TÚLIO LEANDRO DE OLIVEIRA AVALIAÇÃO DE FATORES PREDITORES DE INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA EM PACIENTES COM VÁLVULA DE URETRA POSTERIOR DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Instituto de Ensino e Pesquisa. Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. Belo Horizonte, Minas Gerais 2012 II TÚLIO LEANDRO DE OLIVEIRA AVALIAÇÃO DE FATORES PREDITORES DE INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA EM PACIENTES COM VÁLVULA DE URETRA POSTERIOR Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação do Instituto de Ensino e Pesquisa da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte como requisito para obtenção do grau de Mestre. ORIENTADOR: Prof. Dr. Luiz Ronaldo Alberti 2012 III AVALIAÇÃO DE FATORES PREDITORES DE INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA EM PACIENTES COM VÁLVULA DE URETRA POSTERIOR TÚLIO LEANDRO DE OLIVEIRA Nível: Mestrado Data da defesa: 13 / 08 / 2012 Dissertação apresentada ao Programa de Pós–Graduação em Medicina do Instituto de Ensino e Pesquisa da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. Comissão Examinadora formada pelos Professores: ___________________________________________________________________ Prof. Dr. Denny Fabrício Magalhães Veloso ___________________________________________________________________ Prof. Dr. Juliano Alves Figueiredo ___________________________________________________________________ Prof. Dr. Luiz Ronaldo Alberti Belo Horizonte - MG, 2012 IV DEDICATÓRIA A todos os meninos que participaram da realização desse trabalho, e que puderam de alguma forma contribuir para a saúde dos que estão por vir. V SUMÁRIO DEDICATÓRIA ...........................................................................................................IV LISTA DE TABELAS ...................................................................................................VI LISTA DE FIGURAS ..................................................................................................VII 1. RESUMO .................................................................................................................1 2. ABSTRACT ..............................................................................................................2 3. REVISÃO DE LITERATURA ...................................................................................3 3.1. CONSIDERAÇÕES ANATÔMICAS ................................................................3 3.2. ETIOLOGIA .....................................................................................................3 3.3. CLASSIFICAÇÃO ...........................................................................................4 3.4. FISIOPATOLOGIA ...........................................................................................5 3.5. APRESENTAÇÃO CLÍNICA ............................................................................7 3.6. DIAGNÓSTICO ...............................................................................................8 3.6.1. ULTRASSONOGRAFIA ..........................................................................8 3.6.2. URETROCISTOGRAFIA MICCIONAL ....................................................9 3.6.3. CINTILOGRAFIA RENAL .....................................................................10 3.6.4. AVALIAÇÃO LABORATORIAL ..............................................................10 3.7. TRATAMENTO ..............................................................................................10 3.7.1. TRATAMENTO ANTENATAL ................................................................10 3.7.2. TRATAMENTO PÓS-NATAL .................................................................11 3.7.3. ABLAÇÃO DAS VÁLVULAS .................................................................11 3.7.4. DERIVAÇÕES URINÁRIAS ..................................................................12 3.7.5. COMPLICAÇÕES TARDIAS ................................................................13 3.7.6. SÍNDROME DA “BEXIGA DA VÁLVULA” .............................................13 4. INTRODUÇÃO .......................................................................................................15 5. OBJETIVOS ...........................................................................................................16 6. MÉTODO ...............................................................................................................17 6.1. ÉTICA ............................................................................................................17 6.2. DESENHO ....................................................................................................17 6.3. POPULAÇÃO ................................................................................................17 6.4. CRITÉRIOS DE INCLUSÃO .........................................................................18 6.5. CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO ........................................................................18 6.6. VARIÁVEIS ...................................................................................................18 VI 6.7. ANÁLISE ESTATÍSTICA ................................................................................20 7. RESULTADOS .......................................................................................................21 8. DISCUSSÃO ..........................................................................................................28 9. CONCLUSÃO ........................................................................................................32 10.REFERÊNCIAS ....................................................................................................33 VII LISTA DE TABELAS Tabela 1. Distribuição dos pacientes portadores de VUP de acordo com a taxa de filtração glomerular ....................................................................................................22 Tabela 2. Distribuição dos portadores de VUP de acordo com a faixa etária à apresentação clínica ..................................................................................................22 Tabela 3. Correlação entre alterações morfofuncionais do trato urinário e taxa de filtração glomerular (TFG) em portadores de VUP ....................................................23 Tabela 4. Frequência de manifestações clínicas em portadores de VUP .................24 Tabela 5. Distribuição dos pacientes quanto ao tipo de tratamento cirúrgico da válvula, e se foi realizado primariamente ou após derivação urinária .......................25 Tabela 6. Frequência de operações adicionais realizadas em pacientes com VUP .25 Tabela 7. Fatores de risco para progressão de disfunção renal em pacientes portadores de VUP ....................................................................................................26 