Análise complexa Bruno Simões 1 - Moodle

Propaganda
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Análise complexa
Bruno Simões 1
1. U M POUCO DE HISTÓRIA
O primeiro contacto com números complexo a nível escolar é provavelmente feito através da resolução de
uma equação de segundo grau do tipo:
ax2 + bx + c = 0,
cujas soluções são dadas pela fórmula resolvente:
x=
−b ±
√
b2 − 4ac
.
2a
√
Por vezes, b2 − 4ac < 0, como é o caso de x2 + x + 1 = 0, com soluções x = −1±2 −3 . Hoje em
√
dia dizemos que esta equação tem como soluções x = −1±2 3i . Não foi no entanto a vontade de dar
√
significado a −3 que motivou a noção de número complexo. Até ao século XV, dizia-se que uma equação
como a considerada não tinha soluções, o que fazia sentido de um ponto de vista geométrico; de facto,
interprectando o problema como o de achar o ponto de intersecção das curvas y = x2 com y = −x − 1,
percebe-se graficamente que estas não se intersectam!
O que motivou o nascimento dos complexos foi a resolução de equações cúbicas. Olhemos para uma
equação muito particular:2
x3 = 3px + 2q.
Em 1545, foi publicada por Cardano uma “fórmula resolvente” para este problema, a saber
q
q
p
p
3
3
x = q + q 2 − p3 + q − q 2 − p3 .
Em casos particulares como em x3 = 15x + 4, a fórmula fica
q
q
p
p
3
3
x = 2 + −112 + 2 − −112 .
A fórmula de Cardano parecia inútil neste caso. No entanto, o problema é que as curvas y = x3 e y =
15x + 4 se intersectam (para x = 4, y = 64)! O que fazer então? A resposta foi dada por Bombelli (1572):
√
assuma-se que existe um “número”, chamemos-lhe i, que verifique i2 = −1 (“i = −1”). Tem-se então
√
√
x = 3 2 + 11i + 3 2 − 11i.
Para determinar as raízes cúbicas de 2 ± 11i, procurem-se dois números da forma a + bi e c + di, com
a, b, c, d ∈ R, tais que (a + bi)3 = 2 + 11i, (c + di)3 = 2 − 11i. Para fazer contas com estes números,
Bombelli definiu como estes se deveriam somar e multiplicar.
(1)
(a + ib) + (c + di) = a + c + i(b + d);
(2)
(a + ib)(c + id) = ac + ibc + aid + i2 bd = ac + ibc + aid − bd = ac − bd + i(bc + ad).
Assim, com alguma paciência percebe-se que (2 + i)3 = (2 + i)(2 + i)(2 + i) = 2 + 11i, e que (2 − i)3 =
2 − 11i. Voltando à fórmula resolvente, tem-se então
x = (2 + i) + (2 − i) = 4,
1Estas notas correspondem maioritariamente às notas em [7]
2Na verdade pode mostrar-se que qualquer equação cúbica se reduz a uma deste tipo.
1
Análise complexa
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
a solução que procurávamos! A definição precisa de número complexo (que apresentamos de seguida) só
viria 250 anos mais tarde.
Como nota final, observe-se que para resolver um problema no universo dos números reais, foi conveniente
passarmos pelo universo dos números complexos. Um dos grandes trunfos da análise complexa é mesmo
esse: permite resolver muitos problemas que à partida não parecem requerer números complexos. Para
saber mais sobre a história de alguns dos conceitos que surgem nestas folhas, aconselha-se a consulta de
[2].
2. N ÚMEROS C OMPLEXOS
2.1. Definição de número complexo. O conjunto C dos números complexos pode ser definido como
sendo o espaço R2 munido da soma habitual
(x1 , y1 ) + (x2 , y2 ) = (x1 + x2 , y1 + y1 ),
∀(x1 , y1 ), (x2 , y2 ) ∈ R2
e do produto
(x1 , y1 ) · (x2 , y2 ) = (x1 x2 − y1 y2 , x1 y2 + x2 y1 ),
∀(x1 , y1 ), (x2 , y2 ) ∈ R2 .
De forma a tornar mais cómoda a representação destes números e as suas operações, designa-se por i
o vector (0, 1) e identificam-se os pares (x, 0) com os números reais x ∈ R. Nessa altura, temos a
identificação
(x, y) = x + yi = x + iy.
Como i2 = (0, 1) · (0, 1) = (−1, 0), temos i2 = −1, de acordo com esta identificação. Observe-se que
estas operações são nada mais nada menos que a soma e a multiplicação introduzidas em (1) e (2). Assim,
C = {z = x + iy : x, y ∈ R}
e
(x1 + iy1 ) + (x2 + iy2 ) = (x1 + x2 ) + i(y1 + y2 )
(x1 + iy1 ) · (x2 + iy2 ) = x1 x2 + ix1 y2 + ix2 y1 + i2 y1 y2
= x1 x2 − y1 y2 + i(x2 y1 + x1 y2 ).
Exemplo 2.1. Dados z1 = 1 + i, z2 = i, temos
z1 + z2 = 1 + 2i,
z1 z2 = (1 + i)i = i − 1 = −1 + i.
Observação 2.2. Em C, tal como em R, valem as propriedades comutativa e distributiva.
Dado um número complexo z = x + iy, diz-se que x é a parte real de z (Re z) e y a parte imaginária de
z (Im z).
2.2. Representação polar. Dado que qualquer ponto do plano R2 \ {0} pode ser representado em
coordenadas polares (x, y) = (rcosθ, r sin θ), também todo o número complexo não nulo se pode escrever
na forma
z = x + iy = r cos θ + ir sin θ = r(cosθ + i sin θ) ≡ rcisθ,
p
onde r = x2 + y 2 > 0 é o módulo de z, representado por |z| (que representa a distância de z = (x, y) à
origem3) e θ ≡ arg z é o argumento de z (representa o ângulo entre o vector com origem (0, 0) e extremo
(x, y) e o eixo Ox.
3Pelo Teorema de Pitágoras.
Página 2 de 31.
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Análise complexa
Figura 2.3. Coordenadas polares.
√
Exemplo 2.4. Temos i = cis (π/2), 2 = 2cis 0,
2
2
+i
√
2
2
= cis (π/4).
Uma forma extremamente simples de calcular θ quando x > 0 é calculando θ = arctan(y/x) (porquê?).
É importante notar que o ângulo θ só fica univocamente determinado quando se fixa um intervalo J de
comprimento 2π (frequentemente: J = [0, 2π[ ou J = [−π, π[) e se exige que θ varie em J unicamente.
Por exemplo, i = cis (π/2) = cis (5π/2). Daí por vezes falar-se em ramos do argumento, um ramo para
cada intervalo J fixado. Num dado contexto, pode ser importante (ou não) precisar o ramo que se está a
considerar. Assim, em particular, tem-se que
(3)
rcis θ = r0 cis θ0 ,
r, r0 > 0, θ, θ0 ∈ R
⇐⇒
r = r0 e θ = θ0 (mod 2π),
ou seja, θ = θ0 + 2kπ para certo k ∈ Z.
Propriedades do módulo. Se w, z ∈ C, então
a): |z| ≥ 0 e |z| = 0 se e só se z = 0;
b): |z + w| ≤ |z| + |w|.
(desigualdade triangular)
c): |rcis θ| = r para todo o r ≥ 0, θ ∈ R.
Dado um complexo z = x + iy, define-se o seu conjugado z̄ := x − iy. Assim, por exemplo, 1 + i = 1 − i.
É imediato que:
1
1
z̄¯ = z, |z̄| = |z|, z z̄ = |z|2 , zw = z̄ w̄, z + w = z̄ + w̄,
=
z
z̄
para todo o z, w ∈ C (z ∈ C \ {0} na última propriedade).
A representação polar permite uma interpretação geométrica bastante simples do produto de dois números
complexos. De facto, se z1 = r1 cis θ1 e z2 = r2 cis θ2 então
z1 · z2 = r1 r2 (cos θ1 + i sin θ1 )(cos θ2 + i sin θ2 )
= r1 r2 ((cos θ1 cos θ2 − sin θ1 sin θ2 ) + i(cos θ1 sin θ2 + sin θ1 cos θ2 ))
= r1 r2 (cos(θ1 + θ2 ) + i(sin(θ1 + θ2 )))
= r1 r2 cis (θ1 + θ2 ).
Resumindo, tem-se
Proposição 2.5. Dados dois números complexos z1 = r1 cis θ1 , z2 = r2 cis θ2 , o produto z1 · z2 é o número
complexo de módulo r1 r2 e argumento θ1 + θ2 , isto é,
z1 · z2 = r1 r2 cis (θ1 + θ2 ).
(4)
Em particular, como i = cis (π/2), a multiplicação por i corresponde a uma rotação de 90o no sentido
antihorário. Como outro corolário do resultado anterior, observe-se que
|z1 z2 | = |z1 | |z2 |,
arg (z1 z2 ) = arg z1 + arg z2
(mod 2π)
Defina-se, dado θ ∈ R, a exponencial de um imaginário puro por
(5)
eiθ := cis θ = cos θ + i sin θ
(fórmula de Euler).
Com esta notação, a representação polar é dada por
z = reiθ ,
Página 3 de 31.
∀z1 , z2 ∈ C.
Análise complexa
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
e a multiplicação entre dois complexos torna-se mais intuitiva. Dados z1 = r1 eiθ1 , z2 = r2 eiθ2 , tem-se que
z1 z2 = r1 r2 ei(θ1 +θ2 )
(ou seja, podemos usar a regra válida entre números reais: ea eb = ea+b ). Note-se que, de acordo com (3),
0
reiθ = r0 eiθ ⇐⇒ r = r0 e θ = θ0 + 2kπ,
para certo k ∈ Z.
Além disso, |reiθ | = r ∀r ≥ 0, θ ∈ R, e em particular |eiθ | = 1.
∗ Possíveis justificações para a definição (5). Vamos apresentar de seguida duas possíveis explicações para a fórmula
de Euler.
A primeira usa um argumento de séries de potências, e é baseada na motivação original de Euler. É conhecido o
desenvolvimento em série de Taylor da função exponencial real:
ex =
∞
X
x2
x3
x4
xn
=1+x+
+
+
+ ...
n!
2!
3!
4!
n=0
Supondo que o mesmo seria verdade para x = iy, obteríamos formalmente
(iy)3
(iy)4
(iy)2
+
+
+ ...
2!
3!
4!
2
3
4
y
iy
y
= 1 + iy −
−
+
+ ...
2!
3!
4!
2
4
y
y
y3
y5
1−
+
− ... + i y −
+
− ...
2
4!
3!
5!
eiy = 1 + iy +
= cos y + i sin y.
A segunda justificação é a seguinte: a função real f (x) = ekx é a única função que verifica as condições f 0 (x) =
kf (x), f (0) = 1. Assim, formalmente, faz sentido definir eix como a solução de f 0 (x) = if (x), f (0) = 1. Acontece
que a função g(x) = cos x + i sin x verifica precisamente estas duas condições:
g 0 (x) = − sin x + i cos x = i(cos x + i sin x) = ig(x),
g(0) = cos 0 + i sin 0 = 1.
