reflexões sobre o conceito e as práticas de letramento irene da silva

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REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO E AS PRÁTICAS DE LETRAMENTO
IRENE DA SILVA COELHO¹
Prof. Orientadora da Pós-Graduação em Alfabetização e Letramento da UNISANTA¹
RESUMO
Este artigo faz uma revisão a respeito do tema Letramento. Apresenta as inquietações de
algumas das autoras citadas sobre o letramento e as práticas de letramento. A intenção é
rever alguns dos conceitos e das práticas de letramento realizadas por outras pesquisadoras e
que evidenciam a necessidade das práticas de leitura e escrita terem como ponto de partida e
ponto de chegada na/para a aprendizagem, o social.
Palavras-chave: letramento; escrita; práticas.
REFLECTIONS ON THE CONCEPT AND PRACTICES OF LITERACY
RESUME
This article reviews about the literacy issue. Presents the concerns of some of the authors cited
on literacy and literacy practices. The intention is to review some of the concepts and practices
of literacy carried out by other researchers and highlight the need of reading and writing
practices have as a starting point and end point on / for learning, the social.
Keywords: literacy; writing; practices.
Introdução
Os estudos de letramento, de acordo com Kleiman (1995), têm como
objeto os aspectos e os impactos sociais do uso da língua escrita que buscam
vincular os estudos da língua escrita em usos escolares e em outros meios.
Na década de 80, limitou-se o conceito de letramento e sua inserção na
fase de aquisição da língua escrita e à dicotomia da relação do letramento e da
prática de alfabetização.
Soares (2009) postula que a palavra letramento vem do termo literacy,
de origem latina littera, referente à letra, assim, aquele que é letrado pode ser
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considerado um erudito, versado em letras e seu antônimo seria iletrado,
aquele que não é erudito.
Tfouni afirma que não pode haver a redução do seu significado ao
significado de alfabetização e ao ensino formal, pois trata-se de um processo
mais amplo que a alfabetização e que deve ser compreendido como um
processo sócio histórico;
Está relacionado com o desenvolvimento das sociedades:
“Em termos sociais mais amplos, o letramento é apontado como
sendo produto do desenvolvimento do comércio, da diversificação
dos meios de produção e da complexidade crescente da agricultura.
Ao mesmo tempo, dentro de uma visão dialética, torna-se uma causa
de transformações históricas profundas, como um todo.” (TFOUNI,
2010, p. 23).
Letramento seria causa e consequência do desenvolvimento que
extrapola a escola e o processo de alfabetização, referindo-se a processos
sociais mais amplos. “O letramento [...] focaliza os aspectos sócio-históricos da
aquisição da escrita. [...] tem por objetivo investigar não somente quem é
alfabetizado, mas também quem não é alfabetizado, e, nesse sentido, desligase de verificar o individual e centraliza-se no social mais amplo (TFOUNI, 1988,
apud MORTATTI, 2004, p. 89)”.
O letramento pode ser compreendido tal como um fenômeno mais amplo
e que ultrapassa os domínios da escola.
Kleiman (2008) considera letramento como um conjunto de práticas que
envolvem a escrita: “[...] podemos definir hoje o letramento como um conjunto
de práticas sociais que usam a escrita, como sistema simbólico e como
tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos”. Kleiman
(2008, p. 18). E apresenta os aspectos sociais e utilitários do letramento:
As práticas específicas da escola, que forneciam o parâmetro de
prática social segundo a qual o letramento era definido, e segundo a
qual os sujeitos eram classificados ao longo da dicotomia alfabetizado
ou não-alfabetizado, passam a ser, em função dessa definição,
apenas um tipo de prática – de fato, dominante – que desenvolve
alguns tipos de habilidades mas não outros, e que determina uma
forma de utilizar o conhecimento sobre a escrita.(KLEIMAN,2008, p.
19).
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Fora do ambiente escolar outros usos e práticas ligadas à escrita são
vivenciados, assim, “[...] a escola por sua vez seria apenas uma agencia do
letramento, dentre várias outras, e realizaria apenas algumas práticas de
letramento.” (GRANDO, 2012, p.5).
Para Mortatti (2004), o conceito de letramento está relacionado às
funções da língua escrita numa sociedade letrada.
Letramento está diretamente relacionado com a língua escrita e seu
lugar, suas funções e seus usos nas sociedades letradas, ou, mais
especificamente, grafocêntricas, isto é, sociedades organizadas em
torno de um sistema de escrita e em que esta, sobretudo por meio do
texto escrito e impresso, assume importância central na vida das
pessoas e em suas relações com os outros e com o mundo em que
vivem. (MORTATTI, 2004, p. 98).
Soares (2009) afirma que por conta da complexidade, não é possível
atribuir um único significado ao termo letramento, assim, o define como:
“Resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e
escrita; O estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo
como consequência de ter-se apropriado da escrita e de suas práticas sociais.”
(SOARES, 2009, p. 39) e que para a sua promoção faz-se necessário
oportunizar situações “[...] de vivenciar situações que envolva a escrita e a
leitura e que possam se inserir em um mundo letrado [...]”. (SOARES, 2009, p.
39).