VIII LISTA DE FIGURAS Figura 1. Classificação dos tipos de válvula de uretra posterior baseado na orientação das válvulas e relação com o verumontano segundo Young ....................4 Figura 2. Ultrassonogragia pré-natal demonstrando o clássico sinal “keyhole”: dilatação da bexiga e uretra posterior .........................................................................7 Figura 3. Paciente com ascite urinária ........................................................................8 Figura 4. Imagens de UCM de pacientes com válvula de uretra posterior ..................9 Figura 5. Fluxograma da abordagem inicial do paciente com suspeita de VUP .......11 Figura 6. Amostra de pacientes com VUP incluídos no estudo .................................21 1 1. RESUMO Introdução: Válvula de uretra posterior (VUP) é a causa mais comum de obstrução congênita do trato urinário em meninos e permanece como uma das principais causas de insuficiência renal crônica na população pediátrica. Vários estudos tem sido elaborados com o objetivo de determinar possíveis fatores prognósticos relacionados ao desenvolvimento de insuficiência renal em longo prazo, entretanto os dados são controversos e conflitantes na literatura. Objetivo: O objetivo principal do presente estudo é avaliar fatores preditores de insuficiência renal crônica (IRC) em pacientes com VUP. Método: Foram estudados 77 pacientes com diagnóstico de VUP que realizaram tratamento e seguimento na Santa Casa de Belo Horizonte no período de 1969 a 2011. Foram avaliados parâmetros como idade à apresentação clínica, dosagem de creatinina, alterações morfofuncionais do trato urinário (refluxo vésico-ureteral, dilatação ureteral obstrutiva, hidronefrose), mecanismos de pop-off, disfunção miccional, necessidade de procedimentos cirúrgicos adicionais. Tais fatores foram testados quanto à presença de insuficiência renal crônica (IRC) no fim do seguimento. Resultados: O seguimento ambulatorial foi entre 71 e 98 meses (média de 84,9 ± 6,9 meses). A presença de IRC no fim do seguimento foi encontrada 25,9% (n=20) dos pacientes. A presença de alterações morforfuncionais do trato urinário, mecanismos de pop-off e idade à apresentação clínica não se correlacionaram significativamente com a função renal em longo prazo. A dosagem de creatinina inicial e após desobstrução do trato urinário foram os únicos parâmetros relacionados ao desenvolvimento de IRC no fim do seguimento (p=0,00; p=0,01, respectivamente). A análise multivariada confirmou tais variáveis como fatores prognósticos independentes para a função renal. Conclusão: Conclui-se com o presente estudo que a dosagem de creatinina sérica inicial e após desobstrução do trato urinário são importantes fatores prognósticos da função renal em longo prazo dos pacientes portadores de válvula de uretra posterior. Descritores: Válvula de uretra posterior, prognóstico, insuficiência renal, fatores preditores 2 2. ABSTRACT Introduction: Posterior urethral valves (VUP) is the most common cause of congenital obstruction of the urinary tract in children and remains a major cause of chronic renal failure in the pediatric population. Several studies have been conducted in order to determine possible prognostic factors related to the development of renal failure, but data remain controversial. Objective: The objective of this study was to evaluate predictors of chronic renal failure (CRF) in patients with VUP. Method: 77 patients diagnosed with VUP who underwent treatment and follow-up at Santa Casa de Belo Horizonte between 1969 and 2011 were studied. Parameters such as age at clinical presentation, serum creatinine, morphofunctional alterations of the urinary tract (vesicoureteral reflux, obstructive ureteral dilatation, hydronephrosis), pop-off mechanisms, voiding dysfunction and need for additional surgical procedures were assessed. These factors were tested for the presence of chronic renal failure (CRF) at the end of follow-up period. Results: Follow-up ranged from 71 to 98 months (mean of 84.9 ± 6.9 months). Renal insufficiency developed at the end of follow-up in 20 patients (25.9%). The presence of urinary tract changes, pop-off mechanisms and age at clinical presentation had no significant impact on the development of renal failure. Serum creatinine at admission and after urinary tract clearing were the only parameters related were significant predictors of the final renal outcome (p = 0.00, p = 0.01, respectively). Multivariate analysis confirmed these variables as independent prognostic factors for renal function. Conclusion: This study confirm that the initial serum creatinine and after urinary tract clearing are important prognostic factors of future renal function in patients with posterior urethral valves. Keywords: Posterior urethral valves, prognostic, renal insufficiency, predictors 3 3. REVISÃO DE LITERATURA A válvula de uretra posterior (VUP) é uma anomalia congênita caracterizada por uma estrutura membranosa, localizada na mucosa do assoalho da uretra prostática que gera dificuldade ao fluxo urinário por um mecanismo valvular a qual dificulta o fluxo anterógrado da urina. É a principal causa de obstrução do trato urinário inferior em meninos e a causa mais comum de insuficiência renal e transplante em crianças (Parkhouse, Barratt et al. 1988; Hutton, Thomas et al. 1994). A VUP apresenta prevalência estimada entre 1/8000 e 1/25000 nascimentos (Atwell 1983; Casale 1990), sendo diagnosticada exclusivamente no sexo masculino, e eventualmente manifesta-se apenas quando em adultos (Williams and Eckstein 1965; Mahony and Laferte 1974; Nieh and Hendren 1979; Mueller and Marshall 1983; Saraf and Cockett 1984). 3.1. Considerações Anatômicas A uretra masculina normal é anatomicamente dividida em porção prostática e membranosa (uretra posterior) e porção esponjosa ou uretra anterior. A crista uretral é uma elevação mucosa que determina a forma específica da uretra posterior, e em cada lado da elevação localiza-se o seio prostático. A crista uretral continua abaixo do verumontano e coalesce em uma pequena elevação na linha média. Essa membrana, estendendo-se lateralmente e para baixo, eventualmente desaparece (Williams and Eckstein 1965). 3.2. Etiologia A forma clássica da VUP é encontrada na uretra prostática, abaixo ou proximal ao verumontano. Embora o mecanismo embriológico exato da VUP permaneça desconhecido (Frohneberg, Thuroff et al. 1982), quatro teorias tem sido propostas para explicar o seu desenvolvimento, e incluem: • Hipertrofia da dobra da mucosa uretral (Tolmatschew 1870). • Persistência e continuação da membrana urogenital (Bazy 1903). 4 • Anormalidade no desenvolvimento dos ductos de Wolff e Muller (Lowsley 1914). • Fusão dos colículos seminais ou do epitélio do teto da uretra posterior (Watson 1922). 