2.3. Radiciação. Iterando (4), obtemos também a chamada Fórmula de De Moivre:
Lema 2.6 (Fórmula de De Moivre). Dado n ∈ N e z = reiθ ∈ C, tem-se
z n = rn einθ = rn cis (nθ).
Teorema 2.7 (Radiciação). Para todo o w = reiθ ∈ C, w 6= 0, existem exactamente n soluções da
equação z n = w. Designadamente,
√
θ
2kπ
zk = n r ei( n + n ) ,
k = 0, 1, . . . , n − 1,
ou seja
√
n
θ
rei n ,
√
n
θ
2π
rei( n + n ) , . . . ,
√
n
2π
θ
rei( n +(n−1) n ) .
Demonstração. Tem-se de facto zkn = w, pela fórmula de De Moivre. De facto, dado k ∈ Z,
√
n
θ
2kπ
zkn = n rei( n + n ) = rei(θ+2kπ) = r(cos(θ + 2kπ) + i sin(θ + 2kπ))
= r(cos θ + i sin θ) = rcisθ = reiθ .
Vejamos que não existem outras raízes para além destas: seja z 0 = ρeiα ∈ C um complexo que verifique
z 0n = w. Então ρn einα = reiθ , de onde se depreende que ρn = r e nα = θ + 2kπ para certo k ∈ Z. Então
√
θ
θ
2kπ
i( n
+ 2kπ
n ) , k ∈ Z} = {ei( n + n ) , k = 0, 1, . . . , n − 1}, o resultado
ρ = n r e α = nθ + 2kπ
n . Como {e
segue.
Exemplo 2.8. Raízes quadradas de −1. Como −1 = eiπ , então −1 admite duas raízes quadradas,
eiπ/2 = cos π/2 + i sin π/2 = i,
π
e ei( 2 +
Página 4 de 31.
2π
2 )
= ei
3π
2
= −i.
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Análise complexa
Exemplo 2.9. Raízes cúbicas de -1:
iπ/3
e
√
1
3
= +i
,
2
2
e
iπ
= −1,
i5π/3
e
√
1
3
= −i
.
2
2
Figura 2.10. Raízes cúbicas de −1.
Observação 2.11. As raízes de índice n de um número complexo w ∈ C\{0} correspondem aos n vértices
p
de um polígono regular com n lados, inscrito numa circunferência de raio n |w| (porquê?).
3. F UNÇÕES E LEMENTARES
Antes de começar, vamos recordar algumas noções de topologia. Dado a ∈ C e r > 0, define-se a bola
aberta de centro a ∈ C e raio r > 0 como sendo
Br (a) = {z ∈ C : |z − a| < r}.
Um conjunto A ⊂ C diz-se aberto se para todo o ponto a ∈ A existir um raio r tal que Br (a) ⊆ A. 4
Uma função complexa é uma aplicação f : A ⊂ C → C que a cada número complexo z ∈ A associa um e
um só número complexo w = f (z). Esta pode escrever-se na forma
f (z) = f (x + iy) = u(x, y) + iv(x, y),
com u(x, y), v(x, y) ∈ R.
Exemplo 3.1. Para f (z) = z 2 , A = C, tem-se
f (x + iy) = (x + iy)2 = x2 − y 2 + i2xy,
portanto u(x, y) = x2 − y 2 , v(x, y) = 2xy.
Observe-se que, não sendo possível esboçar o gráfico (a duas ou três dimensões) de uma função complexa,
pode-se interpretar f como uma transformação do plano. Vamos de seguida estudar algumas funções
elementares.
3.1. Função exponencial. Já definimos em (5) a exponencial de um imaginário puro. Em geral, a
exponencial de um complexo define-se do seguinte modo.
Definição 3.2. Dado z = x + iy ∈ C,
ez = ex+iy := ex eiy = ex (cos y + i sin y);
ou seja, a exponencial de um complexo z = x + iy corresponde ao ponto do plano complexo com raio ex
e argumento y.
Observe-se que neste caso u(x, y) = ex cos y e v(x, y) = ex sin y. Como ei0 = 1, esta noção de
exponencial estende a já conhecida de exponencial real.
4O conjunto C \ {0} é aberto, por exemplo.
Página 5 de 31.
Análise complexa
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Exemplo 3.3. e1+iπ = e(cos π + i sin π) = e cos π + ie sin π = −e.
Proposição 3.4. Seja z = x + iy ∈ C. Então,
a) |ez | = ex . Em particular, |eiy | = 1 para todo o y ∈ R, e ez 6= 0;
b) ez = 1 se e só se z = 2kπi, k ∈ Z;
c) ez+w = ez ew ;
d) e1z = e−z .
p
√
Demonstração. a) |eiy | = cos2 y + sin2 y = 1 = 1.
b) Para z = x + iy, ez = 1 = ei0 se e só se ex = 1 e y = 2kπ, se e só se x = 0 e y = 2kπ.
c) Para z = x+iy, w = u+iv, ez+w = ex+u+i(y+v) = ex+u ei(y+v) = ex eu eiy eiv = ex+iy eu+iv = ez ew .
ex cos y−iex sin y
1
= e−x (cos(−y) + i sin(−y)) = e−z .
d) z1 = ex cos y+ie
x sin y =
e2x
A geometria da aplicação exponencial
(1) A exponencial transforma uma recta horizontal (y =constante) numa semi-recta com origem em
0 e ângulo y, ou seja, dada uma recta da forma R = {x + iy0 : x ∈ R}, a sua imagem por ez é a
semi-recta S = {ex eiy0 : x ∈ R}. Além disso, à medida que x “viaja” de oeste para este em R, ez
afasta-se da origem.
(2) A exponencial transforma uma recta vertical (x =constante) numa circunferência de raio ex , ou
seja, dada uma recta da forma R = {x0 + iy : y ∈ R}, a sua imagem por ez é a sua circunferência
C = {ex0 eiy : y ∈ R} de raio ex0 , e à medida que y “viaja” de sul para norte em R, ez percorre
B no sentido antihorário.5
(3) Fixado um real y0 , designe-se por Ry0 a “faixa horizontal”
Ry0 = {z = x + iy : x ∈ R e y0 ≤ y < y0 + 2π}.
A função exponencial transforma cada conjunto Ry0 no conjunto C \ {0}.
3.2. Funções trigonométricas. Da fórmula de Euler, tem-se para todo o x ∈ R
eix = cos x + i sin x,
e
e−ix = cos(−x) + i sin(−x) = cos x − i sin x.
Assim,
cos x =
eix + e−ix
,
2
eix − e−ix
2i
sin x =
e é portanto natural estender desta forma estas funções para variáveis complexas.
Definição 3.5. Dado z ∈ C, define-se
cos z =
eiz + e−iz
,
2
sin z =
eiz − e−iz
.
2i
Proposição 3.6. Tem-se que
a):
b):
c):
d):
cos(−z) = cos z, sin(−z) = − sin z, ∀z ∈ C.
sin2 z + cos2 z = 1, ∀z ∈ C.
cos(z + w) = cos z cos w − sin z sin w, ∀z, w ∈ C.
sin(z + w) = sin z cos w + cos z sin w, ∀z, w ∈ C.
5O seguinte facto será importante mais adiante: a aplicação θ ∈ [0, 2π] → reiθ corresponde a uma parametrização de uma
circunferência de raio r, percorrida uma única vez no sentido antihorário, começando e terminando no ponto 1 + 0i.
Página 6 de 31.
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Análise complexa
3.3. Função logaritmo. O logaritmo (real) pode ser definido como sendo a inversa da função exponencial
(real), isto é, dado x > 0, log x = y é o único valor y ∈ R que verifica ey = x. Poderíamos então
simplesmente pensar em definir o logaritmo complexo como sendo a inversa da exponencial complexa; no
entanto, esta última função não é globalmente invertível, uma vez que (por exemplo) e0 = e2πi = 1 (sem
dizer mais nada, log 1 ficaria mal definido).
Recordemos no entanto que, fixado um real y0 , a exponencial complexa transforma a faixa horizontal:
Ry0 = {z = x + iy : x ∈ R e y0 ≤ y < y0 + 2π}
no conjunto C \ {0}. Além disso, fá-lo de forma bijectiva, isto é: para todo o z ∈ C \ {0} existe um único
w ∈ Ry0 tal que ew = z. Vejamos algebricamente este facto (que é geometricamente evidente). Dado
z = reiθ com r > 0, trata-se de encontrar w = x + iy ∈ C tal que ew = z, isto é
ex eiy = reiθ .
Pelas propriedades da representação polar de um complexo, ficaremos com
ex = r
eiy = eiθ ,
e
equações cujas soluções são dadas por
x = log r (logaritmo real),
e
y = θ + 2kπ,
k ∈ Z.
A exigência de z pertencer a Ry0 determina univocamente o inteiro k.
Isto permite definir a função logaritmo ou, com mais precisão, um ramo da função logaritmo (um ramo
para cada y0 fixado) como
log z := log |z| + i arg z,
∀z ∈ C \ {0};
onde “arg” se refere ao argumento de z do intervalo [y0 , y0 + 2π[; em representação polar, portanto,
log(reiθ ) := log r + iθ,
∀r > 0, θ ∈ [y0 , y0 + 2π[.
Esta aplicação é, para cada y0 ∈ R, uma bijecção log : C \ {0} → Ry0 . Usualmente designa-se por
ramo principal do logaritmo quando escolhemos arg z ∈ [−π, π[, e ramo mínimo do logaritmo quando
arg z ∈ [0, 2π[.
Exemplo 3.7. Para z = i,
log i = log |i| + i arg(i) = i arg(i),
logo (consoante o ramo escolhido para o logaritmo), tem-se
π
para certo k ∈ Z.
log i = i( + 2kπ),
2
Por exemplo, escolhendo o ramo principal do logaritmo,
π
log i = i .
2
Proposição 3.8. Tem-se que
a) elog z = z, ∀z ∈ C \ {0}.
b) log(ez ) = z, ∀z = x + iy ∈ C : y0 ≤ y < y0 + 2π.
c) log(zw) = log z + log w (mod 2πi), ∀z, w ∈ C \ {0}.
Demonstração. a) Dado z = reiθ , podemos sempre escolher θ ∈ [y0 , y0 + 2π[, tendo-se nessa altura
ez = elog r+iθ = elog r eiθ = reiθ = z.
b) log(ez ) = log(ex+iy ) = log ex + i(y + 2kπ) para certo k ∈ Z, e portanto log(ez ) = x + iy se e só se
y ∈ [y0 , y0 + 2π[.
c) Dados z = reiθ , w = r̃eiθ̃ com θ, θ̃ ∈ [y0 , y0 + 2π[, tem-se (para certo k ∈ Z):
log(zw) = log rr̃ + i(θ + θ̃ + 2kπ) = log r + log r̃0 + i(θ + θ̃ + 2kπ),
log z = log r + iθ,
log w = log r̃ + iθ̃.
Página 7 de 31.
Análise complexa
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Exemplo 3.9. Exemplifiquemos a fórmula em c) com y0 = 0 (argumento em [0, 2π[), z = −1 − i,
w = 1 − i. Neste caso,
√
5π
1
5π
= log 2 + i ,
4
2
4
√
7π
1
7π
log w = log 2 + i
= log 2 + i ,
4
2
4
log z = log
2+i
e portanto log z + log w = log 2 + i3π. Por outro lado, zw = −2 e log(zw) = log 2 + iπ. Assim sendo,
neste caso concreto,
log(zw) = log z + log w − 2πi.
