Artigo 2 – A Fermentação

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Artigo
Elementos Biotecnológicos fundamentais
no processo cervejeiro:
2º parte – A Fermentação
Resumo
Genericamente, define-se por cerveja uma bebida carbonatada de baixo teor alcoólico, preparada a partir de malte (usualmente de cevada), lúpulo, leveduras e água de boa qualidade,
podendo ainda utilizar-se de adjuntos. Sabe-se que vários fatores influenciam a fermentação
de mostos cervejeiros, dentre eles sua composição. Na presente revisão, aspectos básicos
sobre a composição química do mosto e o metabolismo da levedura cervejeira na fermentação, estão sucintamente apresentados de maneira seqüencial.
Palavras-chave: fermentação, cerveja, biotecnologia
Summary
Generically, beer is defined as a carbonated drink of low alcoholic content, prepared from
malt (usually of barley), hops, yeasts, water of good quality and some adjuncts. Many factors,
like composition, influence the wort fermentation. In the present revision, basic aspects on
the chemical composition of wort and the metabolism of the brewing yeast in the fermentation, summarily are presented in sequential way.
*Giovani Brandão
Mafra de Carvalho,
Adriana Andréia Rossi e
João Batista de
Almeida e Silva
Universidade de
São Paulo – USP,
Escola de Engenharia
de Lorena – EEL,
Departamento de
Biotecnologia
*Autor para correspondência:
Estrada Municipal do
Campinho
Caixa Postal 116
CEP: 12602-810. Lorena. SP
Fone: (12) 3159-5107
E-mail: [email protected]
Keywords: fermentation, beer, biotechnology
INTRODUÇÃO
A origem das primeiras bebidas alcoólicas é incerta. Estimase que o homem começou a utilizar bebidas fermentadas há 30
mil anos, sendo que a produção de cerveja deve ter se iniciado
por volta de 8.000 a.C. Essa bebida foi desenvolvida paralelamente aos processos de fermentação de cereais e difundiu-se
lado a lado com as culturas de milho, centeio e cevada nas
antigas sociedades estáveis. Há registros sobre a utilização da
cerveja, na antigüidade, entre os povos da Suméria, Babilônia e
Egito. Os egípcios fizeram com que a cerveja ficasse conhecida
pelos outros povos orientais, fazendo com que ela chegasse à
Europa e daí para o resto do mundo, sendo uma das bebidas
mais apreciadas nos dias atuais. Assim, a produção de cerveja
é usualmente mencionada como um exemplo típico da biotecnologia “antiga”, devido à sua longa história.
Entende-se por Biotecnologia, o conjunto de conhecimentos, técnicas e métodos, de base científica ou prática, que
permite a utilização de seres vivos como parte integrante e
ativa do processo de produção industrial de bens e serviços.
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Devido à importância econômica do processo biotecnológico envolvendo a levedura Saccharomyces cerevisiae na
produção de cerveja, diferentes grupos de pesquisa têm dedicado esforços no estudo para a elucidação dos mecanismos
de regulação metabólica deste eucarioto, no decorrer da fermentação dos mostos cervejeiros.
A fermentação dos mostos cervejeiros pode ser influenciada por vários fatores. Entre estes podem ser destacados: a
composição do mosto, a temperatura da fermentação, o nível
de oxigênio inicial, a concentração e a viabilidade celular e a
concentração de etanol.
Neste artigo, encontram-se revisados e sumariados os aspectos mais relevantes da composição química básica, além
dos principais mecanismos bioquímicos inerentes à fermentação do mosto cervejeiro.
O processo cervejeiro
A cerveja é uma bebida de malte resultante da fermentação
alcoólica do extrato aquoso do malte de cevada com lúpulo. O
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processo cervejeiro é consequentemente um processo de múltiplos estágios envolvendo a conversão biológica de materiais in
natura em produto final (Walker, 2000; Carvalho et al., 2006a).
A cervejaria moderna aplica um amplo espectro de novas
invenções técnicas, bioquímicas, microbiológicas e genéticas.
Exemplos de progressos contemporâneos podem ser encontrados ao longo de toda cadeia de produção: como o desenvolvimento de novos cultivares de cevada, uso de bactérias lácticas
na fase de maltagem, obtenção de extratos de lúpulo com CO2
supercrítico, fermentação de mostos de alta densidade (high
gravity), imobilização de leveduras no bioreator, modificação
genética de leveduras etc. (Carvalho et al., 2006b).
