Monografia

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FUNDAÇÃO PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS – FUPAC
FACULDADE PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS DE UBERLÂNDIA
MARCELO JOSÉ DE OLIVEIRA
A BUSCA DA SOLUÇÃO DE CONFLITOS NO DIVÓRCIO: a efetividade
jurisdicional na proteção dos filhos
Uberlândia - MG
2011
MARCELO JOSÉ DE OLIVEIRA
A BUSCA DA SOLUÇÃO DE CONFLITOS NO DIVÓRCIO: a efetividade
jurisdicional na proteção dos filhos
Monografia apresentada à Fundação Presidente
Antônio Carlos – FUPAC - Faculdade Presidente
Antônio Carlos - 10º período de Direito, como
requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Direito sob orientação do Professor
Especialista Luciano Severino de Freitas.
Uberlândia - MG
2011
MARCELO JOSÉ DE OLIVEIRA
A BUSCA DA SOLUÇÃO DE CONFLITOS NO DIVÓRCIO: a efetividade
jurisdicional na proteção dos filhos
Monografia apresentada em _______ de ______________ de ________, à Fundação Presidente
Antônio Carlos – FUPAC - Faculdade Presidente Antônio Carlos - 10º período de Direito, como
requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito sob orientação do Professor
Especialista Luciano Severino de Freitas.
Uberlândia-MG, 2011.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Professor Especialista Luciano Severino de Freitas
(Professor / Orientador)
___________________________________________________
(Professor Examinador)
_____________________________________________________
(Professor Examinador)
Á Deus, pelo dom da vida, a minha
esposa, pelo grande amor, aos meus
filhos, por acreditarem nos meus sonhos,
a minha mãe, pelo exemplo de amor,
força e fé, a meu pai, que realçou ainda
mais a vontade de transformação.
AGRADECIMENTOS
A minha esposa e aos nossos filhos, sem os quais, mesmo que
vencido o inicial obstáculo, o da graduação, não teria o brilhantismo e a magnitude,
aos quais me vislumbro incerto ao me tornar um possível paradigma nascente para
minha prole;
A minha Mãe, responsável pela formação precípua do meu ser no
que tange à probidade, à moral, à hombridade, os quais serão determinantes no
exercício da hermenêutica do direito, sendo sua real concretude após a graduação;
e a meu pai, que me impulsionou a enfrentar os obstáculos existentes no cursar da
vida.
Ao meu irmão, companheiro ao longo de minha vida, e sua família,
por estarem também sempre torcendo por mim;
À memória de meu avô, que expressou a vontade de estar presente
nesta conquista e que o faz em espírito, e em meu coração e mente, nos quais
sempre povoa, e a sua esposa, minha avó que igualmente expressou seu amor e
que acredito estar a me aplaudir orgulhosa, mas igualmente em espírito;
Não se esquecendo dos familiares e amigos, em especial ao Luiz
Carlos (Todão), Victor Neto, Francisco Pascoal, João Neto, Homero Freitas e Jorge
Magalhães, que, além de incontáveis incentivos manifestaram apoio e oração em
momentos difíceis, possibilitando um fortalecimento para o devido enfrentamento,
ação digna da grandiosidade da amizade dispensada a mim e a minha família;
Agradeço ao Professor Luciano Severino de Freitas, que tive a
satisfação de ter como professor na graduação e de tê-lo como orientador.
Agradeço-lhe a franqueza, honestidade, competência, os conselhos oportunos e a
crítica amável, construtiva e estimulante, parte integrante da minha formação
profissional.
O agradecimento devido a todos os professores pelo constante
incentivo ao estudo e sempre presentes na minha formação, bem como os diletos
que já me dispensam tratamento isonômico como possíveis colegas de profissão.
Enfim, a todos aqueles que, de uma forma ou outra, contribuíram
para a realização deste trabalho, a minha eterna e sincera gratidão!
Os sete pecados capitais responsáveis pelas
injustiças sociais são: riqueza sem trabalho;
prazeres sem escrúpulos; conhecimento sem
sabedoria; comércio sem moral; política sem
idealismo; religião sem sacrifício e ciência sem
humanismo. Mahatma Gandhi.
RESUMO
O presente trabalho trafegará pelo Direito de Família, sendo pautado
no estudo da Constituição Federal, na qual encontramos as diretrizes insertas nos
seus artigos 226 e 227, bem como nos Direitos fundamentais, no Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei n. ° 8.069, de 13- 7-1990). Analisaremos o contexto
histórico da evolução social da família, estrutura familiar, notadamente a célula mãe
da sociedade, amplamente protegida pelo direito, a maior responsável pelos
alicerces da sociedade em que vivemos. O intuito é fazer reflexão dentro de uma
ponderação valorativa acerca da solução de conflitos no direito de família, tendo
como objeto mais específico a dissolução da sociedade conjugal e a sua afetação
aos filhos advindos da união, bem como a importância da efetividade jurisdicional do
Estado com a possível multidisciplinaridade/interdisciplinaridade com outras áreas
das ciências sociais. Evidenciando que o desenvolvimento saudável dos filhos como
preconizado pela Constituição Federal e toda legislação infraconstitucional
pertinente, não raro ser aviltado com a possibilidade de comprometimento a
formação do ser, e este como parte integrante do corpo social. O presente trabalho
adotará
a
forma
de
metodologia
descritivo-teórica,
também chamada
de
bibliográfica, tomando por base materiais já publicados de outros autores,
abrangendo livros, artigos de periódicos. Com a ponderação adequada que compete
ao caso. A solução da lide, evidenciada no judiciário, pelas vias do contencioso, em
principal no direito de família, não é tão justo, e tão idôneo se o caminho para sua
efetivação for o destruição de direitos fundamentais ou de valores estruturantes que
integram a dignidade da pessoa humana, como o direito de desenvolvimento
saudável, educação e evolução cidadã, em especial da criança e do adolescente,
sendo que para a efetiva proteção determinada pela Constituição Federal, se possa
caminhar para resposta correta para a solução de conflitos avocada pelo Estado.
Palavras-chave: Solução de Conflito, Multidisciplinaridade/interdisciplinaridade;
Dignidade Humana.
ABSTRACT
This work will travel by family law, being guided in the study of the
Federal Constitution which inserts the guidelines found in Articles 226 and 227 as
well as the Fundamental Rights, the Statute of Children and Adolescents (Act No.
8069 of 13 - 7-1990): We will analyze the historical context of the social evolution of
the family, family structure, notably the cell of society, largely protected by the law,
the most responsible for the foundations of society which we live. The aim is to reflect
a balance of values within about conflict resolution in family law, with the more
specific object the dissolution of the conjugal society and their mannerisms to the
children coming from the union, and the importance of effective judicial review of the
State with can multidisciplinarity / interdisciplinarity with other fields of social
sciences. Showing that the healthy development of children as envisaged by the
Constitution and all relevant constitutional legislation, often be degraded with the
possibility of the formation of the commitment, and this as part of the social body.
This work will take the form of descriptive-theoretical literature also called, based on
material already published by other authors, including books, journal articles. With
the proper consideration that it is the case. The solution of the dispute, as evidenced
in the judiciary, by way of litigation, in the main family law is not as fair and as
suitable if the path to your effective for the destruction of fundamental rights or values
that make up the structural dignity of a human person, the right to healthy
development, education and citizenship development, especially of children and
adolescents, and for the effective protection given by the Constitution, you can walk
to
the
correct
answer
to
conflict
resolution
called
up
by
the
state.
Keywords: Conflict Resolution, multidisciplinarity / interdisciplinarity, Human Dignity.
LISTA DE SIGLAS
CF
Constituição Federal
ECA
Estatuto da Criança e do Adolescente
CC
Código Civil
SAP
Síndrome da Alienação Parental
EC
Emenda Constitucional
LC
Lei Complementar
PL
Projetos de Lei
IBDFAM
Instituto Brasileiro de Direito de Família
CCJC
Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania
LINDB
Lei de Introdução as normas de Direito Brasileiro
TJMG
Tribunal de Justiça de Minas Gerais
OAB
Ordem dos Advogados do Brasil
CRM
Conselho Regional de Medicina
CRP
Conselho Regional de Psicologia
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1 - A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA CRIANÇA .................................. 16
1.1. Abordagem Inicial ........................................................................................... 16
1.2. Criança e divórcio no Brasil............................................................................. 25
CAPÍTULO 2 - A CRIANÇA A DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE E DO VÍNCULO
CONJUGAL ............................................................................................................... 36
2.1. A família como base da sociedade civil brasileira ........................................... 36
2.2. Impactos psicossociais na criança .................................................................. 49
2.2.1. Síndrome da Alienação Parental .............................................................. 54
CAPÍTULO 3 - O NOVO ESTATUTO DAS FAMÍLIAS .............................................. 62
3.1. Análise do novo Estatuto das Famílias ........................................................... 62
3.2. Instrumentos para a efetiva solução de conflitos ............................................ 78
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO
Neste presente trabalho percorre-se rapidamente o direito de família
ao longo da história criando o elo para a discussão central, qual seja a busca da
solução de conflitos na dissolução da sociedade e do vínculo conjugal como
efetividade jurisdicional na proteção dos filhos.
Delimita-se o tema do presente trabalho procurando demonstrar que
a família que detêm especial proteção do Estado, quando se vê abalada pelo conflito
desencadeado pela dissolução da sociedade e do vínculo conjugal provoca impactos
psicossociais na criança e adolescentes advindos desta relação, sendo que
atualmente vigora a doutrina da proteção integral, é a doutrina instituída inspirada no
diploma internacional a Convenção Internacional dos Direitos das Crianças de 1989,
que estimulou a criação do artigo 227 da Constituição Federal.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação
dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)1
Assim sendo, a Constituição adotou em favor da criança e do
adolescente o princípio da proteção especial ou princípio da proteção integral,
cabendo salientar que é norma de eficácia plena e aplicação imediata, trazendo
1
Art. 227 da Constituição Federal de 1988.
12
como dever da família, da sociedade e do Estado, conferindo à criança e ao
adolescente, diversos direitos relacionados com a sua condição especial de pessoa
em desenvolvimento.
Por sua vez, o Estatuto da Criança e do Adolescente é um
microssistema, não no sentido de independente, mas que veio para regulamentar o
previsto na Constituição Federal em seu artigo 227, caput, e por esta óptica,
podemos observar um princípio da solidariedade intergeracional, o qual visa pais
melhores, filhos melhores, e gerações consequentemente melhores, segundo as
determinações insertas na CF.
Desta forma se faz necessário a implantação de meios suficientes
na busca da efetiva solução de conflitos, sejam eles intermediados pelas vias
judiciais ou extrajudiciais, no intuito de impedir qualquer interferência no processo de
desenvolvimento da criança e do adolescente, conforme dispõe o art. 3º do Estatuto
da Criança e do Adolescente, in verbis:
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata
esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de
dignidade.2
A responsabilidade dos pais pela formação emocional e intelectual
dos filhos nem sempre se restringe do nascimento até a maioridade, podendo se
estender por toda a vida seja por exemplos e/ou ensinamentos. Desta feita, a
relação de amizade e carinho se mostra necessária para o desenvolvimento humano
dos filhos.
Diante do exposto, surge o problema de pesquisa: como buscar a
máxima efetividade das determinações insertas no artigo 227 da Constituição
Federal quando da dissolução da sociedade e do vínculo conjugal?
É esse questionamento principal que problematiza a pesquisa e será
discutida, como também, devidamente respondida ao longo da monografia, assim
como as dúvidas decorrentes da exposição teórica.
Os militantes do direito, não se esquecendo de que a todo o
momento se aborda a ética profissional, não raro a confusão entre, ação, autos,
2
Art. 3º da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
13
processo, procedimento, requerente, requerido, autor, réu, alimentante, alimentando,
apelante, apelado, agravante, agravado, embargante, embargado e etc., sem se
aterem que atrás destas inúmeras denominações estão José, Maria, Ana, Pedro, e
tantos outros seres humanos que buscam aquilo que acreditam ser justo e de direito,
de acordo com sua formação ética e moral é claro, junto ao Estado.
Neste viés, há necessidade de uma melhor qualificação para buscar
soluções de forma imparcial e de forma mais benéfica para as partes envolvidas
com a possível maximização de ganhos com postura de respeito, visando solução
empática, para que se tenha a harmonia dos acordos.
Pretende-se com o presente trabalho demonstrar a importância da
efetividade jurisdicional do Estado com a possível multidisciplinaridade ou
interdisciplinaridade com outras áreas das ciências sociais para a solução de conflito
no direito das famílias, tendo como objeto mais específico a dissolução da sociedade
e do vínculo conjugal e a sua afetação aos filhos advindos da união.
Cabe ressaltar que a estrutura institucional da Justiça coloca à
disposição das Varas de Família o citado trabalho interdisciplinar através de
Assistentes Sociais e Psicólogos, que atuam como peritos e auxiliam o juiz na
aferição dos fatos, fornecendo subsídios para a melhor aplicação da lei ao caso
concreto.
O trabalho científico, ora apresentado, visa identificar a importância
da busca da solução efetiva de conflitos, quando da separação/divórcio dos pais,
para a devida proteção integral da criança e do adolescente. Trata-se de uma
abordagem sobre a temática, evidenciando que o desenvolvimento saudável dos
filhos,
como
preconizado
pela
Constituição
Federal
e
toda
legislação
infraconstitucional pertinente, não raro ser aviltado com a possibilidade de
comprometimento a formação do ser, e este como parte integrante do corpo social.
Ocorre que contemporaneamente a família tem a sua construção
fundamentada no afeto como imprescindível e não o simples laços de sangue ou
patrimoniais, sendo que se evidencia que os laços de afeto devem ser
preponderantes também no momento da ruptura, mas o afeto destacado deve ter
interpretação consoante ao direito em sua precípua destinação, sendo antes de tudo
um compromisso assumido em face dos integrantes do grupo familiar, bem como
junto à sociedade que se vê inserta e perante o Estado, que poderá constringir
14
aquele que descumprir o compromisso assumido (sentido mais amplo do afeto).3 O
direito de família, vislumbrado como mero apêndice do direito civil para a busca de
solução dos conflitos advindos das relações de seus integrantes, continuará com
uma interpretação equivocada pautada em uma linguagem binária prevalente nas
decisões do judiciário, ou seja, sim ou não, procedente ou improcedente.
O propósito maior é a busca da equidade para a solução da lide
insurgida na dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, sendo necessária uma
percepção mais abrangente do que a linguagem de dois signos, ou seja, a
linguagem das relações humanas (ternária), e nestas existem várias possibilidades,
podendo proporcionar uma satisfação (o que mais se aproxima do justo) entre todos
os envolvidos e uma maior proximidade a proteção integral da criança e ao
adolescente preconizada pelo Estado.
A metodologia adotada para o presente trabalho é a forma de
descritivo-teórica, também chamada de bibliográfica, que consiste na elaboração,
tomando por base materiais já publicados de outros autores, abrangendo livros de
doutrinadores, artigos de periódicos, assim como material disponibilizado na internet.
Segundo Cervo4:
A pesquisa bibliográfica procura explicar um problema a partir de referência
teóricas publicadas em documentos. Pode ser realizada independentemente
ou como parte da pesquisa descritiva ou experimental. Em ambos os casos,
busca conhecer e analisar as contribuições culturais ou cientificas do
passado existentes sobre um determinado assunto, tema ou problema.
Iniciar-se-á com uma abordagem sobre o tema: “A busca da solução
de conflito no divórcio: a efetividade jurisdicional na proteção dos filhos”, discorrendo
sobre a especial proteção do Estado para com a família e a doutrina da proteção
integral da criança e do adolescente, insertos nos artigos 226 e 227 da Constituição
Federal, e a importância do desenvolvimento saudável dos filhos que pode ser
desvalorizado quando do rompimento da célula familiar, e existente um conflito que
reflete como uma indevida quebra parental, trazendo danos à prole e a sociedade
como um todo.
3
O termo compromisso será abordado posteriormente de forma mais abrangente no capítulo II.
CERVO, Amado Luiz; BERVIAN, Pedro Alcino. Metodologia Científica. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall,
2002. P.65-66.
4
15
Será feito um breve relato sobre a construção da criança, buscando
uma abordagem histórica e conceitual, perpassando por obras que bem ilustram
como “A cidade Antiga de Fustel de Coulanges” e “A história social da criança e da
família de Philippe Aries”, chegando à nossa legislação e o tratamento dispensado a
família e a sua prole, bem como a evolução ocorrida na percepção da família dentro
do corpo social e a visão dispensada aos filhos, inclusive toda a percepção
envolvida no que tange a criança e divórcio no Brasil perpassando pela legislação
pertinente como Código de menores (Decreto nº 17.943, de 12/10/27, o Código de
menores - Lei nº 6.697/79 e Lei 4.513/64).
Tratar-se-á, em seguida, sobre a criança e a dissolução da
sociedade e do vínculo conjugal, bem como os impactos psicossociais da criança,
sendo que a base das relações que os pais e mães mantêm com os filhos está
baseada no afeto (em sentido amplo), mas tem como fator preponderante da
qualidade da relação conjugal, e se esta relação é conflituosa, mesmo quando ainda
debaixo do mesmo teto, há reflexos nocivos e quando se concretiza o divórcio, pode
ter uma situação mais agravada em relação à prole, desencadeando inclusive a
síndrome da alienação parental, construindo danos talvez irreparáveis à psique das
crianças e adolescentes.
Será feito, ainda, uma abordagem sobre o projeto do Estatuto das
Famílias que visa demonstrar a prioridade da família separando da atual legislação e
transformando em um microssistema respeitando a dinâmica de sua evolução, com
o intuito de adequar o direito material a realidade social, bem como implementar o
direito processual atinente com institutos que visa soluções empáticas para conflitos
fazendo uso de multiprofissionais com uma interação necessária para a busca da
proteção da família, no caso em especial, dos filhos, e consequentemente para a
sociedade.
E finalizará em apertada síntese de todo o conteúdo do tema
proposto e o que foi detectado, com o objetivo de criar um panorama favorável
dentro do propósito do Estado no que tange a proteção integral da criança e ao
adolescente, dentro de uma percepção mais ampla das relações humanas com a
possibilidade de uma maior proximidade do que se acredita justo e equânime da
solução da lide emergente na dissolução da sociedade e do vínculo conjugal,
objetivando a efetiva dissolução do conflito.
CAPÍTULO 1
A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA CRIANÇA
O sentimento que divide, inimiza, retalia, detrai,
amaldiçoa, persegue, não será jamais o da pátria.
A pátria é a família amplificada. E a família,
divinamente constituída, tem por elementos
orgânicos a honra, a disciplina, a fidelidade, a
benquerença, o sacrifício. (Rui Barbosa) 5
1.1. Abordagem Inicial
Realizar-se-á uma abordagem inicial sobre a construção histórica da
criança, sendo necessário perpassar pela família e a autoridade nela exercida ao
longo do tempo até a contemporaneidade.
A união da família antiga e a sua constituição se devem ao poder da
religião, sendo que em cada casa existia um altar o qual a família realizava suas
orações, suas refeições, fora de casa, em área próxima, seus mortos eram
enterrados que também eram cultuados com oferendas para que pudessem protegêlos, dando uma conotação de indissolubilidade da família, sendo assim, mais uma
associação religiosa do que uma associação natural, cabendo aqui salientar que a
religião que deu regras a família, mas não a criou.
5
BARBOSA, Rui. Discurso no Colégio Anchieta. 13 dez. 1903.
17
Interessante destacar que, apesar da religião, do lar e dos
antepassados se transmitirem de homem para homem, tinha a participação da
mulher, sendo que, quando solteira, assistia as práticas religiosas do pai, e, do
momento que se casava, aos do marido, sendo que deixa o seu antigo lar, tendo seu
laço rompido pela autoridade do pai, e aqui está à explicação da filha não ter direito
a sucessão paterna, já que rompe com o culto do pai e passa a adotar o do marido,
segundo as normas da religião. Apenas para completar a digressão feita, quando a
filha era única, esta era intermediária para a transmissão do culto e da herança,
sendo que quando tivesse um filho e este atingisse a maioridade tomaria a devida
posse.
A necessidade de satisfazer à religião, combinada com o desejo de salvar
os interesses das filhas únicas, fez com que se encontrasse outra solução.
