ALGUMAS NOÇÕES SOBRE LUIZ CARLOS BRESSER

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ALGUMAS NOÇÕES SOBRE
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Walder de Góes
1. A origem ideológica da Juventude Católica
Nascido em 1934, aos 16 anos Bresser-Pereira já iniciava em São Paulo uma
experiência de sete anos em jornalismo. Quem promovia sua iniciação era o pai, Sylvio
Pereira, advogado, então deputado estadual pelo PTB e diretor do jornal O Tempo. Não se
tratava de um jornal convencional, com fins comerciais, mas de um jornal com fins políticos.
Seu proprietário era Hugo Borghi, getulista e petebista, que fundara O Tempo, em 1948,
depois de perder para Adhemar de Barros as eleições governamentais do ano anterior.
O jornal tinha uma vaga linha liberal, calculadamente elaborada para impressionar a
pequena burguesia agrícola da época. Luiz Carlos Bresser-Pereira fazia um pouco de tudo,
mas dedicava especial cuidado à crítica de cinema, na coluna Cinelândia, na qual sua byline
era apenas Luiz Bresser-Pereira.
Em um de seus primeiros textos, ao analisar o filme “Juventude Perdida”, de Pietro
Germi, Bresser-Pereira já dava o tom de suas inclinações políticas e ideológicas. O filme de
Germi tratava do aumento da criminalidade entre os jovens no imediato pós-guerra italiano.
“Um longo período de falta de liberdade e domínio do fascismo”, escreveu Bresser,
“provocou não só dificuldades econômicas, mas também a decadência moral do povo, que
durante anos assistiu diariamente a uma total inversão de todos os valores. A juventude foi a
mais prejudicada por essa crise”.
A questão dos valores, bem como a da missão transformadora da juventude, tanto
mobilizavam Bresser que sua entrada para o curso de direito da USP, em 1952, promovia
também seu ingresso na Juventude Universitária Católica, JUC. Foi quando conheceu Fernão
Bracher, também da juventude católica, de quem é amigo íntimo até hoje. Formalmente, a
JUC se destinava à evangelização do meio universitário e à análise da realidade a partir da
doutrina da Igreja. Mas seus membros adquiriram uma aguda consciência social e suas
preocupações, ao longo dos anos cinqüenta, centraram-se em dois pontos: a urgência da
transformação social e a ineficácia da doutrina tradicional da Igreja como instrumento
adequado para promovê-la. A partir dessas inspirações, a JUC envolveu-se profundamente no
grande debate da época, alimentado pelas questões do nacionalismo e do desenvolvimento.
Depois do jornalismo, de um breve período como publicitário e do curso jurídico da
USP, Bresser foi estudar administração de empresas na Michigan State University, voltando
ao Brasil para doutorar-se em economia também pela USP. Durante todo esse tempo, a
questão social e a do desenvolvimento estiveram no centro de suas atenções. Seu primeiro
livro, publicado em 1968, intitula-se justamente Desenvolvimento e Crise no Brasil.
A essa experiência intelectual, juntaram-se quatro outras. Uma, a de professor de
administração e depois de economia da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo. A segunda,
a da volta ao jornalismo. É editor da Revista de Economia Política, desde 1980, e colaborador
permanente do jornal Folha de S. Paulo desde 1976. A terceira, como administrador de
empresas. Foi diretor administrativo do Grupo Pão de Açúcar durante vinte anos, entre 1963 e
1983. E quarta, como administrador público. Foi presidente do Banco do Estado de São
Paulo, Secretário do Governo durante a gestão Franco Montoro e Secretário de Ciência e
Tecnologia nos primeiros meses da administração Orestes Quércia.
Caso a trajetória de Bresser-Pereira houvesse sido linear, diretamente da JUC para a
política geral, provavelmente ele não teria escapado às opções políticoideológicas mais
radicais adotadas por muitos juqueanos após o colapso de seu movimento. Em virtude de
diferentes tipos de desilusão, alguns radicaram-se nitidamente na direita, outros aprofundaram
a vocação esquerdista da juventude. Bresser, saindo da esquerda estudantil para Michigan,
depois para o magistério e a administração do Grupo Pão de Açúcar, assumiu coloração
político-ideológica centrista. Tanto em teoria econômica, quanto em teoria social e política,
ele oscila entre a direita da esquerda e a esquerda da direita. Não tem nem uma visão
conservatista, nem uma visão revolucionária.
Bresser mantém as preocupações sociais, mas percebe que o distributivismo não pode
ser feito, sob pena de frustrar-se, sem a persistência de políticas que favoreçam a formação de
capital. Defende a necessidade de crescimento econômico a taxas altas, mas entende que sua
viabilidade a longo prazo exige políticas conjunturais austeras. Define-se como nacionalista,
mas julga que há vantagens para o Brasil numa relação dinâmica de sua economia com o
exterior. Enfim, Bresser-Pereira não se encontra naquelas posições muito marcadas, em que
os compromissos político-ideológicos são totalizantes e assim, na passagem do abstrato para o
concreto, deixam de proporcionar flexibilidade nas escolhas.