Em uma sociedade letrada, a escrita se constituiu fator de interação
entre os sujeitos, e a leitura uma forma eficaz de entendimento do mundo:
‘instituições acadêmicas instrumentos podem ser forma de garantir um
desenvolvimento sociocultural e cognitivo do sujeito aprendiz (BAZERMAN,
2007 apud CUNHA, 2010, p. 124).
A escola deve ser a agente mediadora das práticas letradas entre o
sujeito e o meio social: ‘Evidencia-se a necessidade de oferecer uma educação
que promova a vida e a socialização da aprendizagem, redesenhando as
escolas, de forma criativa e inovadora, para que atendam às demandas por
uma aprendizagem significativa.’ (CUNHA, 2010, p.125).
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O professor é agente capacitado integrante desse processo educacional,
assim não é possível formar professor sem fazer escolhas ideológicas,
conforme assegura Perrenoud (2002, p. 120):
Conforme o modelo de sociedade e de ser humano que defendemos,
não atribuiremos as mesmas finalidades à escola e, portanto, não
definiremos da mesma maneira o papel dos professores. [...] As
finalidades do sistema educacional e as competências dos
professores não podem ser dissociadas tão facilmente.(Perrenoud op.
cit.).
A escola contemporânea enfrenta desafios, a busca pelo sentido, dentre
eles o letramento como prática que ‘pode dar sentido a essa (res)significação
social das funções da escola, para que promova uma aprendizagem com
significação e a interação do sujeito com as diversas leituras do cotidiano’.
(CUNHA, 2010, p.126).
A autora define letramento como uso social das práticas de leitura e de
escrita, de forma consciente, pelo sujeito, ‘Letramento é o resultado da ação de
ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e escrita. É o estado ou
condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de
ter-se apropriado da escrita e de suas práticas sociais. (CUNHA,2010, p.126).
Kleiman afirma que o sujeito deve inserir-se em situações constantes de
letramento, sendo isso possível através da utilização de textos que manifestem
práticas sociais, em outra análise, quando se trabalha o texto em sua situação
de interação social.
O indivíduo só perceberá que está letrado quando estiver interagindo
social mente pela escrita.
O modo de interagir em situações inusitadas é uma das características
da aprendizagem, porém, tais eventos ocorrem em interações sociais, mas não
em situações escolares.
Assim, a escola precisa criar espaços de experiências de eventos
sociais a fim de preparar o aluno para as diferentes formas de participação nas
práticas sociais letradas.
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Letramento como objetivo do ensino implica em adotar uma concepção
social da escrita ao contrário do habitual, aprendizagem de leitura e produção
textual como uma aprendizagem de competências e habilidades individuais
progressivamente desenvolvidas.
Letramento concepção de leitura e de escrita como prática discursiva,
com múltiplas funções e inseparáveis dos contextos em que se desenvolvem.
(Kleiman, 2007, p. 4).
No planejamento, a prática social deve ser o ponto de partida e ponto de
chegada, o conteúdo como alvo e o conjunto de saberes e conhecimentos
requeridos em práticas sociais letradas.
Perspectiva social da escrita, situação comunicativa que envolve
atividades que use a língua, letramento, são semelhantes às outras situações
nas interações sociais.
Em toda situação comunicativa que envolva o uso da língua escrita,
letramento, haverá a oportunidade do professor de focalizar de forma
sistemática algum conteúdo, a fim de direcionar o aluno a pensar o uso da
língua e em quais situações ele poderá utilizar a escrita.
Selecionar textos significativos para o aluno e sua comunidade que
sejam representativos de uma determinada prática social.
Não há ordem progressiva para a apresentação dos conteúdos, uma vez
que eles aparecem ao mesmo tempo dentro de um contexto significativo.
Alunos realizam experiências, com base em gêneros que já conhecidos,
até atingir o gênero desejado, tal como um dos propósitos dos PCN’s para o
ensino da língua portuguesa:
[...] conteúdos procedimentais relevantes para “a constituição da
proficiência discursiva e linguística do aluno” (BRASIL, 1998, p. 53).
“Seleção de procedimentos de leitura em função dos diferentes
objetivos e interesses do sujeito (estudo, formação pessoal,
entretenimento, realização de tarefa) e das características do gênero
e suporte. (BRASIL, 1998, p. 57)
Os conteúdos curriculares na perspectiva social dos usos da escrita
Alunos
necessariamente
desenvolvem
e
mobilizam
estratégias
diferenciadas de leitura segundo as demandas da situação.
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Diversos tipos de saberes, valores, ideologias, significados, recursos e
tecnologias, entre eles os saberes estratégicos, precisam ser mobilizados nas
práticas de letramento (BAYNHAM, 1995; SCRIBNER e COLE, 1981;
KLEIMAN, 1995; 2006 a).
Cabe ao professor que optar pela prática social como princípio
organizador do ensino determinar quais são as práticas significativas e,
consequentemente, o que é um texto significativo para seus alunos que
possuem bagagem cultural diversificada e diferentes pontos de partida e
mesmo ponto de chegada.