Sobre esse ponto o direito hindu e o direito ateniense coincidiam
maravilhosamente. Lemos nas Leis de Manu: “Aquele que não tem filho
varão, pode encarregar a filha de lhe dar um filho, que se torna seu, e que
celebre em sua honra a cerimônia fúnebre.” — Para isso, o pai deve
prevenir o esposo ao qual dá a própria filha, pronunciando esta fórmula: “Eu
te dou, enfeitada de jóias, esta filha que não tem irmão; o filho que dela
nascer será meu filho, e celebrará meus funerais(15).” — O costume era
idêntico em Atenas; o pai podia fazer continuar a descendência pela filha,
dando-a a um marido com essa condição especial. O filho que nascia desse
casamento era considerado filho do pai da mulher; seguia seu culto, assistia
a seus atos religiosos, e mais tarde cuidava de seu túmulo(16). No direito
hindu essa criança herdava do avô como se fosse filho; o mesmo acontecia
em Atenas. Quando um pai casava a filha única como acabamos de dizer,
seu herdeiro não era nem a filha, nem o genro, era o filho de sua filha(17).
Quando este atingisse a maioridade, tomava posse do patrimônio materno,
embora o pai e a mãe ainda estivessem vivos(18).6
Segundo historiadores, o parentesco e o afeto não tinham
importância para os direitos grego e romano, sendo que o sentimento poderia existir,
mas nada representava para o direito, podendo se evidenciar que o parentesco e o
direito sucessório eram regulamentados pelos direitos de participação no culto, ou
seja, seguia as determinações da religião. Desta forma, deu contornos diferentes
aos que teriam a família antiga se tivesse baseado a sua constituição nos
sentimentos naturais.
O casamento é considerado como a primeira instituição criada pela
religião doméstica, tendo caráter essencial à união conjugal, sendo dotado de
seriedade e extrema importância para os antigos, levando a pensar que a religião
não admitia a poligamia, e que a união era indissolúvel, já que o divórcio era quase
6
NUMA, Denys Fustel de Coulanges – Capítulo VII – Direito de Sucessão - Tradução de Frederico Ozanam
Pessoa de Barros em 2006.
18
impossível. Mesmo no direito romano, a dissolução do casamento religioso era muito
difícil, diferentemente do casamento sem caráter religioso.
Os dois esposos que desejavam o divórcio apresentavam-se pela última vez
diante do fogo sagrado comum, na presença de um sacerdote e de
testemunhas. Como no dia do casamento, oferecia-se aos esposos um bolo
de flor de farinha(24). Mas, provavelmente, em lugar de comê-lo, eles o
rejeitavam. Depois, em lugar de preces, pronunciavam fórmulas “de caráter
estranho, severo, vingativo, terrível(25),” uma espécie de maldição, pela
qual a mulher renunciava ao culto e aos deuses do marido. Desde esse
momento o laço religioso estava rompido. Com o término da comunhão de
culto, toda outra comunhão cessava por direito, e o casamento ficava
7
dissolvido.
A maior parte das regras da família antiga foi dada pela religião, e
um dos pontos mais notáveis é a exigência imperiosa de sua continuação para que
não morra o culto, sendo que esta ocorrência, na época em que tais crenças não
sofreram alteração, era tida como grande desgraça, um lar extinto e todos os mortos
daquela família estariam abandonados à miséria eterna, já que não mais existiriam
oferendas.
A evidência clara é que o objetivo maior é a continuação da
descendência para a preservação do culto, sendo que até aquele que estava em
condição de celibatário, condição esta que era vista como que uma condenação
para ele e seus antepassados que foram elevados à condição de deuses, ocorrendo
inclusive, desde a existência de leis, a sua proibição, e quando deixou de existir tal
proibição legal, permaneceu pelos costumes.
Outro detalhe é que, além de gerar filhos que deveriam perpetuar a
religião doméstica, eles deveriam advir de casamento religioso, e aqueles que não
se enquadravam em tal acepção estavam impedidos das atribuições que a religião
incumbia ao filho. Desta feita, a sanguinidade somente não constituía a família, pois
era necessário o vínculo de culto.
A obrigatoriedade do casamento visava, em conformidade com a
religião e as leis, a união de dois no mesmo culto doméstico, para gerar um terceiro,
e este com condições de manter o culto, sendo que o desejo de união para
felicidade e sofrimentos inerentes à vida conjugal era secundário.
Caso a mulher fosse estéril, o divórcio era um direito, já se o homem
o fosse, um irmão ou parente do marido tinha o dever de substituí-lo, mas a mulher
7
Ibid., – Capítulo II – O Casamento -. Acesso em: 23/04/2011
19
não podia divorciar-se. E aqui se evidencia, mais uma vez, que a religião prevalecia
sobre o vinculo natural, a consanguinidade, pois a criança nascida era como se filho
fosse do marido, portanto poderia continuar o culto.
A religião se fazia tão prevalente que, caso necessário, o casamento
de viúva sem filhos se daria com parente mais próximo do falecido marido e o filho
dessa união era tido como filho do defunto.
A entrada do filho na família: O Pai, como representante dos
antepassados e o dirigente religioso, era dotado do poder de decisão se o recémnascido pertencia à família, sendo sua declaração de conotação moral e religiosa.
Essa regra ocorria em Roma, na Grécia e na Índia.
Devido à menina não atender o objetivo preconizado pelo
casamento, por ela não poder continuar o culto, como já dito anteriormente, era
necessário o filho para que desse prosseguimento a todos os rituais e protegesse a
família de cair em desgraça.
O direito de adotar nada mais era que um remédio: Devido os
antigos visualizarem que deveriam buscar a perpetuação do culto doméstico para
que não incorressem em desgraça, a religião obrigava o casamento do homem,
permitindo o divorcio caso a mulher fosse estéril, substituição do marido por um
parente, em caso de impotência ou de morte prematura, não sendo permitida a
quem tinha filhos.
Como não poderia deixar de ser, a adoção se fazia por
cerimônia sagrada semelhante a do nascimento de um filho. Desta forma, se o
admitia no lar e o agregava na religião do pai, tornando-se desta forma comum a
ambos, pai e filho, tudo que atine a religião domiciliar, se fazia necessário a renuncia
ao lar e culto da antiga família.
A autoridade na família: A composição da família era de um pai, de
uma mãe, de filhos e de escravos, sendo que a autoridade era da religião doméstica,
deus chamado pelos gregos de lar-chefe, sendo que o pai é o primeiro junto ao lar,
ele é o chefe que exerce a autoridade dentro do domínio, a posição da mulher não é
de senhora do lar, apesar de fazer parte em todos os atos religiosos, pois a sua
religião não vem do nascimento, mas sim por causa do casamento. A mulher é
considerada somente como membro do esposo, tanto na vida como na morte, já que
sepultada não receberá nenhum culto especial. A subordinação da mulher e a
dignidade eram constituídas pelo casamento.
20
No que diz respeito à criança, à natureza e à religião, eram
concordes no ponto de que era necessário um protetor, um guia, um mestre, sendo
que a religião determinava que o pai fosse o chefe e o filho o ajudante nos cultos
sagrados. Entretanto, a religião tinha uma exigência maior, pois não concedia a
maioridade, como o fazia a natureza, já que o lar, sendo indivisível, bem como a
propriedade, e os irmãos não se separam pela morte do pai, sendo que os filhos
devem continuar no lar paterno submetidos à sua autoridade e são considerados
menores enquanto vivo o pai estivesse.
Essa sujeição do filho ao pai, por tempo exagerado, desaparece
cedo em Atenas. Já em Roma, o filho jamais pôde manter um lar particular enquanto
o pai estivesse vivo, pois, independentemente se casado e com filhos, se submetia a
autoridade do pai. O poder atribuído ao pai/marido foi estabelecido pela religião,
que determina os graus na família. Numa8 nos explica melhor:
O pai é o primeiro junto ao lar: ele o alumia e conserva; é seu pontífice. Em
todos os atos religiosos, ele exerce a mais alta função; degola a vítima; sua
boca pronuncia a fórmula de oração, que deve atrair para si e para os seus
a proteção dos deuses. A família e o culto se perpetuam por seu intermédio;
representa, sozinho, toda a série dos descendentes. Sobre ele repousa o
culto doméstico; quase pode dizer como o hindu: “Eu sou o deus.” —
Quando a morte chegar, será um ser divino, que os descendentes
invocarão.
A paternidade não conferia direitos ao pai, pois a autoridade advinha
do culto doméstico. Naquele tempo, toda religião reside no pai, sendo ele sacerdote,
herdeiro do lar, detentor dos ritos misteriosos do culto e das formulas secretas da
oração, daí consubstanciando em um grande poder.
A palavra pater é a mesma em grego, latim e em sânscrito, tendo
como sentido na língua religiosa a aplicação a todos os deuses, e no direito a todo
homem que não dependesse de outro, e que tinha autoridade sobre a família ou
sobre um domínio: aqui vinha a pater família. Desta forma o seu sentido era de
poder, autoridade e não de paternidade.
As leis davam ao pai poder ilimitado, já que a religião o fez
primeiramente. Ele possuía direitos ligados ao pai de família como chefe religioso,
como senhor da propriedade ou como juiz.
8
NUMA, Denys Fustel de Coulanges – Capítulo VIII – A autoridade na Família - Tradução de Frederico Ozanam
Pessoa de Barros em 2006. www.eBooksBrasil.org.
21
Como chefe religioso, responsável pela continuidade, perpetuidade
da família e do culto, tudo que com ela se relacione é de sua exclusiva dependência,
decorrendo daí vários direitos como: Reconhecer ou rejeitar a criança no ato do
nascimento; direito de repudiar a mulher estéril ou que cometa adultério; direito de
ceder a outro o poder que possui sobre a filha, casando-a; casar o filho com o
interesse de perpetuar a família; direito de emancipar/excluir um filho da família e do
culto; direito de adotar; direito de indicar um tutor para a mulher e os filhos quando
da sua morte.
A mulher e o filho não possuíam nada de próprio, e o pai era o
detentor de toda a propriedade que estava na família, sendo que o próprio filho
podia ser considerado como propriedade paterna, já que seu trabalho era fonte de
renda, podendo ser de seu uso esse instrumento de trabalho, ou cedê-lo a outro,
como se vendesse, mas não se tornava um escravo do comprador, pois o pai
guardava seu poder sobre ele, sendo que, vencido o contrato, recebia de volta e
poderia tornar a vendê-lo. Cabe salientar que a lei das Doze Tábuas autorizou essa
operação até três vezes, após isto seria enfim liberto do poder paternal.
TÁBUA QUARTA
Do pátrio poder e do casamento
l. É permitido ao pai matar o filho que nasceu disforme, mediante o
julgamento de cinco vizinhos.
2. O pai terá sobre os filhos nascidos de casamento legítimo o direito de
vida e de morte e o poder de vendê-los.
3. Se o pai vender o filho três vezes, que esse filho não recaia mais sob o
poder paterno.
4. Se um filho póstumo nascer até o décimo mês após a dissolução do
matrimônio, que esse filho seja reputado legítimo. 9
A justiça pública existia apenas para o pai, que podia apresentar-se
diante do tribunal da cidade, sendo que a justiça para o filho e a mulher se
apresentava pelo chefe da família que o exercia em casa e de forma completa e sem
apelação, e o seu poder não tinha limites, podendo castigar, condenar e matar. No
seio da família, ele era o único magistrado. Entretanto não era um poder sem
fundamento lógico, pois a religião exigia tanto obrigações como direitos.
A moral, na sua acepção de edificar, educar, segundo preceitos
socialmente estabelecidos pela sociedade ou por grupo social, que inicialmente se
deu em consonância com a visão/formulação religiosa, sendo que pela ótica atual,
podemos afirmar que iniciou de forma restrita, já que o dever de amor era para com
9
Dhnet. Lei das XII Tábuas.
22
o lar e os seus integrantes, mas incontestáveis as argumentações no sentido de que
a família sob a égide da religião, inseriu a noção de dever/compromisso na
concepção do homem, sendo que atualmente se declara o amor como dever
extensivo para com todos 10.
A antiga moral da família sob a influência da religião visava o
mantença,
bem
como
a
continuação
do
culto,
podendo
dizer
em
um
vínculo/compromisso intergeracional, e até além, já que, pelo preceito religioso, há
garantias eternas, ou seja, reflexos nesta vida e na advinda após a morte.
O Casamento, nesta época, era visto como sagrado/sério, sendo
conservadas tais características por muito tempo, com a evidente reminiscência,
cuja comprovação de tal imagem fragmentária acima citada, pode ser constatada
pelo fato que a moral concernente ao lar, determinar vários deveres como: a
obediência da esposa, já que o comando compete ao esposo; o respeito mútuo,
lembrando que a mulher tem seu ofício dentro do culto de relevância tal para a sua
completude. Vale ressaltar que a autoridades eram distintas, imperando a do marido,
entretanto no que tange a dignidade, havia similitude.
No que diz respeito ao filho, apesar da subserviência, talvez visto
como objeto, já que ao pai era conferido o poder de dispor até de sua vida, mas com
um olhar acurado pelo contexto, lembrem-se da participação efetiva desse dentro do
culto religioso, onde existe uma convicção que após a morte do pai, terá
dependência do culto do filho ao seu túmulo, proporcionando-lhe boa fortuna, em
contrapartida o filho teria o pai como um deus caseiro, que proporcionaria proteção.
Estas crenças eram responsáveis pelo respeito e afeto mútuos.
Deste contexto, se depreende que devido os deuses serem caseiros na crença dos
antigos, a casa era um legado a ser deixado para os filhos, pois herdará também
dos pais, que desta forma amava a sua casa.
A moral, disciplinada pelas crenças instruía as virtudes afetas, sendo
que seus deuses preceituavam pureza, podendo dizer que a consciência de justiça,
caso não tenha originado dessa crença, foi por via dela que se fortaleceu. O
aprendizado da família foi o respeito e amor recíprocos, unidos por um forte laço,
pois seus deuses eram comuns a todos os membros.
10
Amor, Dever e Compromisso serão abordados no corpo do trabalho, no capítulo II, em uma visão hodierna.
23
Na Idade Média, segundo relato de historiadores, a óptica da
sociedade em relação às crianças não era das melhores, e com os adolescentes,
inexistente, já que o período de infância era extremamente reduzido, durando em
média sete anos e logo em seguida passava ao convívio com adultos, participando
das atividades, seja trabalho ou não, sendo um processo no qual se necessitava
aprender as funções, obrigações, valores.
No entanto, não consideravam a idade de adolescência como
necessária ao desenvolvimento e formação, já que passavam a tratar a criança
como se fossem jovens adultos, e logo que atingiam, mesmo que com uma tenra
idade, uma condição de mínima de sobrevivência, não raro passavam a conviver
com outros que não os seus pais, sendo talvez, para o melhor aprendizado segundo
a moral à época, e aqui se falam que com isso buscava um melhor atendimento à
prestação de serviços desempenhados pelas crianças às casas que eram
colocadas, desta forma delegando o processo de adaptação da criança à vida em
grupo a outros que não a própria família.
Neste mesmo contexto, identificavam que a criança, apesar de em
determinadas situações divertirem os adultos, caso ocorresse o seu falecimento não
seria sentido com intensidade, pois logo viria outra, configurando a pequenez da
mesma no tocante a sensibilidade social, já que aqui visava à preservação dos bens,
auxilio mútuo e o trabalho, não sendo identificada a afeição como característica
desta família, em um primeiro momento.
A partir da formação de uma sociedade industrial, se deixa de
mesclar as crianças com os adultos, e, através da aprendizagem, a escola assumiu
o papel da educação, sendo que tal processo separou as crianças dos adultos,
colocando-as em uma espécie de convento, o qual as afastava do convívio social, a
chamada escolarização, visto como uma vertente da moralização dos homens
promovida pelos reformadores ligados à Igreja, às leis ou ao Estado, e logicamente
à sensibilidade e receptividade das famílias.
Note-se que os Poderes públicos e a Igreja buscavam meios efetivos
de proteção à criança, com pais mais sensíveis e vigilantes com maiores cuidados
com a vida da criança, saindo de um infanticídio tolerado para valoração da vida
infantil, considerando a força cogente da Igreja sobre a sociedade no que tange a
uma percepção da alma das crianças, talvez anterior ao corpo das mesmas, tendo
como resultado a emersão da criança, deixando o anonimato.
24
Esta nova valoração dada à educação foi fator importante para uma
configuração da família pela ligação afetiva, tanto entre os consortes quanto entre
estes e seus filhos, surgindo um novo sentimento no que tange à família, com
modificações importantes, sendo que os adultos passaram a se preocupar com sua
educação e por que não dizer com o seu futuro. Eis que aqui a perda de um filho já
traz dor irreparável, não se concebendo como antes a visão de substituí-la, devido a
sua importância para o seio social.
Deve-se salientar que a impressão relatada não abrange a
população mais pobre, já que a visão prevalente é a da classe social dominante e,
por óbvio, dá-se a impressão de serem uniformes todos os acontecimentos acima
descritos, mesmo cientes de que as determinações buscam uma conformidade,
entretanto não se pode dizer que as crianças no seio das famílias pobres não eram
educadas e preparadas para, de alguma forma, buscar um melhor futuro, talvez não
pelo prisma relatado pelo historiador Philippe Aries em sua obra História Social da
Criança e da Família, sendo que nos relatos o mesmo sempre demonstra um
determinado seguimento que possuía uma melhor condição financeira, ou a
percepção a partir dessa. Isto se justifica, pelo fato de que a impressão da formação,
da percepção subjetiva, da realidade pela ótica do pesquisador, acaba por
determinar os relatos declarados.
Acontecimentos outros vieram para contribuir com uma visualidade
da criança como o futuro, seja como uma evolução da família, seja do corpo social
em que pertence, e até mesmo da humanidade, fato crescente, em especial, após
guerras desencadeadas na Europa, e com os reflexos por todo o mundo ocidental,
desta forma apregoando a necessidade de cuidado e proteção para com as
crianças, em especial após o fim da segunda guerra mundial.
Em uma breve digressão, entretanto, apresenta-se necessária e
pertinente à nossa legislação e ao tratamento dispensado à família e a sua prole,
bem como a evolução ocorrida na percepção da família dentro do corpo social e a
visão dispensada aos filhos, inclusive toda a percepção envolvida no que tange à
criança no Brasil perpassando pela legislação pertinente como Código de menores
(Decreto nº 17.943, de 12/10/27, o Código de menores - Lei nº 6.697/79 e Lei
4.513/64).
Nesta codificação, visualizava-se um instrumento de proteção e
vigilância da infância e adolescência, vítimas da omissão e transgressão da família,
25
da sociedade e do Estado em seus direitos básicos. A sua visão da criança e do
adolescente era de menor abandonado ou delinquente, passando para menor em
situação irregular, mas sempre como objeto de vigilância da autoridade pública, no
caso, o juiz, ou objeto de medidas judiciais. Devendo realçar que não abria espaço à
participação de outros, sendo limitado aos poderes da autoridade policial judiciária e
administrativa, sendo que a competência da fiscalização do cumprimento da lei era
exclusiva do Juiz e do corpo de auxiliares.
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – Lei nº 8.069, de 13
de julho de 1990 veio para regular o artigo 227 da Constituição Federal de 1988,
rompendo com uma antiga doutrina chamada de situação irregular. Hoje a doutrina
baseia-se em proteção integral da criança e do adolescente e não apenas proteger o
menor em situação irregular.
A ideia difundida com a convenção internacional dos direitos da
criança de 1989 é o direito a desenvolvimento (educação, lazer, informação),
sobrevivência (vida, habitação mínima, acesso à saúde), proteção (defesa contra
qualquer forma de crueldade), participação (liberdade de expressão de opiniões é
um exemplo).
Desta forma, a evolução se materializa em um instrumento de
desenvolvimento social voltado para o conjunto da população (crianças e
adolescentes), buscando efetivar uma proteção especial, passando a serem sujeitos
de direitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, sendo a
responsabilidade participativa das três instâncias da administração (federal, estadual
e municipal), assim figurando a responsabilidade de toda a sociedade, nas diversas
variantes que ela se manifesta, pelos direitos das crianças e adolescentes.