3.3. Classificação O primeiro relato de VUP foi feito por Morgagni em 1717, através de estudos em cadáveres (Morgagni 1769), porém Young, em 1919, é o autor da primeira descrição clara de VUP (Young, Frontz et al. 2002). Ele classificou a VUP em três tipos de acordo com a sua relação com o verumontano e o seu aspecto (Atrick C Walsh 2002): • Tipo 1: é o tipo mais comum e caracteriza-se por pregas originadas na crista uretral, a partir do verumontano, as quais se dividem em duas membranas que se inserem nas paredes laterais da uretra, obstrutivas ao fluxo urinário, mas permitem a passagem retrógrada de uma sonda com certa facilidade. • Tipo 2: são pregas que se estendem do colo vesical ao verumontano e não representam caráter obstrutivo, sendo, portanto, de pouco interesse clínico. • Tipo 3: diafragma perfurado ventralmente, de caráter obstrutivo, situado distalmente ao verumontano. Sua aparência endoscópica pode fazê-lo ser confundido com a válvula do tipo 1, de caráter obstrutivo mais acentuado. Pode oferecer dificuldade à passagem anterógrada de uma sonda. Figura 1. Classificação dos tipos de válvula de uretra posterior baseado na orientação das válvulas e relação com o verumontano segundo Young. A: Tipo I; B: Tipo II; C: Tipo III 5 3.4. Fisiopatologia A obstrução vesical intra-útero afeta diretamente o funcionamento da bexiga desde o início da sua morfogênese, assim como pode gerar danos à musculatura ureteral e ao parênquima renal, e apesar da posterior desobstrução do trato urinário, muitas vezes o dano permanece, pois esses órgãos foram gerados sob pressões intraluminais elevadas (Macconnnel 1989). Existem múltiplos mecanismos envolvidos na patogênese da disfunção renal durante o desenvolvimento intra-útero e pós-natal, incluindo: Displasia renal primária ou devido à obstrução ao fluxo urinário e seus efeitos deletérios na nefrogênese; Hidronefrose intra-uterina e seus efeitos destrutivos secundários à obstrução na produção de néfrons no período fetal, provavelmente devido às altas pressões; Infecções urinárias de repetição pós-natal com ou sem refluxo vésico-ureteral e disfunção vesical persistente mesmo após eliminação do fator obstrutivo (Milliken and Hodgson 1972; Churchill, Krueger et al. 1983); Não existe mutação genética ou modelo biológico que reproduza fenotipicamente os efeitos da VUP ou obstrução congênita ao fluxo urinário. Alguns estudos demonstram que a obstrução cirúrgica experimental causa hidronefrose em uma semana e resulta em mudanças displásicas ao termo. Estudos mais recentes confirmaram a presença de displasia renal e alterações na nefrogênese em rins expostos à obstrução ao fluxo urinário intra-útero (Peters, Carr et al. 1992). Alterações na diferenciação celular, mudanças fenotípicas em células glomerulares, apoptose e estresse oxidativo contribuem para nefrogênese diminuída e displasia renal (Kawada, Moriyama et al. 1999; Thornhill, Burt et al. 2005; Chevalier, Thornhill et al. 2010). O número global de néfrons diminuído ao nascimento leva à hiperfiltração, exacerbação do processo inflamatório subjacente, fibrose renal e por fim, falência renal. O impacto precoce da diferenciação celular alterada e ativação da cascata inflamatória e apoptose ilustra claramente que o mecanismo molecular e as alterações na arquitetura renal subjacentes à falência renal progressiva estão estabelecidos intra-útero (Warshaw, Edelbrock et al. 1980; Chevalier, Forbes et al. 2009) . 6 Deficiência na capacidade de concentração urinária é observada precocemente em pacientes portadores de VUP, levando a grande produção de urina diluída e acredita-se que essas alterações se devam ao diabetes insipidus nefrogênico, com resistência aumentada ao hormônio anti-diurético (Ghoniem, Regnier et al. 1986). O refluxo vésico-ureteral está presente em 33-50% dos meninos com VUP. Normalmente o refluxo é secundário ao aumento de pressão vesical, porém em alguns pacientes pode existir um defeito primário da junção vesicoureteral (Johnston 1979). Dos pacientes com refluxo, 33% têm resolução espontânea após desobstrução, 33% permanecerão com refluxo necessitando acompanhamento clínico e os outros 33% necessitarão de re-implante do ureter (Johnston 1979). Hendren classificou as patologias dos rins e dos ureteres nos pacientes portadores de VUP em quatro grupos: (1) Pacientes não apresentam alterações secundárias, incluindo divertículo parauretral, refluxo, ou dilatação do trato urinário superior; (2) Dilatação moderada do trato urinário superior; (3) Reflexo severo e dano renal; (4) Severo dano renal dos rins, associado a hidroureteronefrose, megaureter e azotemia (Hendren 1971). Essa classificação foi utilizada em um grupo de crianças (n=124) portadoras de válvula de uretra posterior, onde 43% eram do grupo 1 (melhor prognóstico), 34% do grupo 2, 14,5% do grupo 3, e 8,5% do grupo 4, de melhor prognóstico (Scott 1985). Altas pressões vesicais intra-útero nos pacientes com VUP podem ter consequentes alterações histológicas como: aumento do colágeno, aumento muscular e hipertrofia na parede da bexiga. As fibras colágenas são responsáveis pela tensão vesical. Na VUP, observa-se aumento desproporcional das fibras colágenas tipo 1 em relação as do tipo 3, gerando como consequência diminuição da complacência vesical (Ewalt, Howard et al. 1992). A função vesical pode estar comprometida mesmo após a desobstrução da VUP e isso é um importante fator de mau prognóstico (Ewalt, Howard et al. 1992). 7 Aproximadamente 75% dos pacientes irá evoluir com algum grau de disfunção vesical e alguns desses pacientes irão progredir para perda da função renal (Parkhouse and Woodhouse 1990). Seráfico e colaboradores demonstraram através de estudo urodinâmico, a presença de alterações vesicais em 55,8% dos pacientes tratados com fulguração endoscópica da válvula de uretra posterior (Seráfico 2008). A uretra posterior apresenta-se dilatada e alongada, com consequente distorção do verumontano, dilatação dos ductos ejaculatórios e refluxo de urina para os ductos deferentes (Kulshrestha 2006). 3.5. Apresentação Clínica Pode-se suspeitar da ocorrência de VUP desde o período antenatal através da ultra-sonografia (US). Alguns sinais têm se mostrado bastantes sugestivos, tais como a dilatação do trato urinário alto, oligohidrâmnio, o não esvaziamento total da bexiga, hipertrofia da parede vesical e a dilatação da uretra posterior, com o clássico sinal “keyhole” apresentado na figura abaixo (Macedo 2004). Figura 2. Ultrassonogragia pré-natal demonstrando o clássico sinal “keyhole”: dilatação da bexiga e uretra posterior. No período neonatal, a sintomatologia é variável. A complicação mais severa diante de um paciente com VUP é a hipoplasia pulmonar, que resulta diretamente do oligohidrâmnio intra-útero, sendo o maior responsável pela mortalidade atualmente (Churchill, McLorie et al. 1990). Jato urinário fraco ou intermitente, sintomas urinários obstrutivos são as manifestações mais comuns. Pode ocorrer distensão abdominal, 8 insuficiência renal, diarréia, vômitos, constipação intestinal, ascite urinária. Febre, perda de peso, anemia, edema, desidratação, desequilíbrio hidroeletrolítico e ácido básico, desnutrição e icterícia costuma estar associados à infecção urinária grave e recorrente (Macedo 2004). a) b) Figura 3. Paciente com ascite urinária. (a); Radiografia demonstrando ascite (b). A sintomatologia da VUP nas crianças em idade escolar e lactentes varia desde pacientes com sintomas evidentes de uropatia obstrutiva até pacientes oligossintomáticos. Dentre os sintomas urinários podem ocorrer esforço miccional com jato urinário fraco e intermitente, gotejamento pós-miccional, distensão abdominal com bexiga palpável, retenção urinária, hematúria, infecção urinária de repetição. A insuficiência renal, que pode variar de leve a grave, é passível de ocorrer em qualquer idade (KELALIS 1976). 