Segundo Virkajärvi (2001), o processo de produção de
cervejas do tipo lager, predominante em todo mundo nos dias
atuais, pode ser resumido em quatro fases, conforme descrito abaixo:
1) O primeiro passo consiste na obtenção do malte de cevada através da germinação de grãos de cevada em condições especiais. Este malte é moído ou triturado e misturado
com água. As enzimas presentes no próprio malte, ativadas
de acordo com um perfil de temperaturas controlado pelo
mestre cervejeiro, irão hidrolisar os polímeros presentes:
amido em dextrinas, mono, di e trissacarídeos e proteínas em
peptídeos e aminoácidos. Esta primeira fase do processo é
denominada mosturação. A fração insolúvel do mosto obtido
é então filtrada, normalmente utilizando-se a própria casca do
malte como camada filtrante.
2) O próximo passo consiste na fervura do mosto filtrado
por 1 a 2 horas, após a adição do lúpulo. A fervura (ou cozimento) irá assegurar a assepticidade necessária e promoverá
a precipitação de complexos entre proteínas e polifenóis, a
solubilização/isomerização de componentes do lúpulo, a remoção de compostos que determinam sabores desagradáveis
no produto final e a obtenção da concentração desejada de
açúcares. As enzimas presentes são inativadas durante a fervura. O material precipitado, conhecido como trub, é então
removido. Após a remoção do trub, o mosto é resfriado,
transferido para o fermentador e aerado até a saturação na
concentração de oxigênio dissolvido.
3) A fermentação da cerveja do tipo lager é dividida em duas
fases: Fermentação principal (ou primária) e fermentação secundária. A fermentação principal dura entre seis e dez dias,
temperaturas entre 7 e 15ºC sendo utilizadas. Durante a fermentação principal, a maior parte dos compostos responsáveis pelas características organolépticas do produto final são
formados. Ao final desta fase, a cerveja é resfriada para aproximadamente 4ºC e a maior parte das leveduras são retiradas
pela base do fermentador. A fermentação secundária pode
ser realizada no mesmo tanque da fermentação principal ou
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a cerveja pode ser transferida para um segundo tanque. O
principal objetivo da fermentação secundária é a remoção do
diacetil, que causa sabor desagradável no produto final. Esta
fase dura entre uma e duas semanas.
4) Finalmente, a cerveja é estabilizada pelo resfriamento a
temperatura igual ou inferior a 0ºC por um período de até
três dias. Diferentes agentes estabilizantes, como sílica gel e
taninos, podem ser utilizados. Leveduras e complexos entre
proteínas e polifenóis irão precipitar, sendo filtrados posteriormente. A carbonatação, a pasteurização e o envase finalizam o processo de produção.
Cabe ressaltar a importância do final da fase 2 e início da
fase 3 citados acima. De acordo com Munroe (1994), o oxigênio é utilizado pela levedura para produzir esteróis e ácidos
carboxílicos insaturados, que são essenciais para a síntese da
membrana celular. Sem o oxigênio inicial, o crescimento celular fica restrito causando fermentação anormal e mudanças no
flavour da cerveja. O oxigênio é consumido pela levedura geralmente em poucas horas e, como os açúcares do mosto não são
consumidos no início da fase lag, o glicogênio é essencial fonte
de energia para atividade celular. Segundo Venturini Filho & Cereda (2001), no início da fermentação alcoólica a quantidade de
leveduras a ser utilizada deve ser tal que resulte numa concentração de 5 a 15 milhões de células de levedura por mililitro de
mosto. Embora as circunstâncias variem de mostos para mostos e de cepas para cepas, uma fermentação requererá 1 ppm
de oxigênio dissolvido e 106 cel/mL por cada 1ºP de extrato no
mosto (Almeida e Silva, 2005).
Nos últimos anos, muito se tem estudado sobre o aumento de produtividade do processo cervejeiro, bem como
o controle dos produtos formados durante o processo fermentativo. A influência das condições de fermentação sobre
o flavour da cerveja e o papel central do metabolismo da
levedura na produção de compostos ativos no flavour têm
sido objeto de estudo de vários pesquisadores (Garcia et al.,
1993; Almeida, 1999; Verstrepen et al., 2003, Guido et al.,
2004; Vanderhaegen et al., 2006). O conhecimento geral do
processo cervejeiro, bem como das características químicas
do mosto e bioquímicas da fermentação são fundamentais ao
cervejeiro, na busca de estratégias de melhoramento da produtividade e da estabilidade sensorial da cerveja produzida.
