PARTICIPAÇÃO SOCIAL E ESFERA PÚBLICA:

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO
MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL
PARTICIPAÇÃO SOCIAL E ESPAÇO PÚBLICO:
Um Estudo Sobre a Representação dos Usuários no Conselho de
Assistência Social de Barbacena-MG
Guilver Star Araújo
Belo Horizonte-MG
2012
GUILVER STAR ARAUJO
PARTICIPAÇÃO SOCIAL E ESPAÇO PÚBLICO:
Um Estudo Sobre a Representação dos Usuários no Conselho de
Assistência Social de Barbacena-MG
Dissertação apresentada ao Mestrado em
Gestão
Social,
Educação
e
Desenvolvimento
Local
do
Centro
Universitário UNA, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre.
Área de concentração: Inovações Sociais,
Educação e Desenvolvimento Local.
Linha de pesquisa: Processos PolíticoSociais - Articulações Institucionais e
Desenvolvimento Local (Ênfase em Gestão
Social).
Orientadora: Profa. Dra. Ediméia Maria
Ribeiro de Melo.
Coorientadora: Profª. Drª Matilde Meire
Miranda Cadete.
Belo Horizonte–MG
Centro de Estudos UNA
2012
Aos excluídos que tiveram a voz sequestrada,
às vítimas de todas as formas de violência, inclusive as invisíveis,
às crianças abandonadas e que precisaram virar adultas antes do tempo,
aos moradores de rua,
aos que ainda sentem fome,
aos sujeitos que “saíram de cena” porque incomodaram
e àqueles que não tiveram oportunidade de virar gente.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela oportunidade de ouvir passar o vento, por sentir o calor do
sol e poder contemplar a lua. Por não ser omisso à luta e por não permitir que as
injustiças se tornem tão naturais que impeçam as pessoas de acontecer.
De maneira muito especial, ao Conselho Municipal de Assistência Social de
Barbacena e aos tecelões do conhecimento que colaboraram com a trama deste
trabalho: à educadora Matilde Meire Miranda Cadete, que me devolveu o sonho, o
prosseguir e a honra; à educadora Edméia Maria Ribeiro de Melo, pela didática,
afeto e compreensão; à coordenadora do curso, Lucilia Machado, por ter optado
pelo contraditório, pela justiça e pela imparcialidade; aos mestres, que ofertaram
seus “saberes fazeres” durante a caminhada e aos que não permitiram que a
decisão sobre a vida das pessoas pudesse ser tomada de forma monocrática,
pois não pode haver só pontos, as vírgulas foram inventadas para a história poder
continuar.
Aos amigos de mestrado: Fred, por dividir a incerteza da rodovia; e Celinho, por
estar dando batalha. Você é um guerreiro, amigo, lembre-se, o “diabo não há, se
for e existe é homem humano, travessia”.
Pela luta de mãe, que mesmo com as dificuldades impostas a ela, conseguiu
devolver o “lobo à alcateia”, cozendo as feridas com presença, dedicação e amor.
À Tati, que preenche o vazio da minha ausência em casa, e aos meus sobrinhos,
pela “meninice” que os torna tão especiais.
Ao apoio incondicional da namorada, que perdeu a festa, a convivência e a
presença, mas ganhou mais respeito e admiração.
Aos salesianos, que reconheceram no mais difícil educando pontos acessíveis ao
bem. E aos meus educandos, que confiaram sua amizade, confidenciando seus
medos e agonias. Aprendi com vocês que a melhor maneira de ser feliz e buscar
nos “pequenos nadas” as razões motivacionais que precisamos para seguir em
frente.
Obrigado, Mainha e Tio Jean, pelo apoio nos momentos mais difíceis da minha
vida; e tios Waldir, Lourdes e Regina Bertola, por contribuírem com as minhas
primeiras escolhas.
Tio Plácido, Tia Edyir e Amarelo, não vou esquecer nunca da casa aberta, da
partilha do pão, das consultorias jurídicas e da chave que ainda está comigo e eu
não vou devolver, para não poder fechar a porta que a convivência abriu.
Aos meus primos, que são tão importantes na minha vida, e às pessoas que
escolheram ser minhas amigas e mesmo sabendo das limitações, dos erros e
defeitos não me privaram de sua convivência.
À revisora Magda Roquette Taranto, pelos pontos, vírgulas e traços humanos que
ficaram depositados no trabalho; aos amigos e pessoas que ao longo da vida
proporcionaram-me ensinamentos.
“Às vezes a vida, o sofrimento, as injustiça, é maior que nois.
Mas se agente acreditar numa luzinha que mora no fundo de dentro da gente,
a gente vorta a sonhar, vorta a sabe que nois,
que gente foi feita para inventar um mundo de novo,
pra mudar e desmudar carregando alegria”.
Texto do personagem Fugêncio, do
espetáculo “Beco a Opera do Lixo”.
Grupo Ponto de Partida.
Regina Bertola.
RESUMO
O cenário que vem sendo construído pela sociedade civil a partir do marco legal e
das disposições regulatórias de direito sinalizam um tipo de gestão social que tem
por finalidade a superação das desigualdades sociais e a efetivação da
participação social como instrumento que viabiliza o acesso ao direito. Entretanto,
a consolidação dessa participação vem passando por uma série de desafios com
vistas à inclusão dos demandantes das políticas sociais nos processos de decisão
e deliberação. Nesse contexto, esta pesquisa objetivou verificar a participação
social da sociedade civil no espaço público, a partir de um estudo sobre a
representação dos usuários no Conselho de Assistência Social de BarbacenaMG. Trata-se de uma investigação de cunho qualitativo, realizada por meio de
levantamento bibliográfico, análise documental e entrevista semiestruturada. O
estudo proposto buscou desvendar a efetividade participativa dos usuários nos
processos decisórios e deliberativos do conselho. Foram analisadas 54 atas de
reuniões do Conselho realizadas no período de maio de 2009 a 27 de novembro
de 2011. Assim, foi observada a capacidade de vocalização dos conselheiros,
verificada pelos atos de fala registrados nas atas, relativos a cada segmento
representativo. No que diz respeito à entrevista, participaram seis sujeitos,
membros representantes da sociedade civil e do Poder Executivo municipal. Para
fundamentar a análise, tabular e organizar os dados de natureza verbal recorreu
se à técnica do Discurso do Sujeito Coletivo de Lefréve e Lefréve ( 2003). Os
instrumentos metodológicos utilizados possibilitaram melhor compreensão dos
desenhos institucionais e das dificuldades de inclusão dos usuários da assistência
social nos processos de elaboração e controle da gestão pública. O estudo
também demonstrou a fragilidade da representação dos usuários e a distância
que o Conselho ainda está de garantir a participação e cumprir a regulamentação
da assistência social, expressa na Constituição Federal (CF) 88, Lei Orgânica de
Assistência Social (LOAS), Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e
Norma Operacional Básica - Sistema Único de Assistência Social (NOB-SUAS).
Os resultados obtidos compuseram uma proposta de intervenção profissional que
poderá contribuir para o aprofundamento da discussão sobre uma nova
perspectiva democrática na qual os usuários da Política Nacional de Assistência
Social possam se tornar protagonistas.
Palavras-chave: Gestão Social. Participação Social. Conselho. Assistência
Social. Usuários.
ABSTRACT
The scenario that is being built by civil society from the legal and regulatory
provisions of the law indicate a type of social management that aims at
overcoming social inequalities and the effectiveness of social participation as a
tool that allows access to the right. However, the consolidation of this participation
has been undergoing a series of challenges in order to include applicants' social
policies in decision-making and deliberation. In this context, this research aimed to
verify the social participation of civil society in public space, from a study on the
representation of users in the Social Welfare Council of Barbacena-MG. This is a
qualitative research, conducted through a literature review, document analysis and
semistructured interviews. The proposed study sought to reveal the effectiveness
of users in participatory decision making and deliberative council. We analyzed 54
minutes of board meetings held during the period May 2009 through November
27, 2011. Thus, we observed the ability to speak of the directors, checked by the
speech acts recorded in the minutes, for each representative segment. Regarding
the interview, subjects participated in six members representing civil society and
the municipal executive. To substantiate the analysis, tabulate, and organize data
of verbal nature appealed to the technique of Collective Subject Discourse of
Lefèvre and Lefèvre (2003). The methodological tools used in better
understanding of institutional designs and the difficulties of inclusion of social care
users in the processes of preparation and control of public administration. The
study also demonstrated the fragility of the representation of users and the
distance that the Council is still to ensure the participation and comply with the
regulation of social welfare, expressed in the Federal Constitution (FC) 88,
Organic Law of Social Assistance (LOAS), National Policy Social Assistance
(PNAS) and Basic Operational Norm - Social Assistance System (ITS-NOB). The
results comprised a proposal for professional intervention that could contribute to
further discussion about a new democratic perspective in which users of the
National Social Assistance can become protagonists.
Keywords: Social Management. Social Participation. Council. Welfare. Users.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AC
Ancoragem
Ator ext gov
Ator externo do governo
Ator ext SC
Ator externo da sociedade civil
Ator NI
Ator não identificado
CF
Constituição Federal
CFESS
Conselho Federal de Serviço Social
CIB
Comissão Intergestores Bipartite
CIT
Comissão Intergestores Tripartite
CMAS
Conselho Municipal de Assistência Social
CNAS
Conselho Nacional de Assistência Social
CRAS
Centro de Referência de Assistência Social
CREAS
Centro de Referencia Especializado de Assistência
Social
CRESS
Conselho Regional de Serviço Social
DSC
Discurso do Sujeito Coletivo
ECH
Expressão-chave
IC
Ideia central
LOAS
Lei Orgânica de Assistência Social
NOB
Norma Operacional Básica
ONG
Organização Não Governamental
PNAS
Política Nacional de Assistência Social
Segm Governo
Segmento Governo
Segm Prestador
Segmento prestador de serviço
Segm Trabalhador
Segmento trabalhador
Segm Usuário
Segmento usuário
SUAS
Sistema Único de Assistência Social
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura
FIGURA 1 - Esquema de referência da pesquisa qualitativa adotada...... 79
Quadros
QUADRO 1 – Objetivos da pesquisa e passos metodológicos.................. 85
QUADRO 2 – Os significados do conceito de participação social............
