Acoplamento magneto-elétrico Multiferróicos CONCEITOS FUNDAMENTAIS E POTENCIAIS APLICAÇÕES Thiago vahl - IFURGS Objetivos Apresentar um breve histórico deste campo de pesquisa, classificar e compreender as origens microscópicas do acoplamento magnetoelétrico e apresentar algumas potenciais aplicações, avanços recentes e desafios futuros. Sumário 1) Introdução 2) Classificação de multiferróicos 3) Acoplamento magneto-elétrico em multiferróicos tipo II 4) Potenciais aplicações, avanços recentes e desafios Introdução Eletricidade + Magnetismo → Eq. de Maxwell séc. 19 Em sólidos são tratados separadamente: Cargas dos íons: efeitos de carga. Spin dos elétrons: propriedades magnéticas. Primeiro apontamento do efeito, Landau e Lifshitz “Curso de física teórica” “ Deixe-nos apontar mais dois fenômenos, que, em princípio, poderiam existir. Um, é o piezomagnetismo, que consiste do acoplamento linear entre um campo magnético em um sólido e uma deformação (semelhante à piezoeletricidade). O outro é um acoplamento entre campos elétrico e magnético em um meio, que causaria, por exemplo, uma magnetização proporcional a um campo elétrico.” Introdução Astrov em 1960 observou experimentalmente o acoplamento entre campos elétrico e magnético e rapidamente muitos compostos foram descobertos e sintetizados, além de uma classificação quase completa dos grupos de simetria permitidos pelo efeito. Respostas cruzadas em sólidos: campo E gera magnetização M, campo H gera polarização P. Nova reviravolta: a existência de materiais em que os fenômenos coexistem, mesmo na ausência de campos externos, os chamados multiferróicos. Introdução Ordem (ferro)magnética: ordenamento espontâneo dos momentos magnéticos orbital e de spin, juntamente com ordem ferroelétrica: ordenamento espontâneo dos momentos de dipolo elétrico. Introdução O estudo de multiferróicos esteve calmo por volta dos anos 70 e ganhou impulso com majoritariamente três realizações: 1) 2) 3) Estudo teórico do motivo da escassez deste efeito cruzado em materiais; A fabricação de filme fino de BiFeO3, que na forma “bulk” possui acoplamento muito fraco, mas na forma de filme fino as propriedades multiferróicas são bastante aprimoradas; A descoberta de uma classe de multiferróicos onde os fenômenos não somente coexistem, mas magnetismo causa a ferroeletricidade. Classificação de multiferróicos A origem microscópica do magnetismo é basicamente a mesma em todos magnetos: é a presença de elétrons localizados, principalmente em camadas d e f parcialmente preenchidas de íons de metais de transição ou de terras raras, que tem um spin localizado ou momento magnético correspondentes. Interações de troca entre momentos localizados levam a ordenamento magnético. Classificação do multiferróicos Dividem-se basicamente em dois grandes grupos: Multiferróicos tipo I: as fontes de ferroeletricidade e magnética são diferentes e o acoplamento é fraco. Multiferróicos tipo II: a ferroeletricidade é causada pelo magnetismo, o acomplamento é bastante forte e neste grupo concentra-se o maior esforço em pesquisa. Multiferróicos tipo I Esta classe subdivide-se em pelo menos outras quatro subclasses, de acordo com o mecanismo microscópico causador de ferreoeletricidade. I.1) Multiferróicos perovskitas; I.2) Ferroeletricidade de pares isolados; I.3) Ferroeletricidade devido a ordenamento de carga; I.4) Ferroeletricidade geométrica. Multiferróicos perovskitas Perovskitas ferroelétricos mais conhecidos: BaTiO3, Pb(ZrTi)O3 (PZT). Apesar de existirem muitos ferroelétricos e muitos magnéticos, poucos materiais combinam estas duas características. Magnetismo→ metais de transição com camadas d parcialmente preenchidas; Ferroeletricidade→ perovskitas contém íons de metais de transição com camadas d vazias. Íons formam ligações covalentes, o centro de cargas é deslocado originando ferroeletricidade. Multiferróicos perovskitas A presença de elétrons d reais em configurações dn de metais de transição magnéticos acaba com o processo de ferroeletricidade. O assim chamado problema “d0 vs dn” foi um dos primeiros a ser estudado na recente sobrevida dos multiferróicos. Uma possível maneira de