A composição química do mosto
cervejeiro e sua fermentação
Os açúcares
O metabolismo da levedura cervejeira, bem como de
qualquer ser vivo, pode ser dividido didaticamente em ana47
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Artigo
bolismo e catabolismo. O processo anabólico diz respeito a
reações de síntese de material celular, tais como proteínas,
gorduras, polissacarídeos etc., às custas de energia celular armazenada na molécula de ATP. No catabolismo o processo
se inverte, as moléculas são quebradas e oxidadas, sendo que
a energia química produzida nessas reações é acumulada nas
moléculas de ATP (Venturini Filho & Cereda, 2001).
A transformação do açúcar (glicose) em etanol e CO2 envolve 12 reações em seqüência ordenada, cada qual catalisada
por uma enzima específica. Tal aparato enzimático está confinado no citoplasma celular sendo, portanto, nessa região
da célula que a fermentação alcoólica se processa (Figura 1).
Essas enzimas, referidas como “glicolíticas”, sofrem ações de
diversos fatores (nutrientes, minerais, vitaminas, inibidores,
substâncias do próprio metabolismo, pH, temperatura e outros), alguns que estimulam e outros que reprimem a ação
enzimática, afetando o desempenho do processo fermentativo conduzido pelas leveduras (Lima et al., 2001).
Convém ressaltar que a levedura Saccharomyces é um
aeróbio facultativo, ou seja, tem a habilidade de se ajustar
metabolicamente, tanto em condições de aerobiose como de
anaerobiose (ausência de oxigênio molecular). Os produtos
finais da metabolização do açúcar irão depender das condi-
Figura 1. Seqüência das reações enzimáticas pela fermentação alcoólica
de carboidratos endógenos (glicogênio e trealose) ou exógenos (sacarose e
maltose), conduzida por Saccharomyces cerevisiae (Lima et al., 2001)
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ções ambientais em que a levedura se encontra. Assim, enquanto uma porção do açúcar é transformada em biomassa,
CO2 e H2O em aerobiose, a maior parte é convertida em
etanol e CO2 em anaerobiose, processo denominado fermentação alcoólica (Lima et al., 2001). Para o cervejeiro, o catabolismo dos açúcares tanto em aerobiose como em anaerobiose são importantes. A via respiratória – energicamente mais
eficiente – é utilizada no início do processo de fermentação,
com a finalidade de promover o crescimento e o reviramento
do fermento. A via fermentativa tem a função de promover
a transformação do mosto em cerveja, através da conversão
do açúcar em etanol e gás carbônico (Venturini Filho & Cereda, 2001). Os carboidratos considerados substratos para a
fermentação, tanto podem ser endógenos (constituintes da
levedura, como glicogênio e trealose) como exógenos (sacarose, glicose, frutose e outros), estes últimos fornecidos a
levedura (Lima et al., 2001).
Segundo Azeredo (1999), o mosto cervejeiro é composto em sua maior parte de carboidratos (cerca de 90%). O
mosto contém os açúcares: sacarose, frutose, glicose, maltose e maltotriose além de dextrinas. De acordo com Hanns
Seidel (1995) citado por Almeida (1999), em mostos obtidos
apenas a partir de malte, os monossacarídeos representados
pela glicose e frutose constituem de 7 a 9% do total de carboidratos; os dissacarídeos, representados pela sacarose e
maltose, representam respectivamente 3% e 43-47% do total
de carboidratos; os trissacarídeos, representados pela maltotriose, constituem de 11 a 13% do total; e os polissacarídeos,
representados pelas dextrinas, constituem de 17 a 36% do
total de carboidratos. O passo inicial na utilização dos açúcares fermentescíveis pela levedura pode ser tanto a passagem intacta do açúcar através da membrana celular ou a sua
hidrólise fora da membrana celular, seguida pela entrada na
célula de alguns ou todos seus produtos de hidrólise. A maltose e a maltotriose são exemplos de açúcares que passam
intactos através da membrana celular, enquanto a sacarose
(e as dextrinas com Saccharomyces diastaticus) é hidrolisada
por uma enzima extracelular, sendo seus produtos (glicose
e frutose) metabolizados pela célula (Ameida e Silva, 2005).