89
QUADRO 3 – Dificuldades e limites da representação dos usuários no
CMAS................................................................................................. 92
QUADRO 4 – A colaboração dos usuários na qualificação das políticas
públicas de assistência social............................................................ 95
QUADRO 5 – A garantia da participação dos usuários no Conselho
Municipal de Assistência Social......................................................... 97
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 - Vocalizações por segmento no CMAS de Barbacena, nas
reuniões de 2009 a 2011................................................................... 100
TABELA 2 - Tipos de manifestação no CMAS de Barbacena, nas
reuniões de 2009 a 2011................................................................... 103
SUMÁRIO1
1 INTRODUÇÃO......................................................................................
14
3 REFERENCIAL TEÓRICO-CONCEITUAL...........................................
25
3.1 Sociedade civil e estado: uma abordagem conceitual.......................
25
3.1.1 Sociedade civil e os espaços de construção democrática..............
32
3.2 O conceito de participação e as suas concepções teóricas..............
37
3.2.1 Sentidos e características da participação......................................
44
3.2.2 Contextos e significados da participação no Brasil.........................
47
3.3 Política pública, política social e política de assistência social:
demarcando conceitos.............................................................................
4
ARCABOUÇO
LEGAL
DA
ASSISTÊNCIA
SOCIAL
50
E
EQUIPAMENTOS PÚBLICOS NO BRASIL.............................................
56
4.1 Política pública de assistência social, princípios, diretrizes e
organização..............................................................................................
56
4.2 A Política Nacional de Assistência Social..........................................
58
4.3 O conselho de assistência social como ferramenta de controle e
democratização na gestão pública..........................................................
62
4.4 As categorias normativas e os elementos constitutivos do Conselho
Gestor de assistência social....................................................
65
4.5 A composição do Conselho de Assistência: entre a paridade
numérica e a paridade representativa......................................................
4.6
A
representação
no
Conselho
e
os
mecanismos
68
de
institucionalização de suas práticas.........................................................
69
5 METODOLOGIA...................................................................................
74
5.1 Opções metodológicas.......................................................................
75
1
Este trabalho foi revisado de acordo com as novas regras ortográficas aprovadas pelo Acordo
Ortográfico assinado entre os países que integram a Comunidade de Países de Língua
Portuguesa (CPLP), em vigor no Brasil desde 2009. E foi formatado de acordo com a ABNT NBR
14724 de 17.04.2011.
5.2 O modo de investigação....................................................................
76
5.3 Unidade de análises e delimitação geográfica...................................
76
5.4 Procedimentos de coleta e análise de dados e instrumentos
metodológicos...........................................................................................
76
5.4.1 Técnicas e procedimentos para coleta de dados............................
77
5.4.1.1 Pesquisa documental...................................................................
77
5.4.1.2 Entrevistas com os sujeitos da pesquisa......................................
77
5.4.2 Demarcação do processo metodológico da pesquisa.....................
78
5.5 Aspectos éticos da pesquisa..............................................................
80
5.6 Procedimentos adotados para a análise dos dados...........................
80
6 ANÁLISE DOS RESULTADOS.............................................................
84
6.1 Entrevistas com os conselheiros do CMAS de Barbacena................
86
6.1.1 Universo da pesquisa......................................................................
86
6.1.2 Perfil da amostra contemplada........................................................
87
6.1.3 Análise das entrevistas....................................................................
87
6.2 Resultados da pesquisa nas atas das reuniões e análise..................
99
7 CONCLUSÃO........................................................................................
107
REFERÊNCIAS........................................................................................
112
ANEXOS E APÊNDICES..........................................................................
119
14
1 INTRODUÇÃO
As décadas de 1970 e 1980 foram marcadas por amplo processo de
construção da democracia no Brasil, que teve a sociedade civil – representada
por organizações populares, movimentos sociais, Igrejas, cidadãos comuns,
partidos políticos e sindicatos – como protagonista. Esta exigiu maior abertura
política (fim da ditadura militar) e repudiou a tutela do Estado, que limitava a
participação social nos destinos políticos, econômicos e sociais do país.
Como resultado do processo de mobilização e pressão desses novos
sujeitos sociais, foi possível a incorporação de importantes avanços no campo
dos direitos sociais, na Constituição Federal (CF) de 1988 (BRASIL, 2002). Entre
esses avanços, a Constituição introduziu a participação da sociedade civil nas
esferas de decisões políticas, por meio das organizações representativas
atuantes nos Conselhos Deliberativos das políticas públicas sociais (BRAVO;
PEREIRA 2007; GOHN, 2003).
A Constituição Federal de 1988 foi chamada, no auge do entusiasmo
cívico, de “Constituição Cidadã” (CARVALHO, 2004, p. 7), pois sua promulgação
possibilitou no plano formal-legal a consolidação do Estado Democrático de
Direito. Teve como importantes diretrizes das políticas públicas sociais a
descentralização político-administrativa e a participação da população por meio
das organizações representativas na formulação das políticas e no controle das
ações nos três níveis governamentais (nacional, estadual/distrital e municipal)
(BRASIL, 2002). Essa mudança gradativa das características e da organização
político-institucionais das políticas públicas sociais,2 definidas no Título VIII da
Ordem Social, nos artigos 194, 198, 203 e 204 da CF-88, possibilitou
concretamente a instituição da participação popular e democrática na formulação,
gestão e controle das políticas sociais no Brasil (RAICHELIS, 1998).
Nesse contexto, para transformar as disposições declaratórias em
disposições assecuratórias e dar concretude ao direito proclamado na CF-88, foi
necessário garantir a aprovação das legislações infraconstitucionais no interesse
2
As políticas sociais de assistência social, saúde e previdência social compõem o tripé da
seguridade social na CF88.
15
específico desta pesquisa propostos. Assim, a Lei no 8.742, de 7 de dezembro de
1993 (BRASIL, 1993), denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS),
regulamentou a organização da assistência social como direito do cidadão e
dever do Estado, sendo uma política não contributiva, que provê os mínimos
sociais a todos aqueles que dela necessitem3.
A LOAS significou:
[...] O fim da travessia no deserto ao superar a compreensão corrente de
dever moral de ajuda (de natureza humanitária e subjetiva e sujeita a
possibilidades pessoais e políticas), passando-se a entendê-la como
dever legal de garantia de benefícios e serviços sociais, ou seja, como
direito assegurado pelo Estado (BEHRING, 2001, p. 110).
A participação popular, por meio de organizações sociais representativas,
definida na LOAS (artigo 5º; inciso II) e efetivada na Política Nacional de
Assistência Social (PNAS) (BRASIL, 2004a)4, tem a primazia do Estado na
responsabilidade pela condução da política pública social em cada esfera de
governo. Dessa forma, deve assegurar a assistência como direito do cidadão, em
razão da gravidade dos problemas sociais existentes. A sociedade civil
organizada participa também na execução da política de assistência social como
parceira, de maneira complementar na oferta de programas, projetos e serviços
de assistência social. Contudo, o grande desafio é exercer o papel do controle
social sobre a referida política:
O controle social tem sua concepção advinda da Constituição Federal de
1988, enquanto instrumento de participação popular no processo de
gestão político-administrativa-financeira e técnico-operativa, com caráter
democrático e descentralizado. [...] Os espaços privilegiados onde se
efetivará essa participação são os conselhos e as conferências (BRASIL,
2004a, p. 44).
As instâncias deliberativas do sistema descentralizado e participativo da
política de assistência social – de caráter permanente e de composição paritária
entre governo e sociedade civil – são os Conselhos nacional, estaduais/distrital e
3
4
A Lei n° 8.080/90 (BRASIL, 1990), que regulamentou o direito constitucional à saúde como
direito de todos e dever do Estado, foi precursora da estruturação da política pública nos moldes
definidos pelo novo marco legal.
A Política Nacional de Assistência Social foi aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência
Social (CNAS), por meio da Resolução n o. 145, de 15 de outubro de 2004 (BRASIL, 2004b).
16
municipais de assistência social criados por leis específicas em cada esfera
governamental (BRASIL, 2004a, LOAS, artigo 16, parágrafo 4).
Os Conselhos são, segundo Raichelis (1998), uma inovação democrática
que adquire importância singular, em razão, sobretudo, do perfil histórico das
práticas “assistencialistas” que pautaram as intervenções no campo social até a
CF-88.
O avanço no campo democrático do controle social da política de
assistência social trouxe a possibilidade de incorporação de três segmentos
representativos da sociedade civil na esfera pública dos Conselhos de
Assistência:

Representantes das entidades de assistência social, que se situam num
amplo espectro de organizações não governamentais (ONGs) voltadas
para a produção de ações junto aos segmentos das camadas populares.
Essas ONGs são instituições laicais ou confessionais que, de longa data,
mantêm uma trajetória de dependência com o Estado no que se refere ao
financiamento de suas atividades. Mas há novas modalidades de
organizações dirigidas para a defesa dos direitos, assessoria a
movimentos populares e promoção de cidadania, que passaram a integrar
o novo cenário da assistência social.

Representantes dos trabalhadores do setor, a maioria composta de
categorias profissionais que atuam no campo da política de assistência:
psicólogos e assistentes sociais. Estes últimos integram a representação
dos trabalhadores do setor quase que majoritariamente, muito em razão do
novo protagonismo ético-político que o conjunto Conselho Federal de
Serviço Social/Conselhos Regionais de Serviço Social (CFESS/CRESS)
passou a assumir no meio profissional.

Representantes ou organizações de usuários5, compostos de entidades
que congregam os destinatários dos programas e serviços da política de
assistência social. Nessa direção, Raichelis (1988) apresenta, com muita
pertinência,
importante
reflexão,
que
compõe
a
centralidade
da
problematização do objeto desta pesquisa: a participação dos usuários
5
A Resolução CNAS nº 24/2006 define como usuários pessoas beneficiárias dos programas,
projetos e serviços do Sistema Único de Assistência Social (BRASIL, 2006).
17
como segmento que integra a sociedade civil no Conselho Municipal de
Assistência Social.
Historicamente, a assistência social sempre tratou os destinatários de seus
programas e serviços, mesmo que sob a responsabilidade estatal, como objeto
de intervenção condicionada pelas práticas humanitárias, por sentimento de
dever moral e sujeitos à vontade e possibilidades pessoais e políticas
(BOSCHETTI, 2000). Essa concepção de doação, caridade, favor que sempre
norteou as práticas nesse campo assistencial reproduzia e refletia nos “usuários”
a ideia de pessoas subalternas. Essa subalternidade, segundo Yazbek (2001, p.
34), configura-se, juntamente com a pobreza e a exclusão, como “indicadores de
inserção, na vida social, de uma condição de classe e de outras condições
reiteradoras de desigualdade (como gênero, etnia, procedência) e acaba
produzindo e reproduzindo a desigualdade no plano social”. Assim, por mais
avanço que a CF-88 e suas legislações infraconstitucionais tenham levado à
assistência social, conduzindo-a ao status de política pública, ainda paira no
imaginário social a ideia de incapacidade civil ou, nas palavras de Telles (1994),
“pobreza incivil”.
