0 UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ Departamento de Ciências Administrativas, Contábeis, Econômicas e da Comunicação Departamento de Estudos Agrários Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO SÉRGIO INÁCIO JUNG ASPECTOS DA GESTÃO AMBIENTAL DA PRODUÇÃO DE ÁLCOOL E CACHAÇA NO NOROESTE–MISSÕES DO RIO GRANDE DO SUL Ijuí (RS) 2012 1 SÉRGIO INÁCIO JUNG ASPECTOS DA GESTÃO AMBIENTAL DA PRODUÇÃO DE ÁLCOOL E CACHAÇA NO NOROESTE–MISSÕES DO RIO GRANDE DO SUL Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação Stricto Sensu, Mestrado em Desenvolvimento, Linha de Pesquisa: Gestão de Organizações para o Desenvolvimento, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí), requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento. Orientadora: Professora Doutora Sandra Beatriz Vicenci Fernandes Ijuí (RS) 2012 2 Catalogação na Publicação J95a Jung, Sérgio Inácio. Aspectos de gestão ambiental da produção de álcool e cachaça no Noroeste – Missões do Rio Grande do Sul / Sérgio Inácio Jung. – Ijuí, 2012. – 93 f. : il. ; 29 cm. Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Desenvolvimento. “Orientadora: Dra. Sandra Beatriz Vicenci Fernandes”. 1. Gestão de resíduos de cana. 2. Viabilidade técnica – Produção de cachaça e etanol. 3. Viabilidade econômica – Produção de cachaça e etanol. 4. Viabilidade ambiental – Produção de cachaça e etanol. 5. Bagaço de cana-de-açúcar. 6. Vinhaça. I. Fernandes, Sandra Beatriz Vicenci. II. Título. CDU: 502.33 504.06 Aline Morales dos Santos Theobald CRB 10/1879 3 UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento – Mestrado A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação ASPECTOS DE GESTÃO AMBIENTAL DA PRODUÇÃO DE ÁLCOOL E CACHAÇA NO NOROESTE – MISSÕES DO RIO GRANDE DO SUL elaborada por Sérgio Inácio Jung como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento Banca Examinadora: Profa. Dra. Sandra Beatriz Vicenci Fernandes (UNIJUÍ): _____________________________ Profa. Dra. Marlise Amália Reinehr Dal Forno (UFRGS): ____________________________ Profa. Dra. Leonir Terezinha Uhde (UNIJUÍ): ______________________________________ Ijuí (RS), 29 de agosto de 2012. 4 Dedico esta dissertação à Carmen e à Letícia, pela compreensão e estímulo com palavras ou na falta delas. 5 AGRADECIMENTOS Agradeço à professora Sandra Fernandes, pela orientação segura, pela paciência e apoio incondicional em todos os momentos. Pelas palavras, pela persistência, perspicácia e perseverança e o estímulo para melhorar. As palavras apenas tentam descrever o sentimento de carinho, respeito e gratidão pelos ensinamentos recebidos. À minha família, amigos e professores, colegas de trabalho do IESA de Santo Ângelo, e a todos que colaboraram nesta jornada que ora está findando. 6 “Existem três tipos de empresas (e pessoas). As que fazem as coisas acontecer, as que ficam vendo as coisas acontecer e as que se perguntam: ‘o que aconteceu?’” Philip Kotler (2002). 7 RESUMO A produção de álcool e de cachaça na região Noroeste-Missões do Rio Grande do Sul é responsável pela dispersão de dejetos líquidos representados pela vinhaça e dejetos sólidos oriundos do bagaço da cana-de-açúcar e das cinzas da combustão que produz energia térmica nas unidades beneficiadoras, usinas e destilarias. A proposta deste estudo é analisar e discutir a viabilidade técnica, econômica e ambiental do impacto provocado pela disposição no ambiente dos dejetos resultantes da manufatura artesanal ou industrial dos derivados da canade-açúcar pelos estabelecimentos produtores. O estudo caracteriza-se como pesquisa aplicada e descritiva, sendo classificado também como pesquisa de campo, documental e bibliográfica. Os potenciais impactos foram acessados mediante questionário aplicado aos responsáveis por usinas e destilarias de 24 municípios da região Noroeste-Missões do Rio Grande do Sul, a partir do qual se buscou conhecer o processamento de cana para produção de álcool e cachaça. O trabalho descreve as características da região produtora de cana-de-açúcar, as principais etapas do processo produtivo de álcool combustível e cachaça e os potenciais impactos ambientais decorrentes das modalidades de gestão dos resíduos decorrentes do processo produtivo. Discute também a gama de alternativas de gestão desses resíduos, atendendo aos requisitos legais. Depreende-se do estudo que vinhaça representa tanto o maior potencial de gerar danos ambientais, como uma grande possibilidade de emprego em biofertilizantes, representando ganhos ambientais de grande relevância. O mesmo ocorre pela utilização de dejetos sólidos, tanto do bagaço quanto das cinzas como matérias-primas alternativas. Conclui-se que há um conjunto de possibilidades viáveis para o uso da vinhaça e do bagaço da cana-de-açúcar que representam atenuação de impactos ambientais, podendo gerar ganhos ambientais de grande relevância. Palavras-chave: Gestão de resíduos de cana. Viabilidade técnica, econômica e ambiental da produção de cachaça e etanol. Bagaço de cana-de-açúcar. Vinhaça. 8 ABSTRACT The production of alcohol and white lightning (cachaça) in the Northwest-Mission region of Rio Grande do Sul is responsible for the dispersion of the liquid waste represented by the vinasse and the solid waste from the sugarcane bagasse and from the ashes of the combustion which produce thermo energy in the manufacturing units, plants and distilleries. The proposal of this study is to analyze and discuss the economical and financial viable alternatives in order to mitigate the impact caused by the disposal of the waste resulting from the handicraft or industrial manufacturing of the sugarcane derivatives by the producing establishments in the environment. The specific objectives of the study are: to analyze the environmental impact caused by the disposal of the waste in the nature by the producing establishments; to identify and analyze economical and financial viable alternatives which are legally supported by the management of the residues generated by the production; to create a distinctive model for small, medium and big producers while identifying the polluting potential for the three categories; to present a study of the economical and financial viability of the internalization of the alternatives by the reduction of the impact caused by the production waste in nature. The study is characterized as a descriptive and applied research, being classified as a field, documental and bibliographical research as well. A questionnaire was applied to the people responsible for distilleries and plants in 24 municipalities in the Northwest-Mission region of Rio Grande do Sul, and it aimed at learning about the cane processing for the production of alcohol and white lightning. It is possible to deduce form the study that the alternative possibilities for the use of vinasse as a biofertilizer represent, above all, highly relevant environmental gains. The same happens with the environmental gain from the use of solid waste, either the bagasse or the ashes, as alternative raw material. It is concluded that the possible alternatives for the use of sugarcane vinasse or bagasse represent highly relevant environmental gain. Key words: Sugarcane. White lightning and ethanol economical-financial production viability. Residue management. Vinasse. Sugarcane bagasse. 9 LISTA DAS SIGLAS ADCE BAH CCA CETESB CNRH CONAMA CTC DAP DBO DBQ EIA FND IBRACON LI LO LP NPA OCDE PNMA SEAMA SEBRAE SISNAMA – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresas Bagaço de Cana-de-açúcar Auto-Hidrolizado Coordenação de Controle Ambiental Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental do Estado de SP Conselho Nacional de Recursos Hídricos Conselho Nacional do Meio Ambiente Capacidade de Troca Catiônica Departamento de Atendimento ao Público Demanda Bioquímica de Oxigênio Demanda Química de Oxigênio Estudo de Impacto Ambiental Fibra Detergente Neutro Instituto dos Auditores Independentes do Brasil Licença de Instalação Licença de Operação Licença Prévia Norma e Procedimento de Auditoria Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico Política Nacional de Meio Ambiente Secretaria do Estado para Assuntos do Meio Ambiente Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Sistema Nacional de Meio Ambiente 10 LISTA DAS FIGURAS Figura 1. Figura 2. Figura 3. Figura 4. Figura 5. Figura 6. Figura 7. Figura 8. Figura 9. Figura 10. Figura 11. Figura 12. Localização da área de abrangência – municípios com produção canavieira para produção de álcool e cachaça. Região Noroeste-Missões do RS, 2012................................................................................................... Distâncias médias entre os mananciais hídricos e as unidades produtoras de álcool e cachaça na Região Noroeste-Missões (RS), 2012...................... Classes de solo predominantes no cultivo de cana na região NoroesteMissões, RS................................................................................................... Percentual de adubação de plantio e de manutenção.................................... Modalidades de colheita da cana na região Noroeste-Missões (RS), 2012............................................................................................................... Emprego de mão de obra própria ou contratada para corte de cana destinada a destilarias e usina na Região Noroeste-Missões (RS), 2012...... Altitude em que se situam os estabelecimentos de produção de cachaça e álcool na Região Noroeste-Missões (RS), 2012........................................... Modalidade de moagem da cana destinada à produção de álcool e cachaça na região Noroeste-Missões (RS), 2012........................................................ O uso do bagaço como meio de combustão na usina de álcool e nas destilarias de Cachaça no Região Noroeste-Missões (RS), 2012................. Armazenagem provisória adequada dos dejetos na produção de álcool e cachaça na Região Noroeste-Missões (RS), 2012......................................... Forma de gestão dos resíduos de cabeça e cauda na produção de cachaça na Região Noroeste-Missões (RS), 2012...................................................... Disposição e/ou tratamento adequado do bagaço e cinzas da produção de álcool e cachaça na região Noroeste-Missões (RS), 2012............................ 49 52 54 61 63 66 67 71 72 74 75 80 11 LISTA DOS QUADROS Quadro 1. Quadro 2. Quadro 3. Quadro 4. Caracterização físico-química da vinhaça...................................................... Caracterização da produção de cana destinada à aguardente e etanol na região Noroeste-Missões do Rio Grande do Sul, 2012................................... Produção de resíduos de cana em função do potencial produtivo de materiais. Região Noroeste –Missões (RS), 2012........................................... Tempo médio de duração dos canaviais destinados a destilarias de cachaça e produção de etanol. Região Noroeste-Missões (RS), 2012.......................... 33 51 57 59 12 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 14 1 REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................................... 17 1.1 A RESPONSABILIDADE SOCIAL E AMBIENTAL ..................................................... 17 1.2 VISÃO ECONÔMICA DA GESTÃO AMBIENTAL ....................................................... 18 1.2.1 Internalização de custos ambientais ............................................................................ 21 1.3 INSTRUMENTOS DE GESTÃO AMBIENTAL............................................................. 24 1.3.1 Licenciamento ambiental .............................................................................................. 29 1.4 CARACTERIZAÇÃO E DESTINO DOS RESÍDUOS DA PRODUÇÃO DE CACHAÇA E ÁLCOOL .......................................................................................................... 31 1.5 NORMATIZAÇÃO E ASPECTOS LEGAIS DO MANEJO DE RESÍDUOS DE CANA ....................................................................................................................................... 38 1.5.1 Outras alternativas de destinação da vinhaça ............................................................ 42 1.5.2 Destino do bagaço da cana-de-açúcar.......................................................................... 44 1.5.3 As cinzas do bagaço da cana e suas aplicações ........................................................... 46 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ..................................................................... 48 2.1 CARACTERIZAÇÃO METODOLÓGICA ...................................................................... 48 2.2 CARACTERIZAÇÃO DOS EMPREENDIMENTOS E DOS IMPACTOS DO PROCESSAMENTO DE CANA PARA PRODUÇÃO DE ÁLCOOL E CACHAÇA ........... 49 2.2.1 Coleta de dados .............................................................................................................. 49 2.2.2 Características da produção de cana na região Noroeste-Missões ........................... 51 2.2.3 Localização geográfica das unidades produtoras em relação aos mananciais hídricos e potencial de contaminação ambiental ................................................................. 53 2.2.4 Características dos solos da região produtora de cana .............................................. 54 3 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ............................................. 57 3.1 CARACTERIZAÇÃO DO POTENCIAL DE IMPACTO AMBIENTAL DA PRODUÇÃO DE DERIVADOS DE CANA ........................................................................... 57 3.1.1 Estimativa do potencial de produção de dejetos ......................................................... 57 3.1.2 Sistemas de cultivos de cana ......................................................................................... 60 3.1.3 Manejo de colheita da cana-de-açúcar ........................................................................ 63 3.1.4 Aspectos relativos à colheita da cana-de-açúcar......................................................... 65 3.1.5 Disposição espacial das unidades produtoras de álcool e cachaça em relação aos mananciais hídricos ......................................................................................................... 68 3.1.6 Características e destino do bagaço produzido ........................................................... 70 3.2 ALTERNATIVAS VIÁVEIS PARA ATENUAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DO PROCESSAMENTO DA CANA ............................................................ 74 13 3.2.1 Gestão dos dejetos da vinhaça ...................................................................................... 74 3.2.2 Gestão do bagaço e das cinzas ...................................................................................... 76 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 83 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 87 APÊNDICE ............................................................................................................................. 93 14 INTRODUÇÃO A produção de álcool e de cachaça na região Noroeste-Missões do Rio Grande do Sul tem se mostrado uma atividade econômica promissora que vem buscando tanto afirmação econômica em sintonia com a demanda dos mercados consumidores como viabilidade financeira entre custos e benefícios monetários das atividades produtivas. A manufatura de derivados da cana-de-açúcar, especialmente a produção de álcool e de cachaça, são atividades consideradas de alto potencial poluidor. Embora se trate de unidades produtoras de pequeno porte, os dejetos da produção da usina de álcool e das destilarias de cachaça possuem alto potencial para contaminar os recursos do solo, da água e do ar. A preocupação com recursos naturais empregados no processo produtivo frequentemente recebe atenção secundária dos empreendimentos empenhados em produzir derivados da cana-de-açúcar, a exemplo do álcool e da cachaça. A emissão e o destino dos dejetos de produção, com frequência, são ignorados pelas fontes poluidoras. A alta concentração de pequenos estabelecimentos pode aumentar o potencial risco poluidor da atividade, entretanto, a eleição de técnicas de manejo adequadas pode atenuar a ação destes dejetos nos meios onde são dispostos, de outra forma, métodos incompatíveis com a oportunidade podem agravar e potencializar os efeitos nocivos da ação destes rejeitos no meio ambiente. Discutir e analisar alternativas econômicas e financeiras viáveis e legalmente amparadas para a gestão dos resíduos gerados pela produção pode contribuir de forma decisiva para a identificação e adoção de novas técnicas, capazes de atenuar ou neutralizar os efeitos nocivos dos dejetos. A vinhaça e o bagaço são os rejeitos mais volumosos do processamento da cana. O primeiro tem maior potencial de dano ambiental, mas pode ter destinação adequada como biofertilizante, por exemplo, ao passo que o segundo, de menor potencial de impacto, encontra ampla utilização como matéria prima para diversos bens acabados, produção de energia, alimentação animal, entre outros. As cinzas oriundas da 15 combustão também possuem alternativas de utilização como insumo de produção de outros bens acabados, fonte de cálcio, aditivos de cimento Portland, entre outros. O potencial poluidor está diretamente ligado ao tamanho dos empreendimentos alvo de análise no presente estudo – usina de álcool e destilarias de cachaça. A categorização dos empreendimentos que processam cana em pequenos, médios e grandes produtores possibilita acessar o potencial poluidor para as referidas categorias e, consequentemente, a identificação de alternativas viáveis ajustadas a cada realidade. As alternativas para gestão dos dejetos devem, em primeiro lugar, obedecer à legislação ambiental pertinente e, num segundo momento, serem norteadas pela viabilidade econômica. A viabilidade financeira identifica a relação positiva entre os custos para o beneficiamento dos dejetos em novos produtos e serviços e as receitas oriundas de sua comercialização. Apresentar uma análise econômico-financeira da internalização das alternativas viáveis pela redução do impacto dos rejeitos de produção no ambiente pode representar a possibilidade de receitas extras a partir do beneficiamento de dejetos. Não é de se esperar, no entanto, que a internalização dos custos de todos os dejetos e todas as alternativas apresentadas encontre superávit financeiro. Entende-se que os empreendimentos devem comprometer-se com a responsabilidade ambiental sobre os dejetos que emitirem e os impactos causados ao meio ambiente por tais emissões. É possível que em alguns casos não haja superávit na relação custo benefício, entretanto, a necessidade e o compromisso da internalização dos custos ambientais devem ser absorvidos com a melhor relação custobenefício possível, em favor do meio ambiente, com a desoneração da sociedade por danos privados que devem ser internalizados pelas entidades que os promoverem. O objetivo deste estudo é analisar e discutir alternativas que sejam viáveis do ponto de vista técnico, econômico e ambiental para atenuar o impacto provocado pela disposição no ambiente dos dejetos resultantes da manufatura artesanal ou industrial dos derivados da canade-açúcar pelos estabelecimentos produtores da região Noroeste-Missões do Rio Grande do Sul. Assim, o desafio a que se propõe o presente estudo é caracterizar e analisar situações de desenvolvimento local e regional e a influência destes fenômenos sob os aspectos sociais e ambientais, bem como os impactos decorrentes sobre o meio. A discussão preconizada neste estudo tem a intenção de propor uma análise crítica das reais possibilidades de ganhos socioambientais a partir da consideração dos pressupostos da sustentabilidade ambiental na implantação de projetos com grande impacto econômico, mas com custos sociais e ambientais também elevados, custos estes a serem internalizados de forma sustentável pelas fontes produtoras. 16 O estudo é caracterizado como pesquisa aplicada e descritiva, sendo classificada também como pesquisa de campo, documental e bibliográfica. Um questionário foi utilizado na busca das informações, a partir das quais se compreendeu o processamento de cana para produção de álcool e de cachaça. O presente estudo está dividido em três capítulos. O primeiro apresenta a revisão da literatura, em que se busca a ampliação dos conhecimentos sobre responsabilidade social e ambiental, a visão econômica da gestão ambiental, o papel das empresas na sociedade, a normatização e o licenciamento ambiental e os efeitos dos resíduos dispostos inadequadamente no ambiente. O segundo traz a metodologia utilizada e o instrumento de coleta de dado. O terceiro capítulo, finalmente, caracteriza o potencial de impacto ambiental da produção de derivados de cana e propõe alternativas viáveis. Seguem as considerações finais e as referências que embasaram o estudo. 17 1 REVISÃO DE LITERATURA 1.1 A RESPONSABILIDADE SOCIAL E AMBIENTAL Para que o desenvolvimento seja sustentável do ponto de vista econômico, social e ambiental deverá contar com o esforço da gestão das organizações modernas. O desenvolvimento deve projetar os avanços tecnológicos sem causar prejuízos sociais. Assim, a palavra-chave no processo de gestão tecnológica é o equilíbrio, em que pese produzir sem destruir. A responsabilidade social representa uma mudança na concepção de empresa e de seu papel na sociedade, uma vez que se constitui em uma nova visão da realidade, fazendo com que cresça constantemente o número de organizações que buscam reconhecimento como socialmente responsáveis. As organizações, além de buscar a eficiência devem se preocupar com o impacto que suas atividades causam ao meio, investir em tecnologias modernas, menos agressivas ao meio ambiente. Estas medidas são vistas como vantagens competitivas para as empresas, pois a sociedade tem feito pesadas críticas às organizações que não têm demonstrado tal preocupação. No campo da gestão Donaire (1999) enfatiza a necessidade de incorporar a dimensão ambiental em seus cenários de tomada de decisão, assim como a manutenção de uma postura ética e responsável em relação à referida questão. É de se observar a crescente preocupação das pessoas e, por consequência, das empresas que são dirigidas e orientadas por profissionais que desenvolveram a consciência da preservação. Muito mais que uma questão ética, esta passou a ser uma questão de sobrevivência, e as próximas gerações poderão sofrer as consequências dos atos praticados hoje. Além da responsabilidade econômica e financeira, as organizações necessitam preocupar-se com as questões políticas, culturais e sociais, incorporando os direitos que asseguram a vida em sociedade (FISCHER, 2002). A posição de muitas empresas denota a importância dada às questões ambientais. Mais que uma questão mercadológica, esta preocupação tem conotação financeira e estratégica. A responsabilização por atos praticados pelas empresas pode representar gastos adicionais aos projetados para reparar os danos causados ao meio ambiente. 