Avaliação de fatores preditores de insuficiência renal crônica em

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TÚLIO LEANDRO DE OLIVEIRA
AVALIAÇÃO DE FATORES PREDITORES DE INSUFICIÊNCIA
RENAL CRÔNICA EM PACIENTES COM VÁLVULA DE URETRA
POSTERIOR
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Instituto de Ensino e Pesquisa.
Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte.
Belo Horizonte, Minas Gerais
2012
II
TÚLIO LEANDRO DE OLIVEIRA
AVALIAÇÃO DE FATORES PREDITORES DE INSUFICIÊNCIA
RENAL CRÔNICA EM PACIENTES COM VÁLVULA DE URETRA
POSTERIOR
Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação do Instituto de Ensino e Pesquisa da
Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte
como requisito para obtenção do grau de Mestre.
ORIENTADOR: Prof. Dr. Luiz Ronaldo Alberti
2012
III
AVALIAÇÃO DE FATORES PREDITORES DE INSUFICIÊNCIA
RENAL CRÔNICA EM PACIENTES COM VÁLVULA DE URETRA
POSTERIOR
TÚLIO LEANDRO DE OLIVEIRA
Nível: Mestrado
Data da defesa: 13 / 08 / 2012
Dissertação apresentada ao Programa de Pós–Graduação em Medicina
do Instituto de Ensino e Pesquisa da Santa Casa de Misericórdia de Belo
Horizonte.
Comissão Examinadora formada pelos Professores:
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Denny Fabrício Magalhães Veloso
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Juliano Alves Figueiredo
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Ronaldo Alberti
Belo Horizonte - MG, 2012
IV
DEDICATÓRIA
A todos os meninos que participaram da realização
desse trabalho, e que puderam de alguma forma
contribuir para a saúde dos que estão por vir.
V
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA ...........................................................................................................IV
LISTA DE TABELAS ...................................................................................................VI
LISTA DE FIGURAS ..................................................................................................VII
1. RESUMO .................................................................................................................1
2. ABSTRACT ..............................................................................................................2
3. REVISÃO DE LITERATURA ...................................................................................3
3.1. CONSIDERAÇÕES ANATÔMICAS ................................................................3
3.2. ETIOLOGIA .....................................................................................................3
3.3. CLASSIFICAÇÃO ...........................................................................................4
3.4. FISIOPATOLOGIA ...........................................................................................5
3.5. APRESENTAÇÃO CLÍNICA ............................................................................7
3.6. DIAGNÓSTICO ...............................................................................................8
3.6.1. ULTRASSONOGRAFIA ..........................................................................8
3.6.2. URETROCISTOGRAFIA MICCIONAL ....................................................9
3.6.3. CINTILOGRAFIA RENAL .....................................................................10
3.6.4. AVALIAÇÃO LABORATORIAL ..............................................................10
3.7. TRATAMENTO ..............................................................................................10
3.7.1. TRATAMENTO ANTENATAL ................................................................10
3.7.2. TRATAMENTO PÓS-NATAL .................................................................11
3.7.3. ABLAÇÃO DAS VÁLVULAS .................................................................11
3.7.4. DERIVAÇÕES URINÁRIAS ..................................................................12
3.7.5. COMPLICAÇÕES TARDIAS ................................................................13
3.7.6. SÍNDROME DA “BEXIGA DA VÁLVULA” .............................................13
4. INTRODUÇÃO .......................................................................................................15
5. OBJETIVOS ...........................................................................................................16
6. MÉTODO ...............................................................................................................17
6.1. ÉTICA ............................................................................................................17
6.2. DESENHO ....................................................................................................17
6.3. POPULAÇÃO ................................................................................................17
6.4. CRITÉRIOS DE INCLUSÃO .........................................................................18
6.5. CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO ........................................................................18
6.6. VARIÁVEIS ...................................................................................................18
VI
6.7. ANÁLISE ESTATÍSTICA ................................................................................20
7. RESULTADOS .......................................................................................................21
8. DISCUSSÃO ..........................................................................................................28
9. CONCLUSÃO ........................................................................................................32
10.REFERÊNCIAS ....................................................................................................33
VII
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Distribuição dos pacientes portadores de VUP de acordo com a taxa de
filtração glomerular ....................................................................................................22
Tabela 2. Distribuição dos portadores de VUP de acordo com a faixa etária à
apresentação clínica ..................................................................................................22
Tabela 3. Correlação entre alterações morfofuncionais do trato urinário e taxa de
filtração glomerular (TFG) em portadores de VUP ....................................................23
Tabela 4. Frequência de manifestações clínicas em portadores de VUP .................24
Tabela 5. Distribuição dos pacientes quanto ao tipo de tratamento cirúrgico da
válvula, e se foi realizado primariamente ou após derivação urinária .......................25
Tabela 6. Frequência de operações adicionais realizadas em pacientes com VUP .25
Tabela 7. Fatores de risco para progressão de disfunção renal em pacientes
portadores de VUP ....................................................................................................26
VIII
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Classificação dos tipos de válvula de uretra posterior baseado na
orientação das válvulas e relação com o verumontano segundo Young ....................4
Figura 2. Ultrassonogragia pré-natal demonstrando o clássico sinal “keyhole”:
dilatação da bexiga e uretra posterior .........................................................................7
Figura 3. Paciente com ascite urinária ........................................................................8
Figura 4. Imagens de UCM de pacientes com válvula de uretra posterior ..................9
Figura 5. Fluxograma da abordagem inicial do paciente com suspeita de VUP .......11
Figura 6. Amostra de pacientes com VUP incluídos no estudo .................................21
1
1. RESUMO
Introdução: Válvula de uretra posterior (VUP) é a causa mais comum de obstrução
congênita do trato urinário em meninos e permanece como uma das principais
causas de insuficiência renal crônica na população pediátrica. Vários estudos tem
sido elaborados com o objetivo de determinar possíveis fatores prognósticos
relacionados ao desenvolvimento de insuficiência renal em longo prazo, entretanto
os dados são controversos e conflitantes na literatura.
Objetivo: O objetivo principal do presente estudo é avaliar fatores preditores de
insuficiência renal crônica (IRC) em pacientes com VUP.
Método: Foram estudados 77 pacientes com diagnóstico de VUP que realizaram
tratamento e seguimento na Santa Casa de Belo Horizonte no período de 1969 a
2011. Foram avaliados parâmetros como idade à apresentação clínica, dosagem de
creatinina, alterações morfofuncionais do trato urinário (refluxo vésico-ureteral,
dilatação ureteral obstrutiva, hidronefrose), mecanismos de pop-off, disfunção
miccional, necessidade de procedimentos cirúrgicos adicionais. Tais fatores foram
testados quanto à presença de insuficiência renal crônica (IRC) no fim do
seguimento.