A pobreza, para além da medida monetária, constitui-se também como
relação social que define lugares sociais, sociabilidades e identidades. Nesse
sentido, ela também significa carência de direitos e se expressa na ausência de
espaços públicos. O desafio então da participação dos usuários no Conselho de
Assistência Social, objeto de estudo nesta pesquisa, está diretamente
relacionado à ampliação quantitativa, mas, sobretudo, qualitativa do espaço
público, pois se faz necessário que a sociedade civil esteja bem representada, os
seus principais interessados possam, conforme bem sinaliza Raichelis (1998), se
“autorrepresentar por intermédio de sua organização coletiva” (RAICHELIS, 1998,
p. 93).
Contudo, completa a autora, são conhecidas as dificuldades de
organização dos segmentos sociais alcançados pelos serviços de assistência
social, principalmente dos grupos mais vulnerabilizados (crianças, idosos e
deficientes). E completa: “No entanto, essa dificuldade é também socialmente
produzida pela ação dos outros indivíduos e práticas institucionais, o que adiciona
à análise de vulnerabilidade social um componente político que não pode ser
18
desprezado” (RAICHELIS, 1998, p. 93). Ou seja, a cultura assistencial
disseminada na sociedade, que tutela e vulnerabiliza os segmentos mais pobres,
penetra e se reproduz de modo particular nas práticas assistenciais.
Segundo Raichelis (1998), é possível constatar um vazio da representação
dos grupos populares por meio de suas próprias organizações e formas de
associação:
[...] os denominados usuários dos programas e serviços de assistência
social são as camadas empobrecidas da população trabalhadora,
geralmente definidas a partir dos indicadores da pobreza absoluta,
critério que, aliás, acabou prevalecendo nos textos legais, por meio da
definição de grupos restritos de destinatários dos benefícios desta
política e do vergonhoso corte de renda, além dos vexatórios critérios de
seleção a que são submetidos (RAICHELIS, 1998, p. 93).
Silva, Jaccoud e Beghin (2005) afirmam que a participação social por meio
dos Conselhos se configura para a sociedade civil em um novo desafio: “o de
fazer parte”, assumindo o papel de intervenção, na elaboração de processos que
buscam a autonomia e consciência crítica da realidade política brasileira frente
aos desafios atribuídos à assistência social. Dessa maneira, seria mediante o
fortalecimento dos instrumentos de controle e participação nas políticas públicas
que a sociedade civil conquistaria espaço de consultas, debates e expressão.
A LOAS define, em seu artigo 17, a composição paritária do CNAS em 18
membros, sendo nove representantes governamentais e nove representantes da
sociedade civil, juntamente com seus respectivos suplentes. A sociedade civil é
dividida em três segmentos representativos: três representantes de entidades de
atendimento; três representantes dos trabalhadores da assistência social; e três
representantes de organizações dos usuários da assistência social.
No município de Barbacena, em Minas Gerais, delimitação geográfica de
nossa pesquisa, o Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) foi criado
em 4 de julho de 1995 pela Lei municipal n° 3.187 (BARBACENA, 1995) (ANEXO
A). Esse CMAS deve assegurar os princípios, objetivos e as disposições gerais
das normativas nacionais (CF-88 e LOAS), cuidando para que as atividades
municipais de assistência social, entidades públicas e privadas atendam
igualmente às disposições previstas na Lei Constitucional.
Na composição do Conselho Municipal de Assistência Social de
Barbacena, a representação ficou assim definida: quatro representantes
19
governamentais (das Secretarias de Bem-Estar Social, Saúde, Educação e
Governo) e quatro representantes da sociedade civil, escolhidos entre as
entidades ou organizações de assistência social (que atuavam no atendimento a
idosos, crianças excepcionais, creches ou organizações filantrópicas da
assistência social), sendo obrigatória a prévia inscrição no Conselho Municipal,
conforme art. 2.° (inciso III) da referida Lei. Como se pode perceber, a lei
municipal só previu a participação representativa de entidades de atendimento,
deixando de fora as representações dos trabalhadores da assistência e a
representação dos usuários.
Há também que se questionar os motivos da não previsão na lei municipal
da participação do usuário na composição representativa da sociedade civil no
CMAS de Barbacena: como é possível a formulação e a deliberação de políticas
públicas efetivas sem a participação do demandante? Cabe ressaltar que, para
Raichelis (1998), o impedimento da participação dos usuários na esfera pública –
no caso do CMAS de Barbacena – se constitui em uma negação do direito, o que,
para a autora, “termina por atribuir a esses grupos um estatuto de minoridade
civil, ficando assim os usúarios impedidos de se autorrepresentar, sendo
submetidos a uma lógica de sub-representação” (RAICHELIS, 1998, p. 94).
No ano de 2000, o Conselho Municipal de Assistência Social conseguiu
que a Lei n° 3.187 fosse revogada pela Lei Municipal de n° 3.595 (BARBACENA,
2000) (ANEXO B). Essa lei estabeleceu, no seu art 2.°, as competências do
Conselho, a saber6:
Definir prioridades da politica de assistência social; estabelecer as
diretrizes a serem observadas na elaboração do Plano Municipal de
Assistência Social; aprovar a política de assistência social; atuar na
formulação de estratégias e controle da execução da política de
assistência social; apreciar e aprovar critérios para a promulgação e para
as execuções financeiras e orçamentárias do Fundo Municipal de
Assistência Social e fiscalizar a movimentação e a aplicação de seus
recursos, acompanhar, avaliar e fiscalizar os serviços de assistência
prestados à população pelos órgãos, entidades públicas e privadas dos
município; aprovar critérios de qualidade para o funcionamento das
entidades, para celebração de convênios entre setor público e privado,
zelar pela efetivação do sistema descentralizado e participativo de
assistência social; convocar ordinariamente a cada dois anos ou
extraordinariamente Conferência Municipal para avaliar e propor
diretrizes para o aperfeiçoamento do sistema; entre outras competências
(BARBACENA, 2000, p. 1).
6
A Lei anterior, n° 3.187, não estabeleceu as competências de CMAS de Barbacena.
20
Contudo, o artigo 4.° dessa Lei (n° 3.595) definiu que os membros efetivos
e suplentes do CMAS, tanto na representação da sociedade civil quanto do
governo, seriam nomeados pelo prefeito mediante indicação das respectivas
instituições, sendo de sua livre escolha os representantes do governo.
O consentimento, por parte da sociedade civil, sobre a forma de
contistuição do Conselho por meio de indicação dos representantes pelas
entidades, traz questionamentos sobre o real entendimento dos representantes
da sociedade civil da época, de suas responsabilidades. E o que significa uma
indicação como essa num espaço conflituoso de formulação e deliberação da
política pública de assistência social na esfera do CMAS? Questionamos, ainda,
se o Conselho de Assistência, ao permitir sua constituição por via da indicação,
não estaria abrindo precedentes para que o governo criasse manobras para
aceitar apenas pessoas com afinidades políticas e ligadas ao governo.
Somente em 21 de outubro de 2003, por meio da Lei no 3.775
(BARBACENA, 2003) (ANEXO C), o CMAS conseguiu alterar o artigo 4.° da Lei
n° 3.595 (BARBACENA, 2000), garantindo em lei que os membros da sociedade
civil fossem nomeados somente após processo eleitoral realizado em fóruns
próprios de cada segmento. Essa modificação na lei mudou o critério de escolha
dos conselheiros, possibilitando de fato o exercício da democracia.
A lei municipal vigente (n° 3.775) trouxe mudanças significativas para o
CMAS de Barbacena, possibilitando o respaldo legal das atribuições dos
conselheiros. Modificou, ainda, em seu art. 3.°, o critério de escolha dos
representantes de entidades, aumentando o número de membros do Conselho e
estabecendo a participação do usuário.
Mediante a nova definição de representatividade, a composição do
Conselho ficou estabelecida em cinco representantes do governo municipal (das
Secretarias do Bem-Estar Social, Comunicação, Educação, Saúde, Finanças e
Planejamento) e cinco representantes da sociedade civil (entidades de
atendimento à criança e ao adolescente, atendimento ao idoso, atendimento à
pessoa portadora de deficiência, aos usuários e aos trabalhadores da área).
Apesar de a atual legislação municipal ter avançado em relação à lei anterior, o
princípio da paridade numérica na representação da sociedade civil em relação
ao usuário não foi observado, pois as entidades representantivas permaneceram
21
em maior número. Além disso, a definição de quais entidades terão acento no
CMAS traz limitações para o processo participativo de novos sujeitos sociais.
É importante também destacar que, embora as leis municipais tenham
assegurado o processo eleitoral (escolha) da presidência do CMAS, o cargo de
presidente foi historicamente exercido pelo Secretário de Desenvolvimento e
Ação Social. Contudo, na atual gestão municipal, após 14 anos de atuação no
Conselho, um membro da sociedade civil foi eleito presidente, o que pode ser
entendido como um avanço no processo de participação da sociedade civil na
prática do controle social. Entretanto, historicamente, há no Conselho de
Assistência Social uma “herança cartorial”, conforme definição de Raicheles
(1998), considerando-se a dimensão executiva desse Conselho no que se refere
às ações de conceder registro e expedição de certificados de filantropia.
A representação da sociedade civil pelo segmento das entidades
assistenciais de atendimento, conforme dito anteriormente, foi hegemonicamente
conduzida por instituições confessionais e também laicais, com trajetória de
dependência em relação ao financiamento das suas ações pelo Estado. Esse
quadro tem se alterado em razão da entrada de novos atores sociais coletivos
mais críticos, que têm provocado certa mobilidade nessa representação. Essa
“herança cartorial” mobiliza as entidades assistenciais a preservarem o instituído,
afastando, assim, as possibilidades de exercerem o instituinte, como, por
exemplo, trazer para o debate político e para a cena pública a questão da
importância da representação dos usuários, não mais como sub-representados
no espaço de decisão dos Conselhos de Assistência. Isso porque, conforme
afirma Raichelis (1998), “a negação da titularidade do direito às camadas pobres
exerce, assim, o papel de sequestro da palavra àqueles que não têm lugar social
reconhecido, porque estão impedidos de se autorrepresentarem na esfera
pública” (RAICHELIS, 1998, p. 94).
Cabe, ainda, demarcar que a PNAS ressalta a necessidade de se produzir
uma metodologia que “se constitua ao mesmo tempo em resgate da participação
dos indivíduos dispersos e desorganizados e habilitação para que a política de
assistência social seja assumida na perspectiva de direitos publicizados e
controlados por seus usuários” (BRASIL, 2004a, p. 46).
A participação é uma conquista estabelecida por ações que supõem
envolvimento, compromisso e presença significativa. Como processo a ser
22
construído no embate das ideias e interesses coletivos, necessita, sobretudo por
parte da sociedade civil, de organização, planejamento e articulação. Para que
essa participação aconteça, a sociedade precisa assumir sua própria condução
(DEMO, 2002).
