CISTO ARACNOIDEO NO ÂNGULO PONTO CEREBELAR: Descrição de caso Georgea Cíntia Salonski Martins Szychta * Ângela Rocha Narciso ** * Fonoaudióloga, especializanda em audiologia pelo Núcleo de estudo Científico em Audiologia ** Fonoaudióloga, especialista em audiologia e Mestre em Distúrbios da Comunicação, com área de concentração em audiologia. RESUMO Este trabalho teve como objetivo apresentar um estudo de caso sobre cisto aracnóide, e seus achados audiológicos pré e pós cirúrgicos, diagnosticado em paciente em tratamento no Instituto da Audição , em Maringá, PR. UNITERMOS Achados auditivos, cisto aracnóide INTRODUÇÃO O cisto aracnóide é originário a partir da membrana aracnóide, sendo delimitado total ou parcialmente por essa membrana. Este cisto se caracteriza como uma expansão meníngea, em formato de bolsa, preenchida com líquido, semelhante ao líquido cefalorraqueano (LCR). Pode desenvolver -se em qualquer local onde exista aracnóide1 . Em 1831, Bright descreveu pela primeira vez os cistos aracnóides, sendo Maunsell o responsável por relatar, em 1891, o primeiro caso de cisto aracnóide de fossa posterior 2. A maioria dos casos do cisto aracnóide advém de uma mal-formação congênita sustentada fortemente pelo tecido de plexo coróide ectópico, estruturas advindas da bainha de aracnóide. Esta afirmação se faz possível frente a estudos da parede cística, realizados com microscopia eletrônica. Os exames comprovam a origem congênita da mal-formação do cisto, isto porque localizam a área na qual se situam, justaposta ao sítio embriológico de invaginação do plexo coróide do IV ventrículo, assim como sua posição na linha média. Eles podem ainda estar em situação intra-aracnóidea, apresentando ou não comunicação com o espaço subaracnóideo 2. O cisto aracnóide pode ser encontrado em qualquer local do sistema nervoso central coberto pela aracnóide, mas ocorre com maior freqüência na superfície cerebral, principalmente nos locais onde estão as maiores fissuras, na região da sela túrcica, na fossa anterior e na fossa média, não sendo comum na fossa posterior 3 . Não há indícios de características clínicas específicas. Os pacientes apresentaram sinais de aumento progressivo da pressão intracraniana, dor cervical, cefaléia, fatos que diferiram dos casos de esclerose múltipla que mostraram perda auditiva, vertigem, zumbido, tontura, desequilíbrio generalizado, comprometimentos neurológicos transitórios, ataxia de marcha, fraqueza de membros, vômitos e náuseas intermitentes 2. Os cistos se classificam, no que se refere à sua localização, em supracerebelar, retrocerebelar, látero-cerebelar, clival e misto. Sendo assim: • Suprapracerebelares: foram correspondentes aos cistos da incisura tentorial. São originários, em maior parte, da cisterna quadrigeminal e estenderam-se em direção à fossa posterior causando hidrocefalia. Há possibilidade de alguns deles se originarem posterior do III ventrículo. • de divertículos na parte • Retrocerebelar: estes, foram encontrados na linha média superior e inferior e comprimiam o cerebelo posteriormente. • Clivais: ocuparam a posição anterior do tronco cerebral. • Misto: foram ocorrentes na incisura tentorial, estendendo-se para o ângulo ponto-cerebelar 2. Mesmo representando pequeno número em relação ao total dos cistos, os situados no ângulo pontocerebelar seguem, em freqüência, aos cistos da fossa média. Dentre as classificações propostas para os cistos aracnóideos, a de Galassi e col.1 tem se tornado de grande utilidade. Relaciona o tamanho do