Resultados: O seguimento ambulatorial foi entre 71 e 98 meses (média de 84,9 ±
6,9 meses). A presença de IRC no fim do seguimento foi encontrada 25,9% (n=20)
dos pacientes. A presença de alterações morforfuncionais do trato urinário,
mecanismos de pop-off e idade à apresentação clínica não se correlacionaram
significativamente com a função renal em longo prazo. A dosagem de creatinina
inicial e após desobstrução do trato urinário foram os únicos parâmetros
relacionados ao desenvolvimento de IRC no fim do seguimento (p=0,00; p=0,01,
respectivamente). A análise multivariada confirmou tais variáveis como fatores
prognósticos independentes para a função renal.
Conclusão: Conclui-se com o presente estudo que a dosagem de creatinina sérica
inicial e após desobstrução do trato urinário são importantes fatores prognósticos da
função renal em longo prazo dos pacientes portadores de válvula de uretra posterior.
Descritores: Válvula de uretra posterior, prognóstico, insuficiência renal, fatores
preditores
2
2. ABSTRACT
Introduction: Posterior urethral valves (VUP) is the most common cause of congenital
obstruction of the urinary tract in children and remains a major cause of chronic renal
failure in the pediatric population. Several studies have been conducted in order to
determine possible prognostic factors related to the development of renal failure, but
data remain controversial.
Objective: The objective of this study was to evaluate predictors of chronic renal
failure (CRF) in patients with VUP.
Method: 77 patients diagnosed with VUP who underwent treatment and follow-up at
Santa Casa de Belo Horizonte between 1969 and 2011 were studied. Parameters
such as age at clinical presentation, serum creatinine, morphofunctional alterations of
the urinary tract (vesicoureteral reflux, obstructive ureteral dilatation,
hydronephrosis), pop-off mechanisms, voiding dysfunction and need for additional
surgical procedures were assessed. These factors were tested for the presence of
chronic renal failure (CRF) at the end of follow-up period.
Results: Follow-up ranged from 71 to 98 months (mean of 84.9 ± 6.9 months). Renal
insufficiency developed at the end of follow-up in 20 patients (25.9%). The presence
of urinary tract changes, pop-off mechanisms and age at clinical presentation had no
significant impact on the development of renal failure. Serum creatinine at admission
and after urinary tract clearing were the only parameters related were significant
predictors of the final renal outcome (p = 0.00, p = 0.01, respectively). Multivariate
analysis confirmed these variables as independent prognostic factors for renal
function.
Conclusion: This study confirm that the initial serum creatinine and after urinary tract
clearing are important prognostic factors of future renal function in patients with
posterior urethral valves.
Keywords: Posterior urethral valves, prognostic, renal insufficiency, predictors
3
3. REVISÃO DE LITERATURA
A válvula de uretra posterior (VUP) é uma anomalia congênita caracterizada
por uma estrutura membranosa, localizada na mucosa do assoalho da uretra
prostática que gera dificuldade ao fluxo urinário por um mecanismo valvular a qual
dificulta o fluxo anterógrado da urina. É a principal causa de obstrução do trato
urinário inferior em meninos e a causa mais comum de insuficiência renal e
transplante em crianças (Parkhouse, Barratt et al. 1988; Hutton, Thomas et al. 1994).
A VUP apresenta prevalência estimada entre 1/8000 e 1/25000 nascimentos (Atwell
1983; Casale 1990), sendo diagnosticada exclusivamente no sexo masculino, e
eventualmente manifesta-se apenas quando em adultos (Williams and Eckstein
1965; Mahony and Laferte 1974; Nieh and Hendren 1979; Mueller and Marshall
1983; Saraf and Cockett 1984).
3.1. Considerações Anatômicas
A uretra masculina normal é anatomicamente dividida em porção prostática e
membranosa (uretra posterior) e porção esponjosa ou uretra anterior. A crista uretral
é uma elevação mucosa que determina a forma específica da uretra posterior, e em
cada lado da elevação localiza-se o seio prostático. A crista uretral continua abaixo
do verumontano e coalesce em uma pequena elevação na linha média. Essa
membrana, estendendo-se lateralmente e para baixo, eventualmente desaparece
(Williams and Eckstein 1965).
3.2. Etiologia
A forma clássica da VUP é encontrada na uretra prostática, abaixo ou
proximal ao verumontano. Embora o mecanismo embriológico exato da VUP
permaneça desconhecido (Frohneberg, Thuroff et al. 1982), quatro teorias tem sido
propostas para explicar o seu desenvolvimento, e incluem:
• Hipertrofia da dobra da mucosa uretral (Tolmatschew 1870).
• Persistência e continuação da membrana urogenital (Bazy 1903).
4
• Anormalidade no desenvolvimento dos ductos de Wolff e Muller (Lowsley 1914).
• Fusão dos colículos seminais ou do epitélio do teto da uretra posterior (Watson
1922).
3.3. Classificação
O primeiro relato de VUP foi feito por Morgagni em 1717, através de estudos
em cadáveres (Morgagni 1769), porém Young, em 1919, é o autor da primeira
descrição clara de VUP (Young, Frontz et al. 2002). Ele classificou a VUP em três
tipos de acordo com a sua relação com o verumontano e o seu aspecto (Atrick C
Walsh 2002):
• Tipo 1: é o tipo mais comum e caracteriza-se por pregas originadas na crista
uretral, a partir do verumontano, as quais se dividem em duas membranas que
se inserem nas paredes laterais da uretra, obstrutivas ao fluxo urinário, mas
permitem a passagem retrógrada de uma sonda com certa facilidade.
• Tipo 2: são pregas que se estendem do colo vesical ao verumontano e não
representam caráter obstrutivo, sendo, portanto, de pouco interesse clínico.
• Tipo 3: diafragma perfurado ventralmente, de caráter obstrutivo, situado
distalmente ao verumontano. Sua aparência endoscópica pode fazê-lo ser
confundido com a válvula do tipo 1, de caráter obstrutivo mais acentuado. Pode
oferecer dificuldade à passagem anterógrada de uma sonda.
Figura 1. Classificação dos tipos de válvula de uretra posterior baseado na orientação das válvulas e
relação com o verumontano segundo Young. A: Tipo I; B: Tipo II; C: Tipo III
5
3.4. Fisiopatologia
A obstrução vesical intra-útero afeta diretamente o funcionamento da bexiga
desde o início da sua morfogênese, assim como pode gerar danos à musculatura
ureteral e ao parênquima renal, e apesar da posterior desobstrução do trato urinário,
muitas vezes o dano permanece, pois esses órgãos foram gerados sob pressões
intraluminais elevadas (Macconnnel 1989).
Existem múltiplos mecanismos envolvidos na patogênese da disfunção renal
durante o desenvolvimento intra-útero e pós-natal, incluindo: Displasia renal primária
ou devido à obstrução ao fluxo urinário e seus efeitos deletérios na nefrogênese;
Hidronefrose intra-uterina e seus efeitos destrutivos secundários à obstrução na
produção de néfrons no período fetal, provavelmente devido às altas pressões;
Infecções urinárias de repetição pós-natal com ou sem refluxo vésico-ureteral e
disfunção vesical persistente mesmo após eliminação do fator obstrutivo (Milliken
and Hodgson 1972; Churchill, Krueger et al. 1983);
Não existe mutação genética ou modelo biológico que reproduza
fenotipicamente os efeitos da VUP ou obstrução congênita ao fluxo urinário. Alguns
estudos demonstram que a obstrução cirúrgica experimental causa hidronefrose em
uma semana e resulta em mudanças displásicas ao termo. Estudos mais recentes
confirmaram a presença de displasia renal e alterações na nefrogênese em rins
expostos à obstrução ao fluxo urinário intra-útero (Peters, Carr et al. 1992).
