A LIBRAS COMO POLÍTICA PARA FORMAÇÃO DA IDENTIDADE SURDA Valkíria de Novais Santiago 1 - UNIVALI Franciéli arlt Lopes2 - UNIVALI Rosiani Fabricia Ribeiro Boeing 3 - UNIVALI Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Não contou com financiamento Resumo A educação se constitui como um direito básico da pessoa humana, independentemente das limitações de cada indivíduo. Entretanto, o que se observa, nos dias atuais, é que muitas pessoas ainda permanecem excluídas e segregadas do cenário formal da educação. Isso porque, o modelo atual de educação traz em seu contexto resquícios de uma educação elitista, reducionista e de normatização, baseada nas relações dicotômicas entre forte e fraco, pobre e rico, bom e ruim, normal e deficiente, que em certa medida não contribui para a formação identitária das minorias. Nesta perspectiva, o presente trabalho pretendeu-se investigar o conceito de identidade, bem como de política pública para, a partir de uma bibliografia especializada, compreender a Libras como política para formação da identidade surda, principalmente, a identidade política que se configura como a identidade surda em que ao seus participantes veem a libras como sua língua materna e compreende que os conhecimentos visuais e espaciais são determinantes para formação de comportamento, língua e cultura. Nesse sentido, buscou-se fazer um amplo levantamento bibliográfico e, posteriormente, estabelecer uma escuta da comunidade surda para saber se com as políticas públicas vigentes é possível o asseguramento da identidade surda, bem como o reconhecimento do surdo como sujeito de direito, isso porque, essa minoria, historicamente segregada, em grande medida é vista, pela maioria ouvinte, nos dias atuais, com olhar de piedade e de compaixão. Entretanto, esta pesquisa foi de campo, mas será utilizado o campo de pesquisa, sobretudo, União da Vitória para fundamentar, a partir do campo de pesquisa, a discussão bibliográfica de identidade surda a partir das políticas públicas. Palavras-chave: Identidade. Inclusão. Libras. Políticas. 1 Mestranda em Educação pela Universidade do Vale do Itajaí – Itajaí/SC. E-mail: [email protected] Mestranda em Educação pela Universidade do Vale do Itajaí – Itajaí/SC. E-mail: [email protected] 3 Mestranda em Educação pela Universidade do Vale do Itajaí – Itajaí/SC. E-mail: [email protected] 2 ISSN 2176-1396 35064 Introdução A história das pessoas surdas sempre fora marcada por estereótipos. No passado, pessoas que fugiam ao padrão de “normalidade”, exigidos pela sociedade da época, eram tratadas com piedade, compaixão e, também, com descaso pelos “normais”. Com a passar do tempo, as formas de exclusão e segregação físicas passaram a ser veladas e silenciosas, revelando-se tanto nas práticas em sala de aula, como também na negação desses indivíduos como parte constitutiva da sociedade. De acordo com Wringley (1996, apud, KLIAR, 2005, p. 16): para aquele que ouve, a surdez representa uma perda de comunicação, a exclusão a partir do seu mundo. Em termos cosmológicos, é uma marca de desaprovação. Ela é a Alteridade, um estigma para se ter pena, e por isso, exilada às margens do conhecimento social [...]. Seu ‘silêncio’ representa banimento ou, na melhor das hipóteses, solidão e isolamento. A atividade missionária e o auxílio caridoso são encorajados com as respostas moralmente encorajadas. Dentro dessa argumentação, observa-se que mesmo fazendo parte de uma sociedade multicultural e heterogênea, os alunos surdos viviam e, ainda, vivem como estranhos em seu próprio país, sem voz e sem vez. Isso porque, a inclusão de alunos surdos nas instituições de ensino, assim como na sociedade, carregam em seu bojo resquícios de caridade e de compaixão dos ouvintes para com os alunos surdos. De acordo com os padrões dessa visão reducionista e excludente, os surdos são vistos como deficientes e precisam da beneficência dos ouvintes para serem inseridos na sociedade, mas é preciso que saibam “falar”. É nesse cenário de euforia social que várias discussões têm sido articuladas como forma de proporcionar aos alunos surdos uma educação crítica e capaz de corresponder às demandas sociais nas quais os discentes estão ou estarão inseridos, bem