Metabolismos da frutose e da galactose e sua relação com a intolerância hereditária à frutose e a galactosemia clássica Glicogénio As enzimas que catalisam a conversão da frutose em frutose-1-P (cínase da frutose), a cisão desta em dihidroxiacetona-P e gliceraldeído (aldólase B) e a fosforilação deste em gliceraldeído3-P (cínase do gliceraldeído) só existem no fígado, rim e enterócitos. UDP-Glicose Pi ATP H2O ADP Frutose-6-P Frutose ATP Pi ATP ADP H2O ADP Frutose-1,6-bisfosfato Frutose-1-P Gliceraldeído-3-P Dihidroxiacetona-P Gliceraldeído ADP ATP Frutose-1-P ≈ 0 ATP ≈ 2,5 mM ADP ≈ 0,1 mM Pi ≈ 1 mM Mg2+ livre ≈ 0,7 mM Frutose-1-P ≈ 3 mM ATP ≈ 1,5 mM ADP ≈ 0,1 mM Pi ≈ 0,5 mM Mg2+ livre ≈ 0,9 mM hepatócito hepatócito Frutose ≈ 0 Pi ≈ 1 mM Pi ≈ 0,8 mM Mg2+ livre ≈ 0,7 mM plasma Situação Basal Mg2+ livre ≈ 0,9 mM plasma Após injeção intravenosa de frutose lactato Sequência de eventos quando a velocidade de entrada de frutose no meio interno e a sua fosforilação no fígado, rim e intestino excede a velocidade da cisão aldolítica catalisada pela aldólase B. Frutose ATP ADP ↓ ↑ Frutose-1-P ↑ Dihidroxiacetona-P Gliceraldeído 1- O ATP está maioritariamente na forma MgATP2-; se o ATP baixa o Mg2+ fica na forma livre e sai para o plasma 2- O ADP estimula a fosforilação oxidativa gastando o Pi que baixa quer dentro da célula quer no plasma (porque entra do plasma para a célula) 3- A cínase do adenilato converte parte do ADP formado em AMP (2 ADP ↔ AMP + ATP) ATP Frutose ≥ 1 mM piruvato Acetil-CoA [email protected] A absorção intestinal de frutose é relativamente lenta e não estão descritos sintomas de intoxicação aguda em indivíduos normais quando a frutose é administrada por via oral. Contudo, porque a atividade da cínase da frutose é, normalmente, muito maior que a da aldolase B a injeção intravenosa de frutose pode provocar sintomas agudos: dor abdominal, vómitos e hipoglicemia. Glicose-1-P Glicose-6-P Glicose 4- A descida do Pi intracelular “desinibe” a desamínase do AMP (o primeiro passo para a degradação dos nucleotídeos de adenina) e, consequentemente, leva à formação de urato (que sobe no plasma). ADP AMP H2O Pi - NH3 IMP urato Nos episódios agudos também pode haver hipoglicemia provocada pela ação inibidora da Frutose-1-P na fosforílase do glicogénio e na própria aldólase. A intolerância hereditária à frutose (HFI) é uma doença autossómica recessiva causada por mutações no gene da aldólase B. A injeção intravenosa de frutose provoca efeitos semelhantes nos doentes com deficit de aldolase B (HFI) e nos indivíduos normais, mas o efeito é muitíssimo mais prolongado (10-20 min versus 7 horas) no caso dos doentes com HFI. Glicogénio Frutose ATP Glicose-1-P ADP Glicose-6-P Glicose Frutose-1-P Frutose-1-P Dihidroxiacetona-P Gliceraldeído Resultados de Ressonância Magnética Nuclear do Fígado em indivíduos normais e em doentes com Intolerância Hereditária à Frutose administrando frutose i.v. na dose de 0,2 g/kg em 2,5 min. Boesiger et al. (1994) Ped Res 36: 436 Apresentação aguda na intolerância hereditária à frutose: Quando o doente com ingere frutose tem sintomas de intoxicação aguda (vómitos, dor abdominal e hipoglicemia). As crises surgem tipicamente quando um bebé (com aldólase B mutada) deixa de se alimentar exclusivamente de leite e passa a ingerir fruta e açúcar. Evolução para cronicidade: Se a frutose não é retirada da dieta pode haver lesão hepática (incluindo cirrose) e tubular renal e, eventualmente, morte. Doente assintomático: Nalguns casos a doença é detetada num indivíduo adulto normal sem caries dentárias que tem, desde que se conhece, aversão a doces. F-1,6-BP DHA-P Gliceraldeído-3-P Episódios repetidos de crise aguda provocados pela ingestão de frutose pelos doentes com deficit de aldólase B levam a lesão hepática e tubular renal. Normais HFI Steinman & Gitzelman (1981) 36: 297 A galactose é, a par com a glicose, o primeiro açúcar que ingerimos (a lactose é o açúcar do leite e do colostro), mas a galactose é sintetizada endogenamente a partir da glicose. UDP-Glicose PPi UDP-Galactose UTP A UDP-galactose e a UDP- N-acetilgalactosamina são dadores de galactose ou de N-acetil-galactosamina na síntese de glicoproteínas, proteoglicanos, glicolipídeos e… lactose na mama da mulher que amamenta. UDP-N-acetil-Glicosamina Glicose-1-P ATP Glicose UDP-N-acetil-galactosamina ADP PPi Glicose-6-P UTP Diagnóstico: análise do gene da aldólase B por técnicas que visam identificar a ou as mutações. A doença é autossómica recessiva. Prognóstico: Se se evitar a ingestão de frutose o prognóstico é excelente. Aparentemente, a aldolase A (isoenzima da aldólase B) é suficiente para manter as atividades aldolíticas pertinentes da glicólise e da gliconeogénese. Por isso, os indivíduos com HFI suportam de forma normal o jejum