contornar este problema pode ser misturar perovskitas com íons d0 e dn, infelizmente o acoplamento de subsistemas magnético e ferroelétrico em perovskitas misturados é muito fraco. Perovskitas mistos com íons d0 ferroeletricamente ativos e íons magnéticos dn , defasagens dos íons d0 do centro do octaedro O6 (placas amarelas) levam a polarização coexistindo com magnetização Ferroeletricidade de pares isolados Em BiFeO3, BiMnO3 e PbVO3, Bi3+ e Pb2+ exercem um papel maior na origem da ferroeletricidade. A presença de elétrons 6s que não participam de ligações (ligações pendentes) e tem alta polarizabilidade, ordenam-se microscopicamente originando ferroeletricidade. Em materiais como BiFeO3 o ordenamento de pares isolados (lobo amarelo)contribuem para a polarização. Ferroeletricidade de ordenamento de carga Ocorre especialmente em compostos que contém íons de metais de transição com diferentes valências, após o ordenamento as ligações e sítios ficam inequivalentes, aparece uma ordem ferroelétrica. Em sistemas com ordenamento de cargas, a coexistência de sítios com inequeivalência de cargas e ligações (longas e curtas) originam ferroeletricidade. Ferroeletricidade Geométrica Consideramos um caso imaginado em, por exemplo, YMnO3 não tendo nada a ver com o Mn3+ magnético, mas causado pela inclinação do bloco praticamente rígido MnO5. Esta inclinação ocorre exatamente para promover um empacotamento maior e como resultado, os íons oxigêncio movem-se para posições mais próxima aos íons Y. Devido à inclinação as ligações Y-O formam dipolos e aparecem dois dipolos “down” para cada dipolo “up”, o sistema torna-se ferroelétrico, e a baixas temperaturas quando os spins de Mn ordenam-se, o sistema torna-se multiferróico. Multiferróicos tipo II A maior expectativa gira em torno desta classe. Ferroletricidade existe somente em um estado magneticamente ordenado e é causada por um tipo particular de magnetismo. Por exemplo, em TbMnO3 o ordenamento magnético aparece em TN1=41K, e numa temperatura mais baixa, TN2=28K, a estrutura magnética muda. É somente na fase de baixa temperatura que que uma polarização elétrica não nula aparece. Em TbMn2O5 a infuência de um campo externo é ainda mais forte: a polarização troca de sinal com o campo, e um campo alternado entre +1.5 2 -1.5 Tesla leva a correspondentes oscilações na polarização. Podemos dividir multiferróicos tipo II em dois grupos: aqueles em que ferroeletricidade é causada por um tipo particular de espiral magnética e aqueles em que ferroeletricidade aparece mesmo para estruturas magnéticas colineares. Espiral Magnética A maior parte dos multiferróicos tipo II conhecidos até agora pertencem a este subgrupo. Ferroeletricidade aparece em conjunto com uma fase magnética espiral, principalmente do tipo ciclóide. Exemplo: TbMnO3 Em T1 = 41 K, a estrutura magnética é uma onda de densidade de spin senoidal, onde todos os spins apontam em uma direção, mas o tamanho do momento local varia periodicamente no espaço. é na realidade um tipo de fase antiferromagnética porque o momento total para o magneto é nulo. Espiral Magnética Abaixo de TN2=28K, os spins do Mn ordenam de modo que a seta dos spins varre um ciclóide Katsura, Nagaosa, e Balatsky, utilizando uma aproximação microscópica e Mostovoy, utilizando uma aproximação fenomenológica, mostraram que em uma espiral cicloidal uma polarização P aparece dada por: P ~ rij x [Si x Sj] ~ [Q x e] (1) Onde rij é o vetor que conecta spins vizinhos Si e Sj, Q é o vetor de onda que descreve o espiral, e e ~ (Si x Sj) é o eixo de rotação do spin. Espiral Magnética O mecanismo microscópico desta polarização está ligado com a interação spin-órbita. Frustração magnética é a fonte ordenamento magnético espiral em isolantes. Num campo magnético externo, os momentos de subrede preferem direcionar-se em um plano perpendicular ao campo não podendo direcionar na direção do campo com menos custo de energia de troca entre spins vizinhos. Consequentemente, a aplicação de um campo externo H pode mudar o estado de polarização do material. A derivação de (1) assume uma simetria cristalográfica particular, tais como cúbica simples ou