTA, 2000), que auxiliaram a construção do conhecimento sobre o tema do protagonismo juvenil, através de reflexões, discussões e diálogos entre adolescentes, jovens e educadores sociais. No contexto da experiência relatada, Costa (2000, p.20) afirma que “[...] o termo protagonismo, em seu sentido atual, indica o ator principal, ou seja, o agente de uma ação, seja ele um jovem ou um adulto, um ente da sociedade civil ou do Estado, uma pessoa, um grupo, uma instituição ou um movimento social.” O protagonismo pode ser realizado por diversos atores sociais, gestores e até mesmo instituições, em suas atuações diversas e possibilidades de participação social. Compreende-se, assim, que tal conceito é amplo e abrangente e não está limitado à atuação apenas, do adolescente. Costa (2000), ao descrever o processo político-pedagógico desencadeador do protagonismo juvenil, toma como referência um tipo particular de protagonismo, que é aquele desenvolvido pelo adolescente e, ainda, faz um recorte mais específico, que é o daqueles na faixa etária entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade, de acordo com a legislação brasileira – ECA, Lei, 8.069/90. Erikson, citado por Maakaroun et al. (1991), afirmou que é no período da adolescência que as ações de participação propicia o desenvolvimento da personalidade e auxilia o próprio adolescente a assumir uma postura protagonista em relação a contextos sociais diversos. 95 QUADRO 8 Posicionamento dos gestores quanto às ações de inclusão produtiva dos adolescentes Expressões Chaves (ECH’s) Ideias Centrais (IC’s) • Estas ações são compostas de parcerias diversas como: SENAC; • Ações e iniciativas em construção tendo em Juizado da Infância e Juventude de BH e o Ministério do Exército, vista a inclusão produtiva entre outros, mas ainda são iniciativas. (D1) dos adolescentes. • Na maioria das vezes a própria unidade busca os parceiros. Existe um incentivo da política de inclusão! Na hora que a gente esbarra na formação de um Ser, isso demora muito. Todos ajudam. Acho que é • Incentivo da Política de inclusão produtiva e uma função da Gerência, mas algumas são articulações da(o) diversas parcerias. Assistente Social. (D2) • Acho que está caminhando... ainda está em construção. (D3) • O desafio primeiro é quebrar com os preconceitos das instituições • Desafios: Preconceitos, avanço da educação e para atender os adolescentes em Conflito com a Lei; o segundo, seria atender as demandas de o avanço da educação, pois não adianta pensar na profissionalização qualificação profissional. sem pensar primeiro na educação. Outro é atender as demandas de E inserção no mercado de qualificação desses adolescentes, pois muitas vezes estão distantes da trabalho. sua realidade e dos seus desejos. Por último é a questão do emprego, a dificuldade de se inserir no mercado, já que isso é uma realidade para a maioria dos adolescentes e ainda mais para os que estão em • Dicotomia: mercado de conflito com a Lei. (D4) trabalho x tráfico. • Existem iniciativas nesse sentido, acho que ainda falta uma política. ...melhoramos nosso entendimento depois do GEDUC (Gestão Educacional da SUASE) e começamos a ver a real e cruel realidade do Sistema Socioeducativo dentro dessa temática. O desafio está lançado, em vários sentidos e principalmente na questão da profissionalização... pois diante do tráfico o mercado de trabalho não encanta! Ele nos forma para “ganhar dinheiro”, mas a idéia não deveria ser essa. Seria fundamental a realização através do trabalho. Vejo que temos ainda muito a fazer neste sentido. (D5) Fonte: Centros Socioeducativos de Belo Horizonte, meses de Fevereiro e Março de 2009. Pelas análises das entrevistas semi-estruturadas realizadas com as cinco gestoras dos Centros Socioeducativos de Internação, demonstradas no QUADRO 8 e também dos discursos dos 41 profissionais que estiveram presentes nos Grupos Focais, ficou claro que existe um incentivo e ações pontuais quanto à inclusão produtiva dos adolescentes, mas os desafios são enormes, no tocante à efetivação de uma política de atendimento nesse sentido e que atenda as demandas do público alvo do presente estudo, confirmada pelas falas das Diretoras (D3) e (D5), respectivamente: “Acho que está caminhando... ainda está em construção.” e “Existem iniciativas nesse sentido, acho que ainda falta uma política.” Constata-se, assim, as dificuldades de inclusão produtiva dos adolescentes de uma forma geral, ainda mais dos que estão ou que já estiveram em conflito com a lei, pois o mercado de trabalho não oferece empregos suficientes e de qualidade para atender à população “jovem” que ano após ano precisa de inserir-se. A realidade para Pochmann (1998) é escassez de empregos regulares para a população “jovem”. 96 Fica evidente nesta situação a dificuldade para o adolescente ingressar no mercado de trabalho, confirmada por Fausto e Cervini (1992), que demonstraram que a população “jovem” forma um excedente de mão-de-obra que acaba por ser absorvido no mercado informal ou em pequenas unidades de produção em que o nível de exigência é baixo. Estas ocupações que anteriormente absorviam trabalhadores com pouca ou nenhuma escolaridade, na atualidade são disputadas por aqueles com escolaridade mais elevada. Dupas (1999) confirma que há um número elevado de desempregados entre aqueles que pretendem ingressar no mercado de trabalho, e, um número significativo de jovens com escolaridade elevada sendo absorvido em empregos precários. Esta situação não é diferente para Pochmann (1998), já que os postos de trabalho que não exigem qualificação elevada têm sido ocupados por indivíduos jovens com escolaridade mais elevada. Outro fator preponderante que dificulta a socioprofissionalização dos adolescentes é a contradição entre mercado de trabalho e tráfico de drogas, registrado nas falas das gestoras, devido à presença do narcotráfico recrutando esse adolescente e remunerando-o de forma bastante atrativa, pois conforme (D5): “[...] O desafio está lançado, em vários sentidos e principalmente na questão da profissionalização... pois diante do tráfico o mercado de trabalho não encanta! [...]” Fato esse também confirmado nas entrevistas dos próprios adolescentes no QUADRO 2, como se vê: Fiquei seis anos no tráfico. Vendia pedra. Cocaína e maconha vendi também [...] [...] no centro (cidade) não dá pra vender tudo, porque tem uma divisão, né. Tipo! aqui pode vender isso, ali não pode vender aquilo. [...] no centro eu vendia pedra. [...] na favela, eu vendia menos. No centro, eu ficava na gerência. Eu só gerenciava sozinha. Trabalhando... (A16). Já vendi droga. Desde os 11 anos... é boa! (a atividade). Eu fazia mais por causa de dinheiro, também... Dependia. Ah... uns 900 por noite. Eu tirava uns 4 mil por mês. Eu torrava tudo! (A11). A inserção no mundo do trabalho e/ou a inclusão produtiva pode ser entendida como uma oportunidade de crescimento pessoal, uma vez que passam a adquirir novas responsabilidades. A fala da adolescente A16 que ficava na “gerência” demonstra esse fato, que mesmo realizando uma atividade ilegal, teria suas responsabilidades, se sentia importante quando relata que “gerenciava sozinha” e encarava tal atividade como trabalho, facilitando o tão almejado status social. Diante da contradição entre mercado de trabalho e tráfico apresentada pelos próprios adolescentes e no depoimento da Diretora (D5), é importante analisar que os dados referentes à quantia recebida pelos adolescentes podem ser percebidos como um entrave ao 97 avanço da socioprofissionalização, pois nos mostrou que a mesma variou bastante se pensarmos na relação do narcotráfico com os outros tipos de atividades. Pode-se concluir que através dessa atividade ilegal, o adolescente (A11) conseguiu ganhar até 9 vezes mais do que com as atividades legais ou regime de aprendizagem, tendo como base o salário mínimo. Percebemos que o mercado de trabalho não é sempre “legal”. Existe, também, para esse público, o “ilegal”, capaz de remunerar bem mais por esse “trabalho”. O que a “atividade legal” oferece a mais, de forma a compensar a baixa remuneração é a segurança do indivíduo - poder realizar essa atividade publicamente, sem o risco de ser preso ou de ser punido. A legalidade das atividades laborais promove também, o status social e a dignidade, além da proteção trabalhista que oferece ao