Em uma situação normal, as leveduras cervejeiras são capazes de utilizar glicose, frutose, maltose e maltotriose, nesta
seqüência aproximada, embora algum grau de superposição
aconteça, sendo que as dextrinas somente são utilizadas por
S. diastaticus (Russel, 1994). A sacarose é convertida em glicose e frutose pela enzima invertase produzida pela levedura
(Walker, 2000). Na Figura 2 é mostrado o fluxo dos principais carboidratos presentes no mosto cervejeiro, do exterior
para o interior da levedura (Russel, 1994). Dos fatores ambientais que regulam a respiração e a fermentação em células
de leveduras, a disponibilidade de glicose e oxigênio é o mais
documentado (Walker, 2000). No caso de algumas leveduras,
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Classe
Grupo A
I
Ácido glutâmico
Glutamina
Ácido aspártico
Asparagina
Treonina
II
III
Grupo B
Grupo D
Prolina
Valina
Isoleucina
Lisina
Arginina
Grupo C
Glicina
Fenilalanina
Tirosina
Alanina
Leucina
Histidina
Tabela 1. Aminoácidos na cervejaria
Maltose
Maltotrise
Permease
Permease
Maltose
α-glicosedase Glicose
Glicose
Glicoamolase
Amido/Dextrina
Maltotriose
α-glicosedase
Frutose
Glicose + Frutose
Invertase
Sacarose
Figura 2. Metabolismo de carboidratos por Saccharomyces ssp (Russel, 1994)
entre elas a Saccharomyces cerevisiae, em presença de glicose
mesmo em condições estritamente aeróbias, o metabolismo
é do tipo respiro-fermentativo. Esse comportamento metabólico é provocado por um efeito conhecido como efeito
Crabtree ou repressão catabólica. Esse efeito se pronuncia em
condições onde a concentração de glicose ultrapassa um valor limite. O mecanismo responsável pela repressão catabólica pode ser bastante complexo, mas estudos mostram que
ocorre principalmente através do forte efeito repressivo da
glicose sobre a atividade de enzimas respiratórias e também,
possivelmente, pela inibição da expressão genética de enzimas
constituintes da via respiratória, fazendo com que parte do
piruvato que não pode ser oxidado pelo ciclo de Krebs seja
reduzido a etanol pelo processo fermentativo (Bakker et al.,
2001). Em contrapartida, um outro efeito conhecido como
efeito Pasteur relaciona o oxigênio com a cinética do catabolismo de açúcar, estabelecendo que, sob condições anaeró50
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bias, a glicólise aconteça mais rápido do que sobre condições
aeróbias. Este fenômeno é observado somente quando as
concentrações de glicose forem baixas (ex: cerca de 5nM em
S. cerevisiae) ou sob certas condições de nutrientes limitantes
(Walker, 2000). Segundo Nogueira & Venturine Filho (2005),
a principal diferença entre o efeito Pasteur e o efeito Crabtree
é que no primeiro, observa-se a tendência da levedura respirar em meios anaeróbios, enquanto no segundo, constata-se
que a levedura pode fermentar mesmo na presença de oxigênio. Sabe-se que a glicose e a frutose (ou qualquer açúcar que
forneça um destes açúcares por hidrólise), em concentração
elevada, reprimem a respiração da levedura alcoólica. Portanto, a respiração apenas é possível na presença de oxigênio e
baixa concentração de açúcar; em todas as outras possibilidades ambientais, a célula deverá fermentar preferencialmente.
O objetivo primordial da levedura, ao metabolizar anaerobicamente o açúcar, é gerar uma forma de energia (ATP,
adenosina trifosfato) que será empregada na realização de diversos trabalhos fisiológicos (absorção, excreção e outros) e
biossínteses, necessários à manutenção da vida, crescimento
e multiplicação, para perpetuar a espécie. O etanol e o CO2
resultantes se constituem tão somente de produtos de excreção, sem utilidade metabólica para a célula em anaerobiose. Entretanto, o etanol, bem como outros produtos de
excreção (como o glicerol e ácidos orgânicos) podem ser
oxidados metabolicamente, gerando mais ATP e biomassa,
mas apenas em condição de aerobiose (Walker, 2000; Lima
et al., 2001).
