EPISTEMOLOGIAS DO SUL: A CRÍTICA DECOLONIAL E O

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EPISTEMOLOGIAS DO SUL: A CRÍTICA DECOLONIAL E O
PROTAGONISMO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL POR UMA
EDUCAÇÃO OUTRA
Filipe Gervásio da Silva Pinto – UFPE – Brasil1
Michele Guerreiro Ferreira – UFPE – Brasil2
Jéssica Lucilla da Silva – UFPE – Brasil3
RESUMO: O presente trabalho é fruto do diálogo entre três pesquisas (uma de doutorado e duas
de mestrado), desenvolvidas no Grupo de Estudos Pós-Coloniais e Teoria da Complexidade na
Educação, da Universidade Federal de Pernambuco – Centro Acadêmico do Agreste. Nosso
objetivo é nos debruçar sobre políticas educacionais constituídas no âmbito de tensões societais
que visam ao enfrentamento da colonialidade para a construção da educação das relações étnicoraciais e da educação do campo. Direcionamos nosso olhar para a escola do campo por se
apresentar como um espaço duplamente silenciado, seja pela questão do etnocentrismo da matriz
branca europeia, seja pelo urbanocentrismo presente na sociedade moderna. Assim, a lente
teórico-metodológica aqui utilizada é a das Epistemologias do Sul, representadas por um diálogo
entre o Pensamento Decolonial Latino-americano (QUIJANO, 2005, 2007; DUSSEL, 2005;
MIGNOLO, 2005, 2011; WALSH, 2008) e a Sociologia das Ausências e a Sociologia das
Emergências (SANTOS, 2010). Foram analisadas fontes que tratam da Educação das Relações
Étnico-Raciais e da Educação do Campo, sendo elas respectivamente: a) as diretrizes curriculares
nacionais que normatizam a Lei nº 10.639/2003, a qual torna obrigatório no sistema de ensino
brasileiro o ensino de temáticas de história e cultura afro-brasileira e africana e, b) Decreto nº
7.352, de 4 de novembro de 2010 sobre política de educação do campo e o Pronera. Para tanto,
utilizamo-nos da abordagem qualitativa, tomando como procedimento metodológico a realização
de pesquisa documental e como procedimento de análise dos dados, a Análise de Conteúdo,
(VALA, 1991; BARDIN, 2004), via Análise Temática (BARDIN, Ibid.,). Compreendemos que
as conquistas no âmbito da política educacional nacional, que se materializam nas diretrizes
curriculares analisadas, se deve ao protagonismo dos Movimentos Sociais que exercem lutas
sociais que têm um tronco histórico comum, mas que produzem horizontes utópicos distintos
apesar de dialogantes. Este espaço é o espaço da diferença colonial (MIGNOLO, 2011), ou seja,
aquele que representa as histórias que não aconteceram no interior do mundo moderno, mas em
suas fronteiras, nos limites do sistema-mundo moderno, tais relações também suscitam uma nova
dimensão epistemológica. Isto é, a diferença colonial produz conhecimentos outros constituídos
a partir de outras formas de ser, pensar e conhecer distintas do etnocentrismo europeu e do
imaginário da modernidade, embora em diálogo com este. Desta maneira, são produzidas no
contexto contraditório das lutas históricas dos movimentos sociais negros e campesinos na
tentativa de romper com as monoculturas modernas em âmbito educacional, mediante atitudes
decoloniais em meio do estado uni-nacional e uni-identitário, no qual se fortalecem as
monoculturas e a colonialidade em contraponto. Neste sentido, os referidos marcos legais
apontam para uma ecologia de reconhecimentos que torna possíveis ecologias de saberes na
educação básica brasileira.
