Curso clínico da válvula de uretra posterior detectada intra

Propaganda
J Bras Nefrol 2001;23(1):1-7
1
Curso clínico da válvula de uretra posterior detectada intra-útero:
seguimento a longo prazo
Eduardo A Oliveiraa, José SS Diniza, Eli AS Rabêloa, José MP Silvaa, Antônio CV Cabralb,
Alamanda K Pereiraa, Henrique V Leitea, Renata C Santarosaa e Tiago A Fagundesa
Resumo
Objetivo
Com o objetivo de avaliar o curso clínico da VUP identificada na vida fetal,
foram estudadas 15 crianças prospectivamente com o objetivo de avaliar o
curso clínico da válvula de uretra posterior (VUP).
Métodos
Pacientes com hidronefrose detectada no pré-natal foram avaliados no período
pós-natal, submetidos a um protocolo sistemático e seguidos prospectivamente.
Após início da quimioprofilaxia, a avaliação de imagens consistiu de ultrasonografia (US), uretrocistografia miccional (UCM) e cintilografia estática por
-DMSA. Nos casos confirmados de VUP, as crianças foram submetidas a
TC99m
vesicostomia e seguidas com avaliações clínicas e laboratoriais periódicas.
Resultados
Quinze meninos foram identificados como portadores de VUP entre 1989 e
1998. A média de idade do diagnóstico pré-natal foi de 30 meses. O tempo
médio de seguimento foi de 40 meses. Das 15 crianças acompanhadas, 7 (47%)
evoluíram com insuficiência renal crônica (IRC) e 6 (40%) faleceram. O óbito
Unidade de Nefrologia Pediátrica do
Hospital das Clínicas da Universidade
Federal de Minas Gerais (HC-UFMG), Belo
Horizonte, MG, Brasil. bCentro de Medicina
Fetal do HC-UFMG
Endereço para correspondência:
Eduardo A. Oliveira
Rua Patagônia, 515, apt. 701
30320-080 Belo Horizonte, MG
Fax: (0xx31) 224-3088
E-mail: [email protected]
a
Fetal. Hidronefrose. Válvula de uretra
posterior. Prognóstico.
Fetal. Hydronephrosis. Posterior urethral valves. Prognosis.
esteve associado à perda da função renal (RR=7, p=0,001).
Conclusão
Apesar do diagnóstico precoce, a VUP continua a representar um desafio para
a área da nefrologia pediátrica, e os riscos de perda da função renal e de óbito
se mantêm elevados.
Abstract
Objective
To evaluate the clinical course of 15 children with prenatally detected posterior
urethral valves (PUV) and prospectively followed up.
Methods
Patients with prenatally detected hydronephrosis were evaluated after birth, submitted
to a systematic protocol and prospectively followed up. Ultrasonography (US), voiding
2
J Bras Nefrol 2001;23(1):1-7
Oliveira EA et al. – Curso clínico da válvula de uretra posterior
urethrocystography and DMSA scan were performed in the newborns after the
beginning of chemoprophylaxis. When PUV was diagnosed, the children were submitted
to a vesicostomy and managed with clinical and laboratory periodical evaluation.
Results
Fifteen children with PUV were identified between 1989 and 1998. Mean age at
diagnosis during prenatal period was 30 weeks of gestation. The mean follow-up was
40 months. Renal function deteriorated in 7 children (47%) and 6 (40%) died during
follow-up. Their death was associated with renal failure (RR=7, p=0.001).
Conclusions
In spite of early diagnosis, PUV remain a challenge to the pediatric nephrology
team and the risk for premature renal failure and death is still high.
Introdução
A válvula de uretra posterior (VUP) representa a
mais grave uropatia que pode ser identificada intraútero através da ultra-sonografia da gestante.1 A incidência estimada dessa uropatia é de 1 para 10.000 nascidos vivos do sexo masculino.2 Aproximadamente 30%
dos pacientes acometidos apresentam um mau prognóstico, em termos de função renal, a longo prazo.3
Contudo, nas últimas décadas há relatos de uma melhora progressiva no prognóstico em termos de sobrevida dos pacientes e da função renal.4 Com o diagnóstico pré-natal, houve uma expectativa de que a
intervenção intra-útero ou a abordagem mais precoce
no recém-nascido pudessem proporcionar uma maior
preservação da função renal nesses pacientes. Entretanto, os dados são controversos e não há consenso na
literatura sobre o papel que a detecção dos casos na
vida fetal tem desempenhado no curso clínico da VUP.1,5
O presente estudo apresenta uma casuística de observação longitudinal de crianças portadoras de VUP com
diagnóstico a partir da investigação da hidronefrose na
vida fetal, enfatizando a abordagem propedêutica e terapêutica no pós-natal e a evolução a longo prazo.