indivíduo. Dupas (1999) e Machado (2001) acreditam que a dificuldade de acesso ao mercado de trabalho pode elevar a violência social; os jovens acabam se tornando vulneráveis às situações de delinquência, em que o retorno financeiro é certo, bem como a possibilidade de fazer parte da sociedade de consumo, conforme relato do A11, que enfatizou a sua “remuneração” de aproximadamente quatro mil por mês e a sua finalidade consumista, pois de acordo com ele: “torrava tudo”. A OIT (2001) endossa esse aspecto sobre o desemprego juvenil39, pois de acordo com pesquisas ele pode contribuir para o aumento da violência em alguns países e defende o combate ao que chama de “epidemia”. O desemprego juvenil pode contribuir para a apatia social, impedindo os jovens de se envolverem em causas políticas em prol da sociedade, tão próprias de sua faixa etária. Sendo assim, os jovens não chamam a responsabilidade para si, somente esperam acontecer e reagem às situações, passando a não se preocupar com o coletivo, colocando a culpa em tudo e em todos. O que importa para eles é o hedonismo individual. Uma das alternativas dos Centros Socioeducativos, no sentido de inclusão dos adolescentes, é a captação de parcerias nesse sentido, tanto da própria SUASE, quanto dos profissionais no interior das unidades, utilizando-se assim do princípio que rege o Art. 86 do ECA, que refere-se a necessidade de ações articuladas, sejam elas governamentais ou não governamentais, para a efetivação de uma política de atendimento. Este fato pode ser percebido nos discursos das Diretoras (D1) e (D2). ______________ 39 O desemprego juvenil pode ser entendido neste estudo como acesso ao primeiro emprego. 98 4.3 Profissionais (P) QUADRO 9 Impressões sobre a música Pivete de Chico Buarque e Francis Hime apresentada e relacionada à realidade vivenciada pelos adolescentes Expressões Chaves (ECH’s) Ideias Centrais (IC’s) • Aqui contraria o que se fala do mundo do trabalho, pois: tem freio e direção. A música diz que o menino “não tem freio e nem direção”. E se ele não se liga em freio e direção, quer dizer que não tem limites. Desde criança eles não tem limites! ...eles não foram educados... ou a maioria não. (P1) • O adolescente foi para o sinal, quando deveria estar na escola, num projeto social. Às vezes, para... às vezes, não. ...eu falo, pois conheço caso de adolescente que foi para a rua e deslanchou na vida. Mas sem ter acesso. Sem ter direito a praticamente nada. Com todos os direitos violados. A gente vê, eles numa situação de vítima, mas muitas vezes, a vítima começa a fazer vítimas, né? (P2) • Nessa parte aqui, “sonha com a menina... prancha... cheira parafina... dorme gente fina...”, a gente vê um pouco no discurso deles, assim, né. Do desejo de terem uma vida diferente da que eles tem. Do sonho de consumo.... Que é o Rio, as minas, o surfista, a parafina. Ele tem um ideal na vida deles, e tentam chegar nisso! (P3) • Eu acho que eles querem ser incluídos. Ter um tênis de marca, talvez equivaleria a ser um filhinho de papai, um playboy. Aí, mesmo que ele não seja, ele tem um tênis igual ao dele. Talvez a aparência dele possa se parecer com a do outro! Talvez assim se sintam incluídos. (P3) • A gente fica naquela máxima: filho de rico que usa droga é dependente químico ou problemático. Filho de pobre é sem-vergonha, safado! Tem que ir pra cadeia e a polícia pega. Agora, filho de rico, não. Vai prá clínica particular! Não que a violência não exista nas outras classes sociais, mas só aparece nas classes inferiores. Muitos desses meninos...Pivetes, de Chico Buarque, a gente vê, aqui. Né? Acho que mais é a questão social. (P4) • Na primeira estrofe ele vende a alma dele. Foi vender o chiclete pro outro. Daí não deu certo, ele aponta o canivete. Quer dizer, o chiclete não deu certo. Ele começa de canivete. E para baixo... deve ser a visão do Chico: aponta que o sistema é que jogou ele no meio. (P3) • Algumas tem oportunidades. Fazem curso aqui, vai lá fora, é indicada no emprego, mas acabam voltando pro tráfico. Por quê? Eu acho que o salário é maior. Porque elas falam assim: “o que eu ganho no mês, elas ganham em um dia”. Eu acho que é muito essa questão, mesmo. É fácil! (P4) • O interessante, que quando você vai perguntar sobre se já desempenharam alguma atividade ou se já trabalhou, algumas se refere ao tráfico como tipo de trabalho. Tem essa referência, porque através do tráfico conseguem dinheiro. Então, o conceito que elas tem de trabalho, está ligado muito, só a questão do dinheiro, né. (P4) • Eu acho que tudo começa num universo maior, né. Como criança ele vai para rua, onde não deveria estar. Pode começar até através da venda de chiclete, mas pelo local onde ele está vendendo esse chiclete, aí no desenrolar da música fala: que ele sobe e desce ladeira e daí a pouco um assalto no carro, né! ...começa os roubos e vai desenrolando outras coisas piores...(P5) • Acho que a diferença é exatamente a questão cultural. A gente... nós, tivemos oportunidades, nós vivemos em mundos bem diferentes. Ele • Necessidade de Inclusão Social. • Questão Social leva a criminalidade. • Tráfico percebido como trabalho e como meio de sobrevivência. • A falta de limites e as perdas contribuiem para agravar a situação infracional dos adolescentes. • Dificuldades e inserção no mundo do trabalho. 99 não teve esse embasamento. Acho que é uma questão social mesmo! De família e de cultura. Aqueles são os valores dele, mas ele busca as mesmas coisas que eu. Só que ele tem outros valores, diferentes dos meus. (P5) • Quando fala: “num sinal fechado, ele vende chiclete”- acho que para ele o mercado de trabalho está fechado! A saída dele seria ser um ambulante... Começa vendendo chiclete, mas depois ele descobre outras coisas... com as drogas ele ganha muito mais... tem um retorno muito melhor, né. E aí? (P5) Fonte: Centros Socioeducativos de Belo Horizonte, meses de Fevereiro e Março de 2009. A música popular foi utilizada, pois é capaz de penetrar profunda e transversalmente as camadas sociais e expressar, com elevado grau de significância as manifestações culturais de uma sociedade, permitindo surpreender preciosos recortes do imaginário, e devido a isso, torna-se uma expressão representativa. Podemos perceber que ao invés de uma simples instância representativa, o imaginário constitui-se numa dimensão que, mais do que se nivelar com o real, pode ser concebido como instaurador de outras dimensões, como percebida nas impressões dos profissionais, podendo ser confirmada mais diretamente no discurso do (P5), quando diz: “acho que para ele o mercado de trabalho está fechado! A saída dele seria ser um ambulante [...]” O profissional faz um contraponto do mercado de trabalho com o semáforo fechado, lócus onde o Pivete vende chicletes, ou seja, ele realiza e acredita estar inserido no mundo do trabalho. Segundo Durand (1999), o estudo do imaginário permite a compreensão do dinamismo que regula a vida social e suas manifestações culturais. O imaginário consiste no capital inconsciente dos gestos do homo sapiens, sendo também o conjunto de imagens que constituem o capital pensado do homo sapiens e o universo das configurações simbólicas e organizacionais. Portanto, estão subjacentes ao imaginário os modos de pensar, sentir e agir de indivíduos, culturas e sociedades. A música “Pivete”, cantada por Chico Buarque de Hollanda é de autoria dele e de Francis Hime, utilizada para introdução e sensibilização dos profissionais nos Grupos Focais realizados nos Centros Socioeducativos, serviu para iniciar a discussão sobre o tema trabalho, e fez um contraponto com a inclusão social desse adolescente e as demais temáticas que envolvem a questão do adolescente em conflito com a lei, de forma geral. Na obra poéticomusical emerge a questão social, representada a princípio pela luta pela sobrevivência no sentido da realização de atividades laborativas conforme a estrofe “capricha na flanela... batalha algum trocado...”, diante da dura realidade social de tantas crianças e adolescentes do País, e é eufemizada pelo compositor na figura do “Pivete”. A representação dramática da música é percebida quando o “jovem trabalhador” é transformado em “infrator”, confirmada 100 nas estrofes: “Aponta um canivete e até...” e “descola uma Bereta”, confirmação que não deixa dúvidas sobre sua condição