como o desenvolvimento das potencialidades humanas e o respeito às diferenças. Dentre as inúmeras discussões acerca dessa temática, encontram-se as políticas públicas educacionais, com propostas educativas capazes de formar cidadãos críticos e transformadores de sua realidade por meio da educação. Dessa maneira, ainda segundo Skliar (2005, p. 29): a potencialidade de reconstrução histórica dos surdos sobre a educação e sua escolarização é, sem margem para dúvidas, um ponto de partida para uma política significativa e para que participem com consciência, das lutas dos movimentos sociais surdos pelo direito à língua de sinais, pelo direito a uma educação que abandone os seus mecanismos perversos de exclusão, e por um exercício pela cidadania. Reconstruir essa história é uma experiência de liberdade, a partir da qual se torna possível aos surdos imaginarem outras representações para narrarem a própria história do que significa ser surdo. (SKLIAR, 2005, p. 29). 35065 Com base nisso, a proposta de uma educação inclusiva é de fundamental importância para que avalie se as práticas educacionais, bem como as políticas públicas presentes nas instituições regulares de ensino, realmente estão aptas para atender e garantir aos alunos surdos uma educação que corresponda com as suas peculiaridades culturais, políticas, identitárias e linguísticas, pois, a inclusão tem como escopo proporcionar um ambiente educacional em que todos os alunos possam se sentir parte integrante no processo de construção do saber, uma vez que a educação precisa romper as barreiras das desigualdades e do preconceito e, concomitantemente, formar cidadão atuantes e reconhecidos como tal. Para Dalmo de Abreu Dallari (2004, p. 42): preparar para cidadania não é, portanto, apenas dar informação sobre os cargos eletivos a serem disputados e sobre os candidatos a ocupá-los, mas também informar e despertar a consciência sobre o valor da pessoa humana, suas características essenciais, suas necessidade de convivência e obrigação de respeitar a dignidade de todos os seres humanos, independentemente de sua condição social ou de atributos pessoais. Diante da assertiva de Dallari, atina-se para a premissa de que a educação precisa ser desvinculada da preparação para o trabalho, pois essa prática reforça o ideário de exclusão e de segregação. É preciso pensar no processo de emancipação da pessoa humana, ou seja, educar é formar cidadãos crítico e emancipado que valorizem as potencialidades de todos os indivíduos, independentemente de suas dificuldades ou barreiras no âmbito educacional, social e linguístico. Na educação dos surdos é importante que professores e estudiosos consigam compreender a surdez fora dos liames da visão etnocêntrica e clínica, ou seja, é preciso ir além e perceber que a surdez representa um fenômeno cultural em que os padrões e dificuldades sociais, intelectuais, políticas, emocionais e linguísticos estão intimamente unidos. As diversas lutas das comunidades surdas pela valorização da diversidade e da diferença, bem como da busca pelo resgate das perdas culturais, identitárias e linguísticas sofridas por estas pessoas ao longo da história, pode-se perceber, por meio dos documentos oficiais, que algumas das reivindicações foram acatadas. No final do século XX, a Conferência Mundial - Princípios, Política e Prática para as Necessidades Educativas Especiais, Declaração de Salamanca, dentre outros documentos, propuseram uma escola transformadora com intuito de incluir todos os alunos independente das suas diferenças ou dificuldades, pois uma escola capaz de respeitar as individualidades 35066 dos seus alunos, jamais será reprodutora de desigualdades e sim portadora de políticas sociais, educativas e culturais. Frente a essa realidade, a Língua de Sinais, aqui no Brasil, a Libras, regulamentada como Língua materna dos surdos, pela lei nº 10436/02 e pelo decreto 5626/05; é considerada uma importante via de conhecimento, pois não só permite a comunicação entre seus pares, mas estimula o desenvolvimento social, cognitivo e linguístico do povo surdo, haja vista que a mesma representa, de forma concreta, o mundo do surdos, em que caracteriza a sua cultura e sua identidade. Por essa