Métodos
Protocolo geral
Os dados obtidos são derivados de uma amostra de
neonatos encaminhados à Unidade de Nefrologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal
de Minas Gerais (HC-UFMG) para investigação de hi-
dronefrose fetal entre janeiro de 1985 e julho de 1998.
Na ultra-sonografia obstétrica, dados específicos tais como
presença de hidronefrose, dilatação ureteral, megabexiga e volume do líquido amniótico foram sistematicamente avaliados. Foi considerada dilatação significativa
do sistema excretor urinário a presença de um diâmetro
ântero-posterior da pelve renal fetal maior ou igual a 5
mm.6 No pós-natal, os neonatos foram investigados de
acordo com um protocolo sistemático, descrito previamente.7 A avaliação clínica inicial consistiu de exame
clínico completo, incluindo observação do jato urinário
e palpação abdominal sistemática. No primeiro dia de
admissão, após coleta de urina para avaliação de sedimentoscopia, bioquímica e cultura, foi iniciada a quimioprofilaxia com cefalexina (25 mg/kg/dia). Também na
admissão foi realizada dosagem sérica de uréia e creatinina. A taxa de filtração glomerular foi estimada utilizando-se o método de Schwartz et al.8 Após dois meses
de vida, a profilaxia de infecção urinária foi mantida
utilizando-se nitrofurantoína (1-2 mg/kg/dia) ou sulfametoxazol + trimetoprim (1-2 mg/kg/dia de trimetoprim).
A avaliação de imagens do trato urinário consistiu de
realização de uretrocistografia miccional e ultra-som no
final da primeira semana de vida ou tão logo a criança
fosse admitida. Os estudos seqüenciais foram determinados pelos achados nessa avaliação inicial.
Protocolo específico
As crianças identificadas como portadoras de VUP
foram submetidas a uma abordagem sistemática. Diante
da suspeita de obstrução uretral, imediatamente era providenciado a inserção de uma sonda uretral para alívio
da obstrução. Após estabilização do quadro clínico, a
criança foi submetida a vesicostomia cutânea pela técni-
J Bras Nefrol 2001;23(1):1-7
3
Oliveira EA et al. – Curso clínico da válvula de uretra posterior
ca de Blockson modificada.9 Posteriormente, após o primeiro mês de vida, uma cintilografia estática por TC99mDMSA foi obtida. Apenas 12 crianças foram submetidas
à cintilografia renal, já que três faleceram precocemente, não sendo assim possível obter o estudo. A lesão
renal na cintilografia estática foi estratificada segundo os
critérios de Anderson et al.10 As crianças foram seguidas
a cada três meses no ambulatório do HC-UFMG. Após o
primeiro ano de vida, era realizada a fulguração endoscópica da válvula, sendo então reconstituído o trato urinário. Todos os pacientes foram mantidos em seguimento
periódico, com avaliações clínica e laboratorial padronizadas. A função renal (uréia e creatinina) foi avaliada
anualmente ou mais freqüentemente conforme a necessidade clínica dos pacientes. Mensuração do peso, da
estatura e da pressão arterial, além da avaliação de continência urinária, foram obtidas em cada consulta.
Análise estatística
Para a realização do estudo foi construído um banco de dados no programa Epi Info, versão 6.11 Os dados nutricionais foram calculados utilizando-se o programa EPINUT, que também faz parte do Epi Info. Para
a comparação de proporção foi utilizado o teste exato
de Fisher. A sobrevida foi analisada pelo estimador não
paramétrico de Kaplan-Meier, tendo sido empregado o
programa estatístico KMSURV.12
Resultados
Achados no pré-natal
Um total de 15 casos foi detectado no período estudado. A média de idade gestacional do diagnóstico
das alterações ecográficas do trato urinário fetal foi de
30 semanas de gestação (22-38 semanas). Hidronefrose foi detectada em todos os casos, sendo em 14 (93%)
bilateral. A presença de megaureter foi observada em
11 casos (73%) e oligoidrâmnio em 8 (53%). Os achados ecográficos mais freqüentes podem ser observados na Figura 1. Em apenas oito casos (53%) foram
detectadas conjuntamente as quatro alterações associadas ao diagnóstico fetal de VUP: hidronefrose, megaureter, megabexiga e oligoidrâmnio.