1.2. Criança e divórcio no Brasil
Inicialmente se faz necessário uma distinção, a expressão
separação dita de forma geral trata-se situação fática sempre possível de ocorrer
entre as pessoas que estiverem unidas. Já a palavra divórcio fica ligada ao processo
judicial ou administrativo da dissolução do casamento civil, definindo um rompimento
legal de vínculo de matrimônio.
A intervenção estatal nas relações interpessoais com finalidade de
conformação determina padrões de comportamentos como os ideais para a proteção
da família e consequentemente do corpo social, sendo que, com um viés
26
patrimonialista e definindo, uma família linear regulada por regras conservadoras,
reguladas juridicamente, contrárias as características variadas inerentes à família
natural.
A citada intervenção convencionou socialmente o casamento como
regra de conduta, e este até o ano de 1889 só se realizava no religioso, já que o
casamento civil surge em 1891. Desta forma, os vínculos afetivos só eram aceitos
socialmente e com reconhecimento jurídico pelos laços do matrimônio, não se
aceitando outro modelo de convívio, configurando uma indissolubilidade do
casamento, sendo que a única possibilidade de rompimento do vínculo conjugal era
pelo desquite, e este não implicava no desfazimento do matrimônio, como se
evidencia pelo Código Civil de 1916 (3.071, de 1º de janeiro de1916), nos artigos
315 e 316.
11
O vínculo do casamento válido só tem fim diante da morte e do
divórcio. Tais circunstâncias têm justificativa histórica, diante da forte influência
católica em nossa sociedade. As regras do matrimônio permeável pelos ditames
católicos vistos como ritos sagrados, exercendo influência nas legislações, não
admitindo o divórcio, já que este somente se inseriu no ordenamento jurídico em
1977, pela Emenda Constitucional nº 9, alterando a redação do § 1º do artigo 175
da Constituição Federal de 196712.
Em seu texto, trazia a informação da constituição da família pelo
casamento e o direito à proteção do Estado, suprimindo a indissolubilidade do
casamento, sendo que os casos de possibilidade de dissolução estariam expressos
em lei, desde que exista prévia separação judicial superior a três anos.
O divórcio permaneceu como exceção até o ano de 1988 com a
instituição da Constituição Federal que traz uma característica primordial, que é a
proteção da pessoa humana, sendo assim se inicia um processo de facilitação da
dissolução matrimonial, quando não mais prevalente o afeto, respeitando o direito à
liberdade de escolha do seu próprio destino pela manifestação de vontade.
Nesta análise, em consonância com o artigo III da Declaração
Universal dos Direitos Humanos e dos ditames Constitucionais de 1988, em
específico os artigos 5º e o 1º, inciso III, os quais apregoam o direito à vida e à
11
Código Civil de 1916 - Lei nº 3.071, DE 1º De janeiro de 1916 - Título IV - Da Dissolução da Sociedade Conjugal
e da Proteção da Pessoa dos Filhos - Capítulo I - Da Dissolução da Sociedade Conjugal.
12
Consta do texto da constituição de 1967, após a Emenda Constitucional nº 1, DE 17 de outubro de 1969, e
esta considerada por alguns como uma nova Constituição.
27
dignidade da pessoa humana, sendo que inconcebível a existência de um sem o
outro, pois o exercício do direito à vida não se resume apenas em estar vivo, de não
ser morto, mas como se vive e até mesmo como se morre. A Dignidade da Pessoa
Humana é o supra/meta princípio presente não só nos direitos individuais, mas nos
direitos sociais e econômicos, sendo base para todos os direitos fundamentais.
Desta forma, consoante a razoabilidade, não se pode impor a uma
família, à qual não prevalece o sentimento que uniu os cônjuges e nem o objetivo
comum, que os mesmos permaneçam vinculados, já que isso traria prejuízos não só
ao casal, mas também aos filhos, às pessoas próximas e a todo o corpo social, pois
feriria a todos os princípios elencados, sendo necessária a compreensão de que
todo o corpo normativo que compõe o sistema jurídico deve ser consoante a tal
interpretação, não permitindo qualquer norma infraconstitucional destoar dos
mandamentos constitucionais.
A partir da de 1934, todas as Constituições trazem em seu texto a
família, determinando que tenha a proteção do Estado, e a sua composição se dá
pelo casamento, já a sua indissolubilidade, de forma excepcional, só vem a ser
admitido pela Emenda Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977 e pela Lei nº
6.515, de 26 de dezembro de 1977, que regula os casos de dissolução da sociedade
conjugal e do casamento. A exceção é a CF/88, que preserva a proteção do Estado
de forma especial, elenca a família como a base da sociedade, entretanto seus
alicerces são garantistas e visam a maior proteção da pessoa humana.
Na intenção de proteger, o Estado, via do legislador, não
acompanha a dinâmica do corpo social, em especial a família, ou para bem melhor
denominação contemporânea, as famílias13, e esta constatação se torna fácil ao
observarmos que a não aceitação da dissolução do vínculo conjugal obrigava a uma
situação que trazia conflitos constantes, bem como injustiças que visavam
primordialmente a sua não incidência, já que deixam de velar pelos integrantes das
famílias, impingindo sofrimento e, em muitas situações, deixando de proteger os
mesmos como determinou todas as constituições supracitadas.
No capítulo II do título IV do Código Civil de 1916, que trata Da
Proteção da Pessoa dos Filhos, se via uma preocupação maior com o matrimônio do
13
Parece-nos mais acertado, em consonância com a pluralidade de famílias na contemporaneidade que a
denominação inclusive de Direito das Famílias, consoante ao entendimento de Maria Berenice Dias em seu
Livro – Manual de Direito das Famílias – 4ª edição.
28
que com o melhor interesse dos filhos, independente da idade dos mesmos, se
mensurava a culpa e a inocência pela dissolução da sociedade conjugal (desquite)
para a determinação da guarda dos filhos, sendo conferida ao juiz a
discricionariedade para aplicar a lei ao seu melhor entendimento.
No mesmo Códex, há distinção entre filhos, nomeando-os como
legítimos
e
ilegítimos,
ou
seja,
tal
classificação
amparada
pela
visão
matrimonializada da família que eleva o casamento à condição superior à pessoa
humana e à devida proteção aos filhos, mesmo quando crianças e adolescentes.
A Constituição Federal de 1988 ampliou o conceito de entidade
familiar, não permitindo distinções entre filhos e os adjetivos depreciativos acima
descritos. O parentesco é um vínculo natural e jurídico, sendo assegurados direitos
e deveres mútuos, e nesse raciocínio visualiza-se a família que, por sua amplitude,
contém o parentesco mais importante, qual seja a filiação, nos atentando que
cônjuges e companheiros não são parentes, e podem integrar a mesma família e
estabelecerem vínculo de afinidade com os parentes de seu par.
As variadas classificações e distinções são, em consequência das
relações conjugais, de companheirismo e de filiação, podendo ser natural, biológico
ou consanguíneo, civil, adotivo, por afinidade, em linha reta ou colateral, maternal ou
paternal, sendo que na lei a devida identificação importa em reflexos no que tange
em alimentos, direito sucessório, impedimentos para o casamento.
Graças ao reconhecimento da importância da autêntica afetividade
em face da realidade biológica, se fez necessário a ampliação do conceito de
filiação, não se admitindo que sejam advindas de determinações genéticas ou
biológicas, valorando primeiramente o afeto, amor e o desejo de construir uma
relação pautada em carinho. Desta forma, a filiação pode ser determinada de forma
direta pela lei que atribui esta condição ou pelas circunstâncias fáticas de
convivência afetiva.
É do Direito a competência de identificar o vínculo de parentesco
entre pais e filhos e transmitir a posse de estado de filho ao segundo e as
responsabilidades decorrentes do poder familiar ao primeiro, sendo pautada na
igualdade entre filhos, independentemente do estado civil dos pais, atentando-se
primordialmente a proteção integral adotada constitucionalmente, seguindo A
Convenção Internacional dos Direitos das Crianças de 1989, bem como o Estatuto
da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990).
29
Os critérios para instituir o vínculo parental são o jurídico –
caracterizado por presunção correspondendo ou não com a realidade (Código Civil
art.1.597), o biológico (exame de DNA) e o socioafetivo – e este se pauta na
dignidade da pessoa humana (meta princípio constitucional) e no melhor interesse
da criança e do adolescente. Depreende-se aqui que a Constituição vigente se pauta
na dignidade da pessoa humana, na solidariedade social, igualdade e liberdade, no
que diz respeito, em especial, à filiação.
O Pátrio Poder remete ao direito romano, dando noção de direito
absoluto e ilimitado ao chefe da família sobre a pessoa do filho, e, no Código Civil de
1916, se concentrava na figura do marido, sendo que somente na falta ou
impedimento é que a chefia da sociedade conjugal era delegada à mulher, e
consequentemente exercia o poder familiar com relação aos filhos.
O Artigo 380 do Código Civil de 1916 dizia que o pátrio poder era de
competência dos pais, mas que seu exercício era realizado pelo marido em
colaboração da mulher e, na falta ou impedimento de um dos progenitores, o
exercício será exclusivo do remanescente. O Estatuto da Mulher Casada – Lei nº
4.121/62 foi responsável pela redação do artigo supracitado, e conferiu à mãe a
condição de colaboradora no exercício do pátrio poder, sendo que, no caso de
divergência entre os genitores, prevalecia a vontade do pai, e a mãe poderia buscar
a justiça para a solução da divergência. Entretanto, raro no caso concreto de
ocorrência.
A Lei 6.515/1977 (lei do Divórcio), em seu artigo 27, diz que as
titularidades dos direitos e deveres parentais cabem tanto ao pai quanto à mãe, não
se extinguindo com o divórcio, e nem com novo casamento de qualquer dos pais.
O Decreto-Lei 3.200/4114, em seu artigo 16, atribuía somente a um
deles a guarda, com a exceção de outra solução caso ocasionasse prejuízo ao
menor, era atribuída ao genitor que reconheceu o filho natural, e se o
reconhecimento foi de ambos, prevalência da mãe; bem como no artigo 381 do
Código Civil de 1916, que dizia não alterar as relações entre pais e filhos o desquite,
a não ser em relação à guarda, remetendo ao critério do artigo 326 que tratava da
culpa, sendo que a preferência da guarda dos filhos menores era do cônjuge
inocente, e se ambos culpados, o poder da mãe prevalecia, competindo à aferição
14
DECRETO-LEI Nº 3.200, DE 19 DE ABRIL DE 1941 - Dispõe sobre a organização e proteção da família.
30
de prejuízo ou não aos filhos pelo magistrado. E o artigo 327 que tratava da
faculdade do juiz, visando o bem dos filhos, a regulação por maneira diferente a
situação.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, a referida
desigualdade existente entre o pai e a mãe não mais tem o seu permissivo, e o
desempenho do poder familiar, o antigo Pátrio Poder, é dever de ambos, no que diz
respeito aos filhos comuns, afirmando em seu artigo 226 que há igualdade de
exercícios dos direitos e deveres referentes à sociedade conjugal pelo homem e
pela mulher, não deixando de afirmar que a família tem especial proteção do Estado
por ser considerada a base da sociedade.
O Estatuto Da Criança e do Adolescente buscou adotar o sentido de
proteção e não o de domínio, já que a interpretação contemporânea é que são
maiores os deveres e obrigações dos pais do que direitos para com os filhos. Aqui
se faz necessário uma ressalva que a preocupação do legislador foi em dar
igualdade entre o homem e a mulher com a mudança da expressão para poder
familiar, já que a interpretação constitucional admitida é no sentido de poder/dever,
sendo que se trata de uma função familiar a devida proteção aos filhos, salientando
que a nomenclatura defendida pela doutrina é autoridade parental, já que condiciona
o interesse dos pais ao dos filhos, dos quais se extrai a fundamentação que legitima
a autoridade, desta forma, o que mais se coaduna com o princípio da proteção
integral.
Desta forma, verifica-se que não mais se admite uma atuação dos
pais que não seja conjunta e de forma igual, e que a Constituição Federal de 1988, a
Lei 8.069/90 e a Lei 6.515/77 extinguiram a subordinação da mulher em face do
homem, além de alterar a expressão: “Pátrio Poder” apresentou modificações para
“Poder Familiar”, com preferência para o termo “Autoridade Parental” junto aos
doutrinadores, sendo assim, o entendimento é que prevalece o dever ao poder, e
que tal dever é parental, ou seja, dos pais, igualados em direitos e deveres, devendo
ambos assumir ao colocarem no mundo ou adotarem.
Pautado nessa igualdade, o atual Código Civil não contém atribuição
predominante de guarda à figura feminina, bem como não mais existe em seu texto
a perda da guarda pela culpa, mas sim a quem revelar melhores condições para
exercê-la, visando o melhor interesse dos filhos, e o artigo 1.583 do CC de 2.002
determina que a guarda seja unilateral, e esta se dá na atribuição a um só dos
31
responsáveis, caso este se revele em melhores condições e mais aptidão para
propiciar afeto com os genitores e com a família, saúde, segurança, educação, e isto
não implica que o responsável que não detenha a guarda se isenta, pois a este cabe
a supervisão dos interesses dos filhos. Podendo ser atribuída a guarda
compartilhada, que é a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e
deveres dos pais em relação aos filhos comuns, mesmo que não vivam sob o
mesmo teto, sendo que nessa última se faz necessário à aferição de vários fatores
para a sua viabilização, mesmo nos apresentando como a melhor para os filhos, em
um primeiro momento, e claro o fator primordial é a ausência de conflito entre os
pais.
A guarda poderá ser requerida por consenso entre os pais ou por
ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou
mesmo em medida cautelar, sendo que a decretação pelo juiz atenderá às
necessidades específicas do filho e ao convívio necessário para com os pais. E aqui
nos apresenta uma evolução à inclusão da possibilidade do juiz se basear em
orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar. (Incluído pela Lei nº
11.698, de 2008), e aqui se deve atentar que todos os meios possíveis devem ser
utilizados para assegurar o melhor desenvolvimento da criança e do adolescente,
sendo que a guarda poderá ser deferida a pessoa diversa dos pais, caso o juiz se
convença da inviabilidade de permanência com os mesmos, dando preferência ao
grau de parentesco e às relações de afinidade e afetividade, devendo revelar
compatibilidade com tal natureza da decisão tomada.
O que se deve entender é que por trás do poder familiar está o
Estado a fiscalizar o seu exercício para o devido cumprimento e objetivando a
correta formação do filho para a sua inserção a sociedade e que possam contribuir
de forma útil sob o aspecto moral, intelectual e cívico, como pode-se constatar no
art. 1634 do Código Civil de 2002. Ipsis litteris:
Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
I - dirigir-lhes a criação e educação;
II - tê-los em sua companhia e guarda;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro
dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder
familiar;
V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assistilos, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o
consentimento;
VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
32
VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de
sua idade e condição.
O Estado acredita que a família é a base da sociedade tendo
especial proteção, desta forma contém o nascedouro do cidadão, e cabe aos pais a
fiscalização da correta formação do filho, sendo que posteriormente contarão com
auxilio de escola, não se esquecendo de outras instituições de fundamental
importância para a formação do ser, como a igreja, o esporte e, claro, estas
instituições citadas serão subsidiárias, cabendo a função principal aos genitores ou a
quem em seu lugar se encontrar investido na função. Salientando que estão sujeitos
à sanção aqueles que não cumprirem o dever de criação e educação, como mostra
os artigos 244 e 246 do Código penal. 15
Não existe preferência de guarda dos filhos quando os pais se
encontrem separados, não sendo uma configuração do poder familiar, mas sim uma
das suas peculiaridades, e consoante a este entendimento, quando da dissolução da
sociedade e do vínculo conjugal, não se pode dizer em exoneração dos deveres do
poder familiar, em especial o da criação e educação, pelo simples fato da guarda ser
determinada judicialmente a um dos pais.
A grande dificuldade encontrada é que o rompimento da família, só
se dará em nível do casal / companheiros, sendo que não há o rompimento da
parentalidade, seja natural ou afetiva, pois esta não se extingue.
Todo o sistema jurídico pátrio, no que diz respeito às relações
familiares, determina o exercício conjunto do poder familiar, seja quando ainda
conviventes os pais ainda em vínculo familiar, ou mesmo após o rompimento do
15
Abandono material
Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito)
anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes
proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente
acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente
enfermo: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente
no País. (Redação dada pela Lei nº 5.478, de 1968)
Parágrafo único - Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo,
inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente
acordada, fixada ou majorada. (Incluído pela Lei nº 5.478, de 1968)
Abandono intelectual
Art. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.
Código penal Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Título VII – Dos Crimes Contra a Família –
Capítulo III – Dos Crimes Contra a Assistência Familiar
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desse, mesmo em exercício da guarda unilateral de filhos, conforme se evidencia no
artigo 1634 do Código Civil de 2002.
Entretanto, vive-se uma resistência, talvez de raízes culturais, que
impede uma evolução mais rápida no que tange ao direito das famílias, sendo que,
apesar de toda a legislação adstrita a proteção da criança e ao adolescente, que a
determina de forma integral, não se consegue propalar a busca efetiva da solução
do conflito quando da dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal, visto que se
determina imperativamente pelo judiciário como deve ser regulada a guarda, os
alimentos, as visitas, não se preocupando, na maioria das vezes, nem mesmo os
advogados envolvidos no que pode ser alcançado para a melhor formação dos filhos
envolvidos, tendo como uma preocupação primal uma maior celeridade ao deslinde
judicial, independentemente de que os pais dali saírem em maior conflito pessoal do
que quando chegaram às portas do judiciário.
A evolução vivenciada em nossa legislação no que tange à família,
mesmo sendo ainda mais lenta do que os acontecimentos fáticos, ou seja, da
linguagem da vida, é existente, basta analisarmos que a família no Código Civil de
1916 era matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, heteroparental, biológica, como
uma unidade de produção e reprodução e de caráter institucional, e hoje, na
Constituição Federal e no Código Civil de 2002, é vista como pluralizada,
democrática, igualitária substancialmente, hétero ou homoparental, biológica ou
socioafetiva, unidade socioafetiva e de caráter instrumental.
No que tange ao divórcio, antes da Emenda Constitucional nº 66 de
2010, havia um procedimento de ajuizamento da ação de separação para chegar a
dissolução do casamento, sendo exigido um lapso temporal de 1 ano da separação
judicial, ou 2 anos da separação de fato.
A Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66 de 2010, ao Art.
226, no seu § 6º, determina que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio,
ou seja, a doutrina majoritária entende que suprimiu o instituto da separação, cuja
implementação depende da vontade de uma das partes (direito potestativo),
elevando a autonomia de vontade dos envolvidos.
No entanto, pelo prisma psicológico, a separação é um fato
doloroso, exigindo um processo interno de superação da perda (sonho idealizado,
planos,
expectativas),
sendo
que
tal
processo
necessariamente com a decretação do divórcio.
interno
não
irá
coincidir
34
Desta forma, se evidencia que os citados processos jurídicos e
psicológicos não se dão em paralelo, mas sim se inter-relacionam. Note-se que do
ponto de vista psicológico a separação tem inicio com uma crise conjugal na relação
entre marido e mulher que pode culminar na ruptura judicial (amigável ou litigiosa),
podendo consequentemente se estender a outras pessoas, em especial aos filhos,
evidenciando uma crise conjugal.
A atenção do nosso sistema jurídico é dirigida à pessoa humana,
para o seu devido desenvolvimento e consequentemente o de sua personalidade,
entendendo que a família existe em razão de quem as compõe, e sua função é a
promoção da dignidade e a realização da personalidade de seus membros, devendo
o ambiente dela ser o mais favorável, incorporando sentimentos, esperanças e
valores, ou seja, a família é a base fundamental da sociedade, e se faz necessário a
sua melhor compreensão e proteção, sendo indispensável para a verdadeira
percepção de felicidade.
A Constituição Federal, em seu artigo 226, tem como mandamento
que a família é a base da sociedade merecendo especial proteção do Estado, sendo
um consectário lógico a importante função pertencente à família na organização
social Brasileira.
Na esfera judicial, a preocupação é a resolução dos conflitos de
interesse, pretensões resistidas, a lide propriamente dita, já na percepção
psicológica a busca é de solução dos conflitos afetivo-emocionais. Desta forma,
pode se afirmar que não coincidem nem na sua formulação nem na sua terminação,
pois o processo judicial se resolve com a sentença, já o psicológico só se encera
com a elaboração do luto.16
16
TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para Operadores do Direito – 5ª Ed. página 397 e 398. Etapas
do processo psicológico do luto.
