Claudionor Rocha* Consultor Legislativo da Área de Segurança Pública e Defesa Nacional Nilo Alberto Barroso Consultor aposentado, Advogado e Economista-MSc. Imposto progressivo sobre grandes fortunas (Uma abordagem exploratória) 37 Resumo Palavras-chave Do Ponto de vista jurídico - constitucional não há impedimento para a criação do Imposto sobre Grandes Fortunas, pois a Constituição, em seu artigo 154, prevê a possibilidade da criação de eventuais novos impostos. Do ponto de vista político-econômico, há argumentos a favor e contra. Há o temor de que se trate de mais um imposto a ser drenado pelos ralos da gastança do governo. Ademais, não há no país estatísticas de longo prazo sobre o patrimônio de pessoas e de empresas que permitam dimensionar o potencial de arrecadação, ao contrário da Europa, onde as estatísticas chegam ao século XVIII, e dos EEUU e do Japão, onde elas recuam ao século XIX. Por fim, existe a quase certeza de que sua criação levaria à fuga generalizada de capitais do país, o implica dizer que seria necessário uma estrutura de fiscalização grande e eficaz, por conseguinte, muito cara. Imposto Progressivo sobre Grandes Fortunas, prós e contras. Abstract Keywords From a constitutional standpoint, there is no obstacle to a wealth tax. The Brazilian Constitution, in fact, provides in article 154 that new taxes may be eventually created. From a political economy approach, however, there are pros and cons to be considered. The public is concerned that it may be an additional tax to be consumed by uncontrolled spending. Moreover, we do not keep track of the long term evolution of personal or corporate wealth that could provide a basis for an estimate of the amount to be collected. In European countries, on the contrary, data are collected since the 18th century, in the US since the 19th century. Finally, there is an expectation that the new tax could induce a widespread capital flight, thus requiring a large and expensive supervisory structure. Wealth tax – pros and cons. 38 1.Introdução Para efeito da presente abordagem, entende-se como grandes fortunas os patrimônios constituídos de imóveis urbanos, rurais, culturas, rebanhos, fábricas, equipamentos, instalações comerciais e de serviços, títulos, ações, aplicações financeiras. Ou seja, o equivalente ao capital nacional, o que, em termos simplificados, seria o somatório monetário das terras agrícolas, moradias, outros capitais internos mais capital externo líquido. Juridicamente, não há impedimentos para criação desse tipo de imposto, haja vista o disposto no artigo 154 da Constituição Federal, o qual confere competência à União para instituição de novos impostos, mediante lei complementar. Do ponto de vista político-econômico, há argumentos a favor e contra. A favor: seria um instrumento adicional de justiça social e de arrecadação de tributos. Contra: a base de incidência seria muito pequena e, portanto, de baixa arrecadação, além de incentivar a fuga de capitais do País. Há, ainda, o temor generalizado dos contribuintes de que esse seria mais um imposto a ser drenado pelos ralos da gastança do governo. Sob a óptica operacional, não há estatísticas, de longo prazo, disponíveis sobre o patrimônio de pessoas e de empresas que permitam dimensionar o potencial de arrecadação, ao contrário do que ocorre nos países desenvolvidos, tais como a Alemanha, França e Inglaterra, onde as estatísticas remontam ao Século XVIII, e no Japão e Estados Unidos a partir do Século XIX. Todavia, como o objetivo dessa abordagem é examinar o potencial arrecadador de um imposto dessa natureza no Brasil, sem maiores compromissos de implementação, imediatos ou mesmo mediatos, seria oportuno explorar as possibilidades existentes, tendo em vista que, em muitos países, esse tipo de imposto já existe e que, entre nós, já se começa a discutir, em nível partidário, a possibilidade de sua criação, tendo em vista o supracitado dispositivo constitucional. Ademais, há uma tendência secular mundial no sentido de que a acumulação de capital será cada vez mais rentista, uma vez que a taxa média anual de retorno do capital na maior parte dos países é da ordem de 5% ao ano (os grandes rentistas conseguem taxas superiores), enquanto que a taxa de crescimento da economia mundial deve situar-se, no longo prazo, em torno de 1,5% a 2,5%, segundo previsões calcadas na taxa de crescimento da produção mundial/por habitante, entre 1700-2012, que foi de 0,8% (Tabela 2.5, folha 94, do livro “O Capital no Século XXI”, de Thomas Piketti, Editora Intrínseca Ltda.) Mesmo no pós-guerra, entre 1950-1980, período de grande crescimento anual, foi de 2,5%. Já no período mais recente, 1980-2012, foi Artigos & Ensaios 39 de 1,7%, revelando uma clara tendência de desaceleração, não obstante o forte crescimento chinês, com significativa influência na taxa de desempenho da Ásia de 3,1% (Tabela 2.5, da obra e autor citados). Observe-se, ainda, que a acumulação geométrica de capital rentista, criando excessiva liquidez nos mercados financeiros, com grandes oportunidades de lucros, e a ausência de regulação dos bancos de investimento e de outras entidades