razão, segundo Dorziat (2009, p. 23): a aceitação da LS nos mais diferentes espaços sociais representou uma avanço considerável quanto aos objetivos das pessoas surdas de terem melhores oportunidades de participação social. No entanto, considerando as ambiguidades e contradições inerentes a uma cultura erigida sob os princípios das identidades universais que cultivam as relações de poder, a Libras toma corpo apenas de um aparato legal, de uma ferramenta de valor simbólico para mascarar a continuidade das políticas homogêneas e unilaterais. O conceito de identidade geralmente constrói-se a partir de um discurso formado pelas relações de poder que se cristalizam e se reproduzem como hábito, repleto de verdades absolutas e incontestáveis, que oprimem, excluem e segregam todas as demais minorias como forma de justificar a sua identidade como verdade geral, isto é, forçando os demais agentes sociais a aderirem a sua identidade como única. Na educação das pessoas surdas isso é perceptível quando os ouvintes forçam os surdos a oralização. Neste sentido, ao reportar à identidade surda, busca-se fazer um resgate na história das pessoas surdas, a fim de suplantar o equívoco em fixar a identidade baseada na semelhança, rejeitando as formas de ascendência e força de uma comunidade sobre a outra. Ainda segundo Dorziat (2009, p.19): a partir da constatação de que as identidades constroem-se no e pelo discurso, em lugares históricos, institucionais e específicos, em formações prático- discursivas determinadas e por estratégias precisas, é possível dar-se início a um processo de desvendamento das sinuosidades de poder, ocultos na sociedade, levantando-se a possibilidade de ambiguidades existentes entre o ser, evocadas muitas vezes pela identidade, e o não ser, geralmente lembrado para anunciar o outro. Com isso, pretende-se, a partir de uma compreensão ampla e sólida da identidade surda, bem como do estudo proposto desestabilizar o conceito de identidade estático e petrificado, que considera o surdo como um ser destituído de pensamento e de vontades para resgatar uma realidade identitária dessa minoria que por causa de sua característica biológica, 35067 sofreu fortes consequências com a tentativa de enquadramento a uma cultura ouvinista, que busca a padronização e a homogeneização das condutas sociais, linguísticas e políticas. Materiais e Métodos O propósito desta pesquisa foi determinar o alcance da conceituação de educação inclusiva com vistas à surdez, bem como a relevância da Libras para a formação e o fortalecimento da identidade da pessoa surda. Ainda nesse momento, parte capital da pesquisa, intentou debater a compreensão conceitual de identidade, bem como da Libras enquanto política pública. Esta compreensão fora elaborada a partir do universo educacional com vistas ao expediente teórico que pautou-se num recorte bibliográfico. De acordo com Minayo (1992, p. 30): “O campo de pesquisa é como um recorte que o pesquisador faz em termos de espaço, representando uma realidade empírica a ser estudada a partir das concepções teóricas que fundamentam o objeto de investigação”. Não houve uma pesquisa de campo, mas estabeleceu-se, como campo de pesquisa, a compreensão conceitual a partir de um recorte bibliográfico, por isso, a discussão foi centrada num amplo levantamento e debate bibliográfico e, assim, os esforços foram direcionados para este fim, quer dizer, compreender conceitos e estabelecer um debate em torno da temática que circunscreveu o problema de pesquisa, isto é, compreender a Libras como política para formação da identidade surda. Desenvolvimento As pessoas surdas vêm sofrendo, historicamente, os efeitos dos processos educativos aplicados a essa minoria, que sempre se caracterizaram pela valorização extrema dos fatores biológicos e clínicos, negando as potencialidades dessas pessoas como sua linguagem, sua cultura e sua identidade. Isto é, mesmo com os avanços obtidos pela comunidade surda observa-se que todas essas conquistas não se tornaram requisito para que essas pessoas fossem respeitadas como cidadãos de diretos e agentes construtores de sua história. Com isso, maioria ouvinte, mesmo de forma velada, continua reproduzindo em suas práticas