1) Estágio do Choque e Negação: O coque é sempre a primeira reação decorrente do impacto da
informação traumática que a perda envolve, havendo um estado de confusão e negação acerca de sua
real ocorrência.
2) Estágio da Raiva: Sentimentos de frustração, injustiça, impotência, frustração e atribuição de culpa ou
responsabilidade a terceiros surgem a frente à perda logo após a etapa do choque e da negação.
3) Estágio da Negociação ou Barganha: Nesta etapa de elaboração do luto, a pessoa tenta negociar a sua
condição. Avaliando os contras, mas conseguindo ver também algum fator positivo (possibilidade de
tratamento, por exemplo), se estabelece uma forma de avaliação da situação acompanhada do desejo
de que alguma transação com a perda seja viável.
4) Estágios da Depressão: Nessa fase aparecem os sinais de depressão: desesperança, tristeza profunda,
retraimento, isolamento, fraqueza emocional, perda de sentido das coisas e, às vezes, ideação suicida.
5) Estágio da Aceitação e Superação. Nesse estágio, deve ocorrer a compreensão da morte ou perda
como um acontecimento inevitável, um fato que faz parte da vida, surgindo sentimentos de
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Aqui se evidencia a necessidade da multidisciplinaridade /
interdisciplinaridade com outras áreas das ciências sociais para a solução de conflito
no direito de família, tendo como objeto mais específico a dissolução da sociedade e
do vínculo conjugal e a sua afetação aos filhos advindos da união.
Para a devida proteção integral da criança e do adolescente, o
propósito maior é a busca da equidade para a solução da lide insurgida na
dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, sendo necessária uma percepção
mais abrangente do que a linguagem de dois signos imposta pelo judiciário, ou seja,
se apresenta essencial uma maior percepção na linguagem das relações humanas
(ternária), e nestas existem várias possibilidades, podendo proporcionar uma
satisfação (o que mais se aproxima do justo) entre todos os envolvidos e uma maior
proximidade à proteção integral da criança e do adolescente preconizada pelo
Estado.
apaziguamento e conforto emocional frente àquilo sobre o que a pessoa não tem o poder de
transformar.
CAPÍTULO 2
A CRIANÇA A DISSOLUÇÃO
DA SOCIEDADE E DO VÍNCULO CONJUGAL
2.1. A família como base da sociedade civil brasileira
O artigo 226 da CF/88 diz que a família é a base da sociedade e terá
proteção especial, não é a primeira vez que a família está em nossa Constituição,
mas com essa disposição especial sim. Aqui se depreende que base é
essencial/necessária para a constituição e sobrevivência da própria sociedade civil.
Há apenas dois momentos que a CF/88 fala neste tipo de proteção,
quando fala da família e quando fala da criança, apenas invertendo a ordem, e
nestes dois momentos em que aparece estão nos arts. 226 e 227, dentro do título
VIII, chamado da ordem social, pela evidente importância da família para a ordem
social.
No artigo 227 da CF/88 aparece como absoluta prioridade cuidar dos
direitos da criança e do adolescente, e que todas as entidades, Estado, família,
sociedade civil nas diversas variantes em que se manifesta, nas organizações não
governamentais e governamentais, devem trabalhar para garantir os direitos das
crianças e dos adolescentes com prioridade absoluta, ou seja, mais uma vez a
Constituição assinala determinado âmbito de competência de direitos com uma
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expressão muito forte – prioridade absoluta - A palavra prioridade já designa um
caráter de preferência e a palavra absoluta fortalece ainda mais esta preferência.
Falar em família, em criança e adolescente é falar da normatividade,
ligada, em parte, ao plano dos afetos, mas não só, antes de tudo é preciso lembrar
que a família, que é base da sociedade e tem especial proteção do Estado é aquela
família que cumpre alguns dos modelos postos na própria Constituição Federal,
quais sejam: a família originada do casamento, da união estável e da filiação
(monoparental, situação em que se dá a existência de um pai ou de uma mãe
somente com o filho e em situações que eventualmente havia um casal, falece um
dos dois e permanece considerando-se como família o cônjuge sobrevivente com o
filho remanescente).
A razão é que a sociedade se mantém, se preserva e se perpetua a
partir da relação homem e mulher e da filiação, sem estas duas categorias não
haveria a conservação e perpetuação da vida em sociedade. É por isso que esse
molde de organização social tem especial proteção do Estado na esfera de
benefícios.
Voltando ao caput do artigo 226 da CF/88 que diz que a família, a
base da sociedade civil, terá especial proteção do Estado; quem determinou que o
Estado dispensasse essa atenção à família não foi ele próprio, mas sim a
Assembleia Nacional Constituinte, esta é o povo brasileiro reunido pelos
representantes decidindo como vai funcionar esse Estado brasileiro, como deve
trabalhar, administrar suas competências, dimensionar e administrar os recursos
públicos para garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, o desenvolvimento do
país e aqueles bens que são principais para a própria sociedade civil, entre os quais
a família.
Quando o constituinte elege esses modelos familiares (união
estável, casamento ou derivação da filiação) não está depreciando qualquer outro
tipo de organização que haja entre as pessoas, ele está simplesmente dizendo quais
são aquelas que o estado vai tratar de modo especial com uma proteção qualificada,
pois entende que esses modelos são aqueles sem os quais a sociedade civil não
subsiste, sendo que sem os demais a sociedade sobrevive, ela se mantém.
A família tem uma natureza científica de comunidade e de
sociedade, comunidade enquanto organização que deriva quase que naturalmente
do rearranjo social, as partes se buscam, não preocupando tanto com a importância
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dessa união para a estruturação social, mas porque há um amor que aproxima as
duas partes para constituir uma família, formando a partir daí uma comunidade.
A dimensão da comunidade é até mais forte no tocante a filiação
(família monoparental), pois uma mãe, quando tem um filho, possui um amor natural
que surge a partir dessa relação, independentemente sequer da escolha do parceiro.
Comunidade, porque é reunião na qual importa o conjunto/coletivo.
Na comunidade a pessoa se une não tanto preocupado em construir algo, mas se
aproxima de outra e há uma organicidade na relação entre elas, por isso chamada
comunidade, é uma vida em comum, comunidade vem de comum que é igual a,
como um. Quando se fala em sociedade, que é outra natureza atribuída à família, se
fala que é uma união de esforços voluntários à pretendida/querida para construir um
algo a mais. A sociedade, a própria palavra expressa que é um aglutinar de pessoas
para um fim em comum, e diferentemente da comunidade que vive como um, e aqui
se vive separadamente com um foco/fim comum.
Então, a família é comunidade e sociedade, comunidade doméstica,
na medida em que na nossa casa, cada um na sua família vive amando-a como se
fosse uma coisa única, própria, e sociedade enquanto união de esforços de pessoas
para levar adiante aquele projeto familiar.
O Direito vai regular a situação familiar porque interessa (a família é
base da sociedade civil, é célula do tecido social), então, nesse sentido, a família
deixa de ter o interesse somente privado e passa a ter um interesse público, pois é a
família que forma os futuros cidadãos, e ela que está construindo o futuro da própria
nação, ela é célula básica e é nela que se forma ou deforma os cidadãos, e
observando esta dupla possibilidade.
A lei desenha a família (casamento, união estável, e a própria
filiação), curiosamente ela não constrói a família baseada na ideia de afeto, e isso
não quer dizer que há uma depreciação da dimensão afetiva, e aqui nos parece
oportuno para uma digressão buscando entender que o direito posto não se refere
expressamente à questão do afeto, mas sim à ideia de compromisso. Há uma razão
para isso.
Cada um de nós, por ser pessoa, por ter uma dignidade elevada,
tem uma série de atos, de operações que realiza que tem uma dimensão imaterial,
no sentido de que não nasce da matéria, nasce da dimensão de ser humano
(animal/racional, e dimensão espiritual), ora, a própria liberdade humana está ligada
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a ela, e entendemos que cada um de nós age mediante três potências que todos
possuem: a inteligência, a vontade e a afetividade.
Cada um de nós, quando agimos, obviamente há afetividade, há
vontade e há inteligência, todas estão interagindo em conjunto, pois cada um de nós
age por completo, na unidade de seu próprio ser, e quando para em reflexão, se
consegue identificar que algumas das atitudes estão mais se referidas em algumas
dessas dimensões, por exemplo, alguns verbos facilitam a percepção da dimensão
dominante da atitude nossa. Quando falamos pensar / conhecer são atos mais
próprios da inteligência; se falamos querer / decidir é mais ligado a vontade; e se
falamos gostar / deleitar está mais para a afetividade.
O interessante é que a palavra amor é uma palavra equívoca, ela
não
se
aplica
a
uma
só
destas
dimensões
na
linguagem
comum,
antropologicamente teria que atribuir o amor como ato a uma dessas três
dimensões, ou à inteligência, ou à vontade, ou à afetividade. A diferença de amar e
gostar é que amar uma pessoa significa querer o bem desta pessoa.
Quando se fala em gostar, se refere a algo que me dá
prazer/satisfação. Na construção ‘eu gosto de suco de laranja’, o ponto forte é o meu
gosto, quando se fala, eu amo minha mãe, ou seja, quer dizer que quero o bem dela.
No primeiro caso, a atitude/ação se exauriu em algo que me agrade, pois vou me
beneficiar daquele ato, já no outro não, o benefício está para fora do próprio sujeito,
transcende, se pratica o ato pensando no outro, para o bem do outro.
Por isso que a ideia de amar, mais que ligada à dimensão dos
afetos, enquanto gosto, está ligada à da vontade, do compromisso, isto é um ponto
curioso, quer dizer, quando a pessoa ama, ela se compromete. A liberdade é
autodeterminar-se ao bem, autodeterminar-se é colocar um fim, um término, a
pessoa se aponta para algo concreto e feito isso, se compromete com concretude,
sendo que as outras coisas ficam fora do plano decisório a partir deste momento. O
interessante é que o exercício da liberdade sempre leva a um compromisso, ou seja,
a autodeterminar-se ao bem, comprometer-se com algo.
No casamento, as pessoas se autodeterminam a escolher uma
pessoa ao longo da vida e assumir um compromisso, para o direito é mais forte essa
dimensão da autodeterminação, da liberdade que se exercita no compromisso, do
que a ideia do gosto que se tenha na relação, sendo natural que seja assim, pois a
gente ama a mãe, os irmãos, os pais, a esposa, os filhos e às vezes sentimos por
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eles raiva, ou seja, podemos sentir raiva e amor por uma pessoa ao mesmo tempo
(um filho ama a mãe e sente raiva dela por uma restrição imposta a ele, mas isso é
momentâneo).
Desta forma, sentimento é algo volúvel / passageiro,
não
conseguimos, por exemplo, nos comprometer a sentirmos sempre alegria, ou
entusiasmo, pois foge da nossa capacidade decisória. O direito vai trabalhar com o
compromisso
querido,
algo
que
a
pessoa
vai
aderir
voluntariamente,
consequentemente vai querer preservar, ou seja, a pessoa ama e assume
compromisso. A dimensão do direito de família vai deslocar mais para esse aspecto
pelo direito do que para dimensão do sentimento em si, porque o sentimento é
volúvel / variável.
Retornando ao art. 226 da CF/ 88, a família base da sociedade civil,
bem, se o afeto é volúvel e alterável, essa base é totalmente insegura. Na família,
sem dúvida alguma, amamos e gostamos das pessoas, temos afetos em casa, a
falta deles pode levar a desestruturação familiar, ao desmonte daquela estrutura,
que era a família. Ao direito, o que chama a atenção é o compromisso, este que há
em cada família criado para a manutenção, é a partir daí que o próprio direito,
quando vai regulamentar em normas, cria deveres jurídicos.
Perceba-se, quando a mãe ama o filho, ela não acorda às duas da
manhã para amamentar o bebezinho porque a lei manda que ela cuide da criança,
mas sim porque ela o ama, quer o bem daquela criatura que é o seu filho, pois na
hora que ela se levanta, pode até sentir tristeza, canseira, quer voltar para cama, às
vezes até se queixa, mas vai por amor ao filho.
É nessa dimensão do transcender, do sair de si que vai se constituir
juridicamente / normativamente o direito de família no Brasil, para que seja base da
sociedade civil. Construir a família sobre algo que não seja um compromisso e que,
portanto, pretenda-se perdurável é não dar essa solidez necessária para que a
própria base da sociedade civil seja algo sólido, que se possam criar coisas a partir
daí.
A norma vai falar do compromisso, basta analisar quando a frente do
juiz para se casar, este não pergunta se ama, mas se quer comprometer-se a isso,
se você sabe (inteligência), quer comprometer-se (vontade), e o interessante é que
nessa hora não se fala em sentimento. É importante entender isso, porque pela
literatura a gente percebe que qualquer família, para que sobreviva, para que se
41
mantenha, necessita de uma estrutura de força de vontade além dos afetos, pois
estes são instáveis, para que essa estrutura se mantenha, essa força de vontade
tem que se transformar em virtudes concretas e atitudes em hábitos que fazem
aquilo perdurar.
Um compromisso é uma escolha racional, portanto, um ato livre de
autodeterminação para algo que as pessoas identificam sendo um bem para elas
naquele instante e assume um compromisso de viver uma série de condutas
próprias para manutenção daquela relação, sabendo que para essa preservação é
necessário que as partes queiram e desenvolvam uma vontade forte para suportar
as intempéries que virão inevitavelmente em qualquer relação.
Quando a nossa cultura trabalha muito a dimensão do sentimento,
de certa forma, às vezes exacerba o sentimento para gerar uma relação de consumo
também. É muito comum dizer que o amor é a sensação, só que o amor é o
compromisso de trabalhar para o bem do próximo, para fazer isso, muitas vezes se
nega o próprio gosto, pois o amor transcende, ultrapassa a si mesmo, isto é o que
se espera de qualquer cidadão na vida em sociedade.
Por isso, a família é o local onde a gente aprende a transcender a
partir do vínculo criado, seja no caso da relação de casamento, seja entre pais e
filhos. Assim, a CF/88 coloca a criança como prioridade absoluta no seu artigo 227,
todos devendo transcender / sair de si para ajuda-la e obriga, por sua vez, que os
filhos cuidem dos pais quando estiverem idosos, que os filhos saiam de si para
ajudarem os pais idosos (pacto intergeracional), ou seja, o direito no âmbito de
família não vai se prender tanto no sentimento enquanto tal, porque a rigor, se ele
der muita atenção para o sentimento, vai privilegiar não tanto a família, mas o
indivíduo isoladamente com o seu sentimento / sensação.
Essa é a ideia do compromisso, por isso que no direito de família há
uma série de deveres dos cônjuges, de fidelidade, de ajuda mútua, deveres que vão
ocorrer ao longo da vida inteira e essa perspectiva está baseada na conduta, não no
sentimento. Não há um dever de sentir e sim um dever de conduta, como na boa-fé
objetiva se fala que não é questão de intenção, é de comportamento.
O sentimento é algo interno que sem dúvida alguma é importante na
nossa vida, faz parte, é presente, mas não é o principal para o direito, porque, na
verdade, a própria família se mantém além do mesmo. Ocorre que vivemos em uma
época em que a cultura exacerba a dimensão nossa afetiva / dos sentimentos, mas
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há uma estrutura jurídica que está lembrando a todo tempo que a nossa família se
constitui basicamente na ideia de compromisso, mais que nas questões de afeto em
si. A questão é que uma sociedade baseada basicamente no sentimento quando
olha para essa estrutura de família e a usa sem compreender essa dimensão do
compromisso acaba usando e abusando dessa mesma estrutura legal.
Sem essa percepção do compromisso e essa identificação da família
como algo puramente sentimental, tende-se a unirem-se baseados nos afetos, e
esta união baseada exclusivamente ou principalmente ou, ainda, com a expectativa
que o afeto seja sempre assim, o que é uma expectativa falsa, não vai haver
correspondência, é por isso que se percebe cada vez mais uma maior dimensão de
divórcio, porque as pessoas vão com uma expectativa equivocada de manutenção
de uma esfera sentimental que a rigor não se deve cobrar, carecendo, muitas vezes,
daquela estrutura de vontade, de virtudes que permitem a sobrevivência da relação.
Essa má compreensão (falha cultural), essa associação muito forte
da família à questão do prazer, a redução sexual mesmo, acaba fazendo com que
as pessoas não percebam que o amor é mais do que a questão sentimental. Por
isso, pode-se afirmar que se ama uma pessoa e ao mesmo tempo desgostar-se
dela, ficando clara a diferença
do gosto/paixão para o amor enquanto
compromisso/deliberação/sair de si. Admira-se a capacidade de abnegação /
altruísmo / dedicação extrema de pais e avós de outrora, que saíam de si pelo bem
do próximo, da família, pois era muito mais forte, sendo que hoje em dia se cria
numa geração que é mais difícil para se entender isso, e, às vezes, viver isso.
É exatamente desta dimensão do relacionamento que o direito foca
a relação familiar, pois ele não olha tanto na questão dos afetos, mas do
compromisso. O Código Civil, as leis que tratam dessa matéria, quando falam da
constituição da família, tendem a apoiar essa ideia do compromisso, ou de um fato
que está além do afeto.
Na questão da filiação, é um fato além do afeto, pois ainda que a
mãe eventualmente deixe de gostar ou deixe de querer o filho, por direito ela vai ser
obrigada a prestar alimentos, e o direito atribui esse dever porque o natural é que a
mãe faça isso voluntariamente, se não quiser, vai ter que fazer por força de lei, salvo
alguma disposição que transfira a paternidade daquela criança à outra pessoa.
O direito de família se apoia, portanto nessa dimensão, não tanto da
afetividade, como já mencionado, em três sedes (inteligência, vontade, afetividade),
43
é a vontade/querer, o verbo amar mais que sentir é querer/comprometer-se ao bem
do outro. A partir daí que se entende porque a família é a base da sociedade, pois
na família é onde mais há relação de amor afetivo e efetivo, as pessoas se doam,
esse modelo de amor tem que, depois, ampliar-se para toda a sociedade civil, a
capacidade de dar-se/doar-se que se aprende em casa e depois vai migrando para a
dimensão da sociedade, onde se trabalha nas entidades que estamos vinculados e o
próprio país como tal.
Uma falta de percepção da importância do amor, que perde essa
transcendência (negar-se a si mesmo para querer o próximo), vai afetar também,
além da família, o próprio Estado. Em boa medida, se entende que um amor
autêntico dentro da esfera familiar vai facilitar o amor autêntico na esfera da pátria
também, do próprio país, isso acontece porque se fala que é em casa que se tem o
principal aprendizado.
Se na família se ensina às pessoas a buscar basicamente o útil,
aquilo que mais gostoso acima de tudo e a não sacrificar-se pelo outro, se está
produzindo cidadãos individualistas, que amanhã vão querer levar vantagem em
tudo, não preocupados, sequer com o país. Quando tiverem cargos públicos vão
corromper estes cargos e outras pessoas e vão perpetuar a mediocridade
(insuficiência de valor) do país.
Há um circulo vicioso que se coloca substituindo o circulo virtuoso,
se educa as pessoas para buscar os prazeres acima de tudo e isso vai gerar uma
busca na família, acima de tudo, de um prazer também, uma esfera de
relacionamento mais superficial, as pessoas se envolvem juridicamente para dar o
suporte jurídico para algo que não é profundo, mas superficial, e depois elas
rompem de novo esse vínculo, gerando um circulo de divórcios e as próprias
pessoas não entendem o que acontece com elas, porque não receberam formação
suficiente para compreenderem a diferença entre amar e gostar, entre a vontade, o
raciocínio e o afeto, e as dimensões de verbos diferentes que há aqui.
Família em sentido amplo, lato sensu ou grande família é o grupo
formado por pessoas que são ligadas entre si pelo parentesco ou pela afinidade.
Família em sentido estrito, família núcleo ou nuclear é o grupo que se forma e m
razão do casamento (formando a família matrimonial) ou pela união estável (família
convivencial) ou pela filiação (família monoparental ou unilinear).