3.6. Diagnóstico 3.6.1. Ultrassonografia Pode-se suspeitar de VUP durante o período fetal através da ultrassonografia materna. VUP é o terceiro diagnóstico mais comum de alterações geniturinárias e responde por cerca de 10% de todas uropatias fetais (Thomas and Gordon 1989). 9 A ultrassonografia é um exame essencial para estudo inicial na suspeita de uropatia obstrutiva no período pós-natal. Além da avaliação global do trato urinário, é útil na avaliação da bexiga e da uretra, trazendo informações importantes para o planejamento pré-operatório, pós-operatório e seguimento, além de permitir estabelecer prognóstico (Macedo 2004). 3.6.2. Uretrocistografia Miccional O diagnóstico definitivo de VUP é confirmado através da uretrocistografia miccional (UCM), pela identificação das válvulas que se apresentam como pontos de obstrução perpendiculares ou oblíquos situados abaixo do verumontano; a uretra distal à VUP tem calibre diminuído e pode ser filiforme, em razão da sua não distensão durante a micção. A uretra posterior se dilata; o verumontano pode ser identificado como uma imagem negativa na parede da uretra posterior (Macedo 2004). Várias outras anormalidades relacionadas a VUP podem ser identificadas pela UCM, dentre elas: bexiga irregular com paredes espessadas, divertículos, hipertrofia de colo vesical, refluxo vesico-ureteral uni ou bilateral, refluxo para os colículos seminais, urinoma e ascite urinária (Macedo 2004). Figura 4. Imagens de UCM de pacientes com válvula de uretra posterior. 10 3.6.3. Cintilografia Renal A cintilografia renal é um exame adicional importante na avaliação do paciente com VUP. A cintilografia renal estática com ácido 2-3-dimercapto-succínio (DMSA) e a dinâmica com ácido dietilenotriaminopentacético (DTPA) ou mercaptoacetoglicina (MAG-3) são fundamentais na avaliação da função renal, podendo estimar a função renal diferencial, drenagem e avaliar obstrução, refluxo, além de detectar defeitos focais no parênquima renal (Gordon and Riccabona 2003). 3.6.4. Avaliação Laboratorial Determinação sanguínea de uréia, creatinina, eletrólitos, gasometria arterial são importantes pois podem representar insuficiência renal secundária à VUP, além de poder estimar indiretamente o prognóstico. Entretanto, a avaliação laboratorial nas primeiras 48 horas do neonato é desnecessária, pois os valores sanguíneos de uréia e creatinina representam os níveis maternos devido à troca placentária. (Wein 2007). 3.7. Tratamento 3.7.1. Tratamento Antenatal A modalidade de tratamento mais usada para obstrução infravesical intraútero é a interrupção da gestação. Abordagem minimamente invasiva que tem se tornada cada vez mais comum e eficaz é através do posicionamento de um trocarte na bexiga do feto, seguida da implantação de um catéter duplo-j, o qual drena a urina para a cavidade amniótica. Drenagem vesical percutânea foi amplamente utilizada no passado, porém é desaconselhável pela alta taxa de mortalidade fetal (4,6%) e complicações (44%) (Elder, Duckett et al. 1987; Farrugia, Long et al. 2006). Cistoscopia fetal tem sido realizada através do mesmo trocarte usado para desvio vesicoamniótico da urina, e com os recentes avanços na cirurgia fetal, tem sido relatado vários casos de ablação da válvula de uretra através de 11 instrumentação endoscópica fetal e com bons resultados (Quintero, Shukla et al. 2000). 3.7.2. Tratamento Pós-Natal O objetivo primário do tratamento dos pacientes com suspeita clínica ou diagnóstico confirmado de VUP é a desobstrução do trato urinário através de cateterização uretral ou suprapúbica. Após desobstrução, amostra de urina deve ser enviada para análise microscópica e cultura, dosagem de hemograma, hemocultura, creatinina sérica, gasometria arterial e eletrólitos devem ser monitorizados; hidratação, antibióticos além de cuidados para alcançar estabilização clínica. O manejo de recém-nascidos com VUP é demonstrado no algoritmo abaixo (Prem 2003). Recém-nascido com suspeita de VUP Hidratação venosa + Antibióticos Hemograma, eletrólitos, gasometria arterial, cultura de sangue e urina Ultrassonografia Drenagem vesical temporária UCM quando estável Uretra posterior dilatada Criança estável Ablação da válvula Seguimento Uretra de calibre muito fino, prematuros, instrumentos inapropriados ou indisponíveis, creatinina sérica persistentemente elevada Vesicostomia temporária Figura 5. Fluxograma da abordagem inicial do paciente com suspeita de VUP. 3.7.3. Ablação das Válvulas Várias técnicas são descritas para a ressecção das válvulas de uretra posterior (uretrotomia perineal, cistostomia suprapúbica, destruição com uso de 12 catéter-balão de Fogarty), atualmente em desuso devido ao alto índice de complicações incluindo estenose uretral, incontinência urinária, rotura uretral e sangramento (Garg and Lawrie 1983; Zaontz and Firlit 1986; Diamond and Ransley 1987). Com a introdução dos cistoscópios de pequeno calibre associados ao uso de alças ligadas a eletrocautérios, pacientes portadores de VUP podem ser operados em qualquer idade (mesmo prematuros de muito baixo peso), com baixos índices de complicações. Esse tipo de ressecção é considerado atualmente padrão de escolha para o tratamento da válvula de uretra posterior (Whitaker and Sherwood 1986). Uretrocistografia miccional pós-operatória deve ser realizada para se certificar da completa ablação da válvula. Em algumas crianças, o nível de creatinina pode não se modificar mesmo após duas semanas de drenagem, não sendo portanto parâmetro de acompanhamento de resultado precoce (Churchill, McLorie et al. 1990). 3.7.4. Derivações Urinárias Quando não for possível primariamente a ablação endoscópica das válvulas, como em casos de instrumentos indisponíveis ou inadequados, prematuridade, hipoplasia uretral, a vesicostomia deve ser realizada. Esse procedimento também está indicado quando não ocorre melhora da hidroureteronefrose e a creatinina persiste elevada. Se após a vesicostomia, a dilatação ureteral e pélvica ainda persistem, ureterostomia ou pielostomia devem ser consideradas (Churchill, McLorie et al. 1990). Os pacientes submetidos a derivações urinárias prévias apresentam maior prevalência de disfunções vesicais quando se compara com os pacientes tratados com ablação endoscópica das válvulas (Seráfico 2008). 