infracional. Devemos destacar que o trabalho é uma temática recorrente na obra Buarquiana, surgindo em diversos momentos de sua trajetória como compositor. Em texto publicado na Revista Concinnitas, Eloiza Oliveira (2002) realiza uma “leitura” do texto buarquiano, através da Análise do Discurso, buscando os significados relativos ao tema trabalho. Conclui que eles descortinavam uma “cena discursiva”, em que atores-falantes atuavam e interagiam. Os “atores” da obra de Chico Buarque, no que se refere ao trabalho, podem ser classificados como: operários, prostitutas, malandros, pivetes, entre outros, e tais ideias, sentidos e símbolos compõem o imaginário social. Pode-se perceber que as instâncias do trabalho e da inclusão social constituem-se em objeto privilegiado do conteúdo do imaginário dos atores sociais, de forma geral. Elas se exibem e se oferecem à análise de inúmeras formas. Neste ponto, vale a referência a um conceito de fundamental importância para qualquer estudo na área, mas muitas vezes negligenciado, sobre o imaginário social. Trata-se do enunciado de Durkheim (1960, p. 4647), quanto à existência de uma “consciência coletiva”. O autor explicita sua visão ao teorizar sobre a divisão do trabalho social, quando analisa o que denomina “solidariedade mecânica” ou quando fala dessa “consciência coletiva ou comum”, que é “a mesma do Norte e do Sul, nas grandes e pequenas cidades, nas mais diferentes profissões. Da mesma forma, não muda a cada geração, mas ao contrário, enlaça umas às outras as gerações sucessivas”. A relação trabalho/inclusão social está magistralmente reinventada por Chico Buarque em “Pivete”. E nosso compositor o faz mediante o uso hábil e eficiente de imagens contrapostas, que auxiliaram os discursos dos profissionais (QUADRO 9). Ou será por acaso que “Pivete” foi uma expressão disfarçada do momento vivido no Brasil por tantas crianças e adolescentes nos grandes centros urbanos e a urgente necessidade de inclusão social e produtiva desses atores através das diversas Políticas Públicas direcionadas a uma realidade social pautada de um lado pela luta pela sobrevivência e de outro pela banalização da violência? O adolescente foi para o sinal, quando deveria estar na escola, num projeto social. Às vezes, para... às vezes, não. ...eu falo, pois conheço caso de adolescente que foi para a rua e deslanchou na vida. Mas sem ter acesso... Sem ter direito a praticamente nada. Com todos os direitos violados. A gente vê eles numa situação de vítima, mas muitas vezes, a vítima começa a fazer vítimas, né? (P2). 101 Os versos da música representam um tempo de trabalho infantil, ilegal para a criança e informal para o adolescente, perpassando entre a atividade legal e passando gradativamente à ilegal. A gestão do imaginário vem à tona, e passa pelo desejo e pelo sonho – “sonha aquela mina”; também pela discriminação do sujeito – “e tem as pernas, tortas” e pela falta de limite – “não se liga em freio nem direção.” Sendo que esse último, que está diretamente ligado na questão dos limites, foi realçado nos discursos dos profissionais e até de adolescentes, a exemplo podemos citar o (A41), “...e eu queria ter uma certa liberdade, aí minha mãe... nem ela sabia o que era certo ou o que era errado, e ela deixava.” Conforme Calligares (2000, p.43), “[...] não é difícil enumerar os comportamentos mais frequentes da delinquência do adolescente. Sua banalidade só demonstra a banalidade dos desejos que os adolescentes conseguem descobrir atrás do silêncio dos adultos [...]” A transgressão do adolescente reflete no adulto justamente o que eles querem reprimir. O grupo é o portador de um coletivo cultural onde ele se sente plural, define suas ações, estabelece sua ordem e coloca seus próprios limites. Fato esse percebido pelo profissional (P1), quando fala: “A música diz que o menino não tem freio e nem direção. E se ele não se liga em freio e direção, quer dizer que não tem limites. Desde criança eles não tem limites! ...eles não foram educados... ou a maioria não.” A canção mostra claramente a opção de crianças e adolescentes (ou falta de oportunidades) pelo tráfico como meio de sobrevivência e status social, mas também reflete o cansaço e até o lócus de produção da doença mental, através da estrofe: “dorme gente fina e acorda pinel”, e existe também o contexto de drogadição que pode ou não estar diretamente ligado ao tráfico – “meio se maloca... agita numa boca... descola uma mutuca e um papel”, mas que pode ser traduzida por um contexto de perdas diversas e marcadas pelos traços de um futuro incerto. Como afirmou (A28): “...Ah, eu acho que tinha muita revolta, né. Eu já vi o meu pai morrer na minha frente, eu tinha sete anos. Aí, cometia crime. Tráfico...” As situações descritas e principalmente as relativas às perdas que sofrem durante suas vidas, fato esse exemplificado pelo adolescente (A28), descrito, podem contribuir como porta de entrada para a criminalidade. Ainda que boa parte dos estudiosos e do senso comum não consiga fazer uma conexão entre infração e perdas, mas é impossível não consideramos esse aspecto. Portanto, o estudo do simbolismo presente na música “Pivete” permitiu refletir as dimensões macro e micro-estruturais, isto é, empreender a análise da música co-relacionandoa aos discursos dos profissionais, sem desconsiderar os grandes sistemas que envolvem o social mais amplo. Isto revela, nesse caso, a complexidade e a heterogeneidade das relações entre o mundo do trabalho e a necessidade de inclusão desse indivíduo, consolidando assim, 102 sua perspectiva cidadã, principalmente no caso do adolescente, que está em fase peculiar de desenvolvimento. QUADRO 10 Ações e percepções sobre preparação e/ou inserção socioprofissional dos adolescentes Expressões Chaves (ECH’s) Ideias Centrais (IC’s) • O Estado através da medida socioeducativa, procura em primeiro • Necessidade de uma lugar: uma equipe que vai oferecer para esse adolescente uma série de Equipe qualificada voltada trabalhos, tem a equipe da terapia ocupacional, da pedagogia e do para a serviço social. (P1) socioprofissionalização dos adolescentes. • Eu acho que tem muitas oportunidades pros meninos sim! Minha visão é que muitas vezes não se oferece recurso, formação, sei lá... dentro daquilo que eles querem, nas perspectivas deles. (P2) • Acreditam que existem oportunidades para os • Na realidade a gente tem preparado os adolescentes até para adolescentes, mas poucas apresentação pessoal. Começa com a auto-estima, com as oficinas de que atendam o desejo dos auto-cuidado. Incentivamos o trabalho informal, porque até que este mesmos. adolescente esteja capacitado para estar enfrentando um curso ou trabalho lá fora, ele terá condições de fazer um trabalho informal como o artesanato. (P2) • Algumas experiências voltadas para a • Já tivemos alguns adolescentes no CESAM, em curso de preparação socioprofissionalização e profissional e depois conseguiram trabalho. Acho que são heróis, inserção no mercado de porque nós “trancados” aqui, será que retornaríamos? Alguns vão para trabalho. trabalho, ficam parte do dia fora, chegam tocam campainha pra poder entrar, ainda tem que pedir autorização para tudo. Tem que depender de alguém. - Tem hora que eu penso e me coloco no lugar deles, será • Existem parcerias mas que eu daria conta disso? (P2) ações são mínimas e dificuldade de captação • De acordo com o envolvimento no cumprimento da medida. Quando desses parceiros. chega a um nível de maturidade. Aí, ele é avaliado pela equipe, pra ver se ele tem o perfil para fazer o curso externo.(P3) • A gente tem que buscar parceiros. Tem dificuldades e às vezes, o adolescente não tem o perfil. Tentamos, mas arranjar parceiros não é uma coisa fácil.(P3) • Eu acho que ainda esta começando... ações mínimas. Devem ser feitas muito mais ações nesse sentido da inserção desses adolescentes no mundo do trabalho. O que tem sido feito atualmente aqui, e que veio do SINASE, são as parcerias, né. Parcerias com o SENAC e outras. Essas parcerias funcionam (P4) • Ás vezes, a gente se sente impotente. No dia em que a adolescente X foi embora, olhava pra mim, chorava e dizia: “Pelo amor de Deus, me ajuda. Arruma um emprego pra mim. Me ajuda, gente! Eu não posso voltar pro mundo do crime, ...eu tenho meus filhos.” Eu pensei: nós não podemos te ajudar. O ideal seria que todas quando saísse daqui como aconteceu com a adolescente Y, tivesse um encaminhamento pro emprego.