Na seqüência de reações enzimáticas de produção de
ATP, e intrínsecas à formação de etanol, rotas metabólicas
alternativas aparecem para propiciar a formação de materiais necessários à constituição da biomassa (polissacarídeos,
lipídeos, proteínas, ácidos nucléicos e outros), bem como
para a formação de outros produtos de interesse metabóRevista Analytica • Dezembro 2006/Janeiro 2007 • Nº26
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piruvato
α- acetolactato
sitase
valina
α- acetolactato
reação não enzimática
α- acetolactato
descarboxilase
diacetil
NADH
diacetil redutase
acetoína
2, 3- butanodiol
Figura 3. Esquema metabólico envolvendo o α-acetolactato
(Yamauchi et al., 1995a)
lico, relacionados direta e indiretamente com a adaptação e
sobrevivência. Assim, juntamente com o etanol e o CO2, o
metabolismo anaeróbio permite a formação e excreção de
glicerol, ácidos orgânicos (succínico, acético, pirúvico e outros), álcoois superiores, acetaldeído, acetoína, butilenoglicol,
além de outros compostos de menor significado quantitativo
(Lima et al., 2001). Simultaneamente ocorre o crescimento
das leveduras (formação de biomassa).
A formação do glicerol, o mais abundante dos compostos
orgânicos secundários da fermentação, está acoplada à manutenção do equilíbrio redox celular, o qual é alterado quando
da formação de ácidos orgânicos, biomassa e da presença de
sulfito no mosto. A formação de glicerol também está relacionada a uma resposta ao estresse osmótico, quando de
concentrações elevadas de açúcares ou de sais no mosto
(Walker, 2000; Lima et al., 2001).
Fermentações de mostos cervejeiros com concentrações
de sólidos solúveis acima de 18% têm apresentado problemas
relacionados principalmente à viabilidade celular, com uma
fermentação lenta e incompleta. A toxidade do etanol e a alta
pressão osmótica têm sido relatados como fatores limitantes (Casey et al., 1984). Dragone et al. (2003a), verificaram
experimentalmente que um aumento na concentração do
mosto cervejeiro de 15 para 20 ºP resultou na diminuição da
produtividade em etanol (Qp) em 0,08 g.l-1.h-1. Segundo Van
Haecht et al. (1995), as leveduras produzem também sulfito
em uma quantidade que geralmente está relacionada com o
total de açúcares fermentescíveis no mosto. Cervejas produzidas através de meio de concentração usual (cerca de 12 ºP)
contêm menos que 10 mg/L de SO2. Em contrapartida, cervejas elaboradas pelo método de alta concentração do meio
(superiores á 12 ºP) podem conter sulfito em níveis acima de
10 mg/L. Estes autores também afirmam que mostos com a
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mesma concentração de sólidos solúveis, mas com alteração
na proporção entre os tipos de carboidratos, podem produzir cervejas com diferentes quantidades de sulfito. Phaweni et al. (1993), citado por Van Haecht et al. (1995), usando
diferentes mostos elaborados com 65% de malte e 35% de
vários tipos de adjuntos, mostrou que um aumento na quantidade de substrato fermentescível aumenta significativamente
a quantidade de SO2 final.
São discutíveis as razões fisiológicas que levam a levedura a
produzir e excretar o ácido succínico (o segundo produto orgânico secundário mais abundante na fermentação alcoólica).
Admite-se que sua formação se deve a um meio fermentativo
inadequado, pois não há evidência de necessidade metabólica
desse ácido pela levedura, na proporção que é produzido.
Entretanto, parece que sua formação e excreção conferem
às leveduras maior competitividade com as bactérias contaminates, numa fermentação industrial. O ácido succínico em
ação sinérgica com o etanol exerceria uma intensa atividade
antibacteriana, o que é notado durante uma fermentação alcoólica (Lima et al., 2001).
O acetaldeído é o precursor imediato da síntese do etanol. Quantidades significativas passam para o mosto fermentado e são reabsorvidas, no final da fermentação. Presente
em excesso (25 mg/L) proporciona um flavor de “amônia”
na cerveja. A fermentação em altas temperaturas e a super
dosagem de fermento podem ocasionar um aumento no teor
de acetaldeído (Schimdt, 1996 citado por Azeredo, 1999).