18 Com a adoção dos princípios de responsabilidade social as empresas acabam desenvolvendo uma imagem mais aprazível sob os olhos dos consumidores, e isto pode se traduzir em mais vantagens junto a estes consumidores. Uma empresa que é vista como socialmente responsável possui uma vantagem estratégica em relação àquela que não tem essa imagem perante o público (DONAIRE, 1999). O compromisso social é o ponto de partida para uma mudança de cultura nas organizações. Este compromisso gera um conjunto de ações que passam pelo ambiente interno da organização e buscam investimentos em recursos humanos, departamentos financeiros, tecnológicos, ambientais, projetos de interesse público, entre outros, que visam proporcionar um melhoramento social. Em 1960 foi constituída a Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresas (ADCE), com sede em São Paulo, iniciando assim um discurso sobre responsabilidade social entre os dirigentes das empresas. Em 1977, a ADCE organizou o 2º Encontro Nacional de Dirigentes de Empresas, tendo como tema central o Balanço Social da Empresa. Em 1979, a ADCE passou a organizar seus congressos anuais e o Balanço Social tem sido objeto de reflexão (TINOCO, 2001). Em 1984 foi elaborado o primeiro trabalho acadêmico do professor João Eduardo Prudêncio Tinoco, que é uma dissertação de mestrado do Departamento de Contabilidade e autoria da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), com o título Balanço Social: uma abordagem socioeconômica da Contabilidade. 1.2 VISÃO ECONÔMICA DA GESTÃO AMBIENTAL O crescimento demográfico exponencial representa um aumento quantitativo da demanda de bens e serviços. O aumento da produção para atender esta demanda deve guardar o equilíbrio entre o desenvolvimento produtivo e a preservação dos recursos naturais. O Relatório da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente, editado em 1987 com o título de “Nosso Futuro Comum” disseminou a expressão “desenvolvimento ecologicamente sustentado” e definiu como sustentável aquele sistema que responde pela produção presente sem comprometer as gerações futuras. A transposição deste conceito para o desenvolvimento econômico fez emergir a gestão ambiental empresarial, como forma de reduzir os impactos dos sistemas produtivo sobre o ambiente. 19 A gestão ambiental sustentável envolve um posicionamento estratégico para produzir e a organização como um todo deve ser preparada para este posicionamento. É fundamental que todos estejam comprometidos e conscientes dos objetivos a serem alcançados. Andrade, Tachizawa e Carvalho (2002) salientam que o primeiro passo no caminho da produção ecologicamente sustentada é acompanhado da ideia que qualquer mudança na forma de produzir resulte no aumento dos custos e despesas ou na redução do aproveitamento produtivo, o que resulta em menor produção. Donaire (1999) contrapõe salientando que muitas empresas aumentam seus lucros a médio e longo prazo. Outras empresas conseguiram significativas melhoras nos custos de produção já em curto prazo. Independentemente de a empresa conseguir uma adaptabilidade para reduzir custos e aumentar a produção a curto, médio ou longo prazo, a pressão exercida pelos mercados de consumos tem compelido sistematicamente os produtores de bens e serviços à redução na emissão de poluentes. Percebe-se o crescente envolvimento das nações, principalmente no continente europeu e latino-americano, competindo para uma gestão ambiental limpa e responsável. Os novos tempos e os novos cenários econômicos fizeram despertar a cultura preservacionista. Mesmo com a tendência mais competitiva dos mercados que, em parte, é estimulada pelo movimento evolucionista dos mercados de consumo, os consumidores estão cada vez mais conscientes e empenhados na causa ambiental. Os mercados competitivos sofrem a pressão coercitiva do conjunto normativo imposto pelo Estado que, por sua vez, atende aos anseios da animosidade humana que forma a imensa onda preservacionista. De acordo com Faria et al. (2006, p. 2): A sociedade industrial, surgida no século XIX, estruturou-se sobre a ideologia do liberalismo, tendo como princípio fundante a livre concorrência – a liberdade de empresa, cujos padrões de produção e consumo vêm gerando notável depredação ambiental em decorrência de: aumento de poluição pelas fábricas e veículos automotores; emprego desordenado de substâncias tóxicas na produção agrícola; consumismo desmedido; uso irracional dos recursos naturais; e acúmulo de lixo não degradável. Donaire (1999) afirma que na visão tradicional da instituição apenas o lado econômico está voltado para a maximização de lucros, controle e redução de custos. Assim, a mudança de posicionamento estratégico em relação ao meio ambiente não foi assimilada instantaneamente e sem resistência, fato que pode ser constatado a partir de Friedmann (1985, p. 23): 20 Ultimamente um ponto de vista específico tem obtido cada vez maior aceitação – o de que os altos funcionários das grandes empresas e os líderes trabalhistas têm uma responsabilidade social além dos serviços que devem prestar aos interesses de seus acionistas ou de seus membros. Este ponto de vista mostra uma concepção fundamental errada do caráter e da natureza de uma economia livre. Em tal economia só há uma responsabilidade social do capital – usar seus recursos e dedicar-se a atividades destinadas a aumentar seus lucros até onde permaneça dentro das regras do jogo, o que significa participar de uma competição livre e aberta, sem enganos ou fraudes. O modelo preconizado por Friedmann (1985) pressupõe que as questões éticas estão na esfera individual, se manifestando na sociedade por meio das normas e padrões de conduta social estabelecidas, refletidas, pressupostos legais e jurídicos. Estas regras jurídicas e legais funcionam como meio de pressão quando a empresa pratica algum ato arbitrário com prejuízo socioambiental que prejudica a coletividade. Ainda de acordo com Friedman (1985, p. 22): A existência de um mercado livre não elimina, evidentemente, a necessidade de um governo. Ao contrário, um governo é essencial para a determinação das regras do jogo e um árbitro para interpretar e pôr em vigor as regras estabelecidas. O que o mercado faz é reduzir sensivelmente o número de questões que devem ser decididas por meios políticos - e, por isso, minimizar a extensão em que o governo tem de participar diretamente do jogo. O mesmo autor complementa: “Papéis básicos do governo numa sociedade livre – prover os meios para modificar as regras, regular as diferenças sobre seu significado e garantir o cumprimento das regras por aqueles que de uma forma ou de outra forma não se submeteriam a elas” (FRIEDMAN, 1985, p. 22). Friedman (1985) é um crítico feroz das ações e decisões tomadas pelos administradores para a contribuição social em detrimento dos interesses da corporação. E cita como exemplos: deixar de aumentar preços dos produtos para contribuir com o objetivo social de prevenir a inflação; despender recursos que vão além dos requisitos legais para a melhoria do meio ambiente, à custa dos lucros da corporação; contratar desempregados em vez de trabalhadores mais qualificados com o objetivo de reduzir a pobreza. Ele vê estas ações como uma violação da função dos negócios. O dinheiro gasto em projetos sociais é uma imposição e o dispêndio de taxas com o dinheiro dos outros para atender ao interesse geral da sociedade reduz os salários e os dividendos dos acionistas e aumenta os preços ao consumidor. Essas ações transformam os executivos em funcionários públicos ou servidores da sociedade civil, os quais tomam decisões seguindo critérios políticos e sociais para alocar recursos e definir quais são os interesses sociais coletivos. 21 Para Friedman (1985, p. 23): Se os homens de negócios têm outra responsabilidade social que não obter o máximo de lucro para seus acionistas, como poderiam saber qual é ela? Podem os indivíduos saber o que é interesse social? Podem eles decidir que carga impor a si próprios e aos acionistas para servir ao interesse social? É tolerável que funções públicas sejam exercidas pelas pessoas que estão no momento dirigindo empresas particulares, escolhidas para estes postos por grupos estritamente privados? Farias e Bastos et al. (2006) argumentam que o alucinante progresso econômico do século 20 teve como fundamento o uso indiscriminado dos recursos naturais antes considerados inesgotáveis. Por outro lado, foi a polêmica suscitada pela questão da energia nuclear nos anos 60, e o aumento inesperado dos preços do petróleo, nos anos 70, que provocaram os primeiros debates sobre a escassez de recursos naturais e levaram à percepção da finitude da biosfera. Esta preocupação ambientalista tornou-se sensível, desde os anos 60, com o aparecimento de um movimento social engajado no enfrentamento da questão nuclear em vários países europeus e nos Estados Unidos. A sociedade civil e seus movimentos ativistas passaram a volver seu olhar, também, para o problema da degradação do meio ambiente, que já ameaça a continuidade da sobrevivência na Terra. Nesse sentido, em contraponto à visão de Friedman, Drucker (1992) é enfático no papel de liderança dos executivos na comunidade, ultrapassando os limites das organizações. A ideologia predominante nos anos 60 de que o governo-estado podia e devia cuidar dos problemas da comunidade foi superada pelas evidências de que os governos não podem tomar conta dos problemas da comunidade, e tampouco os negócios e o mercado livre podem tomar conta dos problemas da comunidade, mas, em parceria com a sociedade civil, representada pelo terceiro setor, compreendido pelas organizações comunitárias não lucrativas, as empresas devem se responsabilizar pelas soluções dos problemas da comunidade, fornecendo os recursos materiais e o trabalho voluntário de seus colaboradores. 1.2.1 Internalização de custos ambientais A busca por competitividade pelas empresas modernas tem desencadeado uma exploração intensiva dos recursos disponíveis e lançado mão de metodologias que nem sempre são revertidas em avanços produtivos sustentáveis. A competitividade em produzir pelo menor preço faz com que algumas etapas importantes do processo sejam suprimidas ou simplificadas em nome da redução de gastos com manufatura, sob o risco de os custos de 22 produção onerarem os produtos ou serviços finais de tal forma que os mesmos se tornem pouco atraentes sob o ponto de vista mercadológico. Assim, alguns processos importantes a exemplo do manejo de dejetos resultantes do processo de manufatura são suprimidos ou simplificados de forma a se externalizarem, causando prejuízos ambientais compartilhados pela sociedade. Soares (2003, p. 4) salienta o compartilhamento social dos custos privados: A externalidade é um importante conceito econômico utilizado para entendermos como a economia e a formação de preços frequentemente deixam de incorporar os impactos sociais, ambientais e sanitários consequentes das atividades produtivas que geram produtos e serviços. Ainda de acordo com Soares (2003), a forma de competição entre agentes econômicos por melhores preços oferecidos ao mercado, longe de otimizar o funcionamento da economia, pode se constituir num dos maiores entraves para a sustentabilidade do desenvolvimento, pois externaliza diversos custos sociais, ambientais e sanitários que permanecem ocultos nos preços das mercadorias e terminam por serem socializados. A crítica de Dupas (2008) é contundente em relação aos resultados catastróficos desta ação do homem sobre o meio, em nome da competitividade mercadológica, quando afirma que o envolvimento das corporações com os danos ambientais tornou-se mais problemático pela assunção plena, por parte das empresas, da definição dos vetores tecnológicos, ocorrida a partir da segunda metade do século 20. Isso foi consequência da liberdade quase absoluta que as corporações assumiram pela escolha e criação dos produtos ou serviços que deverão ser transformados em objetos de desejo dos consumidores para manter viva a lógica da acumulação, essencial à produção de riqueza no capitalismo. Para Griesse (2007) deve ser reconhecido, em primeiro lugar, que a aproximação entre ética e economia é um reflexo da condição global de desequilíbrios sociais crescentes, degradação da natureza e falta de um desenvolvimento sustentável. É necessário um sistema de interação mais global para fazer transformações significativas. Para a empresa ir além do princípio do lucro e do interesse próprio, de modo sistemático, há que ter o apoio institucional da sociedade, do poder público e de outras empresas para transformar o tecido cultural e a forma de se entender a ética nos negócios. Soares e Porto (2009) complementam enaltecendo que isso ocorre quando florestas são desmatadas, rios e solos são poluídos, trabalhadores e consumidores são contaminados, e as doenças e mortes – frequentemente invisíveis no conjunto das estatísticas de saúde – 23 acabam sendo coletivamente absorvidas pela sociedade e pelos sistemas públicos previdenciários e de saúde. A este respeito Soares (2003, p. 4) entende que: A introdução de discussões oriundas da economia no campo da saúde pública, como a externalidade ambiental, permite ampliar o olhar sobre a relação saúde-ambiente a partir dos processos sociais e econômicos de desenvolvimento que se encontram por detrás de inúmeros problemas de saúde. Nesse mesmo sentido, Soares (2003, p. 5) afirma que “estabelecer novos vínculos entre a saúde coletiva, a economia e as ciências sociais poderá contribuir para a construção de novas estratégias de promoção da saúde”. Há necessidade de desenvolvimento de políticas estratégicas de normatização e controle sobre a emissão e externalização de resíduos para compartilhamento social, sob pena de o descaso produzir índices irreversíveis de degradação ambiental. Neste sentido, citam Soares e Porto (2009, p. 3) que: “Os exemplos de políticas possíveis de serem adotadas podem ser indutores de mudanças estruturais de tecnologias produtivas, ou de comando-controle para situações onde a saúde pública reconheça a existência de riscos mais graves para a população”. Para Milanez e Porto (2009, p. 2): “as discussões teóricas e as experiências empíricas apontam para a existência de eixos de desenvolvimento econômico no Brasil, ambientalmente insustentáveis e socialmente injustos, que intensificam os conflitos socioambientais”. Há necessidade, portanto, de consciência ambiental e desenvolvimento cultural voltados ao monitoramento e controle a partir da imposição de regras claras que tenham força para inibir atitudes sociais que provoquem desequilíbrio de recursos naturais. Os argumentos de que um crescimento econômico, mesmo que a partir de instituições privadas, apresentem inúmeros benefícios sociais que compensam os custos sociais externalizados, são fortemente contestados. Veiga (2009, p. 4) afirma nesse sentido: A teoria da maximização da eficiência econômica induziria a uma busca de alocação dos recursos de forma mais eficiente, tais como reduzir o custo econômico através de ganhos de produtividade e deslocamento de riscos para comunidades de menor nível socioeconômico. Porém, por essa lógica competitiva capitalista, a existência de forças socio-econômicas e políticas desiguais poderia provocar ou agravar situações de injustiça socioambiental. Com isso, pôde-se inferir a existência da relação inversa entre eficiência econômica e justiça socioambiental. 24 O comportamento privado em relação às externalidades e utilização de recursos naturais e o consequente compartilhamento dos custos com o meio social, pode não ser o melhor resultado numa perspectiva de bem-estar social e mesmo individual no longo prazo. Isso porque o custo marginal ou benefício marginal individual pode desprezar efeitos para a saúde humana e dos ecossistemas, assim como os impactos destes para o sistema de saúde, previdenciário e a sociedade como um todo (SOARES, 2003). Pearce (apud SOARES, 2003, p. 6) confirma seu posicionamento em relação às externalidades com custo social por benefícios privados: As externalidades surgem por divergência entre interesses sociais e privados: os livres mercados seriam baseados num estreito interesse pessoal, onde o gerador da externalidade não tem qualquer incentivo para contabilizar os custos que impõe a terceiros. Se a externalidade for negativa, há maior produção desta pelo agente gerador, em equilíbrio competitivo, do que seria socialmente desejável. Os benefícios sociais “podem ser definidos pelo embate entre grupos sociais a partir de seus interesses e valores envolvendo de forma central questões ecológicas, como o meio biofísico, o uso dos territórios e seus recursos naturais” (MILANEZ; PORTO, 2009, p. 6). Ainda segundo esses autores: Em linhas gerais, nossa principal argumentação é que a emergência e intensificação dos conflitos no atual contexto brasileiro (mas também internacional) decorrem de uma visão economicista restrita de desenvolvimento. Esta visão é pautada por critérios de crescimento econômico – visto como alternativa única de progresso – de natureza produtivista e consumista. Tal visão desrespeita a vida humana e os ecossistemas, bem como a cultura e os valores dos povos nos territórios onde os investimentos e as cadeias produtivas se realizam (MILANEZ; PORTO, 2009, p. 6). Apresentado o papel das empresas na sociedade e a sua atividade de gestão ambiental, o tópico que segue traz a normatização e o licenciamento ambiental. 1.3 INSTRUMENTOS DE GESTÃO AMBIENTAL A Constituição Federal de 1988 (CF/88) destacou o meio ambiente em capítulo próprio, o de número 5, integrando-o ao Título VIII – da Ordem Social – o qual tem como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. A Lei Maior salvaguarda o direito de todos ao meio ambiente em equilíbrio para atender ao reclamo dos indivíduos e da coletividade a uma vida sadia, em sintonia com a natureza. 25 Consoante se deflui do art. 225 da CF/88, impõe-se ao Poder Público o escopo de assegurar a efetividade desse direito: a) preservar os ecossistemas, as espécies, a integridade do patrimônio genético do País; b) definir os espaços territoriais, nas unidades da Federação, a serem protegidos; c) exigir estudo prévio de impacto ambiental, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental, devendo ser dada publicidade; controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; d) promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino; e) proteger a fauna e a flora. Faria et al. (2006) salientam que a Carta Constitucional de 1988, em seu preâmbulo, declara um Estado democrático de Direito, tendo como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana. A Constituição Federal assume uma postura coerente por desenvolver a ideia da objetivação da responsabilidade em relação ao dano ambiental provocado por pessoas jurídicas que, notadamente, por vezes, têm se revelado as mais degradadoras do meio ambiente. Os instrumentos de política ambiental empregados com vistas ao enfrentamento das questões ambientais são de duas ordens: Instrumentos Regulatórios, do tipo Comando e Controle e os Instrumentos de Incentivos Econômicos ou de Mercado. O primeiro grupo corresponde àquelas políticas que visam identificar problemas ambientais específicos. As regulamentações formam um conjunto de normas, regras, procedimentos e padrões que devem ser obedecidos com vista à adequação a determinadas metas ambientais, acompanhadas de um conjunto de penalidades previstas para aqueles que não as cumprirem. O licenciamento ambiental é o principal deles. Para problemas ambientais decorrentes de práticas agropecuárias Bartholomeu (2006) apresenta de forma detalhada algumas soluções por intermédio de políticas ambientais. Via de regra, as soluções são propostas por mecanismos de gestão ambiental e correspondem a incentivos econômicos e de controle, os quais podem ser aplicados para a maior parte dos casos: regulamentos e sanções (estabelecimento de padrões de emissões; exigência de licenciamento para atividades; restrições ao uso do recurso; aplicação de multas; estabelecimento de fechamento da atividade); taxas, impostos e cobranças (taxas por não cumprimento da legislação ambiental ou para racionalizar o uso de determinado recurso; bônus de desempenho etc.); 26 criação de mercado (licenças comercializáveis para direito de captação de água ou emissões, por exemplo); e intervenção de demanda final (programas de rotulagem, processos de certificação, adoção de selos “verdes” etc.). A normatização imposta de forma coercitiva e unilateral pelo Estado representa a evolução teleológica dos movimentos sociais que buscam reconhecimento e tem a finalidade de regulamentar a conduta social. O conjunto de regras normatiza as relações entre a sociedade, em que pese identificar o interesse público tutelado pelo Estado. Dupas (2006) considera que o modelo de desenvolvimento mais difundido passa a ser uma contingência da própria lógica capitalista de reprodução contínua dos ciclos de escassez — dos novos produtos objetos de desejo — com os de abundância, quando esses mesmos produtos tornam-se consumo de massa. Em vez da maior prosperidade geral, para que a engrenagem da acumulação funcione, assiste-se a um sucateamento contínuo de produtos em escala global, gerando imenso desperdício de matérias-primas e recursos naturais ao custo imenso de degradação contínua do meio ambiente e de escassez de energia. É a opção privilegiada e inexorável pela acumulação de capital, em detrimento do bem-estar social amplo. Os países em desenvolvimento e com forte vocação agrícola representam um mercado profícuo às indústrias químicas que despejam produtos à base de princípios ativos rejeitados na maioria dos países europeus e outros países desenvolvidos em função do risco que representam à biodiversidade. É inviável pensar em modelos socioambientais sustentáveis sem investir em tecnologias limpas que permitam produzir com qualidade. Uma das alternativas para a gestão socioambiental responsável e equilibrada pode estar no desenvolvimento biotecnológico. Nesse contexto emerge o conceito de bioeconomia adotado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e transcrito por Barros e Machado (2007): “aquela parte das atividades econômicas que capturam valor a partir de processos biológicos e biorrecursos para produzir saúde, crescimento e desenvolvimento sustentável”. Neste sentido, os autores enfatizam que resta saber o grau em que o conhecimento biológico pode ser difundido na forma de aplicações biotecnológicas, bem como as políticas que serão eficientes para promover o uso dessa nova onda de inovações. A Agenda 21, programa estabelecido em 1992 pela Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, assevera que a biotecnologia promete fazer uma contribuição significante em possibilitar o desenvolvimento de, por exemplo, melhor cuidado 27 da saúde, melhor segurança alimentar por meio de práticas agrícolas sustentáveis, melhor oferta de água potável, processos de desenvolvimento industriais mais eficientes para transformação de matérias-primas, apoio a métodos sustentáveis de aflorestamento e reflorestamento e também de destoxificação de resíduos. Dentre os mecanismos de mercado, a política de Mercado de Carbono pode representar mais um impulso para a ativação da cultura preservacionista, como possível instrumento de efetivação de práticas socioambientais sustentáveis e viabilização de investimentos para aproveitamento de resíduos e geração de energia. Usinas sucroalcooleiras estão investindo em aumento de eficiência do processo de cogeração de energia (substituição por