44
O casamento, que faz parte da multiplicidade de núcleos afetivos,
continua protegido, sendo que perdeu o exclusivismo. Salientando que o casamento
tinha raízes na disciplina religiosa e com o advento da República, em que o Estado
se torna laico, rompendo em definitivo da influência religiosa, o casamento passa a
condição de instituto meramente jurídico de natureza civil.
A codificação civil de 1916 conferia ao casamento a aparência de
eterno, indissolúvel, com a total influência religiosa sobre a relação de família com
notória repetição a normatividade canônica, sendo que o papel dominante era de
forma instituidora única da família legítima com privilégios distintos.
A orientação do sistema jurídico brasileiro começou a mudar com a
Lei do Divórcio em 197717, passou-se a admitir a dissolução do vínculo matrimonial
por meio de divórcio. Ressalte-se que, até a Constituição da República de 1988, o
interesse se voltava ao atendimento das formalidades e prescrições legais do que à
proteção e a felicidade das pessoas envolvidas. Assim, os argumentos jurídicos de
que a tutela formal e solene do casamento se justificava em face de um interesse na
manutenção da família, ainda que em prejuízo das pessoas que a compunham,
como se houvesse uma proteção para o núcleo familiar em si mesmo, cedem
espaço para a proteção de um casamento encarado como núcleo privilegiado para o
desenvolvimento da pessoa humana. Não há mais proteção ao casamento pelo
casamento, mas, sim, em razão do ser humano.
O
casamento
é
instrumento
para
o
desenvolvimento
da
personalidade das pessoas que desejam a realização completa e felicidade, desta
forma, as normas infraconstitucionais do casamento são submissas à supremacia
dos valores constitucionais, devendo harmonizar, sempre que possível, as suas
regras ao espírito garantista e, quando não for possível, a promoção desta
conciliação deve rechaçar a norma inferior do sistema. A proteção da família como
instituição exerce a tutela essencialmente funcionalizada à dignidade de seus
membros, em especial no que tange ao desenvolvimento da personalidade dos
filhos.
A procriação não é a finalidade do casamento, pois a própria
Constituição Federal reconhece o direito ao planejamento familiar, que é de livre
17
Lei 6.515, de 26.12.77 - Regula os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e
respectivos processos, e dá outras providências. (Lei do Divórcio).
45
decisão do casal, sendo absolutamente possível decidir não ter filhos e serem
mantidos os objetivos matrimonias (art. 226,§ 7º da CF). Devemos lembrar que a
Constituição proíbe discriminação entre filhos em relação à sua origem (art. 226 § 6º
da CF), não sendo também a finalidade do casamento a educação da prole, já que
essa circunstância decorre da paternidade e da maternidade, não precisando ser
casado para se ter o direito/dever de educar e manter os filhos. Desta forma, a
finalidade principal do casamento é o estabelecimento de uma comunhão de vida,
comunhão de afetos, e estes conjugam intimamente duas ou mais pessoas para
uma vida em comum, constituindo uma entidade familiar formal e solene.
O afeto18 é afirmado como base fundante do Direito das Famílias
contemporâneo,
visto
que
a
família
é
formada
por
seres
humanos,
consequentemente sujeita a mudanças constantes, apresentando-se sob tantas e
diversas formas quantas sejam as possibilidades de se relacionar, ou seja, de
expressar o amor. Essa realidade se deve ao Texto Constitucional de 1988, sendo
que a família deve ser compreendida como ponto de referencia central do indivíduo
na sociedade; um desejo de solidariedade e de segurança que dificilmente pode ser
substituído por qualquer outra forma de convivência social.
Neste sentido, a sociedade (Estado, comunidade acadêmica,
organizações não governamentais) detém papel importante que deve ser assumido
com postura responsável em relação à família (em sentido amplo), para que o texto
da Constituição Federal não seja letra morta.
As Constituições brasileiras de 1824 até 1988 tinham um modelo
único de família, o matrimonializado. A nova ordem constitucional, no que concerne
à família, abandona o seu caráter de instituição jurídica e passa a ser compreendida
como instrumento de realização pessoal do ser humano, de promoção de felicidade
das pessoas integrantes.
O direito vai proteger a dignidade do indivíduo enquanto sujeito
integrante da família e esta, elencada pelo texto constitucional como a principal
formadora do ser (personalidade) para a sua inserção social e a consequente
evolução cidadã, depreendendo-se que o afeto (em sentido amplo) faz gerar
responsabilidades e compromissos mútuos, independente do arranjo familiar
evidenciado.
18
Já amplamente exposto que o afeto às vezes expresso pelos doutrinadores tem a conotação do amor /
compromisso, relacionando o sentimento como vontade.
46
Antes da emenda 66, o divórcio direto se sujeitava à separação de
fato por dois anos. Atualmente, como não se fala mais em prévia separação,
entende-se que o divórcio indireto sumiu, ficando o divórcio direto (caso em que os
cônjuges passam da condição de pessoas casadas diretamente para a condição de
pessoas separadas). Hoje, o que se entende é que o divórcio passou a ser um
direito potestativo e incondicional de qualquer dos cônjuges. É a consagração do
princípio da liberdade também no que diz respeito ao divórcio.
Ressalte-se que o que se rompe com a dissolução da sociedade e
do vínculo conjugal é a convivência do casal, não da parentalidade (natural ou
afetiva), pois essa não se extingue, sendo evidenciada na determinação do exercício
conjunto do poder familiar (artigos 1.632 e 1.634 do CC/2002).
A função social que a família desempenha é a de instrumento para
que seja protegida e promovida a dignidade de cada um dos seus membros; a
família em si não é protegida, o que se protege é a existência digna de cada um dos
seus integrantes, evidenciando o Princípio Constitucional Da Tutela Da Dignidade
Da Pessoa Humana.
Outros princípios constitucionais do direito de família merecem
citação, como: O Princípio da Solidariedade, que se traduz em dois sentidos,
material - prestação de alimentos para os que dela necessitarem, imaterial ou moral
- é a necessidade de que se busque a efetiva proteção e respeito aos direitos da
personalidade dos integrantes de um grupo familiar; Princípio da Liberdade, a qual
tem que ser entendida em sentido amplo; Princípio da Igualdade ou Isonomia
Substancial, que se caracteriza com a igualdade de gênero (marido e mulher são
consortes ou corresponsáveis pelas obrigações), igualdade entre os filhos (proibida
qualquer designação discriminatória), igualdade entre as várias entidades familiares;
Princípio do Pluralismo ou da pluralidade, que nos informa que são reconhecidos
vários arranjos possíveis, constituindo, cada um deles, um tipo de entidade familiar;
Princípio do Amparo às pessoas idosas, e nele expressa que a família, a sociedade
e o Estado têm o dever de amparo, devendo assegurar a sua participação na
comunidade que esteja, além de defesa do seu bem-estar, garantindo-lhes o direito
à vida e sua dignidade; Princípio do livre planejamento familiar e parentalidade
responsável, eis que afirma ser livre a decisão do casal no que tange ao
planejamento da família, mas compete ao Estado, para garantir o exercício desse
47
direito, propiciar recursos educacionais e científicos, sendo alicerçado o referido
princípio na dignidade da pessoa humana.
E nesse sentido passa-se a falar da criança e do adolescente,
prioridade absoluta, tem direito a ser tratado por todos para o melhor possível que
possa receber, para desenvolver sua auto compreensão, sua capacidade de se
relacionar com os demais e de servir. A criança não pode ser objeto de direito, pois
muitas vezes os cônjuges querem ter um filho e sem perceber acabam contrariando
o que o próprio art. 227 da CF/88 afirma dos filhos, que são prioridade absoluta.
Princípio da Proteção Integral, ressaltando que a criança e o
adolescente assumem um posto de prioridade absoluta, sendo dever da família, da
sociedade e do Estado a sua proteção, pela condição de pessoas em
desenvolvimento, desta forma, necessita de direitos especiais e específicos, não se
aferindo apenas no que tange a esfera penal de ato praticado por eles ou contra
eles, mas vários outros como direito à vida, e com dignidade, implicando em acesso
à saúde, educação, convivência, lazer, profissionalização, liberdade, e estes são
apenas exemplificativos.
No mesmo norte, temos o artigo 227 do mesmo texto constitucional,
de onde se extrai princípios importantes no que tange à proteção da criança e do
adolescente, sendo que o mesmo enfatiza a obrigatoriedade na intervenção do
Estado, devendo este cuidar das políticas públicas, sendo um princípio absoluto;
visualizamos a cooperação / participação, sendo que não cabe somente ao Estado,
é um dever a ser cumprido por todos para que os direitos sejam alcançados em sua
totalidade; preceitua ainda a absoluta prioridade em qualquer situação, tendo uma
proteção especial como se verifica no inciso II do artigo 227 da CF.
A criança e o adolescente gozam da proteção integral de acordo
com os artigos 1º, 3º e 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo que são
garantidos todos os direitos da pessoa humana inclusive os necessários para seu
desenvolvimento, sendo aqui evidenciada a doutrina da proteção integral.
O ECA – LEI 8069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente veio
pra regular o art. 227 da CF, rompendo com uma antiga doutrina chamada de
situação irregular. Hoje, a doutrina baseia-se em proteção integral da criança e
adolescente e não apenas em proteger o menor em situação irregular. Essa ideia
difundida com a convenção internacional dos direitos da criança de 1989: direito a
desenvolvimento (educação, lazer, informação), sobrevivência (vida, habitação
48
mínima, acesso à saúde), proteção (defesa contra forma de crueldade), participação
(liberdade de expressão de opiniões).
Obrigatoriedade da Intervenção estatal é evidenciada na redação do
art. 227 e §1º da CR/88, sendo o papel do Estado preponderante para que estes
direitos sejam cumpridos. Entretanto, não basta somente o Estado para o
cumprimento dos direitos inerentes a criança, mas também se faz necessário
integrar a sociedade, como por exemplo, o Conselho Tutelar.
A família em conflito / lide dá lugar a sentimentos deploráveis como
ódio, frieza, egoísmo, deslealdade, abandono, sendo que isso não influencia, na
maioria das vezes, os filhos advindos da relação, pois não raro serem eles os
principais a serem atingidos pela grande desordem provocada pela discórdia
ocasionada pela irracionalidade, insensibilidade, de ações e emoções confusas
dirigidas pelo ressentimento entre os pais litigantes.
Nesse sentido:
Um Poder Judiciário atento e cuidadoso com questões assim delicadas e
prejudiciais é, sem dúvida, um passo, um momento e um cenário muito
propício para o resgate, o reparo e principalmente a coibição para que tais
situações sejam rejeitadas, anuladas ou, no mínimo, minimizadas, alertando
toda a sociedade para a conscientização da responsabilidade de pais e
19
mães que estejam a causar tantos males para seus filhos.
Existem reflexos ocasionados em uma lide cujo objeto é a guarda /
visitas, inerentes a questão da separação / divórcio, como a Síndrome da Alienação
Parental (SAP), sendo que a alienação é uma consequência daquela, tendo
disposição legal, Lei 12.318, de 26.8.2010, podendo se extrair como conceito
interferência na formação psicológica da criança ou adolescente com o objetivo de
que repudie o genitor ou com o fim de causar prejuízos à formação ou manutenção
de vínculos entre eles.
Um instrumento importante que se apresenta para buscar uma maior
proteção aos filhos, merecendo uma criteriosa análise ao caso concreto, é a
viabilidade da guarda compartilhada, regulada pela Lei 11.698, de 13.6.2008, que
Altera os arts. 1.583 e 1.584 da Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código
Civil – sendo que os termos devem ser formulados de comum acordo pelas partes,
entretanto quem irá fixá-los, após a oitiva do Ministério Público, será o juiz, o qual
19
Hironaka, Giselda Maria Fernandes Novaes e Gustavo Ferraz de Campos Mônaco – Artigo: Síndrome da alienação
parental
49
deverá sempre guiar-se pelo Princípio do Melhor Interesse da Criança, extraindo-se
daqui que nas decisões judiciais afetas à matéria de tal amplitude e nuance que se
faz necessário que o Magistrado seja dinâmico, ou seja, considere o movimento
evolutivo da sociedade para que possa, como verdadeiro interprete, fazer a
adequação do fato à norma com a devida valoração exigida.
Aqui se pretende fazer uma ponderação adequada, que compete ao
caso, sobre a busca da solução da lide evidenciada no judiciário pelas vias do
contencioso, em principal no direito de família, não é tão justo, tão idôneo se o
caminho para sua efetivação é a destruição de direitos fundamentais ou de valores
estruturantes que integram a dignidade de uma pessoa humana, como o direito de
desenvolvimento saudável, educação e evolução cidadã, em especial da criança e
do adolescente.
Portanto, para a efetiva proteção determinada pela Constituição
Federal e que se possa caminhar para resposta correta para a solução de conflito
avocada pelo Estado, nos apresenta fundamental a dissolução da lide para o ideal
convívio com os filhos após o rompimento da célula familiar, evitando as conhecidas
consequências nos mesmos, como: medo, insegurança, a culpa, baixo rendimento
escolar, dentre outros que atingem a psique da criança e do adolescente.
2.2. Impactos psicossociais na criança
O conceito de dignidade humana não possui uma definição clara,
mas ninguém contesta sua existência, pois todos percebem que ela esta
patente/evidente e tentam de alguma forma explicar o que ela é, já que nossa
dignidade é maior que nossa capacidade de descrevê-la e de percebê-la de uma
forma clara e racional.
No direito natural, tem que se olhar para a realidade e perceber que
há uma série de direitos que decorrem da situação factual, seja ela derivada da
própria situação dos bens a que estão atribuídos a cada um de nós, seja derivada
daquela relação entre as pessoas que entre si vão redefinindo quem passa a ser
titular de direitos.
O direito à vida, pelos adeptos do direito natural, é um direito prélegal, preexiste ao próprio Estado. No estado de natureza, somos seres individuais e
sociais, pois cada um de nós nasceu em uma família, em um contexto social, não se
pode pensar que no estado de natureza somos seres individuais, pois o ser humano
50
isolado não existiu. A própria distribuição dos bens se deu sempre por que existiam
mais de um ser humano convivendo.
Cada um tem uma vida com a qual nasceu, ligado a sua própria
dignidade, sua vida humana e cada um tem o seu direito à vida, não é porque o
Estado nos reconhece que passamos a tê-la, pois antes do Estado já tínhamos esse
direito, ou seja, o direito natural nasce dessa observação da realidade e após
identifica certos atributos próprios da criatura humana que independe de uma
descrição positiva para que exista e para essa concepção o direito positivo é
importantíssimo pelo caráter de segurança de definir de forma melhor como devem
ser respeitados esses direitos básicos e outros também da pessoa humana, sendo
fundamental para a nossa sociedade. Mas, se entende que ele (direito positivo) deve
estar sempre em coerência e ser aplicado em consonância com esses direitos
prévios à própria existência formal da lei e do Estado.
O Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica, o qual
fala da vida reconhecida já na concepção (questão polêmica), pois se o ser humano
começa com a concepção, e como tal tem direito a ser tratado com a dignidade que
possui, e esta é sempre equivalente, independente da pessoa, pois se trata da
dignidade humana, não dependendo da origem biológica, ou da situação dos
genitores, se estes são nobres ou não, mas sim da condição humana, e esta é a
dignidade que se possui independente da origem, tem direitos como qualquer outra
pessoa, direito a ter a vida protegida.
No Brasil, esta questão do direito à vida que seja na concepção, não
está tão expressamente, mas consta da CF/88 no seu art. 5º caput20, que fala da
inviolabilidade do direito à vida. Esse tema esta na origem do direito de
personalidade, o núcleo básico, e por isso se volta para o momento que aparece ou
é considerado pelo direito. Essa matéria tem como referência o art. 2º do CC/02, o
qual diz que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a
lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro, e aqui se depreende
que desde a concepção o direito protege a pessoa, mas ao mesmo tempo fala que a
personalidade civil dá-se com o nascimento.
20
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
51
Os teóricos se dividem em três teorias, a natalista, a concepcionista
e a híbrida, que diz que o ser humano tem uma personalidade condicional, ou seja,
desde a concepção é como se tivesse personalidade, mas caso não nasça com vida
é como se ele nunca tivesse existido (aqui é um meio termo), se considera, para
proteção desde, que foi concebido que ele tem personalidade, mas caso não nasça
com vida, se entende que nunca teve personalidade civil. Isto importa por que afeta
toda a dimensão do direito civil, o direito sucessório, o direito de família.
A questão é que essa facilidade ou não da realidade, ou da
dificuldade de perceber o que é realmente o começo da pessoa humana, quando ela
surge, se prende, também, a outros interesses das pessoas, pois essa dimensão do
direito tem uma relação muito grande com o lado cultural, ético e religioso, além da
questão científica, ou seja, esse tema está interagindo com várias delas. No Brasil,
tradicionalmente, se defende que a personalidade civil, enquanto categoria jurídica
de atribuição de determinados efeitos, se dá com o nascimento, no entanto a lei já
reconhece os direitos do nascituro desde a concepção.
Pela sistemática nacional do direito brasileiro, se reconhece a
condição de pessoa, pois se reconhece o direito de alguém desde a concepção, e
ter direito é algo próprio de pessoas físicas ou jurídicas, no caso, nascituro não é
pessoa jurídica, portanto, titular de direitos desde a concepção. Há uma serie de
normas que já dizem e acabam admitindo que o ser humano desde a concepção já
goza de direitos e pode inclusive se exigir alimentos gravídicos,21a mãe pode pedir
alimentos ao pai por estar nutrindo o filho dele, uma pessoa.
A polêmica desse tema é grande, pois sempre há movimento de
outras pessoas, com outros interesses que passam a perceber a realidade de uma
forma contrária a que considera o ser humano desde a concepção, mas todos
reconhecem que cada um de nós tem o mesmo DNA de quando foi concebido e que
é linha de continuidade do desenvolvimento, todos os demais direitos da
personalidade derivam desse, esse é o ponto principal que gera interferência entre
ética, cultura e ciência e cria a necessidade de repensar qual é a posição correta.
Volta-se àquela ideia de que a realidade é mais rica que a nossa
capacidade descritiva, ou são iguais, ou ainda, o que interessa é o que a lei
determina. Essa reflexão é interessante para entendermos que muitas vezes para
21
Lei 11.804, de 5.11.2008 - Disciplina o direito a alimentos gravídicos e a forma como ele será exercido e dá
outras providências.
52
que realmente protejamos a dignidade humana é importante rever até algumas
instituições jurídicas como estava para poder avançar e pensar se a tutela da
dignidade humana é sempre ascendente e a escada da tolerância descendente, não
vai pela dignidade humana, muitas vezes ela está indo pela torpeza humana, pela lei
do mais forte. Lembrar que o homem pré-histórico vivia pela lei da força, então se eu
trabalho com a lei da força, sem dúvida alguma os fracos sempre perdem.
O Código Civil de 2002 colocou o capítulo II dedicado ao tema dos
direitos da personalidade. Traz, em poucos artigos, essa matéria que não se esgota
aqui, pois a vida é um direito básico fundamental, quando a lei fala que os direitos da
personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, quer dizer que, juridicamente,
eticamente, não se pode transmitir nenhum direito da personalidade, pode se exigir
que cesse a ameaça ou a lesão a esse direito, além de reclamar perdas e danos,
sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, artigos 11 e 12 do CC/02. 22
A norma em si não cria a realidade, ela está para descrever a
realidade e proteger aquele que é carente de tutela jurídica, o direito existe e evolui
na medida em que os que são mais fracos passam a ter alguém que os proteja
perante o mais forte, se realmente se trabalha para proteger a pessoa concebida,
independentemente da situação, desenvolve-se uma criatividade maior para achar
uma solução para os problemas principais.
