Área: CV (X) CHSA ( ) ECET ( ) MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA Coordenadoria de Pesquisa – CPES Campus Universitário Ministro Petrônio Portela, Bloco 06 – Bairro Ininga Cep: 64049-550 – Teresina-PI – Brasil – Fone (86) 215-5564 E-mail: [email protected] VERIFICAÇÃO DA PRESENÇA DE TRANSATIVAÇÃO HETERÓLOGA EM PACIENTES COINFECTADOS HIV-Leishmania infantum. Antonio José Silva Meneses Filho (bolsista do PIBIC/CNPq), Carlos Henrique Nery Costa (Orientador, Depto de Medicina Comunitária – UFPI) Introdução A transativação heteróloga é tradicionalmente caracterizada em indivíduos com tuberculose infectados pelo HIV, onde é possível observar o aumento transitório da carga viral (CV) do HIV e a diminuição dos linfócitos T CD4. Esse mesmo fenômeno vem sendo notado em pacientes coinfectados HIV-Leishmania a partir de exames laboratoriais; porém, até o momento, nenhum estudo tem comprovado sua ocorrência. Como o HIV se replica preferencialmente dentro de macrófagos e células T, pode-se dizer que locais como a medula óssea e o baço (verdadeiros “santuários” para Leishmania) são ideais para a sua replicação. Uma vez infectados pelo HIV, a célula T CD4 e o macrófago “portador” da Leishmania entra em disfunção até sofrer apoptose. Isso leva à ativação de novos macrófagos e à indução de células T. O aumento desse processo de apoptose (diminuição de células T CD4) pode ser benéfico ao protozoário, pois o permite sair do macrófago, aumentando assim sua disseminação (aumento da parasitemia), bem como a disseminação do HIV (aumento da CV) [Patel, 2009]. Os altos títulos virais são inversamente proporcionais à contagem de células T CD4 periférica, pois há um aumento transitório na CV devido ao aumento de células T CD4 ativadas, as quais tendem a diminuir pelo mecanismo de apoptose. Sendo o HIV uma importante causa de redução das células T CD4 na periferia, na mucosa e na saliva, acredita-se que essa redução também esteja confinada aos sítios próprios de acometimento do calazar, onde essas células sofrem apoptose após um processo transitório de ativação e aumento da CV [Diedrich, 2011]. Por isso, acredita-se que uma terapia pautada na retirada do baço, por exemplo, possa melhorar o quadro clínico de pacientes coinfectados, principalmente quando apresentam um histórico de calazar recidivante. Este trabalho tem como objetivo verificar o fenômeno da transativação heteróloga do HIV em pacientes coinfectados com Leishmania infantum, observando a apoptose de macrófagos e células T CD4 em sítios de grande proliferação da Leishmania, como o baço. Além disso, visa observar os reais benefícios da esplenectomia como tratamento do calazar recidivante a partir da análise pré e pós-operatória dos pacientes esplenectomizados. Metodologia Foi realizado o acompanhamento e registro da história patológica de três pacientes coinfectados, com calazar crônico e submetidos a esplenectomia. Para isso, os seguintes itens foram obedecidos: 1. Entraram no estudo três pacientes coinfectados HIV-Leishmania já em terapia antirretroviral, que vêm, há mais de seis meses, em acompanhamento ambulatorial e/ou recorrentes internações no Instituto de Doenças Tropicais Natan Portela (IDTNP) por calazar crônico. Esses pacientes foram submetidos a laparotomia para retirada do baço e avaliados quanto à evolução clínica e laboratorial da coinfecção; 2. Foi realizada uma revisão detalhada de prontuários desses pacientes, sendo registrados, além das datas de diagnóstico da retrovirose e do calazar, sua evolução clínica e laboratorial. 3. Cada paciente candidato à esplenectomia foi submetido a procedimento cirúrgico em que o baço foi retirado, pesado e enviado em formol ao serviço de patologia do HU-PI. 4. O baço de cada paciente foi encaminhado para realização do histopatológico e imuno-histoquímica com utilização do marcador caspase-3. 5. Foi realizada comparação das ultimas quantificações da CV e CD4 desses pacientes, verificando possíveis alterações/evoluções pósesplenectomia. Resultados e Discussão Três pacientes foram submetidos ao procedimento de retirada do baço. Clinicamente, eram pacientes que manifestavam um quadro de calazar recidivante. Seus baços foram analisados por histopatológico, em que foi possível visualizar uma região rica em macrófagos e protozoários. Em presença dos blocos de parafina com amostras do baço, realizou-se a imuno-histoquímica utilizando caspase 3 como marcador confirmatório de apoptose. Observou-se que os três pacientes esplenectomizados apresentavam baixa contagem de células T CD4 