No entanto, é possível perceber o reduzido envolvimento das pessoas nas
instâncias participativas, como no caso do CMAS de Barbacena, em que, apesar
de as reuniões serem divulgadas e o calendário das reuniões ser fixo, são sempre
as mesmas pessoas que lá aparecem.
Outra dificudade diz respeito ao engajamento de alguns conselheiros
indicados pelo governo municipal. Muitos não têm afinidade com as questões que
envolvem a área da política pública de assistência social, outros estão ocupados
com problemas relativos às suas áreas de atuação.
Outro ponto importante a ser analisado é o financiamento. Para que
possam realizar seus trabalhos, as instituições de assistência social contam com
o repasse das subvenções do governo municipal, mas os critérios que
regulamentam os convênios são definidos pelos conselheiros. E estes, em sua
maioria, são representantes das entidades que pleiteiam o recurso. Ou seja, a
representação dos usuários, que deveria ser a principal interessada, fica
fragilizada e muitas vezes impossibilitada de exercer o controle sobre a demanda
do recurso.
A Secretaria de Desenvolvimento e Ação Social de Barbacena coloca à
disposição dos conselheiros um espaço para as reuniões e três funcionárias, com
o objetivo de oferecer suporte administrativo. Entretanto, percebe-se que a
estruturação do Conselho é feita pelas funcionárias. Cabe a elas a mobilização
dos membros conselheiros, fazer ligações para marcar reuniões, redigir as atas,
elaborar os editais, preparar os processos eleitorais e realizar fóruns e
conferências – ações que contrariam o regimento do CMAS, que estabecece tais
atribuições ao secretário do Conselho.
A construção dos marcos regulatórios municipais ao longo da existência do
CMAS de Barbacena e as disposições legais que estabecem o lugar do usúario
na
composição
do
Conselho
fornecem
algumas
pistas
(ausência
da
representação, não paridade da representação, entre outras) referentes ao
entendimento da participação social desses usuários nos destinos da política de
assistência social, da qual serão os destinatários.
23
Por fim, questiona-se: a sociedade civil representada no espaço do CMAS
de Barbacena tem buscado alternativas concretas, no âmbito da política pública
de assistência social, para a criação de mecanismos que possam garantir aos
usuários participação efetiva no Conselho, como sujeitos não mais subrepresentados? Como o poder público (por meio da execução da Política de
Assistência Social nas suas respectivas esferas) tem incluído os próprios
usuários nas discussões da política pública, estimulando o empoderamento
desse segmento? E mais, como o CMAS de Barbacena tem promovido a
articulação e mobilização das forças sociais e políticas a fim de dinamizar a
organização desses segmentos não atingidos pelos canais de representação
política?
Neste sentido, o que move a questão central é: compreender a partir da
diretriz da participação social, definida nos marcos normativos e regulatórios da
CF-88, LOAS e PNAS. Como a representação dos usuários no CMAS de
Barbacena tem sido orientada?
A hipótese que guia o processo de investigação é o entendimento ainda
presente no espaço público, tanto por parte da sociedade civil quanto do governo,
da falta de capacidade política por parte dos usuários que são destinatários da
política de assistência social. Com isso, retarda-se a possibilidade de sua
autorrepresentação nos espaços destinados à construção de políticas públicas,
com a qual serão beneficiados.
Neste sentido, o objetivo geral desta pesquisa é analisar como tem
acontecido a participação dos usuários da assistência social em suas funções de
representação da sociedade civil e se essa participação tem seguido as diretrizes
da participação social prevista tanto na CF-88 quanto na LOAS e PNAS.
Com vistas a alcançar esse objetivo, delineiam se os seguintes objetivos
específicos: identificar os instrumentos legais que asseguram a participação
social; indicar os princípios, diretrizes e organização que orientam a assistência
social brasileira; listar os elementos constitutivos do conselho gestor de
assistência social; definir a participação dos atores da sociedade civil e do
segmento governamental no CMAS; verificar como tem acontecido a participação
social dos usuários no CMAS.
24
A partir da problematização do objeto, demarca-se que o papel da
sociedade civil é organizar-se de maneira competente para fazer o Estado
funcionar, pois as ações de política pública avançam e o poder público assume
seu papel onde a sociedade civil é mais amadurecida e as forças sociais mais
atuantes. Portanto, o estímulo às alternativas instituintes que promovam com
mais densidade a participação dos usuários na esfera pública de participação no
CMAS, tanto quantitativa quanto qualitativamente, contribuirá paraa nova
legitimidade no âmbito do controle social por parte da sociedade civil.
25
3 REFERENCIAL TÉORICO-CONCEITUAL
3.1 Sociedade civil e estado: uma abordagem conceitual
O conceito de sociedade civil apresenta uma gama de significados em
distintos momentos históricos no campo da teoria política. Suas concepções
foram remontadas de acordo com as mais diversas posições teóricas e, dessa
forma, cada definição pode ser percebida como reflexo de um dado momento, de
um ambiente cultural e um espaço geográfico.
Nessa ótica, faz-se necessário recuperar alguns sentidos e significados
atribuídos ao termo “sociedade civil” na perspectiva de alguns teóricos que ao
longo dos tempos alicerçaram a discussão da teoria política, para que se
compreenda o discurso social e político contemporâneo em torno da temática.
É com base na teoria do Estado Liberal e nas concepções teóricas dos
jusnaturalistas que a ordem política passou a ser interpretada a partir da natureza
humana, contrapondo-se à ideia de “estado de natureza”. Rompe, assim, com o
modelo judaico-cristão que atribuía a organização social à vontade divina.
Hobbes (1588-1679) foi um dos primeiros a defender a ideia de que os
valores humanos são determinados pelos resultados da busca pela obtenção de
interesses particulares. Para o autor, é por meio da capacidade de gerar riquezas,
influenciar e comandar os outros que homem adquire o poder. Nesse sentido, a
luta para alcançar o poder alimenta um espírito de competição, destruição e
desconfiança que acende um sentimento de insegurança que aproxima o homem
de seu “estado de natureza”. Essa condição gera insegurança, mas também dá
origem a um processo de abertura para uma civilidade contratual, baseado em
regras de convívio social e subordinação política na forma de lei, em uma
sociedade civil. Entretanto, “Hobbes não se preocupou em criar princípios ou
instituições para delimitar a ação estatal” (DURIGUETO, 2007, p. 35).
As contribuições da teoria da sociedade civil de Hobbes influenciaram
outros teóricos, que foram marcados pela centralidade de sua matriz teórica no
que se refere à preocupação da necessidade de se pensar um conjunto de
26
garantias que possibilitassem a regulamentação de um consenso em torno da
esfera privada.
A conservação dos “direitos naturais” e o receio dos conflitos e guerras
levaram o liberal Locke (1632-1704) a manifestar sua preocupação em relação a
um sistema de proteção para manutenção da paz e da liberdade e a
institucionalização de governos. Sua principal preocupação era com o direito à
propriedade privada, razão pela qual ele desenvolveu sua teoria de governo
alicerçado na ideia da passagem do “estado de natureza” para a sociedade civil,
tendo como pressuposto que essa passagem asseguraria a propriedade por meio
de uma instituição que teria como finalidade conservar a esfera privada, chamada
de Estado (DURIGUETTO, 2007). As formulações de Locke constituíram as
diretrizes fundamentais do Estado Liberal, instaurando o princípio da existência do
Estado como instância de proteção aos direitos e liberdades dos cidadãos. Para
Locke, a essência da democracia se constitui na garantia e no respeito dos
direitos individuais. Suas reflexões “consistiram na afirmação, em termos
universais, de direitos e deveres que tinham um conteúdo de classe e que,
portanto, eram desiguais” (MACPHERSON, 1979 apud DURIGUETO 2007, p. 37).
Pinheiro (2011) destaca que Locke apresentava um relacionamento mais
aprofundado da sua teoria com a propriedade privada, devido a influências que
começavam a modificar e a transformar a sociedade a partir do capitalismo
agrário. Essas mudanças influenciaram as décadas posteriores devido à
associação do conceito de sociedade civil ao de sociedade capitalista e foram
acompanhadas pela manifestação da economia política.
Locke e Hobbes apresentaram os indivíduos como naturalmente egoístas
e preocupados com seus interesses privados. A sociedade civil seria
fundamentada na preservação desses interesses e regulamentada por normas
capazes de estabelecer as garantias necessárias para assegurar as liberdades, a
segurança e a manutenção dos interesses. Em contraposição a essas ideias,
Rousseau (1712-1778) estabelece em sua concepção teórica a ideia de soberania
popular, tendo com princípio central o interesse comum, chamado por ele de
“vontade geral”.
27
A expressão “vontade geral” é entendida como o que traduz o que há de
comum nas vontades individuais, ou seja, o substrato coletivo das
consciências, e não a simples concordância (numérica ou da maioria). O
que dá suporte à vontade geral é, pois, o interesse comum, e é com a
base nesse interesse comum que a sociedade deve ser governada
(DURIGUETO 2006, p. 40).
Rousseau faz a crítica ao desenvolvimento da sociedade dinamizado pelo
motor da sociedade mercantil e adverte sobre as consequências de se ligar ou
relacionar a propriedade privada à sociedade civil. Para ele, a proteção da
propriedade privada, apresentada tanto nas formulações de Hobbes quanto de
Locke, privilegia apenas determinada parte da sociedade, detentora desses
patrimônios. Isso faz do contrato um instrumento para o exercício da dominação
pelos contemplados. Além disso, a produção de riquezas gera desigualdades,
inseguranças e estimula a competição (ROUSSEAU, 1973).
É a partir da critica dos modelos de contrato de Hobbes e Locke e
ancorado na expectativa do estabelecimento de uma ordem social igualitária que
Rousseau propõe a formulação de um novo pacto, chamado por ele de o
“contrato social” (ROUSSEAU, 1973).
A concepção teórica apresentada por Rousseau no contrato social
integrava dois pilares: a distribuição equânime de riquezas, incorporada ao
acesso do direito à propriedade; e a busca pelo interesse comum nas ações
desenvolvidas pelo Estado, ou seja, a dimensão pessoal precisaria ser presidida
pela dimensão coletiva. Dessa forma, o arranjo institucional proposto por
Rousseau implica uma interligação dos indivíduos por meio de processos
participativos de tomada de decisões coletivas em que os próprios indivíduos
possam criar as regras que regulam as suas convivências.
A partir do século XVIII, a ideia de sociedade civil foi relacionada pelos
iluministas Adam Smith (1723-1790) e Adam Ferguson (1723-1816), com a
concepção de divisão do trabalho e expansão das propriedades privadas,
características das relações capitalistas modernas.