Achados no pós-natal
Dos 15 neonatos, 12 (80%) nasceram de parto cesáreo. O peso médio de nascimento foi de 2,51 kg (1,5-
Figura 1 – Distribuição percentual dos achados ecográficos no feto portador
de VUP
3,8) e a estatura de 46,3 cm (40-51). Sete casos (48%)
foram prematuros e seis (40%) necessitaram de suporte
ventilatório no período pós-natal imediato. A média do
índice de Apgar no primeiro minuto foi de 6 (1-9) e no
quinto minuto de 7,8 (1-10). No exame clínico inicial,
pela palpação abdominal os rins foram considerados
aumentados em oito (53%) recém-nascidos e a bexiga
era persistentemente palpável em apenas quatro (27%)
dos casos. O jato urinário encontrava-se alterado em 11
(73%) crianças. A pressão arterial sistólica foi confiavelmente obtida em 13 casos, sendo a média de 80 mmHg;
já a média de pressão diastólica foi 48 mmHg (obtida
em 12 casos). Na admissão, a média de dosagem sérica
de uréia foi de 40 mg/dl (13-87) e a de creatinina foi de
1,25 (0,3-3,0). A média da taxa de filtração glomerular
estimada foi de 26,72 ml/min (1-76,5).
Na uretrocistografia miccional, além dos achados típicos de VUP, detectou-se a presença de refluxo vésicoureteral secundário em 13 crianças (87%), sendo em seis
casos bilateral (40%). Assim, 19 unidades apresentavam
refluxo associado à VUP. Em relação à distribuição do
grau de refluxo, 17 das unidades afetadas (90%) apresentavam graus elevados (IV e V). Em todas as 13 crianças submetidas à cintilografia renal (DMSA) foi detectado algum grau de lesão renal. Houve correlação entre a
presença de refluxo grave (IV-V) com a presença de
lesão renal na unidade ipsilateral (RR=2,7, IC95%=1,2-6,
p<0,000). Na Figura 2 pode ser observado um típico
exemplo do achado de refluxo unilateral grosseiro associado a um grave comprometimento do rim.
Abordagem terapêutica
A abordagem no período pré-natal foi conservadora na maioria dos casos. Entretanto, três fetos foram submetidos à derivação vésico-amniótica devido a ocorrência de oligoidrâmnio grave e precoce.
No pós-natal, após instituição de medidas suporti-
4
J Bras Nefrol 2001;23(1):1-7
Oliveira EA et al. – Curso clínico da válvula de uretra posterior
B
Figura 2 – (A) UCM realizada na primeira semana de vida, mostrando a uretra
posterior dilatada e o refluxo grosseiro para a unidade esquerda; (B) DMSA
mostra a unidade renal esquerda com padrão hipocaptante, unidade contralateral preservada
vas, correção dos distúrbios hidro-eletrolíticos e tratamento dos quadros de infecção do trato urinário
(se presente), as crianças foram submetidas à vesicostomia cutânea. A derivação foi realizada em média com 25 dias de vida. Três crianças, com grave
hipoplasia pulmonar e insuficiência respiratória, não
puderam ser submetidas a essa derivação e faleceram nas primeiras horas de vida. Destas, duas haviam sido submetidas a derivação intra-útero. A terceira criança submetida à derivação vésico-amniótica
não apresentou hipoplasia pulmonar, mas evoluiu
para insuficiência renal crônica terminal com quatro
anos de vida.
Curso clínico
A média de tempo de seguimento foi de 40 meses.