cisto (tipo I, pequeno; tipo II, médio; e tipo III, grande) a determinado mecanismo de enchimento. É importante notar que os sinais de localização cerebelar ou de compressão do tronco não aparecem em todos os casos, em função dessa descaracterização, muitos cistos da fossa superior são clinicamente diagnosticados como tumores do IV ventrículo ou cerebelares1. Quando acontecem casos de hidrocefalia e aumento de massa na fossa posterior, a possibilidade da existência do cisto aracnóide deve ser estudada, principalmente se os sintomas ocorrerem em crianças. Nestas, os estudos demonstram que a característica principal de ocorrência desses cistos é a hidrocefalia progressiva com subseqüente aumento da cabeça. Ocorre, algumas vezes, também o retardo no desenvolvimento neuro-psicomotor. Este trabalho teve como objetivo apresentar um estudo de caso de cisto aracnoideo diagnosticado em uma paciente com queixa de perda auditiva unilateral. MATERIAL E MÉTÓDO O estudo foi desenvolvido no Instituto da Audição em Maringá, PR. Para a avaliação da paciente V. S. O. Foi utilizado o prontuário de anamnese, contendo dados pessoais e questões que definiram o histórico clínico da paciente. A avaliação audiológica foi realizada por meio da Audiometria Tonal Limiar e Vocal, abrangendo pesquisa dos limiares tonais por via aérea e via óssea e logoaudiometria. Para tal pesquisa utilizou-se Audiômetro da marca Interacoustics, modelo AC 30 , com fones da marca Telephonics, modelo TDH39P e vibrador ósseo da marca Radioear, modelo B-71. A pesquisa da via aérea compreendeu as freqüências de 250, 500, 1000, 2000, 3000, 4000, 6000 e 8000 Hz. Realizou-se a logoaudiometria com o intuito de confirmar os limiares de via aérea e avaliar a habilidade de compreensão de fala da paciente. A pesquisa dos limiares de via óssea foi realizada na presença de limiares auditivos maiores ou iguais a 25dB NA, nas frequências compreendidas entre 500 e 4000Hz. Além dos exames supracitados, realizou-se a Imitanciometria, compreendendo Timpanometria e pesquisa do reflexo do músculo estapédio de forma contra e ipsi lateral. Para tal, foi utilizado um imitanciômetro da marca Interacoustics, modelo AZ-7. Todos os equipamentos utilizados estavam calibrados segundo o padrão do American National Standards Institute (ANSI). Realizou-se ainda o registro das emissões otoacústicas e dos potenciais auditivos evocados de tronco encefálico. O registro da Emissões Otoacústicas Evocadas Produto de Distorção foi realizado com o equipamento Adx – Plus da marca Biologic, onde foram testadas as freqüências de 750 a 8000 Hz. A intensidade utilizada foi L1 = 65 dB e L2 = 55 dB, e a razão entre as freqüências de 1,22 (F2/F1 = 1,22). Considerou-se presença de emissões otoacústicas produto de distorção utilizando-se os seguintes critérios de análise: relação sinal/ruído de 6 dB e amplitudes que variaram de acordo com a freqüência testada: Freqüê ncia 8000 Hz 6000 Hz 4000 Hz 3000 Hz 2000 Hz 1000 Hz 750 Hz Amplitude -13 -7 -5 -8 -7 -2 -4 Após esta avaliação, realizou-se avaliação eletrofisiológica da audição, empregando-se como procedimento a aplicação do Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico, com o equipamento Neuropack-2 (MEB-7102K) da marca Nikon Kohden. Neste exame o estímulo utilizado para avaliar as latências absolutas da ondas I, III e IV foi de 105 dB bilateralmente, razão de estimulação de 10 e 15/ segundo, polaridade de clicks de rarefação e condensação e duração de 0,2 milisegundos. As latências interpicos das