A abordagem inicial nesse item em específico se justifica pela noção
da continuidade de desenvolvimento e da proteção devida que se dá desde a
concepção (Lei 11.804, de 5.11.2008 - alimentos gravídicos), demonstrando que o
direito busca impelir o cumprimento de um compromisso assumido, e no caso se
enquadra, inclusive, o alimentar da mãe que nutre o filho e procede a outros
cuidados necessários, mesmo que este ainda no ventre materno, para que possa se
desenvolver com todos os cuidados pertinentes. Devemos salientar que é
considerado o compromisso de ambos em face do filho e na proporção do recurso
que possuem, ficando mais evidente a tutela para a mantença que contribui para o
22
Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e
irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos,
sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
53
desenvolvimento do filho, prevê-se a conversão em pensão alimentícia em favor do
menor, após o nascimento com vida.23
Note-se que a preocupação primal do judiciário é resolver um litígio,
e na sua maioria ela se dá pela imposição de uma penalidade a uma das partes
envolvidas, configurando sempre em uma linguagem binária, ou seja, de dois signos,
sendo procedente ou improcedente. Entretanto, em especial na área de família, a
linguagem é mais rica, que seria uma linguagem ternária, por assim dizer,
condizente com a riqueza da realidade em face da incapacidade de declarar com
todos os seus variantes, pois se foi necessário bater as portas do judiciário para
compelir a algo que deveria naturalmente ter assumido como compromisso, mostra
no mínimo uma falência na relação dos envolvidos, aqui já se evidência a
necessidade da busca da solução de conflito que possa existir para assegurar o
pleno desenvolvimento preconizado no art. 3º do ECA.24
Na esfera da busca para solução de conflitos e manutenção da paz
social, tarefa avocada pelo Estado, podendo ocorrer, inclusive por equivalente
judicial, que se pauta na equidade, esta não é regra na decisão judicial (linguagem
binária) imposta, desta forma se aproximaria do justo e do direito pretendido pelas
partes envolvidas consoantes com a riqueza da linguagem da vida e da realidade
(linguagem ternária).25
Entretanto, o Estado tem que se aparelhar, e inclusive com
profissionais capacitados e implementar a necessária interdisciplinaridade /
multidisciplinaridade exigida para a efetiva solução de conflitos, em especial, no
direito de família, na efetiva proteção dos filhos que se localizam, em sua grande
23
Art. 2o Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas
adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes
a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto,
medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de
outras que o juiz considere pertinentes.
Parágrafo único. Os alimentos de que trata este artigo referem-se
à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também
deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos. Da Lei 11.804, de 5.11.2008 que
disciplina o direito de alimentos gravídicos.
24
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem
prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social,
em condições de liberdade e de dignidade. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do
Adolescente.
25
Linguagem ternária, binária - Expressões adequadamente usadas na dissertação de mestrado do Dr. Clayton
Rodrigues Sabino Barbosa.
54
maioria, no centro do enfretamento das partes que rompem com sua relação, sendo
as principais vitimas.
Destarte que o conflito existente ou remanente do casal que se
divorcia não raro os filhos ser usados como instrumento de revide ou, por que não
vingança contra aquele que até pouco era o escolhido para a plenitude de uma vida,
e que devido à ruptura e a não efetiva solução do conflito resta uma crescente
animosidade / ressentimento, que consequentemente desencadeia um fenômeno
derivado do processo de separação que o genitor guardião incute na criança
rejeição ao genitor alienado, e a isto se denomina alienação parental.
2.2.1. Síndrome da Alienação Parental
Em decorrência do evento da separação dos pais se faz necessário
regulamentar à guarda dos filhos, tendo como objetivos norteadores nessa matéria o
melhor interesse da criança e a proteção integral,26 sendo que as relações parentais
e familiares não são mais vistas como uma unidade, o que persiste é o poder /dever
dos pais, em igualdade, mesmo quando eles tomam caminhos diferentes.
O CC/2002 em seu Art. 1.583 determina que a guarda será unilateral
ou compartilhada, além de explicar cada instituto no § 1º, e no § 2º, ditando que a
26
TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para Operadores do Direito – 5ª Ed. página 344 e 345. Cita
possíveis indicadores para a proteção do melhor interesse da criança e como critérios de avaliação para se
proceder à decisão sobre a guarda:
1) Histórico de abuso à criança ou a terceiros;
2) Idade e gênero da criança;
3) Ajuste da criança ao ambiente;
4) Tempo disponível para a criança e qualidade dos cuidados oferecidos;
5) Necessidades da criança: cuidados especiais, emocionais ou físicos;
6) Posição econômica dos pais;
7) Desejo da própria criança. A vontade da criança, quando ela pode se manifestar espontaneamente,
deve sempre ser levada em consideração;
8) Desejo dos pais, que não deve se confundir com o interesse pela pensão alimentícia, ou por sua
administração;
9) Necessidades educacionais da criança;
10) Acordo entre os pais;
11) Separação dos irmãos. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina que se deve ser
evitada a separação entre os irmãos;
12) Saúde física e mental dos pais;
13) Determinações anteriores à guarda;
14) Flexibilidade de um pai frente ao outro;
15) Habilidades parentais gerais;
16) Aspectos religiosos (positivos e negativos);
17) Acordos de guarda anteriores ou posteriores à separação;
18) Possibilidade de que o genitor-custódio “aliene” o filho contra o outro genitor, provocando a chamada
Síndrome de Alienação Parental.
55
guarda será atribuída ao genitor que tenha melhores condições, mas essas
condições dizem respeito ao exercício da guarda, além de estar apto para propiciar
aos filhos afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar, saúde e
segurança, educação, sendo que tal guarda obriga o genitor que não a detenha
supervisionar os interesses dos filhos. 27
Seguindo
a lei
civil, esta
passou
a
considerar
a
guarda
compartilhada como regra e a unilateral exceção, entretanto não é essa a ocorrência
fática evidenciada, sendo que a capacidade descritiva não consegue declarar a
realidade como se apresenta, sendo diversos os fatores que dificultam a aplicação,
desde a resistência dos operadores do direito, como a modicidade de recursos dos
genitores para a efetiva implementação da referida guarda, até os costumes
prevalentes na sociedade, evidenciando que ainda prevalente a guarda unilateral
com a mãe.
Entende-se que o juiz tem que visar o bem estar dos filhos,dando
prevalência a guarda compartilhada, mesmo sem o acordo dos pais, e nessa ótica
da maior proteção possível, o melhor interesse da criança e do adolescente, pautado
na igualdade existente entre os genitores como responsáveis ao desenvolvimento
saudável dos filhos, sendo inaplicável se prejudicial.
O Art. 1.584 do mesmo CC/2002 dita que a guarda, unilateral ou
compartilhada, poderá ser requerida em consenso pelos genitores, decretada pelo
juiz em conformidade com as necessidades da prole, além de informar o significado
e a importância da guarda compartilhada, bem como o poder/dever dos genitores a
e as sanções cabíveis. Destarte que o juiz deve buscar a aplicação da guarda
27
Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008).
§ 1o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art.
1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai
e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. (Incluído pela
Lei nº 11.698, de 2008).
§ 2o A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e,
objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: (Incluído pela Lei nº 11.698, de
2008).
I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).
II – saúde e segurança; (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).
III – educação. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).
§ 3o A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos.
(Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).
§ 4o (VETADO). (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).
56
compartilhada, e no estabelecimento das atribuições inerentes ao pai e a mãe,
poderá basear-se em orientações técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar.28
Quando da ocorrência da separação dos pais,
persiste a
conflitualidade e de forma mais intensa quando mais próxima dessa ruptura,
existindo uma preocupação normal em relação às visitas realizadas pelo outro
progenitor, sendo comuns, ainda, os medos e angústias de possíveis represálias, e
estes anseios não povoam apenas a mente dos pais, mas também dos filhos, pois
surgem diferenças de uma nova organização familiar da qual não estão
acostumados.
Dentro desse processo de ruptura da vida conjugal, pode ocorrer
que um dos cônjuges não consiga absorver adequadamente esse acontecimento,
favorecendo um sentimento de rejeição, de traição, o que faz surgir o desejo de
vingança, notadamente pela debilidade psicológica que se encontra, tendo como
não resolvida a relação entre os cônjuges, e a agressividade que emerge será
destinada ao outro genitor utilizando como principal instrumento para tanto o filho.
Alienação parental29 é a interferência na formação psicológica da
criança ou adolescente com o objetivo de que repudie o genitor ou com o fim de
causar prejuízos à formação ou manutenção de vínculos entre eles. Os sujeitos
envolvidos são a vítima, que é o próprio menor (criança ou adolescente), o
alienador, que pode ser um dos genitores, os avós ou aqueles que tenham o menor
28
Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008).
I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de
divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar; (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).
II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo
necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).
o
§ 1 Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua
importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de
suas cláusulas. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).
§ 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que
possível, a guarda compartilhada. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).
§ 3o Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o
juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou
de equipe interdisciplinar. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).
o
§ 4 A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral ou
compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao
número de horas de convivência com o filho. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).
o
§ 5 Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à
pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de
parentesco e as relações de afinidade e afetividade. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).
29
Lei 12.318, de 26.8.2010 Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei n o 8.069, de 13 de julho
de 1990.
57
sobre sua companhia, guarda ou vigilância e o alienado, sendo o outro genitor que é
o prejudicado.
A alienação é uma consequência da Síndrome da Alienação
Parental (SAP), sendo esta um conjunto de consequências, como exemplos:
comportamento para deturpar a conduta do genitor alienado, impedir o direito de
visitas e convívio, privar o genitor alienado de informações importantes, promover
mudança de domicílio sem justificar no intuito de romper o convívio, ou seja, são
atos de alienação, dentre outros, a campanha de desclassificação da conduta do
genitor, dificultar o exercício do poder familiar, dificultar o período de convivência,
constatando que há uma programação cerebral que impede o convívio com o genitor
que não tem impedimentos, sendo que outros familiares, de forma consciente ou
não, podem contribuir para o sentimento de ódio do alienador ao serem
concordantes com as atitudes do genitor alienador.
Desta forma, desencadeando uma interferência no processo de
desenvolvimento psicológico da criança, que tem como consequências o estado de
sofrimento, culpa, até mesmo depois de adultas, já que a separação trás medo,
insegurança e baixo rendimento escolar.
As principais manifestações se dão pela percepção da criança com
reflexões fracas, ou com o chamado fenômeno do pensador independente (dá a
entender que é a criança que pensa), além do apego excessivo ao genitor guardião.
Cabe salientar que é devida a avaliação por peritos especializados mensurando /
detectando tal situação, para a devida intervenção. Cabe uma observação de que se
o genitor alienado cria resistência pode diminuir as consequências.
A atual constatação é pela existência de danos causados aos filhos
em virtude da SAP, fazendo-se necessária a identificação por todos envolvidos, com
o fito de minimizar as possíveis consequências decorrentes desse fenômeno, sendo
imprescindível a análise técnica para a devida identificação. Importante destacar,
novamente, que a realidade é mais rica do que nossa capacidade descritiva, não
devendo pautar somente no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais - DSM-IV, ou na Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento
da CID-10, pois deve-se analisar cada caso em particular, pois, independente do
nome que se possa dar, existe na prática atos de alienação não descritos, mas que
podem ser identificados pelo profissional competente da área.
58
Salientando que a participação desse profissional competente para o
tratamento adequado se dá pelas sequelas possíveis de ocorrência pelo
estabelecimento da SAP, que podem permanecer pela vida adulta, e inclusive gerar
um ciclo de repetição intergeracional. A situação pode levar a criança a odiar e,
consequentemente, rejeitar um genitor que a ama, ou seja, a contradizer
sentimentos que provocam a destruição dos vínculos, podendo, dependendo do
tempo de duração, não permitir sua restauração ao estado anterior, ou ao estado
desejável para o desenvolvimento preconizado pela nossa CF/88.
O Estatuto da Criança e do adolescente trata do direito à
convivência familiar em capítulo próprio, estabelecendo, a partir do artigo 19, que
toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua
família natural e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência
familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de
substâncias entorpecentes.
Aqui deve ser entendido que o ato de impedir, de dificultar a visita do
outro genitor é afronta ao direito de convívio familiar supracitado, sendo importante a
via judicial para impelir o genitor alienador a permitir que se cumpra o direito de
visita como condição fundamental para o exercício de um direito / dever da função
paterna ou materna, sendo que se destina como essencial para os filhos enquanto
seres em desenvolvimento, em consonância com os artigos 226 e 227 da CF/88,
bem como deve ser observado o artigo 6º do ECA30 que declara que a interpretação
do Estatuto deve ser considerados a condição peculiar da criança e do adolescente
como pessoas em desenvolvimento e os direitos e deveres individuais e coletivos.
Destarte que a personalidade está fundada numa construção, e não
em um grupo de características estanques e adquiridas pelo nascimento,
denotando-se que a interiorização das interdições e exigências da cultura e da
moralidade, tendo como representantes, os pais. Eis que se inscreve a lei de todas
as leis, aquela interna em cada indivíduo e que propicia a cada pessoa valorar o que
é bom ou mau, certo ou errado, e a formação dessa instância se dá pela vivência da
criança com seus pais e cuidadores.
30
Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do
bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente
como pessoas em desenvolvimento. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do
Adolescente
59
Em 26 de agosto de 2010, foi publicada a Lei 12.318, dispondo
sobre a alienação parental e alterando o art. 236 da Lei no 8.069, de 13 de julho de
1990, em seus artigos 2º e 3º, que determina o que juridicamente se considera
alienação parental, tendo como objetivo a sua definição, mediante a fixação de
parâmetros para a sua caracterização com o intuito de inibir a sua prática.
Destacando que no parágrafo único do ártico 2º afirma que ali não se esgota as
formas de alienação parental, podendo atos ser declarados pelo juiz ou constatados
por perícia, e, lógico, feito por profissional competente, mostrando a evidente
necessidade da interdisciplinaridade / multidisciplinaridade exigida atualmente para o
deslinde de vários conflitos, em especial na esfera da família.
Deve-se observar que a supracitada lei tem o primado da proteção
da criança e do adolescente, sendo que já constatado que a ruptura do núcleo
familiar causa a estes um sentimento de culpa pela não convivência dos cônjuges.
Com a guarda destinada a um dos genitores (na sua maioria,
destinada à mãe), se não há uma definitiva resolução da relação que existia entre os
genitores e aceitação da nova situação dos mesmos, aparecem sentimentos de
rejeição e de traição, e, por que não, frustração pelo sonho desfeito, desencadeando
um processo de imputação da responsabilidade ao outro, gerando o desejo de
destruição, de desmoralização e todas as formas necessárias para que possa
atingir, o até então amado, que se torna o odiado, sendo que não raro esse
sentimento passa a ser o objetivo principal da vida do cônjuge que se tornará
alienador, pois não se atentando que instrumentaliza por via do filho comum, ou até,
afetivo (compromisso assumido pelo outro cônjuge), toda a sua agressividade.
A Lei mostra uma evolução do pensamento hodierno do legislador,
apesar de discussões acerca da real existência da SAP, que, como dito
anteriormente, busca estar em consonância com determinações constantes na
CF/88 e no ECA, que busca a especial proteção da família e o direito à proteção
especial ou proteção integral à criança e ao adolescente, entretanto há necessidade
de ser declarado o direito, o dever, ou seja, a normatização existe, mas sempre não
conseguirá descrever a realidade, pois esta é mais rica que nossa capacidade
descritiva, devendo sempre essa legislação estar se adequando à realidade
percebida, que, por conseguinte promoverá avanços constantes, mesmo não
acompanhando a evolução real.
60
Em outras palavras, o objetivo principal da Lei 12.318, que dispõe
sobre a alienação parental é a proteção, só que tem focalizado mais a determinação
/ imposição judicial, com possíveis penalizações, que vai de encontro à gênese da
lei, pois não foca em um tratamento interdisciplinar para eliminar o nascedouro da
síndrome evidenciada, e por consequência natural, pela solução efetiva do conflito
advindo da ruptura da convivência conjugal, e o tratamento não é direcionado
apenas à criança ou adolescente, mas sim ao alienador e ao alienado.
Destarte que a proteção integral preconizada para a criança e o
adolescente abrange o biopsicossocial, ou seja, a eles são garantidos todos os
instrumentos necessários para assegurar o desenvolvimento físico, mental, moral e
espiritual, em condições de liberdade e dignidade, lembrando que eles gozam de
todos os direitos fundamentais assegurados a toda pessoa humana.31
A compreensão deve abranger que supracitada determinação
constante do Estatuto refere à proteção integral por se tratar de direitos destinados
àqueles que não têm maturidade, desta sorte, força que o Estado, os genitores, a
família em sentido amplo e toda a sociedade civil devem executar tudo aquilo que
seja em favor da dignidade da criança e do adolescente, visando o seu
desenvolvimento, crescimento, alcançar todas as suas potencialidades e a sua
preparação para integração social desejada, ou seja, cidadãos adultos que
participam de uma evolução cidadã, consoante aos ditames constitucionais, no que
elenca a família como a principal responsável pelo tecido social e do dever de
proteção destinada a todas as esferas da sociedade, inclusive o Estado.32
Aqui se torna a afirmar a importância da aferição de profissional
capacitado para tanto, devido ao bem que se pretende proteger, desta forma a
interdisciplinaridade / multidisciplinaridade de várias áreas, como o serviço social,
psicólogos, psicoterapeutas e outros como os militantes do direito nos apresenta
mais clara. A título de exemplo, para avaliar a SAP a investigação do histórico da
relação dos filhos com o alienado para que possa ser comparado o antes e depois
da separação, e na análise consideram-se os desgastes naturais da separação, seja
31
Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Art. 3º A criança e o adolescente
gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que
trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de
lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de
dignidade.
32
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 - Artigos 226 e 227.
61
o estilo de vida que muda ou o padrão socioeconômico. Logicamente, tal
procedimento demanda capacitação para tanto.
A enfermidade causada ao filho pode se enquadrar em estágios
diferentes, do leve ao grave, para cada estágio se adota um tratamento diferente,
além de se determinar visitas em conformidade com o caso, mais do que isso, este
tratamento se dá abrangendo a ajuda de familiares e outros conviventes que se
mostram condizentes ao propósito. Eis a importância fundamental do diagnóstico
correto antes de escolher o tratamento a ser seguido, sendo necessário inclusive
para a distinção do abuso efetivamente ocorrido que só se faz através de
investigação minuciosa e qualificada.
A SAP, em sua complexidade, pode demandar tratamento de cunho
psicológico, além da participação do trabalho de assistentes sociais, pedagogos,
bem como de profissionais do direito e em casos extremados de uma intervenção
judicial. Como já salientado a respeito da realidade estar sempre à frente da
percepção declarada, a grande maioria vitimada dos conflitos desencadeadores da
citada patologia se dá na esfera social, que apresenta modicidade de recursos
econômicos, não que isso esteja relacionado à questão social, mas é a condição da
maioria dos cidadãos brasileiros.
Este tratamento acima citado se torna, em muitos casos, longo e
logicamente acima da capacidade econômica da maioria dos que dele necessitam,
aqui salienta-se que o judiciário não tem como sua precípua função e preocupação
em respaldar suas atividades com aparato de profissionais em conformidade com a
necessidade dos cidadãos, mas sim se preocupa em dar decisão à controvérsia
apresentada, entretanto é função do Estado aparelha-lo com os instrumentos
necessários para o exercício da jurisdição, e esta pode se efetivar pelas vias
judiciais ou extrajudiciais.
CAPÍTULO 3
O NOVO ESTATUTO DAS FAMÍLIAS
3.1. Análise do novo Estatuto das Famílias
Afigura-se o Projeto de Lei nº 674 de 2007, que dispõe sobre o
Estatuto das famílias, sendo substitutivo ao que teve inicialmente como PL nº
2285/2007, apresentado pelo deputado Sérgio Barradas Carneiro, mas trabalhado
para sua construção pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM –
recebendo vários apensos,33já tendo sido aprovado pela Comissão de Constituição e
Justiça e de Cidadania (CCJC), e está parado desde fevereiro de 2011. É
compreensivo, pois sempre existem movimentos sociais que divergem e se interrelacionam buscando um interesse comum e se mobilizam, buscando influir nas
representações do poder, e não seria diferente em um campo tão fértil como o da
família.
Consta que o projeto busca uma visão dedicada a promover o bemestar e possibilitar a contribuição na reforma social, através do ordenamento
consoante às relações das famílias para a garantia dos direitos desta atual
pluralidade que nos apresenta, sendo mais adequado às necessidades da
sociedade contemporânea, preocupada com os conflitos e demandas familiares,
33
(Apensos: PL1. 149, de 2007; PL 2.285, de 2007; PL 3.065, de 2008; PL 3.112, de 2008; de 2008; PL 3.780, de
2008; PL 4.508, de 2008 e PL 5.266, DE 2009)
74
valorando a nova ordem jurídica como o afeto (em sentido amplo), o cuidado, a
solidariedade e pluralidade. O projeto pretende não só assegurar direitos, como
também, a sua efetivação.