13 3.7.5. Complicações Tardias Todo paciente portador de válvula de uretra posterior, deve ser acompanhado em longo prazo devido a presença de alterações secundárias do trato urinário e pelo risco de complicações tardias. Pacientes devem ser monitorizados quanto ao crescimento e desenvolvimento neuropsicomotor, pressão arterial, função renal, função vesical e miccional, perviedade uretral, refluxo vésico-ureteral e infecções do trato urinário. No primeiro mês após ablação das válvulas, os pacientes devem ser submetidos a dosagem de uréia e creatinina, ultrassonografia de vias urinárias, cintilografia com DMSA e uretrocistografia miccional. A avaliação da perviedade uretral é de suma importância, pois se ainda houver obstrução, deve-se realizar novamente uretrocistoscopia para ablação de provável válvula residual. Nas séries de casos mais antigas, estenose de uretra é uma complicação descrita em até 10 - 28% dos pacientes, principalmente devido à instrumentação inadequada do trato urinário, sendo considerada atualmente uma complicação mais rara (Myers and Walker 1981). Megaureter obstrutivo e refluxo vésico-ureteral secundários são muito frequentes em pacientes com válvula de uretra posterior, e não devem ser tratados de imediato, pelo menos até que a completa função vesical seja alcançada, pois em muitos casos, essas complicações resolvem-se espontaneamente ou com o tratamento da disfunção vesical (Williams, Whitaker et al. 1973). 3.7.6. Síndrome da “Bexiga da Válvula” A síndrome da “bexiga da válvula” foi um termo primeiramente descrito por Mitchell em 1982, usado para classificar pacientes portadores de válvula de uretra posterior associada a disfunção vesical intríseca levando a deterioração do trato urinário superior e incontinência. A combinação de sensação vesical diminuída, volume vesical elevado e baixa complacência produz pressões vesicais de armazenamento elevadas suficientes para impedir a drenagem adequada de urina do trato urinário superior (Mitchell 1982). 14 Pacientes portadores de síndrome de “bexiga da válvula” podem apresentar desde sintomas como urgência, urge-incontinência e enurese, como também podem ser assintomáticos e sentir-se confortáveis com altos volumes vesicais e pressões elevadas (Parkhouse and Woodhouse 1990). Em média, 75% dos pacientes irá evoluir com algum grau de disfunção vesical, e existe uma correlação direta entre alterações nos achados urodinâmicos com a presença de disfunção renal, tornando o estudo urodinâmico essencial no manejo e seguimento desses pacientes (Ghanem, Wolffenbuttel et al. 2004). Peters et al. identificaram 3 padrões urodinâmicos: falência miogênica, hiperreflexia detrusora e complacência diminuída com capacidade vesical baixa (Peters, Bolkier et al. 1990). O manejo de meninos com síndrome da “bexiga da válvula” deve ser um processo intensificado e individualizado, por meio de monitoramento com urodinâmica, diário miccional, função renal, investigação de infecções e hidronefrose. Os pacientes podem necessitar do uso de alfa-bloqueadores e anticolinérgicos, cateterismo vesical intermitente, drenagem vesical noturna, cirurgia de ampliação vesical ou qualquer combinação desses tratamentos. Além disso, como a “bexiga da válvula” é um processo de transição durante a maior parte da infância, necessita de um seguimento prolongado com modificações de sua abordagem de acordo com o crescimento das crianças (Austin, Homsy et al. 1999). 15 4. INTRODUÇÃO Válvula de uretra posterior (VUP) é a causa mais comum de obstrução congênita do trato urinário em meninos e permanece como uma das principais causas de insuficiência renal crônica na população pediátrica (Dinneen and Duffy 1996). Trata-se de uma patologia com um espectro clínico bastante variado, com repercussão importante no trato urinário superior (Hendren 1971). Apesar de apresentar mortalidade decrescente nas últimas décadas, a despeito das melhorias no diagnóstico e manejo dos pacientes com VUP, 25 a 40% dos pacientes evoluem para insuficiência renal crônica (Smith, Canning et al. 1996). O principal objetivo no tratamento dos meninos com VUP é a preservação da função renal e da função vesical. Vários estudos tem sido elaborados com o objetivo de determinar possíveis fatores prognósticos relacionados ao desenvolvimento de insuficiência renal em longo prazo (Denes, Barthold et al. 1997; Onuora, Mirza et al. 2000). Entretanto, esses dados são conflitantes e controversos na literatura. Idade ao diagnóstico, dosagem de creatinina sérica, presença de refluxo vésico-ureteral, hidronefrose, displasia renal, mecanismos de pop-off, disfunção miccional, proteinúria são alguns dos possíveis fatores prognósticos da função renal a longo prazo em meninos portadores de VUP (Denes, Barthold et al. 1997; Onuora, Mirza et al. 2000), entretanto existem dados conflitantes na literatura. Desse modo, a identificação de fatores preditores de desenvolvimento de insuficiência renal crônica em pacientes com VUP pode colaborar no tratamento e manejo dessa doença congênita. 16 5. OBJETIVOS O objetivo principal deste estudo é avaliar fatores prognósticos relacionados ao desenvolvimento de insuficiência renal crônica em pacientes com válvula de uretra posterior. Estudar a frequência de comorbidades, anormalidades morfofuncionais do trato urinário e complicações secundárias à válvula de uretra posterior. 17 6. MÉTODO 6.1. ÉTICA Este trabalho está de acordo com as recomendações das Normas para Pesquisa Envolvendo Seres Humanos do Ministério da Saúde, e dos principais documentos internacionais de Ética em Pesquisa. A pesquisa foi autorizada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte sob o registro 076/2011. Foi solicitada ao Comitê de Ética em pesquisa a dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visto que se trata de um estudo prospectivo, baseado na análise do banco de dados e de prontuários de pacientes arquivados no Serviço de Cirurgia Pediátrica da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. A privacidade e a confidencialidade dos dados utilizados estão asseguradas, preservando integralmente o anonimato dos pacientes e os dados obtidos somente poderão ser utilizados para o projeto ao qual se vinculam. 6.2. DESENHO Trata-se de um estudo prospectivo longitudinal, descritivo e analítico, através de análise de banco de dados de pacientes portadores de válvula de uretra posterior atendidos no serviço Cirurgia Pediátrica da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. 