Alterações na diferenciação celular, mudanças fenotípicas em células
glomerulares, apoptose e estresse oxidativo contribuem para nefrogênese diminuída
e displasia renal (Kawada, Moriyama et al. 1999; Thornhill, Burt et al. 2005;
Chevalier, Thornhill et al. 2010). O número global de néfrons diminuído ao
nascimento leva à hiperfiltração, exacerbação do processo inflamatório subjacente,
fibrose renal e por fim, falência renal. O impacto precoce da diferenciação celular
alterada e ativação da cascata inflamatória e apoptose ilustra claramente que o
mecanismo molecular e as alterações na arquitetura renal subjacentes à falência
renal progressiva estão estabelecidos intra-útero (Warshaw, Edelbrock et al. 1980;
Chevalier, Forbes et al. 2009) .
6
Deficiência na capacidade de concentração urinária é observada
precocemente em pacientes portadores de VUP, levando a grande produção de
urina diluída e acredita-se que essas alterações se devam ao diabetes insipidus
nefrogênico, com resistência aumentada ao hormônio anti-diurético (Ghoniem,
Regnier et al. 1986).
O refluxo vésico-ureteral está presente em 33-50% dos meninos com VUP.
Normalmente o refluxo é secundário ao aumento de pressão vesical, porém em
alguns pacientes pode existir um defeito primário da junção vesicoureteral (Johnston
1979). Dos pacientes com refluxo, 33% têm resolução espontânea após
desobstrução, 33% permanecerão com refluxo necessitando acompanhamento
clínico e os outros 33% necessitarão de re-implante do ureter (Johnston 1979).
Hendren classificou as patologias dos rins e dos ureteres nos pacientes
portadores de VUP em quatro grupos: (1) Pacientes não apresentam alterações
secundárias, incluindo divertículo parauretral, refluxo, ou dilatação do trato urinário
superior; (2) Dilatação moderada do trato urinário superior; (3) Reflexo severo e
dano renal; (4) Severo dano renal dos rins, associado a hidroureteronefrose,
megaureter e azotemia (Hendren 1971).
Essa classificação foi utilizada em um grupo de crianças (n=124) portadoras
de válvula de uretra posterior, onde 43% eram do grupo 1 (melhor prognóstico), 34%
do grupo 2, 14,5% do grupo 3, e 8,5% do grupo 4, de melhor prognóstico (Scott
1985).
Altas pressões vesicais intra-útero nos pacientes com VUP podem ter
consequentes alterações histológicas como: aumento do colágeno, aumento
muscular e hipertrofia na parede da bexiga. As fibras colágenas são responsáveis
pela tensão vesical. Na VUP, observa-se aumento desproporcional das fibras
colágenas tipo 1 em relação as do tipo 3, gerando como consequência diminuição
da complacência vesical (Ewalt, Howard et al. 1992).
A função vesical pode estar comprometida mesmo após a desobstrução da
VUP e isso é um importante fator de mau prognóstico (Ewalt, Howard et al. 1992).
7
Aproximadamente 75% dos pacientes irá evoluir com algum grau de disfunção
vesical e alguns desses pacientes irão progredir para perda da função renal
(Parkhouse and Woodhouse 1990). Seráfico e colaboradores demonstraram através
de estudo urodinâmico, a presença de alterações vesicais em 55,8% dos pacientes
tratados com fulguração endoscópica da válvula de uretra posterior (Seráfico 2008).
A uretra posterior apresenta-se dilatada e alongada, com consequente distorção do
verumontano, dilatação dos ductos ejaculatórios e refluxo de urina para os ductos
deferentes (Kulshrestha 2006).
3.5. Apresentação Clínica
Pode-se suspeitar da ocorrência de VUP desde o período antenatal através
da ultra-sonografia (US). Alguns sinais têm se mostrado bastantes sugestivos, tais
como a dilatação do trato urinário alto, oligohidrâmnio, o não esvaziamento total da
bexiga, hipertrofia da parede vesical e a dilatação da uretra posterior, com o clássico
sinal “keyhole” apresentado na figura abaixo (Macedo 2004).
Figura 2. Ultrassonogragia pré-natal demonstrando o clássico sinal “keyhole”: dilatação da bexiga e
uretra posterior.
No período neonatal, a sintomatologia é variável. A complicação mais severa
diante de um paciente com VUP é a hipoplasia pulmonar, que resulta diretamente do
oligohidrâmnio intra-útero, sendo o maior responsável pela mortalidade atualmente
(Churchill, McLorie et al. 1990). Jato urinário fraco ou intermitente, sintomas urinários
obstrutivos são as manifestações mais comuns. Pode ocorrer distensão abdominal,
8
insuficiência renal, diarréia, vômitos, constipação intestinal, ascite urinária. Febre,
perda de peso, anemia, edema, desidratação, desequilíbrio hidroeletrolítico e ácido
básico, desnutrição e icterícia costuma estar associados à infecção urinária grave e
recorrente (Macedo 2004).
a)
b)
Figura 3. Paciente com ascite urinária. (a); Radiografia demonstrando ascite (b).
A sintomatologia da VUP nas crianças em idade escolar e lactentes varia
desde pacientes com sintomas evidentes de uropatia obstrutiva até pacientes
oligossintomáticos. Dentre os sintomas urinários podem ocorrer esforço miccional
com jato urinário fraco e intermitente, gotejamento pós-miccional, distensão
abdominal com bexiga palpável, retenção urinária, hematúria, infecção urinária de
repetição. A insuficiência renal, que pode variar de leve a grave, é passível de
ocorrer em qualquer idade (KELALIS 1976).
3.6. Diagnóstico
3.6.1. Ultrassonografia
Pode-se suspeitar de VUP durante o período fetal através da ultrassonografia
materna. VUP é o terceiro diagnóstico mais comum de alterações geniturinárias e
responde por cerca de 10% de todas uropatias fetais (Thomas and Gordon 1989).
9
A ultrassonografia é um exame essencial para estudo inicial na suspeita de
uropatia obstrutiva no período pós-natal. Além da avaliação global do trato urinário, é
útil na avaliação da bexiga e da uretra, trazendo informações importantes para o
planejamento pré-operatório, pós-operatório e seguimento, além de permitir
estabelecer prognóstico (Macedo 2004).
3.6.2. Uretrocistografia Miccional
O diagnóstico definitivo de VUP é confirmado através da uretrocistografia
miccional (UCM), pela identificação das válvulas que se apresentam como pontos de
obstrução perpendiculares ou oblíquos situados abaixo do verumontano; a uretra
distal à VUP tem calibre diminuído e pode ser filiforme, em razão da sua não
distensão durante a micção. A uretra posterior se dilata; o verumontano pode ser
identificado como uma
imagem negativa na parede da uretra posterior (Macedo
2004).