ondas I-III, III-V e I-V foram pesquisadas em milisegundos. Para concluir o diagnóstico, a paciente foi submetida a tomografia computadorizada. RESULTADO 1- A paciente, do sexo feminino, de 38 anos informou, por meio da Anamnese, que sentia zumbido , tontura e vertigem, e perda auditiva à direita, com evolução de aproximadamente 5 meses 2- A Audiometria e Imitanciometria acusaram audição normal à esquerda e perda auditiva sensório-neural à direita. A paciente demonstrou muita dificuldade em responder à pesquisa dos limiares à direita, apresentado inconsistências de respostas. A despeito os limiares audiométricos não foi possível obter reconhecimento de fala à direita para confirmação dos limiares de via aérea. Desta forma, pesquisou-se o limiar de detecção de fala (SDT) nesta orelha, que foi compatível com o melhor limiar auditivo compreendido nas freqüências da fala. À esquerda, obteve-se um SRT de 15dB e um IPRF (índice percentual de reconhecimento de fala) de 100% para as palavras monossílabas. Tabela 1 3- A timpanometria foi do tipo A, bilateral e os reflexos acústicos estiveram ausentes apenas na aferência direita. Tabela 2 4- A análise do registro das emissões otoacústicas da paciente revelou presença de emissões otoacústicas produto de distorção em ambas as orelhas, demonstrando atividade normal de células ciliadas externas da cóclea. Tabela 3 5- 4- O Potencial Evocado Auditivo (BERA) indicou a presença de onda I (nervo auditivo) e II (núcleo coclear dorsal) à direita, com intensidade de estímulo de 85dB e ausência de outros potenciais biológicos replicáveis após este nível, com intensidade de estímulo aumentada até 105dB, razão de estimulação de 10 e 15/ segundos, polaridade de clicks de rarefação e condensação. Latências absolutas e intervalos interpicos dentro da normalidade à esquerda com intensidade de estímulo de 85dB. Este exame evidenciou via auditiva impérvea à direita a partir de onda II, sugerindo alteração central, provavelmente em nível de ponte encefálica baixa. 5- A Tomografia Computadorizada (TC), detectou a presença de cisto aracnóide no ângulo ponto-cerebelar à direita com compressão de tronco cerebral e cerebelo. Os resultados obtidos com os exames informaram a perda auditiva à direita, com características de lesão retrococlear e evidenciaram a presença do cisto aracnóide no ângulo ponto cerebelar, com compressão do tronco cerebelar e cerebelo, justificando o quadro clínico apresentado pela paciente. A paciente foi encaminhada para um neurocirurgião e foi submetida a cirurgia. Tabela 1 Limiares auditivos em exame précirúrgico Freqüência ( Hz) 250 500 1000 2000 3000 4000 6000 8000 OD 45 70 70 45 75 80 75 80 dB NA OE 20 20 10 00 10 10 15 05 dB NA Tabela 2 Resultados obtidos na pesquisa do reflexo do músculo do estapédio OD Limiar 500 1000 2000 4000 OE N. Ref. ↓ ↓ ↓ ↓ Dif. Decay Ipsi ↓ ↓ ↓ ↓ Limiar N. Ref. Dif. 20 10 00 10 110 105 95 95 90 95 95 85 Decay Ipsi ↓ 110 Tabela 3 Resultados obtidos no registro das emissões otoacústicas Produto de Distorção: OD L1 (dB) L2 (dB) F1 (Hz) F2 (Hz) GM (Hz) DP(dB) NF (dB) DP-NF (dB) 65.5 55.1 6654 7966 7280 6.9 -17.7 24.6 65.1 54.8 4686 5623 5133 -1.2 -12.8 11.6 64.9 54.9 3327 3983 3640 2.8 -8.7 11.5 64.7 54.7 2343 2811 2566 1.2 -9.1 10.3 64.8 54.6 1640 1968 1797 0.9 -8.7 9.6 65.2 54.5 1171 1406 1283 -1.2 -6.3 5.1 65.4 54.8 843 1031 932 3.8 -5.1 8.9 65.3 55.0 609 750 676 12.1 2.6 9.5 OE L1 (dB) L2 (dB) F1 (Hz) F2 (Hz) GM (Hz) DP(dB) NF (dB) DP-NF (dB) 65.3 55.0 6654 7966 7280 9.3 -17.5 26.8 64.9 54.6 4686 