6.3. POPULAÇÃO Foram avaliados pacientes portadores de válvula de uretra posterior com diagnóstico confirmado através de uretrocistografia miccional e que realizaram tratamento e seguimento na Santa Casa de Belo Horizonte no período de 1969 a 2011. Os pacientes foram distribuídos em dois grupos, de acordo com o desenvolvimento ou não de insuficiência renal crônica: 18 • Grupo A: Os que apresentavam insuficiência renal crônica ao fim do seguimento. • Grupo B: Os que não apresentavam insuficiência renal crônica ao fim do seguimento. A insuficiência renal foi definida como a presença de taxa de filtração glomerular (fórmula de Schwartz) menor do que 60 ml/m/1,73m2. 6.4. CRITÉRIOS DE INCLUSÃO Foram incluídos no estudo os pacientes com diagnóstico de válvula de uretra posterior confirmado por uretrocistografia miccional e/ou endoscopia que realizaram tratamento e seguimento ambulatorial realizado no serviço de Cirurgia Pediátrica da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. 6.5. CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO Seguimento ambulatorial inferior a 24 meses ou registros de prontuários insuficientes. 6.6. VARIÁVEIS O principal desfecho avaliado foi a presença de insuficiência renal crônica. Foram considerados como tendo insuficiência renal crônica os pacientes dependentes de diálise ou aqueles que apresentavam taxa de filtração glomerular, calculada pela fórmula de Schwartz, menor do que 60 ml/m/1,73m2. As demais variáveis estudadas foram: • Dosagem sérica de creatinina inicial • Dosagem sérica de creatinina após desobstrução do trato urinário • Ultrassonografia pré-natal • Refluxo vésico-ureteral 19 • Hidronefrose • Dilatação ureteral obstrutiva • Mecanismos de pop-off • Idade à apresentação clínica • Tipo de válvula de acordo com a classificação de Young • Tipo de tratamento cirúrgico realizado • Tratamento cirúrgico adicional • Derivação urinária pré-operatória • Disfunção miccional A dosagem de creatinina sérica ao diagnóstico de válvula de uretra posterior e após a desobstrução do trato urinário (entre 2 a 4 semanas após desobstrução) foi avaliada em todos os pacientes. Não foram obtidos dados suficientes para calcular a taxa de filtração glomerular da maioria dos pacientes à apresentação. Para essa análise, categorizou-se a dosagem de creatinina sérica acima de 1mg/dl como anormal. A presença de alterações morfofuncionais do trato urinário (refluxo vesicoureteral, hidronefrose, dilatação ureteral obstrutiva, mecanismos de pop-off), foi pesquisada através dos seguintes exames de imagem: urografia excretora, ultrassonografia e uretrocistografia miccional. Os mecanismos de pop-off pesquisados foram: úraco patente, divertículos e pseudo-divertículos vesicais, colo vesical contraído, refluxo vésico-ureteral para unidade renal displásica e coleção urinária extra-renal. Quanto ao tipo de tratamento operatório realizado, considerou-se os pacientes que foram submetidos a ressecção endoscópica retrógrada, ressecção endoscópica anterógrada e ressecção da válvula por via perineal. A derivação urinária previamente ao tratamento definitivo, seja através de cateterismo vesical de demora, cistostomia ou vesicostomia, também foi estudada. 20 Disfunção miccional foi definida como a presença de incontinência urinária, enurese noturna, urgeincontinência ou a necessidade do uso de fraldas durante o dia em meninos com idade superior a 3 anos. O diagnóstico e tratamento da disfunção miccional foi baseado em critérios clínicos acima citados. 6.7. ANÁLISE ESTATÍSTICA A elaboração do banco de dados foi feita com o auxílio do programa de computador EPIDATA (versão 3.1) e o processamento da análise estatística foi realizado por meio do programa EPIINFO (versão 3.5.1) e STATA (versão 10.3). Todas as hipóteses foram testadas de acordo com o teste de significância adequado. Todas as variáveis estudadas foram correlacionadas com a presença ou ausência de insuficiência renal crônica no fim do seguimento, e as hipóteses foram testadas pelo teste qui-quadrado e consideradas como estatisticamente significativas quando p < 0,005. Para todas as variáveis que apresentaram a probabilidade de associação ≤0,25 utilizou-se a análise multivariada por meio de regressão logística cox. Este critério adotado, p≤0,25, foi necessário para excluir qualquer possível associação espúria. 21 7. RESULTADOS Durante um período de 42 anos (1969-2011), noventa e dois pacientes portadores de válvula de uretra posterior foram estudados. Nesse período de seguimento, cinco pacientes morreram por complicações relacionadas à doença antes de completar 24 meses de seguimento, e um por meningite, tardiamente. Outros 10 pacientes foram excluídos por falta de registros nos prontuários ou seguimento insuficiente. Os 77 restantes preencheram os critérios do estudo e foram analisados. 92#pacientes#com# VUP# 5#pacientes#excluídos#por# registros#insuficientes#no# banco#de#dados# 5#pacientes#excluídos#por# seguimento#insuficiente# 5#pacientes#excluídos#por# óbito#antes#de#24#meses# de#seguimento# n"="77" Figura 6. Amostra de pacientes com VUP incluídos no estudo. Legenda: VUP = Válvula de uretra posterior A presença de insuficiência renal crônica (IRC), definida como taxa de filtração glomerular < 60ml/m/1,73m2, ao final do seguimento foi encontrada em 25,9% dos pacientes (n=20), dos quais, três necessitavam de terapia de substituição renal, em fila de espera para transplante renal. 22 Tabela 1. Distribuição dos pacientes portadores de VUP de acordo com a taxa de filtração glomerular. Taxa de Filtração Glomerular (ml/m/1,73m2) n % < 30 3 3,9% 30 - 60 17 22,1% > 60 57 74,0% A dosagem de creatinina sérica foi avaliada no momento do diagnóstico e após a desobstrução do trato urinário. A dosagem de creatinina foi maior do que 1 mg/dl em 45,4% dos pacientes (n= 35) no momento do diagnóstico, e em 28,6% dos pacientes (n=22) após desobstrução do trato urinário. A faixa etária dos pacientes quando da apresentação variou desde o período neonatal até a adolescência. Cerca de 46,7% dos pacientes foram diagnosticados entre 29 dias e 2 anos de idade, 24,7% entre 0 e 28 dias de vida, 18,2% no período pré-escolar e 10,4% no período escolar e adolescência (Tabela 2). Tabela 2. Distribuição dos portadores de VUP de acordo com a faixa etária à apresentação clínica Faixa etária à apresentação clínica n % Recém-nascidos (0 a 28 dias) 19 24,7% Lactentes (29 dias a 2 anos) 37 48,1% Pré-escolares (2 a 6 anos) 14 18,2% Escolares (6 a 12 anos) 5 6,5% Adolescentes (Acima de 12 anos) 2 2,6% O seguimento ambulatorial médio dos pacientes foi de 84,9 ± 6,9 meses (intervalo entre 71 e 98 meses). Os pacientes que apresentavam insuficiência renal crônica, foram seguidos em média 18 meses a mais que os demais pacientes. 