financeiras, poderão induzir a criação descontrolada de produtos financeiros securitizáveis, propiciando as condições para o descolamento do sistema financeiro da economia real, processo semelhante ao que ocorreu na crise de 2008 (segundo Nouridine Roubini e Stephen Mihm, no livro “Economia das Crises”, capítulo 3, Placas Tectônicas (Talvez essa seja uma preocupação exagerada, no caso do Brasil, mas que parece merecer ponderação). Parâmetros Estimatórios Como já observado, no Brasil não há informações históricas disponíveis, confiáveis, sobre a distribuição do patrimônio por classes de renda das pessoas físicas e jurídicas, apesar de a Receita Federal vir nos últimos anos aperfeiçoando, progressivamente, o sistema de informações patrimoniais, com base nas declarações anuais do imposto de renda. No entanto, é possível fazer estimativas a partir de indicadores indiretos razoavelmente conhecidos. No caso do estoque de capital, a partir da relação média capital/produto e do coeficiente de Gini. Estimativa do estoque de capital nacional Estima-se que, em 2014, o PIB brasileiro foi da ordem de 5,5 trilhões de reais. Conservadoramente, para efeito de cálculo, seria o caso de considerar 5,0 trilhões de reais. Avalia-se, por outro lado, que a relação média capital/produto é de 4/1. Ou seja, seriam necessários 4 reais para se ter 1 real de renda. Por este parâmetro, ter-se-ia um estoque de capital nacional da ordem de 20 trilhões de reais. Como esse estoque de capital distribui-se entre as diversas classes de renda? Essas informações, se existem, não estão disponíveis e transparentes ao público. Para se ter uma ideia sobre o assunto, ainda que imprecisa, adotar-se-ão as seguintes hipóteses de estimação: a) a existência de simetria de distribuição de renda por classes sociais e a distribuição de capital por essas classes; b) a utilização dos dados disponíveis de renda por classe de um país que tenha índices de Gini comparáveis aos do Brasil. 40 Cadernos ASLEGIS | 51 • Janeiro/Abril • 2014 Admitidas essas hipóteses, o país que mais se assemelha ao Brasil, em termos de desigualdade de renda, são os Estados Unidos, que tem um índice de Gini de 0,49 (2010), contra 0,54 do Brasil (2009). Em 2010, os 10% mais ricos da população americana detinham 50% da renda (classes mais abastadas); e o 1% mais rico 20% da renda (classes dominantes). Os 50% mais pobres (classes populares) detinham apenas 20% da renda. E os 30%, correspondentes às classes médias, detinham 30% da renda (Tabela 7.3, folha 144, livro e autores citados). Se aplicarmos essa estrutura de distribuição ao estoque de capital do Brasil estimado para 2014, verifica-se que o 1% da população mais rica detinha 1/5 de R$20 trilhões, ou seja, R$4 trilhões. Nesse enfoque exploratório, considera-se a hipótese de o “imposto progressivo sobre as grandes fortunas” incidir apenas sobre esse 1% mais rico, ou seja, sobre as classes dominantes, afastando o risco de que a classe média alta, cuja remuneração centra-se nos rendimentos do trabalho, venha a ser a mais penalizada, como frequentemente acontece. Em termos quantitativos, se viável uma alíquota média de 3% sobre esses R$4 trilhões, isso proporcionaria uma receita tributária de R$120 bilhões, nada desprezível em termos de ajustamento fiscal. Em síntese, um imposto progressivo sobre grandes fortunas, juntamente com o imposto de renda progressivo sobre esses rentistas podem atenuar a excessiva acumulação de capital rentista, o que conduziria a economia a um ótimo de Pareto, pois não teriam impactos marginais relevantes sobre o 1% detentor das grandes fortunas, mas poderá trazer, em contrapartida, grandes benefícios para a sociedade como um todo. É obvio que esses instrumentos de redistribuição de riqueza ensejarão estímulos adicionais à fuga de capitais, legais e ilegais, mas, em relação a essas últimas, o Brasil já possui sistemas de fiscalização e controle e de troca de informações com entidades congêneres internacionais, sistemas cada vez mais atuantes, que poderão minimizar e até mesmo inibir as transferências de capital clandestino. Resta saber se o custo adicional de arrecadação compensaria o total de arrecadação desse imposto, o que somente será possível avaliar com dados reais sobre a distribuição do patrimônio por classe de renda. Conclusões Trata-se de assunto que merece reflexão mais acurada, com dados ajustados à realidade brasileira, sobretudo considerando a atual situação fiscal do país, até porque que há projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional e o assunto já consta da agenda de alguns partidos brasileiros. Artigos & Ensaios 41 Não se pode afastar, contudo, a possibilidade de que a utilização de dados mais precisos sobre a distribuição de patrimônio por classes de renda, no tocante à realidade brasileira, mostre que os custos adicionais de uma política de taxação sobre grandes fortunas sejam superiores aos benefícios adicionais. Todavia, a possibilidade de imposição de um imposto progressivo sobre as grandes fortunas não pode, salvo melhor juízo, ser descartada sem estudos mais aprofundados sobre o assunto. 42 Cadernos ASLEGIS | 51 • Janeiro/Abril • 2014