5623 5133 6.8 -15.1 21.9 64.9 54.7 3327 3983 3640 2.9 -15.0 17.9 65.0 54.6 2343 2811 2566 0.3 -15.0 15.3 65.0 54.6 1640 1968 1797 5.8 -6.8 12.6 65.2 54.7 1171 1406 1283 5.1 -3.7 8.8 65.4 54.8 843 1031 932 11.4 1.1 10.3 64.9 55.0 609 750 676 13.5 2.4 11.1 A paciente compareceu ao setor de audiologia dois meses após a cirurgia. Nesta ocasião, referiu melhora da audição à direita e apresentou paralisia facial à direita como seqüela cirúrgica. Repetiram-se todos os exames. A audiometria tonal limiar demonstrou limiares auditivos dentro dos padrões de normalidade em ambas as orelhas. Tabela 4. A paciente apresentou um SRT de 20dB à direita e de 15 dB à esquerda. O IPRF foi de 96% em ambas as orelhas para palavras monossílabas com intensidade de 30dBNS. A imitância acústica apresentou Timpanograma do Tipo A bilateral e refelxos acústicos ausentes na eferência direita, devido a paralisia do facial. Tabela 5. As emissões otoacústicas Produto de distorção permaneceram presentes .Tabela6 O BERA acusou presença de ondas I,II e V à direita, com intensidade de estímulo de 85dB com prolongamento das latências absolutas das ondas III e V e prolongamento dos intervalos interpicos I-III e I-V, com III – V dentro da normalidade. Tabela 4 Limiares auditivos em exame pós cirúrgico Freqüência ( Hz) 250 500 1000 2000 3000 4000 6000 8000 OD 25 15 15 25 20 20 25 20 dB NA OE 15 10 05 10 10 10 10 05 dB NA Tabela 5 Resultados obtidos na pesquisa do reflexo do músculo do estapédio OD Limiar 500 1000 2000 4000 15 15 25 20 OE N. Ref. Dif. 110 95 100 ↓ 95 80 75 - Decay Ipsi ↓ ↓ ↓ ↓ Limiar N. Ref. ↓ ↓ ↓ ↓ Dif. Decay Ipsi 105 105 Tabela 6 Resultados obtidos no registro das emissões otoacústicas Produto de Distorção: OD L1 (dB) L2 (dB) F1 (Hz) F2 (Hz) GM (Hz) DP(dB) NF (dB) DP-NF (dB) 65.8 55.0 6654 7966 7280 -11.2 65.3 55.1 4686 5623 5133 -3.0 -17.0 14.0 65.1 55.1 3327 3983 3640 2.6 -14.5 17.1 64.9 54.7 2343 2811 2566 -5.5 -24.3 18.8 64.8 54.6 1640 1968 1797 -10.6 -17.3 6.7 64.8 54.5 1171 1406 1283 1.5 -6.7 8.2 64.9 54.5 843 1031 932 3.6 -6.1 9.7 65.0 54.8 609 750 676 0.2 3.3 3.5 -17.9 6.7 OE L1 (dB) L2 (dB) F1 (Hz) F2 (Hz) GM (Hz) DP(dB) NF (dB) DP-NF (dB) 65.6 55.0 6654 7966 7280 5.0 -18.7 23.7 65.2 54.9 4686 5623 5133 8.6 -17.3 25.9 65.1 55 3327 3983 3640 2.1 -12.2 14.3 65.0 54.9 2343 2811 2566 -2.1 -15.4 13.3 64.9 54.7 1640 1968 1797 0.1 -11.9 12.0 65.1 54.8 1171 1406 1283 0.4 -9.5 9.9 65.2 54.9 843 1031 932 5.6 -2.6 8.2 65.3 54.9 609 750 676 11.4 2.2 9.2 DISCUSSÃO e CONCLUSÃO A paciente do caso em questão foi encaminhada ao Instituto da Audição para adaptação de Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI) . Os achados evidenciaram uma perda auditiva eminentemente retrococlear e após investigação, a conduta foi cirúrgica. Julgou-se importante a descrição deste caso para expor a recuperação total de uma perda auditiva sensório-neural e alertar aos profissionais da área de saúde que uma avaliação criteriosa da audição do paciente é fundamental para posterior indicação e seleção de AASI REFERÊNCIAS BIBLIOGRÄFICAS 1. Cisto aracnóideo intracraniano: relato de nove casos operados Brito, J.C de F.; Silva, J.A.G.da; Neves, V.D.; Nóbrega, P.V.da. Disponível em http://www.scielo.br . capturado em 12/05 de 2004. 2. Zeigelboim, B.S.; Jurkiewicz, A. L.; Mangabeira Albernaz, P.L.; Ribas, A.. Alterações Vestibulares nas doenças que ocupam espaço do sistema nervoso central. Fonoaudiologia Brasil 2003;3:2-6. 3. Fonseca, L.F.; Pianetti, G.; Xavier, C. de C.. compêndio de neurologia infantil. Ed Médsi.