(P4) • Penso que a gente consegue passar para ele um pouquinho disso. Que lá fora, nas empresas, é como aqui, né. Ele tem que cumprir horários. ...qual o objetivo da empresa. ...filosofia de trabalho. A gente faz isso! (P5) • As vezes a burocracia do Estado atrapalha, mas tivemos três adolescentes contratados, saíram e foram trabalhar numa Pizzaria, depois um foi embora para o interior, pois era de Pará de Minas, o outro ficou no serviço, na unidade da Pampulha. (P5) Fonte: Centros Socioeducativos de Belo Horizonte, meses de Fevereiro e Março de 2009. 103 O QUADRO 10 foi fruto das discussões dos profissionais nos Grupos Focais realizados nos Centros Socioeducativos sobre as percepções dos mesmos no sentido da socioprofissionalização dos adolescentes. Um dos pontos abordados foi à necessidade de uma equipe qualificada e bem preparada para desenvolver essas ações, pois a complexidade no trato com adolescente em conflito com a lei, exige compromisso dos profissionais em geral, principalmente do técnico (citaram nesse caso; a Terapia Ocupacional, a Pedagogia e o Serviço Social). Ele deve estar atento a imprimir um enfoque interdisciplinar ou no mínimo esforçar-se para o redimensionamento das questões, numa perspectiva sistêmica e dinâmica, que talvez seja “única” na vida destes adolescentes. Nesse sentido o profissional auxiliará o adolescente, a redesenhar a sua história e de seu grupo familiar, e talvez constituir-se como uma alternativa real para o não retorno a criminalidade. A interdisciplinariedade ainda é um grande desafio, pois propõe que haja uma troca entre os profissionais para que na convivência surja o aprendizado e com isso a ampliação do referencial teórico-prático de cada categoria profissional. A partir desta perspectiva, a interdisciplinariedade propiciará uma articulação entre os saberes e práticas específicas, sendo que, para que isso ocorra é essencial a competência na área de atuação e a mudança de paradigma no pensar e no fazer profissional. Isto significa valorizar cada área em suas especificidades e naqueles conteúdos similares ao de todos que estão inseridos na equipe. Outro ponto relevante foi que a maioria dos profissionais acredita que existam ações e oportunidades para os adolescentes no sentido de preparação para o mundo do trabalho, através de cursos e/ou oficinas profissionalizantes, mas poucos são aqueles que atendam ao desejo dos mesmos. Esse fator pode contribuir para a desmotivação dos adolescentes e até para sua evasão, como ocorre muitas vezes na escola regular. Esse ponto foi também ressaltado no QUADRO 8 pelas gestoras, como desafio, conforme a Diretora (D4) “... Outro (desafio) é atender as demandas de qualificação desses adolescentes, pois muitas vezes estão distantes da sua realidade e dos seus desejos...” Nos discursos dos profissionais dos Centros Socioeducativos foram detectados que existem algumas experiências voltadas para a preparação socioprofissional do adolescente, tanto internas como externas e até de inserção dos mesmos no mercado de trabalho. Um fato em especial marcou o presente estudo através do discurso de um Agente Socioeducativo de um dos Centros, que utilizou a metáfora do herói para designar a força de vontade de um adolescente que sai para uma atividade externa, nesse caso específico era um trabalho, viabilizado através do Centro Salesiano do Adolescente Trabalhador, onde passa o dia todo fora e retorna para ser novamente privado de sua liberdade: “...Acho que são heróis, porque 104 nós “trancados” aqui será que retornaríamos? Alguns vão para trabalho, ficam parte do dia fora, chegam, tocam campainha pra poder entrar, ainda tem que pedir autorização para tudo...” (P2). O discurso do profissional acima suscita reflexões: a primeira é que muitas vezes é possível promover a ressocialização desse adolescente, contribuindo para o seu retorno ao convívio social de uma forma saudável e com perspectivas de futuro. Isso se dá através de um trabalho socioeducativo de qualidade, voltado tanto para a responsabilização desse indivíduo perante o ato infracional cometido, como a atenção aos fatores pedagógicos, psicológicos e sociais implícitos nesse contexto. A segunda, que não podemos deixar de citar, é que muitos adolescentes, enquanto estão acautelados nos Centros, conseguem manterem-se no trabalho, mas quando retornam a sua comunidade de origem são convidados insistentemente ao retorno a criminalidade e como foi constatado neste estudo, a remuneração oferecida pelo narcotráfico é bem maior que a do mercado capitalista. Um fator muito citado em todos os Grupos Focais realizados foi à necessidade de parceiros para a efetivação de ações socioprofissionais que visem a uma futura inserção desse adolescente no mundo do trabalho. Citam que às vezes a burocracia estatal dificulta as ações nesse sentido. Concluem que elas existem, mas são mínimas, ficando claro a dificuldade de captação dessas parcerias e a efetivação de uma política de inclusão, fato esse também citado no QUADRO 8, de forma mais clara pelas gestoras dos Centros Socioeducativos. CONSIDERAÇÕES FINAIS A situação atual do adolescente em conflito com a lei, em especial aqueles que se encontram sob medida socioeducativa de internação, é uma realidade constante que se presencia por todo o país. No entanto, ainda é pouco o que tem sido feito para combater esse quadro, pois a violência a cada dia está mais presente em nossa sociedade e torna-se necessário oferecer melhores condições de realização de um atendimento socioeducativo de qualidade, que permita ao adolescente traçar um projeto de vida que o torne efetivamente cidadão. A experiência de construir um projeto e desenvolver este estudo foi um grande desafio pessoal e profissional, pois no universo do adolescente privado de liberdade, que faz parte das preocupações da pesquisadora, são poucos que ficam a vontade para realizar uma pesquisa, principalmente devido a complexidade do sistema socioeducativo e a dificuldade de se conseguir anuência dos órgãos oficiais para adentrar às unidades socioeducativas de internação. A temática da inclusão produtiva abordada é ainda pouco pesquisada e polêmica, o que significou, para nós, um esforço no sentido de encontrar elementos que permitissem compreendê-la em seus aspectos teóricos e práticos e em seguida discuti-la criticamente à luz de um referencial teórico acadêmico-científico. Constatamos através dos dados empíricos, a realidade de dezenas de adolescentes acautelados e no intuito de contribuir de alguma forma para uma compreensão maior dos desafios e perspectivas relativas ao mundo do trabalho, foram registradas tanto as percepções dos adolescentes como a dos profissionais envolvidos com a questão, não existindo, portanto, a pretensão de apontar soluções para a difícil tarefa da reinserção social. Isso ainda se configura como um grande desafio na sociedade contemporânea, diante do estigma de que o adolescente é alvo e da precariedade das Políticas Públicas que privilegiem a temática em questão. A política de proteção aos direitos da criança e do adolescente, entre as décadas de 80 e 90, foi possibilitada pela conquista de um Estado Democrático de Diretos, devido à promulgação de instrumentos fundamentais, como a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990. Do ponto de vista formal, o ECA constituiu um avanço, ao apontar os direitos dos adolescentes, abrindo a possibilidade de se elaborar uma política social contra a exclusão, bem como, contra os riscos pessoais e/ou sociais 106 presentes no cotidiano desses adolescentes. Entretanto, a missão do ECA ainda está longe de ser cumprida, estando ainda em construção no Brasil dos dias atuais. Da situação de abandono à segregação social, os adolescentes veem constantemente seus direitos violados, impedindoos, assim, de serem de fato cidadãos. Segundo o ECA, a internação, ou seja, a medida privativa de liberdade deveria ser uma medida sujeita aos princípios de brevidade e excepcionalidade, respeitando o adolescente como pessoa em condição peculiar de desenvolvimento, mas na prática isso não acontece, tornando-se uma medida ainda extensa, devido ao longo período em que os mesmos permanecem institucionalizados, o que na maioria das vezes pode vir a comprometer o