É preciso em certa medida desprezar a concepção dominante do
currículo como uma programação rígida e segmentada de conteúdo,
organizados sequencialmente do mais fácil ao mais difícil.
A autora sugere que o problema na escola do texto é uma questão
tipológica, a seleção dos tipos de textos, textos estes que partem do cotidiano
ao literário a fim de construir autoconfiança nos alunos.
As funções da escrita no cotidiano introduzem práticas arquivais,
indentitárias, de contato e comunicativas, assim como gêneros que terão uma
vida muito útil em muitas outras práticas sociais.
A
autora
apresenta
exemplos
práticos
realizados
por
outros
pesquisadores que corroboram com sua pesquisa.
Gêneros que circulam nesses dois domínios ─ lar e escola ─ são fortes
candidatos a elementos básicos, fundamentais para a progressão curricular.
Da prática social ao projeto de letramento
A participação em determinada prática social é possível quando o
indivíduo sabe como agir discursivamente numa situação comunicativa, ou
seja, quando sabe qual gênero do discurso usar.
A flexibilidade é crucial bem como o gênero que pode não ser o gênero
especifico, mas que será como uma ponte ao gênero esperado afim de pôr o
gênero a serviço de sua necessidade.
A concepção da escrita dos estudos de letramento pressupõe que as
pessoas e os grupos sociais são heterogêneos e que as diversas atividades
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entre as pessoas acontecem de modos muito variados, o que é contraditório ao
ensino tradicional, um aluno representando os demais tendo um professor
como personagem central.
Os eventos de letramento exigem a mobilização de diversos recursos e
conhecimentos por parte dos participantes das atividades e que alguns eventos
poderão estar voltados para a resolução de alguma meta da vida social.
O projeto pedagógico (DEWEY, 1997; HERNANDEZ e VENTURA,
1998), uma prática didática ideal para organizar o trabalho escolar que
considere a heterogeneidade dos alunos e que abre mão de pré-requisitos e
progressões rígidas em relação à apresentação de conteúdos curriculares.
Projetos de letramento: planos de atividades visando ao letramento do
aluno que se constitui como “um conjunto de atividades que se origina de um
interesse real na vida dos alunos e cuja realização envolve o uso da escrita,
isto é, a leitura de textos que, de fato, circulam na sociedade e a produção de
textos que serão realmente lidos, em um trabalho coletivo de alunos e
professor, cada um segundo sua capacidade” (KLEIMAN, 2000, p. 238).
Mobilizando, dessa forma, objetivos individuais e metas comuns.
CONSIDERAÇÕES
O papel do professor na perspectiva de ensino da alfabetização e da
língua materna voltada para a prática social demanda de um enfoque
socialmente contextualizado, concede ao professor autonomia no planejamento
das unidades de ensino e na escolha de materiais didáticos.
O professor decide a ação com base na observação, análise e
diagnóstico da situação.
Se trabalhar com projetos, ele há de decidir questões relativas à seleção
dos saberes e práticas funcionais para a vida na comunidade imediata dos
alunos e em outras comunidades.
O professor seleciona os que julga necessários e relevantes, distanciase de crenças arraigadas, como a “superioridade” de toda prática letrada sobre
a prática oral; aprende e ensina a conviver com a heterogeneidade, valoriza o
diferente e o singular.
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Há, por isso, a necessidade de reformulação da formação inicial e
contínua dos professores em relação à concepção de ensino de escrita,
evitando, assim, que a língua seja uma barreira social para os alunos que não
participam de práticas letradas na sua socialização primária, junto à família.
Heath (1983) propõe que o trabalho de um professor seja como um
trabalho de um etnógrafo, particularmente quando ele ensina alunos de
comunidades com tradições de uso da língua escrita e da língua oral muito
diferentes daquelas dos grupos dominantes.
Assim, a relação do professor com os conteúdos curriculares se
transforma, o currículo deixa de ser fixo e passa a ser visto como uma
organização dinâmica de conteúdos que vale a pena ensinar (e que podem
mudar), que levam em conta a realidade local, seja ela da turma, da escola ou
da comunidade e que se estruturam segundo a prática social.
A formação de um professor que atue como “agente” de letramento,
segundo Kleiman, propõe a formação de um profissional que:
“[...] é capaz de articular interesses partilhados pelos aprendizes,
organizar um grupo ou comunidade para a ação coletiva, auxiliar na tomada de
decisões sobre determinados cursos de ação, interagir com outros agentes
(outros professores, coordenadores, pais e mães da escola) de forma
estratégica e modificar e transformar seus planos de ação segundo as
necessidades em construção do grupo.”
O letramento como norteador da prática do professor de língua
portuguesa, uma vez que este considera as especificidades do ensino
aprendizagem de língua, tais como, a diversidade de conhecimentos prévios
dos alunos, as necessidades individuais e coletivas de interações letradas
sociais, a flexibilização do planejamento bem a como a inserção do aluno na
sociedade, evitando assim, que a língua escrita seja uma barreira social.
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SOARES, Magda. Letramento: Um Tema em Três Gêneros. Belo Horizonte:
Autêntica, 2001.
UNISANTA Humanitas – p. 98 – 106; Vol. 4 nº 1, (2015)
Página 106
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