Esses iluministas identificaram a sociedade civil com a sociedade de
mercado capitalista. Eles enxergaram na extensão do comércio, no acúmulo de
riquezas e na propriedade privada as condições necessárias ao desenvolvimento
da sociedade, atributo fundamental para a prosperidade da sociedade civil
(PINHEIRO, 2011).
28
Outro pensador clássico importante que contribuiu para a reflexão sóciohistórica do conceito de sociedade civil foi Hegel (1770-1831), ao incorporar às
suas formulações teóricas as dimensões do pensamento iluminista referentes às
atividades econômicas. Esse pensador busca interligar as condições defendidas
pelos iluministas para a prosperidade social à concepção de Rousseau sobre a
construção da vontade geral. Assim, as necessidades particulares e individuais
precisam se articular com a ideia da prioridade pública. No entanto, os interesses
particulares careciam, segundo Hegel, de uma instância mediadora para
regulamentar as relações das vontades individuais. É a partir desse hiato que
Hegel desenvolve sua noção de Estado (MOREIRA NETO, 2010).
A inovação teórica do pensamento de Hegel dá-se no reconhecimento da
importância dos grupos organizados, associações e corporações na formação do
conceito de sociedade civil, identificando a sociedade civil como espaço de
interação social.
De acordo com Moreira Neto (2010), a sociedade civil, para Hegel,
constitui-se em instância mediadora das relações entre a família e o Estado e
assume papel ético na constituição de uma nova sociedade, em que as
individualidades necessitariam ser precedidas por uma consciência reflexiva
sobre a importância da comunidade na construção de uma sociedade moderna
(MOREIRA NETO, 2010).
Marx (1818-1883) desenvolveu suas concepções de Estado e sociedade
civil na contramão das formulações de Hegel. Para ele, a sociedade civil consiste
em “massas separadas”, definidas pelas relações produtivas e pela divisão social
do trabalho, marcadas pela separação de classes díspares, sendo a sociedade
civil a esfera que define a produção e reprodução da vida material. Dessa forma,
observa Marx, é na sociedade civil que os indivíduos, ou burgueses, se
desenvolvem, por meio da produção e pelo intercâmbio de bens (PINHEIRO,
2011).
De acordo com Marx, o Estado não representa a superação da dicotomia
das classes, mas se configura de maneira reflexiva, preservando as relações de
divisão assim como são. Nesse contexto, o Estado e a ordem política são
instâncias subordinadas às relações econômicas (PINHEIRO, 2011).
Continuando, Pinheiro (2011) afirma que, segundo Marx, o Estado era o
produto das relações capitalista gestado a partir da sociedade civil, e não uma
29
esfera independente, conforme Hegel propôs. O que Marx apresenta é a inversão
do sistema preconizado por Hegel, de forma que o Estado crie condições para
eliminar as divisões de classes e o individualismo.
Os ideais de igualdade política - sufrágio universal e cidadania - não
representam para Marx um potencial instrumento na mudança do modelo político.
Para ele, somente a supressão da esfera capitalista e a erradicação do sistema
de classes, sustentáculos das bases materiais da sociedade civil, assim como a
eliminação da dicotomia entre as esferas do público e do privado, poderiam se
constituir em verdadeira reformulação do sistema social. Entretanto, as
desigualdades produzidas pelo modelo capitalista enfraquecem e restringem as
ações dos cidadãos, motivo pelo qual Marx acredita necessária a tomada do
poder pelas classes subalternas, por via da luta.
A revolução do proletariado e a consequente tomada do poder pelos
dominados seria um primeiro passo para a realização da democracia; o segundo
passo seria a extinção do poder estatal, o que propiciaria a eliminação do núcleo
de poder da ordem burguesa (MARX; ENGELS, 1998).
Durigueto (2006) salienta que foram as mudanças ocorridas nas esferas da
economia e da teoria política, a partir da metade do século XIX, que modificaram
as estruturas de representação e organização da sociedade civil, possibilitando
aos indivíduos a articulação política e a busca pela expansão dos direitos sociais.
Embora sob a influência do sistema capitalista, as classes subalternas,
estruturadas em associações, sindicatos e partidos operários, de alguma forma
passaram a influenciar e a incorporar suas demandas na agenda Estatal.
É a partir dessas percepções de protagonismo político, da crescente
ampliação da participação dos indivíduos na vida pública, desde que inauguraram
a interferência nas relações de poder, que Gramsci formata seu conceito de
sociedade civil.
Gramsci (1891-1937) não nega as reflexões de Marx em relação à
sociedade civil e ao Estado. Mas enriquece seus conceitos com novas
determinações, estabelecendo algumas diferenças. Enquanto Marx identifica a
sociedade civil a partir das estruturas econômicas, Gramsci a concebe como uma
superestrutura, alterando a centralidade conceitual proposta por Marx. A
sociedade civil, em Gramsci, se apresenta como uma esfera mediadora entre a
infraestrutura econômica e o Estado, sendo a sociedade civil a figura portadora
30
material da hegemonia7. A teoria ampliada do Estado gramsciana apoia-se nessa
descoberta, distinguindo as duas esferas principais do Estado: a sociedade
política ou “Estado-coerção”, composta pelos mecanismos utilizados pelas
classes dominantes para garantir o monopólio legal da violência e repressão da
sociedade civil. E também constituída por organizações, igrejas, sindicatos,
partidos políticos, meios de comunicação de massa, responsáveis pela difusão e
elaboração de ideologias (COUTINHO, 1999).
Cabe ressaltar que, para Gramsci, o Estado é o resultado da soma entre as
duas esferas: sociedade política e sociedade civil. A sociedade civil é o locus
onde os indivíduos buscam se articular para consolidar posições e exercer
hegemonia por meio de consensos. E a sociedade política é um aparelho de
coerção e dominação, responsável por assegurar a disciplina dos diferentes
grupos (DURIGUETO, 2007).
Em Gramsci, adverte Durigueto (2007, p. 58), o momento unificador dessas
duas esferas “se manifesta na maneira como o grupo social exerce sua
‘supremacia’, que se manifesta como dominação e como direção intelectual e
moral”. O Estado é analisado como um conjunto de aparelhos coercivos,
instrumento utilizado pelas classes dominantes para exercer supremacia.
Durigueto (2007) completa, então, que o Estado é um conjunto de elementos de
que as classes dominantes se apropriam não somente para justificar, mas efetivar
e unificar seu domínio.
Nesses termos, observa Coutinho (1999), enquanto a sociedade política
tem seus portadores materiais nos aparelhos coercivos do Estado, a sociedade
civil dispõe de organismos sociais coletivos voluntários e, de certa forma,
autônomos. Isso, para Gramsci, representa um fato novo na esfera ideológica das
sociedades capitalistas avançadas, porque à medida que a sociedade civil
adquire mais autonomia material e não somente funcional em relação ao Estado,
ela necessita conquistar e ampliar consensos. Com isso, renova as instituições
sociais, que passam a funcionar com estruturas e legalidades próprias. Para
Gramsci, é o resultado da autonomia relativa conquistada pela figura social da
7
“A palavra ‘hegemonia’ vem do verbo grego, que significa dirigir, guiar, conduzir. Gramsci toma
esse termo não só no sentido tradicional que salienta principalmente a dominação, mas no sentido
originário da etimologia grega (‘direção’, ‘guia’). Gramsci toma esse termo de Lênin, que o usou
em 1905 justamente para indicar a função dirigente de classe operária na revolução democráticoburguesa” (GRUPPI, 1980, p. 78).
31
hegemonia que “funda ontologicamente a sociedade civil como uma esfera
própria dotada de legalidade própria e que funciona como mediação necessária
entre a estrutura econômica e o Estado-coerção” (COUTINHO, 1999, p. 129).
Cohen enfatiza a importante contribuição de Gramsci para a concepção de
“sociedade civil”:
[...] conceber a sociedade civil ao mesmo tempo como campo simbólico
e como conjunto de instituições e práticas que são o locus da formação
de valores, normas de ação, significados e identidades coletivas. Dessa
forma, a dimensão cultural da sociedade civil não é dada ou natural; ela
é antes um lugar de contestação social: suas associações e redes
constituem um campo de luta e uma arena onde se forjam alianças,
identidades coletivas e valores éticos (COHEN, 2003, p. 425).
A ideia gramsciana de sociedade civil retrata uma nova situação
unificadora
capaz
de
incorporar
as
múltiplas
individualidades
e
suas
particularidades na busca por consensos que por hora se articulavam com o
Estado.
A busca por consensos é, para Gramsci, o caminho encontrado pelas
classes subalternas para reivindicar suas demandas e aspirações, direcionando
suas ações na busca da concretude de programas políticos que tenham
perspectivas universais no que se refere ao direito. Isso significa saber que o
consenso nasce pela via da participação social dos indivíduos, no envolvimento
ativo e na capacidade de articulação (DURIGUETTO, 2007).
Nesse sentido, a sociedade civil, para Gramsci, funciona como espaço
onde os projetos são confrontados e negociados, locus privilegiado de ação das
diversas classes e diferentes interesses, onde concorrem as hegemonias. A
sociedade civil expressa a luta, os conflitos e as contradições. E o Estado é a
instituição responsável por criar as condições para que as diversas classes que
compõem a sociedade civil se desenvolvam. É a partir do entendimento que
Gramsci tem da função do Estado, que ele propõe a “guerra de posição”, ou seja,
a criação de espaços e movimentos populares fortes e organizados, capazes de
promover a passagem de grupo dirigido a grupo dirigente (COHEN, 2003).
32
3.1.1 Sociedade civil e os espaços de construção democrática
A necessidade da configuração de mecanismos que levem o Estado a
reconhecer os diferentes interesses da sociedade na construção de um processo
participativo, possibilitando a sua influência nas decisões públicas, vem sendo
construída pela sociedade civil ao longo dos tempos.
Os primeiros sinais emergentes do aparecimento de um espaço de
exposição livre das ideias e de negociação do modelo de exercício da autoridade
política foram percebidos, de acordo com Avritzer e Costa (2004), durante o
desenvolvimento do capitalismo mercantil na Europa no século XVII. O
surgimento desse espaço, configurado entre a esfera privada e o Estado,
possibilitou à sociedade civil a reflexão sobre a importância da separação da
discussão sobre o interesse privado - vinculado à necessidade material - da
discussão sobre o interesse público. Para Avritzer e Costa (2004), a relação que
conferiu a dimensão pública a esses espaços emergentes foi estabelecida pela
burguesia, quando a mesma reivindicou a prestação de contas à autoridade
estatal, impondo, assim, uma mudança nas relações de poder. O resultado dessa
reivindicação influencia a sociedade a defender, progressivamente junto ao
Estado, o direito de ter conhecimento sobre suas ações.