23 Ultrassonografia antenatal foi realizada em 41 pacientes. Havia hidronefrose em 19 pacientes e oligohidrâmnio em nove. Quanto às alterações morfofuncionais do trato urinário no pós-natal, a presença de hidronefrose, refluxo vésico-ureteral e dilatação ureteral obstrutiva foi determinada através de exames de imagem, conforme demonstrado na tabela a seguir. Tabela 3. Correlação entre alterações morfofuncionais do trato urinário e taxa de filtração glomerular (TFG) em portadores de VUP Alteração do trato urinário Hidronefrose antenatal TFG < 60 (n=20) TFG > 60 (n=57) Unilateral 2 5 Bilateral 5 7 Unilateral 2 12 Bilateral 11 26 Unilateral 3 16 Bilateral 7 9 0 11 Dilatação ureteral obstrutiva Refluxo vésico-ureteral Trato urinário sem alterações A apresentação clínica dos portadores de VUP variou desde sintomas do trato urinário inferior (gotejamento e jato urinário fraco), até complicações não diretamente relacionadas à doença, como convulsões e meningite (Tabela 4). 24 Tabela 4. Frequência de manifestações clínicas em portadores de VUP Apresentação clínica n % Jato urinário fraco 59 76,6% Infecção do trato urinário 57 74,0% Gotejamento 53 63,8% Bexiga palpável 34 44,2% Rim palpável 21 27,3% Distensão abdominal 20 26,0% Sepse 10 13,0% Dor abdominal 4 5,2% Convulsão 3 3,9% Ascite urinária 2 2,6% Hematúria 2 2,6% Anúria 2 2,6% Meningite 1 1,29% Todos os pacientes foram pesquisados através de exames complementares quanto a incidência de mecanismos de “pop-off”. Verificou-se a presença de divertículos vesicais em 11 pacientes, pseudodivertículos em 30, três pacientes apresentavam refluxo vésico-ureteral para unidade renal displásica, três pacientes com coleção urinária extra-renal, úraco patente em dois e ascite urinária em um paciente. O estado do colo vesical foi determinado de acordo com a uretrocistografia, e verificou-se a presença de um colo vesical contraído em 30 pacientes. Quanto ao tipo da válvula, 68 pacientes apresentaram válvula do tipo I de Young, dois pacientes com válvula do tipo III, e em sete pacientes não foi possível a identificação do tipo de válvula. A maioria dos pacientes (n=65) foi tratada com ressecção endoscópica da válvula, sendo que 51,9% (n=40) deles foi submetido a derivação urinária previamente à cirurgia definitiva. 25 Tabela 5. Distribuição dos pacientes quanto ao tipo de tratamento cirúrgico da válvula, e se foi realizado primariamente ou após derivação urinária Tipo de tratamento cirúrgico Primário Secundário (após derivação urinária) Ressecção endoscópica retrógrada 31 34 Ressecção endoscópica anterógrada 0 2 Perineal 1 4 Não realizado 5 Tratamento cirúrgico adicional ao tratamento definitivo foi realizado em 23 pacientes (29,9%). O número operações adicionais realizadas estão descritas na tabela abaixo. Tabela 6. Frequência de operações adicionais realizadas em pacientes com VUP Tratamento cirúrgico adicional n Antirrefluxo vesicoureteral 7 Nefroureterectomia 4 Reoperação por válvula residual 4 Tratamento cirúrgico de megaureter obstrutivo 4 Vesicostomia 3 Ressecção de divertículo vesical 3 Ureterostomia 2 Apendicovesicostomia (operação de Mitrofanoff) 2 Nefrostomia 1 Reconstituição de trânsito urinário (fechamento de derivação) 14 No presente estudo, o diagnóstico de disfunção miccional foi baseado em critérios clínicos (incontinência urinária, urgeincontinência ou a necessidade do uso de fraldas durante o dia em meninos com idade superior a três anos). Vinte e nove 26 pacientes apresentavam pelo menos um dos critérios citados (37,6%). Dos 29 pacientes, apenas 12 realizaram estudo urodinâmico para confirmação diagnóstica e categorização do tipo de disfunção miccional. Hiperatividade detrusora foi a anormalidade mais comumente encontrada em 66,7% dos casos. Análise bivariada foi realizada através do cruzamento de todas as variáveis com a presença de IRC no fim do seguimento. A dosagem de creatinina maior que 1,0mg/dl (inicial e após desobstrução do trato urinário) foram as variáveis que apresentaram diferença significativa quanto a presença de insuficiência renal crônica no fim do seguimento (Tabela 7). Tabela 7. Fatores de risco para progressão de disfunção renal em pacientes portadores de VUP. Fator de Risco TFG > 60 (n = 57) TFG < 60 (n=20) p Creatinina > 1,0 (inicial) 20 15 0,00 Creatinina > 1,0 (pós-desobstrução) 15 7 0,01 Operação no período neonatal 16 3 0,66 Hidronefrose antenatal 13 6 0,73 Dilatação ureteral Obstrutiva 38 13 0,89 Dilatação ureteral Obstrutiva bilateral 11 26 0,47 Refluxo vésico-ureteral 23 10 0,63 Refluxo vésico-ureteral bilateral 7 9 0,07 Mecanismo de pop-off 29 13 0,66 Pseudo-divertículos vesicais 20 10 0,24 Disfunção miccional 20 9 0,43 Derivação urinária 23 11 0,26 Tratamento cirúrgico adicional 16 7 0,56 Foi realizada análise multivariada por meio de regressão cox para sobrevida renal incluindo os paramêtros que apresentavam p≤0,25 quanto a presença de IRC no fim do seguimento, e observou-se que a dosagem de creatinina inicial > 1 mg/dl e a dosagem de creatinina após desobstrução > 1 mg/dl foram as únicas variáveis que realmente apresentaram correlação significativa com a presença de IRC no fim do 27 seguimento (p = 0,00, odds ratio = 3,14; p = 0,00, odds ratio = 17,99; respectivamente). 28 8. DISCUSSÃO Válvula de uretra posterior é uma enfermidade bastante heterogênea, de morbidade e mortalidade elevadas, com prognóstico em longo prazo variando desde pacientes com função renal normal até insuficiência renal em estágio terminal (Onuora, Mirza et al. 2000). O desenvolvimento de falência renal em longo prazo em meninos portadores de VUP sofre influência de diversos fatores. O maior desafio no manejo desses pacientes é evitar ou pelo menos minimizar a deterioração da função renal que eventualmente possa ocorrer. Para alcançar isso, os fatores que afetam o prognóstico da função renal em longo prazo devem ser identificados. Diversos autores relataram diferentes variáveis que podem ter valor preditor ou serem responsáveis pela função renal em longo prazo desses pacientes (Denes, Barthold et al. 1997; Nguyen and Peters 1999; Lopez Pereira, Jaureguizar et al. 2000; Onuora, Mirza et al. 2000). O diagnóstico e tratamento precoce têm sido sugeridos como fatores preditores da função renal em meninos com VUP, porém existem dados conflitantes em relação à essa afirmação (Tejani, Butt et al. 1986; El-Sherbiny, Hafez et al. 2002; Ziylan, Oktar et al. 2006). Inicialmente acreditava-se que a detecção pré-natal seria relacionado a um melhor prognóstico, porém estudos mais recentes, não demonstraram a correlação entre meninos com VUP diagnosticado intra-útero com melhor prognóstico da função renal em relação aos meninos sintomáticos diagnosticados após o nascimento(Reinberg, de Castano et al. 1992; El-Ghoneimi, Desgrippes et al. 1999). Em 1988, Parkhouse et al. demonstraram através de uma série com 98 pacientes portadores de VUP, que 26 (41%) de 64 meninos com idade à apresentação clínica inferior a 1 ano, apresentavam prognóstico desfavorável da função renal a longo prazo, em contraste com apenas 5 (14,7%) de 34 que tiveram apresentação clínica com idade acima de 1 ano (Parkhouse, Barratt et al. 1988). Em contrapartida, vários