educacionais a supervalorização da linguagem oral e adequação social das pessoas surdas, uma vez que os currículos ainda são totalmente voltados para a maioria ouvinte. A Libras ainda é pouco conhecida da comunidade escolar e os intérpretes, no exercício de sua função, muitas vezes são confundidos com os professores regentes de classe. Para elucidar melhor os entraves que contribuem para não formação e fortalecimento da identidade das 35068 pessoas surdas, faz-se necessário apresentar as discussões que contribuirão para melhor compreensão do trabalho proposto. História da Educação de Surdos no Brasil A história da educação dos surdos, no Brasil, teve início com a vinda da família real, onde o Imperador Dom Pedro II trouxe um ex-aluno do surdo do Instituto de Paris e educador de surdos, Hernest Huet, em 1855. O trabalho de Huet se baseava, sobretudo, no método francês que considerava a estimulação da fala e da leitura labial secundárias valorizando assim, a utilização das línguas de sinais e a escrita. Em 26 de setembro de 1857, foi fundado o Instituto dos Surdos-Mudos do Rio de Janeiro, atual Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES). Durante muito tempo o Instituto utilizou a Língua de Sinais no processo de educação dos surdos, mas, por volta de 1911, seguindo a tendência e determinação do Congresso de Milão, o Instituto passou a assumir a método oralista na educação dos surdos, adotando os trabalhos de leitura labial e de articulação da fala. Porém, com o passar do tempo constatou-se que estes métodos não surtiam efeito na educação dos surdos e que a melhor forma de proporcionar uma educação de qualidade a estes alunos era por meio de uma língua viso- espacial. Na década de 80, a professora linguista Lucinda Ferreira Brito inicia os primeiros estudos sobre a Língua Brasileira de Sinais brasileira – Libras, apresentando assim as contribuições da libras para a educação dos surdos do conhecimento brasileiro. Segundo Mainieri (2011, p.152) a língua Brasileira de Sinais (Libras), por sua característica viso-espacial, expressa pelas mãos, face e corpo, constitui-se a modalidade de aprendizagem de uma língua ideal para o sujeito surdo; por meio dela, a comunidade surda realiza as suas relações sociais, emocionais, culturais e cientificas. Diante disso, destaca-se a importância e domínio da Libras ferramenta para a formação da identidade surda, bem como da valorização de uma minoria que foi silenciada durante muito tempo pela maioria ouvinte, que insistia na concepção de que para fazer parte da sociedade precisava ser oralizado. A Língua de Sinais Brasileira - Libras A língua brasileira de sinais - LIBRAS, é a língua natural da maioria dos surdos brasileiros, pois foi surgindo naturalmente do contato entre seus pares. A libras não é a 35069 simples transposição da língua portuguesa, e sim uma língua que possui todos os segmentos das línguas orais, isto é, elas podem ser comparadas à complexidade e expressividade de qualquer língua oral, pois pode ser passado qualquer conceito, concreto ou abstrato, emocional ou racional, complexo ou simples por meio delas. Para Sales (2004, apud, MAINIERI, 2011, p. 152): de fato, as características e estágios da aquisição da língua de sinais por surdos podem ser comparados aos de aquisição das línguas de sinais por surdos podem ser comparados aos da aquisição da língua oral por ouvintes, o que aponta para resultados semelhantes na representação mental do conhecimento linguístico. Dessa forma, a Libras como natural do povo surdo apresenta características linguísticas que favorecem o desenvolvimento cultural, linguístico e social dos surdos proporcionado autonomia e maior participação social das pessoas surdas. Porém, vale ressaltar que, por ser uma língua, é viva e dinâmica, apresentando diferenças regionais, sociais e culturais, e que esses fatores servem para que se perceba que a Libras como qualquer outra língua oral traz em seu bojo a diversidade e que essa diversidade é fundamental para que se perceba que a identidade se efetiva numa relação de diálogo e de reconhecimento da diferença. Essas marcas de diferenças podem ser percebidas nas contribuições afetivas, estéticas, culturais, cognitivas e identitárias, que