Palavras-chave: Epistemologias do Sul; Pensamento Latino-americano; Educação das Relações
Étnico-Raciais; Educação do Campo; Brasil
1
Pedagogo (UFPE), Mestre em Educação Contemporânea (UFPE). E-mail: [email protected]
Especialista em História do Brasil (FAFICA), Mestra em Educação Contemporânea (UFPE), Professora
da Educação Básica da Rede Estadual de Ensino de Pernambuco, Professora de Etnias Nativas e
Diversidades Culturais no Brasil e de Prática de Ensino na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Caruaru (FAFICA). E-mail: [email protected]
3
Pedagoga (UFPE), Mestra em Educação Contemporânea (UFPE), Professora da Educação Básica da Rede
Municipal de Ensino de Brejo da Madre de Deus – PE, Professora de Didática na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Caruaru (FAFICA). E-mail: [email protected]
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2
Introdução
O presente trabalho parte das tensões societais presentes na construção de políticas
educacionais para a promoção da educação das relações étnico-raciais e da construção da
educação do campo, tomando o protagonismo dos movimentos sociais como agentes que
vêm enfrentando a Colonialidade. Esta trata-se de um padrão mundial de pdoer
(QUIJANO, 2005), que é o padrão de poder constituído no âmbito do colonialismo e que
se estende até os dias atuais pautado na racionalidade, no etnocentrismo da matriz branca
europeia e no urbanocentrismo presente na sociedade moderna.
Assim, a lente teórico-metodológica aqui utilizada é a das Epistemologias do Sul,
representadas por um diálogo entre o Pensamento Decolonial Latino-americano
(QUIJANO, 2005, 2007; DUSSEL, 2005; MIGNOLO, 2005, 2011) e a Sociologia das
Ausências e a Sociologia das Emergências (SANTOS, SANTOS, 2010). Tais abordagens
ajudam-nos a compreender a importância da ideia de que toda experiência social produz
e reproduz conhecimentos, sendo, portanto, lócus de enunciação epistêmica e política
(MIGNOLO, 2005). Desta forma as experiências sociais negras e campesinas produzem
uma compreensão do mundo que extrapola a compreensão euro-urbanocentrada do
mundo.
As fontes analisadas neste trabalho, por meio da Análise de Conteúdo, (VALA,
1991; BARDIN, 2004), via Análise Temática (BARDIN, Ibid.,), foram: a) as Diretrizes
Curriculares Nacionais que normatizam a Lei nº 10.639/2003, a qual torna obrigatório no
sistema de ensino brasileiro o ensino de temáticas de história e cultura afro-brasileira e
africana e, b) Decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010 sobre política de educação do
campo e o Pronera. Tais fontes de análise estão situadas em um contexto de tensões
paradigmáticas e societais que se desdobram para o âmbito educacional. A política
educacional brasileira, especialmente na última década, vem se apresentando como arena
de disputas entre vários projetos, nos quais os movimentos sociais negros e campesinos
vem alcançando importantes espaços na busca de romper com as monoculturas modernas
no âmbito educacional, mediante atitudes decoloniais. Neste sentido, os referidos marcos
legais apontam para uma possibilidade de ecologia de reconhecimentos que torna
igualmente possíveis ecologias de saberes na educação básica brasileira.
O presente trabalho foi estruturado em quatro seções: a) na primeira, apresentamos
nossa abordagem teórico-metodológica acionando os principais conceitos que nos ajudam
a compreender as tensões societais expressas na política educacional aqui relacionada; b)
3
na segunda, debruçamo-nos sobre o protagonismo dos movimentos sociais negros e sobre
os alcances de suas lutas no âmbito da educação das relações étnico-raciais; c) na terceira,
traçamos o percurso dos movimentos sociais campesinos e de suas conquistas no âmbito
da educação do campo no Brasil e d) por fim, apresentamos nossas considerações finais.
Ausências, Emergências e a Matriz Colonial do Racismo e do Urbanocentrismo
Nesta seção apresentamos nossa abordagem teórico-metodológica e acionamos os
principais conceitos para a compreensão de nosso objeto de investigação. Trata-se do
afunilamento conceitual na fronteira entre o Pensamento Decolonial Latino-americano
com a Sociologia das Ausências e a Sociologia das Emergências.