3.4. Radiciação. Fixado um ramo do logaritmo, define-se a raíz de ordem n,
√
n
z := e
log z
n
∀z ∈ C \ {0}.
,
Decorre das propriedades da exponencial e do logaritmo que, para todo o z ∈ C \ {0},
√
log z
n log z
log z
( n z)n = e n · · · e n = e n = z.
√
Para diferentes ramos do logaritmo, obtêm-se possivelmente diferentes valores de n z. Mais precisamente,
continuando a designar por “log” o ramo inicialmente fixado, qualquer outro ramo do logaritmo calculado
em z terá um valor log z + 2kπi para certo k ∈ Z, pelo que (log z + 2kπi)/n = (log z)/n + 2kπi/n e a
log z
log z
2kπi
2kπ
2kπ
nova raíz de ordem n tomará o valor e n e n = e n cis 2kπ
n ·. Dado que {cis n : k ∈ Z} = {cis n :
k = 0, 1, . . . , n − 1}, obtêm-se deste modo as n raízes complexas de z.
Em representação polar, se z = reiθ , tem-se (log z)/n = (log r)/n + iθ/n, donde
√
n
z=e
log r
n
iθ
en =
√
n
r cis
θ
,
n
desde que o argumento θ varie no intervalo [y0 , y0 + 2π[ do ramo fixado para o logaritmo.
√
Tal como se disse, para diferentes ramos do logaritmo, os valores possíveis de n z constituem o conjunto
√
θ
2kπ
{ n r ei( n + n ) , k = 0, 1, . . . , n − 1}. Isto está de acordo com o que se viu atrás a propósito da fórmula
de De Moivre.
Exemplifiquemos com n = 2. Fixado o ramo do logaritmo correspondente a 0 ≤ θ < 2π, a aplicação
√
z → z transforma C \ {0} no semiplano superior {(x, y) : y > 0} ∪ {(x, 0) : x > 0}. Fixado o ramo do
√
logaritmo correspondente a −π ≤ θ < π, a aplicação z → z transforma C \ {0} no semiplano “direito”
√
√
{(x, y) : x > 0} ∪ {(0, y) : y < 0}. No primeiro caso, −1 = i, no segundo −1 = −i. Observe-se que
√
sempre que usamos a igualdade −1 = i, está subentendido que escolhemos um ramo do logaritmo que
contém o ângulo θ = π + 4kπ, k ∈ Z.
3.5. Potenciação. A radiciação é um caso particular da potenciação de números complexos. Fixado um
ramo do logaritmo e dados números complexos a, b com a não nulo, define-se, à semelhança do caso real,
ab := eb log a ,
∀a, b ∈ C, a 6= 0.
Tal como atrás, para diferentes ramos do logaritmo, obtêm-se possivelmente diferentes valores de ab ; alterar
um ramo do logaritmo tem o efeito de multiplicar o valor acima por um factor e2kπib para certo k ∈ Z (se
b for um irracional ou um imaginário puro, obtém-se toda uma sucessão de valores distintos para ab ).
Algumas propriedades que decorrem imediatamente da definição são (verifique):
a): ab ac = ab+c , para um qualquer ramo fixado do logaritmo.
b): (ab)c = ac bc , desde que, para o ramo fixado do logaritmo, log(ab) = log a + log b (sem termo
adicional 2kπi).
Página 8 de 31.
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Análise complexa
4. F UNÇÕES H OLOMORFAS
4.1. Limites e Continuidade. Seja f : D ⊆ C → C uma função complexa,
f (z) = f (x + iy) = u(x, y) + iv(x, y)
com u, v : D ⊆ R2 → R.
Dizemos que o limite de f em z0 ∈ D06 é dado por w0 , e escrevemos
lim f (z) = w0 ,
z→z0
se para cada δ > 0 existe > 0 tal que
|z − z0 | < =⇒
|f (z) − w0 | < δ.
Na prática, muitas vezes aquilo que se usa é o seguinte critério: se z0 = x0 + iy0 e w0 = u0 + iv0 , então
⇐⇒
lim f (z) = w0
z→z0
lim
(x,y)→(x0 ,y0 )
u(x, y) = u0 ,
lim
(x,y)→(x0 ,y0 )
v(x, y) = v0 .
À semelhança do caso real, a função f diz-se contínua em z0 ∈ D se
lim f (z) = f (z0 ).
z→z0
Isto equivale a dizer que u e v são contínuas no ponto (x0 , y0 ) ∈ R2 relativamente à métrica euclidiana
usual de R2 . Mantêm-se assim as propriedades usuais da continuidade, bem conhecidas para o caso real.
Dizemos que f é contínua em D se for contínua em todos os pontos de D.
Exemplo 4.1. A função f (z) = z̄ = x − iy é contínua em C, uma vez que u(x, y) = x e v(x, y) = −y
são contínuas em todos os pontos.
Exemplo 4.2. Fixemos o ramo do logaritmo associado a θ ∈ [0, 2π[, e vejamos que esta função não
é contínua no eixo E = {z = x + iy ∈ C : x > 0, y = 0}. Seja z0 = x0 + i0 ∈ E; então
log(x0 + i0) = log x0 (este último representa o logaritmo real). Por outro lado, tome-se z = x0 eiθ com
θ ∈ [0, 2π[. Quando θ → 2π, tem-se z → x0 ei2π = x0 , mas log z = log x0 + iθ → log x0 + i2π.
Em geral, fixado um ramo do logaritmo associado a θ ∈ [y0 , y0 + 2π[, a função é descontínua no segmento
de recta {z = reiy0 : r > 0}.
4.2. Diferenciabilidade. Seja f : A ⊆ C → C. Diz-se que f é diferenciável em z0 = x0 + iy0 ∈ A se
existe o limite
f (z) − f (z0 )
f (z0 + h) − f (z0 )
f 0 (z0 ) = lim
.
= lim
z→z0
h→0
z − z0
h
(z0 )
(z − z0 ), isto implica a continuidade de f em z0 .
Dado que f (z) − f (z0 ) = f (z)−f
z−z0
Quando f é diferenciável em todos os pontos de A, f diz-se holomorfa em A.
Exemplo 4.3. Seja n ∈ N. Vejamos que a função f (z) = z n é holomorfa em C, com derivada f 0 (z) =
nz n−1 :
(z + h)n − z n
z n + nz n−1 h + . . . + nzhn−1 + hn − z n
f 0 (z) = lim
= lim
h→0
h→0
h
h
n−1
= lim nz
+ termos com potências de h
h→0
n−1
= nz
.
Exemplo 4.4. Vejamos que f (z) = z̄ não é diferenciável em nenhum ponto z. Com h = reiθ , tem-se
f (z + h) − f (z)
z + h − z̄
z̄ + h̄ − z̄
h̄
re−iθ
=
=
= =
= e−i2θ ,
h
h
h
h
reiθ
portanto o limite quando z → 0 (ou seja, quando r → 0) depende do ângulo θ.
Observe-se no entanto que u(x, y) = x, v(x, y) = −y são diferenciáveis. Isto mostra que, para a
diferenciabilidade, não existe uma relação tão directa entre f e u, v como existe no estudo da continuidade.
6Diremos que z está em D 0 se para qualquer δ > 0 a bola B (z ) intersecta D em pontos diferentes de z
0
0
δ 0
Página 9 de 31.
Análise complexa
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Proposição 4.5. Dadas funções f, g holomorfas em A, tem-se (sempre que faça sentido)
a): (λf )0 = λf 0 , ∀λ ∈ C.
b): (f + g)0 = f 0 + g 0 ;
c): (f g)0 = f 0 g + f g 0 ;
0
0
g0
;
d): fg = f g−f
g2
e): (f (g(z)))0 = f 0 (g(z))g 0 (z).
Teorema 4.6 (Equações de Cauchy-Riemann). Seja f = u + iv : A ⊆ C → C e z0 = x0 + iy0 ∈ A. As
seguintes afirmações são equivalentes:
a) f é diferenciável em z0 .
b) u e v são diferenciáveis em (x0 , y0 ), e
(6)
∂u
∂v
(x0 , y0 ) =
(x0 , y0 ),
∂x
∂y
∂v
∂u
(x0 , y0 ) = − (x0 , y0 ).
∂x
∂y
Além disso, no ponto em questão,
(7)
f 0 (z0 ) =
∂u
∂v
∂v
∂u
(x0 , y0 ) + i (x0 , y0 ) =
(x0 , y0 ) − i (x0 , y0 ).
∂x
∂x
∂y
∂y
Demonstração. Suponha-se que existe f 0 (z0 ). Observe-se que
f (z) − f (z0 )
u(x, y) − u(x0 , y0 ) + i(v(x, y) − v(x0 , y0 )))
.
=
z − z0
x − x0 + i(y − y0 )
Particularizando a expressão nos pontos da forma z = x + iy0 e passando ao limite quando x → x0 ,
conclui-se que
u(x, y0 ) − u(x0 , y0 )
v(x, y0 ) − v(x0 , y0 )
+i
x − x0
x − x0
∂u
∂v
=
(x0 , y0 ) + i (x0 , y0 ).
∂x
∂x
f 0 (z0 ) = lim
x→x0
Procedendo-se do mesmo modo nos pontos da forma z = x0 + iy com y → y0 , obtém-se
v(x0 , y) − v(x0 , y0 )
u(x0 , y) − u(x0 , y0 )
+i
i(y − y0 )
i(y − y0 )
v(x0 , y) − v(x0 , y0 )
u(x0 , y) − u(x0 , y0 )
= lim
−i
y→y0
y − y0
y − y0
∂u
∂v
(x0 , y0 ) − i (x0 , y0 ).
=
∂y
∂y
f 0 (z0 ) = lim
y→y0
Isto prova (6). Para ver que u e v são diferenciáveis, observe-se que
∂u
∂v
f (z) − f (z0 ) =
(x0 , y0 ) + i (x0 , y0 )) (z − z0 ) + o(|z − z0 |)
∂x
∂x
∂v
∂u
(x0 , y0 ) + i (x0 , y0 )) (x − x0 + i(y − y0 )) + o(|z − z0 |)
=
∂x
∂x
∂u
∂v
=
(x0 , y0 )(x − x0 ) −
(x0 , y0 )(y − y0 )
∂x
∂x
∂u
∂v
(x0 , y0 )(x − x0 ) +
(x0 , y0 )(y − y0 ) + o(|z − z0 |)
+i
∂x
∂x
∂u
∂u
=
(x0 , y0 )(x − x0 ) +
(x0 , y0 )(y − y0 )+
∂x
∂y
∂v
∂v
+i
(x0 , y0 )(x − x0 ) +
(x0 , y0 )(y − y0 ) + o(|z − z0 |),
∂x
∂y
onde o(|z − z0 |) designa uma quantidade tal que o(|z − z0 |)/|z − z0 | → 0 quando z → z0 . Tomando a
parte real e imaginária desta igualdade, resulta que u e v são diferenciáveis em (x0 , y0 ).
Página 10 de 31.