cada sujeito constrói a si mesmo, é fundamental que se observe que ser surdo é fazer parte de um mundo visual, isto é, que as pessoas surdas dependem da visão para aprender e que essa diferença não as torna inferiores aos ouvintes, mas apenas diferentes linguísticas e culturalmente proporcionado várias posições e representações de sujeitos surdos que permitem a formação de novas identidades surdas. Identidade Surda O conceito de identidade é bastante amplo e complexo, assim a identidade a qual será apresentada nesta discussão é a identidade surda enquanto identificação cultural e política, haja vista que nessa concepção de identidade surda, isto é, na identidade política estão presentes os surdos que fazem parte da experiência visual, pois para estes surdos as experiências visuais fazem parte da sua percepção, interpretação, apreensão e interação com o mundo e com as pessoas; sem se tornar para estes uma realidade privada e intrigante como é para alguns surdos que insistem em viver uma experiência oral e auditiva totalmente contemplativa e excludente para eles próprios. 35070 Segundo Skliar (2005, p. 63) “[...] esse tipo de identidade surda cria um espaço cultural visual dentro de um espaço cultural diverso. Praticamente esta identidade recria a cultura visual, reclamando à história a alteridade surda”. Nesta perspectiva, analisa-se que a cultura e as identidades surdas permaneceram, durante muito tempo, subordinadas um conceito de identidade homogênea e estereotipada, ou seja, os surdos estiveram presos a conceito de identidade que silenciara as pessoas surdas e insistia num discurso único, cristalizado e reproduzido pela da maioria ouvinte, mesmo que esta não tivesse nenhuma representação para os surdos que vivem num mundo totalmente visual. Nesse sentido Mainieri (2011, p. 77), afirma que: não se concebia ao surdo o seu desenvolvimento social, emocional, intelectual, linguístico e laboral sem a aquisição da fala e da audição. Imposto de uma maneira rígida, pelos princípios da medicalização, reabilitação e normalização, o falar e o ouvir marcam a identidade dos surdos de maneira negativa, pois num grupo de pessoas ouvintes os surdos não eram envolvidos de forma plena, principalmente nos episódios de convívio linguístico. Diante dessa assertiva, por ser uma língua viso-espacial e que consegue expressa as experiências mais abstratas e subjetivas das pessoas surdas, é adequado destacar a importância da Libras para a educação das pessoas surdas, bem como as suas contribuições para a formação da identidade surda. Nesse ponto, é importante destacar que a discussão sobre identidade, aqui proposta, não pretende desvalorizar os demais conceitos de identidade presentes socialmente, muito menos, supervalorizar a identidade surda política, mas apontar que as pessoas surdas têm cultura, identidade e sistema linguístico diferente dos ouvintes e que essas peculiaridades precisam ser respeitadas e valorizadas; como forma de assegurar a todos os surdos uma sociedade mais justa e igualitária. Para Skilair, (2005, p. 71) “lutando pelo surdo, resiste à complexidade da cultura vigente. E essa resistência não é no sentido de excluir a cultura vigente, mas no sentido de abrir o acesso a ela de uma forma onde se sobressai a diferença”. Libras como Política Pública A inclusão, como um movimento mundial, é considerada como uma ação política, cultural, social e pedagógica desencadeada como forma de assegurar os direitos de todos os discentes conviverem num mesmo espaço educacional aprendendo e participando do processo de ensino aprendizagem de forma igualitária sem nenhum tipo de discriminação. O Referencial Curricular para a Educação Infantil (BRASIL, 1998), afirma que: 35071 em busca da cidadania e da formação de uma sociedade igualitária, a ação educativa deve promover o convívio com a diversidade, que é marca da política democrática do Brasil. Essa diversidade não estreita somente as diversas culturas, os hábitos, e os costumes, mas também diz respeito às competências, as peculiaridades de cada um. Nestes termos, percebe-se que o reconhecimento da Libras, enquanto Política Pública, é de fundamental importância para que a inclusão de pessoas surdas se efetive e