2. Um intelectual nada ortodoxo
Bresser tem sofrido severas restrições da elite acadêmica do país. Essas restrições
foram consideravelmente aplacadas, mas não eliminadas. Elas derivam de três ordens de
consideração, preconceituosas ou não. Numa, Bresser não é visto como um puro, como
alguém que, havendo se devotado concentradamente a uma área de conhecimento, tornara-se
um especialista. Assim, os economistas o vêem como cientista político e/ou sociólogo; os
sociólogos o vêem como cientista político e/ou economista e os cientistas políticos o vêem
como economista e/ou também cientista político. Noutra ordem de considerações, Bresser é
percebido como um intelectual que fez concessões ideológicas, ao ter-se ligado ao Grupo Pão
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de Açúcar. E, finalmente, diz-se de Bresser ter ele esposado ou estabelecido teses
sociologicamente discutíveis.
De fato, Luiz Carlos Bresser-Pereira discrepa do perfil convencional. É um
heterodoxo. Os que o estimam vêem-no como um intelectual múltiplo, versátil, criativo,
inovador. Os que não o estimam dizem que ele não é consistente. Na qualidade de
economista, como se viu, ele é um two handed. Os economistas da vertente FGV/Rio, que se
consideram luminares, percebem que Bresser não é genuinamente um deles, pois não dá à
teoria monetária, embora a aprecie, o relevo que consideram justo. Na verdade, a questão é
que Bresser compreende a teoria econômica no contexto mais amplo das teorias do
desenvolvimento. De toda forma, não há entre os economistas da vertente FGV/Rio
propriamente uma rejeição. Há apenas um certo soslaio, um julgamento que, embora positivo,
não está ainda inteiramente resolvido. Diferentemente, os economistas da vertente Unicamp
vêem em Bresser um aliado ideológico da direita e, sobretudo, um economista que não é bem
economista, a quem faltaria definição teórica mais nítida. As relações intelectuais de Bresser
com Belluzzo e João Manoel Cardoso de Melo, por exemplo, nunca foram boas.
A controvérsia na área da sociologia política é mais extensa. De fato, Bresser é, como
sociólogo e cientista político, um perfil nada convencional. Na ciência social brasileira, as
posições são muito marcadas. Ou se é marxista, ou se é weberiano; ou, não se sendo marxista,
é-se radicalmente anti-marxista. Ora, Bresser não é nem uma coisa nem outra, ou é as duas ao
mesmo tempo. Ele não adere a correntes teóricas muito marcadas. Assim, ele ousa dizer
coisas que são vistas com reticência pelas diferentes ortodoxias. É o caso de suas
considerações sobre o “modo tecnoburocrático de produção”. Em seu penúltimo livro, Pactos
Políticos, Bresser diz entender por “capitalismo tecnoburocrático” uma formação social
“dominantemente capitalista mas crescentemente tecnoburocrática, que se vem generalizando
em todos os países capitalistas industrializados” (pp. 104). Os críticos observam que Bresser
inventou um novo modo de produção. O rigor intelectual, ou o risco de inovar, aconselharia
mais cautela na proposição de alternativas às consolidadas teorias sobre modos de produção.
Uma outra controvérsia se refere à discussão sobre o estágio de desenvolvimento da
burguesia nacional. Bresser-Pereira teria uma visão generosa da burguesia industrial brasileira
e isso significaria uma falha teórica ou uma adesão ideológica ao capitalismo industrial
paulista. Bresser, de fato, diverge das análises convencionais ao concluir que a burguesia
industrial brasileira já é, por amadurecida, uma classe hegemônica; uma classe que, tendo
compreendido o interesse das outras classes, tornou-se vanguarda do processo de
modernização.
Assim, por exemplo, ele diz que a burguesia teria rompido com o pacto autoritário,
apoiando sinceramente a democracia. Afirma em seu livro Pactos Políticos: “Com a extinção
do AI-5, em 3l de dezembro de 1978, o país dava um grande passo no sentido da
redemocratização. Esse passo fora uma clara conquista da sociedade civil, e dentro desta
particularmente da classe dominante, a burguesia, que desde o pacote de abril de 1977,
abandonara finalmente a postura autoritária e optara pela redemocratização do país” (pp.l08).
E mais: “Quem é intrinsecamente autoritária é a fração mercantil (especulativa e latifundiária)
da burguesia brasileira, que sempre dependeu dos mecanismos de acumulação primitiva para
apropriar-se do excedente econômico” (pp.110) . Trata-se, realmente, de uma visão
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discrepante da visão convencional, para a qual o rompimento da burguesia com o regime
autoritário fundado em 1964 foi um lance apenas tático, não correspondendo a uma efetiva
conversão aos valores democráticos. Ela não teria rompido ideologicamente com os militares,
apenas deles se afastou conjunturalmente ao perceber a crise de legitimidade de seu regime.