Os íons inorgânicos
Além de carbono e nitrogênio, os microrganismos exigem
uma série de outros elementos, sob a forma de compostos
inorgânicos. Alguns são necessários em quantidades apreciáveis – macronutrientes- enquanto que, de outros, bastam traços – micronutrientes. Dentre os primeiros temos o fósforo,
sob a forma de fosfatos, importante no metabolismo energético e na síntese de ácidos nucléicos: o enxofre, necessário
por fazer parte de aminoácidos como cistina e cisteína e para
a síntese de vitaminas com a biotina e tiamina; o potássio, ativador de enzimas e regulador da pressão osmótica; o magnésio, ativador de enzimas extracelulares e fator importante na
esporulação; o ferro, necessário para a síntese dos citocromos e de certos pigmentos. O papel dos micronutrientes não
é tão bem conhecido, dadas as dificuldades de seu estudo.
Tem-se, todavia, demonstrado, em casos específicos, a necessidade de elementos como cobre, cobalto, zinco, manganês,
sódio, boro e muitos outros (Alterthum, 2001).
Sabe-se que a levedura cervejeira S. cerevisiae requer traços de alguns minerais, como cobre (0,012 ppm), ferro (0,075
ppm) e zinco (0,5 ppm). Entretanto, o excesso desses metais
pode levar a alguns problemas. A maioria dos mostos forne51
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ce esses elementos em proporção adequada, porém algumas
cervejarias adicionam zinco, para corrigir eventuais deficiências oriundas da adição de uma grande quantidade de adjuntos (Azeredo, 1999).
De acordo com Fix (1989) citado por Azeredo (1999),
os íons magnésio desempenham um importante papel no
crescimento da levedura, como co-fator em muitas reações
metabólicas. O malte geralmente fornece um suprimento
adequado desse íon. Ao contrário, o íon cálcio, que é altamente benéfico à mosturação, tende a inibir o crescimento
da levedura, em quantidades excessivas, sendo seu limite de
100 ppm.
O nitrogênio
Segundo Azeredo (1999), o conteúdo de nitrogênio no
mosto cervejeiro representa 5% dos sólidos solúveis totais.
A principal fonte de nitrogênio para a síntese de proteínas,
ácidos nucléicos e outros componentes nitrogenados é a variedade de aminoácidos formados a partir da proteólise das
proteínas do malte. O mosto contém 19 aminoácidos e, sob
condições fermentativas de uma cervejaria, as leveduras os
consomem de uma maneira ordenada, sendo que diferentes
aminoácidos são removidos em vários estágios do ciclo fermentativo (Russel, 1994). Conforme relatado por Fix (1989)
citado por Azeredo (1999), os aminoácidos são absorvidos
pela levedura na seguinte seqüência:
Grupo A: Aminoácidos que são rapidamente absorvidos no
meio e são eliminados do mosto no final da fase de crescimento da levedura. São eles: Ácido glutâmico, Glutamina, Ácido
aspártico, Asparagina, Serina, Treonina, Lisina e Arginina.
Grupo B: Aminoácidos que são absorvidos mais lentamente.
São eles: Valina, Leucina, Isoleucina e Histidina.
Grupo C: Aminoácidos que são absorvidos somente após a fase
lag e somente após a eliminação dos aminoácidos do Grupo A do
mosto. São eles: Glicina, Felilalanina, Tirosina, e Alanina.
Grupo D: Aminoácidos que permanecem presentes por
toda a fermentação. A saber: Prolina.
É comum, classificar os aminoácidos de acordo com seu
papel na fermentação e sua contribuição como nutriente para
a levedura (Tabela 1):
Classe I – Esses aminoácidos podem ser sintetizados pela
levedura durante a atividade metabólica normal. Não é necessária sua presença no mosto.
Classe III – Esses aminoácidos são cruciais no metabolismo
da levedura. O mosto cervejeiro constitui a sua única fonte. A
remoção desses aminoácidos pode alterar significativamente
o flavour final da bebida.
A formação de álcoois superiores e diacetil (2,3 butanodiona), como subprodutos da fermentação está intimamente
relacionada com o metabolismo dos aminoácidos (Almeida,1999). O diacetil é uma cetona produzida tanto pelas leveduras cervejeiras como por bactérias lácticas (contaminates),
é capaz de conferir odor (desagradável) de manteiga rançosa
a bebida, em concentração igual ou superior a 0,10 ppm (Venturini Filho & Cereda, 2001). Cabe ressaltar, a importância
do aminoácido valina para a levedura cervejeira. Na ausência desse composto, a levedura vai sintetizá-lo, produzindo
a partir do piruvato, α-acetolactato, que é reduzido à valina,
conforme demonstrado na Figura 3 (Yamauchi et al., 1995a).