Para discutirmos a matriz colonial do racismo no âmbito do advento da
Modernidade e as perspectivas de seu enfrentamento através das lutas dos grupos
subalternizados valemo-nos do Pensamento Latino-Americano, partindo da premissa que
o imaginário da Modernidade tem seu início no século XV, no contexto do expansionismo
marítimo a partir de 1492 com a conquista de Abya Yala4. Desta forma, ocorre
paralelamente à invasão colonial a instituição de formas de controle colonial que
produzem ausências históricas e epistêmicas
Para Mignolo (2005), o contexto histórico dos séculos XV a XVIII5 torna-se
favorável para a emergência da ideia de um hemisfério ocidental, a partir da qual a Europa
assume a centralidade, criando o imaginário de um sistema-mundo moderno colonial. A
consolidação da ideia de hemisfério ocidental correu de par com a imposição da
Monocultura da Classificação Social e por conseguinte a Monocultura do saber e do Rigor
do Saber nos territórios de Abya Yala.
A Monocultura da Classificação Social (SANTOS, 2010) consiste na distribuição
de populações por categorias que naturalizam as hierarquias instituídas. A Raça, neste
sentido, vincula a explicação das assimetrias sociais para uma suposta natureza inferior
das populações subalternizadas. Neste tipo de Monocultura são latentes as dominações
de Raça e de Gênero, que justificam a missão salvadora das populações classificadas
4
A expressão "ABYA YALA" é considerada como um dos nome da América. Essa é uma expressão da
língua kuna (povo do Panamá, ponto de união entre o sul e o norte do continente) que significa Terra
madura, Terra viva ou Terra em florescimento (PORTO-GONÇALVES, 2009).
5
Partindo da conquista do Atlântico no século XV, a Modernidade vai se desenvolvendo nos aspectos
culturais (o Renascimento), políticos (o surgimento dos Estados Nacionais Absolutistas) e econômicos (o
Capitalismo Comercial). Como podemos ver, todos eurocentrados. Por isso, Giddens (1991, p. 12) afirma
que “‘modernidade’ refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa
a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência. Isto
associa a modernidade a um período de tempo e a uma localização geográfica inicial”.
4
como superiores, notadamente sujeitos da Raça branca e de Gênero masculino. Neste
contexto, a não-existência é construída pela inferioridade natural e insuperável, cabendo
aos povos subjugados reproduzir a sua inferioridade adjetivada de negra, indígena e
feminina (SANTOS, 2010).
Ressaltamos a influência do Eurocentrismo como construto sócio-epistêmico de
referência para a construção do imaginário da modernidade/colonialidade. Esta imposição
do modelo eurocentrado de razão se consolidou como Monocultura do Saber e do Rigor
do Saber (SANTOS, 2010), que adota como referência para as produções científicas e
estéticas a epistemologia europeia dominante. A não existência dos povos colonizados,
neste contexto, significa a ignorância de não pertencer ao modelo válido de pensamento
ou incultura de não pertencer ao universo da alta cultura europeia.
Neste sentido, os povos negros e os povos campesinos foram historicamente
afetados pela lógica colonial, sobretudo através destas duas monoculturas. Trata-se do
lugar marginalizado destes povos na hierarquia societal, epistemológica e educacional
que repercute no apagamento de suas histórias, seus saberes e suas pedagogias na
educação brasileira. Desta forma, ainda que o colonialismo, enquanto relação formal
político-territorial de controle da autoridade tenha se extinguido, as heranças coloniais
persistem, produzidas e produtoras da lógica da colonialidade.