Ocorre que o referido projeto para a criação do Estatuto das
Famílias visa adequar a importância dada pelo texto constitucional à família, essa
instituição que, independente das múltiplas formas que possa apresentar, constitui o
nascedouro dos afetos e das relações sociais para o desenvolvimento da cidadania
sob o prisma da igualdade, respeito e dos direitos humanos, sendo a família
indispensável para a garantia da sobrevivência e da proteção integral dos filhos. A
contribuição da família se mostra determinante na educação formal e informal,
sendo em seu espaço que se assimila os valores éticos e humanitários e se
desenvolve a solidariedade. E nos parece que os objetivos iniciais são positivar um
Direito mais adequado com as necessidades observadas no contexto social atual.
Não se trata de uma reforma no CC/2002, mas sim a retirada do
título que trata do Direito de Família, criando um Estatuto autônomo, com novas
regras materiais e processuais, ou seja, se trata de transformação em um
microssistema respeitando, a dinâmica de sua evolução com o intuito de adequar o
direito material a realidade social, bem como implementar o direito processual
atinente com institutos que visam soluções empáticas para conflitos e demandas
familiares a partir de novos valores jurídicos, como o afeto, o cuidado, a
solidariedade e a pluralidade, fazendo uso de multiprofissionais com uma interação
necessária para a busca da proteção da família, no caso em especial, dos filhos, e
consequentemente da sociedade.
Ressalte-se que houve uma preocupação com o projeto e a sua
adequação com as mudanças ocorridas na sociedade brasileira em consonância
com os ditames constitucionais, dentre eles a igualdade de direitos e deveres entre
os cônjuges, liberdade de constituição, igualdade dos filhos de origem biológica ou
socioafetiva e, claro, a garantia de dignidade das pessoas que a integram, em
especial a criança, o adolescente e o idoso.
Vale lembrar que o CC/2002, coordenado sua concepção por Miguel
Reale, apesar de ter entrado em vigência em 2003, se deu no final dos anos
sessenta e início dos anos setenta do século passado, ou seja, anterior a CF/88, e
lógico que houve um esforço de adaptação, entretanto não teve o êxito pretendido,
sendo que institutos refletiam, ou tentavam refletir, uma realidade ultrapassada pela
75
dinâmica social que sempre é mais célere que nossa percepção, o que não dizer de
uma percepção focada em décadas anteriores a grandes mudanças ocorridas sobre
a matéria, nos países ocidentais, e da nossa Constituição de 1988, que tem como
primado a dignidade da pessoa humana, e com isso gera intensas controvérsias e
dificuldades em sua aplicação.
O projeto visa um estatuto autônomo devido à necessidade de
associar as normas de direito material com as normas especiais de direito
processual, pois atualmente se constatam incoerências no tratamento dispensado às
questões na seara familiar com todas as peculiaridades das relações que sempre se
mostram tocadas pelo sentimento, sendo as mesmas normas aplicadas no que
tange às questões patrimoniais, como propriedade, contratos e demais obrigações.
Inclusive se atentou para a denominação utilizada como Estatuto das Famílias,
consoante à proteção constitucional às variadas entidades familiares.
O projeto do estatuto se mostra coerente com a atribuição
constitucional a todas as entidades familiares, a mesma dignidade e igual
merecimento de proteção, sem hierarquia entre elas, além de estabelecer diretrizes
comuns a todas. Note-se que distribui as matérias afetas de forma mais
sistematizada, iniciando com a técnica legislativa, comum às constituições, ou seja,
normas e princípios gerais aplicáveis às famílias e às pessoas que as integram.
Ao abordar sobre o divórcio, visualizando um direito potestativo dos
cônjuges, e como autonomia de vontade com regras simples, visando a não
interferência do Estado na intimidade do casal, sendo que não se aborda as causas
da ruptura, com o intuito de levar a paz, com a solução mais simples para os que
não mais desejam continuar casados, buscou-se assegurar o modo de guarda dos
filhos, no melhor interesse destes, bem como a fixação ou dispensa de alimentos
entre os cônjuges, e da obrigação alimentar em relação aos filhos.
A filiação é tratada de modo igualitário, alterando-se a concepção de
poder dos pais sobre os filhos para a de autoridade parental, sendo que tal
nomenclatura se coaduna com o compromisso dos mesmos em relação à prole,
visando o melhor interesse desta. Aborda a solidariedade que deve presidir as
relações entre pais e filhos, tratando ainda do direito de convivência, substituindo o
direito de visitas, reforçando a ideia que os pais podem se separar, mas não dos
filhos, sendo um direito assegurado de contato e convívio com ambos, incentivando
76
a guarda compartilhada, no melhor interesse dos filhos. Procurando ter sintonia com
o ECA.
Entidades familiares diversas e suas complexidades, evidenciadas
nos conflitos existentes, exigem respostas compatíveis com a celeridade exigida, e
de forma simplificada, informal, buscando uma economia processual, vendo-se no
estatuto o privilégio à conciliação, à ampla utilização de equipes multidisciplinares, e
ao estímulo à mediação familiar extrajudicial. Salientando, entretanto, que ocorrem
conflitos na família pela ruptura do casal e a não aceitação por um dos ex-cônjuges
pode desencadear sentimentos de ódio, podendo-se identificar a SAP,34sendo um
dos casos que possivelmente não se consegue uma solução célere, demandando
inclusive tratamento de toda a família, sendo tal fator não abordado pelo projeto.
A guarda dos filhos e o direito à convivência, regulados pelo novo
Estatuto determinam que, não havendo acordo entre os pais, o juiz deve decidir,
preferencialmente, pela guarda compartilhada, salvo o melhor interesse do filho,
recomendando sempre que possível a oitiva da equipe multidisciplinar e utilização
da mediação familiar.35
A Lei 11.698, de 13.6.2008, que Altera os arts. 1.583 e 1.584 da Lei
nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, para instituir e disciplinar a
guarda compartilhada, que deve ser entendida no exercício da autoridade parental,
não pode ter a exigência de residência comum dos ex-cônjuges. Pois nesse estilo de
guarda conjunta, um dos ex-cônjuges estará na residência habitual das crianças e
outro terá os filhos em sua companhia por períodos bem amplos, existindo uma
divisão mais igualitária de responsabilidades e atribuições parentais.
Decorrendo uma série de fatores de grande importância, em que se
faz necessária a adaptação com a realidade socioeconômica de cada entidade
familiar, deve-se ter uma orientação qualificada na transição para viabilizar a
adaptação ao modelo sugerido. Entretanto, não são observadas tais minúcias no
texto legal do estatuto, devendo tal observação estar dependendo da anteriormente
citada virtude da prudência do julgador, quando tal discussão estiver à porta do
34
Assunto tratado no Capítulo 2, tópico 2.2.1 – Síndrome da Alienação Parental – a partir da página 51.
Art. 93. Não havendo acordo entre os pais, deve o juiz decidir, preferencialmente, pela guarda
compartilhada, salvo se o melhor interesse do filho recomendar a guarda exclusiva, assegurado o direito à
convivência do não-guardião.
Parágrafo único. Antes de decidir pela guarda compartilhada, sempre que possível, deve ser ouvida equipe
multidisciplinar e utilizada a mediação familiar. Estatuto das Famílias.
35
77
judiciário, e notadamente, em sua grande maioria, quando se leva a ele, se tem no
mínimo reminiscência de conflito advindo da ruptura da relação dos cônjuges, e este
precisa ser efetivamente solucionado.
A elevada importância que a Lei e a Jurisprudência cedem à vontade
judicial, pela análise feita pelo juiz na disputa entre os pais pela guarda dos filhos,
destacadamente nos processos de ruptura da união conjugal, se mostra
imprescindível para que os magistrados tenham ciência da constante evolução da
sociedade e, em especial, da própria família. A importância desta constatação se dá,
como exemplo, na aferição determinante do juiz ao caso concreto, ressaltando o
caso da guarda dos filhos, regulada pelos artigos 1.583 e 1.584 do CC/2002, que
foram alterados pela Lei 11.698/2008, que dispõe sobre a guarda compartilhada, a
qual poderá ser requerida de comum acordo entre os pais, ou decretada pelo Juiz,
em conformidade com as necessidades específicas do filho.
Observe que mesmo havendo a escolha prévia pelos pais do modelo
de guarda, ainda assim deverá haver sua aceitação pelo juiz da causa. Destacando
que o risco de desacordo ou conflito entre os ex-cônjuges existe igualmente na
guarda única, não podendo ser erigido como impedimento à fixação da guarda
compartilhada, salientando que a sentença que estabelece a guarda, independente
se unilateral ou compartilhada, está sempre sujeita à revisão, pois deve sempre
atender aos interesses da criança e do adolescente, não se esquecendo que cada
caso tem as suas peculiaridades e deve seguir o critério de decisão do juiz.
A complexidade dos casos relacionados à esfera da família, em
especial da guarda disputada pelos pais, quando da ruptura do casal conjugal, não
pode destruir o casal parental, pois a autoridade parental e o seu exercício
dependem da apreciação feita pelo juiz no interesse do menor, e este serve de
instrumento de controle do exercício da referida autoridade. Há de se notar que o
interesse diz respeito às órbitas material, moral, emocional e espiritual do filho
menor, evidenciando o caráter de sujeito de direito que tem a prole, que não é objeto
de direito dos pais, destacando que seus direitos se tornam mais abrangentes pela
sua condição de desenvolvimento, por isso necessita da proteção determinada.
O projeto do Estatuto das Famílias procurou harmonizar-se com o
ECA, e aqui deve-se destacar que os dois estatutos não podem ser vistos como
microssistemas isolados e independentes dos demais, mas sim como uma parte
78
integrante de todo sistema normativo, tendo como núcleo a CF/88, que propala seus
princípios por toda a ordem jurídica.
A CF/88, no seu artigo 227, determina que sejam assegurados às
crianças e adolescentes os direitos inerentes à cidadania, tais como os direitos à
vida, saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade,
respeito, liberdade e convivência familiar e social. O ECA, em seu artigo 6º,
determina o seguinte: “Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins
sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres
individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como
pessoas em desenvolvimento.” A redação deste artigo traz similitude com o artigo 5º
da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro - LINDB - diz: “Art. 5o Na
aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências
do bem comum.”
Entenda-se
que
nestas
redações
supracitadas
comporta
a
interpretação teleológica de observância obrigatória em face da condição especial e
prioritária da criança para efetivação do princípio do melhor interesse da criança, e
esse entendimento deve ser aplicado a toda e qualquer interpretação de texto legal
relativo à matéria criança e adolescente.
Aqui se faz necessário um adendo a respeito da necessidade do
exegeta ter uma visão mais humanitarista condizente com a dinâmica social, não se
esquecendo da incontestável assertiva de que a família é a base da sociedade
brasileira, independente das transformações sofridas, da mudança do aspecto da
autoridade ou das discussões sobre a sua desagregação ou enfraquecimento, a
mesma permanece como espaço privilegiado de socialização, não é o único, mas
pode ser vista como unidade básica, e na constituição da família o segmento mais
vulnerável é o da criança e do adolescente.
3.2. Instrumentos para a efetiva solução de conflitos
Dentro de todo o panorama do assunto no presente trabalho
elencado, consoante aos ditames das legislações internacionais, constitucionais e
infraconstitucionais, na matéria de proteção integral da criança e do adolescente,
para seu efetivo desenvolvimento biopsicossocial, em sintonia com a especial
proteção à família como base da sociedade brasileira, atenta-se que todos os textos
79
normativos se concretizam como normas após a interpretação do magistrado,
quando do litígio levado para a aplicação da solução judicial.
Cabe aqui, novamente, abordarmos que na esfera da decisão
judicial apenas comporta-se a linguagem de dois signos (binária), e a decisão
sempre virá da interpretação do texto normativo, do caso concreto e a valoração
dada a ele, bem como a formação do magistrado que logicamente influencia na
percepção da realidade, e ele é o intérprete por excelência, já que de sua leitura e
da sua prudência é que dependerá a aplicação para o deslinde do litígio
apresentado.
Eis que cabe identificar a diferença de soluções que comumente
tomam-se como sinônimas, que é a pertinente à lide e ao conflito, pois não
necessariamente quando na esfera judicial se dá solução à lide, já que esta não se
dará no conflito, pois quando o caso é levado ao judiciário, ali se busca decisão
onde o bom senso entre as partes falhou, e o que o Estado via judiciário dará é uma
imposição do que deve ser respeitado, e está poderá ser acatada, mas nem sempre
conformará a parte que se sentir contrariada, podendo inclusive a decisão contrariar
a ambas as partes. No caso supracitado, não parece caber outra solução, pois
chegou ao momento que precisa de uma determinação em uma questão que não se
consegue chegar a um ponto comum, mas o conflito a perdurar não pode ser
desconsiderado, e deve buscar a paz social.
No caso da família, se faz imprescindível que se tenha o ambiente
saudável para o desenvolvimento da criança e do adolescente, sendo que a sua
formação é essencial para o corpo social, constatando que qualquer que seja a sua
deformação ocasionada no seio da responsável precípua dos valores éticos do ser,
influirá na sua relação extra família, seja na escola, no trabalho ou até mesmo na
forma de se inter-relacionar na formação da sua entidade familiar, com possibilidade
de ocorrência de ciclos geracionais, ou seja, a repetição da deformação, causando
um efeito de propagação desta instabilidade dentro da instituição, que deveria dar
equilíbrio, o que na linguagem popular chamam de maldição de família, já que por
gerações se repetem a conflituosidade e deformação constante dos seus
integrantes.
Desta forma, se apresenta como um poderoso instrumento para a
devida solução de conflitos na esfera familiar, em especial, os equivalentes judiciais,
sendo que o projeto do Estatuto das Famílias elencou em seu texto um destes
80
instrumentos importantíssimo, qual seja a mediação familiar. O tribunal de Justiça de
Minas Gerais – TJMG – se mostra atento à grande possibilidade que representa este
instrumento, conforme mostra a Portaria-conjunta 126/2008, DJe de 04/09/2008, que
implanta o projeto piloto de estímulo à mediação de conflitos familiares nas Varas de
Família da Comarca de Belo Horizonte. A mediação foi tema de matéria na 4ª edição
da Revista Infoco.36
O TJMG sediou, nos dias 08 a 10 do mês de junho de 2010, no
Plenário I do Tribunal do Júri, no Fórum Lafayette (Av. Augusto de Lima, 1549BH/MG), Seminário enfocando o tema “Famílias em transformação: desafios à
Justiça”, dando seguimento à iniciativa implantada pela Portaria-conjunta 126/2008,
que é o projeto piloto de estímulo à mediação de conflitos familiares nas Varas de
Família da Comarca de Belo Horizonte. Aqui se mostra a preocupação do judiciário
com a implementação das soluções de conflito de forma não adversarial, sendo que
o Conselho Nacional de Justiça – CNJ – editou a resolução 125, de 29 de novembro
de 2010 que Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado
dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. 37
No Estado de Minas Gerais, o Programa Mediação de Conflitos tem
como objetivo principal a garantia dos direitos humanos e enfrentamento à violência
a partir da utilização da mediação em seus quatro eixos estruturantes: Mediação
Atendimento, Mediação Comunitária, Projetos temáticos e Projetos Institucionais,
além da parceria deste programa de mediação de conflitos com a Polícia Civil, por
meio do Projeto Mediar, a fim de resolver e prevenir conflitos individuais e coletivos,
sendo que efetivou parcerias que se mostraram satisfatórias. Destacando que a
OAB se mostra coerente na busca da solução de conflitos, destacando que possui
comissão de mediação e arbitragem. Inclusive, em 2010, teve parceria com o TJMG,
onde se implementou a Semana de Conciliação e Mediação da OAB-MG - 23 a
27/08/2010, mostrando que esta entidade pretende
mobilizar a classe na
perspectiva e importância da conciliação e mediação.
A Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010, do CNJ, dispõe
sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de
interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências, o qual busca
36
Site da Revista Eletrônica do TJMG - http://www.tjmg.jus.br/revista/numero_04/indice.html
http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/acesso-a-justica/conciliacao/resolucao-n-125 - Site do CNJ –
resolução 125.
37
81
tratamento dos conflitos de interesses tendente a assegurar a todos o direito à
solução dos conflitos, dando incumbência aos órgãos judiciários de oferecer outros
mecanismos de soluções de controvérsias, ressalvando a mediação e a conciliação,
além, é claro, da solução submetida à sentença.
A preocupação se mostra condizente com os resultados alcançados
pelas soluções de conflitos pelos meios consensuais, sendo que se pretende a
disseminação da cultura da pacificação social, visando adequar as estruturas
judiciárias, bem como proporcionar treinamento de servidores, conciliadores e
mediadores e, mais do que isso, a possibilidade de se firmar parcerias com
entidades públicas e privadas.38
Aqui se faz necessário uma breve elucidação acerca dos institutos
citados e que se passa a defender como instrumentos hábeis a desafogar o
judiciário e dar solução aos conflitos de forma mais equânime dentro de uma visão
de maior dinamicidade, coerente com a evolução social e os seus anseios, já que os
equivalentes permitem a incidência da linguagem da vida (ternária) e não se
restringe a linguagem binária comum do judiciário.
Conciliação, que comumente é confundida com mediação, é um
procedimento alternativo de resolução de conflitos que também é construída pelas
partes, em que uma terceira pessoa (conciliador), embora não possa impor uma
solução, intervém e apresenta soluções (jurídicas) possíveis, informando vantagens
e desvantagens.
Mediação deve ser entendida como procedimento não adversarial,
extrajudicial, cuja solução de conflito é construída pelas próprias partes de forma
consciente e voluntária e que tem a participação imparcial de um terceiro (mediador)
38
Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010
Capítulo I
Da Política Pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses
Art. 1º Fica instituída a Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses, tendente a
assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade.
Parágrafo único. Aos órgãos judiciários incumbe, além da solução adjudicada mediante sentença, oferecer
outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a
mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão.
Art. 2º Na implementação da Política Judiciária Nacional, com vista à boa qualidade dos serviços e à
disseminação da cultura de pacificação social, serão observados: centralização das estruturas judiciárias,
adequada formação e treinamento de servidores, conciliadores e mediadores, bem como acompanhamento
estatístico específico.
Art. 3º O CNJ auxiliará os tribunais na organização dos serviços mencionados no art. 1º, podendo ser firmadas
parcerias com entidades públicas e privadas.
82
que auxilia por meio de determinadas técnicas, sem nenhuma intervenção direta ou
proposta de solução.
Não se pode confundir mediação com terapia. Em conformidade
com a complexidade, caso a mediação não tenha logrado êxito se pode encerrar em
definitivo a mediação e o conflito vai às portas do judiciário buscando a solução da
lide (não necessariamente do conflito), ou pode ainda buscar o que o Estatuto das
Famílias, no capítulo IV, que trata da guarda dos filhos e do direito à convivência, em
seu artigo 93, parágrafo único,39 menciona como mediação familiar, que nada mais é
que uma conciliação mais sensível às questões particulares das famílias, que podese ocorrer com intervenção mínima, e essa privilegia o contato entre as partes para
que se possa identificar o problema, evitar discussões do passado que possam
fragilizar ou impedir o consenso.
Dependendo do caso, pode-se ocorrer a intervenção dirigida, a qual
obtém e dá informações sobre as partes em conflito, identifica e avalia opções
tentando persuadir as partes a chegarem a um acordo. Note que nesta a
participação do terceiro é mais incisiva que na anterior e ainda pode haver a
intervenção terapêutica que observa e avalia a relação existente entre as partes,
procedendo a uma intervenção que corrige desvios, procura uma solução conjunta
feita a partir de mudanças dos comportamentos disfuncionais dos participantes, e
aqui, até que termine a intervenção terapêutica, a mediação em si fica suspensa.
Acrescentando que o projeto do Estatuto das Famílias, no título que
trata do processo e do procedimento, estimula a conciliação, bem como sugere a
prática da mediação extrajudicial, ressaltando a importância da multidisciplinaridade,
com assistentes sociais e psicólogos, consoante artigo 124, in verbis: “Em qualquer
ação e grau de jurisdição deve ser buscada a conciliação e sugerida à prática da
mediação extrajudicial, podendo ser determinada a realização de estudos sociais,
bem como o acompanhamento psicológico das partes.”