Do total de 15 pacientes, cinco foram seguidos por
mais de cinco anos. Sete crianças (47%) desenvolveram insuficiência renal crônica e seis (40%) faleceram
no período de seguimento. O óbito foi significativamente associado à perda de função renal: todos os
pacientes que faleceram apresentavam-se com insuficiência renal (RR=7, IC95%=1,5-43, p=0,001). A insuficiência renal esteve concentrada nos primeiros seis
meses de vida; após esse período não houve mais deterioração da função renal.
Em relação aos nove pacientes que sobreviveram e portanto estão em acompanhamento ambulatorial, apenas um evoluiu com perda da função renal e está em programa de tratamento conservador
da insuficiência renal.
Na Tabela 1 podem ser observados os dados clínicos e laboratoriais do final do seguimento para os
nove pacientes que sobreviveram. A média de idade
atual é de 5,3 anos (3 meses-11 anos). A média da
uréia sérica é de 40 mg/dl (0,4-2,6) e a da taxa de
filtração glomerular estimada é de 99 ml/min (17,5159,5). Em relação aos dados nutricionais, nota-se
na Tabela 1 que os pacientes encontram-se no escore z de -1,67 para estatura e -1,47 para o peso, ou
seja, entre o percentil 3 e o percentil 10 para ambas
as medidas.
Dos nove pacientes em seguimento, seis já foram
submetidos à reconstituição do trato urinário e ao tratamento definitivo da válvula de uretra posterior; essas
seis crianças foram submetidas à nefrectomia unilateral
devido a rins displásicos associados a refluxo grosseiro. Das três crianças restantes, uma está com sete meses de idade, outra com três meses e a terceira é portadora de insuficiência renal.
Tabela 1
Dados clínicos e laboratoriais dos nove pacientes portadores de VUP que permanecem em seguimento
Pacientes
1
2
3
4
5
6
7
8
9
Média
Idade (anos)
11,0
7,2
6,2
5,8
3,4
4,3
9,3
0,7
0,3
5,3
PAS*
100
85
80
80
110
130
100
90
80
95
*pressão arterial sistólica
**pressão arterial diastólica
***taxa de filtração glomerular estimada
PAD**
60
50
40
60
60
80
60
40
50
55
Uréia
31
14
27
29
60
97
35
54
14
40
TFGc***
157,8
107,7
159,5
117,5
88,9
17,5
110,4
66,5
66,3
99,2
Escore Z estatura
-0,07
-1,07
-0,45
-1,74
-0,28
-5,08
-2,32
-4,19
0,15
-1,67
Escore Z peso
-0,51
-1,73
-1,51
-0,81
0,93
-3,40
-2,58
-4,00
0,36
-1,47
J Bras Nefrol 2001;23(1):1-7
5
Oliveira EA et al. – Curso clínico da válvula de uretra posterior
Discussão
Apesar da VUP ser reconhecida desde o século
XVIII, os primeiros estudos clínicos remontam ao início desse século, quando Young et al descreveram o
diagnóstico endoscópico dessa uropatia em 12 pacientes.13,14 Contudo, apenas nos últimos anos o curso clínico dos casos de VUP tem se tornado mais conhecido, especialmente após o reconhecimento da lesão
ainda intra-útero através da ultra-sonografia da gestante. Antes do diagnóstico pré-natal, a maioria dos casos
eram identificados no primeiro ano de vida, após um
surto agudo de infecção urinária ou alterações do jato
urinário.15,16 Muitas vezes, essas crianças apresentavamse com quadro de urosepsis, acidose metabólica e uremia.15,17 A taxa de mortalidade era então elevada, atingindo 50%;16 em contraste, estudos mais recentes relatam
percentuais que variam de 3% a 10%.3,18,19
Em nossa casuística houve um percentual elevado
de óbito e de perda de função renal, respectivamente
47% e 40%. Entretanto, há um importante fator a ser
considerado no prognóstico da VUP. Tem sido sistematicamente observado que os casos detectados mais
precocemente apresentam um pior prognóstico. Na
Tabela 2, pode ser observado uma compilação de estudos que relatam o prognóstico da VUP, comparando-se os casos com diagnóstico fetal e pós-natal. Enquanto dos 89 casos de válvula de uretra posterior
diagnosticados no ultra-som pré-natal, 48% (43/89) evoluíram com perda de função renal e/ou óbito; dos 690
casos diagnosticados no pós-natal, apenas 23% (159/
690) apresentaram tal evolução. Pode ser observado
que a nossa casuística tem uma evolução comparável
aos demais casos de diagnóstico fetal apresentados na
literatura. A história natural dos casos de VUP parece
envolver um largo espectro. Alguns casos já se apresentam com rins displásicos no primeiro trimestre de
gestação. Outros casos são identificados na infância
por sintomas associados, como infecção urinária e distúrbios do jato urinário. Esses, que até pouco tempo
eram a maioria dos casos identificados como portadores de válvula de uretra, parecem constituir o lado bom
do espectro.5 Evidentemente, esses achados não significam que o diagnóstico precoce influi no pior prognóstico em relação à função renal, mas sim, que os
casos situados no lado mais desfavorável do espectro
tendem a ser diagnosticados mais precocemente.