Assim, a colonialidade, que é forjada no bojo do colonialismo, é um padrão de
poder que atua sobre várias dimensões do colonizado, por isso Quijano (2005, 2007),
Mignolo (1996, 2005, 2011), apresentam-na a partir de pelo menos quatro eixos:
Colonialidade do Poder, Colonialidade do Saber, Colonialidade do Ser e Colonialidade
da Mãe-Natureza. Esses eixos possuem sentidos sociais, culturais, epistêmicos,
existenciais e políticos. Eles atuam de maneira a afirmar e a celebrar os sucessos
intelectuais e epistêmicos europeus, ao passo que silenciam, negam e rejeitam formas
outras de racionalidade e história.
Vamos, neste trabalho nos deter na colonialidade do poder, termo cunhado por
Quijano (2005), para se referir a um sistema de classificação social da população mundial
baseada na ideia de raça. A colonialidade do poder expressa a noção de raça com o
objetivo de afirmar a hegemonia europeia, convertendo-se, de acordo com Quijano (2005,
p. 230), “no primeiro critério para a distribuição da população mundial nos níveis, lugares
e papéis na estrutura de poder da nova sociedade” após a conquista de Abya Yala.
De acordo com tal construção mental são formadas identidades raciais
desenvolvendo uma hierarquia social que classifica de superior a inferior os brancos, os
5
mestiços, os índios e os negros, seguindo exatamente esta hierarquização: primeiro os
brancos e no último patamar, os negros. Vale destacar que mestiços, índios e negros são
tomados como identidades homogêneas e negativas (WALSH, 2008), no intuito de negar
as diferenças e as especificidades, e impor como referência um único padrão: branco,
masculino, heterossexual, urbano, cristão, europeu.
Essa noção de raça surge com o objetivo de afirmar a hegemonia europeia e
também está relacionada à exploração do trabalho baseada na hegemonia do capitalismo
mundial. Assim, Quijano (2005, p. 231) nos mostra que “as novas identidades históricas
produzidas sobre a ideia de raça foram associadas à natureza dos papéis e lugares na nova
estrutura global de controle do trabalho”. Em suma, a colonialidade do poder associa os
elementos raça e divisão do trabalho para manter a acomodação social onde o padrão
hegemônico do branco europeu se situa acima dos outros. É nesse sentido que essa ideia
de raça, mesmo quando se buscou uma explicação biológica, baseada nos traços
fenotípicos para justifica-la, está pautada em aspectos sociais, por isso, mesmo sabendo
que raças humanas não existem, não é difícil compreender sua doutrina, o racismo.
Dessa forma, compreendemos que as lutas dos movimentos sociais negros contra
o racismo é também uma luta contra a colonialidade e acionamos, assim, o conceito de
decolonialidade o qual assume um caráter que ultrapassa a descolonização. E pressupõe
a viabilidade de lutas contra a colonialidade a partir das pessoas e de suas práticas sociais,
políticas e epistêmicas como veremos nas próximas seções, por exemplo, nas
reivindicações por igualdade racial e pela promoção de uma educação das relações étnicoraciais e por uma educação do campo e no campo no Brasil.
O Protagonismo dos Movimentos Sociais Negros e a Educação das Relações ÉtnicoRaciais
Nesta seção não vamos adentrar na perspectiva histórica do Movimento Negro no
Brasil, mas cabe apresentar uma definição na qual se pauta nossa compreensão, ou seja,
aquela que não restringe a mobilização racial ao âmbito político. Assim, adotamos uma
concepção alargada de Movimento Negro trazida por Nilma Lino Gomes (2012):
como um conjunto de ações de mobilização política, de protesto
antirracista, de movimentos artísticos, literários e religiosos, de
qualquer tempo, fundadas e promovidas pelos negros no Brasil como
forma de libertação e de enfrentamento do racismo. Entre elas
encontram-se: entidades religiosas (como as comunidades-terreiro),
assistenciais (como as confrarias coloniais), recreativas (como “clubes
de negros”), artísticas (como os inúmeros grupos de dança, capoeira,
6
teatro, poesia), culturais (como os diversos “centros de pesquisa”) e
políticas (como as diversas organizações do movimento negro e ONGs
que visam a promoção da igualdade étnico-racial).