O excesso de α-acetolactato é excretado pela célula e no
mosto, de acordo com o pH do meio, temperatura, presença de oxigênio etc. esse composto será reduzido a diacetil (Figura 4). Na fase de maturação, a levedura reincorpora
esse diacetil, metabolizando-o até acetoína, que não altera
o flavour da cerveja. Entretanto, em presença de grandes
quantidades de diacetil, devido à produção do mesmo por
bactérias contaminantes como Lactobacillus sp e Pediococcus
sp, a levedura não consegue metabolizar todo o diacetil e este
permanecerá no mosto, afetando a qualidade do produto final, promovendo o já citado flavour de manteiga rançosa (Yamauchi et al., 1995b). O controle eficiente da concentração
de diacetil pode ser obtido com estratégias para a prevenção
da formação do precursor (α-acetolactato), ou de aumento
da taxa de descarboxilação química do precursor (Carvalho
et al., 2006b). Segundo Munroe (1994), tanto o diacetil como
a 2,3 pentanodiona (ambos dicetonas vicinais) são importan-
EXTRATO
(Açúcar fermentescível)
piruvato
α- acetolactato
α- acetolactato
valina
diacetil
diacetil
acetoína
Classe II – Esses aminoácidos são vitais para o metabolismo
da levedura, devendo ser fornecidos pelo mosto. A sua remoção do mosto pode levar a alteração do flavor da cerveja.
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Figura 4. Excreção do da célula de levedura α-acetolactato
(Yamauchi et al., 1995b)
Revista Analytica • Dezembro 2006/Janeiro 2007 • Nº26
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tes para o controle da maturação, porém, o diacetil tem um
maior impacto no flavour da cerveja. Uma série de reações
similares à formação do diacetil ocorre para a formação da
2,3 pentanodiona, cujo precursor é o α-acetohidroxibutirato, produzido pela levedura quando se processa a síntese do
aminoácido isoleucina.
O metabolismo dos aminoácidos isoleucina, leucina e valina
liberam a maior parte dos álcoois superiores. Estes reforçam a
atividade fisiológica do etanol, diminuindo a tolerância à bebida, estando associados à dor de cabeça. Os álcoois superiores
juntamente com os ésteres são componentes essenciais para a
caracterização do flavour da cerveja. Os principais álcoois superiores formados durante a fermentação são o álcool isoamílico,
o isobutanol e o n-propanol. Na formação dos álcoois superiores, os aminoácidos presentes no mosto são primeiramente
desaminados para a formação dos oxi-ácidos correspondentes
e então os aminoácidos são biossintetizados na célula da levedura. O pool de oxi-ácidos é derivado, principalmente, da
absorção de aminoácidos do mosto e parte é derivada do metabolismo dos carboidratos, conforme demonstrado na Figura
5. Os principais fatores que aumentam a produção de álcoois
superiores na fermentação cervejeira são: elevado teor de aminoácidos no mosto, altas temperaturas, altas concentrações de
etanol e uma alta dosagem de levedura (Yamauchi et al., 1994
citados por Azeredo, 1999).
Os lipídeos
A fração de lipídeos no mosto está entre 5 a 7 mg por
100 mL. Eles são derivados de três fontes: um grupo é proveniente do metabolismo da levedura e é tipicamente saturado.
O lúpulo oxidado, também constitui outra fonte. O grupo de
maior interesse, no entanto, são os ácidos graxos insaturados, derivados do malte. Eles são tipicamente encontrados
no trub do mosto, o qual consiste em mais de 50% de lipídeos. Quantidades consideráveis desses lipídeos são extraídos
no mosto, durante o processo de mosturação. Durante o
processo fermentativo, o metabolismo dos lipídeos provenientes do mosto ocorre somente na fase aeróbia. Células
mais velhas de levedura cervejeira costumam conter muitas
gotículas de gordura no citoplasma. Os lipídeos possuem efeito negativo sobre a qualidade sensorial da cerveja, afetando ainda e estabilidade da espuma. O aspecto positivo é que
participam de muitas reações no metabolismo da levedura,
dentre elas, contribuem para inibir a formação de ésteres de
acetato, durante a fermentação. Os ésteres são os principais
responsáveis pelo flavour da cerveja. Altos teores de ésteres
aumentam a ação fisiológica do etanol e diminuem o paladar
da cerveja (Azeredo, 1999). De acordo com Verstrepen et al.