em presença de uma CV indetectável, característica de pacientes coinfectados em TARV e com calazar recidivante. Isso, por si só, não caracteriza a transativação heteróloga, pois esta é observada como uma elevação transitória da CV em presença de baixos títulos de CD4, e que geralmente se manifesta durante ou pouco tempo após um acometimento agudo da comorbidade existente. Na transativação, pode haver uma elevação em até 184 vezes da carga viral, sem ocasionar repercussões clínicas relevantes, podendo durar até três semanas após infecção aguda, com retorno da carga viral aos níveis indetectáveis após esse período [Reed, 2004]. Como os pacientes abordados faziam uso de antirretrovirais há pelo menos sete anos, sua carga viral indetectável é consequência dessa terapia, mas ocasionalmente pode haver um aumento sem repercussões clínicas (transativação heteróloga), principalmente durante ou após uma recidiva do calazar. A presença crônica do vírus e do protozoário faz diminuir a contagem de células CD4, principalmente devido à apoptose dessas células em “santuários da LV”, como o baço e medula óssea. Nos pacientes esplenectomizados houve um aumento expressivo de células CD4 nos meses pós-esplenectomia, dando indícios de que a retirada do baço pode melhorar o quadro de calazar crônico. Assim, a retirada de um sítio que é importante reservatório de protozoário e onde há uma alta incidência de apoptose de macrófagos e células CD4 pode não apenas diminuir a replicação viral, mas também aumentar as células T CD4, que estão diretamente relacionadas ao prognóstico de um paciente coinfectado. Entretanto, o efeito da esplenectomia em pacientes com leishmaniose visceral recidivante ainda é desconhecido. Há apenas alguns relatos que, em coinfectados por HIV e Leishmania, ocorre aumento na contagem de células CD4, remissão da pancitopenia e, consequentemente, remissão do calazar a longo prazo, como verificado com um de nossos pacientes, que apresentou aspirado de medula óssea negativo meses após a cirurgia [Troya, 2007]. A melhora imunológica pode, entretanto, levar a uma PKDL (Leishmaniose dérmica póscalazar), que é uma manifestação cutânea expressa anos após tratamento para LV e que ocorre no contexto de melhora imunológica da coinfecção. Diferentemente de dois pacientes esplenectomizados e que apresentaram PKDL meses após o procedimento cirúrgico, os coinfectados com PKDL costumam ter contagem de CD4 inferior a 350 células/mm3. Sabe-se que essas lesões são sítios de parasitas, o que torna esses pacientes importantes reservatórios humanos e, portanto, potencialmente infectantes [Zijlstra, 2014]. A esplenectomia tem sido associada a algumas complicações. Sugere-se, por exemplo, que há um risco três vezes maior de tromboembolismo pulmonar (TEP) em pacientes esplenectomizados, havendo, portanto, necessidade de profilaxia [Thomsen, 2010]. Neste trabalho, observou-se que um paciente evoluiu com óbito possivelmente em decorrência de TEP; porém, como não há uma certeza quanto à causa da morte, pretende-se fazer uma busca de campo para investigá-la. Conclusão Observar o mecanismo de apoptose de macrófagos e células CD4 a partir de biomarcadores específicos no sítio esplênico ratifica a ocorrência da transativação heteróloga em coinfectados com HIV e Leishmania. A realização de esplenectomia evidenciando melhora clínica e aumento de células CD4 mostra não apenas o processo fisiopatológico da transativação, mas abre caminho para novas formas de tratamento de pacientes com calazar recidivante. APOIO: CNPq Referências Bibliográficas 1. Diedrich, C.R; Flynn, J.L. HIV-1/Mycobacterium tuberculosis Coinfection Immunology: How Does HIV-1 Exacerbate Tuberculosis? Infection and Immunity, Apr. 2011, p. 1407–1417. Vol. 79, No. 4. 2. Patel, N et al. Impaired M. tuberculosis-mediated apoptosis in alveolar macrophages from HIVpersons: potential role of IL-10 and BCL-3. J. Leukoc. Biol. 2009. 86:53–60. 3. Thomsen RW et al. Risk of venous thromboembolism in splenectomized patients compared with the general population and appendectomized patients. J Thrombosis and Haemostasis, 2010. 4. Troya J, Casquero A, Muniz G, Fernandez-Guerrero ML, Gorgolas M. The role of splenectomy in HIV-infected patients with relapsing visceral leishmaniasis. Parasitology, 2007;134:621–24 5. Zijlstra, EE. PKDL and Other Dermal Lesions in HIV Co-infected Patients with Leishmaniasis: Ver of Clinical Presentation in Relation to Immune Responses. PLOS Negl Trop Dis: Nov 2014. Palavras-chave: Transativação heteróloga. Apoptose. Esplenectomia.