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Análise complexa
Suponha-se agora que a condição em b) é satisfeita. Visto que, por hipótese, u e v são diferenciáveis em
(x0 , y0 ), tem-se
∂u
(x0 , y0 )(x − x0 ) +
∂x
∂u
=
(x0 , y0 )(x − x0 ) −
∂x
u(x, y) − u(x0 , y0 ) =
∂u
(x0 , y0 )(y − y0 ) + o(|z − z0 |)
∂y
∂v
(x0 , y0 )(y − y0 ) + o(|z − z0 |),
∂x
Conclusão análoga vale para v(x, y) − v(x0 , y0 ). Então
∂v
∂u
(x0 , y0 )(x − x0 ) −
(x0 , y0 )(y − y0 )
∂x
∂x
∂u
∂v
+i
(x0 , y0 )(x − x0 ) +
(x0 , y0 )(y − y0 ) + o(|z − z0 |)
∂x
∂x
∂u
∂v
=
(x0 , y0 ) + i (x0 , y0 ) ((x − x0 ) + i(y − y0 )) + o(|z − z0 |).
∂x
∂x
∂u
∂v
=
(x0 , y0 ) + i (x0 , y0 ) (z − z0 ) + o(|z − z0 |).
∂x
∂x
f (z) − f (z0 ) =
Dividindo os dois membros da igualdade por z − z0 , conclui-se que existe lim
z→z0
precisamente
∂u
∂x (x0 , y0 )
∂v
+ i ∂x
(x0 , y0 )).
f (z) − f (z0 )
(vale
z − z0
Observação 4.7. Recorde-se que u é diferenciável em (x0 , y0 ) se u(x, y) = u(x0 , y0 ) + ∇u(x0 , y0 ) · (x −
x0 , y − y0 ) + o(k(x − x0 , y − x0 )k) quando (x, y) → (x0 , y0 ). Em situações concretas, ao aplicar-se a
conclusão b) ⇒ a) do teorema, a verificação de que u (e v) é diferenciável faz-se recorrendo ao teorema
∂u
seguinte: se em A a função u tiver derivadas parciais ∂u
∂x e ∂y contínuas, então u é diferenciável em A.
1 ∂
∂
∂
1 ∂
∂
∂
=
+i
e
=
−i
então as
Observação 4.8. Se definirmos os operadores
∂ z̄
2 ∂x
∂y
∂z
2 ∂x
∂y
∂f
equações (6) ficam com o aspecto mais sugestivo
= 0. De facto,
∂ z̄
∂f
1 ∂
∂
∂u ∂v
∂u ∂v
=0⇔
+i
(u + iv) = 0 ⇔
−
+i
+
=0
∂ z̄
2 ∂x
∂y
∂x ∂y
∂y
∂x
∂u ∂v
∂u ∂v
−
=0 e
+
=0
⇔
∂x ∂y
∂y
∂x
Da mesma forma, se se verificar ∂f
∂ z̄ = 0, tem-se que
∂f
1 ∂
∂
1 ∂u ∂v
i
∂u ∂v
=
−i
(u + iv) =
+
+
−
+
∂z
2 ∂x
∂y
2 ∂x ∂y
2
∂y
∂x
1 ∂u ∂u
i ∂v
∂v
∂u
∂v
=
+
+
+
=
+i
2 ∂x ∂x
2 ∂x ∂x
∂x
∂x
= f0
Corolário 4.9. Seja f = u + iv : Br (z0 ) ⊂ C → C. Então f 0 = 00 em Br (z0 ) sse f é constante em
Br (z0 ).
Demonstração. Suponhamos que f é diferenciável em Br (z0 ), e que f 0 = 0 nesse conjunto. Então como
∂v
∂u
∂v
∂u ∂u
∂v ∂v
f 0 = ∂u
∂x + i ∂x = ∂y − i ∂y , então ∇u = ( ∂x , ∂y ) = (0, 0), ∇v = ( ∂x , ∂y ) = (0, 0), logo u e v são
constantes, donde f também o é.
Reciprocamente, se f for constante, então u e v também o são, as derivadas parciais são iguais a zero (logo
∂v
contínuas), valem as equações de Cauchy-Riemann, e f 0 = ∂u
∂x + i ∂x = 0.
Exemplo 4.10. Seja f (z) = ez = ex cos y + iex sin y. Neste caso, u(x, y) = ex cos y, v(x, y) = ex sin y,
e
∂u
∂v
∂u
∂v
(x, y) = ex cos y =
;
(x, y) = −ex sin y = − (x, y).
∂x
∂y
∂y
∂x
Página 11 de 31.
Análise complexa
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Juntando esta informação ao facto de todas as derivadas parciais de u e v serem contínuas, tem-se então
que
∂v
∂u
f 0 (z) =
(x, y) + i (x, y) = ex cos y + iex sin y = ez .
∂x
∂x
Além disso, sai imediatamente das propriedades já vistas para a diferenciação que, dado k ∈ C,
(ekz )0 = ekz (kz)0 = ekz k.
Assim, deduzimos também que
0
iz
ieiz − ie−iz
eiz − e−iz
e + e−iz
0
=
=−
= − sin z
(cos z) =
2
2
2i
e, analogamente,
(sin z)0 = cos z.
Exemplo 4.11. Considere-se a função complexa logaritmo com a escolha do ramo principal [−π, π[.
Observe-se que, neste caso, no conjunto A = {z ∈ C : x > 0},
p
y
log z = log |z| + i arg z = log x2 + y 2 + i arctan( ) =: u(x, y) + iv(x, y)
x
Assim,
∂u
x
∂v
= 2
=
;
2
∂x
x +y
∂y
∂u
y
∂v
= 2
=−
2
∂y
x +y
∂x
e portanto log z é diferenciável em A, com
(log z)0 =
x2
x
y
1
1
−i 2
=
= .
2
2
+y
x +y
x + iy
z
Na verdade, o domínio de integração do logaritmo é maior, como consequência do seguinte teorema:
Teorema 4.12. Seja f : A ⊂ C → C holomorfa, z0 ∈ A, e suponha-se que f 0 (z0 ) 6= 0. Então existem
abertos V ⊆ A e W ⊆ C tais que z0 ∈ V , f (z0 ) ∈ W , f |V : V → W é uma bijecção com inversa
holomorfa, e
(8)
(f −1 )0 (f (z)) =
1
f 0 (z)
Ideia da fórmula (8): Tem-se, por definição de inversa,
f −1 (f (z)) = z,
e portanto aplicando a regra da derivação composta,
(f −1 )0 (f (z))f 0 (z) = 1,
donde
(f −1 )0 (f (z)) =
1
.
f 0 (z)
Aplicação: Fixado um ramo do logaritmo com θ ∈ [y0 , y0 + 2π[, observe-se que esta função é a inversa da
exponencial
ez : A0 := {z = x + iy : y ∈]y0 , y0 + 2π[} → B0 = {z = reiθ : r > 0, θ 6= y0 }.
Como (ez )0 = ez 6= 0, então o teorema anterior implica que a sua inversa, log z, seja holomorfa em B0 ,
com derivada
1
1
(log z)0 = log z = .
e
z
[Questão: e na semi-recta {z = reiy0 : r > 0}, a função log z é diferenciável?]
Página 12 de 31.
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Análise complexa
5. I NTEGRAÇÃO DE FUNÇÕES COMPLEXAS
5.1. Integral complexo com variável real.
Definição 5.1. Seja g : [a, b] ⊂ R → C contínua. Define-se
Z
Z b
Z b
Re g(t) dt + i
g(t) dt :=
Im g(t) dt.
a
a
a
b
Rb
Rb
Rb
Rb
Por definição, portanto, Re a g(t) dt = a Re g(t) dt e Im a g(t) dt = a Im g(t) dt. Verifica-se
facilmente que o integral é linear em g, ou seja
Z b
Z b
Z b
Z b
Z b
λf (t) dt = λ
f (t) dt,
(f (t) + g(t)) dt =
f (t) dt +
g(t) dt
a
a
a
b
Z
Lema 5.2. Tem-se |
Z
g(t) dt| ≤
a
a
a
b
|g(t)| dt.
a
Rb
Rb
a
a
g(t) dt = reiθ e pretende-se ver que r ≤
Z b
Z b
e−iθ g(t) dt,
g(t) dt =
r = e−iθ
Demonstração. Em representação polar,
a
a
donde
|g(t)| dt. Ora,
7
b
Z
−iθ
r = Re r =
Re (e
a
Z
b
−iθ
|e
g(t)) dt ≤
Z
a
b
|g(t)| dt.
g(t)| dt =
a
5.2. Integral de caminho. Vamos primeiro definir a noção de caminho e de curva.
Definição 5.3. Uma função contínua γ : [a, b] → C diz-se um caminho, e a sua imagem γ([a, b]) diz-se
uma curva.
Será útil definir a noção de inversa de um caminho: dado γ : [a, b] → C um caminho, define-se o seu
inverso, −γ, por
(−γ)(t) = γ(a + b − t),
∀t ∈ [a, b].
Vamos então definir a noção de integral de linha (ou de caminho) de uma função complexa de variável
complexa.
Definição 5.4. Seja f : A ⊂ C → C contínua e γ : [a, b] → C um caminho de classe C 1 com imagem
contida em A. Define-se
Z
Z
Z b
f=
f (z) dz :=
f (γ(t))γ 0 (t) dt.
γ
γ
a
Exemplo 5.5. Calcule-se γ Re(z) dz com γ : [0, 1] → C dado por γ(t) = t(1 + i). Tem-se γ 0 (t) = 1 + i,
donde
Z
Z 1
Z 1
1+i
Re(z) dz =
Re(t(1 + i))(1 + i) dt =
t + ti dt =
.
2
γ
0
0
R
Analisemos de forma mais explícita a definição de integral: se f = u + iv e γ(t) = x(t) + iy(t) então
Z
Z b
f =
(u(γ(t)) + iv(γ(t))) (x0 (t) + iy 0 (t)) dt
γ
a
Z
=
b
(u(γ(t))x0 (t) − v(γ(t))y 0 (t)) dt + i
Z
a
b
(v(γ(t))x0 (t) + u(γ(t))y 0 (t)) dt.
a
Em notação abreviada mas sugestiva,
f (z) dz = (u + iv)(dx + idy) = (udx − vdy) + i(vdx + udy).
7Observe-se que Re(z), Im (z) ≤ |z| para todo o z ∈ C [porquê?]
Página 13 de 31.
Análise complexa
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Esta notação põe em evidência o facto de a definição anterior se referir simplesmente aos integrais de
caminho usuais dos dois campos vectoriais G, H : R2 → R2 ,
Z
Z
Z
f=
G + i H,
G = (u, −v), H = (v, u).
γ
γ
γ
Em particular, como é sabido, o integral é independente da parametrização do caminho. Além disso, a
definição de integral de caminho estende-se naturalmente a aplicações contínuas γ : [a, b] → C que sejam
seccionalmente de classe C 1 , decompondo o integral em subintervalos de [a, b] nos quais, por hipótese, γ
é de classe C 1 .