Para melhor compreensão dos significados atribuídos ao conceito de
esfera pública na contemporaneidade, recorre-se à sua gênese na Grécia antiga,
estabelecendo, a partir das concepções teóricas de Hannah Arendt (2007), as
diferenças conceituais da esfera privada.
A esfera privada, de acordo com Arendt (2007), é o espaço da constituição
da família, da casa (oikos), das relações de parentescos (phratria), regida pelo
poder despótico de seu chefe, não cabendo no seu interior qualquer tipo de
discussão ou negociação. Nessa esfera, os homens e as mulheres viviam
subordinados e dependentes da segurança provida por seus chefes. O reino
privado se constituía em uma arena repleta de desigualdades, começando pelas
relações de gênero em que a mulher era considerada propriedade, perpassando
pela condição de escravo imposta aos funcionários.
O sentido atribuído à esfera pública, segundo Arendt (2007), é alicerçado
no uso da palavra, da retórica e persuasão, por meio da arte política. Esfera
pública significa esfera do comum (koinon), exercício da ação (práxis) e do
33
discurso (lexis) pelos cidadãos. Dessa forma, segundo Aristóteles, o homem é
considerado público quando participa dos assuntos referentes à polis; onde todos
são considerados iguais, podendo apresentar suas reflexões e propostas, não
havendo comandado e comandante. Assim, o poder da palavra substitui o poder
da violência. Entretanto, cabe destacar que só participam desses espaços os
homens capazes de vencer as necessidades impostas pela vida privada.
Participar da esfera pública era ascender à vida política. Essa participação requer
espírito de luta, capacidade persuasiva e coragem (ANTUNES, 2011).
Antunes (2011) adverte que, para Arendt, o termo “público” possui duas
dimensões distintas, embora correlacionadas: a primeira se refere à questão do
acesso; publico é o espaço que está ao alcance de todos. A segunda dimensão
está centrada na ideia de comum, no sentido de partilha, de interesse comum.
Sobre o conceito de esfera pública, Costa (1999) sugere quatro
concepções teóricas desenvolvidas por distintos autores, denominadas de modelo
da sociedade de massa, modelo pluralista, modelo republicano e modelo
discursivo.
O modelo da sociedade de massa apresenta o conceito de espaço público
baseado nas formulações de Adorno8. Seus princípios são referenciados na
indústria cultural e nos mecanismos utilizados pelos meios de comunicação de
massa, ou seja, a esfera pública, segundo esses preceitos, representa o espaço
controlado pela mídia, esboçando, assim, um tipo de consumidor passivo
(COSTA, 1999).
No modelo pluralista, a esfera pública aparece como um espaço de
interação de diversos atores sociais. Configura-se como uma arena de disputa de
poder em que os diferentes grupos organizados da sociedade civil buscam
exercer influência para garantir a implementação das ações que visam atender
aos interesses privados dos grupos dominantes. Nesse modelo, os indivíduos
reunidos em grupo, em tese, possuem possibilidades semelhantes de
argumentação e capacidade de influenciar o aparato administrativo na construção
de uma agenda pública (COSTA, 1999).
8
Theodor Ludwig Wiesengrund-Adorno (1903/ 1969), filósofo, sociólogo. É um dos expoentes
da chamada Escola de Frankfurt, juntamente com Max Horkheimer, Walter Benjamin, Herbert
Marcuse, Jürgen Habermas e outros.
34
No modelo republicano, o espaço público é entendido como uma esfera de
auto-organização da sociedade, arena política de interação de iguais. Nessa
perspectiva, o espaço privilegiado para a socialização diferencia-se do espaço do
modelo pluralista, porque sua centralidade não está na disputa por posições de
poder. Nesse modelo, o Estado é visto como um corpo institucional e as
dimensões da vida social e política são compreendidas de maneira complementar
(COSTA, 1999).
De acordo com Costa (1999), a esfera pública no modelo discursivo é
percebida por Habermas como uma esfera que emerge tanto das visões oriundas
do mundo da vida, gestadas nas relações comunicativas e ligadas à esfera
econômica, quanto das visões políticas interessadas em viabilizar distintos
interesses particulares.
Dessa forma, faz-se necessário distinguir as ações nas esferas públicas
dos diferentes autores que permeiam esse espaço.
Os atores ligados à sociedade civil no modelo discursivo, de acordo com
Costa (1999), trazem para o debate situações referentes às demandas das
classes menos favorecidas. Buscam a inclusão na pauta de discussões dos seus
problemas, enquanto os atores provenientes do mercado e os inseridos na
política utilizam a esfera pública como ferramenta para alcançar mais
consumidores e apoios das massas. Nesse sentido, a esfera pública é vista como
mediadora de interesses que expressam as vontades e opiniões de diferentes
atores sociais, dotados de competências de ordem funcional e política.
Para Lord (2007), o conceito de esfera pública na produção da ciência
política brasileira está relacionado, com mais intensidade, a dois dos quatro
modelos apresentados por Costa (1999): o modelo discursivo, de vertente
habermasiana, utilizado nos estudos de Avritzer e Costa (2004), assim como nos
de Raichelis (1998), Losekan (2009), Lubenow (2010); e o modelo republicano,
concebido por Arendt (1991) e adotado por Dagnino (2002) e Telles (1994).
Faz-se necessário enfatizar que, apesar das abordagens dos estudos em
relação às experiências de participação dos autores serem as mesmas, em
termos teóricos analíticos, a concepção desenvolvida por Dagnino (2002) e Telles
(1994) tratam tais experiências como espaços públicos (LORD, 2007, p. 459).
Então, com base nas reflexões de Lord (2007), o entendimento do termo esfera
pública se diferencia das formulações teóricas sobre espaço público.
35
Na concepção de Habermas (1997, p. 92), a esfera pública pode ser
descrita como “[...] uma rede adequada para a comunicação de conteúdos,
tomadas de posições e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e
sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em
temas específicos”. Habermas (1997) compreende a esfera pública como um
espaço de interação comunicativa, de produção de informações e de constituição
de opiniões públicas. Para esse autor, a esfera pública é um espaço de exercício
do debate e da tomada de posições consensuais.
[...] um público é sempre um público que julga. Aquilo que é objeto de
julgamento é o que ganha publicidade. Ou seja, o surgimento de uma
esfera pública significaria, dessa maneira, a emergência de um espaço
no qual assuntos de interesse geral seriam expostos, mas também
controvertidos, debatidos, criticados, para, então, dar lugar a um
julgamento, síntese ou consenso (LOSEKAN, 2009, p. 39).
Neste sentido, para Habermas (1997), a esfera pública funciona como uma
instância mediadora entre os fatos gerados na sociedade e as instâncias de
deliberação. Ou seja, os temas produzidos na sociedade por meio de impulsos
comunicativos exercem influência nos processos de formação da vontade política
nos aparelhos estatais.
Entretanto, a esfera pública proposta por Habermas não pode ser
confundida com uma organização ou uma instituição, nem com um sistema.
Necessariamente, ela não constitui um espaço físico. E assim como uma
organização pode ter uma dimensão abstrata, “a esfera pública pode,
eventualmente, coincidir com alguma estrutura concreta” (LOSEKAN, 2009, p.
41).
Nesse entendimento, completa Raichelis (1998), a esfera pública também
não pode ser confundida com a forma estatal ou privada, pois remete à adoção de
novas estruturas de articulação entre “Estado e sociedade civil no interior dessas
esferas, permitindo superar a perspectiva que identifica automaticamente o estatal
com o público e o privado com o mercado” (RAICHELIS, 1998, p.79).
Lubenow refere que a esfera pública tem como característica elementar:
36
[...] ser um espaço irrestrito de comunicação e deliberação pública, que
não pode ser anteriormente estabelecido, limitado ou restringido, os
elementos constitutivos não podem ser antecipados. Em princípio, está
aberta para todo o âmbito social. Não existem temas ou contribuições a
priori englobados ou excluídos. A esfera pública é sempre indeterminada
quanto aos conteúdos da agenda política e aos indivíduos e grupos que
nela podem figurar (LUBENOW, 2010, p. 238).
Raichelis (1998) relata que a constituição da esfera pública é parte
integrante do processo de democratização da vida social, pela via do
fortalecimento do Estado e da sociedade civil, de forma a inscrever os interesses
das maiorias nos processos de decisão política. A formação dessa esfera, para a
autora, depende da construção, pelos sujeitos sociais, de uma interlocução
pública capaz de deliberar em conjunto as questões referentes ao interesse
coletivo.
Já para Dagnino (2002), o espaço público é a materialização física de um
espaço, locus privilegiado para a obtenção de consensos sobre as questões
políticas, arena que possibilita encontros entre a sociedade civil e o poder público,
propiciando, assim, negociações diretas entre a sociedade civil e o Estado, sem a
necessidade de instâncias intermediárias. Essa concepção é reforçada por Telles
(1994), que visualiza na constituição do espaço público a possibilidade de
interlocução dos diferentes atores na construção da noção de interesse público,
acreditando na consolidação do potencial mediador dessa esfera.
É nesses termos que o espaço público pode se configurar, segundo Telles
(1994) e Dagnino (2002), entre o público e o privado, alicerçando os princípios
democráticos de representação e negociação, permitindo o estabelecimento de
assimetrias de posições e, ao mesmo tempo, a formação de consensos.
Dagnino (2002) observa, ainda, que uma das dimensões mais importantes
encontradas nas formulações da sociedade civil em relação ao espaço público é a
capacidade da negociação de diversos tipos de interesses sem perda da
autonomia. Assim, os espaços públicos se apresentam de maneira pedagógica
como ambiente propício para o aprendizado e o reconhecimento das diferenças,
possibilitando aos seus atores a configuração do interesse público a partir da
pluralidade.
Cabe realçar que espaço público não corresponde a uma esfera
harmoniosa, à medida que os diferentes atores que nela estabelecem relações
esperam legitimar suas aspirações e demandas, negociando suas prioridades.
37
Por outro lado, os espaços de formulação, nos quais a sociedade civil
participa, são também espaços de solução legítima dos conflitos, à medida que
são tornados públicos. Portanto, a constituição desses espaços públicos
demonstra o avanço democrático alcançado (DAGNINO, 2002, p. 300).
A construção do espaço público representa a possibilidade de modificar a
institucionalidade pública e aumentar o controle das ações do Estado pela
sociedade civil, permitindo, assim, uma inversão do modelo de gestão do Estado.
Entretanto, apesar dos avanços alcançados na formatação desses espaços, fazse necessário mais envolvimento da sociedade civil, de maneira especial por
aqueles que estão à margem dos processos de decisão e deliberação realizados
nessas esferas.