Alguns outros aspectos do presente estudo merecem ser comentados. O diagnóstico pré-natal foi obtido
em média na 30a semana de gestação, diagnóstico este
tardio quando comparado com o relatado na literatura.
No estudo de Hutton et al,20 por exemplo, 56% dos casos haviam sido detectados até a 24a semana de gestação; contudo, no relato de Dinneen et al,5 apenas 8%
dos casos foram identificados até essa idade gestacional. Esse dado pode ser relevante uma vez que, quando
se cogita realizar uma intervenção fetal, a idade gestacional do procedimento pode ser fundamental.21
Um outro aspecto importante relacionado ao diagnóstico pré-natal é a variabilidade dos achados na eco-
Tabela 2
Comparação do curso clínico em portadores de VUP diagnosticados no pré e no pós-natal
Autor
Hayden et al24
Lortat-Jacob et al31
Reinberg et al4**
Jee et al1**
Hutton et al20
Total (fetal)
Williams et al15
Atwell16
Warshaw et al32
Parkhouse et al3
Connor & Burbige33
Reinberg et al4**
Jee et al1**
Pompino et al19
Total (pós-natal)
Ano
1988
1990
1992
1993
1994
Local
EUA
França
EUA
Inglaterra
Inglaterra
1973
1983
1985
1988
1990
1992
1993
1995
Inglaterra
Inglaterra
EUA
Inglaterra
EUA
EUA
Inglaterra
Multicêntrico
*percentual referente à mortalidade ou à insuficiência renal
**estes estudos apresentaram dados de diagnóstico pré e pós-natal
N
14
18
8
17
32
89
172
108
22
114
50
15
31
178
690
Hidronefrose fetal
sim
sim
sim
sim
sim
não
não
não
não
não
não
não
não
Morbimortalidade (%)*
12 (86)
9 (50)
5 (64)
7 (41)
10 (30)
43 (48)
28 (16)
30 (28)
7 (32)
34 (30)
12 (24)
6 (33)
7 (23)
35 (20)
159 (23)
6
J Bras Nefrol 2001;23(1):1-7
Oliveira EA et al. – Curso clínico da válvula de uretra posterior
grafia fetal. Em apenas 53% dos casos os achados ecográficos foram totalmente compatíveis com os achados comumente encontrados nos casos de obstrução uretral fetal. O diagnóstico ultra-sonográfico de VUP no feto pode
ser suspeitado diante dos seguintes achados: dificuldade
de esvaziamento vesical, espessamento da parede da bexiga, hidronefrose bilateral, oligoidrâmnio, megaureter
bilateral e urinoma perirenal.22-25 No entanto, a variabilidade nos achados ecográficos do trato urinário fetal pode
causar dificuldades diagnósticas. Esse pleomorfismo está
relacionado principalmente com dois fatores: primeiro, o
grau de obstrução que determina a dilatação vesical, o
padrão de esvaziamento da bexiga e a quantidade do
líquido amniótico; segundo, o grau de acometimento do
parênquima renal já ocorrido no momento da avaliação
ecográfica.26 Assim, como conseqüência dessa variedade
de apresentação da VUP, achamos que a uretrocistografia
miccional é um exame imprescindível na investigação da
hidronefrose fetal, independentemente do grau de dilatação observado na ecografia.