Observação 5.6. Esta noção de integral generaliza a noção de integral de uma função real de variável
real. De facto, se f : A ⊆ C → R é uma função contínua, e se existir um intervalo [a, b] tal que
[a, b] ∼ {x + i0 : x ∈ [a, b]} ⊆ A, então γ(t) = t, t ∈ [a, b] é um caminho que percorre a curva unindo
a + i0 a b + i0. Como γ 0 (t) = 1, vem
Z b
Z
Z b
f (t) dt.
f (t)1 dt =
f=
a
γ
a
Propriedades do Integral de linha: Dadas f, g : A ⊆ C → C contínuas, e γ, γ1 , γ2 caminhos em A,
tem-se
R
R
R
a): γ (c1 f + c2 g) = c1 γ f + c2 γ g
R
R
b): −γ f = − γ f
R
R
R
c): γ1 +γ2 f = γ1 f + γ2 f , onde γ1 + γ2 representa (em linguagem pouco rigorosa) o caminho
que resulta de percorrer primeiro γ1 e depois γ2 .
Z
Teorema 5.7 (Limitação do integral.). Tem-se | f | ≤ `(γ) max |f |, onde `(γ) é o comprimento de
γ([a,b])
γ
Z b
arco de γ, `(γ) :=
|γ 0 (t)| dt.
a
Demonstração. Usando o lema 5.2,
Z
Z b
Z
0
| f| ≤
|f (γ(t))| |γ (t)| dt ≤ max |f |
γ
γ([a,b])
a
b
|γ 0 (t)| dt.
a
Teorema 5.8. (Cálculo do integral por meio de uma primitiva) Suponha-se que f : A ⊆ C → C é a
derivada de uma função holomorfa F , isto é f = F 0 em A, e que o caminho γ une um ponto z1 a um ponto
z2 em A. Então
Z
f = F (z2 ) − F (z1 ).
γ
Em particular se f = F 0 e se o caminho for fechado (isto é, z2 = z1 ) então o integral de caminho é nulo.
Demonstração. Pela hipótese,
Z
Z b
Z
f=
f (γ(t))γ 0 (t) dt =
γ
a
a
b
F 0 (γ(t))γ 0 (t) dt =
Z
a
b
d
F (γ(t)) dt = F (γ(b)) − F (γ(a)).
dt
Exemplo 5.9. Designe Sr a circunferência de raio r > 0 centrada na origem, percorrida uma única vez no
1−n
sentido anti-horário. Para n ∈ Z, n 6= 1, tem-se z1n = ( z1−n )0 numa vizinhança de Sr (na verdade, em
C \ {0}), e o teorema anterior implica
Z
1
dz = 0,
∀n ∈ Z, n 6= 1
n
z
Sr
Página 14 de 31.
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Análise complexa
Exemplo 5.10. Analisemos o caso n = 1. Usando a parametrização θ → reiθ de Sr (0 ≤ θ < 2π), por
R 2π iθ
R
definição tem-se Sr z1 dz = 0 rie
dθ, donde
reiθ
Z
1
dz = 2πi.
z
Sr
[Porque é que esta conclusão não contradiz o facto de que
1
z
= (log z)0 ?]
Suponha-se agora que Sr é percorrida k vezes no sentido anti-horário, ou seja, que o caminho é
parametrizado por θ → reiθ , 0 ≤ θ < 2kπ; tal como acima, o integral de caminho vem dado por 2kπi. Se
Sr é percorrida k vezes no sentido horário, o integral dá −2kπi [porquê?]. Em conclusão, o número inteiro
Z
1
1
dz
(γ caminho fechado em Sr )
2πi γ z
dá o número de vezes que o caminho “gira em torno da origem”; este número será positivo sse o número de
voltas no sentido anti-horário for superior ao número de voltas dadas no sentido horário. Idêntica conclusão
R
1
1
dz.
vale para 2πi
|z−z0 |=r z−z0
Por fim, observe-se que
Z
1
dz = 0,
∀z0 6= 0, 0 < r < |z0 |.
Sr z − z0
1
= F 0 (z) com F (z) = log(z − z0 ), e, visto que r < |z0 |, é possível encontrar
Com efeito, neste caso z−z
0
um ramo do logaritmo de tal modo que F seja analítica numa vizinhança de Sr .
Definição 5.11. De um modo geral, se γ : [a, b] → C é uma qualquer curva fechada (de classe C 1 ) não
passando por z0 , define-se o índice (ou: número de giro) de γ relativamente a z0 como:
Z
1
1
I(γ, z0 ) :=
dz.
2πi γ z − z0
Esta quantidade é sempre um número inteiro (que traduz, intuitivamente, o “número de vezes que γ gira
em torno de z0 ”).
Rt
Para justificar que o índice é sempre um inteiro, tome-se θ(t) := a γ 0 (s)/(γ(s) − z0 ) ds. Tem-se θ0 (t) =
γ 0 (t)/(γ(t) − z0 ), donde e−θ(t) (γ(t) − z0 ) é constante no intervalo [a, b] (a derivada é identicamente nula).
Então e−θ(b) (γ(b) − z0 ) = e−θ(a) (γ(a) − z0 ); como γ(a) = γ(b) e θ(a) = 0, conclui-se e−θ(b) = 1,
donde θ(b) = 2kπi para algum k ∈ Z, como se pretendia.
5.3. Teorema de Cauchy. Introduzimos os dois conceitos seguintes.
Definição 5.12. Dois caminhos fechados γ0 , γ1 : [a, b] → A ⊂ C (A aberto) dizem-se homotópicos em
A se existir uma homotopia H unindo γ0 a γ1 sem sair de A; isto é, se existir uma aplicação contínua
H = H(s, t) : [0, 1] × [a, b] → A satisfazendo:
(i) H(0, ·) = γ0 ;
(ii) H(1, ·) = γ1 ;
(iii) H(s, ·) é um caminho fechado, ∀s ∈ [0, 1].
Um aberto A ⊂ C conexo diz-se simplesmente conexo 8 se qualquer caminho fechado γ0 : [a, b] → A é
homotópico em A a um caminho constante γ1 (t) ≡ z1 .
Teorema 5.13 (Invariância por homotopia). Seja f holomorfa num aberto A ⊂ C e γ0 , γ1 : [a, b] → A
caminhos fechados. Se os caminhos são homotópicos em A então
Z
Z
f=
f.
γ0
γ1
Demonstração. [Apenas uma ideia do argumento.] Comece-se por recordar o Teorema de Green para
campos vectoriais:
8“Sem buracos”, de forma não rigorosa.
Página 15 de 31.
Análise complexa
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Se γ é um caminho fechado simples, C é o seu interior, γ está orientada positivamente 9 e
(P (x, y), Q(x, y)) é um campo vectorial, então
Z
ZZ ∂Q
∂P
P (x, y)dx + Q(x, y) dy =
(x, y) −
(x, y) dx dy.
∂x
∂y
γ
C
e a parte de R2 entre γ0 e γ1 , e que estas curvas simples não se intersectam. Suponhamos para
Seja C
e γ0 não está orientada positivamente, mas γ1 está orientada positivamente.
fixar ideias que, em relação a C,
Percorra-se γ0 no sentido oposto ao dado e γ1 no sentido dado, passando de um para o outro por um terceiro
caminho γ2 (não fechado) que une o ponto final de γ0 ao ponto inicial de γ1 . O caminho γ = −γ0 + γ2 +
γ1 + (−γ2 ) que resulta desta composição de caminhos é fechado, e f é holomorfa na “parte interna” C
deste caminho. Pelo teorema de Green aplicado aos campos vectoriais G = (u, −v) e H = (v, u),
R
R
R
f = γ u dx − v dy + i γ v dx + u dy
γ
RR RR ∂v
∂v
− ∂u
dx dy + i C ∂u
dx dy = 0,
= C − ∂x
∂y
∂x − ∂y
pelas equações de Cauchy-Riemann. Então
Z
Z
f+
−γ0
donde
R
γ0
f=
R
γ1
Z
f+
γ2
Z
f+
f = 0,
−γ2
γ1
f.
Observação 5.14. 1. Este teorema “explica´´ a razão pela qual o integral Sr z1 dz é independente de r
(como se constatou acima). Com efeito, se 0 < r < r0 , a função 1/z é holomorfa no aberto A = {z :
R
R
r/2 < |z| < 2r0 } e as circunferências Sr e Sr0 são homotópicas em A, donde Sr z1 dz = S 0 z1 dz. Uma
r
possível homotopia entre Sr e Sr0 é H(s, θ) = ((1 − t)r + tr0 )eiθ .
2. Este teorema também explica a definição e interpretação intuitiva de índice de uma curva em geral.
[porquê?]
R
Corolário 5.15 (Teorema de Cauchy). Seja f uma função holomorfa num simplesmente conexo A e γ um
caminho fechado com imagem em A. Então
Z
f = 0.
γ
Demonstração. É suficiente observar que se γ(t) ≡ z1 então γ 0 (t) = 0 e
R
γ
f = 0.
Corolário 5.16 (Invariância do caminho). Seja f uma função holomorfa num simplesmente conexo A e
γ1 , γ2 dois caminhos em A, em que ambos partem de um mesmo ponto inicial z0 , e terminam num mesmo
ponto z1 . Então
Z
Z
f.
f=
γ1
γ2
Demonstração. Consideremos o caminho γ = γ1 + (−γ2 ), isto é, primeiro percorremos γ1 e de seguida
γ2 no sentido inverso. Obtemos desta forma um caminho fechado γ, e portanto
Z
Z
Z
Z
Z
0=
f=
f+
f=
f−
f.
γ
γ1
−γ2
γ1
γ2
Corolário 5.17 (Existência de primitivas). Seja f uma função holomorfa num simplesmente conexo A.
Então existe uma função holomorfa F (única, a menos de constante aditiva) tal que F 0 = f .
Rz
Demonstração. Fixe-se z0 ∈ A e defina-se explicitamente F por F (z) := z0 f , onde neste integral se
pode usar um qualquer caminho γ0 unindo z0 a z (pelo corolário anterior). O facto de se ter F 0 (z) = f (z)
resulta da observação de que, para w perto de z, podemos usar um segmento de recta para ir de z a w
9Isto é, deixa C do lado esquerdo.
Página 16 de 31.
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Análise complexa
Rz
Rw
Rz
(γ(t) = tw + (1 − t)z, t ∈ [0, 1]), e de que, novamente pelo teorema de Cauchy, z0 f + z f + w0 f = 0;
consequentemente,
Z w
Z w
F (w) − F (z)
1
1
f (ξ) dξ − f (z) =
(f (ξ) − f (z)) dξ.
− f (z) =
w−z
w−z z
w−z z
O segmento de recta tem comprimento de arco |w − z|. Então, dado δ > 0, pela continuidade de f no
ponto z e pela desigualdade da limitação do integral, tem-se, para |w − z| < ε suficientemente pequeno,
|
Ou seja, limw→z
F (w)−F (z)
w−z
F (w) − F (z)
1
− f (z)| ≤
δ |w − z| = δ.
w−z
|w − z|
= f (z).
Teorema 5.18 (Fórmula integral de Cauchy). Seja f uma função holomorfa num simplesmente conexo A,
γ um caminho fechado com imagem em A, e z0 um ponto de A que não está no caminho γ. Então
Z
Z
f (z)
1
dz = f (z0 )
dz.
z
−
z
z
−
z0
0
γ
γ
Demonstração. Seja g : A → C definida por g(z) = (f (z) − f (z0 ))/(z − z0 ) se z 6= z0 e g(z0 ) = f 0 (z0 ).