Cabe ponderar que cada um destes espaços comportam certa radicalidade
emancipatória de reivindicações que podem impactar no processo de implementação de
leis e politicas apesar de terem origens distintas. Por isso, em nosso trabalho preferimos
falar de Movimentos Negros no plural, no intuito de registar que os agentes que lutam
pela igualdade racial, assumem várias posições distintas e complementares.
As lutas dos Movimentos Sociais Negros para ter garantido um espaço na política
educacional de nosso país é de longa data. Com a alteração da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, promovido pela Lei nº 10.639/2003, fica evidenciado o esforço
para romper com a obediência epistêmica, que é a forma como o mundo moderno se
constituiu pensando a partir dos padrões ditados pelo eurocentrismo.
Deste modo, o protagonismo dos movimentos sociais negros transgride civil e
epistemicamente (MIGNOLO, 2008), de modo a tornar possível o enfrentamento das
ausências produzidas pelo colonialismo através da luta pela Ecologia
Reconhecimentos.
Estes
reconhecimentos
recíprocos
também
ocorrem
de
entre
epistemologias hegemônicas e epistemologias outras, que afirmam sua emergência em
uma relação tensa entre os currículos colonizados e a Ecologia de Saberes.
A referida alteração torna obrigatório nos sistemas de ensino brasileiro, o ensino
de temáticas de História e Cultura afro-brasileira e africana, modificando assim, os
currículos escolares. Considerando que, por um lado, o currículo escolar valida uma
seleção cultural, daí a importância em ter estabelecido conteúdos curriculares que possam
materializar o objetivo central de promover a educação antirracista e intercultural. Por
outro lado, não podemos ser ingênuas/os e acreditar que a obrigatoriedade do ensino de
determinados conteúdos, por si, já dá conta de promover as mudanças almejadas pelas
lutas dos movimentos sociais. Para Ferreira e Silva (2013, p. 31):
há um entrecruzamento de processos, sujeitos e âmbitos que vão atribuir
sentidos a tais conteúdos por meio das práticas curriculares e das
influências de contextos externos, pois os conteúdos a que nos
referimos dizem respeito a saberes epistêmicos que foram negados,
silenciados, subalternizados por séculos através do eurocentrismo.
A descolonização do currículo pode estar se materializando na organização
apresentada nas DCN. Os conteúdos sugeridos foram organizados em seis eixos: 1.
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História Afro-Brasileira; 2. História da África; 3. Cultura Afro-Brasileira; 4. Cultura
Africana; 5. História e Cultura Afro-Brasileira; 6. História e Cultura Africana.
Os princípios e os eixos não são, necessariamente, disciplinares, o que denota a
complexidade em promover a educação das relações étnico-raciais através do ensino de
conteúdos que para serem aprendidos precisam estar relacionados. São eixos que
evidenciam datas importantes para o combate ao racismo e para o enfrentamento da
colonialidade por meio da valorização dos modos de ser, de viver, dos negros brasileiros.
Bem como nos convidam a desnaturalizar a falsa ideia de que a Europa é o centro do
mundo e referência universal de produção de conhecimento e cultura.
A luta por territórios no latifúndio do saber: O Protagonismo dos Movimentos
Sociais Campesinos e a Educação do Campo
A atuação dos movimentos sociais campesinos, assim como, o movimento negro
retoma o protagonismo dos sujeitos de direito que historicamente foram subalternizados
pela Colonialidade em seus vários eixos. Trata-se dos povos que historicamente estiveram
suplantados de serem referências identitárias e societais, em virtude do colossal projeto
da modernidade/colonialidade (urbanocêntrica).