Finalmente, alguns aspectos da abordagem terapêutica da VUP identificados no feto ou no neonato devem ser considerados. No presente estudo, as crianças
foram submetidas inicialmente a uma vesicostomia e,
após o primeiro ano de vida, procedeu-se à correção
definitiva da obstrução e à reconstituição do trato urinário. As opções terapêuticas nos recém-nascidos com
VUP são a ablação endoscópica, a realização de derivação do trato urinário alta e a vesicostomia cutânea.27
Não há evidências convincentes da superioridade de
algum desses procedimentos e os relatos na literatura
são heterogêneos. Alguns autores, como Krueger et al,28
propuseram a derivação alta como melhor abordagem
terapêutica alegando uma maior preservação do trato
urinário e do crescimento pôndero-estatural. Contudo,
esses resultados não foram posteriormente comprovados.29 Por motivos técnicos, os autores do presente estudo têm preferido a abordagem inicial com a vesicostomia cutânea, procedimento relativamente simples e
com menos complicações do que a derivação alta.30 Na
casuística do presente estudo, a maioria dos pacientes
que sobreviveram apresentam-se com função renal
adequada, embora com um crescimento aquém do esperado para a idade cronológica. Não obstante, os autores acreditam que o prognóstico não seja influenciado pelo procedimento inicial, mas sim, por questões
embriogenéticas ainda pouco compreendidas.
Concluindo, inegavelmente houve um progresso na
abordagem da VUP nas últimas décadas. O diagnósti-
co pré-natal tem permitido um melhor conhecimento
do curso clínico dessa uropatia. Entretanto, essas crianças ainda apresentam um mau prognóstico, em termos de sobrevida e de função renal, sendo que, especialmente nos seis primeiros meses, o risco de
mortalidade é alto. Nos próximos anos, com o diagnóstico intra-útero e seus desdobramentos, pode ser
esperada uma melhor compreensão dos fatores envolvidos na patogênese dessa grave uropatia.
Referências
1.
Jee LD, Rickwood AM, Turnock RR. Posterior urethral valves.
Does prenatal diagnosis influence prognosis? Br J Urol
1993;72:830-3.
2.
Casale AJ. Early ureteral surgery for posterior urethral valves.
Urol Clin North Am 1990;17:361-72.
3.
Parkhouse HF, Barratt TM, Dillon MJ, Duffy PG, Fay J,
Ransley PG, et al. Long-term outcome of boys with posterior
urethral valves. Br J Urol 1988;62:59-62.
4.
Reinberg Y, de Castano I, Gonzalez R. Prognosis for patients
with prenatally diagnosed posterior urethral valves. J Urol
1992;148:125-6.
5.
Dinneen MD, Dhillon HK, Ward HC, Duffy PG, Ransley
PG. Antenatal diagnosis of posterior urethral valves. Br J
Urol 1993;72:364-9.
6.
Dudley JA, Haworth JM, McGraw ME, Frank JD, Tizard EJ.
Clinical relevance and implications of antenatal hydronephrosis.
Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 1997;76:F31-4.
7.
Oliveira EA, Diniz JSS, Cabral ACV, Leite HV, Colosimo EA,
Oliveira RB, et al. Prognostic factors in fetal hydronephrosis:
a multivariate analysis. Pediatr Nephrol 1999;13:859-64.
8.
Schwartz GJ, Brion LP, Spitzer A. The use of plasma
creatinine concentration for estimating glomerular filtration
rate in infants, children, and adolescents. Pediatr Clin North
Am 1987;34:571-90.
9.
Blockson BJ. Bladder pouch for prolonged tubeless
cystostomy. J Urol 1957;78:398-401.
10. Anderson PA, Rickwood AM. Features of primary
vesicoureteric reflux detected by prenatal sonography. Br J
Urol 1991;67:267-71.
11. Dean AG, Dean JA, Coulombier D, Brendel KA, Smith DC,
Burton AH, Dicker RC, Sullivan K, Fagan RF, Arner TG .
Epi Info, Version 6: a word processing, database, and
statistics program for epidemiology on microcomputers.
Atlanta: Centers for Disease Control and Prevention; 1994.
12. Campos-Filho N, Franco ELF. Microcomputer-assisted
univariate survival data analysis using Kaplan-Meier life table
estimators. Comp Meth Prog Biomed 1988;27:223-8.
13. Dewan PA. Congenital posterior urethral obstruction: the
historical perspective. Pediatr Surg Int 1997;12:86-94.