A função g é holomorfa excepto possivelmente no ponto z0 , no qual, no entanto, é contínua. Aplicando o
teorema de Cauchy (numa versão, portanto, mais geral do que a enunciada atrás) à função g,
Z
Z
Z
Z
Z
f (z)
f (z0 )
f (z)
1
0=
g(z) dz =
dz −
dz =
dz − f (z0 )
dz,
z
−
z
z
−
z
z
−
z
z
−
z0
0
0
0
γ
γ
γ
γ
γ
como se pretendia.
Exemplo 5.19. Na circunferência unitária centrada na origem (percorrida uma única vez, no sentido antiR
R
horário), γ ez /z dz = e0 γ 1/z dz = 2πi.
Observação 5.20. A fórmula anterior surge frequentemente escrita na forma (equivalente) seguinte, na
qual se destaca o número de giro I(γ, z0 ): nas condições do teorema anterior,
Z
f (z)
1
dz = I(γ, z0 ) f (z0 ).
2πi γ z − z0
Se, em particular, γ é uma circunferência de raio R > 0 centrada em z0 percorrida uma única vez no
sentido anti-horário, então
Z
1
f (z)
(9)
f (z0 ) =
dz.
2πi γ z − z0
A fórmula integral de Cauchy tem inúmeras consequências. Mencione-se aqui o seguinte resultado notável,
no qual se deriva a identidade de Cauchy “sob o sinal de integração”.
Teorema 5.21. [Fórmula integral de Cauchy para as derivadas.] Seja f uma função holomorfa num
aberto A. Então f admite derivadas de todas as ordens em A. Além disso, se γ é uma circunferência
de raio R centrada num ponto z0 (percorrida uma única vez, no sentido anti-horário), cujo círculo está
contido em A, então
Z
f (z)
k!
dz,
∀k ∈ N.
f (k) (z0 ) =
2πi γ (z − z0 )k+1
5.4. Teorema fundamental da álgebra. Vejamos algumas consequências fortíssimas (e, de certo modo,
surpreendentes) da Fórmula integral de Cauchy para as derivadas.
Teorema 5.22 (Liouville). Seja f holomorfa em C, e suponhamos que existe M > 0 tal que |f (z)| ≤ M
para todo o z ∈ C. Então f é constante!
Página 17 de 31.
Análise complexa
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Demonstração. Dado z0 ∈ C, seja γ uma circunferência centrada em z0 e raio R, percorrida uma única
vez no sentido antihorário. Então
Z
k!
f (z)
0
|f (z0 )| = dz 2
2πi γ (z − z0 )
Z
k!
|f (z)|
dz
≤
2π γ |z − z0 |2
k! M
k!M
l(γ) =
.
2π R2
R
Isto é válido para qualquer raio R, portanto fazendo R → ∞, temos |f 0 (z0 )| = 0 (∀z0 ∈ C).
≤
Teorema 5.23 (Teorema fundamental da álgebra). Sejam a0 , a1 , . . . , an−1 ∈ C. Então o polinómio p(z) =
a0 + a1 z + . . . + an−1 z n−1 + z n , n ∈ N, admite exactamente n raízes complexas em C.
Demonstração. Suponhamos que p não se anula em C. Então a função f (z) = 1/p(z) é holomorfa em C.
Vejamos que lim|z|→+∞ |p(z)| = +∞. De facto,
|p(z)| ≥ |z|n − |an−1 ||z|n−1 − . . . − |a1 ||z| − |a0 |
a0
|a1 |
|an−1 |
− . . . − n−1 − n → +∞.
= |z|n 1 −
|z|
|z|
|z|
Logo f (z) é limitada, donde é constante, e portanto p também é constante, o que é uma contradição. Em
conclusão, o polinómio p admite pelo menos um zero em C, digamos p(z0 ) = 0. Aplicando esta conclusão
ao novo polinómio (de grau n − 1) p(z)/(z − z0 ) e baixando sucessivamente o grau de p, obtém-se a
conclusão do teorema.
6. F UNÇÕES ANALÍTICAS .
Com o objectivo de apresentarmos o conceito de série de potências, apresentamos alguns conceitos
preliminares. Como se pode verificar, o formalismo é idêntico ao usado em R.
Definição 6.1. Uma sucessão (zn )n converge para z ∈ C se |zn − z| → 0 quando n → ∞. Nessa altura,
escrevemos
lim zn = z.
n
Um critério útil para verificar a convergência de uma série de números complexos é o seguinte:
Se zn = xn + iyn ∈ C e z = x + iy ∈ C, então
zn → z
xn → x e yn → y.
sse
Exemplo 6.2.
zn =
1 + in
1
n
=
+i
→ 0 + i = i.
n+1
n+1
n+1
Definição 6.3. Uma série de números complexos
∞
X
zn diz-se convergente para S, e escreve-se
n=0
S=
∞
X
zn ,
n=0
se a sucessão das somas parciais (
Pm
n=0 zn )m
converge para S. Se não convergir, a série diz-se divergente.
∞
X
Além disso, a série diz-se absolutamente convergente se a série de números positivos
|zn | convergir.
n=0
Definição 6.4. Seja z0 ∈ C. Designa-se por série de potências de (z − z0 ) uma série da forma
∞
X
an (z − z0 )n = a0 + a1 (z − z0 ) + . . . + an (z − z0 )n + . . . ,
n=0
onde z ∈ C é uma variável complexa, e an ∈ C são constantes (chamados os coeficientes da série).
Página 18 de 31.
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Análise complexa
P∞
Observe-se que uma série de potências é um caso muito particular de uma série de funções n=0 fn (z).
Para cada z ∈ C fixado, obtemos uma série numérica, que pode ser convergente ou divergente.
P∞
Exemplo 6.5. Considere-se a série de potências (com z0 = 0) n=0 z n . Tal como no caso real, tem-se
m
X
zn =
n=0
1 − z m+1
.
1−z
Então se |z| < 1, a série converge e
∞
X
zn =
n=0
1
,
1−z
e se |z| ≥ 1 a série diverge. [porquê?]
Em geral, dada uma série de potências, há um critério muito simples para determinar a zona de C onde esta
converge e diverge.
P∞
10
1
(ou r =
Teorema 6.6. Dada uma série de potências n=0 an (z − z0 )n , existe r := lim sup √
n
|an |
lim |an /an+1 |, desde que o limite exista) tal que
(i) a série de potências converge absolutamente para |z − z0 | < r, isto é z ∈ Br (z0 ).
(ii) a série diverge para |z − z0 | > r
Exemplo 6.7. Na série
∞
X
z n tem-se an = 1 ∀n, logo r = 1, o que coincide com o resultado já
n=0
demonstrado anteriormente.
P∞
n!(z − 1)n , o raio de convergência é
an n!
1
= lim
r = lim = lim
= 0.
an+1 (n + 1)!
n+1
Exemplo 6.8. No caso da série
n=0
Então a série converge apenas para z = 1 (com soma igual a 1), e diverge nos outros pontos.
Interessa-nos de seguida estudar a diferenciabilidade de uma série de potências, bem como a relação destes
conceitos com o que foi visto nos outros capítulos. Primeiro, uma definição.
Definição 6.9. f (z) diz-se uma função analítica em z0 se existe r > 0 tal que numa bola Br (z0 ), f (z) é
P∞
representada por uma série de potências, f (z) = n=0 an (z − z0 )n . Diz-se analítica num aberto A se for
analítica em z0 , para todo o z0 ∈ A.
P∞
n
Teorema 6.10 (Derivação de uma série de potências). Suponhamos que f (z) =
n=0 cn (z − z0 )
converge para z tal que |z − z0 | < r. Então f é diferenciável para |z − z0 | < r e, nesse conjunto,
0
f (z) =
∞
X
ncn (z − z0 )n−1 .
n=1
Observação 6.11. Raciocinando por indução, é simples ver que se f for analítica em z0 então admite
derivada de qualquer ordem, e
f (k) (z) =
∞
X
n=k
Corolário 6.12. Se f (z) =
positivo, então
n!
cn (z − z0 )n−k ,
(n − k)!
P∞
n=0 cn (z
cn =
∀k ∈ N, |z − z0 | < r.
− z0 )n é tal que o seu raio de convergência r é (estritamente)
f (n) (z0 )
n!
para todo o n.
(n)
P∞
Ou seja, por outras palavras, se f (z) é analítica, então f (z) = n=0 f n!(z0 ) (z − z0 )n .
P∞
n!
Demonstração. Observe-se que, como f (k) (z) = n=k (n−k)!
cn (z−z0 )n−k , então f (k) (z0 ) = k!ck . 10Este número é designado por raio de convergência.
Página 19 de 31.
Análise complexa
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Vimos então que toda a função analítica é holomorfa. O facto espantoso é que estas noções, em C, são
equivalentes!
Teorema 6.13 (Teorema de Taylor). Seja f uma função holomorfa em A. Seja z0 ∈ A e Br (z0 ) a maior
bola contida em A (0 < r ≤ ∞). Então
!
Z
∞
∞
X
f (n) (z0 )
1 X
f (z)
n
f (z) =
(z − z0 ) =
(z − z0 )n ,
∀z ∈ Br (z0 ),
n+1
n!
2πi
(z
−
z
)
0
|z−z
|=ρ
0
n=0
n=0
onde 0 < ρ < r e a circunferência |z − z0 | = ρ é percorrida uma única vez no sentido anti-horário. Em
particular f é holomorfa em A se e só se é analítica em A.
Observação 6.14. Em R, uma função pode ser de classe C ∞ e não ser analítica: um exemplo famoso é o
da função
(
e−1/x , x > 0
f (x) =
0,
x≤0
Como f (n) (0) = 0 para todo o n ∈ N0 , não poderemos ter
f (x) =
∞
X
f (n) (0) n
x
n!
n=0
numa vizinhança de 0. [porquê?]
Exemplo 6.15. 1. Já se viu que
∞
X
1
=
zn
1 − z n=0
para |z| < 1.
1
Isto é coerente com o facto de 1−z
ser holomorfa em C \ {1}, e de B1 (0) ser a maior bola centrada na
origem onde a função é holomorfa.
2. A função ez é holomorfa em C, logo será representada por uma série de potências em todo o C. Como
f (n) (z0 ) = ez0 para todo o n, então dado z0 ∈ C, tem-se
ez =
∞
X
ez0
(z − z0 )n .
n!
n=0
3. A partir das fórmulas
sin z =
eiz − e−iz
,
2i
cos z =
eiz + e−iz
,
2
pode deduzir-se que
sin z =
∞
X
(−1)n 2n+1
z
,
(2n + 1)!
n=0
cos z =
∞
X
(−1)n 2n
z .
(2n)!
n=0
7. O TEOREMA DOS RESÍDUOS
Definição 7.1. Seja f holomorfa em {z ∈ C : 0 < |z − a| ≤ }. Definimos resíduo de f em a como sendo
o número complexo
Z
1
Res (f, a) =
f (z) dz,
2iπ γ
onde γ é uma circunferência em torno de a percorrida uma vez no sentido directo e com raio menor que .
Note-se que se f holomorfa em Ω, então Res (f, a) = 0 para qualquer a.
O teorema de Cauchy garante que, dada f holomorfa em Ω à excepção dos pontos z1 , ..., zk e dada γ uma
curva simples fechada positivamente orientada contendo no seu interior z1 , ..., zk , então
Z
k
X
X
1
f (z) dz =
Res (f, zi ) =
Res (f, z).