que as mesmas possam ocupar os espaços sociais de forma independente e autônoma. Com intento de fundamentar a discussão é importante definir que a Lei Federal 10.436, de 24 de abril de 2002, e o decreto lei 5.626, de 22 de dezembro de 2005, promovem o reconhecimento da Libras, bem como mudanças significativas no atendimento à minoria surda do ensino fundamental ao ensino superior, dentre as quais podemos destacar a admissão de interpretes e a obrigatoriedade da inserção da disciplina de Libras na matriz curricular de todas as licenciaturas do país. Para elucidar melhor essa questão, Lacerda (2012, p.23), afirma que: em 2002, a Lei nº 10.436, reconheceu a Libras, conferindo a ela o status de Língua oficial brasileira. Desse modo, o seu uso pelas comunidades surdas ganhou legitimidade e passou a ser possível, com base na lei, buscar respaldo no poder público para o acesso à educação e outro serviços públicos através da Libras. Essa lei também tornou obrigatório o ensino da Libras aos estudantes de fonoaudiologia e pedagogia, aos estudantes de Magistério e nos cursos de especialização em Educação Especial, ampliando a abrangência de profissionais com conhecimento sobre Libras e as possibilidades de o trabalho com os surdos ser desenvolvido de forma a respeitar sua condição linguística diferenciada. Diante disso, na perspectiva da educação inclusiva, faz-se necessário analisar como que se deu a educação dos alunos surdos, a inserção da Língua Brasileira de Sinais - Libras, nas instituições regulares de ensino; à luz das Políticas Públicas Educacionais, bem como sua aplicabilidade da Libras como ferramenta para a formação de cidadãos ativos e participativos da vida social. Com isso, é importante que se investigue até que ponto a Libras enquanto política Pública contribui para o fortalecimento da identidade surda, haja vista que durante muito tempo as pessoas surdas foram silenciadas e forçadas a esquecerem sua própria identidade, cultura e linguagem para se adequarem ao mundo dos ouvintes. Cabe ressalvar que durante muito tempo a Libras foi vista apenas como aparato legal, apenas com valor simbólico para, muitas vezes, mascarar as práticas hegemónicas que reforçavam os estereótipos de que as pessoas surdas são incapazes e que não têm identidade própria, isto é, quase sempre, acata-se o modelo de diferença, mas as práticas reducionistas e de submissão continuam as mesmas. 35072 Desse modo, percebe-se que propor uma nova ordem social e educacional que estimule o diálogo acerca de opiniões, atitudes e valores é uma tarefa quase que homérica, haja vista que as construções sociais estão baseadas em ideias cristalizadas por explicações binárias sobre a formação humana, onde o surdos são vistos como pessoas desprovidas de opiniões e atitudes. Neste aspecto Skliar (2005, p.29), afirma que: a potencialidade de reconstrução histórica dos surdos sobre sua educação e sua escolarização é, sem margem para dúvidas, um ponto de partida para uma reconstrução política significativa e para que participem, consciência, das lutas e dos movimentos sociais surdos pelo direito à língua de sinais, pelo direito a uma educação que abandone os seus mecanismos de perversos de exclusão, e por um exercício pleno da cidadania. Reconstruir essa história é uma nova experiência de liberdade, a partir da qual se torna possível aos surdos imaginarem outras representações para narrarem a própria história do que significa o ser surdo. Assim, faz-se premente uma ressignificação na educação dos surdos, principalmente, no tocante a efetivação da Libras como política educacional, uma vez que esta se constitui como ferramenta de fundamental importância para a educação destas pessoas, pois a mesma possibilita o diálogo entre seus pares, expressa, no que diz respeito aos surdos, seus pensamentos e sentimentos de forma autônoma e, ainda, participa do mundo dos ouvintes como ser singular que têm identidade, cultura e língua própria e que isso não os torna inferiores, apenas diferentes. Considerações Finais Diante das discussões arroladas no corpo do trabalho, foi possível fomentar alguns aspectos que influenciaram a trajetória da educação dos surdos nos Brasil, bem como as contribuições da Libras