Várias outras anormalidades relacionadas a VUP podem ser identificadas
pela UCM, dentre elas: bexiga irregular com paredes espessadas, divertículos,
hipertrofia de colo vesical, refluxo vesico-ureteral uni ou bilateral, refluxo para os
colículos seminais, urinoma e ascite urinária (Macedo 2004).
Figura 4. Imagens de UCM de pacientes com válvula de uretra posterior.
10
3.6.3. Cintilografia Renal
A cintilografia renal é um exame adicional importante na avaliação do paciente
com VUP. A cintilografia renal estática com ácido 2-3-dimercapto-succínio (DMSA) e
a dinâmica com ácido dietilenotriaminopentacético (DTPA) ou mercaptoacetoglicina
(MAG-3) são fundamentais na avaliação da função renal, podendo estimar a função
renal diferencial, drenagem e avaliar obstrução, refluxo, além de detectar defeitos
focais no parênquima renal (Gordon and Riccabona 2003).
3.6.4. Avaliação Laboratorial
Determinação sanguínea de uréia, creatinina, eletrólitos, gasometria arterial
são importantes pois podem representar insuficiência renal secundária à VUP, além
de poder estimar indiretamente o prognóstico. Entretanto, a avaliação laboratorial
nas primeiras 48 horas do neonato é desnecessária, pois os valores sanguíneos de
uréia e creatinina representam os níveis maternos devido à troca placentária. (Wein
2007).
3.7. Tratamento
3.7.1. Tratamento Antenatal
A modalidade de tratamento mais usada para obstrução infravesical intraútero é a interrupção da gestação. Abordagem minimamente invasiva que tem se
tornada cada vez mais comum e eficaz é através do posicionamento de um trocarte
na bexiga do feto, seguida da implantação de um catéter duplo-j, o qual drena a
urina para a cavidade amniótica. Drenagem vesical percutânea foi amplamente
utilizada no passado, porém é desaconselhável pela alta taxa de mortalidade fetal
(4,6%) e complicações (44%) (Elder, Duckett et al. 1987; Farrugia, Long et al. 2006).
Cistoscopia fetal tem sido realizada através do mesmo trocarte usado para
desvio vesicoamniótico da urina, e com os recentes avanços na cirurgia fetal, tem
sido relatado vários casos de ablação da válvula de uretra através de
11
instrumentação endoscópica fetal e com bons resultados (Quintero, Shukla et al.
2000).
3.7.2. Tratamento Pós-Natal
O objetivo primário do tratamento dos pacientes com suspeita clínica ou
diagnóstico confirmado de VUP é a desobstrução do trato urinário através de
cateterização uretral ou suprapúbica. Após desobstrução, amostra de urina deve ser
enviada para análise microscópica e cultura, dosagem de hemograma, hemocultura,
creatinina sérica, gasometria arterial e eletrólitos devem ser monitorizados;
hidratação, antibióticos além de cuidados para alcançar estabilização clínica. O
manejo de recém-nascidos com VUP é demonstrado no algoritmo abaixo (Prem
2003).
Recém-nascido com
suspeita de VUP
Hidratação venosa + Antibióticos
Hemograma, eletrólitos, gasometria
arterial, cultura de sangue e urina
Ultrassonografia
Drenagem vesical temporária
UCM quando estável
Uretra posterior dilatada
Criança estável
Ablação da válvula
Seguimento
Uretra de calibre muito fino,
prematuros, instrumentos inapropriados
ou indisponíveis, creatinina sérica
persistentemente elevada
Vesicostomia temporária
Figura 5. Fluxograma da abordagem inicial do paciente com suspeita de VUP.
3.7.3. Ablação das Válvulas
Várias técnicas são descritas para a ressecção das válvulas de uretra
posterior (uretrotomia perineal, cistostomia suprapúbica, destruição com uso de
12
catéter-balão de Fogarty), atualmente em desuso devido ao alto índice de
complicações incluindo estenose uretral, incontinência urinária, rotura uretral e
sangramento (Garg and Lawrie 1983; Zaontz and Firlit 1986; Diamond and Ransley
1987).
Com a introdução dos cistoscópios de pequeno calibre associados ao uso de
alças ligadas a eletrocautérios, pacientes portadores de VUP podem ser operados
em qualquer idade (mesmo prematuros de muito baixo peso), com baixos índices de
complicações. Esse tipo de ressecção é considerado atualmente padrão de escolha
para o tratamento da válvula de uretra posterior (Whitaker and Sherwood 1986).
Uretrocistografia miccional pós-operatória deve ser realizada para se certificar
da completa ablação da válvula. Em algumas crianças, o nível de creatinina pode
não se modificar mesmo após duas semanas de drenagem, não sendo portanto
parâmetro de acompanhamento de resultado precoce (Churchill, McLorie et al.
1990).
3.7.4. Derivações Urinárias
Quando não for possível primariamente a ablação endoscópica das válvulas,
como em casos de instrumentos indisponíveis ou inadequados, prematuridade,
hipoplasia uretral, a vesicostomia deve ser realizada. Esse procedimento também
está indicado quando não ocorre melhora da hidroureteronefrose e a creatinina
persiste elevada. Se após a vesicostomia, a dilatação ureteral e pélvica ainda
persistem, ureterostomia ou pielostomia devem ser consideradas (Churchill, McLorie
et al. 1990).
Os pacientes submetidos a derivações urinárias prévias apresentam maior
prevalência de disfunções vesicais quando se compara com os pacientes tratados
com ablação endoscópica das válvulas (Seráfico 2008).
13
3.7.5. Complicações Tardias
Todo paciente portador de válvula de uretra posterior, deve ser acompanhado
em longo prazo devido a presença de alterações secundárias do trato urinário e pelo
risco de complicações tardias. Pacientes devem ser monitorizados quanto ao
crescimento e desenvolvimento neuropsicomotor, pressão arterial, função renal,
função vesical e miccional, perviedade uretral, refluxo vésico-ureteral e infecções do
trato urinário.
No primeiro mês após ablação das válvulas, os pacientes devem ser
submetidos a dosagem de uréia e creatinina, ultrassonografia de vias urinárias,
cintilografia com DMSA e uretrocistografia miccional. A avaliação da perviedade
uretral é de suma importância, pois se ainda houver obstrução, deve-se realizar
novamente uretrocistoscopia para ablação de provável válvula residual.
Nas séries de casos mais antigas, estenose de uretra é uma complicação
descrita em até 10 - 28% dos pacientes, principalmente devido à instrumentação
inadequada do trato urinário, sendo considerada atualmente uma complicação mais
rara (Myers and Walker 1981).
Megaureter obstrutivo e refluxo vésico-ureteral secundários são muito
frequentes em pacientes com válvula de uretra posterior, e não devem ser tratados
de imediato, pelo menos até que a completa função vesical seja alcançada, pois em
muitos casos, essas complicações resolvem-se espontaneamente ou com o
tratamento da disfunção vesical (Williams, Whitaker et al. 1973).