seu desenvolvimento biopsicossocial. No cotidiano dos adolescentes pesquisados, manifestado em seus discursos, podemos perceber que as condutas e os valores dentro ou fora das unidades socioeducativas sofrem as influências do contexto ao qual estão inseridos naquele dado momento de suas vidas e do grupo ao qual pertencem, o que será melhor visualizado a seguir. Alguns questionamentos foram aparecendo no decorrer do estudo e a primeira consideração a ser feita é que encontramos adolescentes que são rotulados pela mídia de “menores infratores”, que em algum momento de sua trajetória carregaram outros rótulos quando foram “crianças de rua”, trabalhadores infantis ou adolescentes trabalhadores e/ou aprendizes. No entanto, percebemos duas dimensões que merecem destaque; uma é que para grande parte da sociedade a imagem registrada é a de ameaça – do furto, do roubo, do tráfico, ou seja, da violência. E a outra é da proteção, no que se refere à fragilidade dos adolescentes, pois alguns não os consideram culpados pela situação em que se encontram, atribuindo o fato a uma questão mais ampla, social ou estrutural. Essas questões foram abordadas na música Pivete de Chico Buarque de Holanda e Francis Hime e analisada pelos profissionais nos Grupos Focais realizados nos Centros Socioeducativos. O que podemos pensar a esse respeito? Que por um lado, independentemente da trajetória percorrida por esses adolescentes, estará sempre em evidência somente a forma ou as estratégias utilizadas por eles, que ameaçam à ordem social, embora essas não sejam percebidas como tal, apenas como atos de violência praticados por eles e contra a sociedade. E por outro lado, por não terem acesso aos meios de sobrevivência e de consumo próprios da fase em que estão, trilham um caminho já esperado. E, no imaginário social, se tornam criminosos em potencial, devido à falta de oportunidades, que o próprio sistema econômico não oferece. 107 Percebemos que o relato desses adolescentes, contribuiu para compreender, como também é apontado por alguns autores que o trabalho ainda continue sendo visto pela sociedade como importante fonte de socialização e normatização. Porém, as mudanças ocorridas no mundo do trabalho no interior da sociedade contemporânea, como o acesso ao primeiro emprego, diante da pouca escolaridade, qualificação e perspectivas profissionais, acabam interferindo na forma do adolescente compreender a dimensão real do trabalho, que consiste na valorização e satisfação pessoal que o mesmo pode oferecer. O adolescente em sua maioria, não entende o trabalho como uma necessidade vital, um dever moral, como analisado pelo pensador grego Hesíodo: um caminho para se alcançar a areté, mas apenas como um instrumento que possa garantir sua autonomia financeira para atingir o tão esperado status social e vivenciar a sua juventude e o sonho de consumo. Diante desse, novo olhar adolescente, direcionado ao mundo do trabalho, no tocante às diversas atividades exercidas pelos mesmos antes da internação, percebemos que as Atividades Ilegais passaram a ter uma função semelhante às legais e acabaram sendo, em alguns momentos, uma alternativa factível para estes adolescentes e melhor remunerada para garantir-lhes os ideais de consumo. Nesse estudo observamos que, ao buscar compreender como o adolescente autor de ato infracional percebe o mundo do trabalho e se já havia realizado alguma atividade laboral pregressa, pudemos conhecer alguns aspectos importantes referentes à realidade de vida dos mesmos, suas ações na inter-relação com a sociedade, a família, o Estado e consigo mesmo. No caso desse estudo, observamos a necessidade de ser feita uma crítica real à sociedade do trabalho e as condições de mercado, e uma crítica velada à sociedade do direito, pois os adolescentes oriundos de camadas populares em situação de vulnerabilidade social, em sua maioria, com baixo grau de escolaridade e qualificação profissional, demonstraram encontrar nas Atividades Ilegais (trabalho infantil, trabalho em situação de rua, ato infracional e narcotráfico) uma forma para conseguir certa autonomia financeira. Dessa forma garatem o acesso aos bens de consumo que lhes permitem, de alguma forma, vivenciar sua adolescência. Verificou-se que, o acesso a Atividades Ilegais é facilitado, pois não exige grau de escolaridade e/ou qualificação profissional para sua realização. É interessante mostrar que a possibilidade de adquirir bens de consumo parece ser um imperativo na vida desses adolescentes, uma vez que, por ser uma prerrogativa inerente à sociedade capitalista contemporânea, acaba funcionando como um mecanismo para promover 108 simultaneamente a inclusão e a exclusão dos mesmos, e projetá-los na manutenção do seu status quo. As estratégias dos adolescentes para alcançar tal condição social podem significar quase que um direito fundamental, como o direito a vida ou a liberdade, mas que se volta contra eles mesmos. Um aspecto importante é que o fato dos adolescentes terem relatado um maior número de Atividades Ilegais, em detrimento das Legais, nos fez perceber que é menor o acesso às Atividades Legais, e que, quando o adolescente relatou a presença dessas últimas em algum momento da sua vida, sua inclusão produtiva se deu de forma inadequada, sem a devida formação e preparação através de ações pedagógicas orientadas. Neste sentido, foram detectadas apenas atividades informais e/ou de sub-emprego, com baixa remuneração e poucas perspectivas de valorização e crescimento profissional e pessoal. A partir disso, podemos fazer algumas observações. Independentemente da trajetória desses adolescentes, nas atividades relatadas por eles antes da internação, existe a manutenção de uma posição social estigmatizada: “pobre”, perigoso em potencial e trabalhador subserviente. Percebemos, também, que a realização de Atividades Legais ou Ilegais é cercada por ações que de certa forma atuam como limitadoras da auto-estima e da valorização pessoal, pois mesmo nas ditas Legais, a limitação é implícita, porque os sonhos e os desejos dos adolescentes são quase sempre subordinados aos interesses do mercado de consumo. Já para as Ilegais, a limitação é explicita, pois ele perde a condição de adolescente e passa a ser visto como mero “infrator”, perdendo assim muitos dos “direitos” conquistados, enquanto pessoa em situação peculiar de desenvolvimento. O Ter nesse momento significa mais do que o Ser, e de certa forma o acesso aos bens de consumo, sejam eles por via legal ou ilegal, permite ao adolescente a sensação de inscrição no social, ou seja, ele consegue um passaporte para o mundo adulto, o que reforça a sua autonomia e valorização, mas conforme constatado na pesquisa, muito mais utilizado pela via ilegal. Especificamente em relação à inclusão produtiva, os adolescentes carregam consigo o título atávico, de que, para eles, basta apenas uma formação mínima que garanta qualquer inserção no mundo do trabalho. É a partir desse pressuposto que se vê continuamente os adolescentes sendo inseridos em atividades laborais, apenas para manter o status quo. Embora ajudar no sustento da família seja uma prerrogativa para a maioria dos adolescentes entrevistados, isto não quer dizer que tenham que sair da escola. Parece que a saída da escola acontece por questões estruturais, antes da sua internação; tais como o 109 desemprego dos responsáveis diretos e os atrativos do narcotráfico, onde as possibilidades de ganhos exorbitantes enfeitiçam os adolescentes, criando-lhes a falsa sensação que não necessitarão do estudo para se estabilizar financeiramente e para conseguir sua inscrição no social. Foi verificado nesse estudo, que para a maioria dos adolescentes essa percepção é alterada durante o cumprimento da medida judicial imposta, pois no Quadro 4 mostramos as perspectivas de futuro, sendo detectado que em relação aos estudos, a maioria dos entrevistados nutriam o desejo de prosseguí-los. Diante das dificuldades enfrentadas antes da internação, passam a acreditar que este é o único caminho para uma vida melhor, bem como a oportunidade de ajudar de maneira mais efetiva na manutenção ou melhoria das condições de vida familiar. Nessa contradição é possível perceber onde se localiza a força maior para o êxito da ação socioeducativa. Eles conseguem perceber a dificuldade de se inserir no mercado de trabalho, mesmo