caldeiras e turbinas mais eficientes), capaz de utilizar o bagaço da cana durante todo o ano para gerar sua própria energia e vender o excedente para a rede brasileira de energia elétrica (BARTHOLOMEU, 2006). A evolução cultural que desenvolve um novo comportamento social em relação ao modelo de gestão da produção em que pese administrar de forma mais consciente os dejetos emitidos por estes processos fabris, faz surgir, como fruto dos debates norteados por anseios sociais, um conjunto de regramento legal ou de convenções doutrinárias orientadas para a preservação de recursos naturais. Na contramão deste processo estão interesses particulares de clãs setoriais que resistem ao novo modelo de gestão ambiental de resíduos em nome da lucratividade de produtos e serviços e da rentabilidade dos capitais investidos, fazendo com que os custos externalizados pelos danos ambientais causados sejam compartilhados e arcados pela sociedade. Riggoto (2002) é enfático ao lamentar que no Brasil, apesar de haver uma legislação e instituições destinadas a aplicar as leis de proteção ao meio ambiente, as atividades humanas, sejam domésticas ou econômicas, continuem a provocar a degradação ambiental. Bartholomeu (2006, p. 1) salienta nesse sentido que: Apesar de a legislação ambiental brasileira ser abrangente, não se verifica, na prática, o cumprimento de diversas regulamentações. Neste sentido, o problema parece estar concentrado em duas frentes: por um lado há uma clara ineficiência no processo de fiscalização e estabelecimento do enforcement e, por outro, há um desconhecimento generalizado, por parte dos produtores, da existência de tais legislações e normas. Segundo Bartolomeu (2006), o investimento em práticas sustentáveis ainda é visto como um custo desnecessário. Em alguns anos, entretanto, isto poderá representar vantagens competitivas no comércio ou, de forma mais radical, a própria exclusão do produtor da 28 atividade. O fato de as práticas recomendadas não serem utilizadas provoca custos sociais na forma de externalidades negativas. Deve-se, pois, consolidar a avaliação de impactos ambientais em qualquer atividade potencialmente poluidora. Tal avaliação não deve ser vista como mais uma barreira às atividades produtivas, mas como instrumento para identificar os problemas ambientais de determinada atividade, servindo como subsídio para a elaboração de políticas que ajam no sentido de minimizar os impactos negativos ao meio ambiente. A identificação de saídas eficientes depende de investimento em ciência e tecnologia que, em seguida, levarão a resoluções e normas legais que poderão ser cobradas pelos agentes fiscalizadores. Para Leite (2000), questões como os resíduos gerados pelos processos produtivos e as externalidades merecem destaque e preocupação especial. Estes resíduos contaminam o solo, os recursos hídricos e o ar, através da poluição local (queimadas) ou global (emitindo gases que prejudicam o efeito estufa). O desafio é encontrar alternativas de tratamento e, se possível, explorar de forma viável as potencialidades destes dejetos na produção de novas formas de energia limpa, se possível, ou até mesmo a produção de energia pela redução da emissão de poluentes. Estas formas alternativas de energia podem encontrar tratamento e, quando possível, serem aproveitadas como fonte energética para o abastecimento da propriedade ou até mesmo de pequenas comunidades locais como já vem sendo verificado em algumas propriedades suinícolas (aproveitamento do biogás, produzido pelos dejetos), usinas de açúcar e álcool (utilização do bagaço da cana para cogerar energia e dos dejetos da vinhaça na fertirrigação das lavouras de cana-de-açúcar), madeireiras (serragem), beneficiadoras de arroz (aproveitamento da palha de arroz), entre outros. No que se refere às atividades econômicas, de acordo com Callenbach e Capra (2000), a regulamentação sozinha não resultará em uma maneira nova ou criativa de pensar sobre numerosos aspectos das operações de uma empresa. Para tanto, são necessárias metodologias inovadoras. Todas as atividades econômicas causam impacto sobre a sociedade e o meio ambiente e, portanto geram custos sociais e ecológicos. As soluções apresentadas só serão efetivas se, por um lado, os problemas ambientais forem bem identificados e quantificados (mediante parceria com universidades e centros de pesquisa), se existirem alternativas viáveis para a adequação (tecnologias, financiamento, crédito etc.) e, finalmente, se os produtores tiverem conhecimento tanto das exigências quanto das alternativas existentes. 29 1.3.1 Licenciamento ambiental O licenciamento ambiental emergiu formalmente no Brasil, assim como em boa parte do mundo, na década de 1970. As primeiras iniciativas tinham como objetivo o controle da poluição industrial, norteado pelas diretrizes do Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento, em 1975. No início da década de 1980, mais exatamente em 1983, com a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), constituiu-se a base institucional e legal do Licenciamento Ambiental aos moldes do modelo conhecido nos dias atuais. Na institucionalização do modelo de licenciamento ambiental destacam-se dois órgãos com importância fundamental dentro do PNMA: o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e o Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), que tem por instância superior o Conama. O Sisnama compreende o conjunto de instituições na esfera federal, estadual e municipal que formulam e regulam a política ambiental e aplicam a legislação pertinente, sendo responsáveis pelo licenciamento ambiental. A emergência da consciência ambiental e o desenvolvimento da cultura de proteção aos recursos naturais refletidos no conjunto de leis e regras burocráticas são importantes barreiras para frear o ímpeto da utilização dos meios naturais públicos em benefício particular, externalizando custos privados para que sejam compartilhados pela sociedade. Para Ribeiro (1997), as preocupações da sociedade com os efeitos adversos do desenvolvimento econômico e a visão de impactos ambientais mais abrangentes e interrelacionados estão muito além da regulação da poluição industrial pontual. Para tanto foi estabelecida pela PNMA um conjunto de instrumentos metódicos e burocráticos como instrumentos de regulação das atividades com potencial poluidor, tais como: a) o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental; b) o zoneamento ambiental (ecológico-econômico); c) a avaliação de impactos ambientais; e d) o licenciamento e a revisão de atividades efetivas ou potencialmente poluidoras ou causadoras de degradação ambiental. Para Machado (1998), as Resoluções 001 e 011/1986 e a 237/1997 do Conama, basicamente estabelecem os instrumentos mais comentados do sistema de licenciamento ambiental brasileiro: o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e as licenças ambientais: prévia (LP); de instalação (LI) e de operação (LO). A partir de 1997 o empreendedor passou a ter o direito de participar do estabelecimento das exigências do estudo de impactos e 30 condicionantes de licenciamento, tornando-se também responsável pela contratação da equipe técnica que realiza o Estudo de Impacto Ambiental. No Rio Grande do Sul as atividades estatais de Licenciamento Ambiental são realizadas pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM), constituída por uma fundação pública ligada à Secretaria Estadual da Saúde e do Meio Ambiente. Suas incumbências específicas, além da operação de Licenciamento Ambiental das atividades de impacto supralocal, são: aplicação da Legislação Ambiental e fiscalização em conjunto com os demais órgãos do SEMA – Secretaria Estadual do Meio Ambiente, Municípios e Batalhão Ambiental da Brigada Militar; avaliação, monitoramento e divulgação de informação sobre a qualidade ambiental. Este trabalho é a base para a priorização e avaliação da efetividade das ações desenvolvidas (como o próprio licenciamento ambiental); diagnóstico e planejamento para que a ação do Sistema Estadual de Proteção Ambiental (SISEPRA), a avaliação das mudanças ambientais e o licenciamento ambiental de atividades individuais sejam vistos dentro do marco de diretrizes regionais e da capacidade suporte do ambiente; apoio, informação, orientação técnica e mobilização de outros atores importantes como os Municípios, os Comitês de Bacia e organizações da sociedade civil. O Serviço de Apoio às Micro e Pequenas (SEBRAE, 2001), em suas publicações técnicas tem manifestado preocupação com o desenvolvimento das atividades fabris, em escala industrial ou artesanal, de cachaça ou aguardente de cana-de-açúcar, atividade considerada de grande potencial poluidor, embora o porte da maioria dos empreendimentos seja de pequenos estabelecimentos industriais ou artesanais. Por analogia, o SEBRAE também manifesta a preocupação dos grandes estabelecimentos produtores de álcool, compostos de grandes usinas, com elevado potencial poluidor e escala ampliada. Estas publicações deixam evidente a necessidade de enquadramento normativo dos estabelecimentos, tanto os de escala industrial quanto artesanal para a produção de álcool e para de cachaça ou aguardente. A partir dessas publicações é possível identificar um roteiro recomendado para o licenciamento ambiental dessas atividades a partir do conjunto normativo emitido pela legislação SEAMA: Licença Prévia (LP) – emitida na fase inicial do planejamento do empreendimento, visando à aprovação da área pretendida. 31 Licença de Instalação (LI) – emitida com base no cumprimento das condicionantes (exigências) contidas no verso da Licença Prévia (LP) e documentos/informações necessários. Essa Licença autoriza o início da implantação da atividade. Licença de Operação (LO) – É emitida após a instalação dos equipamentos e toda a infraestrutura necessária à operação do empreendimento, bem como a implantação dos sistemas de controle de poluição hídrica, atmosférica e de resíduos sólidos, ruídos e vibrações. Com esta Licença, o empreendedor poderá iniciar a operação de suas atividades, devendo, porém, ter cumprido as condicionantes (exigências) anexas à Licença de Instalação. O prazo de validade dessa Licença varia de quatro a seis anos, sendo este prazo determinado pelo próprio órgão ambiental que defere o licenciamento. 1.4 CARACTERIZAÇÃO E DESTINO DOS RESÍDUOS DA PRODUÇÃO DE CACHAÇA E ÁLCOOL A compreensão do fluxograma de produção de derivados de cana é o passo inicial para o planejamento e gestão do conjunto de resíduos produzidos, sendo também condicionante para adaptar plantas agroindustriais ao correto manejo destes dejetos, desde a produção até o destino final, tanto para os rejeitos sólidos como para os rejeitos líquidos resultantes da manufatura. Neste sentido, o bagaço e as cinzas produzidos são oriundos de etapas diferentes do processo fabril. O bagaço é originado da moagem da cana-de-açúcar, que depois de estabilizado em ambiente coberto, para que haja a redução de líquidos capazes de promover a fermentação, poderá ser disposto em solo agrícola, apresentando-se como excelente material de cobertura de solo. Já as cinzas são produzidas a partir da combustão do próprio bagaço utilizado para aquecimento de caldeiras ou também da combustão de outras fortes de energia, a exemplo da lenha. As cinzas podem ser dispostas em solo agrícola após a redução da temperatura, não havendo a necessidade de nenhum processo adicional. A vinhaça é resultante da fermentação do caldo da cana-de-açúcar, que destilado resultará no produto desejado – etanol ou cachaça, e o restante representa o resíduo não aproveitável, frequentemente é disposto em solo agrícola após a redução da temperatura resultante do processo de destilação. A vinhaça é o produto de calda na destilação do licor de fermentação do álcool ou da cachaça da cana-de-açúcar, ou seja, é o líquido residual também conhecido regionalmente por restilo ou vinhoto (SILVA; GRIEBELER; BORGES, 2007). Este resíduo é conhecido em muitos países do mundo como subproduto na produção de álcool e bebidas alcoólicas 32 oriundas das mais diferentes matérias primas, a exemplo da cana-de-açúcar no Brasil, da beterraba na Europa, e do milho nos Estado Unidos. Da mesma forma como se origina dos mais diferentes materiais, também sua composição sofre alterações de propriedades químicas e biológicas peculiares a cada tipo de materiais que lhe dão origem. A vinhaça ou vinhoto é o principal resíduo resultante do beneficiamento da cana-deaçúcar em seus derivados – o etanol, o açúcar e a cachaça. De acordo com Silva, Griebeler e Borges (2007), para cada litro de etanol produzido restam entre 10 e 18 litros de vinhaça líquida. Para Oliveira et al. (2009), o volume residual da vinhaça na produção de cachaça artesanal ou industrial, libera, em média, entre 8 e 10 litros para cada litro de produto final manufaturado. Ainda de acordo com Silva, Griebeler e Borges (2007), o constituinte principal da vinhaça é a matéria orgânica, constituída basicamente por ácidos orgânicos e, em menores quantidades, por cátions como o potássio, o cálcio e o magnésio, sendo que sua riqueza nutricional está ligada à origem do mosto. Os mesmos autores relatam grandes desequilíbrios ambientais causados por esta disposição em mananciais e águas superficiais, causando a mortandade de peixes e outros animais. Em função disso há preocupação com o teor químico e biológico da vinhaça e o impacto causado ao meio ambiente pela sua disposição indiscriminada e inadequada. A partir dessas catástrofes surgiu o interesse de ambientalistas e estudiosos e, em alguns casos, das empresas causadoras, em reduzir os danos causados por detritos resultantes da produção de açúcar e, posteriormente, da produção de álcool. Freire e Cortez (2000) afirmam que a disposição dos resíduos da vinhaça de forma incorreta e indiscriminada na natureza pode causar a contaminação dos recursos hídricos, além de alterar as propriedades físicas e químicas do solo. A preocupação em reduzir ou neutralizar os impactos causados pela disposição deve ser uma preocupação preliminar de quem se propõe beneficiar cana, especialmente na produção de etanol e da cachaça. A vinhaça é constituída de um líquido de cor marrom escuro, mal cheiroso, de natureza ácida, de elevada Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO), corrosivo e altamente poluidor (CRUZ et al., 2008). É composta de aproximadamente 93% de água e 7% de sólidos. Dos sólidos, 75% são representados por matéria orgânica e 25% por compostos minerais diversos. Freire e Cortez (2000) sustentam que a disposição destes resíduos, em função de suas características fisico-químicas, de forma indiscriminada e sem controle no ambiente natural, pode causar severos impactos sobre o meio. Gloeden et al. (1991) e Hassuda (1989) destacam os constituintes da vinhaça que representam maior risco aos mananciais subterrâneos de água. 33 O cloro, o carbono, o amônio e o nitrogênio orgânico podem ser responsáveis, quando atingirem águas subterrâneas, por comprometerem a qualidade desses recursos hídricos; infiltrados no solo podem liberar em águas subterrâneas, a amônia, o magnésio, o alumínio, o ferro, o manganês e também matéria orgânica. Os mesmos elementos químicos encontrados na vinhaça e que lhe conferem a condição de poluente, aplicados de forma controlada podem apresentar benefícios ao solo como fertilizante. Entretanto, a alta concentração deste resíduo em limitado espaço físico pode causar desequilíbrio geofísico do solo, além contaminar águas superficiais e profundas em função de suas elevadas Demandas Biológicas de Oxigênio (DBO) e Demandas Químicas de Oxigênio (DQB), ressalta Gloeden et al. (1991). Outro fator que causa desequilíbrio ambiental é a falta de controle e a elevada temperatura de saída dos destiladores dos resíduos depositados na natureza (SILVA, GRIEBELER; BORGES, 2007). Freire e Cortez (apud SILVA; GRIEBELER; BORGES, 2007) afirmam que o alto poder fertilizante em função de sua composição química e biológica contrasta com a alta potencialidade poluidora e nociva à fauna, flora, microfauna e microflora das águas doces, além de afugentar a fauna marinha que vem às costas brasileiras para procriação. Hassuda (1989) apresenta as características do composto sólido da vinhaça. Destaca quantidades significantes de potássio, de nitrogênio, fósforo, cálcio e magnésio. Também destaca a presença de zinco, ferro, manganês e cobre, porém estes em quantidades menores. Para Silva, Griebeler e Borges (2007), a vinhaça é caracterizada como o efluente de destilarias com alto poder poluente e alto valor fertilizante. O poder poluente, cerca de 100 vezes maior que o do esgoto doméstico, decorre de sua riqueza de matéria orgânica, baixo pH, elevada corrosividade e altos índices de Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO). O quadro 1 apresenta a caracterização físico-química da vinhaça elaborado por Elia Neto e Nakahodo (1995), a partir de um estudo analítico de 64 amostras coletadas em 28 usinas no Estado de São Paulo. Conforme os autores, o teor ácido da vinhaça provoca, a partir da atividade microbiana por ela desenvolvida, a redução da acidez dos solos aonde são dispostos estes dejetos. 34 Quadro 1. Caracterização físico-química da vinhaça. Fonte: Elia Neto e Nakahodo (1995). Glória e Orlando Filho (1983) enumeram os seguintes efeitos da disposição da vinhaça no solo: a) elevação do pH; b) aumento da disponibilidade de alguns íons; c) aumento da capacidade de troca catiônica (CTC); aumento da capacidade de retenção de água; e e) melhoria da estrutura física do solo. Sustentam ainda que a vinhaça é agente de aumento da população e capacidade microbiana do solo. A matéria orgânica pode ser considerada fator importante na produtividade agrícola devido à influência que exerce sobre as propriedades químicas, físicas e biológicas do solo. 35 No momento em que esta matéria orgânica contida na vinhaça é incorporada ao solo, ela é colonizada por fungos, que a transformam em humos, neutralizando a acidez do meio e preparando, deste modo, o caminho para a proliferação bacteriana (SILVA; GRIEBELER; BORGES, 2007). Estes autores relatam a existência de estudos que comprovam o aumento da eficiência dos fertilizantes aplicados em associação com a vinhaça, favorecendo o desenvolvimento de microrganismos que atuam na mineralização e imobilização do nitrogênio e sua nitrificação, desnitrificação e fixação biológica, assim como de microrganismos participantes dos ciclos biogeoquímicos de outros elementos. De acordo com Neves, Lima e Dobereiner (1983), a distribuição de vinhaça nos solos e sua incorporação com a matéria orgânica podem permitir condições físicas adequadas, capazes de promover maior disponibilidade e mobilidade de nutrientes em função de a vinhaça apresentar-se de forma líquida e, portanto, mais solúvel. No entanto, Lyra, Rolim e Silva (2003) advertem para o aumento da salinização dos solos a partir da utilização da vinhaça associada com outros materiais orgânicos disponíveis no próprio solo e no caso da colheita da cana-de-açúcar sem a queima da palha, o que resulta em abundante volume de matéria orgânica. A salinização seria o resultado da aplicação prolongada, por muitos anos, de vinhaça nos solos agrícolas e a reduzida lixiviação de nutrientes, ou seja, o baixo arraste de sais minerais não absorvidos pelas plantas e, por consequência, o acúmulo residual nos solos superficiais. Outro problema correlato à mineralização deste efluente nos solos diz respeito à possibilidade de contaminação do lençol freático por nitrato. Madejón et al. (apud SILVA; GRIEBELER; BORGES, 2007) observam que embora os teores de nitrato se elevem nos solos a partir da retirada da vegetação, por advento da colheita, a lixiviação, ou seja, o arraste de nitratos para as camadas mais profundas é irrelevante e inexpressivo, tendo em vista que estes permanecem em camadas pouco profundas do solo. Os autores chamam a atenção para a necessidade de evitar a utilização de áreas próximas às nascentes d’água ou locais com lençol freático superficial. A preocupação com a contaminação de fontes de água superficiais e profundas é crescente e constante, assim como o aumento da demanda pelos combustíveis renováveis não fósseis que provocaram o aumento da produção de etanol e ou a transformação da cana-deaçúcar e outros derivados que apresentam a vinhaça como resíduo industrial. Canellas et al. (2003) relacionam a utilização da vinhaça e a contaminação de águas subterrâneas por potássio, decorrente do processo de lixiviação como pouco expressiva. Cunha et al. (apud SILVA; GRIEBELER; BORGES, 2007) já afirmavam muito antes que o acúmulo dos níveis 36 de potássio disponibilizados ao solo através de fertirrigação pela vinhaça, resultante da manufatura de derivados da cana-de-açúcar, se concentrava numa camada de solo aproximada de 0,40 a 0,50m de profundidade. Mesmo em solos com alta capacidade de infiltração, o arraste de potássio para as camadas mais profundas e o lençol freático foi insignificante. A dosagem da aplicação é fator determinante no equilíbrio da utilização da vinhaça como fertilizante. Glória e Magro (1977) discutem formas racionais de aplicação da vinhaça em solo agrícola com vantagens produtivas na substituição parcial ou total da adubação química, com o aproveitamento do teor de potássio contido nestes dejetos. Os autores comprovam que a redução ou neutralização dos impactos sobre o meio e o melhor aproveitamento como fertilizante são promovidos por doses menores. Neste contexto cabe discutir o custo viável para utilização de técnicas adequadas de distribuição em volume racional. O problema está ligado aos altos custos da frota, com combustíveis, lubrificantes, pessoal e manutenção, despendidos para transportar estes dejetos às áreas de aplicação. A questão da dosagem está diretamente ligada ao tipo de dejeto que vai ser distribuído. A UNESP (2007) discute a concentração da vinhaça, se diluída com águas residuárias, aquelas provenientes do processo limpeza, condensação, coluna barométrica e lavagem da cana. A vinhaça também pode ser concentrada, condição em que elimina um percentual de água por meio de processo específico. Cabe uma avaliação financeira dos custos envolvidos para aumentar a concentração de nutrientes, diminuindo o volume de água e o custo de transporte para os locais aonde serão dispostos em solo agrícola. O alto custo para aumentar a concentração pode inviabilizar o processo, sendo mais vantajoso o transporte e a disposição diluída. A distância entre as usinas e o local de disposição da vinhaça é outra variável que influencia e determina a conveniência financeira entre a distribuição concentrada ou diluída. A distância é fator que interfere no volume de vinhaça distribuída nas lavouras. A possibilidade de distribuição em locais próximos às usinas acaba determinando, em função dos custos de transportes, uma distribuição prioritária nestas áreas. Assim, é comum que ocorram excessos que podem comprometer os solos e, por consequência, as culturas destas áreas atingidas. Considerando a produção de um hectare de cana-de-açúcar, com potencial produtivo de 100 toneladas e aproveitamento de 70% após a moagem, e considerando uma produção média de 13 litros de vinhaça para cada litro de álcool, um hectare produz aproximadamente 65.000 litros de vinhaça não diluída e não concentrada. Este