3.7.6. Síndrome da “Bexiga da Válvula”
A síndrome da “bexiga da válvula” foi um termo primeiramente descrito por
Mitchell em 1982, usado para classificar pacientes portadores de válvula de uretra
posterior associada a disfunção vesical intríseca levando a deterioração do trato
urinário superior e incontinência. A combinação de sensação vesical diminuída,
volume vesical elevado e baixa complacência produz pressões vesicais de
armazenamento elevadas suficientes para impedir a drenagem adequada de urina
do trato urinário superior (Mitchell 1982).
14
Pacientes portadores de síndrome de “bexiga da válvula” podem apresentar
desde sintomas como urgência, urge-incontinência e enurese, como também podem
ser assintomáticos e sentir-se confortáveis com altos volumes vesicais e pressões
elevadas (Parkhouse and Woodhouse 1990).
Em média, 75% dos pacientes irá evoluir com algum grau de disfunção
vesical, e existe uma correlação direta entre alterações nos achados urodinâmicos
com a presença de disfunção renal, tornando o estudo urodinâmico essencial no
manejo e seguimento desses pacientes (Ghanem, Wolffenbuttel et al. 2004). Peters
et al. identificaram 3 padrões urodinâmicos: falência miogênica, hiperreflexia
detrusora e complacência diminuída com capacidade vesical baixa (Peters, Bolkier
et al. 1990).
O manejo de meninos com síndrome da “bexiga da válvula” deve ser um
processo intensificado e individualizado, por meio de monitoramento com
urodinâmica, diário miccional, função renal, investigação de infecções e
hidronefrose. Os pacientes podem necessitar do uso de alfa-bloqueadores e
anticolinérgicos, cateterismo vesical intermitente, drenagem vesical noturna, cirurgia
de ampliação vesical ou qualquer combinação desses tratamentos. Além disso,
como a “bexiga da válvula” é um processo de transição durante a maior parte da
infância, necessita de um seguimento prolongado com modificações de sua
abordagem de acordo com o crescimento das crianças (Austin, Homsy et al. 1999).
15
4. INTRODUÇÃO
Válvula de uretra posterior (VUP) é a causa mais comum de obstrução
congênita do trato urinário em meninos e permanece como uma das principais
causas de insuficiência renal crônica na população pediátrica (Dinneen and Duffy
1996).
Trata-se de uma patologia com um espectro clínico bastante variado, com
repercussão importante no trato urinário superior (Hendren 1971). Apesar de
apresentar mortalidade decrescente nas últimas décadas, a despeito das melhorias
no diagnóstico e manejo dos pacientes com VUP, 25 a 40% dos pacientes evoluem
para insuficiência renal crônica (Smith, Canning et al. 1996).
O principal objetivo no tratamento dos meninos com VUP é a preservação da
função renal e da função vesical. Vários estudos tem sido elaborados com o objetivo
de determinar possíveis fatores prognósticos relacionados ao desenvolvimento de
insuficiência renal em longo prazo (Denes, Barthold et al. 1997; Onuora, Mirza et al.
2000). Entretanto, esses dados são conflitantes e controversos na literatura.
Idade ao diagnóstico, dosagem de creatinina sérica, presença de refluxo
vésico-ureteral, hidronefrose, displasia renal, mecanismos de pop-off, disfunção
miccional, proteinúria são alguns dos possíveis fatores prognósticos da função renal
a longo prazo em meninos portadores de VUP (Denes, Barthold et al. 1997; Onuora,
Mirza et al. 2000), entretanto existem dados conflitantes na literatura.
Desse modo, a identificação de fatores preditores de desenvolvimento de
insuficiência renal crônica em pacientes com VUP pode colaborar no tratamento e
manejo dessa doença congênita.
16
5. OBJETIVOS
O objetivo principal deste estudo é avaliar fatores prognósticos relacionados
ao desenvolvimento de insuficiência renal crônica em pacientes com válvula de
uretra posterior.
Estudar a frequência de comorbidades, anormalidades morfofuncionais do
trato urinário e complicações secundárias à válvula de uretra posterior.
17
6. MÉTODO
6.1. ÉTICA
Este trabalho está de acordo com as recomendações das Normas para
Pesquisa Envolvendo Seres Humanos do Ministério da Saúde, e dos principais
documentos internacionais de Ética em Pesquisa. A pesquisa foi autorizada pelo
Comitê de Ética em Pesquisa da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte sob
o registro 076/2011.
Foi solicitada ao Comitê de Ética em pesquisa a dispensa do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, visto que se trata de um estudo prospectivo,
baseado na análise do banco de dados e de prontuários de pacientes arquivados no
Serviço de Cirurgia Pediátrica da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. A
privacidade e a confidencialidade dos dados utilizados estão asseguradas,
preservando integralmente o anonimato dos pacientes e os dados obtidos somente
poderão ser utilizados para o projeto ao qual se vinculam.
6.2. DESENHO
Trata-se de um estudo prospectivo longitudinal, descritivo e analítico, através
de análise de banco de dados de pacientes portadores de válvula de uretra posterior
atendidos no serviço Cirurgia Pediátrica da Santa Casa de Misericórdia de Belo
Horizonte.
6.3. POPULAÇÃO
Foram avaliados pacientes portadores de válvula de uretra posterior com
diagnóstico confirmado através de uretrocistografia miccional e que realizaram
tratamento e seguimento na Santa Casa de Belo Horizonte no período de 1969 a
2011.
Os pacientes foram distribuídos em dois grupos, de acordo com o
desenvolvimento ou não de insuficiência renal crônica:
18
• Grupo A: Os que apresentavam insuficiência renal crônica ao fim do
seguimento.
• Grupo B: Os que não apresentavam insuficiência renal crônica ao fim do
seguimento.
A insuficiência renal foi definida como a presença de taxa de filtração
glomerular (fórmula de Schwartz) menor do que 60 ml/m/1,73m2.
6.4. CRITÉRIOS DE INCLUSÃO
Foram incluídos no estudo os pacientes com diagnóstico de válvula de uretra
posterior confirmado por uretrocistografia miccional e/ou endoscopia que realizaram
tratamento e seguimento ambulatorial realizado no serviço de Cirurgia Pediátrica da
Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte.
6.5. CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO
Seguimento ambulatorial inferior a 24 meses ou registros de prontuários
insuficientes.
6.6. VARIÁVEIS
O principal desfecho avaliado foi a presença de insuficiência renal crônica.
Foram considerados como tendo insuficiência renal crônica os pacientes
dependentes de diálise ou aqueles que apresentavam taxa de filtração glomerular,
calculada pela fórmula de Schwartz, menor do que 60 ml/m/1,73m2.