para aqueles que têm estudos, quanto mais para os que não os tem. Apesar disso, eles sabem que a ausência do estudo torna praticamente inviável o ingresso e a manutenção do mesmo no trabalho. Eles expressam isso de maneira clara e consciente e, às vezes, algum parente é o exemplo da necessidade dos estudos. Assim, eles instauram a política, no sentido original da expressão, em suas vidas. Entre os jovens entrevistados, aqueles que não estudavam antes da internação e devido a obrigatoriedade nos Centros Socioeducativos, passam a perceber a sua necessidade e querem continuar os estudos, uma vez que começam a refletir que a baixa escolaridade se torna um fator dificultador para sua inclusão produtiva e para seu crescimento profissional. A percepção das gestoras e dos profissionais no tocante ao Direito à profissionalização e proteção ao trabalho preconizado no ECA e no SINASE, também não é diferente e ficou muito centrada nos desafios decorrentes desse processo, principalmente em relação à escolaridade dos adolescentes. Buscando facilitar a inclusão produtiva dos adolescentes, foi percebido no atendimento socioeducativo diversos projetos e propostas, principalmente ligados às Organizações Sociais, no sentido de garantir ao público alvo, alguma formação profissional que possa facilitar sua futura reinserção social e profissional, mas ainda são incipientes tais ações, conforme relato dos profissionais dos Centros Socioeducativos. Historicamente, a concepção que subjaz grande parte das ações e projetos de intervenção no sentido de incluir produtivamente esses adolescentes, apresentam o trabalho como atividade-fim, ou seja, traz implícita a realização do trabalho com um objetivo em si 110 mesmo, com a justificativa de que o adolescente não permaneça desocupado. É o que Minayo-Gomez e Meirelles (1997) denominam de função moral e disciplinadora, segundo a qual, ao realizar algum trabalho, o adolescente se afasta do risco de agir em dissonância com as regras sociais ou morais. Outro pressuposto, por outro lado, está presente em parte nos projetos, apresentando o trabalho como atividade-meio, ou seja, como uma forma de se alcançar algum objetivo. Porém, na maioria dos casos, a finalidade da atividade laboral é meramente a obtenção de recursos financeiros, descritos por Minayo-Gomez e Meirelles (1997) como reapresentando a função de subsistência e bem marcada nos discursos dos adolescentes. Indiscutivelmente, os projetos voltados à iniciação socioprofissional de adolescentes, apresentam grande relevância social, pois consideram o trabalho como princípio educativo como enfatizado por Gramsci (1968) e Frigoto (1985), e também como atividade-meio, não sendo apenas o espaço onde será possível obter recursos financeiros, mas um meio efetivo de formar integralmente o futuro cidadão. A função formadora do trabalho tem por pressuposto o desenvolvimento de atividades e competências envolvendo diferentes contextos e níveis de relação, como social, familiar, escolar e cultural dentre outros. Há que se desenvolver o cidadão em sua plenitude, abordando direitos e deveres em relação ao trabalho. As organizações sociais que veem desenvolvendo esse tipo de trabalho junto aos adolescentes das classes mais vulneráveis tem como objetivo dar-lhes formação socioprofissional, orientação educacional, cultural e esportiva, defender seus direitos trabalhistas e previdenciários e controlar suas relações no trabalho, em conformidade com as disposições do ECA e no caso dos adolescente em conflito com a lei, também do SINASE. Os adolescentes entrevistados, em sua maioria, demonstraram indícios de que a internação pode atuar sobre suas percepções de forma positiva, despertando-lhes sentimentos de auto valia e interesse pela construção de um projeto de vida longe da criminalidade. Entretanto, não obtivemos subsídios concretos para perceber se as ações desenvolvidas no interior do sistema socioeducativo conseguem atender efetivamente uma perspectiva socializadora ou de reinserção social, como é habitualmente chamada. O que temos convicção é de que para o adolescente, um processo de institucionalização prolongado pode atuar negativamente no sentido de limitar a sua autonomia e protagonismo, fatores esses fundamentais para sua inserção no mundo adulto, onde o trabalho é parte fundamental. Não podemos desconsiderar que existe uma relação de dependência pessoal do adolescente internado com a instituição e está diretamente influenciada pelo contexto social que ele estava inserido antes da internação e ao qual será submetido ao ser privado de sua 111 liberdade, pois sabemos que seu poder de escolha será automaticamente diminuído e ele sentirá os efeitos da institucionalização. Colocamos aqui, em discussão: quais instrumentos serão oferecidos para que esses adolescentes se sintam protagonistas e consigam administrar as suas escolhas e desejos diante do estigma de infrator que a sociedade lhe impõe, mesmo que de forma justa? Diante da realidade estudada, percebemos que existem espaços institucionais dentro e fora das unidades socioeducativas que favorecem a autonomia e individualidade dos adolescentes e eles poderão se sentir parte do contexto. Mas é certo que ainda serão necessárias muitas ações e intensas discussões, para que se tornem protagonistas. Para que a sociedade como um todo, consiga perceber esses adolescentes como adolescentes e não somente como “infratores”, e assim pensar em propostas de atendimento que não os coloquem como problemas, mas como cidadãos, mesmo estando privados de sua liberdade. A complexidade no trato com os adolescentes em conflito com a lei exige que o profissional do Sistema Socioeducativo, esteja atento a um enfoque interdisciplinar, que sabemos que é outro desafio nas instituições de uma forma geral. Esse enfoque propõe que haja troca de conhecimentos e percepções, visando um aprendizado mútuo e que com isso surja um entrelaçamento entre as categorias profissionais. A partir desta perspectiva, a interdisciplinaridade propiciará uma articulação entre os saberes e práticas específicas, sendo que, para que isso ocorra, é essencial a competência na área específica de atuação e flexibilidade para aceitar a mudança de paradigmas que refletirá no pensar e agir profissional, ampliando assim o trabalho em equipe, contribuindo no trato com o adolescente. As dificuldades encontradas para os adolescentes se inserirem no mercado de trabalho é uma realidade não só no Brasil, mas também em diversos países do mundo. Este percurso nunca foi dos mais fáceis, todavia em um mundo globalizado, com inovações tecnológicas constantes e o número de empregos tendendo a diminuir, a passagem do mundo adolescente para o mundo adulto tem-se tornado mais complexa. De fato, quando se aliam às questões estruturais do próprio mercado como a baixa escolaridade, a falta de qualificação e as situações de vulnerabilidade, a inserção é ainda mais complexa. Para os adolescentes em situação de vulnerabilidade pessoal e/ou social, a insersão social é uma luta diária e necessária para se entrar no mercado de trabalho, uma vez que não podem prolongar o tempo com estudos, pois necessitam de trabalhar para ajudar no sustento da família. Esta lacuna, portanto, pode ser preenchida pelo Poder Público através de cursos de iniciação socioprofissional a serem oferecidos para estes adolescentes, visando sua futura inclusão produtiva, através de parcerias público-privadas neste sentido. 112 Seria recomendável que se instituísse também um “Relatório” como o Warnock, que situasse a Inclusão Produtiva no patamar da educação especial e fosse vista como “adicional e suplementar”, e não “separada e alternativa” ao ensino regular, não ficando a cargo somente das organizações sociais a responsabilidade de incluí-lo produtivamente. Para a maioria dos adolescentes, ela deveria ocorrer concomitantemente ao ensino fundamental, portanto, na própria sala de aula, como conteúdo interdisciplinar. O grupo familiar, nesse caso, poderia ser considerado co-participante no processo de inclusão produtiva do adolescente e auxiliaria na tomada de decisões. Enfim, gostaríamos que uma nova era se iniciasse para o tema da Inclusão Produtiva, cientes de que viabilizar esse processo é um caminho árduo, que demanda, antes de mais nada, um compromisso ético de todos os atores envolvidos com a questão. Implica, antes de tudo, a necessidade de se alterar o quadro social com mudanças profundas na conjuntura do país, buscando a implementação de uma rede de ações integradas. É necessário a afirmação de uma Cultura Produtiva, onde a educação para os aprendizes e/ou para os adolescentes trabalhadores, recaísse numa atitude efetiva e responsável, tanto de autoridades como de educadores, seja no âmbito escolar, nas empresas públicas ou privadas e na sociedade como um todo. Importa frisar que em qualquer circunstância o adolescente, assim como a criança, tem prioridade absoluta e sua educação deve ser assegurada de forma integral, mesmo estando privado de sua liberdade. REFERÊNCIAS ABERASTURY, A. e KNOBEL, M. Adolescência Normal. 