(2003), os principais ésteres ativos no flavour da cerveja são:
acetato de etila, acetato de isoamila, caproato de etila, caRevista Analytica • Dezembro 2006/Janeiro 2007 • Nº26
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Acil-CoA s
Acetil-CoA
Carboidrato
fermentescível
Ésteres
Álcoois
superiores
Aminoácidos
Levedura
Figura 5. Síntese metabólica dos Álcoois Superiores
(adaptado por Azeredo, 1999)
prilato de etila e acetato de fenil etila. A síntese dos ésteres,
durante a fermentação da cerveja, ocorre pela reação entre
álcoois e intermediários metabólicos da biossíntese de lipídeos, conforme detalhado na Figura 6 e pode ser influenciada
por vários fatores, como o conteúdo de lipídeos no mosto, o
teor de oxigênio dissolvido no mosto, a cepa de levedura, etc.
Isso ocorre porque a produção de acetato de etila e acetato
de isoamila é catalisada pela enzima álcool-ecetiltransferase,
enzima ligada a parede celular, que é inibida por ácidos graxos
insaturados. Muitos fatores que aumentam o teor de ácidos
graxos instaurados podem reprimir a biossíntese dos ésteres
(Yamauchi et al., 1994 citados por Azeredo, 1999).
Os ácidos graxos são formados pela biossíntese de lipídeos
ou excesso de intermediários do metabolismo de carboidratos.
As cadeias carbônicas longas de ácidos graxos de C14 a C18 são
encontradas no mosto. As cadeias pequenas de C4 a C12 são formadas pela levedura. A autólise da levedura pode contribuir, em
grande parte para o aumento de ácidos graxos no mosto. Outros
fatores estão ainda associados, como valores elevados de pH e
de extrato inicial no mosto (Verstrepen et al., 2003).
As vitaminas
Denominam-se fatores de crescimento os compostos orgânicos indispensáveis a um determinado microorganismo,
mas que ele não consegue sintetizar. Tais fatores, portanto,
devem estar presentes no meio para que o microrganismo
possa crescer. Muitos desses fatores são vitaminas, em especial do complexo B; outras vezes são aminoácidos, nucleotídeos e ácidos graxos. As necessidades dos microrganismos,
nesse particular, são variadíssimas (Alterthum, 2001).
A cevada e o malte são fontes ricas de muitas vitaminas,
dentre elas, as do complexo B, importante fator de crescimento para levedura, durante a fermentação. Nesse grupo,
biotina, inositol e pantotenato são importantes. Um mosto
com um alto conteúdo extrato de malte irá suprir essas vitaminas, em pelo menos duas vezes mais, do que a necessidade
da levedura (Azeredo, 1999).
Verifica-se na literatura que efeitos de estresse tais como
elevadas pressões osmóticas e a falta de nutrientes em mostos cervejeiros de alta densidade, afetam negativamente o
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Artigo
desempenho fermentativo da levedura cervejeira S. cerevisiae.
Para alcançar as vantagens da elaboração de cervejas por este
processo (high gravity), devem ser consideradas algumas estratégias para acelerar as fermentações. Uma das soluções
propostas para reduzir o tempo de fermentação e aumentar
a concentração de etanol é a suplementação nutricional do
meio com fontes de nitrogênio assimilável, vitaminas, esteróis
e ácidos graxos insaturados (Casey et al., 1984; Dragone et
al., 2003b).
controle de vários fatores que influenciam o processo biotecnológico cervejeiro (temperatura de fermentação; concentrações de substratos, células de leveduras, etanol etc.). Detalhes como a composição química do mosto, o metabolismo
e a regulação metabólica da levedura cervejeira no decorrer
da fermentação, são primordiais ao pesquisador cervejeiro
na elaboração de estratégias de controle e aperfeiçoamento
deste processo.
Agradecimento
CONCLUSÃO
Conclui-se que a busca na melhora da produtividade e da
estabilidade sensorial da cerveja depende do conhecimento e
Os autores agradecem o apoio financeiro recebido da
Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, para o desenvolvimento de projetos de pesquisa.
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