As demais variáveis estudadas foram:
• Dosagem sérica de creatinina inicial
• Dosagem sérica de creatinina após desobstrução do trato urinário
• Ultrassonografia pré-natal
• Refluxo vésico-ureteral
19
• Hidronefrose
• Dilatação ureteral obstrutiva
• Mecanismos de pop-off
• Idade à apresentação clínica
• Tipo de válvula de acordo com a classificação de Young
• Tipo de tratamento cirúrgico realizado
• Tratamento cirúrgico adicional
• Derivação urinária pré-operatória
• Disfunção miccional
A dosagem de creatinina sérica ao diagnóstico de válvula de uretra posterior e
após a desobstrução do trato urinário (entre 2 a 4 semanas após desobstrução) foi
avaliada em todos os pacientes. Não foram obtidos dados suficientes para calcular a
taxa de filtração glomerular da maioria dos pacientes à apresentação. Para essa
análise, categorizou-se a dosagem de creatinina sérica acima de 1mg/dl como
anormal.
A presença de alterações morfofuncionais do trato urinário (refluxo
vesicoureteral, hidronefrose, dilatação ureteral obstrutiva, mecanismos de pop-off),
foi pesquisada através dos seguintes exames de imagem: urografia excretora,
ultrassonografia e uretrocistografia miccional.
Os mecanismos de pop-off pesquisados foram: úraco patente, divertículos e
pseudo-divertículos vesicais, colo vesical contraído, refluxo vésico-ureteral para
unidade renal displásica e coleção urinária extra-renal.
Quanto ao tipo de tratamento operatório realizado, considerou-se os
pacientes que foram submetidos a ressecção endoscópica retrógrada, ressecção
endoscópica anterógrada e ressecção da válvula por via perineal. A derivação
urinária previamente ao tratamento definitivo, seja através de cateterismo vesical de
demora, cistostomia ou vesicostomia, também foi estudada.
20
Disfunção miccional foi definida como a presença de incontinência urinária,
enurese noturna, urgeincontinência ou a necessidade do uso de fraldas durante o
dia em meninos com idade superior a 3 anos. O diagnóstico e tratamento da
disfunção miccional foi baseado em critérios clínicos acima citados.
6.7. ANÁLISE ESTATÍSTICA
A elaboração do banco de dados foi feita com o auxílio do programa de
computador EPIDATA (versão 3.1) e o processamento da análise estatística foi
realizado por meio do programa EPIINFO (versão 3.5.1) e STATA (versão 10.3).
Todas as hipóteses foram testadas de acordo com o teste de significância
adequado.
Todas as variáveis estudadas foram correlacionadas com a presença
ou ausência de insuficiência renal crônica no fim do seguimento, e as hipóteses
foram testadas pelo teste qui-quadrado e consideradas como estatisticamente
significativas quando p < 0,005.
Para todas as variáveis que apresentaram a probabilidade de associação
≤0,25 utilizou-se a análise multivariada por meio de regressão logística cox. Este
critério adotado, p≤0,25, foi necessário para excluir qualquer possível associação
espúria.
21
7. RESULTADOS
Durante um período de 42 anos (1969-2011), noventa e dois pacientes
portadores de válvula de uretra posterior foram estudados. Nesse período de
seguimento, cinco pacientes morreram por complicações relacionadas à doença
antes de completar 24 meses de seguimento, e um por meningite, tardiamente.
Outros 10 pacientes foram excluídos por falta de registros nos prontuários ou
seguimento insuficiente. Os 77 restantes preencheram os critérios do estudo e foram
analisados.
92#pacientes#com#
VUP#
5#pacientes#excluídos#por#
registros#insuficientes#no#
banco#de#dados#
5#pacientes#excluídos#por#
seguimento#insuficiente#
5#pacientes#excluídos#por#
óbito#antes#de#24#meses#
de#seguimento#
n"="77"
Figura 6. Amostra de pacientes com VUP incluídos no estudo.
Legenda: VUP = Válvula de uretra posterior
A presença de insuficiência renal crônica (IRC), definida como taxa de
filtração glomerular < 60ml/m/1,73m2, ao final do seguimento foi encontrada em
25,9% dos pacientes (n=20), dos quais, três necessitavam de terapia de substituição
renal, em fila de espera para transplante renal.
22
Tabela 1. Distribuição dos pacientes portadores de VUP de acordo com a taxa de filtração glomerular.
Taxa de Filtração Glomerular (ml/m/1,73m2)
n
%
< 30
3
3,9%
30 - 60
17
22,1%
> 60
57
74,0%
A dosagem de creatinina sérica foi avaliada no momento do diagnóstico e
após a desobstrução do trato urinário. A dosagem de creatinina foi maior do que 1
mg/dl em 45,4% dos pacientes (n= 35) no momento do diagnóstico, e em 28,6% dos
pacientes (n=22) após desobstrução do trato urinário.
A faixa etária dos pacientes quando da apresentação variou desde o período
neonatal até a adolescência. Cerca de 46,7% dos pacientes foram diagnosticados
entre 29 dias e 2 anos de idade, 24,7% entre 0 e 28 dias de vida, 18,2% no período
pré-escolar e 10,4% no período escolar e adolescência (Tabela 2).
Tabela 2. Distribuição dos portadores de VUP de acordo com a faixa etária à apresentação clínica
Faixa etária à apresentação clínica
n
%
Recém-nascidos (0 a 28 dias)
19
24,7%
Lactentes (29 dias a 2 anos)
37
48,1%
Pré-escolares (2 a 6 anos)
14
18,2%
Escolares (6 a 12 anos)
5
6,5%
Adolescentes (Acima de 12 anos)
2
2,6%
O seguimento ambulatorial médio dos pacientes foi de 84,9 ± 6,9 meses
(intervalo entre 71 e 98 meses). Os pacientes que apresentavam insuficiência renal
crônica, foram seguidos em média 18 meses a mais que os demais pacientes.
23
Ultrassonografia antenatal foi realizada em 41 pacientes. Havia hidronefrose
em 19 pacientes e oligohidrâmnio em nove. Quanto às alterações morfofuncionais
do trato urinário no pós-natal, a presença de hidronefrose, refluxo vésico-ureteral e
dilatação ureteral obstrutiva foi determinada através de exames de imagem,
conforme demonstrado na tabela a seguir.
Tabela 3. Correlação entre alterações morfofuncionais do trato urinário e taxa de filtração glomerular
(TFG) em portadores de VUP
Alteração do trato urinário
Hidronefrose antenatal
TFG < 60
(n=20)
TFG > 60
(n=57)
Unilateral
2
5
Bilateral
5
7
Unilateral
2
12
Bilateral
11
26
Unilateral
3
16
Bilateral
7
9
0
11
Dilatação ureteral obstrutiva
Refluxo vésico-ureteral
Trato urinário sem alterações
A apresentação clínica dos portadores de VUP variou desde sintomas do trato
urinário inferior (gotejamento e jato urinário fraco), até complicações não diretamente
relacionadas à doença, como convulsões e meningite (Tabela 4).