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Tipo de atos infracionais mais frequentes c. Quadro funcional por categoria d. Atendimento Geral Técnico 2) Perfil do Adolescente a. Idade b. Etnia c. Escolarização d. Profissionalização e. Saúde f. Esporte, Lazer e Cultura g. Tipos de Atos infracionais h. Tipos de substâncias entorpecentes utilizadas 3) Perfil Familiar a. Domicílio b. Média socioeconômica c. Tipo de Convivência APÊNDICE B Roteiro de entrevista semi-estruturada com Diretor(as) Roteiro de entrevista semi-estruturada com o Diretor (a) da unidade socioeducativa de internação em Belo Horizonte. Nome da Unidade: ______________________________________________ Data: ____/____/____ Diretor(a) Geral: __________________________________________________________________ Formação Acadêmica: _____________________________________________________________ 4) De acordo com o ECA em seu artigo 69, o adolescente tem direito à profissionalização e a proteção ao trabalho, como gestor(a) dessa unidade como percebe esse temática? __________________________________________________________________________________ ________________________________________ ________________________________________________________________________________ 5) Do quadro técnico da unidade socioeducativa quem é o responsável por ações relativas à profissionalização dos adolescentes? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 6) Como é sistematizado nesta unidade ações que propiciem a autonomia dos adolescentes? ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ 7) Existem algum programa de acompanhamento ao adolescente e seu grupo familiar, que está em processo de desligamento da unidade socioeducativa? ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ 8) O SINASE no Eixo Profissionalização / Trabalho / Previdência – na página 64, preconiza o cumprimento do artigo 69 do ECA, citado acima, quais são os principais desafios e perspectivas no sentido de inserção do adolescente em cursos de qualificação profissional e encaminhamento ao mercado de trabalho, seja ele formal ou informal. Existe alguma política pública específica ou outras iniciativas neste sentido? Quais? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ _______________________________________ APÊNDICE C Roteiro de debate do Grupo Focal Roteiro de debate de grupo focal40 a ser realizado com equipe da unid. soc. de internação em BH Unidade: _____________________________________________________ Data: ____/____/____ DADOS PESSOAIS Nº de Participantes: __________________________________ Funções: _____________________ __________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ Questão-chave 1) O que é o “mundo do trabalho”? Na visão dos profissionais da unidade? ( ) Comentários sobre a percepção dos adolescentes em relação ao tema? ( ) Relação com a formação básica para o trabalho/aprendizagem? ( ) Relação com a Educação Formal ( ) Questão-Chave 2) Existem ações voltadas para a preparação do adolescente em cumprimento de medida de internação para o mundo do trabalho? Quais são os tipos de ações? ( ) Quais os critérios para seleção do adolescente? ( ) Caracterização das ações internas? ( ) Caracterização das ações externas? ( ) Existem instituições parceiras? Quais? Tipo: Públicas ou Privadas? ( ) Questão-Chave 3) Para a equipe quais são os desafios e as perspectivas quando um adolescente tem possibilidade de inserção no mundo do trabalho? Em relação a escolaridade do adolescente? ( ) Em relação as competências socioprofissionais do adolescente? ( ) Em relação ao protagonismo /autonomia do adolescente? ( ) Em relação a família do adolescente? ( ) Em relação a (re)inserção social do adolescente? ( ) ______________ 40 1 O grupo focal poderá ser realizado com no mínimo 06 e no máximo 12 pessoas com diferentes funções (técnicos, agentes socioeducativos, serviços gerais, enfermeiros, professores, etc.) e terá a duração mínima de uma hora e trinta minutos e máxima de duas horas. A pesquisadora fará o papel de mediadora e precisará levar um relator e um observador e a discussão deverá ser gravada com a prévia anuência da equipe participante, para um melhor aproveitamento da técnica investigativa. APÊNDICE D Roteiro de entrevista semi-estruturada com adolescentes Roteiro de entrevista semi-estruturada com adolescentes de 16 a 18 anos em cumprimento de medida socioeducativa de internação em Belo Horizonte DADOS PESSOAIS: Unidade: ______________________________________________________ Data: ____/____/____ Adolescente: ________________________ Idade: _______ Etnia:_______ Escolaridade: ________ Referência Familiar: __________________ Média Sócio-Econômica: _______________________ Ato(s) Infracional(is):______________________________________1ª Medida: ( ) sim ( ) não Tempo de cumprimento da atual medida: ______________________ ENTREVISTA COM ADOLESCENTE 9) Você já realizou alguma atividade / trabalho? 10) O que é trabalho para você? __________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ 11) Com quem residia e qual atividade ou trabalho que a pessoa realizava? ________________________________________________________________________________ 12) Como e porque você começou a cometer atos infracionais? ________________________________________________________________________________ 13) Quais são as atividades internas que você participa? ( ) Escola ( ) Oficina ______________________ ( ) Oficina: __________________________ Outras: _________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ 14) Você participa ou participou de alguma atividade (escola, curso profissionalizante ou trabalho) externo à unidade? Qual(is)? Por quanto tempo? Como foi a experiência? __________________________________________________________________________________ 15) Qual outra atividade e/ou curso profissionalizante que gostaria de realizar ou aprender? ________________________________________________________________________________ 16) Quais suas expectativas e/ou projetos após seu desligamento da unidade socioeducativa? __________________________________________________________________________________ APÊNDICE E Fotografias dos Centros Socioeducativos pesquisados FIGURA 03 – Vista frontal do CRSSJ Fonte: Acervo Pessoal. Fev/Mar-2009 FIGURA 04 – Vista Interna do CSESC Fonte: Acervo Pessoal. Fev/Mar-2009 125 FIGURA 05 – Vista frontal do CSESH Fonte: Acervo Pessoal. Fev/Mar-2009 FIGURA 06 – Vista interna do CSEST Fonte: Acervo Pessoal. Fev/Mar-2009 126 FIGURA 07 – Vista frontal do CEAD Fonte: Acervo Pessoal. Fev/Mar-2009 FIGURA 08 – Grupo Focal realizado no CSESH Fonte: Acervo Pessoal. Fev/Mar-2009 127 FIGURA 09 – Biblioteca do CSESC Fonte: Acervo Pessoal. Fev/Mar-2009 FIGURA 10 – Sala de Atendimento decorada pelas Adolescentes do CRSSJ Fonte: Acervo Pessoal. Fev/Mar-2009 128 FIGURA 11 – Enfermaria do CSESH Fonte: Acervo Pessoal. Fev/Mar-2009 FIGURA 12 – Sala de Aula do CSESC Fonte: Acervo Pessoal. Fev/Mar-2009 129 FIGURA 13 – Esporte no CEAD Fonte: Acervo Particular do CEAD. Foto de 2006. FIGURA 14 – Aula de Informática no CEAD Fonte: Acervo Particular do CEAD. Foto de 2006. 