volume não é considerado excessivo, de acordo com Silva, Griebeler e Borges (2007). Assim, áreas com a cultura da 37 cana-de-açúcar podem receber, sem excessos, a vinhaça relativa aos materiais produzidos na mesma área. O custo de transporte pode onerar o processo, mas há vantagens na redução de impactos sobre o meio e na fertilização sem utilização de adubação química. Silva, Griebeler e Borges (2007) apresentam o resultado da aplicação a campo de 100 m³/ha e concluem que a adição deste volume de vinhaça ao solo na cultura da cana, com elevada concentração de potássio, atrasou consideravelmente a maturação da cultura, reduziu o teor de sacarose e o acúmulo de cinzas no caldo, em prejuízo de aproveitamento de materiais. Também há interesse no impacto que pode ser causado aos mananciais hídricos superficiais pela possível lixiviação de componentes químicos e biológicos deste subproduto oriundo do processo industrial, e ou a contaminação do lençol freático pela infiltração destes mesmos componentes para as camadas mais profundas dos solos. Em ambos os casos haverá uma interferência direta do tipo de solo e do seu poder de absorção e condutividade. Silva, Griebeler e Borges (2007) observam e expõem que a capacidade de infiltração de água de um solo é uma propriedade inerente e depende de sua granulometria, distribuição e tamanho dos poros, umidade antecedente à chuva, condição superficial do solo e presença de adensamento superficial. A retenção de águas ocorrerá em função do estado de saturação superficial oferecida pelos diferentes tipos de solo, mas dependerá também do microrrelevo superficial, rugosidade e declividade do terreno e, principalmente, todos estes fatores combinados pela presença ou não de vegetação de cobertura. A existência de uma vegetação de cobertura contribui de maneira decisiva para a retenção dos componentes químicos e biológicos contidos na vinhaça e o seu aproveitamento como nutriente pela vegetação. A retenção dos nutrientes evitando seu escoamento por deflúvio, fenômeno de escoamento das águas da chuva, permite que sejam aproveitados pela vegetação, objeto alvo da fertirrigação (SILVA; GRIEBELER; BORGES, 2007). A forma de disposição da vinhaça também é determinante no aproveitamento dos rejeitos como fertilizante com maior ou menor impacto sobre o meio. A UNESP (2007) faz um relato histórico do modelo de armazenagem e aplicação da vinhaça a partir dos anos 50 do século 20, ocasião em que se percebeu o maior impacto pela disposição inadequada da vinhaça na natureza. No princípio, o detrito resultante da produção de açúcar era ignorado e lançado na natureza sem qualquer controle. A partir das primeiras observações, com provas de danos ambientais pela poluição de rios e morte de peixes e outros animais, a gestão de resíduos da cana-de-açúcar tomou importância. Nesta época foram proibidos os lançamentos 38 em rios e córregos, dando origem às áreas de sacrifício, compostas por grandes lagoas, em áreas próximas às usinas, ficando estas áreas inutilizadas para a agricultura, em razão da salinidade do solo, resultante do depósito contínuo da vinhaça por longo período de tempo. A busca por formas mais adequada de lançamento da vinhaça, sua utilização como fertilizantes e o volume adequado dominam a preocupação de ambientalistas, empreendedores do segmento sucroalcooleiro e a sociedade. A pesquisa científica e as evoluções tecnológicas proporcionaram a associação de modernas técnicas de implantação e a manutenção da cultura da cana-de-açúcar. O plantio no sistema de sulcos em nível proporciona distribuição mais uniforme da vinhaça nos talhões. As barreiras criadas pelos sulcos permitem o armazenamento e a retenção dos materiais distribuídos. 1.5 NORMATIZAÇÃO E ASPECTOS LEGAIS DO MANEJO DE RESÍDUOS DE CANA A defesa dos interesses comuns nas relações sociais nem sempre pode aguardar pela iniciativa espontânea da consciência e da responsabilidade de quem por ventura cause danos ao meio ambiente pela disposição de dejetos oriundos dos processos produtivos. Ser competitivo significa produzir com menores custos. Isso implica racionar gastos, especialmente aqueles não ligados à produção e que, portanto, podem ser classificados como evitáveis. Para Soares e Porto (2009), os produtores geralmente não estão interessados nos possíveis danos que possam ser causados ao meio ambiente e pelos custos sociais externalizados a partir de suas atividades produtivas. Assim, as atividades produtivas, cuja emissão de dejetos e poluentes possa causar impacto ao meio ambiente, não podem aguardar pela espontaneidade de quem externaliza os ônus privados. O poder coercitivo do Estado deve normatizar a conduta desses produtores por meio de um conjunto de normas gerais e específicas atinentes à administração de resíduos resultantes dos processos de manufatura e dispostos no meio ambiente. A Fundação Estadual de Licenciamento Ambiental (FEPAM) desenvolve as atividades de Licenciamento Ambiental, tendo por base a Lei Federal nº 4.771/1965 – Código Florestal Brasileiro, e Lei Federal nº 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente, além da Lei Estadual nº 11.520/2000 – Código Estadual de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul e a Legislação do Conselho Estadual de Meio Ambiente (CEMA), especialmente as de nº 11/2000, 38/2003, 110/2005, 005/1998, 307/2002. No entanto, inexiste uma legislação própria que normatize a gestão de dejetos oriundos da indústria de derivados da cana-de-açúcar, em parte, justificada, pela existência de apenas uma usina de álcool sobre 39 território do Estado e também em função do pequeno porte dos demais estabelecimentos beneficiadores de produtos derivados da cana-de-açúcar. A falta de um conjunto de regras ou de estudos científicos que possam ser utilizados como indicadores de gestão dos dejetos da agroindústria da cana e seus derivados é suprida, mesmo que de forma precária, pela legislação similar apoiada em estudos científicos da Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB). Em publicação a respeito, a Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) editou o Procedimento nº 4.231, de 2006 – Vinhaça – Critérios e Procedimentos para Aplicação no Solo Agrícola, por meio do qual faz uma relação da legislação vigente e estabelece os critérios e procedimentos para armazenamento, transporte e aplicação da vinhaça gerada pela produção sucroalcooleira no processamento de cana-de-açúcar, no solo do Estado de São Paulo. A limitação territorial da normatização não deixa de ser um indicativo importante para ser observado pelas outras unidades da federação, adotando procedimentos correlatos, apoiados em estudos aprofundados daquele órgão em análise do impacto causado pela disposição desordenadas dos dejetos. A normatização brasileira está apoiada na Lei n. 4.771, de 15 de setembro de 1965, que edita o Código Florestal brasileiro. Além desta lei, a Resolução nº 15, do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), de 01 de junho de 2001, estabelece as diretrizes para a gestão integrada das águas superficiais, subterrâneas e meteóricas. A Portaria do Ministério do Interior, nº 158, de 3 de novembro de 1980, que dispõe sobre o lançamento de vinhoto em coleções hídricas e sobre efluentes de destilarias e usinas de açúcar, também integra a legislação aplicável à gestão de dejetos em solo agrícola. De acordo com a normatização da CETESB (2006) e da técnica de fertirrigação, a área de armazenagem provisória dos efluentes, assim como a área em que será disposta definitivamente a vinhaça, não pode estar contida em Áreas de Preservação Permanente, assim definidas pelo Código Florestal brasileiro, toda área enquadrada nos arts 2º e 3º da Lei nº 4.771, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. Igualmente não pode se instalar em áreas de Reserva Legal, definida no Código Florestal brasileiro, Lei Federal nº 4.771 e alterado pela Lei Federal nº 7.803 de 18 de julho de 1989 e pelas medidas provisórias 2.166 e 2.167, de 2001. E tampouco nos limites da zona de amortecimento definidos para as Unidades de Conservação e Proteção Integral, definidas pela Lei Federal nº 9.985 de 18 de julho de 2000, que compreende as Estações Ecológicas, as Reservas 40 Biológicas, os Parques Nacionais, os Monumentos Naturais e os Refúgios da Vida Silvestre. No caso de Áreas de Proteção Ambiental, a aplicação da vinhaça não poderá estar em desacordo com os seus regulamentos ou em casos destas áreas ainda não estarem regulamentadas, a aplicação da vinhaça deverá ser aprovada pelo seu órgão gestor. Em relação às Áreas de Preservação Permanente deve ser respeitada a distância de seis metros para aplicação da vinhaça. As Áreas de Preservação Permanente, definidas pelo Código Florestal Brasileiro de 1965, determinam a largura de 30 metros para matas ciliares em cursos d’água com até 10 metros de largura; a largura de 50 metros nas margens de rios entre 10 e 50 metros de largura, e ao redor de nascentes de qualquer dimensão; a largura de 100 metros nas margens de rios entre 50 e 200 metros de largura; a largura de 200 metros para rios entre 200 e 600 metros de largura; a largura de 500 metros nas margens de rios com largura superior a 600 metros; a largura 100 metros nas bordas de chapadas. Além dessas condições, a regulamentação da CETESB (2006) ainda prevê a proibição da aplicação de vinhaça em Áreas de Proteção de Poços ou em áreas em que a profundidade do aquífero livre, no momento da aplicação da vinhaça, seja de, no mínimo, 1,50 metros. A normatização também proíbe a aplicação dos resíduos da vinhaça provenientes das destilarias e usinas em área de domínio das ferrovias e rodovias federais e estaduais, ou de área com menos de 1000 metros de distância do perímetro urbano de concentrações populacionais. A mesma regulamentação disciplina a aplicação da vinhaça em áreas de declive. Em áreas com declividade menor que 15% não há regramento ou recomendação, mas para áreas com declividade igual ou superior deverão ser adotadas medidas adequadas para evitar a erosão. Para estes casos é recomendada, além das práticas conservacionistas, a escarificação do solo. Ainda, se após este procedimento continuar o solo com capacidade limitada de absorção, a distribuição deverá ser parcelada. A capacidade de absorção do solo deve ser superior às doses distribuídas, permitindo que haja a absorção integral da vinhaça disposta. Em relação aos tanques de armazenamento provisório, para posterior distribuição definitiva em solo agrícola através da fertirrigação, deverão ser observadas normas relativas à impermeabilização destes locais. Nesta proteção deverá ser utilizada geomembrana ou material com efeito superior a esta. Também deverão ser posicionados quatro poços de monitoramento (um a montante e três a jusante), localizados de acordo com o mapa potenciométrico e construídos conforme a norma NBR 13.895:1997. A implantação de drenos-testemunha, no entanto, dispensa a instalação de poços de monitoramento. Em relação a estes poços de monitoramento ou os drenos-testemunha, deverão ser determinados os 41 seguintes parâmetros, devendo os mesmos atender aos padrões da legislação pertinente em relação à: pH, dureza, sulfato, manganês, alumínio, ferro, nitrogênio nitrato, nitrogênio nitrito, nitrogênio amoniacal, nitrogênio Kjeldhal, potássio, cálcio, cloreto, sólidos dissolvidos totais, condutividade elétrica e fenóis totais. A observação deverá ocorrer em amostragens semestrais, cuja metodologia de análise deve considerar os procedimentos consagrados para suas versões vigentes. No caso específico da legislação criada para o Estado de São Paulo, haverá o monitoramento dos resultados pelos órgãos gestores da própria CETESB, comparados e de acordo com os padrões de potabilidade estabelecidos na Portaria do Ministério da Saúde nº 518, de 25/03/2004. A normatização pela CETESB (2006) no Estado de São Paulo suspendeu as utilizações e vetou a criação das chamadas áreas de sacrifício, entendidas por reservatórios naturais, canais mestres e canais de condução sem impermeabilização por geomembrana ou outro material substituto com qualidade superior. Os reservatórios, assim como os canais, têm a função de armazenar os dejetos que serão distribuídos em solo agrícola, no entanto, sofrem maior impacto da carga de poluente da vinhaça. A mesma norma prescreve ainda a necessidade de avaliação do solo e das águas das áreas de sacrifício, com o intuito de avaliar a qualidade da água e sua contaminação por meio de poço, na proporção de 1 para cada 5.000 metros quadrados de reservatório. Estes poços de monitoramento instalados devem ter seção filtrante com comprimento máximo de dois metros, instalada na parte superficial do aquífero freático. As amostras coletadas devem ser analisadas e comparadas com os padrões de potabilidade da água, de acordo com a Portaria nº 518/04 do Ministério da Saúde. A publicação normativa da CETESB (2006) estabelece também normas específicas que faz previsão de um Plano de Aplicação de Vinhaça para enriquecimento de solo agrícola. As usinas devem apresentar antecipadamente e terem aprovados pela própria CETESB um memorial descritivo da prática de aplicação pretendida, acompanhado de plano com escala de 1:20.000 ou superior, contendo as taxas indicativas de dosagem a serem aplicadas em m³/ha, diferenciadas em cores, com intervalos de aplicações a cada 150m³/ha. As plantas e planilhas que compõem o memorial descritivo devem indicar, no mínimo: a localização dos tanques de armazenamento e dos canais mestres ou primários de uso permanente de distribuição; a localização dos cursos d’água; poços utilizados para abastecimento; dados da geologia e hidrogeologia local; resultados analíticos dos solos; as áreas de interesse ambiental e forma e dosagem de aplicação de vinhaça. A concentração indicada pela normatização da CETESB (2006) leva em consideração o limite de potássio no solo que não pode exceder a 5% da Capacidade de Troca Catiônica 42 (CTC). Quando esse limite for atingido, a aplicação de vinhaça ficará restrita à reposição deste nutriente em função da extração média pela cultura, que é de 185 kg de K2O por hectare, por corte. Para aplicação como fertilizante esta vinhaça deve ser caracterizada quanto aos seguintes parâmetros: pH, resíduo não filtrável total, dureza, condutividade elétrica, nitrogênio nitrato, nitrogênio nitrito, nitrogênio amoniacal, nitrogênio Kjeldhal, sódio, cálcio, potássio, magnésio, sulfato, fósforo total, DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio) e DQB (Demanda Química de Oxigênio). A influência do tipo de solo que receberá a aplicação da vinhaça também deve ter sua constituição química analisada. Esta amostra determinará o tipo de solo e a capacidade de troca catiônica que demandará o volume de potássio a ser atendido pela disposição da vinhaça. 1.5.1 Outras alternativas de destinação da vinhaça As formas alternativas para a utilização da vinhaça vêm despertando um crescente interesse de estudiosos, pesquisadores e empresários do segmento sucroalcooleiro na tentativa de encontrar um meio econômico-financeiro viável e ambientalmente correto na gestão dos resíduos provenientes da industrialização dos derivados da cana-de-açúcar, especialmente do açúcar, do etanol e da cachaça. A identificação da viabilidade econômica relativa à demanda de mercado para os bens e serviços oriundos dessas formas alternativas de gestão de dejetos e a viabilidade financeira a partir do equilíbrio entre benefícios e custos envolvidos no processo são premissas básicas. Salomon (2007) desenvolveu estudo para aproveitamento da vinhaça na produção de biogás em sistema de biodigestores, obtendo ótimos resultados, confirmando vantagens não somente ao meio ambiente, mas também na questão do gerenciamento dos resíduos no país, aumento de emprego e geração de eletricidade, etc. O plano de viabilidade econômica, no Brasil, é sustentado por um potencial de demanda de energia que pode ser suprido pela utilização do biogás, visto que a viabilidade econômica desta tecnologia seria possível em locais com altas taxas de produção de biogás. Com isso, parte desta energia seria utilizada na própria instalação onde se produziu o biogás e a outra parte poderia ser vendida à concessionária de energia elétrica local. Ainda de acordo com Salomon (2007), a geração de biogás e, consequentemente, a energia proveniente da biodigestão da vinhaça, são apresentadas como alternativa de tratamento da vinhaça no Brasil. O processo traz ainda benefícios como a utilização de uma fonte alternativa de energia a partir de um gás combustível, valorização do resíduo, redução 43 de odores e ainda geração de um efluente fertilizante. Por outro lado, a biodigestão anaeróbia da vinhaça não reduz o principal problema enfrentado no processo de adubação do solo que é a não redução do teor de potássio no efluente. O seu potencial poluidor, que é o teor de matéria orgânica, é reduzido no processo, mas os nutrientes permanecem. Acredita-se que esta seja a principal razão para as usinas não utilizarem a biodigestão anaeróbia das vinhaças. Pompermayer e Paula Júnior (2003) realizaram uma análise técnico-econômica da produção brasileira de biogás a partir da biodigestão anaeróbia da vinhaça da cana-de-açúcar. A avaliação foi baseada em três alternativas de aproveitamento do biogás gerado: a) todo o biogás usado em veículos, após purificação e compressão; b) todo o biogás usado em caldeiras e o efluente tratado disposto como fertilizante na plantação de cana-de-açúcar; c) 1/3 do biogás usado em veículos e o restante queimado em caldeiras e o efluente disposto como fertilizante na plantação de cana-de-açúcar. Tomaram-se como referência as duas primeiras alternativas e compararam-se os custos de produção do biogás com os preços de alguns energéticos potencialmente concorrentes. Os resultados indicam grande potencial de produção e competitividade com vários energéticos, particularmente os de origem fóssil. Entretanto, problemas podem ocorrer na comercialização da energia elétrica produzida com combustão do gás produzido por biodigestores movidos por vinhaça. A descontinuidade, analisando a produção concentrada nas safras da cana e a estagnação na entressafra, prejudica o fluxo de fornecimento e qualquer negociação envolvendo um fornecimento descontinuado. As concessionárias de energia necessitam de qualidade de energia e de fornecimento contínuo, o que na utilização de energia proveniente do biogás se torna difícil, além de apresentar um valor de venda de eletricidade mais cara (SALOMON, 2007). A utilização da vinhaça não fica restrita à técnica de fertirrigação para uso no solo agrícola, especialmente para a cultura da cana-de-açúcar. Diversos trabalhos prescrevem a possibilidade de utilização da vinhaça como suplemento alimentar em rações para ruminantes na forma de leveduras concentradas ou adicionada ao bagaço da cana proveniente do mesmo processo produtivo do açúcar, do etanol ou de bebidas destiladas à base de cana, a exemplo da cachaça. Lacorte, Bose e Ripoli (1989) descrevem experimentos que utilizaram a levedura seca concentrada da vinhaça adicionada ao bagaço de cana-de-açúcar auto-hidrolizado (BAH), administrada para bovinos em regime de confinamento. Para proporcionarem ganhos de peso de um kg por dia, as rações formuladas continham 50% de BAH como fonte de volumoso. Como fonte de proteína a experiência utilizou três materiais distintos: farelo de algodão, levedura da vinhaça seca e vinhaça concentrada na proporção 12,7%. A estas fontes de proteínas foram adicionados 17,8% de milho e 12,7% de cana-de-açúcar in natura, picada 44 como volumoso complementar. Os resultados são indicativos de que a utilização da vinhaça associada ao bagaço auto-hidrolizado são formas de dar um destino equilibrado e viável do ponto de vista socioambiental. Lacorte, Bose e Ripoli (1989) relatam ainda que os melhores resultados foram obtidos pela adição do farelo de algodão, com ganho diário de 0,843 kg/dia, e da levedura seca de vinhaça, de 0,989 kg/dia, adicionados às rações que utilizaram o BAH como material volumoso. 1.5.2 Destino do bagaço da cana-de-açúcar O bagaço proveniente da industrialização da cana-de-açúcar em seus derivados sempre representou preocupação para as empresas produtoras em função do significativo volume, que representa 25% a 30% da cana processada. Esta preocupação se deve muito mais pelo espaço ocupado pelo resíduo do que pelo seu potencial contaminante, Botão e Lacava (2003) afirmam que o resíduo proveniente da moagem da cana não apresenta impactos significativos ao meio ambiente. Composto basicamente por fibras de celulose, o bagaço apresenta degradação relativamente rápida, em média de dois a três anos, graças à ação macro e microbiana em condições ambientais ideais de umidade, temperatura e insolação. Algumas áreas utilizadas para sua decomposição, no entanto, tendem a ficar inutilizadas para o cultivo por tempo relativamente maior em função do excesso de matéria orgânica remanescente e de difícil remoção. A utilização do bagaço de cana-de-açúcar como alimentação de ruminantes, na forma in natura, apresenta restrições devido à baixa digestibilidade em função do grande volume de fibras lignocelulósicas que compõem este volumoso (LACORTE; BOSE; RIPOLI, 1989). A sua utilização para consumo animal demanda a necessidade de aumentar a digestibilidade e a palatabilidade destes materiais. O bagaço oriundo das destilarias de cachaça, muito em função da utilização de tecnologias menos avançadas para extração do caldo da cana, possui um teor de palatabilidade melhor do que aqueles materiais provenientes de usinas de açúcar e álcool, de porte maior e que utilizam tecnologias mais avançadas. Estas realizam moagem da cana triturada e a posterior lavagem a quente, para uma última prensagem, determinando aproveitamento dos materiais muito superior às pequenas beneficiadoras. Enfim, a falta de palatabilidade e digestibilidade deve ser compensada por processo químico que transforme estes materiais em condições de uso como ração animal. Uma das formas mais utilizadas, de acordo com Lacorte, Bose e Ripoli (1989), é a auto-hidrolização do bagaço mediante um processo que submete estes materiais a uma alta pressão e alta temperatura por determinado 45 tempo, para em seguida promover uma rápida descompressão. De acordo com os autores, o bagaço que passou pelo processo de auto-hidrolização apresenta, se comparado com o bagaço in natura, uma diminuição considerável do teor de Fibra Detergente Neutro (FND). Isso está relacionado, provavelmente, ao desaparecimento da hemicelulose; acréscimo no teor de extrato etéreo; manutenção inalterada dos níveis de celulose, lignina e proteína; redução da fibra bruta e incremento no teor extrativo não nitrogenado. Lacorte, Bose e Ripoli (1989) mencionam certos limites para o resultado conclusivo de utilização do BAH como ração animal, podendo variar entre 32% e 60% da matéria seca da ração a ser administradas aos bovinos. Há bastante tempo o bagaço já vem sendo utilizado como fonte de energia nas usinas produtoras de derivados da cana-de-açúcar. Batistelle, Marcílio e Lahr (2005) observam que o bagaço tem sido importante fonte de combustão em usinas geradoras de energia que movimentam a força propulsora de moendas e outras utilizações que geram o bagaço. Botão e Lacava (2003) enumeram várias formas de utilização de bagaço de cana para geração de energia: como meio de combustão das caldeiras que produzem energia térmica que movimenta os destiladores que, por sua vez, transformam o mosto1, ou ainda como energia térmica no processo de secagem e desidratação do açúcar nas usinas. A energia térmica, a princípio, pode ser transformada em energia hidráulica que passa, através da pressão do vapor d’água, a movimentar turbinas e geradores, transformando-a em energia elétrica. Segundo Botão e Lacava (2003), o processo de combustão desse bagaço, sob a ótica do impacto ambiental, possibilita o aumento da poluição ambiental pela descarga de dióxidos e monóxidos de carbono na atmosfera. Ainda assim os autores enaltecem a menor carga tóxica destes poluentes se comparado àqueles produzidos pela queima de combustíveis fósseis, muito superiores aos produzidos pela energia oriunda das hidroelétricas. Botão e Lacava (2003) observam que, apesar dos impactos causados pelos poluentes gasosos depositados na atmosfera e das cinzas resultantes a serem utilizadas em solo agrícola para reduzir a acidez, a utilização do bagaço tem se mostrado uma alternativa econômica para gerar energia térmica e hidráulica nas usinas e destilarias. O impacto ao meio ambiente tende a ser amenizado quando analisada a não utilização de combustíveis fósseis e sua elevada carga poluente ou a manutenção de florestas, ainda que resultantes de reflorestamentos, que deixam de ser utilizadas para produzir energia nas usinas e destilarias. 