outros autores (Tejani, Butt et al. 1986; Lal, Bhatnagar et al. 1999; El-Sherbiny, Hafez et al. 2002; Ziylan, Oktar et al. 2006) relataram um pior prognóstico para a função renal nos pacientes com apresentação 29 clínica mais tardia. Ziylan et al. demonstraram pacientes com função renal marcadamente diminuída naqueles com apresentação clínica tardia (maior que 5 anos) comparados aos que tiveram diagnóstico precoce (48% vs 13,7%, p = 0,001). No presente estudo, assim como demonstraram outros autores (El-Ghoneimi, Desgrippes et al. 1999; El-Sherbiny, Hafez et al. 2002; Sarhan, El-Ghoneimi et al. 2011), nos pacientes com apresentação clínica mais precoce (período neonatal), constatou-se melhor prognóstico da função renal em relação aos demais, porém diferença com significância estatística (p=0,66). A não realização de ultrassonografia pré-natal e a quantidade de exames realizados em cada paciente pode ter sido fator limitante em nosso estudo. Hidronefrose antenatal também é considerada por alguns autores como fator prognóstico determinante da função renal em longo prazo (Engel, Pope et al. 2011). Em nosso estudo, 41 pacientes realizaram a ultrassonografia no pré-natal. Hidronefrose foi encontrada em 19 pacientes, porém a sua presença não esteve associada à maior prevalência de IRC (p= 0,73). Diversas alterações morfofuncionais do trato urinário detectadas através de exames de imagem no pré-operatório de pacientes com VUP podem estar relacionadas a progressão de disfunção renal (Engel, Pope et al. 2011). Em estudo apresentado por Dena et al., refluxo vésico-ureteral bilateral esteve associado a maior prevalência de IRC em relação aos que não apresentavam refluxo bilateral; no presente estudo, a diferença foi considerável, apesar de não estatisticamente significativa (43,7% vs 21,3%, p = 0,07). Também não houve associação significativa entre refluxo unilateral e IRC em comparação aos que não tinham refluxo (15,8% vs 23,8%, p = 0,63). Alguns autores descreveram fatores de proteção associados a um melhor prognóstico da função renal, como refluxo vésico-ureteral unilateral para unidade renal displásica, divertículos e pseudodivertículos vesicais, ascite urinária, coleção urinária extra-renal, colo vesical contraído (Ylinen, Ala-Houhala et al. 2004). Rittenberg et al., em um estudo com 71 pacientes, observaram a presença de mecanismos de pop-off em 19 pacientes, dos quais apenas um apresentou deterioração da função renal, com diferença significativa entre os grupos que 30 apresentavam ou não tais fatores de proteção. Mecanismos de pop-off foram encontrados em 42 pacientes no presente estudo, entretanto, a presença ou ausência desses mecanismos não mostrou correlação com a função renal. A incidência de disfunção miccional após ressecção da válvula de uretra posterior varia de 13 - 38% (Lal, Bhatnagar et al. 1999; Ylinen, Ala-Houhala et al. 2004; Ansari, Gulia et al. 2010). Na presente investigação, observou-se disfunção miccional em 37,6% dos pacientes. Entretanto, estudo urodinâmico não foi realizado na maioria dos pacientes, bem como em outros estudos (Uthup, Binitha et al. 2010), devido a dificuldade da realização do mesmo em crianças, principalmente as de menor idade. Vários autores sugerem que a disfunção vesical possa ser responsável por progressiva deterioração da função renal ao longo dos anos (Lal, Bhatnagar et al. 1999; Ansari, Gulia et al. 2010). Em um estudo com 52 meninos portadores de VUP submetidos a estudo urodinâmico no pós operatório tardio, Seráfico et al, descreveram a presença de alterações urodinâmicas em 55,8% (n = 29), sendo a hiperatividade detrusora (n=22) a principal alteracão encontrada. Dos 12 pacientes que evoluíram para alteração da função renal, 83,3% apresentavam alterações urodinâmicas. Seráfico et al., também demonstraram a presença de alterações urodinâmicas em 100% (n=10) dos pacientes que foram submetidos a vesicostomia previamente à ressecção da válvula (Seráfico 2008). Na presente investifação, a disfunção miccional e a derivação urinária prévia à ressecção da válvula não mostraram correlação com a função renal (p=0,43; p=0,26, respectivamente). A dosagem sérica inicial de creatinina é considerada fator preditor da função renal em longo prazo. Sarhan et al. descreveram correlação significativa entre a creatinina inicial, a creatinina nadir após o tratamento e o prognóstico da função renal. Relataram também a associação entre creatinina elevada após derivação urinária e insuficiência renal crônica (Sarhan, El-Ghoneimi et al. 2011). Os resultados do presente estudo são condizentes com os resultados de diversos estudos internacionais (Reinberg, de Castano et al. 1992; Lopez Pereira, Espinosa et al. 2003; Ylinen, Ala-Houhala et al. 2004; Ansari, Gulia et al. 2010). A dosagem de creatinina inicial e após desobstrução do trato urinário foram 31 indicadores prognósticos importantes para o desfecho da função renal em longo prazo dos pacientes com VUP. Quando a dosagem de creatinina inicial foi menor do que 1mg/dl, a incidência de IRC foi de 11,9%, enquanto que se a creatinina foi maior do que 1mg/dl a incidência de IRC no fim do seguimento aumentou para 75,0% (p=0,00). Quando realizada após desobstrução do trato urinário, dosagem de creatinina também se correlacionou com a função renal em longo prazo. O presente estudo apresenta algumas limitações. Por ser uma série histórica, sofre influência da evolução e disponibilidade de alguns métodos diagnósticos, pois nem todos os pacientes realizaram ultrassonografia no período neonatal, e na maioria das vezes não houve disponibilidade de exames complementares para o seguimento, como o estudo urodinâmico. Além disso, com o reconhecimento da síndrome da “bexiga da válvula” e as opções medicamentosas de tratamento, muitos pacientes com seguimento anterior à década de 1990 não foram diagnosticados ou tratados adequadamente para esta complicação. Finalmente, é importante reconhecer que o diagnóstico de VUP requer cuidados e seguimento em longo prazo, e mesmo nos dias atuais, os resultados do tratamento são imprevisíveis em diversas circunstâncias. 32 9. CONCLUSÃO Conclui-se com o presente estudo que a dosagem de creatinina sérica antes e após descompressão do trato urinário são importantes fatores prognósticos da função renal em longo prazo dos pacientes portadores de válvula de uretra posterior. Nenhum dos outros fatores estudados correlacionou-se significativamente com a função renal em longo prazo. 33 10. REFERÊNCIAS Ansari, M. S., A. Gulia, et al. (2010). "Risk factors for progression to end-stage renal disease in children with posterior urethral valves." J Pediatr Urol 6(3): 261-264. Atrick C Walsh, A. B. R., E Darracott Vaughan, Alan J Wein, Ed. (2002). Posterior Urethral Valves and Others Urethral Anomalies. Campbell-Walsh Urology, Saunders. Atwell, J. D. (1983). 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