(10)
2iπ γ
i=1
z∈Ω
O que acabámos de enunciar é conhecido por Teorema dos Resíduos.
Página 20 de 31.
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Análise complexa
Figura 7.2. Teorema dos resíduos.
Esboço da demonstração. Suponhamos que temos f holomorfa em Ω \ {z1 , z2 }. Então, se considerarmos
R
uma pequena circunferência c que não contenha nenhum dos pontos zi , c f dz = 0 (Figura 7.3). Mas,
agora, podemos deformar c conforme sugerido nas Figuras 7.4 a 7.6. Passando ao limite (Figura 7.7),
vemos que os segmentos de recta l1 e l2 coincidem, mas são percorridos em sentidos opostos, pelo que o
integral de f nestes segmentos se anula. Da mesma forma para os segmentos l3 e l4 . Em particular,
Z
Z
Z
Z
Z
Z
Z
Z
Z
0 = f dz =
f dz +
f dz +
f dz ⇒
f dz = −
f dz −
f dz =
f dz +
f dz
c
γ
γ̃1
γ̃2
γ
γ̃1
γ̃2
Figura 7.3.
Figura 7.4.
Figura 7.5.
Figura 7.6.
Figura 7.7.
Figura 7.8.
γ1
γ2
Exemplo 7.9. Suponhamos que queremos determinar
Z
z
dz,
(z
−
1)(z
− 2)2
γ
onde γ é a circunferência de centro na origem e raio 3. Então, se considerarmos γ uma pequena
circunferência centrada em 1 e γ2 uma pequena circunferência centrada em 2,
R
R
R
1
1
1
f (z) dz
2iπ γ f (z) dz = Res(f, 1) + Res(f, 2) = 2iπ γ1 f (z) dz + 2iπ γ2 0
z
z
R
R
2
(z−2)
1
1
1
z
z−1
= 2iπ
dz
+
dz
=
+
|z=2 = 1 + (−1) = 0,
2
2
2iπ γ2 (z−2)
(1−2)
z−1
γ1 z−1
onde utilizámos o Teorema 5.21 para o cálculo de cada uma parcelas acima.
7.1. Aplicação: Integrais impróprios em R. Comecemos por verificar como podemos utilizar o teorema
dos resíduos para calcular integrais impróprios em R. Começamos por analisar o seguinte exemplo clássico.
Página 21 de 31.
Análise complexa
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Exemplo 7.10. Suponhamos que queremos calcular o integral impróprio real
Z +∞
Z R
1
1
dx
=
lim
dx
2
R→∞ −R 1 + x2
−∞ 1 + x
Em vez de isso, comecemos por calcular o integral
Z
1
dz,
1 + z2
γ
onde γ é a curva da Figura 7.11.
Figura 7.11. Integral impróprio.
Como estamos interessados no limite quando R → ∞, podemos desde já assumir que R > 1. Como no
1
interior da região definida por γ a nossa função f (z) = 1+z
2 é holomorfa à excepção do ponto i, sai que
Z
1
1
dz = 2πiRes(f, i) = 2πi = π.
2
1
+
z
2i
γ
Por outro lado, γ pode ser decomposta em γ1 e γ2 , sendo que o integral sobre γ1 é precisamente o integral
real entre −R e R cujo limite procuramos. Mas, sobre, γ2 ,
1
1
≤
|f (z)| ≤ 2
2iθ
2
1+R e
R −1
e, como tal,
Z
γ2
f (z) dz ≤ max |f (z)|.comprimento de (γ2 ) ≤
z∈γ
πR
→0
−1
r2
Logo,
Z
lim
R→∞
f (z) dz = π
γ1
e conseguimos desta forma determinar o nosso integral inicial.
Mais geralmente, podemos escrever que
Proposição 7.12. Seja f (x) =
anula em R. Então,
P (x)
Q(x)
uma função racional tal que deg Q ≥ deg P + 2 e Q(x) nunca se
Z +∞
1
f (x) dx
2iπ −∞
é igual à soma dos resíduos de f (z) no semiplano superior {z = x + iy ∈ C : y > 0}.
7.2. Aplicação: a transformada inversa de Laplace. Recorde que, para uma função real
“suficientemente bem comportada”,
Z +∞
F (s) = L(f )(s) =
e−st f (t) dt
0
O nosso objectivo é ver como podemos recuperar a função original f (t) conhecendo a sua transformada
de Laplace F (s). Comecemos por notar que podemos considerar s uma variável complexa, continuando o
integral acima a ter sentido, mas dando-nos agora uma função F (s) com s em C. Suponhamos então que
Página 22 de 31.
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Análise complexa
esta função de variável complexa F é holomorfa à direita de uma recta vertical x = a. Então, pela equação
(9), sabemos que podemos escrever
F (s) =
1
2πi
Z
γ
F (z)
dz,
z−s
onde γ é a curva da Figura 7.13.
Figura 7.13. Curva γ.
Como F é analítica em γ2 , sabemos que é limitada em γ2 , por uma constante que depende de b, M (b).
Além disso, como F é a transformada de Laplace de f , M (b) → 0 quando b → ∞ (verifique). Logo,
Z
1
2πi
γ2
F (z) 1
F (z) .comprimento de (γ2 ) ≤ 1 M.|s − b|2π
dz ≤
max z−s
2π z∈γ2 z − s 2π min |z − s|
z∈γ2
Mas
|z − s| = |z − a − (s − a| ≥ |z − a| − |s − a| ≥ b − |z − a|,
pelo que
1 M.|s − b|2π
M |s − b|
≤
→ 0,
2π min |z − s|
b − |z − a|
quando b → +∞.
z∈γ2
Logo,
Z
a−i∞
F (s) =
a+i∞
F (z)
dz =
z−s
Z
a+i∞
a−i∞
F (z)
dz.
s−z
Em particular,
L−1 (F (s))(t)
=
=
R
1
−1 a+i∞ F (z)
dz
2πi L
a−i∞ s−z
R a+i∞
1
zt
2πi a−i∞ F (z)e dz.
1
2πi
=
R a+i∞
a−i∞
1
F (z)L−1 s−z
dz
R a+i∞
1
Mas, agora, para calcularmos 2πi
F (z)ezt dz, vamos mais uma vez recorrer ao teorema dos
a−i∞
resíduos, de acordo com a Figura 7.14. Se assumirmos que |F (z)| ≤ RMk para algum k > 0, então
R
F (z)etz dz → 0 quando R → ∞ e, em particular, sai que
γ2
L−1 (F (s))(t)
=
(11)
=
1
2πi
X
Z
a+i∞
F (z)etz dz =
a−i∞
1
2πi
Z
Res (F (z)etz ).
z∈C
Página 23 de 31.
γ1
F (z)etz dz =
1
lim
2πi
Z
γ
F (z)etz dz
Análise complexa
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Figura 7.14. Curva γ.
Página 24 de 31.
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Análise complexa
Complementos de Análise
FCUL, Mestrado em Matemática Aplicada à Economia e Gestão, 2014/2015
Exercícios Análise Complexa
1. Escreva na forma polar os seguintes números complexos:
√
(a) 2 + i2 3;
(b) 2+i4
3−i ;
5
(c) i + i20 ;
(d) (1 + i)4 ;
2
(e) cos 12 + i sin 12 .
2. Determine o conjugado de
5(2+i3)3
2+i .
3. Seja p(z) = a0 +a1 z+. . .+an−1 z n−1 +an z n um polinómio com coeficientes reais, isto é, a0 , . . . , an ∈
R. Mostre que se z ∈ C é uma raíz do polinómio (p(z) = 0), então o seu conjugado z̄ também o é.
4. Verdadeiro ou falso?
(a) “Re(zw) = Re z Re w, ∀z, w ∈ C”.
(b) “zw = 0 ⇒ z = 0 ou w = 0”.
5. Descreva o conjunto Im (z + 5) = 0.
6. A aplicação z → z 3 transforma o segundo quadrante em que conjunto?
√
7. Considerando o ramo principal do logaritmo, a aplicação z → z transforma o conjunto {z ∈ Z :
Re(z) > 0} em que conjunto?
8. A aplicação z → 1/z transforma o complementar do círculo unitário em que conjunto? E uma recta
arg z = α (α fixo)?
9. Mostre que se |z| = 1 ou |w| = 1 então |z − w| = |1 − z̄w|.
10. Resolva:
(a) z 4 + i = 0;
(b) z 3 = i;
(c) z 2 = 1 − i;
(d) z 2 = 3 − 4i.
11. Calcule os zeros das funções sin z e cos z.
12. Verdadeiro ou falso?: “| sin z| ≤ 1,
∀z ∈ C”.
13. Calcular todos os valores de log(1 + i).
14. Calcule, usando quando necessário o ramo principal do logaritmo:
(a) log(2i);
(b) 4i ;
(c) (1 + i)i ;
(d) cos i.
√
√
15. Designando por z → z o ramo particular da raíz quadrada dado por reiθ = r1/2 eiθ/2 , 0 ≤ θ < 2π,
√
para quais z ∈ C se tem z 2 = z ?
16. Verdadeiro ou falso?:
(a) |ab | = |a||b| , ∀a, b ∈ C \ {0};
(b) |ab | = |a|b , ∀a ∈ C \ {0}, b ∈ R;
√
√
√
(c) −3 · −2 = 6.
Página 25 de 31.
Análise complexa
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
17. A aplicação f (z) = |z|2 é holomorfa em C ? Tem derivada em algum ponto?
18. Determine as regiões onde as seguintes funções são diferenciáveis.
f (z) = f (x + iy) = ey (cos x + i sin x),
g(z) = g(x + iy) = x2 y + ixy 2 .
19. Diga se existe a ∈ R tal que a função
f (x + iy) = ax2 + 2xy + i(x2 − y 2 − 2xy)
é holomorfa em C.
20. Determine regiões de holomorfia, bem como a derivada, das funções (use quando necessário o
argumento mínimo do logaritmo):
2
a)
2z
;
z
b) z 2z
c) sin
√
z;
d)
p
z 3 − 1.
21. Determine todas as constantes a, b ∈ R tais que a função
f (x + iy) = ax2 + 2xy + by 2 + i(y 2 − x2 ).
é holomorfa em C.
22. Mostre que, se f = u + iv é holomorfa e u, v ∈ C 2 , então
∂2u ∂2u
+ 2 = 0,
∂x2
∂y
∂2v
∂2v
+
= 0.
∂x2
∂y 2
(nota: tais funções dizem-se harmónicas)
R
R
23. Verdadeiro ou falso?: “Re γ f dz = γ Ref dz”.
24. Calcular os seguintes integrais de caminho:
R
(a) γ y dz, onde γ é a união dos segmentos de recta unindo 0 a i e depois i a i + 2.
R
(b) γ y dz, onde γ é o segmento de recta unindo 0 a i + 2.
R
(c) γ sin(2z) dz, onde γ é o segmento de recta unindo i + 1 a −i.
R
2
(d) γ zez dz, onde γ é a circunferência unitária centrada em 0.
R 2
(e) γ z dz, onde γ é o arco que une z0 = −1 + i a z1 = 1 + i ao longo da curva de equação y = x2 .
25. Z
Mostre que (γ designa a circunferência unitária):
sin z (a) dz ≤ 2πe
2
Zγ z
dz (b) ≤ 2π.