1 Mosto: produto obtido a partir do caldo da cana-de-açúcar fermentado, cujo processo de manufatura resultará no etanol ou na cachaça e como resíduo a vinhaça (BOTÃO; LACAVA, 2003). 46 Batistelle, Marcílio e Lahr (2005) estudam a utilização do bagaço, aproveitando suas propriedades lignocelulósicas para, associadas com as folhas do bambu da variedade Dendrocalamus giganteus, produzirem chapas de aglomerado. A alternativa de utilização do bagaço da cana-de-açúcar associada ao bambu representa ganhos ambientais incalculáveis. A disponibilidade e a abundância de materiais, em função da adaptabilidade climática e a facilidade de produção tanto da cana quanto do bambu, oferecem a perspectiva de uma fórmula de sucesso na manufatura de chapas de aglomerado. Um dos fins mais comuns dados ao bagaço da cana-de-açúcar está relacionado à produção de papel, seja por meio de modernos processos, transformando os dejetos em papeis de alta qualidade, seja através de utilização de técnicas artesanais para produzir papel decorativo, ambos com grande demanda no mercado consumidor. Associar a preocupação ambiental e o aproveitamento de resíduos para atender uma demanda de mercado cumpre dupla função, com eficácia, no campo econômico e no campo socioambiental. 1.5.3 As cinzas do bagaço da cana e suas aplicações Na condição de maior produto mundial de cana, o Brasil tem desempenhado importante papel no desenvolvimento tecnológico para o aproveitamento tanto dos produtos quanto dos subprodutos derivados do processo industrial de beneficiamento e transformação da cana em produtos derivados. Do aproveitamento do bagaço da cana-de-açúcar na coogeração de energia nas usinas de açúcar e álcool tem resultado a produção de 20 a 30 kWh por tonelada de cana processada, como energia elétrica e mecânica (FEITOSA et al., 2009). Da coogeração de energia, a partir do bagaço da cana resultam como resíduos as cinzas, que representam importante função no contexto da reciclagem. De acordo com Cordeiro (2005), as cinzas são constituídas predominantemente por dióxido de silício (SiO2). O teor desse componente químico é considerado benéfico quando a sílica e/ou silicato de alumínio encontra-se em estado amorfo, considerando que ao longo do tempo têm-se reações que formam silicatos de cálcio hidratados, importantes para resistência mecânica de pastas, argamassas e concretos, quando estas cinzas são utilizadas para como componente de cimento portland. O desenvolvimento científico tem contribuído de forma decisiva na redução do impacto da disposição de resíduos no meio ambiente resultantes da industrialização. Para Souto (2010), nos últimos anos a ciência tem dedicado grande atenção ao aquecimento global. A emissão direta de dióxido de carbono na atmosfera tem sido apontada como o principal 47 fator responsável pelo aquecimento global, sendo a indústria cimenteira responsável por 7% de todas as emissões de CO2 do mundo. Com o objetivo de minimizar estes índices de emissões de CO2, bem como as consequências do aquecimento global, pesquisas vêm sendo desenvolvidas com o intuito de reduzir o volume de cimento produzido no Planeta através de adições minerais, com destaque para o emprego dos resíduos da agroindústria (cinza da casca do arroz e cinza de bagaço da cana), que somaram no Brasil, em 2010, um volume de 3,5 milhões de toneladas. Além dessa possibilidade de emprego, as cinzas de bagaço de cana, por serem ricas em nutrientes, podem ser aproveitadas em solos com baixa fertilidade natural, melhorando as suas características físico-químicas (FEITOSA et al., 2009). De acordo com Malavolta (2001), para cada 1000 kg de cana de açúcar são gerados, em média, 550 kg de bagaço e 16,5 kg de cinza. Quando aplicada como fertilizante ao solo, a sílica encontrada nas cinzas do bagaço da cana-de-açúcar é apontada como uma alternativa no manejo de doenças patogênicas e ataque de pragas com reflexos sobre a produtividade, especialmente em relação à sanidade. Acreditase que o silício proporcione maior resistência às paredes das células, tornando-as menos vulneráveis às enzimas de degradação (KORNDÖRFER, 1995). De acordo com Feitosa et al. (2009), as cinzas do bagaço da cana se destacam como eficiente fonte de potássio. No entanto, os autores ressaltam a necessidade de estudos que indiquem a sua melhor forma de aplicação, assim como a utilização das cinzas como fertilizante nos mais diferentes tipos de solos, considerando a possibilidade de alterações dos resultados do aproveitamento a partir dessas diferentes características de cada solo. 48 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O presente estudo partiu de um levantamento de dados cujo objetivo foi identificar práticas produtivas que impactam o meio ambiente pela disposição inadequada de dejetos líquidos, especialmente a vinhaça, resultante do processo de destilação do álcool e da cachaça, e dos dejetos sólidos resultantes do processo, identificados como o bagaço da cana-de-açúcar e as cinzas resultantes da combustão responsável pela energia térmica necessária para a destilação. A partir desta caracterização procurou-se analisar e discutir alternativas econômicas e financeiras viáveis para atenuar o impacto provocado pela disposição no ambiente de dejetos resultantes da produção artesanal ou industrial dos derivados da cana-deaçúcar pelos estabelecimentos produtores da região Noroeste-Missões do Rio Grande do Sul. 2.1 CARACTERIZAÇÃO METODOLÓGICA De acordo com enquadramento de Vergara (2000), as pesquisas classificam-se quanto aos fins e quanto aos meios. Quanto aos fins a pesquisa pode é considerada aplicada, pois a partir da identificação do impacto causado pela disposição de dejetos, analisou-se e discutiuse a aplicação de alternativas com viabilidade econômica e financeira para internalizar os custos, atenuando os efeitos nocivos da disposição de resíduos no meio ambiente, oriundos dos estabelecimentos artesanais e industriais de derivados da cana-de-açúcar na região Noroeste-Missões do Rio Grande do Sul, especialmente a cachaça e o álcool. A pesquisa tem também caráter descritivo, pois a partir da descrição pormenorizada das características dos estabelecimentos implicados identificou e discutiu alternativas econômicas e financeiras viáveis de gestão de dejetos resultantes da manufatura de produtos derivados da cana-de-açúcar. Quanto aos meios, a pesquisa pode ser classificada como pesquisa de campo, documental e bibliográfica. Como pesquisa de campo, o estudo se ocupou de buscar in loco os dados junto aos estabelecimentos produtores, por meio de enquete, identificando: dados que caracterizam o estabelecimento; tipo de produtos manufaturados; natureza das operações; volume de produção anual; destino dado aos dejetos; potencial econômico das atividades; e volume de negócios do estabelecimento. A partir dos instrumentos de coleta de dados foi possível identificar a localização do estabelecimento e a concentração de estabelecimentos por área ou município; a natureza das atividades; o volume de produção e estimar o potencial poluidor; a forma de manejo dos 49 rejeitos; e, por fim, o potencial econômico dos estabelecimentos para adotar e adaptar técnicas de manejo consideradas mais adequadas. Como pesquisa documental o estudo utilizou-se de dados e informações da produção, em relação aos custos e benefícios relativos aos processos de gestão de dejetos sólidos, líquidos e gasosos oriundos do processo produtivo, assim como a legislação ambiental vigente – leis, decretos, regulamentos e portarias que normatizam a gestão de dejetos industriais, especificamente aqueles oriundos da manufatura da cana-de-açúcar e seus derivados. E, finalmente, como pesquisa bibliográfica, o estudo sistematizado teve por base as publicações de artigos de periódicos científicos, livros, revistas técnico-científicas, jornais e rede eletrônica, assim como outros materiais disponíveis sobre o assunto. 2.2 CARACTERIZAÇÃO DOS EMPREENDIMENTOS E DOS IMPACTOS DO PROCESSAMENTO DE CANA PARA PRODUÇÃO DE ÁLCOOL E CACHAÇA 2.2.1 Coleta de dados A coleta de dados foi realizada de maneira informal a partir de questionário semiestruturado, a fim de identificar a natureza da atividade (produção de cachaça ou álcool) e o volume potencial de produção de materiais (área ocupada pela cana-de-açúcar e o potencial de produção específico de cada talhão dentro da mesma propriedade), possibilitando uma estimativa de produção média de materiais cultivados pelo estabelecimento. A fidedignidade dos dados levantados guarda relação direta com a forma utilizada no levantamento. Como a maioria dos empreendedores produz na informalidade, em que pese ignorar todas as normas sanitárias, e às expensas do erário público no que tange ao recolhimento de tributos, qualquer maneira formal de coleta de dados em que o entrevistado se sentir um “confessor” de dados do seu modelo produtivo, pode levá-lo a distorcer as informações prestadas e comprometer a natureza das informações. Para evitar esta situação foi projetada a aplicação de um instrumento de questionamento não formalizado (em apêndice), mas preenchido pelo entrevistador, após uma conversa informal e a visita in loco, em que foram evidentes algumas constatações da real situação dos estabelecimentos e do tratamento dado aos dejetos produzidos, assim como do potencial poluidor destes estabelecimentos pesquisados. A coleta de dados contou com o apoio da Secretaria de Agricultura e/ou EMATER de cada município, buscando assegurar uma relação de confiança, tendo em vista o fato de que o 50 entrevistador não era conhecido da maioria dos entrevistados, mantendo uma relação amistosa e de reconhecimentos profissional e funcional. A coleta de dados foi composta de uma enquete informal, visando a atender os quesitos que identificam: os dados de identificação do empreendedor e sua localização, de forma que foi possível mensurar a concentração de estabelecimentos congêneres por espaço territorial; a natureza das operações para que se identifique o modelo de produção entre o artesanal e o industrial; o volume de produção anual de forma que seja possível conhecer a área de cultivo da cana-de-açúcar, se próprio ou de terceiros, identificando a distância entre o local de produção e o beneficiamento, assim como o volume de produção anual a fim de avaliar o potencial poluidor; o destino dado aos dejetos líquidos e sólidos identificados pela vinhaça, o bagaço e as cinzas oriundas do processo de produção; o potencial econômico das atividades e a capacidade instalada e capacidade para expansão dos estabelecimentos. O diagnóstico foi realizado em 24 municípios da região Noroeste-Missões do Rio Grande do Sul, com observação e levantamento de dados em todos os estabelecimentos possíveis de serem identificados e localizados. Figura 1. Localização da área de abrangência – municípios com produção canavieira para produção de álcool e cachaça. Região Noroeste-Missões do RS, 2012. Fonte: adaptado do Mapa Rota-Missões e Rota-Rio Uruguai (2012). 51 O processo envolveu os municípios de Bossoroca (1), Caibaté (2), Campinas das Missões (4), Cândido Godoi (28), Cerro Largo (3), Entre Ijuís (5), Giruá (8), Guarani das Missões (9), Pirapó (11), Porto Lucena (26), Porto Xavier (12), Roque Gonzales (14), Salvador das Missões (15), Santa Rosa (31), Santo Ângelo (16), Santo Cristo (29), São Borja (não consta no mapa), São Miguel das Missões (19), São Luís Gonzaga (18), São Pedro do Butiá (22), Senador Salgado Filho (30), Sete de Setembro (23), Vitória das Missões (24) e Ubiretama (25), num total de 49 estabelecimentos produtores, dos quais 48 produtores de cachaça e um produtor de álcool. 2.2.2 Características da produção de cana na região Noroeste-Missões A amostra identificou o cultivo total aproximado de 2030,30 hectares de cana-deaçúcar, dos quais 1.820 hectares respondem por um volume potencial aproximado de 140.000 toneladas que atendem à produção da única usina de álcool da amostra. A produção de cachaça, a partir dos 48 estabelecimentos produtores, corresponde a um potencial para produção de 13.360 toneladas de matéria-prima produzida em 200,30 hectares, o que representa uma média de 4,09 hectares por estabelecimento. Outro fator importante a ser observado é o volume médio de cana produzida por hectare na região e que atende à produção de cachaça e de álcool. Enquanto a média entre os 80 produtores de cana-de-açúcar que atendem a usina de produção de etanol é de aproximadamente 76,9 toneladas por hectare, os produtores de cachaça obtêm média inferior, em torno de 66,7 toneladas por hectare. Esta diferença pode estar associada à utilização da fertilização das lavouras destinadas à produção de álcool. A usina, por iniciativa própria, e também em atendimento a adequações ambientais, desenvolve programa de distribuição da vinhaça nos talhões pela técnica de fertirrigação, além de um programa de manejo de fertilidade, orientado pelo corpo técnico da cooperativa que coordena a atividade produtiva da usina. 52 Produção líquida total (l) Álcool Cachaça Bossoroca a 3,4 180.000 22.000 Caibaté a 6,5 600.000 65.000 a 11,5 1.000.000 120.000 Campinas das Missões b 2,5 250.000 30.000 Cândido Godoi a 2,5 160.000 20.000 a 2,5 1.600.000 20.000 Cerro Largo b 1 80.000 10.000 c 1,5 120.000 15.000 Entre Ijuís a 1,5 100.000 12.000 Giruá a 1,2 70.000 8.000 a 3,5 300.000 35.000 Guarani das Missões b 4,5 330.000 40.000 c 2 120.000 15.000 a 4,5 420.000 50.000 Pirapó b 2 160.000 20.000 a 16 540.000 65.000 b 12 670.000 80.000 c 8,5 580.000 70.000 Porto Lucena d 7 420.000 50.000 e 5 330.000 40.000 f 7,5 380.000 45.000 a 690 50.000.000 3.000.000 b 5 330.000 40.000 Porto Xavier c 3,5 120.000 15.000 d 3,5 200.000 25.000 a 1142 90.000.000 5.500.000 Roque Gonzales b 8 50.000 60.000 a 6 460.000 55.000 Salvador das Missões b 2,4 200.000 25.000 a 2,6 160.000 20.000 Santa Rosa b 1 80.000 10.000 a 2 165.000 20.000 Santo Ângelo b 2,5 165.000 20.000 Santo Cristo a 3,2 250.000 30.000 São Borja a 8 380.000 45.000 São Miguel das Missões a 6 410.000 50.000 a 3,1 120.000 15.000 São Luiz Gonzaga b 1,5 70.000 8.000 a 4 300.000 35.000 São Pedro do Butiá b 2,6 120.000 15.000 a 3 120.000 15.000 b 4 200.000 25.000 Senador Salgado Filho c 2,5 80.000 10.000 d 1,5 160.000 20.000 Sete de Setembro a 3,5 160.000 20.000 a 3,8 250.000 30.000 Vitória das Missões b 3 160.000 20.000 a 3,5 160.000 20.000 Ubiretama b 2 80.000 10.000 TOTAL 49 2030,3 153.360.000 8.500.000 1.490.000 Quadro 2. Caracterização da produção de cana destinada à aguardente e etanol na região Noroeste-Missões do Rio Grande do Sul, 2012. Fonte: dados da pesquisa (2012). Município Unidades produção Área plantada (ha) Volume de produção (t) 53 2.2.3 Localização geográfica das unidades produtoras em relação aos mananciais hídricos e potencial de contaminação ambiental A mensuração dos possíveis impactos a serem causados por disposição incorreta dos dejetos oriundos da produção de álcool e cachaça, especialmente os dejetos líquidos no qual prepondera a vinhaça, está diretamente ligado à localização das indústrias e agroindústrias em relação a rios, lagos, córregos, nascentes e lençóis freáticos superficiais. A falta de adoção de qualquer uma das medidas de gestão adequada de resíduos industriais, especialmente da vinhaça, pode provocar a contaminação por lixiviação dos corpos hídricos. A localização de indústrias e agroindústrias próximas a mananciais hídricos aumenta potencialmente o risco de arraste e contaminação (SILVA; GRIEBELER; BORGES, 2007). A pesquisa identificou a distância média entre as unidades beneficiadoras e os mananciais hídricos de rios, lagos, nascentes e lençóis freáticos superficiais para identificar os riscos potenciais no manuseio e armazenagem próximas a estes mananciais. A figura 2 representa as distâncias específicas de cada uma das unidades produtoras – a usina de álcool e as destilarias de cachaça – e os mananciais hídricos mais próximos, representados por nascentes, córregos, açudes, rios e lençóis freáticos superficiais. Figura 2. Distâncias médias entre os mananciais hídricos e as unidades produtoras de álcool e cachaça na Região Noroeste-Missões (RS), 2012. Fonte: dados da pesquisa (2012). Neste aspecto foi possível identificar que a distância média entre as unidades beneficiadoras e estes mananciais é de, aproximadamente, 123 metros. Este dado é 54 especialmente relevante se considerado que apenas duas destilarias de cachaça fazem o armazenamento dos dejetos líquidos. A legislação brasileira, por intermédio da Lei Federal nº 4771/1965 – Código Florestal brasileiro – prescreve a respeito das Áreas de Preservação Permanente (APP): a largura de 30 metros para matas ciliares em cursos d’água com até 10 metros de largura; a largura de 50 metros nas margens de rios entre 10 e 50 metros de largura, e ao redor de nascentes de qualquer dimensão; a largura de 100 metros nas margens de rios entre 50 e 200 metros de largura; a largura de 200 metros para rios entre 200 e 600 metros de largura; a largura de 500 metros nas margens de rios com largura superior a 600 metros; a largura 100 metros nas bordas de chapadas. Exige autorização do Executivo Federal para supressão de vegetação nativa em APP e para situações onde for necessária a execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social. Assim, a distância entre as aguadas e as destilarias torna-se importante, se considerado que a disposição dos dejetos ocorre indiscriminadamente e com o risco iminente de contaminação das aguadas. O caminho natural desses dejetos são os locais mais baixos do que as unidades produtoras, ou seja, os mananciais hídricos, aspecto observado in loco, representando um descuido completo com os dejetos. Exceto as duas unidades citadas anteriormente, e que se utilizam dos dejetos líquidos para biofertilização dos talhões de cana, os demais estabelecimentos produtores de cachaça não desenvolvem qualquer programa ou projeto de aproveitamento destes resíduos para reduzir o impacto pela disposição no meio ambiente. A lixiviação dos dejetos será tanto maior quanto mais próximos estiverem às unidades produtoras desses mananciais hídricos. A identificação da altitude dos talhões foi realizada a partir da utilização de Sistema de Posicionamento Global (GPS) com o objetivo de verificar a interferência de fatores climáticos em relação à cultura, especialmente o frio e a geada, esta última potencialmente prejudicial à cultura da cana. 2.2.4 Características dos solos da região produtora de cana Outra constatação é a interferência das características físico-químicas dos solos na adaptabilidade da cultura da cana e, por consequência, a sua produtividade. Latossolos de altitude têm apresentado melhor adaptação para a cultura da cana-de-açúcar, embora exista a crença de que a melhor qualidade da cachaça seja produzida a partir da cana oriunda de solos com a presença de pedregulhos menores, que determinam menor potencial produtivo, mas 55 com ligeira vantagem em termos de qualidade, medidos pelo teor de açúcar encontrado nos colmos. Vacaro e Lopes (2003) argumentam a necessidade de identificar a profundidade dos solos que receberão a cultura da cana. Segundo os autores, estes locais devem ter profundidade mínima de um metro, condição facilmente alcançada pelos latossolos, no entanto, praticamente impossível em solos com pedregulhos. A pesquisa mostrou a preponderância dos solos da classe Latossolo (profundos), os quais representam 89% do total das áreas com o cultivo da cana-de-açúcar (figura 3). Solos rasos e com alguma pedregosidade representam apenas 11% da amostra e apenas dois produtores cujos solos eram distintos representavam a totalidade do cultivo, mesmo assim em duas propriedades de pequeno porte: uma com área de 3,5 hectares e a outra com 1,5 hectares. Figura 3. Classes de solo predominantes no cultivo de cana na região Noroeste-Missões, RS. Fonte: dados da pesquisa (2012). De forma similar, a área de cultivo dos cooperados da usina de álcool que ocorre em classes de solos de menor profundidade, provavelmente Chernossolos, associados aos Neossolos, representa apenas 10% do total dos talhões cultivados. Esse fato deve-se ao alinhamento às recomendações técnicas para utilização prioritária de latossolos como forma de aumentar potencialmente a produção física e a vida útil da cultura. O tipo de solo e sua composição física, assim como o relevo e o método de plantio, são fatores definidores do sucesso na aplicação da vinhaça pela técnica de fertirrigação. A textura do solo determina a absorção dos nutrientes que compõem a vinhaça. Solos do tipo latossolo, profundos e com elevado teor de argila, têm elevada capacidade de adsorção, 56 reduzindo o potencial de lixiviação de nutrientes se comparados aos demais tipos de solos, com textura menos argilosa, ou mais rasos. Por esta razão, considerar o tipo de solo em que as culturas estão implantadas possibilita julgar a possibilidade de sucesso na aplicação da vinhaça como fertilizante a partir da absorção dos nutrientes disponibilizados pela cultura. 