Neste mesmo norte, evidencia que o Estado, fazendo uso de
instituições para o exercício de sua função jurisdicional, pode equipá-las com os
recursos físicos e humanos no intuito de implantar interdisciplinaridade /
39
Art. 93. Não havendo acordo entre os pais, deve o juiz decidir, preferencialmente, pela guarda
compartilhada, salvo se o melhor interesse do filho recomendar a guarda exclusiva, assegurado o direito à
convivência do não-guardião.
Parágrafo único. Antes de decidir pela guarda compartilhada, sempre que possível, deve ser ouvida equipe
multidisciplinar e utilizada a mediação familiar. – Estatuto das Famílias -
83
multidisciplinaridade na busca da solução de conflitos, sendo que não se pode exluir
a dignidade, e essa igualdade exigida deve compelir o Estado a efetivar os
instrumentos necessários para a busca da proteção indistintamente da dignidade da
sociedade, seja empobrecida e de parcos recursos ou não, para que possam ter seu
direito natural protegido. Até porque, como se protegerá a principal formadora do
cidadão que se inter-relacionará em várias instituições e reproduzirá tudo aquilo que
fez parte do seu desenvolvimento. Nessa ótica, o Estado estará se valendo de vias
preditivas, ou seja, medida anterior à prevenção de problemas vividos na nossa
sociedade, como a criminalidade, drogas e todas as resultantes de uma deformação
do indivíduo.
Ressalte-se que consta do texto constitucional a instituição essencial
à função jurisdicional do Estado para a defesa dos necessitados em todos os
graus.40Desta forma, o Estado pode se valer de uma estrutura que está sendo
implantada em todo o país e que pode ser aparelhada com condições de melhor
efetividade de sua destinação, que é a proteção dos necessitados em sua dignidade,
em especial no tocante ao direito de família e na proteção dos filhos quando do
divórcio.
A Defensoria Pública pode realizar a mediação, um instrumento
pautado no não julgar que busca levar as partes para que elas mesmas identifiquem
a gênese dos conflitos e a encontrar soluções possíveis para os mesmos. Claro que
se faz necessário à equipe multidisciplinar / interdisciplinar para melhor identificar as
várias possibilidades de um mesmo conflito. Com tal procedimento é possível, e
recomendável, sua aplicação na esfera familiar, principalmente que hoje nós temos
famílias, não com um modelo padronizado, que apresentam diferentes conflitos,
diferentes abordagens, com diferentes soluções.
A possibilidade de a mediação solucionar o conflito é grande,
podendo ocorrer sem o desfazimento da família ou com o desfazimento consensual,
podendo ser referendado41pela defensoria, com o grande ganho de ter uma
40
CF/88 - Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe
a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.).
41
Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais:
II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado
pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela
Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores; (Redação dada pela Lei nº 8.953, de 13.12.1994) –
negrito nosso - Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil -.
84
concordância real e não apenas formal, como se evidencia na maioria das vezes
quando o conflito bate às portas do judiciário.
A legitimação para que a Defensoria Pública tenha como função
institucional a solução extrajudicial de conflitos se verifica no artigo 134, § 1º, da
CF/88, in verbis:
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional
do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os
graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.)
§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do
Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua
organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial,
mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus
integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia
fora das atribuições institucionais. (Renumerado pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
E na Lei Complementar 80, de 12.1.1994, Organiza-se a Defensoria
Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, prescrevendo normas gerais
para sua organização nos Estados, e dá outras providências, no seu artigo 4º, inciso
II, in verbis:
Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:
II – promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à
composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de
mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e
administração de conflitos; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132,
de 2009).
Bem como está presente na Lei Complementar Estadual nº 65, de
16 de janeiro de 2003, do Estado de Minas Gerais, em seu artigo 5º, inciso I.42
Nesta órbita, acrescenta-se que já se instrumentaliza em faculdades,
como na UNIPAC, uma multidisciplinaridade em atendimento às pessoas carentes
da sociedade que buscam a assistência jurídica do núcleo de prática dessa
instituição. Nela, os alunos do curso de serviço social (orientados pelos professores)
fazem o primeiro atendimento da população e passa o seu parecer para o aluno do
curso de direito que dá a sequência, sendo que se mostra uma complementaridade
42
Art. 5° – Compete à Defensoria Pública: I – promover, extrajudicialmente, a orientação às partes em conflito
de interesses, bem como a conciliação entre elas; - Lei Complementar Estadual nº 65, de 16 de janeiro de
2003, do Estado de Minas Gerais –
85
do objetivo maior, que é prestar assistência à população, bem como enriquecimento
no aprendizado dos alunos.
Nesta percepção, se mostra consoante com o entendimento do CNJ,
sendo que o mesmo fala da possibilidade de parcerias tanto com o setor público,
como com o privado. Desta forma, pode-se viabilizar a participação das instituições,
como Ministério Público, Defensoria Pública, universidades, faculdades, públicas e
privadas, OAB, CRM, CRP e tantos outros que integram a sociedade brasileira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente trabalho, a principal preocupação foi tratar da solução
de conflitos no divórcio: a efetividade jurisdicional na proteção dos filhos. No entanto,
para tratar de tema de tamanha complexidade se fez necessário perpassar por
diversos outros que se inter-relacionam, pois indissociáveis das inúmeras temáticas
possíveis dentro da instituição familiar, respeitando, é claro, que, em qualquer
campo que se problematiza, sempre terá no mínimo duas posições que se
contrapõem e que possivelmente se mostram defensáveis, dependendo da retórica
empregada, comum em um Estado que se pretende democrático.
No entanto, se pautou nos ditames constitucionais elencados pelos
representantes do povo, na sua função legiferante, em que tentou reproduzir os
desejos sociais quando declarou a família base da sociedade e que os filhos,
quando crianças e adolescentes, devido à sua condição de desenvolvimento,
merecem que todos se mobilizem e dispensem a proteção e esta de forma integral
para que possa desenvolver tanto físico, mental, moral, e espiritual, sendo
consoante o entendimento de que a unidade básica de formação do cidadão é a
entidade
familiar,
já
que
se
esta
se
desestruturar
irá
comprometer
o
desenvolvimento da prole.
Buscou-se relatar a construção histórica da criança onde se
identificou a família antiga com suas peculiaridades, onde o pai tinha um poder
quase que ilimitado concedido pela religiosidade, já que ele era o representante
76
divino no seio do lar, pois nessa época os deuses eram domésticos. Havia uma
similitude da dignidade do pai e da mãe, apesar da hierarquia determinada pela
religião, nesta a mulher se associava à do marido com o casamento, explicando o
porquê da continuidade do culto se dar apenas pelo filho e não pela filha.
Evidenciou que os filhos só adquiriam sua maioridade com a morte
do pai, este possuía direitos ligados como chefe religioso, como senhor da
propriedade ou como juiz. O pai era responsável pela continuidade e perpetuidade
da família e do culto, e ali se evidenciava um pacto intergeracional, sendo que o filho
daria continuidade ao culto substituindo o pai que se transforma em protetor da
família como deus doméstico que se torna.
Na época o filho era como propriedade, o pai poderiam dispor de
sua força de trabalho, até para a venda; do seu corpo tinha poder para impingir
castigos, sendo que caso o filho nascesse disforme possuía o direito de determinar a
morte do mesmo. Entretanto, não se pode falar que não existia amor permeando
essa família, pois em um exercício de abstração para uma análise consoante à
época, visualiza-se o compromisso existente dentro da entidade familiar, sendo que
através deste buscava a perpetuação tornando-se deuses domésticos que
necessitavam do culto realizado pelos descendentes.
Na idade média o tratamento dispensado pela sociedade às crianças
era péssimo, pela nossa visão atual, pois o período de infância era extremamente
reduzido, atingindo no máximo sete anos e, após passava ao convívio dos adultos,
segundo relatos, se dava para aprender tarefas, obrigações e valores, entretanto o
convívio se dava com adultos alheios aos da parentalidade, cogitando que se
procedia assim para o efetivo aprendizado.
Nesta época, apesar da criança divertir os adultos, era visto como
um adulto pequeno, e caso ocorresse o seu falecimento pouco era sentido, além do
número de mortalidade ser altíssimo em recém-nascidos por asfixia na cama pelos
adultos (infanticídio tolerado). A partir da contribuição da formação de uma
sociedade industrial e uma vertente moralização dos homens promovida pela igreja,
às leis ou o Estado, a sensibilidade e receptividade das famílias, passando a buscar
proteger a criança visualizando-a com uma valoração, que se restabelece.
Passa-se a analisar a criança e o adolescente, vítima da omissão e
transgressão da família, da sociedade e do Estado em seus direitos básicos no
direito pátrio, e a sua visão era de menor abandonado ou delinquente, e chega-se ao
77
momento atual, cuja ideia difundida com a convenção internacional dos direitos da
criança de 1989 é o direito a desenvolvimento (educação, lazer, informação),
sobrevivência (vida, habitação mínima, acesso à saúde), proteção (defesa contra
qualquer forma de crueldade), participação (liberdade de expressão).
Discorreu-se sobre a criança e o divórcio no Brasil, sendo que
sempre se pautou em concepções patrimonialistas e com raízes religiosas, onde o
casamento era para toda a vida, identificando única família aceita pelo Estado,
surgindo à única possibilidade de rompimento do vínculo conjugal pelo desquite, e
este não implicava no desfazimento do casamento, consoante com o CC/1916.
O que se evidenciou é que os filhos até o advento da CF/88, sempre
foram vistos como apenso ao casamento, sendo mais como objetos de direitos, ou
seja, importava mais o fator patrimonial do casamento que a dignidade dos filhos e a
sua efetiva proteção.
Graças ao reconhecimento da importância da criança e do
adolescente pelo direito internacional, e consequentemente na CF/88 e no ECA,
trouxe a adoção do sentido de proteção e não do domínio, consoante que a
autoridade parental nada mais é que o poder/dever dos pais em relação aos filhos,
condizente com a necessidade de pessoas em desenvolvimento que são. Com o
novo entendimento constitucional se determinou a igualdade entre homens e
mulheres, em especial, na sua responsabilidade de formadores por excelência do
cidadão, inseridos no contexto da entidade familiar.
Na sociedade atual com toda a sua complexidade e que nos
impulsiona a mudanças ligadas a nossa realidade sociocultural. A multiplicidade de
formas e desenhos que a família se apresente tem uma dinâmica, velocidade e
riqueza maior que a possibilidade do legislador possa acompanhar na busca de
declarar os direitos a serem protegidos.
Sempre assim o será, pois as legislações não conseguem
acompanhar o movimento e a demanda social, daí se extrai que se faz necessário
que o direito declarado deve comportar interpretação para a devida adequação
temporal exigida, não sendo pautada na literalidade, mas sim com embasamento
teleológico, para encontrar o direito, pois este com certeza transcende a letra da lei,
exigindo do exegeta a virtude da prudência, já que não se consegue dissociar a
percepção da influência de sua formação pessoal.
78
A pessoa que tenha a função de dizer o direito, de percebê-lo, deve
guiar-se pela prudência, que é a reta razão no agir, tem que ter uma conduta, um
hábito operativo intelectual de saber olhar a realidade, e, a partir desse olhar
perceber o que é realmente o direito devido e justo, tendo também, o conhecimento
dos direitos declarados para a correta aplicação e possa, assim, proporcionar a
segurança para a sociedade.
Deve-se ter a percepção que a produção legal é uma atividade
humana querida, criada com a vontade do legislador expresso e a partir dali se dá o
poder a essa vontade para que se execute. Não raro o anseio de segurança se
sobrepõe ao da justiça, sendo que a falta de pessoas criteriosas, prudentes para
dizer o direito gera insegurança, isto é muito comum hoje.
Quando se olha o direito, visualizando basicamente as normas e
não se atem a importância fundamental de reconstruí-las olhando primeiro os fatos,
pois a realidade é muito rica, a partir desta compreensão entender que a verdade
dos direitos não se esgotou nas declarações / normas, que essa verdade tem que
ser aperfeiçoada, já que nossa capacidade descritiva não se compara a riqueza da
realidade e a sua complexidade, devendo sim usar critérios para a percepção dos
direitos.
É preciso identificar o que é o devido a cada um, o que é essencial
do ser humano para protegê-lo, com esse olhar sempre para a realidade
compreendendo-a a cada momento.
Desta forma, com a devida análise, que o judiciário na sua função
precípua, no que tange em especial no direito de família, decidirá a lide levada para
a tutela jurisdicional em busca do direito que se acredita possuir, entretanto na
diversidade de possibilidades que nos apresenta a linguagem da vida (ternária), na
esfera judicial a decidibilidade se pauta em linguagem limitada a dois signos
(binária), que pode ser traduzido em sim e não.
Constata-se que a solução da lide não representa a solução do
conflito, haja vista que um casal pode ter passado por uma imposição proveniente
de sentença em uma determinada lide, os envolvidos acataram a decisão, mas não
se buscou eliminar uma possível culpa imputada ao outro pela frustração de um
sonho que se destruiu. Desta forma, se remanescente tal sentimento, várias
possibilidades aparecem, desde uma simples inimizade que se mantém apenas na
relação conjugal, ou pode se tornar uma doença que deforma futuros cidadãos.
79
Destacou-se a importância de buscar a solução de conflitos de forma
efetiva, sendo que o Estado avocou para si a pacificação social, e este pode se valer
de instrumentos como equivalentes judiciais, em especial a mediação, por se pautar
na equidade, uma busca de solução para conflitos de forma empática, nas relações
familiares, em especial na proteção dos filhos do casal que se divorcia, e no
processo de atribuição da guarda.
Os filhos de forma natural se culpam em um primeiro momento pela
ruptura do casal, caso o cônjuge ao romperem sua relação não tiverem a maturidade
exigida para que não fique reminiscência de rancor e culpa, pode desencadear
processos que desestabilizará totalmente a formação da prole, podemos citar a
SAP, sendo que possibilitará a inserção nas drogas, sejam lícitas ou não, não se
relacionarão adequadamente na esfera profissional, e com grande risco de
reproduzirem o sentimento integrante da sua formação quando constituírem a sua
entidade familiar, desta forma expandindo e comprometendo todo o corpo social.
A defesa da mediação se justifica pela crescente abordagem feita
pelo CNJ e consequentemente pelo judiciário, pelos Estados, em especial Minas
Gerais que desde 2004 implantou o Programa Mediação de Conflitos com princípios
norteadores em prol da prevenção e combate à violência.43O Programa Mediação de
Conflitos originou-se através da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG -,
por meio da Faculdade de Direito, através do Projeto de Extensão denominado
Programa Polos de Cidadania, dele se construiu um Projeto de Mediação e
Cidadania, que se consolidou e tornou em Programa Mediação de Conflitos, como
política pública, com recursos públicos e amplitude contingencial no nível de Estado.
Destarte que é um projeto que pode ser expandido para outras áreas
do conhecimento que venham a somar e enriquecer a dinâmica do aprendizado com
resultados palpáveis e podendo evoluir para possibilidades inúmeras de parcerias,
como com o judiciário, com a OAB, com o Ministério Público, com a Defensoria
Pública, no intuito de aprimorar as qualidades dos futuros profissionais que se forma
para a sociedade, com uma percepção aprendida no labor diário da prestação
assistencial se inter-relacionando com diversas áreas do conhecimento com uma
43
https://www.seds.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=285&Itemid=119 – Site da
Secretaria de Estado e Defesa Social de Minas Gerais
80
visão mais humanitária e com foco de buscar a paz social, em especial na solução
de conflitos na efetividade jurisdicional na proteção dos filhos.
Aqui se faz necessário uma ponderação sobre a sensibilidade de se
perceber as famílias existentes que necessitam de tratamento diferenciado bem
como a percepção dos vários problemas que permanecem quando a conciliação não
é real, pois a mediação pode parecer utópica, entretanto trata-se de uma postura
que irá refletir nos processos judiciais.
A utopia deve ser sempre um paradigma e objetivo a ser alcançado,
como também se apresenta os ditames do artigo 3º da CF/88, que elegeu objetivos
fundamentais como construir uma sociedade livre, justa e solidária; sustentar o
desenvolvimento nacional; eliminar a pobreza e a exclusão social e reduzir as
desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Desta forma possibilita a evolução da sociedade que busca atingir
objetivos que nos apresenta como inatingíveis, entretanto baliza e direciona os
esforços de toda uma sociedade que busca se conformar e formar cidadãos
comprometidos com o próximo e que transcende em conformidade com os valores
impressos na sua formação, em especial dado pela célula mãe da sociedade, que
prepara seus integrantes para buscar e contribuir para a evolução cidadã.
Para tanto, buscou demonstrar a importância da real compreensão
da vontade, da razão e do afeto, e que estas três dimensões se interagem a todo o
momento de nossos atos e decisões, salientando que o afeto defendido pelos
doutrinadores como alicerce da família tem o sentido mais amplo, que é o do amor /
compromisso, pois é a expressão de vontade de se comprometer ao bem do outro.
O direito não se pauta na instabilidade, não desconsiderando a importância do
sentimento, mas realçando suas amarras no compromisso.
Destacando que a cultura da busca da satisfação pautada no
sentimento se torna individualista, passando a reduzir o amor / compromisso a
questão da satisfação apenas sexual, ou seja, no momento que se desgostar
circunstancialmente rompe com a entidade que integra e busca a mesma satisfação,
não existindo uma evolução de sentimentos, mas sim a busca constante de uma
sensação, não importando os reflexos advindos do não comprometimento.
Tratou-se de um tema de indiscutível riqueza com intuito de
solucionar questões afetas ao divórcio e a efetividade jurisdicional na proteção dos
81
filhos, e para isso a necessidade da solução do conflito, sendo que esse não
necessariamente se resolve na esfera judicial, evidenciando constantes intervenções
judiciais, novas demandas para adequar a realidade, dependendo do grau de
disfuncionalidade da família.
Defende-se o uso de equivalentes judiciais, em especial a mediação
por se pautar soluções empáticas e equânimes, destacando o uso crescente em
todo o Brasil, em especial no Estado de Minas Gerais, como meio de prevenção da
criminalidade.
Destaca-se a possibilidade de implementação de projetos que
busquem harmonizar para não se romper a relação parental, mesmo que ocorra
ruptura da relação conjugal, sendo que demonstramos o empenho do CNJ, bem
como do TJMG em parceria com a OAB, além de destacar que o projeto no Estado
de Minas Gerais teve sua gênese na UFMG, e com isso demonstra a possibilidade
de parcerias com todas as esferas, sejam públicas ou privadas, para a concretude
da determinação Constitucional do dever da família, de toda a sociedade e do
Estado em assegurar a proteção integral à criança e ao adolescente para o seu
desenvolvimento biopsicossocial.
Uma relação parental que permeia a conflituosidade remanente da
relação conjugal desfeita poderá deformar os cidadãos que integram a entidade
familiar e que posteriormente será inserida no corpo social, trazendo prejuízos a
toda a sociedade, com a possibilidade de perpetuar a mediocridade com efeitos
cíclicos da reprodução das informações que contribuíram para a sua percepção e
deformação, criando sujeitos que pretendem levar vantagem em tudo e sobre todos,
corruptos e corruptíveis, individualistas, que não se preocuparão, com toda certeza,
nem com o país.
Assim, tem-se que a não observância dos direitos fundamentais à
vida e à saúde da criança e do adolescente, seja pela família, pela sociedade ou
pelo Estado, viola notavelmente o princípio da dignidade da pessoa humana,
previsto no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal. Mas não só, também viola
os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, elencados no artigo 3º
da Constituição Federal, quais sejam construir uma sociedade livre, justa e solidária;
garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização; e
reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos.
82
Em uma seara tão fértil em suas possibilidades, não se quer exaurilas e nem tampouco defender como única verdade, até porque a realidade, como
dito anteriormente, é mais rica do que nossa capacidade descritiva. Desta forma,
aqui se busca responder a alguns questionamentos e levantar inúmeros outros,
como se espera de um trabalho que se pretende dialógico e que culmine em
contribuição para toda a sociedade.
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