prolongado. N-acetil-Glicosamina-1-P glutamina Acetil-CoA glutamato Frutose-6-P Glicosamina-6-P CoA N-acetil-Glicosamina-6-P A galactose e a N-acetil-galactosamina são, a par com a glicose e outras oses (como a manose, por exemplo) um importante constituinte de glicolipídeos, glicoproteínas e proteoglicanos. No processo de síntese de glicolipídeos, glicoproteínas e proteoglicanos que contêm resíduos de galactose intervêm galactosil-transférases em que o dador de galactose é (em última análise) a UDP-galactose. Galactocerebrosídeo Globosídeo Porção glicídica (glicosaminoglicano) de um proteoglicano Após o nascimento do bebé produz-se na mama da mãe uma proteína (lactalbumina) que se liga à galactosil-transférase e que lhe modifica a especificidade: o substrato aceitador passa a ser a glicose e começa a formar-se lactose. Glicoproteína A síntese de UDP-galactose (e de UDP-N-acetil-galactosamina) a partir de glicose, a contínua síntese de glicoproteínas, proteoglicanos e glicolipídeos assim como a contínua hidrólise destas substâncias nos lisossomas explica a formação endógena de galactose livre (cerca de 1 a 2 g/dia). Qual o destino metabólico normal da galactose (1) produzida endogenamente ou (2) da que se forma no lume intestinal a partir da hidrólise da lactose? As enzimas que permitem a conversão da galactose em glicose-1-P Glicogénio ATP Cínase da galactose ADP UDP-Glicose e, (por essa via, em PPi 4-Epimérase glicogénio ou a sua oxidação) existem em UTP Uridil transférase da galactose-1-P lisossomas H2O Glicose-1-P Glicose Glicose-6-P Pi Outros constituintes das glicoproteínas, proteoglicanos e glicolipídeos 1,5 g de galactose é a quantidade de galactose que existe em 60 mL de leite de vaca ou em 40 mL de leite humano. H2O lactato Pi todos os tecidos mas são mais ativas no fígado. Nos tecidos onde existe glicose-6-Pase a galactose pode converter-se em glicose e aumentar a glicemia. CO2 A equação soma que descreve as ações da cínase da galactose, da uridiltransférase da galactose-1-P e da 4-epimérase: Galactose + ATP → Glicose-1-P + ADP Quando há défice de atividade de uma das 3 enzimas do metabolismo específico da galactose (cínase da galactose, uridil-transférase da galactose-1-fosfato e 4-epimérase da UDP-glicose) há aumento da galactose no plasma. As doenças congénitas designam-se galactosemias porque, nestas doenças, a galactose plasmática está aumentada, aumento este que se agrava sempre que o indivíduo bebe leite. A galactosemia mais grave e a mais conhecida é a NADP+ NADPH ATP ADP A galactosemia clássica é uma doença autossómica recessiva causada por mutações no gene da uridiltransférase da galactose-1fosfato. Cínase da galactose UDP-Glicose Uridil transférase da galactose-1-P 4-Epimérase 2- As cataratas (opacificação do cristalino) são uma consequência da conversão da galactose em galactitol. O seu desenvolvimento é prevenido pela Glicose-1-P dieta isenta de galactose. O galactitol formado acumula-se no cristalino e têm efeito osmótico… Outra hipótese é que o consumo de NADPH leve à diminuição de GSH e a stress oxidativo… 3- As alterações que persistem ao longo da vida (alterações da fala, baixo QI, disfunção ovárica nas mulheres; são independentes da terapêutica) poderão ser causadas (1) por alterações no conteúdo em resíduos de galactose nas glicoproteínas e glicolipídeos ou/e (2) por diminuição de fosfolipídeos contendo inositol (inositídeos). Estas alterações não são tratadas nem prevenidas pela dieta. Uma das hipóteses é que na origem destas alterações da galactosemia clássica esteja a ação inibidora da galactose-1-P (cuja concentração intracelular está sempre aumentada, mesmo quando se faz dieta sem galactose) nas galactosil-transférases e na fosfátase de inositol-1-fosfato. Galactose-1-P inibe galactosiltransférases porque compete com UDP-Gal pelo centro ativo UDP-galactose Inositol-1-fosfato - - 1- A patogenia dos sinais e sintomas agudos (“crise tóxica neonatal”: vómitos, perda de apetite, diarreia, letargia, insuficiência hepática, falência tubular renal e, eventualmente, sepsis e morte) é desconhecida, mas estará relacionada com o aumento das concentrações intracelulares de galactose-1-P e galactitol. Trata-se eficazmente com dieta isenta de galactose. galactosemia clássica. Redútase das aldoses Galactitol Patogenia das alterações observadas na galactosemia por deficit de uridil-transférase da galactose-1-P Galactose-1-P inibe uma enzima do metabolismo dos inositídeos (a fosfátase de inositol-1-P) Glicolipídeos e glicoproteínas inositol inositídeos Bibliografia: 1. Steinmann, B., Gitzemann, R. & van den Berghe, G. (2008) Disorders of fructose metabolism in The online metabolic and molecular bases of inherited disease – OMMBID. (Valle, D., Beaudet, A. 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