57 3 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 3.1 CARACTERIZAÇÃO DO POTENCIAL DE IMPACTO AMBIENTAL DA PRODUÇÃO DE DERIVADOS DE CANA 3.1.1 Estimativa do potencial de produção de dejetos A mensuração de potencial produtivo do volume de cana produzido possibilita estimar o volume de dejetos líquidos, sólidos e gasosos resultantes do processo de manufatura. Entre os estabelecimentos produtores de cachaça foram identificados potenciais produtivos que variam entre 8.000 e 120.000 litros. Somados os volumes de produção de cana destinados à produção de cachaça constatou-se o potencial de produção de 1.490.000 litros pelo conjunto dos 48 estabelecimentos produtores, o que representa uma média de 31.042 litros por estabelecimento produtor. Já o potencial produtivo da usina de álcool é de 8.500.000 de litros por ano. A avaliação do potencial de produção considerou as dimensões dos talhões de cultivo de cana, o potencial produtivo da cultura em relação ao tempo de implantação, as condições de fertilidade dos solos, a adubação de plantio e de manutenção, assim como as características edafoclimáticas que interferem na adaptabilidade da cultura e responsáveis diretas pelo volume de cana produzido. Neste sentido, foi possível identificar produções extremas dos talhões avaliados de até 106.667 toneladas de cana por hectare em contraste com o volume de 32.000 toneladas em outros talhões. Com base nos dados levantados que quantificam as potencialidades de produção é possível dimensionar o volume de dejetos a serem produzidos em cada safra. De acordo com estes dados e respaldados por Silva, Griebeler e Borges (2007), é possível estimar o volume de dejetos gerados em cada safra em função do potencial de produção. Os autores afirmam que para cada litro de etanol produzido restam entre 10 e 18 litros de vinhaça líquida. Já Oliveira et al. (2009) sustentam que o volume residual da vinhaça na produção de cachaça artesanal ou industrial, libera, em média, entre 8 e 10 litros, para cada litro de produto final manufaturado. Desta forma, e baseado nestas premissas, estabeleceu-se para fins de análise o valor médio do volume de emissão de dejetos de 13 litros de vinhaça para cada litro de etanol produzido e o volume médio de 9 litros de vinhaça para cada litro de cachaça produzido. Assim, considerando o volume total da produção de etanol e de cachaça nas unidades produtoras que fizeram parte da amostra é possível estimar o volume de dejetos por safra, que 58 totaliza 110.500.000 litros de vinhaça (8.500.000 litros de álcool x 13 litros de vinhaça) a partir da produção de álcool e, na produção de cachaça, 13.410.000 litros de vinhaça por safra (1.490.000 litros de cachaça x 9 litros de vinhaça), como apresenta o Quadro 3, a seguir. Potencial produtivo Álcool Cachaça Produtos acabados (l) 8.500.000 1.490.000 Vinhaça Volume médio/litro de produto acabado 13 litros 9 litros Volume total (l) 110.500.000 13.410.000 Volume de materiais (t) 140.000 13.810 Bagaço Percentual médio de resíduos/kg de cana 30% 35% Volume total de resíduos (kg) 42.000.000 4.833.500 Quadro 3. Produção de resíduos de cana em função do potencial produtivo da cana. Região Noroeste-Missões (RS), 2012. Fonte: dados da pesquisa (2012). O processamento da cana tem como importante subproduto o bagaço, podendo representar 30% da cana moída. Sua composição é predominantemente fibra e resíduos de açúcar (VACARO; LOPES, 2003). A produção de bagaço também leva em consideração o volume de materiais produzidos em cada safra. Em dados coletados nos estabelecimentos pesquisados – usina de álcool e destilarias de cachaça – levantou-se o percentual médio de bagaço produzido a cada tonelada de cana esmagada. Assim, foi possível estabelecer uma média de 30% e 35% de bagaço para a usina e para as destilarias, respectivamente. A diferença de percentual se deve à melhor tecnologia utilizada pela usina para extração do caldo da cana, com sistema de trituração e lavagem, enquanto que na maioria das destilarias o processo de moagem é bastante rudimentar, com baixo aproveitamento de materiais, alguns inclusive com produção de bagaço superior a 40%. No geral, a média entre as destilarias se situa em 35%. Assim, o volume total estimado de bagaço produzido por safra na usina é de 42.000.000 quilos (140.000.000 kg de cana x 30%) e entre as destilarias de cachaça, de 4.833.500 quilos (13.810.000 kg de cana x 35%), conforme Quadro 2. A massa média estimada de bagaço, resultante do processamento na usina e nas destilarias, não é o melhor indicador de impacto em razão da baixa densidade do material, expressa em kg por metro cúbico, que acaba por resultar em volume expressivo, com efeito visual impactante. Outro aspecto importante evidenciado é a qualidade dos materiais vegetais produzidos na região e que abastecem a usina e as destilarias. A produção de etanol ou cachaça terá maior rendimento quanto mais qualidade tiverem os materiais empregados no processamento. Comparada com a média alcançada na região Sudeste do Brasil, a baixa produção média por área identificada na pesquisa é compensada pelo alto teor de açúcar da cana, mensurado pelo 59 grau Brix. A seleção de variedades melhor adaptadas, a adubação de plantio e de manutenção, a colheita de talhões com maturação homogênea são apontados pelos proprietários dos estabelecimentos como determinantes para que o material tenha a qualidade esperada. O clima é outro fator fundamental responsável por elevar a qualidade da cana-deaçúcar produzida na região Sul do Brasil, especialmente na região Noroeste-Missões, onde se encontra a usina de álcool e as destilarias. O moderado volume pluviométrico da estação de verão, o aumento das chuvas no outono e o frio do inverno são ideais para o desenvolvimento de alto teor de açúcares na cultura. Especialmente o frio do outono e inverno determina uma maturação mais uniforme dos talhões pela redução da atividade metabólica da planta. Assim, a colheita ocorre quando todos os colmos estiverem maduros, independendo inclusive da época de brotação e do porte individual de cada colmo. Desta forma, facilmente se atinge a média de 21º Brix, determinando a necessidade de diluição do caldo em água, tanto para a produção de álcool quanto para a produção da cachaça, a fim de proporcionar um melhor aproveitamento da fermentação do mosto, que transformará os açúcares em álcool. O maior ou menor potencial produtivo de um talhão guarda relação direta com o tempo de implantação e estabelecimento da cultura. Conforme observam Vacaro e Lopes (2003), culturas com maior tempo de implantação apresentam produção decrescente com o passar do tempo, em função da depleção o desgaste do solo motivado pela carência de nutrientes, especialmente o potássio, acentuando-se a partir do quarto ano de implantação. Assim, a redução do volume de produção geralmente é compensada pelo plantio em novas áreas, submetendo as áreas antigas à rotação de culturas, com implantação de leguminosas. O elevado custo de implantação das lavouras de cana-de-açúcar, no entanto, concorre com a manutenção dos talhões por maior tempo, além dos quatro anos recomendados para rotação de culturas. Na prática, a pesquisa detectou que o plano de assistência técnica da cooperativa, responsável pela industrialização da usina de álcool, é instrumento de persuasão para a produção de maior volume de cana de açúcar por área cultivada. Assim, motivados por incentivos financeiros, tais como maior remuneração proporcional por hectare a partir do aumento de produção e pelos financiamentos para custear novos plantios, além da disponibilidade de máquinas e equipamentos adequados para efetuar esta renovação de culturas o em períodos de tempo menores, os produtores de matéria de cana respondem positivamente, investindo no plantio em áreas nobres, solos melhor estruturados e utilização de fertilizantes na adubação de plantio e de manutenção e renovação mais frequente de canaviais com produção decrescente. 60 Geralmente emprega-se no plantio a adubação química e a manutenção é realizada com adubação química combinada à fertirrigação com aplicação da vinhaça. Na prática, e de acordo com informações recolhidas na pesquisa, a colheita fora de época provoca atraso da rebrota dos talhões e prejudica o volume da próxima safra. Pelo menos 90% dos produtores de cachaça afirmaram categoricamente que estendem o período de produção de junho a novembro, e que percebem que o atraso no corte é um dos principais fatores de redução do volume de produção na próxima safra. O Quadro 4 reflete o exposto em relação à maior média de produção entre os produtores de cana que atendem a usina e o tempo médio de renovação dos canaviais para esta categoria. No caso desses produtores, o tempo médio de renovação dos cultivos é de quatro anos. Nos estabelecimentos de produção de cachaça identificou-se o tempo médio de renovação dos canaviais a cada seis anos. Estabelecimento produtor Longevidade média dos canaviais (anos) Usina 4 Destilarias 6 Quadro 4. Tempo médio de duração dos canaviais destinados a destilarias de cachaça e produção de etanol. Região Noroeste-Missões (RS), 2012. Fonte: dados da pesquisa (2012). Estima-se que a redução da produção média por hectare dos produtores de cachaça em relação aos produtores de cana que atendem à usina se deva, justamente, em razão da renovação da cultura na forma de novos plantios. Se for considerado que a colheita com a queima da palhada condiciona uma degradação gradual do solo, conforme defendem Vacaro e Lopes (2003), a produção que atende a usina tenderia a ter seu volume reduzido. 3.1.2 Sistemas de cultivos de cana O rendimento físico do cultivo da cana tem relação direta com o sistema de cultivo praticado pelos estabelecimentos produtores. O tempo da implantação, a adubação de cobertura e de manutenção, o método de corte e transporte, as características físico-químicas do solo e as condições climáticas determinam o potencial produtivo e a quantidade efetivamente produzida. A cana-planta, assim definida a cultura do primeiro ano de implantação, possui potencial produtivo inferior ao primeiro ano da planta-soca, que corresponde ao segundo ano após a implantação da cultura. Isso se dá pelo melhor perfilhamento do segundo para o terceiro ano. A partir do terceiro ano, que corresponde ao segundo ano da planta-soca, a 61 tendência é decair o volume de produção, muito em função da perda de fertilidade dos solos e do manejo. No Rio Grande do Sul, em razão do frio severo dos meses de inverno, responsável pela maturação homogênea dos talhões, o manejo adotado possibilita a colheita de varredura, ou seja, o corte uniforme de todo talhão. Desta forma, corta-se toda cultura, inclusive das novas brotações. Este corte facilita muito a colheita, mas prejudica a cultura e reduz sua longevidade. Observa-se que em outras regiões do Brasil a produção que abastece as usinas de álcool tem na colheita coletiva uma prática comum, ou seja, o sistema mecanizado e a colheita manual após a queima da palha em função da viabilidade de custos para manejar altos volumes de produção. Os proprietários de muitas destilarias produtoras de cachaça, no entanto, salientam a existência de canaviais com vida útil superior a quatro anos e com produção expressiva em função do método de colheita seletiva por catação. Este método seleciona apenas os colmos maduros, de elevado teor de açúcar medido em graus Brix, com o intuito de obter um produto final de superior qualidade e evitar o plantio de novas áreas, com consequente redução de custos de implantação. Um aspecto determinante da adoção da colheita seletiva dos colmos maduros é o maior custo com mão de obra para colheita, inviabilizando a prática em áreas maiores. Vacaro e Lopes (2003) enaltecem as vantagens da colheita manual com a manutenção da matéria orgânica e a consequente ciclagem de nutrientes. A mais relevante seria a redução da acidez dos solos e o aumento dos teores de fósforo, tanto que na adubação de manutenção não haveria necessidade deste nutriente, mesmo em áreas onde a adubação de plantio não oferece o teor de fósforo demandado. A precariedade da adubação de implantação ou de manutenção também é responsável pela redução drástica do volume produzido a partir do terceiro ano de implantação da cultura da cana. A recomendação é que seja feita rotação de culturas, implantando uma leguminosa na área após o quarto ano de implantação da cana, oportunidade em que o baixo volume de produção compromete a viabilidade em função da relação custo-benefício desfavorável. Maia e Campelo (2005) recomendam a utilização fertilizante de formulação com baixa concentração nitrogenada para cana-planta (plantio), e com baixa concentração de fósforo na adubação cana-soca (manutenção). Especialmente em relação à produção de cachaça existe a recomendação para que seja evitada qualquer adubação química, especialmente a nitrogenada, sob o risco de perda da qualidade do produto final destinado para consumo humano. Vacaro e Lopes (2003) recomendam apenas a utilização de fosfato natural de rochas e outros materiais alternativos 62 para o plantio e fertilizantes orgânicos produzidos a partir de elementos naturais como fertilizante de manutenção. A figura 4, a seguir, representa o percentual de adubação de plantio e de manutenção aplicada nas usinas e destilarias, cujos dados foram obtidos a partir da aplicação dos questionários. O fornecimento de materiais para a unidade produtora de álcool, que conta com a assistência técnica da Cooperativa gestora da usina, administra um programa de incentivo e monitoramento destes cultivos, financiando insumos e fertilizantes para que haja adubação de plantio e de manutenção, além da distribuição da vinhaça. A aplicação de adubação química na totalidade da área de cana-de-açúcar cultivada visa aumentar os níveis de produção, intensificando o uso da terra e o consequente aumento da produção de bens manufaturados a partir da cana produzida. Neste caso é utilizada a fertirrigação com a vinhaça associada à adubação química. Figura 4. Percentual de adubação de plantio e de manutenção. Fonte: dados da pesquisa (2012). Os dados levantados também identificam que em 87% das áreas de cultivo que atendem a destilarias de cachaça, os produtores fazem adubação de plantio e em apenas 58% da área, adubação de manutenção. Destes, apenas dois utilizam a aplicação de vinhaça como biofertilizante, não utilizando fertilizante químico. Um destes produtores afirmou que a fertirrigação supre com sucesso a necessidade de nutrientes para alcançar alta produção, em torno de 92,3 toneladas por hectare, índices próximos das melhores áreas e superior à maioria das áreas de cultivo mantidas com adubação química, mesmo em áreas com cana-soca de seis 63 anos. O segundo produtor que utiliza fertirrigação sem adubação química, no entanto, produz uma média de 47,8 toneladas por hectare. 3.1.3 Manejo de colheita da cana-de-açúcar Os dados relativos ao conjunto de aspectos da produção, tais como corte, moagem, fermentação, destilação e separação de resíduos, disposição dos resíduos e aplicação final dos dejetos, assim como o impacto causado ao meio ambiente pela disposição inapropriada dos resíduos e dejetos constitui a essência deste estudo. Caracterizar o roteiro do processo produtivo é fundamental no diagnóstico e na formulação de alternativas legalmente amparadas para a gestão de resíduos gerados na transformação da cana. O manejo de corte e de transporte também pode determinar redução ou manutenção de potenciais produtivos da cultura da cana-de-açúcar. A colheita da cana crua, sem a queima, representa ganhos ambientais elevados, no entanto, em talhões com alta concentração de matéria orgânica, especialmente a palha depositada após o corte, representa barreiras naturais que prejudicam a brotação e o perfilhamento da cultura. Em pequenas áreas o manejo pode ser feito manualmente pela remoção da palha sobre os sulcos, de maneira a possibilitar a adequada insolação, necessária ao processo de rebrota e perfilhamento. O trânsito de máquinas sobre as áreas de cultivo após a colheita também prejudica a brotação e o perfilhamento. Os dados coletados demonstram que a prática da queimada para facilitar a colheita ainda prepondera. Dos 2.020,30 hectares que compõem a amostra, apenas 8% da cana é colhida crua, prática utilizada em sua totalidade pelos produtores de cachaça, que utilizam majoritariamente esta técnica, ou seja, destes, 82% fazem a colheita da cana crua enquanto 18% utilizam-se das queimadas para facilitar a colheita e reduzir o custo com o processo. A modalidade de manejo da colheita da cana pelos produtores que atendem a usina e os que transformam a própria cana em cachaça, nas destilarias, está representada na figura 5, a seguir. 64 Figura 5. Modalidades de colheita da cana na região Noroeste-Missões (RS), 2012. Fonte: dados da pesquisa (2012). A cana destinada à usina tem, em sua totalidade, a queima da palhada como regra. São inúmeras as dificuldades para a erradicação das queimadas – as máquinas de colheita, além do custo elevado, exigem terreno plano, sem elevada declividade. Outro aspecto a considerar diz respeito à dimensão social. Em que pese a dificuldade, penosidade e periculosidade do corte manual, ainda é uma fonte de emprego para uma parcela significativa de trabalhadores rurais temporários. Outro aspecto de relevância diz respeito a qualidade da cachaça produzida. Galinaro e Franco (2009) relatam que a cachaça pode sofrer a contaminação por Hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) originados pela queima da cana-de-açúcar durante a colheita. Hidrocarbonetos policíclicos aromáticos são substâncias que pertencem à classe dos prócarcinogênicos sendo, portanto, riscos potenciais a saúde humana. São formados pela queima de matéria orgânica em elevadas temperaturas, por meio da combustão incompleta ou pirólise de materiais contendo átomos de carbono e hidrogênio. Há que salientar que no Estado de São Paulo a Lei 11.241/2002 estabelece que, a partir da safra de 2017, estarão legalmente extintas as queimadas nos canaviais como forma de colheita. A discussão teleológica que cercou a aprovação desta legislação considerou aspectos ambientais e sociais que certamente também influenciam a redução ou eliminação das queimadas na cana-de-açúcar na região Noroeste Missões do Rio Grande do Sul. 65 3.1.4 Aspectos relativos à colheita da cana-de-açúcar Nos plantios convencionais, a eliminação da palha do canavial pelo fogo aumenta o rendimento de corte e facilita o manejo pelos cortadores. Como desvantagens, Vacaro e Lopes (2003) enumeram a perda de açúcares nos colmos, aumento das impurezas minerais (terra, areia, entre outros) aderentes aos colmos e, dependendo das condições de umidade e temperatura, pode haver contaminação microbiana. O impacto produzido pela disposição no meio ambiente de resíduos produzidos pelas queimadas nas lavouras de cana, de acordo com Zancul (1998), pode determinar a mudança do microclima das zonas canavieiras, afetando o ciclo hidrológico e a incidência de radiação solar, o aumento de incidência de doenças respiratórias na população da região, danos à flora e a fauna, prejuízos à estética do meio ambiente, aumento da erosão em razão do solo estar descoberto e desprotegido, o desequilíbrio ecológico pela mortandade de insetos, aves, répteis e plantas e o acúmulo dos sedimentos produzidos pela fuligem oriunda das queimadas, que se espalha causando muitos transtornos ao cotidiano das pessoas que vivem nas proximidades de cultivos. Uma das possíveis soluções para reduzir o volume das queimadas nas lavouras canavieiras está na mecanização do processo de colheita, o que requer um investimento inicial em máquinas e equipamentos. Entretanto, há que se avaliar e discutir a empregabilidade da mão de obra ocupada a partir da colheita manual da cana. Todo o processo de colheita mecanizado deixaria de empregar um contingente humano na execução das tarefas de corte, carga e descarga, provocando por consequência um desequilíbrio social, conforme salienta Ribeiro e Ficcarelli (2009). Neste tocante, foi realizado o levantamento minucioso dos processos produtivos na produção de etanol e cachaça na região das Missões do Rio Grande do Sul. Os dados relativos ao corte procuraram identificar se os serviços são realizados pelas unidades produtoras ou subcontratados. Esta informação pode determinar, em função dos custos mais elevados na colheita da cana crua, que se passe à colheita da cana queimada. A coleta de dados identificou uma expressiva proporção de cana colhida com queima da palha. Na área de cultivo que atende a destilaria de álcool, a cana em sua totalidade é colhida pela utilização desta técnica, como forma de facilitar a colheita e reduzir os custos operacionais nesta etapa. A utilização de máquinas colhedoras é uma das alternativas viáveis para a colheita da cana sem a queima da palha, atendendo assim a demanda pela solução de colheita com menor custo e menor impacto sobre o meio. Se for considerado o alto custo de aquisição das 66 máquinas colhedoras como investimento inicial, os benefícios financeiros proporcionados podem compensar este investimento inicial, especialmente se forem financiadas com recursos de longo prazo. Neste caso há que se considerar que a redução no impacto pela emissão de poluentes na atmosfera representa uma vantagem ambiental importante, no entanto, a preocupação é com o impacto social pela redução de empregabilidade da mão de obra, quando o trabalho dos obreiros é substituído pela mecanização do processo de colheita. De outro modo, a erradicação das queimadas sem a consequente mecanização forçaria a realização da colheita manual. Esta metodologia, sob o ponto de vista social é ainda mais impactante, de acordo com Ribeiro e Ficarelli (2009). O nível de esforço despendido pelo trabalhador na realização da colheita manual da cana crua é muito superior ao esforço para a colheita da cana queimada. O volume de materiais tende a ser, em variedades sem desfolha natural, bem menor que o método da colheita de cana queimada. A redução do volume de materiais processados por cada trabalhador demandaria um número maior de operários para esta tarefa, considerando a mesma área. Este aumento do custo da mão de obra impactaria com o aumento do custo da colheita e, por consequência, do custo final de produto industrializado, neste caso o álcool ou a cachaça. Há que considerar também a já escassa mão de obra no meio rural, em função das baixas remunerações, condições ambientais de trabalho e, principalmente, da descontinuidade de demanda, cuja safra tem duração média de seis meses, exemplo típico dos serviços prestados no corte da cana. A demanda não atendida de mão de obra rural foi apontada pelos produtores de cachaça como o fator limitante da expansão da produção. A subcontratação de trabalhadores para a colheita sofre restrição, principalmente pela dificuldade da colheita da cana crua, razão que força alguns produtores de cachaça, em pequenos talhões, a praticar a queimada para facilitar a colheita subcontratada. Os dados levantados também revelam a prática da queimada entre os produtores de cachaça, que em tese operam com áreas de cultivo menores e que, em função destas características poderiam realizar a colheita manual sem a queima. Inclusive é recomendação técnica para a produção de cachaça artesanal de qualidade superior, que seja manufaturada a partir de cana colhida sem queima (RIBEIRO, 1997). Chama atenção a utilização da prática da queima da palha pelas pequenas destilarias de cachaça. Os dados do diagnóstico mostram que 18% dos estabelecimentos utilizam a queima dos talhões para facilitar a colheita. Alegam os empreendedores que a falta de disponibilidade de mão de obra precisa ser compensada pela prática da queimada, com o 67 objetivo de atender a demanda no volume adequado para que não interrompa o fluxo de produção. A figura 6, a seguir, apresenta um resumo da modalidade de mão de obra utilizada na usina de álcool e nas destilarias de cachaça que compõem a amostra. A partir desta visualização é possível perceber o grau de dependência total da usina e a dependência relativa das destilarias em relação à utilização de mão de obra de terceiros, subcontratada para os serviços de corte. O aspecto é realçado por todos os entrevistados como o fator mais vulnerável da produção, tanto de álcool quanto de cachaça e outros derivados, os quais dependem da cana de açúcar como matéria prima. Figura 6. Emprego de mão de obra própria ou contratada para corte de cana destinada a destilarias e usina na Região Noroeste-Missões (RS), 2012. Fonte: dados da pesquisa (2012). A usina tem a totalidade dos serviços de colheita da cana atendidos por serviços subcontratados. Em relação às destilarias, 58% utilizam serviços de terceiros para as operações de colheita. Estes dados alertam para dependência da mão de obra de terceiros no processo produtivo e as limitações de aumento de produção, fato salientado por muitos entrevistados. A falta de mão de obra na colheita da cana, o alto custo para o manejo da cana crua, aliado ao impacto das queimadas são questões apontadas pela maioria dos produtores de cachaça como de resolução relativamente fácil. A pesquisa e implantação de variedades com desfolha natural representam, em tese, a possibilidade de redução drástica dos custos com 68 mão de obra de colheita em função da possibilidade de maior rendimento de corte por operário/dia, diminuindo assim a demanda de maior número de trabalhadores. É unanime dentre os entrevistados que a expansão da produção requer a seleção de variedades que apresentem maior facilidade da colheita. A seleção para o plantio de variedades com desfolha natural e caule ereto pode representar a redução do volume de produção a campo em razão da falta de melhor adaptação ao clima e solo, mas poderão apresentar compensação financeira pela redução de custos de colheita (RIBEIRO, 1997). 