O fortalecimento da participação da sociedade civil nos espaços públicos
representa a construção da viabilidade de um projeto alternativo de gestão
participativa, em que os diversos atores sociais adquirem nova identidade
democrática, ao ganharem força para pressionar o Estado e o sistema político a
incorporarem as novas concepções de ordem social.
A articulação da sociedade civil no espaço público tem como desafio,
portanto, a institucionalização de espaços e mecanismos que aumentem a
participação dos sujeitos sociais, para que estes tenham oportunidade de
influenciar, como protagonistas, as decisões que afetem seus destinos.
3.2 O conceito de participação e as suas concepções teóricas
O termo participação começa a aparecer nas teorias sociais e no
vocabulário político no final da década de 1960, a partir das contestações
estudantis que buscavam mais abertura nos processos participativos da educação
superior e por diversos grupos que reivindicavam a aplicação dos direitos que, na
teoria, eram seus. Políticos de diversos países da Europa recorriam ao termo
“participação” em suas campanhas políticas, assim como os Estados Unidos, que
aderiram à expressão e a incluíram em propostas de programas de erradicação
da pobreza para sensibilizar a população afetada por ela (PATEMAN, 1992). Com
o tempo, o uso do termo foi se popularizando e ganhando diversos significados
nas mais variadas situações (PATEMAN, 1992).
38
O termo participar vem do latim participare e de participatio, participação.
Etimologicamente, participar significa tomar uma parte (do latim "partem capere").
No entanto, participação, na etimologia grega, significa ter conjuntamente ou ter
com outro ("metekó").
Referenciado na etimologia grega, Teixeira (2002) atribui o mesmo sentido
ao conceito de participação, independentemente das formas de revestimento.
Nesse caso, a participação é entendida como “um ato ou processo de uma
atividade pública, de ações coletivas” que estabelece relações de poder e se
configura como uma nova maneira de perceber o Estado e agir coletivamente
(TEIXEIRA, 2002, p. 27).
Ammann (1978) define a participação como ação pela qual os diferentes
sujeitos sociais tomam parte na gestão e buscam envolvimento de forma direta
em relação ao aparelho do Estado. A esse entendimento Demo (2009)
complementa que a sociedade se organiza de maneira hierárquica, com
tendências históricas de dominação, o que pressupõe desigualdades traduzidas
em conflitos, motivo pelo qual a participação não é concedida como uma dádiva,
doada, preexistente. Assim, a participação é conquistada como o resultado do
esforço coletivo das tendências históricas contrárias à dominação:
[...] conquista para significar que é um processo, no sentindo legítimo do
termo: infindável, em constante vir-a-ser, sempre se fazendo. [...]
participação é em essência autopromoção e existe enquanto conquista
processual. Não existe participação suficiente, nem acabada.
Participação que se imagina completa, nisto mesmo começa a regredir
(DEMO, 2009, p. 18).
Nesse sentido, a participação requer enfrentamento com o poder
constituído para a abertura de espaços efetivos de debates públicos em que os
indivíduos possam exercer seu papel na formulação de políticas e nas
deliberações de decisões que envolvam a sociedade. Fruto da conquista dos
sujeitos sociais, a participação conduz à reflexão sobre seus objetivos e
processos que, por vezes dialéticos, com imensas discrepâncias entre o discurso
e a prática, precisam ser, nas suas diversas categorias teóricas, estudados para
melhor compreensão.
Teixeira (2002) adverte que refletir sobre a participação é pensar a
sociedade em suas mais diversas dimensões. Implica também considerar os
39
interesses individuais e coletivos da população, suas aspirações, necessidades e
demandas. Entretanto, para Pateman (1992), a questão crucial a ser considerada,
após a recente identificação de grupos e movimentos com a participação, é o
lugar ocupado pela “participação”, numa teoria democrática viável. Essa autora
buscou resgatar em seu livro “Participação e Teoria Democrática” (1992) as
contribuições de clássicos como Rousseau (1712-1778) e Stuart Mill (1806-1873)
e Cole (1889-1959)9 para construir um entendimento sobre a importância da
participação.
Nesse sentido, para entender o conceito de participação, Pateman (1992)
mergulha na leitura de Rousseau, por ser este considerado, por excelência, o
teórico da participação. Sua contribuição descrita em o “Contrato Social” é
fundamental para a teoria da democracia participativa. Construída a partir das
individualidades participativas e dando ênfase nos processos de tomada de
decisões, a teoria rousseauniana retrata os efeitos educativos e psicológicos que
podem ser gerados pela participação em relação aos indivíduos. Como resultado
político, espera-se que a vontade geral seja sobreposta aos interesses
particulares e que os benefícios e encargos ganhem a dimensão da
universalidade. Assim, os direitos seriam protegidos de modo que o interesse
público fosse respeitado.
No entendimento de Pateman (1992), Rousseau estabeleceu em sua teoria
que a funcionabilidade de um sistema participativo dependia de dois fatores:
igualdade e independência financeira. Para Rousseau, a ausência desses dois
elementos conduziria à fragilidade política e a incorporação poderia levar à
cooperação dos indivíduos. Os indivíduos, então, poderiam opinar e votar de
acordo com seus princípios e interesses e não de maneira influenciada ou
induzida. E as leis, de acordo com Rousseau, seriam resultantes de processos
participativos e a situação ideal para tomada de decisões seria aquela que não se
originasse da vontade de grupos organizados, pois estes poderiam impor suas
vontades aos indivíduos não organizados.
Essa teoria apresenta três funções de extrema relevância em relação aos
sistemas participativos que Pateman (1992) descreve com propriedade: a
9
Apesar de Pateman utilizar as concepções teóricas do três pensadores (Rousseau, Mill e Cole)
para construir seu entendimento sobre a participação, para o estudo proposto optou-se pelos
estudos de Rousseau e Mill.
40
primeira, e central, é educativa, possibilitando o aprendizado aos indivíduos; o
processo de participar para ele estimula e propicia o desenvolvimento de senso
de justiça, permitindo mais discernimento para desenvolver ações responsáveis.
E a participação promove a capacitação, à medida que exige de cada indivíduo
qualidades para que o sistema participativo funcione, assim como fornece
subsídios para o controle, o que na teoria de Rousseau está intimamente ligado à
ideia de liberdade (PATEMAN, 1992):
Tanto a sensação de liberdade do indivíduo, quanto sua liberdade efetiva
aumentam por sua participação na tomada de decisões, porque tal
participação dá a ele um grau bem real de controle sobre o curso de sua
vida e sobre a estrutura do meio em que vive (PATEMAN, 1992, p. 40).
A segunda função da participação diz respeito à tomada de decisões, que
está intrinsecamente ligada à terceira função, a de integração. Ou seja, os
indivíduos isolados pelos sistemas participativos passam a criar vínculos com
outros, o que fornece a sensação de pertencimento a um grupo ou comunidade.
Rousseau entende que os indivíduos aceitam conscientemente as leis advindas
desse processo, porque essas experiências possuem caráter integrativo e
funcionam como instrumento de transformação social (PATEMAN, 1992).
Pateman (1992) defende que as ideias de Stuart Mil representam mais um
reforço do que uma novidade em relação à teoria de Rousseau. Isso pode ser
percebido quando Mill discorre sobre a importância das funções educativas e
integradoras da educação. Mill, assim como Rousseau, enxerga na participação
um importante instrumento para que os indivíduos possam compreender os
princípios do bem comum. Segundo ele, sem a dimensão educativa da
participação, o homem se ocupa em concretizar apenas seus objetivos
particulares, esquecendo-se de uma ação pública responsável.
A teoria de Stuart Mill destaca, além da função educativa da participação, o
entendimento de que o locus dessa participação deve acontecer no nível local. O
autor argumenta que não adianta o indivíduo se envolver com as questões
nacionais, porque é na relação cotidiana e na vivência dos problemas que os
afetam diretamente que se aprende a exercitar a participação. Assim como ler,
nadar e escrever, a participação precisa ser experimentada, ganhando o indivíduo
em qualidade, podendo exercitá-la em escala maior (PATEMAN, 1992).
41
O resgate das concepções clássicas da participação realizada por Pateman
(1992) contribui com a compreensão de diversos autores contemporâneos, que,
de acordo com períodos históricos e suas conjunturas associaram a participação
a termos como cidadania, representação, organização e democracia.
No entendimento de Gohn (2007), as concepções consideradas “clássicas”,
tais como liberal, autoritária, democrática e revolucionária, deram origem a
algumas interpretações e significados sobre a participação.
Na concepção liberal, segundo Gohn (2007), a participação objetiva
fortalece a sociedade ao ampliar suas redes de informação para que ela possa
imprimir opiniões sobre as ações do Estado, sem que ela busque relações de
controle e interferências. Baseada em marcos estruturantes do capitalismo, com
princípios de igualdade, a participação funciona como forma de satisfação de
necessidades.
Já a concepção autoritária pressupõe a inversão de valores da
participação, passando o Estado a controlar a sociedade, com vistas a diluir as
pressões populares. Com esse fim, o Estado estimula a contribuição das pessoas
por meio da elaboração de projetos e programas, buscando cooptá-las.
Os princípios reguladores da concepção democrática são a delegação da
representatividade e a soberania popular. Nessa concepção, a participação pode
ser desenvolvida na sociedade civil, tanto nos movimentos sociais e organizações
autônomas da sociedade, quanto em instituições formais políticas. “As forças dos
poderes econômicos e políticos não são alheias à concepção democrática, elas
servem para aliciar na formação de redes assistencialistas” (GOHN, 2007, p. 17).
Na concepção revolucionária, segundo Gohn (2007), a participação é
estruturada em coletivos organizados, com o objetivo de mudar as relações de
poder e as maneiras diversas de dominação, buscando, assim, canais legais de
intervenção para se desenvolverem ou se estabelecerem arenas paralelas. As
organizações que aderem a esse modelo buscam substituir a democracia
representativa pelo controle do poder pela população.
As concepções dos mecanismos de participação perpassam também pelas
teorias democráticas contemporâneas, que segundo Pereira (2001) são
agrupadas em duas vertentes teóricas: as relacionadas com o voto, denominadas
agregativas, e as deliberativas. As centradas no voto são formatadas a partir de
42
um modelo que as opções já estão determinadas, enquanto as deliberativas
favorecem o entendimento por meio de diálogos.
De
acordo
com
Pereira
(2007)
o
modelo
liberal
representativo
fundamentado no sistema eleitoral e pertencente à categoria agregativa foi
considerado hegemônico no século XX. Esse modelo, caracterizado pela
limitação da participação política por meio do voto, restringiu a participação,
permitindo às elites a “manutenção” do regime democrático em detrimento da
participação coletiva.