24
Tabela 4. Frequência de manifestações clínicas em portadores de VUP
Apresentação clínica
n
%
Jato urinário fraco
59
76,6%
Infecção do trato urinário
57
74,0%
Gotejamento
53
63,8%
Bexiga palpável
34
44,2%
Rim palpável
21
27,3%
Distensão abdominal
20
26,0%
Sepse
10
13,0%
Dor abdominal
4
5,2%
Convulsão
3
3,9%
Ascite urinária
2
2,6%
Hematúria
2
2,6%
Anúria
2
2,6%
Meningite
1
1,29%
Todos os pacientes foram pesquisados através de exames complementares
quanto a incidência de mecanismos de “pop-off”. Verificou-se a presença de
divertículos vesicais em 11 pacientes, pseudodivertículos em 30, três pacientes
apresentavam refluxo vésico-ureteral para unidade renal displásica, três pacientes
com coleção urinária extra-renal, úraco patente em dois e ascite urinária em um
paciente. O estado do colo vesical foi determinado de acordo com a
uretrocistografia, e verificou-se a presença de um colo vesical contraído em 30
pacientes.
Quanto ao tipo da válvula, 68 pacientes apresentaram válvula do tipo I de
Young, dois pacientes com válvula do tipo III, e em sete pacientes não foi possível a
identificação do tipo de válvula.
A maioria dos pacientes (n=65) foi tratada com ressecção endoscópica da
válvula, sendo que 51,9% (n=40) deles foi submetido a derivação urinária
previamente à cirurgia definitiva.
25
Tabela 5. Distribuição dos pacientes quanto ao tipo de tratamento cirúrgico da válvula, e se foi
realizado primariamente ou após derivação urinária
Tipo de tratamento
cirúrgico
Primário
Secundário (após
derivação urinária)
Ressecção endoscópica
retrógrada
31
34
Ressecção endoscópica
anterógrada
0
2
Perineal
1
4
Não realizado
5
Tratamento cirúrgico adicional ao tratamento definitivo foi realizado em 23
pacientes (29,9%). O número operações adicionais realizadas estão descritas na
tabela abaixo.
Tabela 6. Frequência de operações adicionais realizadas em pacientes com VUP
Tratamento cirúrgico adicional
n
Antirrefluxo vesicoureteral
7
Nefroureterectomia
4
Reoperação por válvula residual
4
Tratamento cirúrgico de megaureter obstrutivo
4
Vesicostomia
3
Ressecção de divertículo vesical
3
Ureterostomia
2
Apendicovesicostomia (operação de Mitrofanoff)
2
Nefrostomia
1
Reconstituição de trânsito urinário (fechamento de derivação)
14
No presente estudo, o diagnóstico de disfunção miccional foi baseado em
critérios clínicos (incontinência urinária, urgeincontinência ou a necessidade do uso
de fraldas durante o dia em meninos com idade superior a três anos). Vinte e nove
26
pacientes
apresentavam pelo menos um dos critérios citados (37,6%). Dos 29
pacientes, apenas 12 realizaram estudo urodinâmico para confirmação diagnóstica e
categorização do tipo de disfunção miccional. Hiperatividade detrusora foi a
anormalidade mais comumente encontrada em 66,7% dos casos.
Análise bivariada foi realizada através do cruzamento de todas as variáveis
com a presença de IRC no fim do seguimento. A dosagem de creatinina maior que
1,0mg/dl (inicial e após desobstrução do trato urinário) foram as variáveis que
apresentaram diferença significativa quanto a presença de insuficiência renal crônica
no fim do seguimento (Tabela 7).
Tabela 7. Fatores de risco para progressão de disfunção renal em pacientes portadores de VUP.
Fator de Risco
TFG > 60 (n = 57)
TFG < 60 (n=20)
p
Creatinina > 1,0 (inicial)
20
15
0,00
Creatinina > 1,0 (pós-desobstrução)
15
7
0,01
Operação no período neonatal
16
3
0,66
Hidronefrose antenatal
13
6
0,73
Dilatação ureteral Obstrutiva
38
13
0,89
Dilatação ureteral Obstrutiva bilateral
11
26
0,47
Refluxo vésico-ureteral
23
10
0,63
Refluxo vésico-ureteral bilateral
7
9
0,07
Mecanismo de pop-off
29
13
0,66
Pseudo-divertículos vesicais
20
10
0,24
Disfunção miccional
20
9
0,43
Derivação urinária
23
11
0,26
Tratamento cirúrgico adicional
16
7
0,56
Foi realizada análise multivariada por meio de regressão cox para sobrevida
renal incluindo os paramêtros que apresentavam p≤0,25 quanto a presença de IRC
no fim do seguimento, e observou-se que a dosagem de creatinina inicial > 1 mg/dl e
a dosagem de creatinina após desobstrução > 1 mg/dl foram as únicas variáveis que
realmente apresentaram correlação significativa com a presença de IRC no fim do
27
seguimento (p = 0,00, odds ratio = 3,14; p = 0,00, odds ratio = 17,99;
respectivamente).
28
8. DISCUSSÃO
Válvula de uretra posterior é uma enfermidade bastante heterogênea, de
morbidade e mortalidade elevadas, com prognóstico em longo prazo variando desde
pacientes com função renal normal até insuficiência renal em estágio terminal
(Onuora, Mirza et al. 2000).
O desenvolvimento de falência renal em longo prazo em meninos portadores
de VUP sofre influência de diversos fatores. O maior desafio no manejo desses
pacientes é evitar ou pelo menos minimizar a deterioração da função renal que
eventualmente possa ocorrer. Para alcançar isso, os fatores que afetam o
prognóstico da função renal em longo prazo devem ser identificados. Diversos
autores relataram diferentes variáveis que podem ter valor preditor ou serem
responsáveis pela função renal em longo prazo desses pacientes (Denes, Barthold
et al. 1997; Nguyen and Peters 1999; Lopez Pereira, Jaureguizar et al. 2000;
Onuora, Mirza et al. 2000).
O diagnóstico e tratamento precoce têm sido sugeridos como fatores
preditores da função renal em meninos com VUP, porém existem dados conflitantes
em relação à essa afirmação (Tejani, Butt et al. 1986; El-Sherbiny, Hafez et al. 2002;
Ziylan, Oktar et al. 2006). Inicialmente acreditava-se que a detecção pré-natal seria
relacionado a um melhor prognóstico, porém estudos mais recentes, não
demonstraram a correlação entre meninos com VUP diagnosticado intra-útero com
melhor prognóstico da função renal em relação aos meninos sintomáticos
diagnosticados após o nascimento(Reinberg, de Castano et al. 1992; El-Ghoneimi,
Desgrippes et al. 1999).
Em 1988, Parkhouse et al. demonstraram através de uma série com 98
pacientes portadores de VUP, que 26 (41%) de 64 meninos com idade à
apresentação clínica inferior a 1 ano, apresentavam prognóstico desfavorável da
função renal a longo prazo, em contraste com apenas 5 (14,7%) de 34 que tiveram
apresentação clínica com idade acima de 1 ano (Parkhouse, Barratt et al. 1988).