130 FIGURA 15 – Oficina de Informática do SENAC no CSESC Fonte: Acervo Pessoal. Fev/Mar-2009 FIGURA 16 – Sala de Oficina Profissionalizante no CSESC Fonte: Acervo Pessoal. Fev/Mar-2009 131 FIGURA 17 – Atividade Artística de adolescente no CRSSJ Fonte: Acervo Pessoal. Fev/Mar-2009 FIGURA 18 – Produto Artesanal do CSEST Fonte: Acervo Pessoal. Fev/Mar-2009 132 FIGURA 19 – Produto Artesanal do CSESH Fonte: Acervo Pessoal. Fev/Mar-2009 FIGURA 20 – Produtos Artesanais do CSESC Fonte: Acervo Pessoal. Fev/Mar-2009 133 FIGURA 21 – Stand do CEAD no 2º Simpósio Mineiro de Assistentes Sociais Maio/2009 no Minascentro Belo Horizonte/MG. Fonte: Acervo Pessoal. Maio-2009 FIGURA 22 – Apresentação Musical do Grupo Tamborlescentes do CEAD no 2º Simpósio Mineiro de Assistentes Sociais- Maio /2009 no Minascentro- BH/MG Fonte: Acervo Pessoal. Maio-2009 ANEXOS ANEXO A Letra da música Pivete utilizada nos Grupos Focais PIVETE Chico Buarque Composição: Francis Hime e Chico Buarque No sinal fechado / Ele vende chiclete Capricha na flanela / E se chama Pelé Pinta na janela / Batalha algum trocado Aponta um canivete / E até... Dobra a Carioca, olerê Desce a Frei Caneca, olará Se manda pra Tijuca / Sobe o Borel Meio se maloca / Agita numa boca Descola uma mutuca / E um papel Sonha aquela mina, olerê Prancha, parafina, olará Dorme gente fina / Acorda pinel Zanza na sarjeta / Fatura uma besteira E tem as pernas tortas / E se chama Mané Arromba uma porta / Faz ligação direta Engata uma primeira / E até... Dobra a Carioca, olerê Desce a Frei Caneca, olará Se manda pra Tijuca / Na contramão Dança pára-lama / Já era pára-choque Agora ele se chama / Emersão Sobe no passeio, olerê Pega no Recreio, olará Não se liga em freio / Nem direção No sinal fechado / Ele transa chiclete E se chama pivete / E pinta na janela Capricha na flanela / Descola uma bereta Batalha na sarjeta /E tem as pernas tortas ANEXO B Lei 10.097 de 19 de dezembro de 2000 LEI Nº 10.097, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2000. Altera dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: "Art 1º.Os arts. 402, 403, 428, 429, 430, 431, 432 e 433 da Consolidação das Leis do Trabalho CLT, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passam a vigorar com a seguinte redação: "Art. 402. Considera-se menor para os efeitos desta Consolidação o trabalhador de quatorze até dezoito anos. "(NR) "Art. 403. É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos. "(NR). "Parágrafo único. O trabalho do menor não poderá ser realizado em locais prejudiciais a sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a freqüência à escola. "(NR) "a) revogada; " "b) revogada; " "Art. 428. Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de quatorze e menor de dezoito anos, inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar, com zelo e diligência, as tarefas necessárias a essa formação. "(NR) "§ 1º. A validade do contrato de aprendizagem pressupõe anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, matrícula e freqüência do aprendiz à escola, caso não haja concluído o ensino fundamental, e inscrição em programa de aprendizagem desenvolvido sob a orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica. "(AC)* "§ 2º. Ao menor aprendiz, salvo condição mais favorável, será garantido o salário mínimo hora. "(AC) "§ 3º. O contrato de aprendizagem não poderá ser estipulado por mais de dois anos. "(AC) "§ 4º. A formação técnico-profissional a que se refere o caput deste artigo caracteriza-se por suas atividades teóricas e práticas, metodicamente organizadas em tarefas de complexidade progressiva desenvolvidas no ambiente de trabalho. "(AC) "Art. 429. Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional. "(NR) "a) revogada; " "b) revogada; " "§ 1º. A O limite fixado neste artigo não se aplica quando o empregador for entidade sem fins lucrativos, que tenha por objetivo a educação profissional. "(AC) "IV - a pedido do aprendiz. "(AC) "Parágrafo único. Revogado. " "§ 2º. Não se aplica o disposto nos arts. 479 e 480 desta Consolidação às hipóteses de extinção do contrato mencionadas neste artigo. "(AC) "§ 1º. As frações de unidade, no cálculo da percentagem de que trata o caput, darão lugar à admissão de um aprendiz. "(NR) "Art. 430. Na hipótese de os Serviços Nacionais de Aprendizagem não oferecerem cursos ou vagas suficientes para atender à demanda dos estabelecimentos, esta poderá ser suprida por outras entidades qualificadas em formação técnico - profissional metódica, a saber. "(NR) "I - Escolas Técnicas de Educação; "(AC) "II - entidades sem fins lucrativos, que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e à educação profissional, registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. "(AC) 136 "§ 1º. As entidades mencionadas neste artigo deverão contar com estrutura adequada ao desenvolvimento dos programas de aprendizagem, de forma a manter a qualidade do processo de ensino, bem como acompanhar e avaliar os resultados. "(AC) "§ 2º. Aos aprendizes que concluírem os cursos de aprendizagem, com aproveitamento, será concedido certificado de qualificação profissional. "(AC) "§ 3º. O Ministério do Trabalho e Emprego fixará normas para avaliação da competência das entidades mencionadas no inciso II deste artigo. "(AC) "Art. 431. A contratação do aprendiz poderá ser efetivada pela empresa onde se realizará a aprendizagem ou pelas entidades mencionadas no inciso II do art. 430, caso em que não gera vínculo de emprego com a empresa tomadora dos serviços. "(NR) "a) revogada; " "b) revogada; " "c) revogada; " "Parágrafo único. "(VETADO) "Art. 432. A duração do trabalho do aprendiz não excederá de seis horas diárias, sendo vedadas a prorrogação e a compensação de jornada. "(NR) "§ 1º. O limite previsto neste artigo poderá ser de até oito horas diárias para os aprendizes que já tiverem completado o ensino fundamental, se nelas forem computadas as horas destinadas à aprendizagem teórica. "(NR) "§ 2º. Revogado. " "Art. 433. O contrato de aprendizagem extinguir-se á no seu termo ou quando o aprendiz completar dezoito anos, ou ainda antecipadamente nas seguintes hipóteses: "(NR) "a) revogada; " "b) revogada; " "I - desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz; "(AC) "II - falta disciplinar grave; "(AC) "III - ausência injustificada à escola que implique perda do ano letivo, ou"(AC) Art 2º. O art. 15 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, passa a vigorar acrescido do seguinte § 7º: "§ 7º. Os contratos de aprendizagem terão a alíquota a que se refere o caput deste artigo reduzida para dois por cento. "(AC) Art 3º. São revogadas o art. 80, o § 1º do art. 405, os arts. 436 e 437 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Art 4°. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 19 de dezembro de 2000; 179º da Independência e 112º da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Francisco Dornelles. Fonte: Justiça do Trabalho ANEXO C Termo de consentimento livre e esclarecido Comitê de Ética em Pesquisa da FUNEDI-UEMG TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Eu,______________________________________________________________________, compreendo o objetivo e procedimentos da pesquisa A INCLUSÃO PRODUTIVA DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI: Desafios e Perspectivas nas Unidades Socioeducativas de Internação de Belo Horizonte, realizada pela pesquisadora Jaqueline do Lago H. Antunes, vinculada à Universidade Estadual de Minas Gerais - Campus Divinópolis – UEMG/FUNEDI, tendo como garantias: 1. o acesso, a qualquer tempo, a informações sobre procedimentos, riscos e benefícios relacionados à pesquisa, inclusive para prestar os esclarecimentos que se fizerem necessários; 2. a salvaguarda da confidencialidade, sigilo e privacidade; 3. o direito de retirar-me da pesquisa no momento em que desejar. Nesse sentido, o (a) pesquisador (a) acima mencionado me assegura a confidencialidade, a privacidade e o sigilo das informações individuais obtidas. Os resultados desse estudo poderão ser publicados em artigos e/ou livros científicos apresentados em congressos profissionais, mas informações pessoais serão mantidas em sigilo. Quaisquer informações sobre a pesquisa podem ser obtidas através da UEMG/FUNEDI pelo telefone (37) 3229-3511 ou pelo site: funedi.edu.gov.br - email: [email protected]. Belo Horizonte, ____ de ____________________ de 2009. Assinatura do entrevistado:________________________________________________ Assinatura do representante legal (quando necessário):_________________________ Assinatura do (a) pesquisador (a): __________________________________________ FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE DIVINÓPOLIS – FUNEDI/UEMG Av. Paraná, 3.001 – Jardim Belvedere II – Divinópolis/MG – CEP: 35.501-170. Telefone (37) 3229-3500 – Email: funedi.edu.gov.br