3.1.5 Disposição espacial das unidades produtoras de álcool e cachaça em relação aos mananciais hídricos A identificação da altitude dos talhões realizada a partir da utilização do Sistema de Posicionamento Global (GPS) tem o objetivo de verificar a interferência de fatores climáticos em relação à cultura, especialmente o frio e a geada, esta última, potencialmente prejudicial para a cultura da cana. A figura 7 apresenta a altitude dos estabelecimentos analisados na amostra. A usina está estabelecida a 86 metros de altitude a partir do nível do mar e as destilarias estão a uma altitude média de 207 metros. Entre os estabelecimentos há grande amplitude entre a maior altitude, de 427 metros, e a menor altitude, de 74 metros acima do Metros nível do mar. Figura 7. Altitude em que se situam os estabelecimentos de produção de cachaça e álcool na Região Noroeste-Missões (RS), 2012. Fonte: dados da pesquisa (2012). 69 Segundo Vacaro e Lopes (2003), a cana pode ser considerada uma cultura bastante sensível às geadas intensas e prolongadas. Antes de decidir pela implantação da cultura, o produtor deverá considerar também os riscos que a ocorrência de geadas poderá causar na sua lavoura. Por isso o cultivo em locais muito baixos, ou próximos de rios ou de lagos, deverá ser evitado em razão dos maiores riscos de ocorrência dessas geadas. Relatos de produtores, entretanto, que remontam a dados históricos de cultivos de cana-de-açúcar nas margens do Rio Uruguai, que banha os municípios de Porto Lucena, Porto Xavier e Roque Gonzales, relatam o cultivo em áreas ribeirinhas protegidas das geadas pela neblina formada pela ação das águas do rio. Em áreas distantes do Vale do Rio Uruguai, em talhões com maior altitude há menor incidência de geadas severas. As características do local de implantação dos talhões produtivos da cana-de-açúcar em relação ao relevo e à altitude também podem interferir, facilitando ou dificultando a aplicação da vinhaça como estratégia de fertirrigação. Outro inconveniente em implantar as culturas em terrenos de maior altitude é a incidência de ventos que podem prejudicar o desenvolvimento e danificar folhas, colmos e a manutenção ereta dos colmos (VACARO; LOPES, 2003). Como as destilarias de cachaça são dependentes de um grande volume de água para o arrefecimento do destilado no processo produtivo, é comum que a implantação das unidades produtivas seja feita com aproveitamento do potencial hídrico disponível nas plantas agroindustriais, por desnível, portanto, sem custos adicionais de energia no recalque da água. Assim, é comum que as plantas agroindustriais estejam instaladas nas áreas mais baixas da propriedade e próximos a nascentes, rios, açudes e lençóis freáticos superficiais. Na prática, o diagnóstico realizado evidenciou a obediência aos preceitos legais por parte da usina de álcool. Nesta unidade foi desativada a área de sacrifício que armazenava provisoriamente a vinhaça, prática extinta desde 2004 quando foram implantados tanques impermeáveis em alvenaria para armazenagem provisória e posterior distribuição nas lavouras de cana dos associados. O custo de distribuição da vinhaça foi internalizado, sendo incorporado ao custo de produção com fertilizantes. O monitoramente, em atendimento aos requisitos de licenciamento e imposição dos órgãos ambientais, exerce pressão para o destino adequado da vinhaça, tendo em vista seu alto potencial poluidor, mesmo quando os volumes são menores, como é o caso de uma usina de pequeno porte, podendo comprometer as condições ambientais de solo em recursos hídricos dos entornos da usina. 70 O diagnóstico apontou também o descuido dos gestores das unidades produtoras de cachaça que, por conveniência financeira, falta de equipamentos adequados e/ou maiores distâncias entre as unidades processadoras e os talhões, deixam de utilizar este rejeito como biofertilizante. Dos 48 estabelecimentos produtores de cachaça apenas dois fazem a armazenagem adequada dos dejetos líquidos, acondicionando e distribuindo aos talhões para fertilização. Nestes estabelecimentos, a proximidade entre a lavoura e unidade de manufatura contribui para o destino correto da vinhaça. O processo de distribuição, no entanto, carece de melhor adequação. A distribuição da vinhaça com tanques em aço carbono e o uso do distribuidor de dejetos líquidos têm como inconveniente a compactação demasiada do solo pelo trânsito de máquinas pesadas. A compactação poderá comprometer tanto a absorção dos nutrientes adicionados como também afetar o comportamento físico-hídrico do solo e o desenvolvimento da cultura. Este manejo ainda deve contar com condições ideais em relação ao teor de umidade dos solos. Solos mais encharcados e a aplicação em momentos que antecedem às chuvas torrenciais podem causar lixiviação da vinhaça disposta in natura, arrastando os nutrientes e biofertilizantes nela contidos para as correntes d’água e lençóis freáticos superficiais, provocando danos ambientais e reduzindo a disponibilidade dos biofertilizantes para a cultura (SILVA; GRIEBELER; BORGES, 2007). 3.1.6 Características e destino do bagaço produzido A coleta dos dados relativos à moagem teve duplo propósito: o de identificar o aproveitamento dos materiais processados na moenda, em função do volume percentual de caldo extraído, e a qualidade do bagaço produzido, cujo percentual de umidade poderá determinar sua forma de utilização em diferentes processos. Foram identificadas três modalidades distintas de moagem: moagem precária – aquela cujo percentual de aproveitamento é inferior a 60%, ou seja, a cada tonelada moída são obtidos, no máximo, 600 litros de caldo. Na segunda classificação são obtidos percentuais entre 600 e 700 litros de caldo por tonelada de cana processada. Por fim, o processo mais adequado utiliza a cana triturada para o esmagamento, com a posterior lavagem a quente do bagaço. Neste caso o índice de extração é máximo, sofrendo variação apenas em relação à qualidade da cana, tendo em vista que algumas variedades são mais abundantes em fibras, o que resulta numa menor quantidade de caldo. 71 A maior ou menor presença de caldo no bagaço pode determinar o destino de sua utilização. Bagaços mais impregnados de caldo, com percentual maior de umidade, dificilmente serão utilizados como meio de combustão nas caldeiras ou a fogo direto, ou ainda para geração de energia térmica ou a partir desta, em energia elétrica, sem antes passarem por processo de estabilização para que reduzam seu percentual de umidade. Esses materiais in natura estão sujeitos ao processo fermentativo que ocorre no início do processo de decomposição. Já o bagaço com menor percentual de caldo pode ser utilizado com facilidade como meio de combustão na geração energia térmica, especialmente demandada no processo de destilação, tanto na produção de cachaça quanto na produção de álcool. A utilização do bagaço como meio de combustão, por exemplo, reduz o volume necessário de lenha. A geração de energia térmica pode poupar florestas de árvores nativas ou reflorestadas. Justifica-se, portanto, a identificação dos meios de combustão utilizados pelas usinas e/ou destilarias na geração da energia térmica demandada nos processo produtivos. Neste tocante, o estudo identificou que 90,09% do volume total de cana processada são submentidos à moagem lavada, e que 5,52% dos materiais são submetidos à moagem precisa, com a produção de bagaço em condições de ser utilizada como meio de combustão, seja como geradora de energia térmica na própria unidade beneficiadora, ou utilizada como meio para produzir energia térmica a ser transformada em energia elétrica na movimentação de turbinas, bastante difundidas no atual momento da alta demanda energética mundial. A usina de álcool é responsável pela produção de 100% do bagaço lavado a quente. A moagem precisa é realizada pelas produtoras de cachaça que utilizam equipamentos mais evoluídos tecnologicamente e mais bem ajustados, capazes de extrair maior percentual de caldo e produzir bagaço com menor percentual de umidade. Os resíduos produzidos nestas duas situações são utilizados potencialmente na produção de energia e sem nenhum tratamento adicional para sua estabilização. Os dados provenientes da pesquisa também identificaram um percentual mínimo de moagem precária, em torno de 4% do total do volume de bagaço produzido. Estes materiais dificilmente poderão ser utilizados como meio de combustão diretamente e in natura, sem estabilização, por apresentarem um percentual de umidade que inviabiliza sua utilização imediata para tal fim. A figura 8 apresenta uma síntese dos processos de moagem da cana e a resultante qualidade do bagaço produzido, o que possibilita sua utilização como meio de combustão ou, mediante operação adicional de estabilização, sua utilização posterior como meio de combustão, ou ainda, para simples distribuição em solo agrícola com o mínimo impacto. 72 Figura 8. Modalidade de moagem da cana destinada à produção de álcool e cachaça na Região Noroeste-Missões (RS), 2012. Fonte: dados da pesquisa (2012). A alternativa preconizada inclusive pelos órgãos de controle ambiental é a estabilização do bagaço em ambiente coberto para que seja reduzido seu percentual de umidade e, assim, possa ser utilizado como meio de combustão. Haverá, neste caso, um custo adicional de armazenagem e manuseio dos materiais. Uma alternativa é a utilização do bagaço para disposição em solo agrícola. Para tanto é recomendada a estabilização dos materiais em abrigo fechado para evitar a fermentação in loco, o que poderá causar impacto à biota do solo, podendo em seguida ser disposto em solo agrícola, em quantidades adequadas, como forma de cobertura. Além da possibilidade potencial de utilização do bagaço de cana como meio de combustão, o mesmo foi identificado como fonte geradora de energia, seja pela utilização de caldeira a vapor ou a fogo direto. O avanço tecnológico que introduziu a caldeira a vapor na capacidade instalada das usinas e destilarias abriu a possibilidade de utilização do bagaço de cana como meio de combustão com maior eficiência, em larga escala, substituindo outras fontes alternativas, especialmente a lenha, com facilidade, praticidade e sem custos adicionais. Constatou-se, porém, a baixa utilização do bagaço como meio de combustão. Apesar de ser utilizado por algumas pequenas destilarias de cachaça mesmo em sistema de fogo direto, a utilização como meio de combustão ainda é limitada a poucas experiências. A usina de álcool utiliza o bagaço como meio de combustão, substituindo parcialmente a lenha no processo de produção. Estima-se que 40% do bagaço produzido na usina de álcool seja utilizado com fonte de energia. Entre as destilarias de cachaça, apenas uma faz a utilização 73 intensiva do bagaço como meio de combustão, em substituição à lenha. Isso se deve à associação tecnológica pelo uso da caldeira de vapor adaptada a sistema de ventilação forçada. Neste caso, cerca de 50% do bagaço produzido é utilizado com meio de combustão, representando entre 60% e 70% dos meios totais de combustão utilizados pela destilaria em substituição à lenha, constituindo-se em fonte alternativa de energia. Apenas esta destilaria utiliza caldeira a vapor na destilação. As demais destilarias utilizam sistema de fogo direto para destilação e por esta razão empregam lenha como fonte de energia e, eventualmente, adicionam bagaço ao fogo, mas em percentuais insignificantes. A figura 9 apresenta as informações levantadas em relação à utilização do bagaço como meio de combustão. Foi possível identificar a utilização desta fonte alternativa de energia na totalidade da produção na usina. Por outro lado, 27% do potencial produtivo das destilarias de cachaça utilizam a mistura de lenha e bagaço como meio de combustão. Figura 9. O uso do bagaço como meio de combustão na usina de álcool e nas destilarias de cachaça no Região Noroeste-Missões (RS), 2012. Fonte: dados da pesquisa (2012). Uma das possíveis explicações para a reduzida utilização do bagaço como fonte de combustão é a precariedade tecnológica das capacidades instaladas. A única destilaria a utilizar esta alternativa para produzir energia térmica no processo de destilação possui uma caldeira de vapor. Esta caldeira está adaptada à ventilação forçada, possibilitando um melhor aproveitamento do bagaço, mesmo quando este apresenta algum percentual de umidade, no entanto, não muito elevado. 74 A possibilidade de utilização do bagaço como fonte alternativa de energia é enaltecida pela maioria dos proprietários de destilarias de cachaça. Sua inexpressiva utilização e baixa eficiência nos casos citados, no entanto, está condicionada à prática de destilação a fogo direto, processo que limita a eficiência desta fonte de energia. Das 48 destilarias de cachaça analisadas, 47 delas utilizam esta tecnologia de produção. 3.2 ALTERNATIVAS VIÁVEIS PARA ATENUAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DO PROCESSAMENTO DA CANA 3.2.1 Gestão dos dejetos da vinhaça Do processo de destilação, tanto nas usinas de álcool quanto nas destilarias de cachaça, resultam resíduos potencialmente poluidores do meio ambiente quando depositados indiscriminadamente na natureza. Assim, independentemente do porte do empreendimento – pequeno, médio ou grande – seu alto potencial poluidor tem despertado a atenção e a preocupação dos órgãos de proteção ambiental e da sociedade civil, quanto aos impactos causados pela disposição indiscriminada de dejetos resultantes do processo produtivo que transforma a cana-de-açúcar em álcool ou cachaça. A gestão adequada dos dejetos, especialmente os rejeitos líquidos representados pela vinhaça, pode reduzir o impacto causado pela sua disposição inadequada ao meio ambiente. A armazenagem provisória para posterior distribuição desta vinhaça pode ser determinante para a redução do impacto produzido ao meio. O acondicionamento da vinhaça em recipiente impermeabilizado, com geomembranas ou outras formas tecnologicamente mais avançadas para posterior transporte e distribuição em solo agrícola mediante a técnica de fertirrigação é a condição e a recomendação legal para reduzir o impacto causado ao meio ambiente. O acondicionamento em reservatórios provisórios denominados de “áreas de sacrifício”, de solo permeável, pode resultar em alto impacto poluidor sobre o meio. No sentido de identificar o potencial poluidor procurou-se caracterizar a forma de armazenagem dos dejetos líquidos de cada estabelecimento, gerados a partir do processo de destilação, tanto da produção de álcool como da produção de cachaça. Assim, foi possível diagnosticar a forma de armazenagem provisória para disposição final da vinhaça e outros dejetos líquidos gerados na usina de álcool, atestando a condução correta desta armazenagem para posterior distribuição em solo agrícola. O mesmo não pode ser afirmado em relação às destilarias de cachaça. Constata-se que apenas dois estabelecimentos se utilizam dos 75 procedimentos adequados de armazenamento em tanques de alvenaria, e impermeabilizados com geomembranas, os quais representam 7% do potencial produtivo relativo às destilarias de cachaça. A figura, a seguir, 10 apresenta a estratificação da forma de armazenamento provisório dos dejetos líquidos a serem posteriormente distribuídos em solo agrícola como biofertilizante mediante a técnica de fertirrigação. Figura 10. Armazenagem provisória adequada dos dejetos na produção de álcool e cachaça na Região Noroeste-Missões (RS), 2012. Fonte: dados da pesquisa (2012). Na produção de cachaça, a mistura da primeira parte do destilado é conhecida como “água de cabeça”, composto de alta toxidez. Maia e Campelo (2005) consideram-na imprópria para o consumo, assim como a parte final, chamada de “água fraca”, as quais devem ser descartadas, mas que frequentemente são misturadas à porção aproveitável com intuito de aumentar o volume do destilado produzido para comercialização. Assim, a adição da porção rejeitada da destilação pode elevar ainda mais o teor contaminante da vinhaça. Da mesma forma, a última parte da destilação também costuma ser descartada por comprometer a qualidade gustativa e olfativa da bebida e contém menor grau de toxidez, porém com aroma e sabor desagradável. Os resíduos de cabeça e cauda, descartados na destilação da cachaça, podem aumentar potencialmente o teor de toxidez da vinhaça em função de sua carga de metano (RIBEIRO, 1997). A separação dos componentes de cabeça e cauda pode ser utilizada na produção de álcool hidratado, com investimentos mínimos em equipamento para retificação de calda alcoólica, útil como material de limpeza e que pode ser utilizado inclusive para abastecer 76 veículos, dependendo do grau de pureza, reduzindo drasticamente o nível de toxidez pela disposição inadequada ao solo. Apenas 7% das destilarias, representado por dois estabelecimentos, realizam a armazenagem da vinhaça, fazem a separação dos rejeitos de cabeça e cauda, mas em nenhum dos casos ocorre a diluição com a vinhaça (figura11). Figura 11. Forma de gestão dos resíduos de cabeça e cauda na produção de cachaça na Região Noroeste-Missões (RS), 2012. Fonte: dados da pesquisa (2012). Identificar a possibilidade de que os estabelecimentos produtores estejam misturando o composto de cabeça e cauda (porção inicial e final da destilação) junto do destilado para consumo foi uma das preocupações desta pesquisa. Neste sentido, foi possível diagnosticar que nenhum dos estabelecimentos produtores de cachaça adota a prática de descarte dos rejeitos de cabeça e cauda junto à vinhaça. No caso das duas destilarias que fazem o recolhimento deste descarte para melhorar a qualidade da bebida destilada, uma delas o utiliza na produção de álcool na pequena propriedade, a outra recolhe o rejeito e redestila na próxima porção destilada – próximo lote de produção. O álcool produzido é utilizado para abastecer a frota de veículos próprios da empresa. 3.2.2 Gestão do bagaço e das cinzas O destino dos resíduos sólidos, representados pelo bagaço e pelas cinzas resultantes da combustão que produz energia térmica, representa preocupação menor que a dispensada para 77 a destinação da vinhaça, devido ao menor impacto causado na natureza. A ausência de componentes químicos nocivos ao meio ambiente reduz o impacto de sua disposição em solo agrícola, no entanto, este material em decomposição ocupa e compromete espaço importante no entorno das usinas e destilarias. Em relação à gestão dos resíduos de bagaço e das cinzas foram identificados os mais diversos usos desses materiais, abundantes no entorno das destilarias e da usina. Percebe-se uma preocupação maior em dar destino adequado a estes rejeitos do que aquela manifestada em relação à vinhaça, considerada potencialmente muito mais impactante. A exposição do bagaço produz alteração do visual das unidades produtoras e, em alguns casos, a visualização impactante funciona como meio de divulgação da produção, proporcionando a comercialização in loco. Outra constatação importante diz respeito à utilização do bagaço nos meios de cultivo como forma de proteção da camada superficial do solo, especialmente em locais aonde existem sinais de erosão e de forte perda de nutrientes. O bagaço funciona como barreira protetora que impede a enxurrada em solos com declive, contribuindo de forma direta para a redução da degradação dos solos pelo processo erosivo. Esta forma de utilização é perceptível nas propriedades visitadas. Inclusive é possível visualizar talhões e locais aonde esta técnica foi utilizada em anos anteriores. A decomposição não impede que os materiais sigam exercendo o papel protetor do solo em função do aumento de matéria orgânica e dos níveis de fertilidade. A utilização do bagaço como meio alternativo para a produção de papel, tanto artesanal quanto industrial, é sustentada em bibliografia emergente. A abundância e disponibilidade no território brasileiro e a possibilidade de aproveitamento de um resíduo industrial é sustentado por Oliveira, Silva e Gobbi (2011): “Tendo em vista que o bagaço de cana possui em suas paredes celulares, biopolímeros como celulose, lignina e outros açúcares, faz-se necessário o tratamento com aditivos químicos”. Os autores afirmam ainda que: A etapa de desinfecção com hipoclorito de sódio serve para a retirada de lignina das fibras e o branqueamento da mesma. A lignina é um polímero amorfo e complexo que tem por finalidade proteger as plantas de ataques biológicos. [...] O papel artesanal com aparas e fibras vegetais pode ter usos diversos, tais como: material de escritório, convites, pastas para congressos, livros e etc. (OLIVEIRA; SILVA; GOBBI, 2011). 