para a formação de sujeitos críticos e atuantes social, político e culturalmente. A libras se constitui como a língua materna dos surdos brasileiros e que por isso vem sendo construída histórica e socialmente. Nesse sentido, a aquisição dessa língua como língua de instrução das pessoas surdas, desde a mais tenra idade, contribui, de forma decisiva, para que elas possam se sentir incluídas efetivamente em uma sociedade que historicamente as excluiu. Vale destacar que apenas a Libras não garante aos surdos uma educação para a cidadania, isso porque, só por meio de uma postura ética por parte de todos os agentes sociais; da aprendizagem da Libras, como segunda língua, da valorização do profissional intérprete na 35073 educação dos alunos surdos, de uma educação bilíngue e também do reconhecimento da identidade e da cultura surda, podem garantir uma educação emancipatória e para cidadania. O estudo aqui proposto teve como foco principal evidenciar até que ponto a Libras, enquanto política pública garante, aos surdos, uma educação emancipatória e que seja capaz de formar a identidade surda, isto é, identidade política; identidade na qual compreende-se a surdez como uma condição cultural e linguística diferente dos ouvinte e que o sujeito surdo vive e apreende o mundo de forma visual e tem a libras como sua língua natural. Entretanto, percebe-se que mesmo diante dos avanços adquiridos no tocante aos documentos oficias e da Libras enquanto Política Pública, ainda existem muitos entraves para que a aquisição, conhecimento da Libras possa garantir a formação da identidade surda política, isso porque, as práticas educacionais e a concepção de humanidade presentes em nossa sociedade ainda estão cristalizadas na concepção de que os surdos precisam se adequar às demandas ideológicas ouvinistas para serem inseridas socialmente. Em suma, é importante ressaltar que a conquista da cidadania corresponde à integração da pessoa surda no processo de inclusão, processo que prima pela aquisição da conquista dos direitos de expressar sua cultura através de sua língua materna, isto é, a Libras. Com isso, o domínio da Libras configura-se como um importante instrumento de conquista dos direitos fundamentais como, direito à saúde, à educação, ao lazer e ao trabalho e ao exercício da cidadania. Dessa forma, a comunidade surda e o movimento surdo, como um todo, busca por meio de lutas e mobilizações, mostrar à sociedade em geral que os surdos são sujeitos com língua e identidade própria e diferentes da maioria ouvinte. Para tanto, faz-se premente advertir que o trabalho não teve a intenção de esgotar a temática, até porque isso seria quase que impossível, mas sim de levantar alguns questionamentos acerca da Libras, da sua relevância para a educação das pessoas surdas, bem como sua utilização e seu reconhecimento como ferramenta, importante, para o fortalecimento e sua relevância para identidade surda, pois só através dessa tomada de consciência, por todos os agentes da sociedade, será possível proporcional aos surdos uma educação emancipatória e a formação de uma sociedade mais justa e igualitária, em que o surdo possa ser o agente construtor da sua própria história. REFERÊNCIAS BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de 35074 Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm. Acesso em: 14 de junho de 2015 BRASIL. Lei n° 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras. BRASIL, Ministério da Educação. Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil. Brasília, MEC/SEF, 1998.3. v.: il. BRASIL. Ministério da Justiça. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais – Brasília, corde, 1997. DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Editora Moderna, 2004. DORZIAT, Ana; O outro da educação: pensando a surdez com base nos temas Identidade/Diferença, Currículo e Inclusão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009 LACERDA, Cristina B. F. de; Intérprete de Libras: em atuação na educação infantil e no ensino fundamental. 4ª ed. Porto Alegre: Mediação, 2012. MAINIEIRI, Cláudia Maria Padilha. Desenvolvimento e aprendizagem de alunos surdos: cognitivo, afetivo e social. 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