Ademais, a burguesia industrial brasileira não é vista como um grupo coeso, notando-se que
diferentes segmentos têm diferentes posições sobre a questão da democracia.
Seja como for, todos concordam em que Bresser-Pereira jamais reagiu à crítica com
ressentimento ou intolerância. Ao contrário, sempre se mostrou aberto, franco, disponível para
o debate. Sua resposta à crítica sempre foi estudar mais, investigar mais, debater mais. De
fato, ele tem empreendido uma grande batalha para se firmar como intelectual, para conseguir
credibilidade enquanto tal. Ainda não se pode dizer que seja vitorioso.
3. Um batalhador, uma figura amena e cordial
Nascido numa família paulista de classe média alta, filho de uma professora de
crianças e de um advogado que escreve literatura de ficção, Luiz Carlos Bresser-Pereira
ascendeu socialmente com a ajuda da origem e também por força de uma capacidade de
trabalho, uma aplicação, uma disciplina fora do comum. O número de atividades que acumula
e a intensidade com que as pratica já o demonstram. Mas é notável que, às atividades
propriamente profissionais, ele acrescente uma produção intelectual vastíssima — além de
escrever assiduamente para revistas e jornais, nos últimos dezoito anos publicou quatorze
livros de ensaio econômico, sociológico e político.
Compreende-se. Não bebe, não freqüenta a noite, tira raras férias, dorme pouco, é
quase um asceta. De qualquer modo é intrigante. Trabalhando na iniciativa privada ou no
governo, sem abandonar o magistério e a produção acadêmica e jornalística, mesmo assim
dedica tempo razoável à musica, à piscina, ao tênis, ao cinema. E ainda aos fins de semana na
chácara de Ibiúna, vizinha da de Fernando Henrique Cardoso, que é sempre citado na
introdução de seus livros como alguém com quem ele trocou idéias sobre o assunto tratado.
A dura trajetória de trabalho, entretanto, não o endureceu. Ao contrário, Bresser é
unanimemente considerado por quem o conhece como uma figura amena, cordial, educada,
cordata, quase tímida. Os pendores políticos são óbvios e, como tal, é um pragmático. Filiouse ao PMDB desde cedo, quando ele ainda se chamava MDB, nos anos sessenta. Sempre
circulou bem nas diversas correntes do partido, sem se indispor com qualquer delas. Sua
aprovação para a Fazenda foi grandemente ajudada por essa trajetória de conciliação, que não
se descaracterizou nem quando apoiou decididamente a candidatura Orestes Quércia, tão logo
ela se apresentou.
Quando o fez, chamou as restrições a Quércia de “elitismo de intelectuais”,
entendendo pragmaticamente que a melhor das candidaturas é aquela que tem viabilidade
eleitoral.
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As propensões conciliadoras certamente o ajudam agora, frente a um PMDB
fragmentado em muitos interesses e muitas visões em matéria de política econômica. O
mesmo se diria do caráter ameno, cordial, cordato, quase tímido? Dir-se-ia que não, pois o
jogo pesado da política econômica numa conjuntura de crise exigiria uma personalidade forte,
impositiva. Ou dir-se-ia que sim, pois no jogo pesado talvez só uma personalidade assim pode
fazer costuras, tecer alianças, impondo suas concepções mais pela capacidade de conciliar do
que pela aptidão para o confronto. E quanto ao pragmatismo? O pragmático que apoiou
Quércia com os argumentos da viabilidade eleitoral poderia abrir mão de convicções, fazendo
a política possível. Dizem que ele não resiste a qualquer pressão. Seus amigos, porém,
garantem que não — Bresser não cederia no essencial e, caso isso venha a ser dele exigido,
sairia do governo tão mansamente quanto nele entrou. Aliás, é muito provável que isso ocorra,
pois não há, por enquanto, qualquer poder político que sustente uma política econômica
minimamente consistente.
Acontece que as convicções sólidas já incorporam uma boa dose de pragmatismo. Ele
considera, realmente, que para reduzir a inflação e evitar o estrangulamento cambial do país,
não é necessário fazer-se uma recessão profunda.
Basta reduzir o ritmo do crescimento econômico. A questão de Luiz Carlos BresserPereira, entretanto, é outra. Ele é um intelectual e, portanto, tem dúvidas.
Não é como Funaro, que só tem certezas. No dia em que assumiu a Fazenda, Bresser
disse na televisão que estava diante de uma dúvida. Não sabia se, para chegar-se a um
crescimento do PIB este ano entre 3 e 3,5%, é preciso afrouxar ou apertar, pois não se sabe se
as tendências espontâneas da economia apontam para uma recessão profunda ou para uma
expansão acima da taxa desejada.
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