2 + z2 γ
26. Calcule os seguintes integrais (por defeito, o sentido é o anti-horário e as circunferências unitárias
estão centradas na origem):
R
(a) γ (z 3 + 3) dz; γ é a semi-circunferência unitária superior;
R
(b) γ (z 3 + 3) dz; γ é a circunferência unitária;
R
(c) γ e1/z dz; γ é a circunferência de raio 3 centrada em 5i + 2;
R
(d) γ 1/z 2 dz; γ é a circunferência unitária;
R
(e) γ (z − z1 ) dz; γ é um segmento de recta unindo 1 a i;
R √
(f) γ z dz; γ é a semi-circunferência unitária superior;
R √
(g) γ z 2 − 1 dz; γ é a circunferência de raio 1/2 centrada em 0;
R z
(h) γ ez dz; γ(t) = 2 + eit , 0 ≤ t ≤ 2π;
R
2
1
(i) γ ( z−2
+ z−4
) dz; γ é a circunferência de raio 3 centrada em 0;
R
1
(j) γ z2 −1 dz; γ é a circunferência de raio 1 centrada em 1;
R z2
dz; γ é a circunferência de raio 2 centrada em 0;
(k) γ z−1
R
1
(l) γ z2 (z2 +16) dz; γ é a circunferência de raio 2 centrada em 0;
Página 26 de 31.
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Análise complexa
R z
(m) γ ze4 dz; γ é a circunferência unitária;
R 2
(n) γ zz2 −1
+1 dz; γ é a circunferência de raio 2 centrada em 0.
27. Designando por γ1 a circunferência de raio 1 e por γ2 a circunferência de raio 2 (centradas na origem
e percorridas no sentido anti-horário), justifique que
Z
Z
dz
dz
=
.
3
2
3
2
γ1 z (z + 10)
γ2 z (z + 10)
28. Dados complexos a 6= b, para que elipses γ (percorridas uma única vez, no sentido anti-horário) se
R
dz
tem γ (z−a)(z−b)
=0?
29. Determine o raio de convergência das seguintes séries de potências.
n
P∞ n
P∞
P∞
(a) n=1 zn3
(b) n=0 (z−i)
(c) n=1 nn!n z n
2n
P∞ n
1
=
30. Recordando que 1−z
n=0 z para |z| < 1, indique o desenvolvimento em série (e onde esta
converge) das funções
1
1
e
(1 − z)2
(1 − z)3
31. Calcule o desenvolvimento em série das funções sin z e cos z em torno do ponto 0, indicando o
respectivo domínio de convergência.
32. Indique o desenvolvimento em série de potências (em torno de 0) das seguintes funções:
1
(a) 1+z
;
1
(b) 1−z
2;
2
(c) z4z+4 ;
1
(d) (2−z)
3;
3 2z
(e) z e .
P∞
33. Considere a série de potências n=0 an (z − z0 )n , z0 ∈ C, com raio de convergência r > 0. Mostre
que as séries
P∞ √
P∞
an
n
(b) n=0 nan (z − z0 )n
(a) n=0 (n+2)
2 (z − z0 )
apresentam o mesmo raio de convergência.
34. Desenvolva em série de Taylor, em torno do ponto z0 = 1, as funções
(a) ez ,
(b) z1 .
35. Seja γ a circunferência unitária centrada na origem.
R
R
(a) (Re)Demonstre que γ z n dz = 0 para qualquer z 6= −1 e que, no caso em que n = −1, γ z n dz = 2πi
P+∞
(b) Mostre que, se f (z) = n=−∞ an z n , então Res (f, 0) = a−1 .
36. Utilizando o teorema dos resíduos, calcule
R 2
(a) γ zz2 −1
+1 dz, onde γ é a circunferência de raio 2 centrada em 0 (compare com a alínea (n) do Problema
33)
R
sin z
(b) γ z2 −3z+2
dz, onde γ é a circunferência de raio 4 centrada na origem.
37. Utilizando a Proposição 7.12, calcule
R +∞
(a) −∞ xx+2
dx;
4
R +∞ +1
1
(b) −∞ (x2 +4)2 dx;
38. Utilizando (11), determine L−1 F (s) (t), onde
1
(a) F (s) = s−a
;
1
(b) F (s) = s2 +1 ;
(c) F (s) = ss+2
2 +4 .
s+2
(d) F (s) = s2 −1 .
Página 27 de 31.
Análise complexa
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
39. Resolva, utilizando transformadas de Laplace, o problema de valores iniciais
y 0 − 2y = sin t, y(0) = 1.
Página 28 de 31.
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Análise complexa
Soluções dos exercícios sobre Análise Complexa
π
1. (a) 4ei 3 (b)
√
2ei arctan 7 (c)
√
π
2ei 4 (d) 4eiπ (e) ei .
2. z̄ = −83 − 64i
4. (a) Falso (b) Verdadeiro
5. É a recta {z = x + iy ∈ C : y = 0}.
6. Transforma o segundo quadrante nos quadrantes I, II e IV.
7. No conjunto z = reiθ : θ ∈] − π4 , π4 [ .
8. Transforma o complementar do círculo unitário no círculo unitário sem a origem. Além disso, transforma
uma semi-recta arg z = α numa semi-recta com arg z = −θ.
√
√ 7π
3π
7π
11π
15π
π
10. (a) ei 8 , ei 8 , ei 8 , ei 8 i; (b) (feito nos apontamentos teóricos) (c) 4 2e− 8 i , 4 2e 8 i , (d) 2 − i,
−2 + i
11. Os zeros do sin z são {kπ : k ∈ Z}; os zeros do cos z são { π2 + kπ : k ∈ Z}.
12. Falso.
1
2
13. log(1 + i) =
log 2 + i
π
14. (a) log 2 + i π2 (b) e− 4 +i
π
4
+ 2kπ , k ∈ Z.
log 2
2
, (c)
1
2e
+
e
2
15. Para os z ∈ {reiθ : r > 0, θ ∈ [0, π[}.
16. (a) Falso (b) Verdadeiro (c) Falso (para qualquer ramo do logaritmo)
17. Apenas é diferenciável na origem, e f 0 (0) = 0.
18. f não é diferenciável em nenhum ponto. g é diferenciável em 0, e g 0 (0) = 0.
19. Não existe a ∈ R nas condições pretendidas.
2
20. (a) Holomorfa em C \ {0}, com derivada 2 log 2 2z −
derivada (2 log z + 2)z
iθ
conjunto {z = re
2z
2
ez
z2
(b) C \ {z ∈ C : x ≥ 0, y = 0}, com
(c) C \ {z ∈ C : x ≥ 0, y = 0}, com derivada
: r ≥ 1, θ = 0,
2π 4π
3 , 3 },
com derivada
√
cos( z)
√
2 z
(d) No complementar do
2
√3z
.
2 z 3 −1
21. a = b = 0, e nesse caso f 0 (z) = 2y − 2xi.
23. Falso.
24. (a) 2 + 2i ; (b) 21 (i + 2) (c)
cos(2+2i)−cos(2i)
2
(d)0 (e) 23 .
26. (a) −6 (b) 0 (c) 0 (d) 0 (e) −1 − π2 (f) A pergunta está (propositadamente) mal formulada, porque
depende do ramo escolhido! Nos ramos em que o conjunto de diferenciabilidade da função integranda
contém γ, o resultado pode ser 23 (−1 − i) ou − 23 (−1 − i) (mais uma vez, consoante o ramo escolhido).
(g) 0 (h) 0 (i) 4πi (j) πi (k) 2πi (l) 0 (m) πi/3 (n) 0.
28. Para as elipses que não incluam no interior os pontos a e b ou que incluam ambos os pontos.
29. (a) 1 (b) 2 (c) e
P∞
P∞
30. n=1 nz n−1 para |z| < 1; e n=2 n(n−1)
z n−2 para |z| < 1.
2
n
P∞
P∞
z 2k+1
2n
31. sin z = k=0 (−1)k (2k+1)!
e cos z = n=0 (−1)
(2n)! z .
Página 29 de 31.
Análise complexa
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
√
n
P∞
P∞
P∞
4n+2
para |z| < 2 (d)
32. (a) n=0 (−1)n z n para |z| < 1; (b) n=0 z 2n para |z| < 1 (c) n=1 (−1)
4n+1 z
P∞ n(n−1) n−2
P∞ n
para |z| < 2 e) n=0 2n! z n+3 em C.
n=2 2n+2 z
P∞
P∞ e
(z − 1)n em C. (b) z1 = n=0 (−1)n (z − 1)n para |z − 1| < 1.
34. (a) ez = n=0 n!
37. Utilizando a Proposição 7.12, calculemos
R +∞
(a) −∞ xx+2
4 +1 dx;
i(π/4+kπ/2)
A função f (z) = zz+2
}k=0,...,3 . Sejam z0 , ..., z3 as singularidades de
4 +1 é holomorfa em C \ {e
f , das quais apenas z0 e z1 estão no semiplano superior de C. Pela Proposição 7.12, temos que
Z +∞
f (x) dx = 2πi(Res(f, z0 ) + Res(f, z1 )).
−∞
Agora,
f (z) =
z+2
z+2
=
z4 + 1
(z − z0 )(z − z1 )(z − z2 )(z − z3 )
e, como tal,
Res(f, z0 )
Res(f, z1 )
Logo,
Z
+∞
f (x) dx = 2πi
−∞
=
1
2iπ
R
=
1
2iπ
R
γ0
z+2
(z−z1 )(z−z2 )(z−z3 )
z−z0
dz =
z0 +2
(z0 −z1 )(z0 −z2 )(z0 −z3 ) ,
z−z1
dz =
z1 +2
(z1 −z0 )(z1 −z2 )(z1 −z3 ) ,
z+2
(z−z0 )(z−z2 )(z−z3 )
γ1
z0 + 2
z1 + 2
+
(z0 − z1 )(z0 − z2 )(z0 − z3 ) (z1 − z0 )(z1 − z2 )(z1 − z3 )
38.
(a) L−1 (F (s))(t) = eat ;
(b) L−1 (F (s))(t) = sin(t);
(c) L−1 (F (s))(t) = cos(2t) + 2 sin(2t).
(d) L−1 (F (s))(t) = −1/2e−t + 3/2et .
39. y(t) = −1/5 cos t − 2/5 sin t + 6/5e2t .
Página 30 de 31.
√
= π 2.
COMPLEMENTOS DE ANÁLISE
Análise complexa
R EFERÊNCIAS
[1]
[2]
[3]
[4]
[5]
[6]
[7]
L. Barreira, Análise complexa e equações diferenciais, IST press, 2009.
J. Bak e D. J. Newman, Complex Analysis, Springer, 1997, 2a edição.
J. P. Boavida, Episódios de Equações diferenciais, IST, 2014.
M. A. Carreira e M. S. Nápoles, Variável Complexa, Teoria Elementar e Exercícios Resolvidos, McGraw Hill, 1997.
T. Needham, Visual and complex analysis, Oxford University Press, 1997.
M. Ramos, Elementos de análise complexa, Texto de apoio às aulas de Cálculo Diferencial e Integral III (2005).
H. Tavares, Notas para a disciplina de Complementos de Análise, do mestrado em matemática aplicada à economia e gestão,
FCUL, 2012.
Página 31 de 31.
Download