78 A prática de reuso de resíduos orgânicos no fabrico de papel artesanal propicia condições para uma nova cadeia de produção, além de despertar práticas sustentáveis na fabricação de papel. Dentre as formas alternativas, o emprego do bagaço da cana-de-açúcar e das folhas caulinares do bambu da espécie Dendrocalamus giganteus na produção de chapas de partículas tem sido apontado por fontes bibliográficas como uma aplicação do resíduo. A adição de adesivo à base de ureia-formaldeído (UF) e emulsão de parafina tem a função de preencher os vazios entre as partículas, água, papéis-alumínio e celofane. Para Battistelle, Marcílio e Lahr (2005), todos esses materiais foram selecionados, principalmente devido ao baixo ou praticamente nulo custo dos materiais. E como resultado, a produção de materiais de larga utilização em habitações com interesse social. Raros foram os relatos da utilização do bagaço como meio de combustão entre as destilarias de cachaça. Ainda que algumas utilizem prensas de moagem com boa tecnologia e precisão, produzindo um bagaço com baixos níveis de umidade, algumas dificuldades no manejo desta biomassa e os baixos preços da lenha de eucalipto, oriunda de reflorestamentos, fazem com que a combustão da lenha tenha a preferência dos produtores. Em relação ao bagaço produzido pela usina de álcool, vários são os projetos para utilização deste rejeito como matéria-prima de produção para bastões prensados, o que facilitaria a sua utilização como meio de combustão em substituição à lenha utilizada nos mais diversos sistemas produtivos que se utilizam da energia térmica gerada por caldeiras ou trocadores de calor. Neste caso, o custo de processamento do bagaço concorre com o custo de formas alternativas de combustão, especialmente a lenha, em função de preços competitivos na razão direta do aumento da oferta acima do aumento da procura pelo mercado consumidor. Alternativa bastante discutida é a utilização, pela usina, do bagaço da cana para geração de energia térmica a ser transformado em energia elétrica, podendo esta atender a demanda da própria usina. Existem algumas experiências inovadoras a partir de rejeitos produtivos de outras indústrias beneficiadoras, a exemplo do arroz, cuja casca vem sendo utilizada para estes fins, com custo/benefício favorável e com a redução do impacto causado pelos detritos dispostos no meio ambiente. Ainda assim, a emissão de gases pela combustão destes materiais é prejudicial à atmosfera. O uso do bagaço como ração animal é largamente relatado pela bibliografia recorrente. Leme et al. (2003) sustentam que a utilização de cana na alimentação de ruminantes está na dependência da viabilidade técnica e econômica, levando-se em consideração as vantagens e limitações do seu valor nutritivo. Concluem os autores confirmando a viabilidade do uso de 79 15 ou 20% de bagaço de cana-de-açúcar como única fonte de volumoso para novilhos em confinamento, alimentados com dietas com elevada proporção de concentrado, contendo milho, polpa cítrica e farelo de soja. O bagaço da cana-de-açúcar pode ser uma alternativa interessante, já que é um resíduo da agroindústria produzido em grande quantidade e baixo custo, podendo ser de utilidade na produção de bovinos, em sistemas de confinamento e ou de escassez de forragem. A forma de administração do bagaço aos bovinos é relatada por Teixeira, Pires e Nascimento (2007), enfatizando as baixas propriedades nutritivas deste resíduo lignocelulósico, que em função da alta concentração de lignina, proporciona um baixo aproveitamento na alimentação de animais. Alguns tratamentos adicionais, no entanto, podem reduzir o potencial fibroso e aumentar o valor nutritivo do bagaço, se comparado à administração in natura como fonte de volumoso aos bovinos, tanto para a pecuária de leite como para a pecuária de corte. Lacorte, Bose e Ripoli (1989) sustentam que a baixa densidade e digestibilidade têm sido os fatores limitantes na utilização do bagaço de cana in natura em alimentação de ruminantes e que a sua utilização em volumes excessivos prejudica o desempenho de bovinos em regime de confinamento. Dentre os processos adicionais para aumentar a palatabilidade e o valor nutritivo do bagaço relatados por Teixeira, Pires e Nascimento (2007) está o tratamento do bagaço com hidróxido de sódio. Alguns limitantes, no entanto, podem prejudicar seu aproveitamento, a exemplo da menor possibilidade de degradação da fibra e menor tempo de retenção da mesma no rúmen dos animais, maior excreção urinária pela necessidade de eliminar o excesso de sódio ingerido e a influência negativa no balanço mineral no organismo dos ruminantes. Outro método citado é o tratamento com amônia que apresenta limitantes que podem inviabilizar a sua utilização, a exemplo da dificuldade do manejo e os riscos de intoxicação, além do elevado custo de tratamento que representa a falta de viabilidade financeira do processo. Ainda de acordo com os mesmos autores, uma das alternativas mais viáveis do ponto de vista econômico-financeiro é o tratamento com ureia, em razão do custo acessível e da facilidade de manejo associada ao baixo risco no manuseio e preparação dos bagaços. Das experiências relatadas, o processo mais eficiente e eficaz é o tratamento com vapor e sob pressão. A utilização de cápsula hermeticamente fechada com a injeção de vapor por curto espaço de tempo promove o aumento do valor nutritivo com menor custo e maior benefício. A disponibilidade de vapor nas unidades fabris é um aliado que facilita o processo e reduz sensivelmente o custo do produto final (TEIXEIRA; PIRES; NASCIMENTO, 2007). 80 No mesmo sentido, Lacorte, Bose e Ripoli (1989) afirmam que o processo de auto-hidrólise que denomina a técnica de tratamento a vapor e sob pressão é capaz de promover alteração positiva considerável na digestibilidade no bagaço da cana e com baixo custo dos processos. Dos levantamentos in loco nas unidades produtoras que compuseram o período amostral da pesquisa foram identificadas muitas destilarias de cachaça que dispõem parte do bagaço produzido aos bovinos para consumo in natura. A forma de administração é, geralmente, consorciada com diversas fontes alternativas de volumosos, suplementados ou não com concentrados proteicos. Algumas destas experiências são relatadas com afirmação pela viabilidade técnica, no entanto, a maioria das situações é proporcionada pela absoluta falta de outro destino para o bagaço. Essa disponibilidade não alimenta qualquer expectativa de ganho de peso para os bovinos de corte ou aumento da produção leiteira. Também não foi registrado qualquer instrumento de controle para monitorar e avaliar os resultados obtidos a partir destes experimentos a campo. A distribuição do bagaço, sem qualquer critério de aproveitamento, constitui uma regra entre os produtores de cachaça. Em todas as posições que compõem a amostra observada é possível constatar algum procedimento inadequado na condução dos resíduos sólidos representados pelo bagaço. Problema típico percebido foi a distribuição irregular na forma de acúmulo ou a falta de distribuição do bagaço de forma homogênea e em dosagem incompatível com a possibilidade de decomposição sem impactar os recursos naturais de solo e água dos locais aonde foi disposto este material. A utilização mínima de recursos financeiros e humanos poderia solucionar pendências ambientais importantes, proporcionando equilíbrio ao ambiente de produção. A recomendação dos órgãos de controle ambiental é para que haja uma estabilização do bagaço in natura para posterior distribuição em solo agrícola como forma de reduzir a capacidade fermentativa destes materiais a partir de ataque bacteriano, que causam danos à microfauna e à microflora dos solos ou podem ter alguns detritos desta fermentação arrastados por lixiviação para os mananciais d’água. As cinzas oriundas da caldeira de vapor também têm sido dispostas em solo agrícola. As propriedades físico-químicas deste rejeito e a alta concentração percentual de cálcio funcionam como corretivo da acidez. Aplicados em talhões de cana com maior tempo de implantação, contribuem para corrigir solos degradados pela própria cultura fornecedora de materiais paras as destilarias. A pesquisa procurou identificar, entre as unidades que compõem a amostra, os procedimentos que tratam do bagaço e das cinzas resultantes do processo de manufatura. A figura 12, a seguir, apresenta um resumo do diagnóstico de tratamento dado ao bagaço e às 81 cinzas produzidas no processo produtivo da usina produtora de álcool e das 48 destilarias produtoras de cachaça que compõem a amostra. Figura 12. Disposição e/ou tratamento adequado do bagaço e cinzas da produção de álcool e cachaça na região Noroeste-Missões (RS), 2012. Fonte: dados da pesquisa (2012). No diagnóstico do tratamento destes dejetos foi possível constatar que apenas duas destilarias de cachaça, que representam 7,24% da amostra na categoria destilarias, obedecem a um manejo adequado com estabilização para posterior distribuição do bagaço. A usina também tenta dar destino adequado ao bagaço excedente, não utilizado como meio de combustão. Quanto às cinzas oriundas da combustão de lenha e ou bagaço foi possível observar que esta tem como destino o solo agrícola, no entanto, na maioria das situações dispostas de forma não homogênea, em excesso, quando poderiam ser distribuídas numa área maior, em concentrações menores. Quanto ao aproveitamento das cinzas, recente estudo de Souto (2010) propõe a adição das cinzas do bagaço de cana na proporção de 5 a 30% em concretos da classe C30. O sucesso do experimento foi comprovado pelos testes físicos em concreto, a partir de ensaios mecânicos em corpo-de-prova, sendo verificada a resistência à composição axial, tração por compressão diametral e módulo de deformação para índice de até 20% de substituição em massa de areia, sendo registrados ganhos de até 12% em comparação com o concreto de referência. A pesquisa contribui para a aplicação do bagaço de cana, como material 82 alternativo na produção de concreto Portland, por promover resistências elevadas e baixo consumo de cimento. O uso alternativo das cinzas também compreende a possibilidade de utilização como fertilizante, seja associado com outros materiais ou isoladamente. Neste sentido, Lima (2011) propõe a utilização dos resíduos provenientes da produção de biocombustíveis, especialmente o bagaço e as cinzas do bagaço da cana, os quais podem ser empregados na formulação de compostos orgânicos como forma de contribuição para a obtenção de fertilizantes com maior conteúdo de substâncias húmicas e rico em silício, os quais podem atuar na redução da sorção de fósforo em solos tropicais. Ainda conforme Lima (2011), a queima do bagaço da cana que vem sendo utilizado para produção de energia nas usinas de açúcar e álcool tem gerado grande volume de cinzas após o término da estação de moagem. O destino final desta cinza, de forma sustentável e com o menor impacto ambiental, é um desafio para o setor agroindustrial que se utilizam da cana como matéria prima para produção de álcool, cachaça ou outros derivados. Em estudo a partir da aplicação das cinzas produzidas a partir da combustão do bagaço da cana em área de cultivo de milho, Feitosa et al. (2009) concluem não haver necessidade de incubação do solo para a instalação da cultura do milho, a partir da aplicação das cinzas como corretivo de solos, prática essa recomendada para aplicação de corretivos químicos. Apresentam também como conclusão a possibilidade de substituição da adubação química convencional da cultura do milho na dosagem de 60 a 90 toneladas de cinza por hectare. Pan et al. (1978) afirmam serem as cinzas provenientes da combustão do bagaço da cana, material rico em silício, em teores entre 65 e 81%, e pondera que quando aplicada ao solo, contribui para o aumento da produção de cana-de-açúcar em torno de 20%. De acordo com EMBRAPA (2009), as cinzas do bagaço da cana fornecem excelente adubo potássicofosfatado, podendo auxiliar a adubação da cultura. 83 CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa que levantou as condições reais de produção de álcool e de cachaça, compreendendo o manejo da cultura da cana-de-açúcar e os processos produtivos, bem como o destino dado aos resíduos na região Noroeste-Missões do Rio Grande do Sul, coloca em evidência algumas alternativas. O tema trouxe para análise e discussão o impacto causado pela disposição dos rejeitos líquidos – vinhaça, e dos rejeitos sólidos – bagaço e cinzas, no meio ambiente, e analisou a influência das técnicas de manejo de plantio e colheita em relação aos recursos naturais. Avaliou-se a adequação de algumas técnicas, especialmente relacionadas à colheita, para que reduzam os efeitos nocivos causados ao meio. A tradicional metodologia da queima da palha, para facilitar a tarefa de colheita, é altamente degradadora das condições ambientais, enquanto que a colheita da cana crua é tarefa de extrema penosidade, sendo recomendada apenas para os produtores de cachaça em pequenas áreas. A introdução da colheita mecânica é uma adequação passível de avaliação. Cabe ainda analisar o impacto social causado pela substituição da mão de obra do corte e a utilização das colhedoras de cana. A mão de obra até então empregada no corte poderia ser remanejada para outras atividades menos insalubres, absorvendo parte do contingente de operários empregados desta atividade, inclusive para servir às colheitas de menores áreas, cultivadas para a produção de cachaça. Este fato tenderia assegurar a qualidade da produção de cachaça em caráter artesanal. A vinhaça tem se constituído ao longo do tempo na maior preocupação, por representar o maior volume de resíduo e, consequentemente, maior potencial poluidor. Sua elevada Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) e concentração em potássio e outros nutrientes, determina um elevado potencial de impacto aos recursos hídricos e, eventualmente ao solo, quando empregadas altas dosagens na fertirrigação. No entanto, todo potencial poluidor pode ser transformado em fonte de biofertilizante, se utilizado em dosagens equilibradas e adequadas. 84 A usina de álcool se utiliza de técnicas adequadas de armazenamento provisório e distribuição uniforme e equilibrada da vinhaça, no entanto, a maioria das destilarias de cachaça não tem qualquer preocupação com a vinhaça produzida e a dispõe na natureza sem critérios. Um número muito pequeno de produtores de cachaça tem real preocupação com a forma correta de gestão dos resíduos agroindustriais produzidos, e adota manejos adequados de gestão. Constatou-se também que não há o aumento do potencial poluidor pela mistura à vinhaça da porção inicial e final da destilação na produção de cachaça. Outra constatação importante é o emprego pela usina de todas as técnicas recomendadas para o correto aproveitamento do biofertilizante aplicado sobre a cultura da cana, como o cultivo em sulcos, o transporte para as áreas mais distantes, a distribuição homogênea e a adequação de condições ideais para aplicação em relação aos níveis de saturação hídrica superficial dos solos. As possibilidades alternativas para o uso da vinhaça como biofertilizante representam, acima de tudo, ganhos ambientais de grande relevância. A transformação de um despejo com potencial poluidor, em fonte de uso com benefícios, representa a internalização de custos ambientais antes socializados. A gestão dos resíduos sólidos desperta menor preocupação se comparada à gestão da vinhaça. A maior gama de possibilidade de aproveitamento destes materiais para uso agrícola ou industrial concorre para o menor potencial poluidor do bagaço e das cinzas. A demanda por fontes de energias renováveis tem gerado expectativa quanto à utilização do bagaço da cana como fonte de combustão para produção de energia elétrica. Assim como vem ocorrendo com os resíduos sólidos do beneficiamento do arroz, o bagaço pode ser transformado em energia térmica e, a partir desta, convertido em energia elétrica. Esta possibilidade abre a discussão sobre a geração de poluentes gasosos decorrente da emissão da fumaça liberada na combustão. Uma análise deve estabelecer os custos e os benefícios ambientais de tais manejos, haja vista que foge do conceito de produção limpa. O uso em larga escala como matéria orgânica disposta em solo agrícola é o mais antigo e mais frequente emprego deste resíduo. A falta de uniformidade e as dosagens excessivas podem prejudicar sua utilização para este fim. A aplicação na superfície do solo tem atenuado a ação da erosão por escoamento superficial da água e remoção das camadas superficiais do solo, de maior fertilidade, constituindo barreira natural para evitar o avanço do processo erosivo. Os prejuízos se limitam à ação decorrente do processo metabólico de decomposição, que poderiam ser atenuados pela estabilização do bagaço a partir da secagem ou redução do percentual de umidade logo após a moagem. 85 O bagaço também pode ter aplicação na produção de papel. Experiências bemsucedidas transformam o resíduo agroindustrial em papel de qualidade diferenciada. Esta tecnologia depende de uma capacidade mais complexa de manufatura de bens de qualidade superior, no entanto, experimentos rudimentares têm produzido papel de forma artesanal. Esta opção atende à demanda de materiais utilizados por artesãos e empregados na produção de embalagens para cachaça das destilarias. Seu uso é bastante limitado em termos de volume de produção e não absorve volume expressivo de materiais. A produção de chapas de partículas constitui-se em outra alternativa viável. A associação com outros materiais, em experimentos relatados, pode atender à demanda da construção civil, como a produção de divisórias de uso interno. A combinação com as folhas caulinares de bambu resulta num produto final de qualidade e preço competitivo. Esta modalidade pode representar a absorção de um volume elevado de materiais. A alternativa mais promissora da utilização do bagaço da cana está relacionada à alimentação de bovinos. Diversos experimentos, com a utilização de diferentes técnicas, têm relatado uma gama de possibilidades de uso como volumoso administrado à pecuária de corte e à pecuária leiteira. O consumo in natura praticamente inviabiliza o uso do bagaço, em razão do baixo valor nutritivo e a sua baixa digestibilidade, associada ao elevado teor de fibras. Muitas são as alternativas para aumentar o valor nutritivo do bagaço, viabilizando financeiramente sua administração como insumo na alimentação de bovinos. O tratamento com hidróxido de sódio é financeiramente viável, no entanto, incorre em riscos decorrentes do manuseio e preparação dos materiais. O tratamento com amônia também é alternativa viável, no entanto, os riscos em administrar estes materiais aos animais devem ser considerados. O tratamento com ureia é uma das alternativas mais promissoras, por contar com custos reduzidos e a simplicidade que o processo de tratamento requer. Do ponto de vista financeiro, é uma das melhores relações entre custos de produção e benefícios alcançados. Entre todas as possibilidades de utilização do bagaço como ração animal, a que proporciona maior vantagem é o tratamento do bagaço em vapor e sob a aplicação de pressão, por demandar capacidade instalada mínima, sendo necessária apenas uma cápsula hermeticamente fechada e o vapor produzido pelas caldeiras nas usinas e destilarias que utilizam esta tecnologia. Os menores custos e os maiores benefícios tornam esta metodologia uma forma segura de produzir volumoso para alimentar bovinos de corte e de leite, podendo ser a principal fonte de volumoso, associado com concentrados à base de grãos. As cinzas também são resíduos produzidos pela usina de álcool e pelas destilarias de cachaça. Embora de volume limitado, sua potencialidade com corretivo e fertilizante em solo 86 agrícola e outros fins alternativos podem transformar este dejeto em fonte de exploração econômica e financeira viável. O cálcio encontrado em sua composição é recomendado como corretivo de acidez dos solos, especialmente aqueles cultivados com cana-de-açúcar. Esta prática foi constatada, entretanto, preocupa a falta de uniformidade na aplicação. O depósito em solo agrícola poderia ser mais bem utilizado, promovendo uma cobertura com menor proporção em área maior. Outra alternativa é a utilização das cinzas do bagaço da cana para compor cimento Portland. Os testes em corpo de prova atestam a substituição do cimento pelas cinzas da cana em percentuais de 5 a 30%, com a resistência exigida. As práticas relatadas representam reais oportunidades de ganhos ambientais pela utilização de dejetos sólidos, tanto do bagaço quanto das cinzas como matérias primas alternativas, seja como meio de combustão, componentes fibrosos para chapas de partículas, produção de papel ou alimentação de bovinos, assim como as cinzas na produção de cimento ou como corretivo em solo agrícola. O mínimo impacto sobre o meio ambiente no manejo e utilização destes dejetos é realçado como um avanço importante na relação entre a produção de álcool e cachaça e a gestão dos, os quais representam externalidades que são socializadas coletivamente, ao passo que os resultados econômicos desta produção são apropriados individualmente pelos empreendimentos. A identificação, as análises e as discussões sobre as alternativas econômicas e financeiras viáveis e legalmente amparadas para a gestão dos resíduos gerados pela produção de álcool e cachaça na região Noroeste-Missões do Rio Grande do Sul não se encerram com a divulgação dos resultados deste estudo. O surgimento de novas tecnologias abre a perspectiva para outras possibilidades de utilização destes rejeitos, reduzindo ou neutralizando o impacto causado pela sua disposição ao meio ambiente, internalizando parte dos custos ambientais decorrentes do processo de manufatura. A consciência ambiental deve ser capaz de considerar a responsabilidade privada pelo impacto causado, na medida em que os benefícios são de natureza privada e, por consequência, os custos de redução ou atenuação destes impactos também devem ser privados. Nestes casos, trata-se de efetiva responsabilização social dos agentes empreendedores. O princípio fundamental da responsabilidade socioambiental é de que o plano estratégico formal ou informal de qualquer empreendimento, concebido com a possibilidade de geração de poluente, deve contar com a projeção que contemple a viabilidade econômica e financeira das alternativas para internalizar os custos ambientais atinentes ao projeto, sob o risco de serem estes empreendimentos, inviáveis. 87 REFERÊNCIAS ANDRADE, Rui Otávio; TACHIZAWA, Takeshy; CARVALHO, Ana Barreiros de. Gestão ambiental. 2. ed. São Paulo: Makron Books, 2002. AZEREDO, D. F.; MANHÃES, M. S. Adubação orgânica: nutrição e adubação da cana de açúcar no Brasil. 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São Carlos, 1998. 93 APÊNDICE QUESTIONÁRIO – INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS Identificação a) Município b) Localidade c) Área de cana plantada d) Potencial produtivo da cultura e) Capacidade de produção f) Plantio raso/sulcos g) Qual o tempo de duração da cultura h) Qual a adubação de plantio i) Qual adubação de manutenção j) Qual o tipo de solo Tipo de solo k) Qual a altitude do terreno l) Qual a posição da destilaria em relação aos talhões m) Qual a proximidade dos talhões e da destilaria de rios, nascentes e lençóis freáticos superficiais n) Como é o acesso dos talhões Produção a) Colheita da cana cru ou queimada b) Corte próprio ou com terceiros c) Qual o tipo de transporte utilizado d) Qual a tecnologia da moagem e) Qual o tipo de fermentação f) Qual o tipo de combustão g) Qual o tamanho do destilador h) Há separação de cauda e cabeça e qual o destino deste resíduo i) Fogo direto, caldeira ou trocador de calor 94 Gestão de dejetos a) Tipo de armazenagem de dejetos líquidos b) Qual o tipo de solo de armazenagem de dejetos líquidos c) Qual a proximidade do depósito de vinhaça em relação a rios, nascentes e lençóis freáticos superficiais d) Como é a disposição para fertirrigação pela vinhaça e) Qual a concentração f) Tipo de armazenagem para bagaço e cinzas g) Como é a disposição do bagaço h) Como é a disposição das cinzas i) Qual a proximidade do depósito de bagaço e cinzas em relação a rios, nascentes e lençóis freáticos superficiais