Neste sentido, o imaginário colonial confunde desenvolvimento com crescimento
material e com a racionalização do cálculo e do utilitarismo balizando as relações entre
seres humanos e natureza. Assim como o capitalismo, o projeto do futuro é ilimitado,
porém determinado. Trata-se do futuro metonímico6, selecionado através das
experiências sociais hegemônicas que estão convidadas a significar sobre futuro.
Dessa forma, para atender as especificidades que compõe o território campesino
os sujeitos que lá habitam vem se organizado, segundo Borba (2008), em duas dimensões:
individual e coletiva. São sujeitos individuais à medida que possuem identidades pessoais
como homem, mulher, branco, negro, entre outros. Já na dimensão coletiva transcendemse as identidades pessoais em nome da afirmação como grupo social; são agricultores,
feministas, quilombolas entre outros.
É foco deste artigo tratar de maneira mais contundente da dimensão coletiva
aquela que tem sido um dos princípios que balizam a concepção de Educação do Campo
Crítica (ARROYO, CALDART E MOLINA 2004). Assim sendo, compreendemos que a
6
Que diz respeito à Razão Metonímica, apoiada na ideia de uma falsa totalidade epistemológica que adota
como baluartes as epistemologias euro-urbanocêntricas.
8
ação dos movimentos sociais vem refletindo os anseios presentes no território campesino,
ou seja, vem atuando como instrumento de luta dos diferentes povos campesinos contra
o modelo Colonial/Moderno.
Neste sentido, destacamos como uma conquista legal dos povos campesinos o
Decreto nº 7.352/2010, que institui a política de Educação do Campo e o Pronera, tratase de um documento que eleva as lutas sociais campesinas a objeto de interesse e
intervenção do Estado brasileiro em forma de política educacional. Cabe ressaltar que o
plano conceitual que envolve tal documento é de interlocução entre os territórios dos
Movimentos Sociais e o Estado, sobretudo no que tange à construção da soberania dos
projetos de Agricultura Camponesa (MUNARIN, 2011).
Diante deste contexto, o decreto representa uma conquista a ser cultivada e
aprimorada pela sociedade civil, sobretudo pelos Movimentos Sociais Campesinos na
garantia da educação do e no campo, respeitando e valorizando as diferenças coloniais
campesinas. Munarim (2011) aponta que o decreto em questão duas questões estratégicas,
sendo elas: a) Conceito de Escola do Campo e b) Ensino Superior.
No que diz respeito ao conceito de Escola do Campo, trata-se da garantia da
possibilidade de descolonização do sentido clássico de escola moderna/colonial em dois
sentidos. O primeiro é a própria noção de escola vinculada às lutas dos povos do campo
e referenciada nos diferentes coletivos sociais campesinos. O segundo trata da noção de
campesinato sendo aplicada inclusive a escolas situadas no meio urbano, desde que
atendam a sujeitos campesinos, fazendo com que sejam perturbadas dicotomias
segregadoras de campo e de cidade. No que diz respeito à Educação Superior, os povos
campesinos conseguiram ocupar o latifúndio do saber acadêmico, pressionando pela
democratização do acesso e da permanência ao Ensino Superior. Assim, o decreto abriu
precedentes para conquistas já alcançadas, como por exemplo os cursos de Licenciatura
em Educação do Campo.
Considerações Finais
As conquistas legais dos Movimentos Sociais Negro e Campesino no Brasil,
sobretudo no que tange à oferta de Educação, tem vindo a demonstrar o protagonismo das
lutas políticas destes coletivos sociais historicamente subalternizados. Todavia, a análise
destas conquistas tem em conta a natureza uni-nacional e uni-identitária do estado
moderno e de sua racionalidade moral-prática. Neste sentido, as lutas dos Movimentos
Sociais negro e Campesino estão situadas na superação da política de identidade, na qual
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as diferenças são oficializadas e não alteram as estruturas do poder colonial/capitalista,
através da afirmação da Identidade em Política, na qual os sujeitos historicamente
subalternizados exercem seu protagonismo pela valorização da sua condição epistêmica
(MIGNOLO, 2008).
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