Em contrapartida, vários outros autores (Tejani, Butt et al. 1986; Lal,
Bhatnagar et al. 1999; El-Sherbiny, Hafez et al. 2002; Ziylan, Oktar et al. 2006)
relataram um pior prognóstico para a função renal nos pacientes com apresentação
29
clínica mais tardia. Ziylan et al. demonstraram pacientes com função renal
marcadamente diminuída naqueles com apresentação clínica tardia (maior que 5
anos) comparados aos que tiveram diagnóstico precoce (48% vs 13,7%, p = 0,001).
No presente estudo, assim como demonstraram outros autores (El-Ghoneimi,
Desgrippes et al. 1999; El-Sherbiny, Hafez et al. 2002; Sarhan, El-Ghoneimi et al.
2011), nos pacientes com apresentação clínica mais precoce (período neonatal),
constatou-se melhor prognóstico da função renal em relação aos demais, porém
diferença com significância estatística (p=0,66). A não realização de ultrassonografia
pré-natal e a quantidade de exames realizados em cada paciente pode ter sido fator
limitante em nosso estudo.
Hidronefrose antenatal também é considerada por alguns autores como fator
prognóstico determinante da função renal em longo prazo (Engel, Pope et al. 2011).
Em nosso estudo, 41 pacientes realizaram a ultrassonografia no pré-natal.
Hidronefrose foi encontrada em 19 pacientes, porém a sua presença não esteve
associada à maior prevalência de IRC (p= 0,73).
Diversas alterações morfofuncionais do trato urinário detectadas através de
exames de imagem no pré-operatório de pacientes com VUP podem estar
relacionadas a progressão de disfunção renal (Engel, Pope et al. 2011). Em estudo
apresentado por Dena et al., refluxo vésico-ureteral bilateral esteve associado a
maior prevalência de IRC em relação aos que não apresentavam refluxo bilateral; no
presente estudo, a diferença foi considerável, apesar de não estatisticamente
significativa
(43,7% vs 21,3%, p = 0,07). Também não houve associação
significativa entre refluxo unilateral e IRC em comparação aos que não tinham
refluxo (15,8% vs 23,8%, p = 0,63).
Alguns autores descreveram fatores de proteção associados a um melhor
prognóstico da função renal, como refluxo vésico-ureteral unilateral para unidade
renal displásica, divertículos e pseudodivertículos vesicais, ascite urinária, coleção
urinária extra-renal, colo vesical contraído (Ylinen, Ala-Houhala et al. 2004).
Rittenberg et al., em um estudo com 71 pacientes, observaram a presença de
mecanismos de pop-off em 19 pacientes, dos quais apenas um apresentou
deterioração da função renal, com diferença significativa entre os grupos que
30
apresentavam ou não tais fatores de proteção. Mecanismos de pop-off foram
encontrados em 42 pacientes no presente estudo, entretanto, a presença ou
ausência desses mecanismos não mostrou correlação com a função renal.
A incidência de disfunção miccional após ressecção da válvula de uretra
posterior varia de 13 - 38% (Lal, Bhatnagar et al. 1999; Ylinen, Ala-Houhala et al.
2004; Ansari, Gulia et al. 2010). Na presente investigação, observou-se disfunção
miccional em 37,6% dos pacientes. Entretanto, estudo urodinâmico não foi realizado
na maioria dos pacientes, bem como em outros estudos (Uthup, Binitha et al. 2010),
devido a dificuldade da realização do mesmo em crianças, principalmente as de
menor idade. Vários autores sugerem que a disfunção vesical possa ser responsável
por progressiva deterioração da função renal ao longo dos anos (Lal, Bhatnagar et
al. 1999; Ansari, Gulia et al. 2010).
Em um estudo com 52 meninos portadores de VUP submetidos a estudo
urodinâmico no pós operatório tardio, Seráfico et al, descreveram a presença de
alterações urodinâmicas em 55,8% (n = 29), sendo a hiperatividade detrusora (n=22)
a principal alteracão encontrada. Dos 12 pacientes que evoluíram para alteração da
função renal, 83,3% apresentavam alterações urodinâmicas. Seráfico et al., também
demonstraram a presença de alterações urodinâmicas em 100% (n=10) dos
pacientes que foram submetidos a vesicostomia previamente à ressecção da válvula
(Seráfico 2008).
Na presente investifação, a disfunção miccional e a derivação
urinária prévia à ressecção da válvula não mostraram correlação com a função renal
(p=0,43; p=0,26, respectivamente).
A dosagem sérica inicial de creatinina é considerada fator preditor da função
renal em longo prazo. Sarhan et al. descreveram correlação significativa entre a
creatinina inicial, a creatinina nadir após o tratamento e o prognóstico da função
renal. Relataram também a associação entre creatinina elevada após derivação
urinária e insuficiência renal crônica (Sarhan, El-Ghoneimi et al. 2011).
Os resultados do presente estudo são condizentes com os resultados de
diversos estudos internacionais (Reinberg, de Castano et al. 1992; Lopez Pereira,
Espinosa et al. 2003; Ylinen, Ala-Houhala et al. 2004; Ansari, Gulia et al. 2010). A
dosagem de creatinina inicial e após desobstrução do trato urinário foram
31
indicadores prognósticos importantes para o desfecho da função renal em longo
prazo dos pacientes com VUP. Quando a dosagem de creatinina inicial foi menor do
que 1mg/dl, a incidência de IRC foi de 11,9%, enquanto que se a creatinina foi maior
do que 1mg/dl a incidência de IRC no fim do seguimento aumentou para 75,0%
(p=0,00). Quando realizada após desobstrução do trato urinário, dosagem de
creatinina também se correlacionou com a função renal em longo prazo.
O presente estudo apresenta algumas limitações. Por ser uma série histórica,
sofre influência da evolução e disponibilidade de alguns métodos diagnósticos, pois
nem todos os pacientes realizaram ultrassonografia no período neonatal, e na
maioria das vezes não houve disponibilidade de exames complementares para o
seguimento, como o estudo urodinâmico. Além disso, com o reconhecimento da
síndrome da “bexiga da válvula” e as opções medicamentosas de tratamento, muitos
pacientes com seguimento anterior à década de 1990 não foram diagnosticados ou
tratados adequadamente para esta complicação. Finalmente, é importante
reconhecer que o diagnóstico de VUP requer cuidados e seguimento em longo
prazo, e mesmo nos dias atuais, os resultados do tratamento são imprevisíveis em
diversas circunstâncias.
32
9. CONCLUSÃO
Conclui-se com o presente estudo que a dosagem de creatinina sérica antes
e após descompressão do trato urinário são importantes fatores prognósticos da
função renal em longo prazo dos pacientes portadores de válvula de uretra posterior.
Nenhum dos outros fatores estudados correlacionou-se significativamente com a
função renal em longo prazo.
33
10. REFERÊNCIAS
Ansari, M. S., A. Gulia, et al. (2010). "Risk factors for progression to end-stage renal
disease in children with posterior urethral valves." J Pediatr Urol 6(3):
261-264.
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Casale, A. J. (1990). "Early ureteral surgery for posterior urethral valves." Urol Clin
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