J Bras Nefrol 2001;23(1):1-7
7
Oliveira EA et al. – Curso clínico da válvula de uretra posterior
14. Young HH, Frontz WA, Baldwin JC. Congenital obstruction
of the posterior urethra. J Urol 1919;3:289-365.
15. Williams DI, Whitaker RH, Barratt TM, Keeton JE. Urethral
valves. Br J Urol 1973;45:200-10.
16. Atwell JD. Posterior urethral valves in the British Isles: a
multicenter B.A.P.S. review. J Pediatr Surg 1983;18:70-4.
17. Williams DI. Congenital valves in the posterior urethral. Br
Med J 1954;1:623-35.
18. Walker RD, Padron M. The management of posterior urethral
valves by initial vesicostomy and delayed valve ablation. J
Urol 1990;144:1212-4.
19. Pompino HJ, Bodecker RH, Trammer UA. Urethral valves
during the first year of life—a retrospective, multicenter
study. Eur J Pediatr Surg 1995;5:3-8.
20. Hutton KA, Thomas DF, Arthur RJ, Irving HC, Smith SE.
Prenatally detected posterior urethral valves: is gestational age
at detection a predictor of outcome? J Urol 1994;152:698-701.
21. Harrison MR, Golbus MS, Filly RA, Anderson RL, Flake AW,
Rosen M, Huff RW. Fetal hydronephrosis: selection and
surgical repair. J Pediatr Surg 1987;22:556-8.
22. Gilsanz V, Miller JH, Reid BS. Ultrasonic characteristics of
posterior urethral valves. Radiology 1982;145:143-5.
23. Mahony BS, Callen PW, Filly RA. Fetal urethral obstruction:
US evaluation. Radiology 1985;157:221-4.
24. Hayden SA, Russ PD, Pretorius DH, Manco-Johnson ML,
Clewell WH. Posterior urethral obstruction. Prenatal
sonographic findings and clinical outcome in fourteen cases.
J Ultrasound Med 1988;7:371-5.
25. Oliveira EA, Diniz JSS, Cabral ACV, Pereira AK, Leite HV,
Colosimo EA, Vilasboas AS. Predictive factors of fetal urethral
obstruction: a multivariate analysis. Fetal Diag Ther
2000;15:180-6.
26. Duval JM, Milon J, Coadou Y, Blouet JM, Langella B, Bourgin
T, et al. Ultrasonographic anatomy and diagnosis of fetal
uropathies affecting the upper urinary tract. I. Obstructive
uropathies. Anat Clin 1985;7:301-32.
27. Sadeck LS, Bunduki V, Giron AM, Falcão MC. Diagnóstico
e abordagem perinatal das anomalias nefro-urológicas. J
Bras Nefrol 1998;20: 60-7.
28. Krueger RP, Hardy BE, Churchill BM. Growth in boys and
posterior urethral valves. Primary valve resection vs upper
tract diversion. Urol Clin North Am 1980;7:265-72.
29. Reinberg Y, de Castano I, Gonzalez R. Influence of initial
therapy on progression of renal failure and body growth in
children with posterior urethral valves. J Urol 1992;148:532-3.
30. Tucci S, Fancicani I, Beduschi MC, Franco PB, Martins ACP.
Vesicostomia cutânea em crianças. J Pediatr 1997;73:265-8.
31. Lortat-Jacob S, Fekete CN, Dumez Y, Muller F, Aubry MC,
Aubry JP. Prenatal diagnosis and neonatal management of
posterior urethral valves: apropos of 33 case reports. Acta
Urol Belg 1990;58:29-37.
32. Warshaw BL, Hymes LC, Trulock TS, Woodard JR. Prognostic
features in infants with obstructive uropathy due to posterior
urethral valves. J Urol 1985;133:240-3.
33. Connor JP, Burbige KA. Long-term urinary continence and
renal function in neonates with posterior urethral valves. J
Urol 1990;144:1209-11.
Recebido em 10/9/1999. Reapresentado em 8/5/2000. Aceito
em 4/9/2000.
Apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig – CDS 2280/97) e da Pró-Reitoria de Pesquisa da UFMG (PRPG – CAPES-0175).
Conflito de interesses inexistente.
Download