tetragonal. Para outras simetrias, a relação entre magnetização e polarização pode não ser tão direta. Multiferróicos tipo II com estruturas magnéticas colineares Ferroeletricidade aparece em estruturas magnéticas colineares- isto é, todos os momentos mgnéticos alinhados ao longo de um eixo particular- sem o envolvimento necessário de interação spin-órbita. A polarização pode aparecer nestes materiais como conseqüência de trocas pontuais porque o acoplamento magnético varia com as posições atômicas. Exemplo mais simples: Ca3CoMnO6 que consiste de uma cadeia unidimensional alternada de íons Co2+ e Mn4+ . Em altas temperaturas as distâncias entre os íons da cadeia são as mesmas, a cadeia tem simetria de inversão e a polarizacao esta ausente. Ordenamento magnético, entretanto, quebra a simetria de inversão: os spins formam uma estrutura magnética do tipo ↑↑↓↓. Devido a uma troca pontual a distorção de ligacoes ferro e antiferro (↑↑ e ↑↓) é diferente e acabamos na situação da figura 2: o material torna-se ferroelétrico. Explicação de alguns fenômenos: polarização em paredes de domínios A parede a) é chamada de parede de domínio de Bloch: nela, a magnetização na parede gira no plano da parede, perpendicular a direção Q de um domínio a outro. Caso b) parede de domínio de Neel: os spins giram no plano que contem Q, pode-se considerar a parede de domínio de Neel como uma parte de um espiral cicloidal. De acordo com as expressões na eq.(1) então devemos esperar que em tal parede de domínio a polarização elétrica se formará localizada na parede e direcionada como mostrado na figura Parede de Bloch Parede de Néel Explicação de alguns fenômenos: polarização em paredes de domínios Colocando um sistema com esta parede de domínio de Néel num gradiente de campo elétrico, a parede e o dipolo elétrico associado com ela serão ou puxados em direção a região de campo mais intenso ou empurrados para fora dela, dependendo da orientação do dipolo. Esta observação, pode ser potencialmente importante, pois poderia ser um meio de controlar estruturas de domínio, e consequentemente memória magnética pela aplicação de uma voltagem em vez de correntes elétricas. Explicação de alguns fenômenos: ferromagneto isolante com uma onda de spin Considere um ferromagneto isolante que contem uma onda de spin (um magnom). O quadro microscópico real de uma onda de spin e mostrado na fig. abaixo: magnom é um desvio de spin da magnetização media no tempo e com defasagens ao longo da direção de propagação. Da fig. vemos que o quadro instantâneo de uma onda de spin é um cone com M constante e com sua componente perpendicular formando um ciclóide. De acordo com a eq.1, deve aparecer numa onda de spin desta forma uma polarização elétrica perpendicular à magnetização e ao vetor de propagação. Esta polarização foi descoberta para uma estrutura magnética cônica estática em CoCr2O4. Se criamos uma onda de spin na forma de um pacote de onda, este pacote de onda carregara consigo ambas, magnetização M e um momento de dipolo elétrico d que se move com ele. Explicação de alguns fenômenos: ferromagneto isolante com uma onda de spin Algumas potenciais aplicações Desenvolvimento de materiais magnetoelétricos (ME), pelo potencial de aplicações em armazenamento e leitura de dados com baixo consumo de energia e em uma nova arquitetura para spintrônica (lógica de quatro estados, em substituição à binária, estados da forma (P,M) com (+,-),(+,+),(-,+),(-,-)). Combinação de materiais magnéticos e ferroelétricos na forma de multicamadas ou nanoestruturas auto-organizadas: O acoplamento ocorrendo via deformação, materiais magnéticos com alta magnetorestrição e ferroelétricos com altos coeficientes piezoelétricos viabiliza a criação de minúsculos sensores magnéticos com sensibilidade ainda maior que dos dispositivos de interferência quântica supercondutores SQUIDs. Referências Classifying multiferroics: Mechanisms and effects,Daniel Khomskii II. Physikalisches Institut, Universität zu Köln, Zülpicher Strasse 77, 50937 Köln, Germany Published March 9, 2009. Special issue, J. Phys. Condens. Matter 20, 434201–434220 (2008). http://www.inovacaotecnologica.com.br