Nessa concepção liberal representativa, Pereira (2007) acredita que o
Estado é ordenador das práticas coletivas e tem a função de garantir o bem
comum. Por sue vez, a sociedade é detentora de interesses particulares que
estão submetidos a uma lógica de mercado, sendo a política a maneira de
equilibrar as relações estatais com os interesses privados. No entanto, a ideia de
mercado, ancorada na disputa, prevalece sobre as questões voltadas para o bem
comum. Já a obtenção do poder, por meio das eleições, é a garantia da
manutenção no poder político dos grupos organizados. Nesse modelo, os
cidadãos comuns não se sentem representados. Estes são postos à margem da
discussão de suas demandas, o que gera como consequências: a perda de
legitimidade do sistema político, a insatisfação dos excluídos, a falta de
transparência e a ineficiência governamental (PEREIRA, 2001).
O modelo participativo é o contraponto da vertente teórica do modelo
liberal, baseado na criação de novos espaços de participação da sociedade nas
decisões governamentais e na busca de instrumentos de prestação de contas.
Essa vertente integra a manutenção dos mecanismos de representação política
com a participação direta.
Segundo Pereira (2001), a teoria participativa contemporânea foi
desenvolvida nas décadas de 1970 e 1980, por três teóricos da democracia:
Pateman, Macpherson e Barber.
As contribuições de Patemam (1970 apud PEREIRA, 2001) foram: a
percepção da participação política como instrumento de aprendizado, já
mencionada previamente, e a discussão da abertura de novos espaços
participativos, incluindo a liberdade associativista. Já Macpherson (1978 apud
PEREIRA, 2001) apresenta um sistema que interligava a democracia participativa
representativa da participação direta da população nas decisões políticas. Esse
43
autor propõe mudanças significativas em relação à apatia política dos indivíduos,
tornando os indivíduos protagonistas em vez de coadjuvantes. Macpherson
(1978) confere, ainda, a influência relevante às desigualdades sociais na
obstrução de um projeto democrático participativo, argumentando que a estrutura
de classes desestimula a participação dos que se encontram nos estratos
inferiores da sociedade.
Barber (1984 apud PEREIRA, 2001) ofereceu para o debate a ideia do
“nós” em contraposição ao “eu” e ao “outro”, por meio de um processo que busca
ações coletivas comuns em relação às decisões por meio da participação pública,
que ele chamou de deliberação. Dessa forma, para que o processo deliberativo
pudesse acontecer, Barber propõe a criação de mecanismos de congregação de
pessoas denominadas assembleias locais, salientando que essa instância
participativa não anula a instituição representativa. Segundo Pereira (2001), as
reflexões de Barber (1984) fortalecem o caráter fundamental do modelo
participativo, o bem comum, reforçando o princípio da participação direta.
No final da década de 1980, as teorias democráticas participativas
centradas no voto perderam força, cedendo lugar a uma proposta baseada no
diálogo, em discussões que expressavam uma identidade mais coletiva, menos
voltada para os particularismos. Não que as divergências não fossem
encontradas, mas a partir do debate elas podiam encontrar pontos de
convergências. Essa tendência, que tinha como elemento central o processo
gerador das decisões coletivas, foi chamada de modelo deliberativo.
A teoria deliberativa democrática foi entendida por Chambers (2003 apud
PEREIRA, 2001, p. 438) como uma teoria normativa para o fortalecimento da
democracia.
Uma teoria normativa que propõe caminhos nos quais possamos
fortalecer a democracia e criticar as instituições que não façam justiça
aos padrões normativos. Baseia-se em uma mudança das concepções
liberais individualistas ou econômicas da democracia em direção a uma
visão baseada em conceitos de prestação de contas e discussão. A
prestação de contas substitui o consenso como conceito central da
legitimidade. Uma ordem política legítima é aquela que poderia ser
justificada perante aqueles que vivem sob suas leis. Portanto, prestação
de contas é primeiramente comprometida em termos de dar satisfação
de alguma coisa; ou seja, políticas públicas articuladas publicamente,
explicadas e, mais importante, justificadas.
44
O elemento central do modelo deliberativo é a publicidade das ações e atos
públicos, cabendo aos cidadãos, partícipes dos processos de deliberação, a
partilha das informações referentes aos temas que vão ser deliberados, de modo
que o entendimento seja facultado a todos. Nesse modelo, a representação
política eleita pelo sufrágio universal também tem a obrigação de prestar contas
aos cidadãos que vão ser submetidos às deliberações.
A principal contribuição do modelo deliberativo é o resgate da construção
de um espaço de interação dos diversos segmentos da sociedade no qual os
diferentes interesses possam ser discutidos e submetidos a uma lógica de
convergência que leve as ações na direção do interesse comum. Essa arena de
participação política aproxima a sociedade e o Estado, estabelecendo, assim, um
espaço público no qual a sociedade pode interferir e participar.
3.2.1 Sentidos e características da participação
Para Pateman (1992), assim como o é para Rousseau, o caráter educativo
deve ser o principal sentido da participação. Os processos participativos, para
essa autora, podem aumentar o valor da liberdade, facilitando ao homem ser
protagonista do seu próprio destino. Tal pensamento é reforçado por Demo
(2009), que acredita que a maior virtude da educação está em ser instrumento de
participação política.
Nesse sentido, a participação vislumbra que os homens sejam capazes de
conhecer os processos históricos e, mesmo não podendo mudar seu curso,
tentem transformar o “agora”. O mudar o curso é um movimento de liberdade.
[...] a liberdade é consciência da necessidade, segundo a expressão
célebre. Isso significa que a liberdade e a necessidade não são opostas
senão quando a necessidade é concebida como a pura exterioridade e a
liberdade como pura interioridade. Ao contrário, a articulação entre
ambas pode ser concebida a partir do momento em que compreende
que a necessidade histórica é produzida pela prática dos próprios
homens em condições que não escolheram (donde a ilusão voluntarista
de que a liberdade seria a escolha de condições não determinadas)
(CHAUI, 1982, p. 304).
Para Pinto (2005), a consciência crítica é fator determinante no
envolvimento dos cidadãos em questões relevantes à sociedade. A vontade de
45
participar, de “fazer parte”, está relacionada às situações de discriminação,
negação, necessidade ou fruto do reconhecimento da importância de se
alcançarem objetivos comuns.
A conscientização da realidade vivenciada é mola mestra na engrenagem
da participação (PINTO, 2005). Os indivíduos precisam compreender os
elementos característicos de cada etapa no contínuo processo de mudanças da
democracia para entender os desafios necessários para modificá-los.
Gohn (2007) acredita que, para participar, a consciência necessita ser
precedida pela autoestima. Os indivíduos necessitam de transformações, “mudar
a sua própria imagem e as representações sobre suas próprias vidas” (GOHN
2007, p. 58). O sentimento de ser valorizado por alguém, de ser útil, de perceber
as próprias contribuições, associado às relações de interação social com os
pares, é fundamental para a participação.
Entretanto, é importante destacar que a dimensão social, na qual se
estabelecem os laços sociais na participação, é construída por afinidades de
identidade, que não necessariamente passam pelo local (território). “A
participação social não representa um sujeito social específico, mas se constrói
como modelo de relação geral/ideal, na relação com a sociedade/Estado (GOHN,
2007, p. 58).
Chauí (1982) pressupõe que a prática da autonomia diminui as
desigualdades sociais e as distâncias entre o saber, o poder e o direito,
permitindo que cada uma dessas três dimensões atue uma sobre a outra para,
então, modificá-las. A autonomia é entendida como prerrogativa do sujeito.
[...] capacidade interna para dar-se a si mesmo sua própria lei ou regra e,
nessa posição da lei-regra, pôr-se a si mesmo como sujeito. A autonomia
é a posição de sujeitos (sociais, éticos, políticos) pela ação efetuada
pelos próprios sujeitos enquanto criadores das leis-regras da existência
social e política (CHAUI, 1982, p. 304).
Nessa perspectiva, a participação se apresenta como alternativa à
mudança de paradigma, possibilitando aos sujeitos sociais deixar a condição de
população-objeto para se tornarem autônomos para gerirem seu próprio destino,
para “terem vez e voz”.
Outra importante contribuição para o entendimento da participação, a
somar com as reflexões trazidas até o momento, é a de Bandeira (1999), que
46
destaca a importância da participação da sociedade civil na promoção do
desenvolvimento local, com base em cinco argumentos favoráveis à participação.
O primeiro argumento trata da necessidade de consulta aos destinatários
diretos das políticas públicas, tendo como princípio a participação na elaboração,
implementação e avaliação, para garantir a eficiência dos programas e projetos. O
segundo argumento ressalta que a transparência das ações do Estado depende,
em muitos casos, de uma sociedade atuante e com vitalidade. A terceira linha de
argumentação vincula a participação ao aumento do capital social, ou seja, o
acúmulo
de
informações
e
aprendizado
gera
conhecimento
que,
consequentemente, pode ser utilizado para mais contribuição dos indivíduos para
com a sociedade. O quarto argumento aborda os mecanismos participativos como
impulsionadores da competitividade sistêmica entre regiões próximas. O quinto
argumento define a participação como ferramenta capaz de facilitar os processos
de formação e consolidação das identidades regionais (BANDEIRA, 1999).
Bandeira (1999) preleciona que essas linhas argumentativas, de maneira
sobrepostas, realçam duas importantes vertentes da participação, quais sejam: a
participação é condição essencial para a democracia; e o desenvolvimento resulta
dos processos de aprendizado coletivo e da articulação dos diferentes atores
sociais em torno de uma causa. O autor sublinha, ainda, que a participação é um
importante instrumento para promover a articulação entre diversos atores sociais,
pois pode fortalecer os laços comunitários, aproximar as pessoas, facilitar a busca
por consensos e melhorar a qualidade das decisões. Entretanto, os mecanismos
participativos não podem ser encarados como práticas infalíveis, porque alguns
aspectos da participação precisam ser levados em consideração.
A qualidade das decisões depende do grau de maturidade do grupo, do
nível de informação, da capacidade da comunidade de identificar e solucionar
problemas, dos filtros de cada indivíduo em relação aos preconceitos e aos
conflitos, entre outros. Outros aspectos negativos da participação, segundo
Bandeira (1999), são: a existência de interesses e objetivos não declarados por
trás dos processos, atitudes e tentativas de manipulação por parte de alguns
componentes do grupo e até mesmo pelos representantes do poder público.
47
3.2.2 Contextos e significados da participação no Brasil
Analisar a participação social como instrumento democrático na prática da
gestão pública municipal na sociedade brasileira conduz a reflexão aos processos
históricos, objetivos e seus significados. Ela pode ser observada no cotidiano da
sociedade civil em diferentes momentos, nas mais diversas organizações,
movimentos, grupos, sindicatos e práticas políticas.
O tema participação social tem sido evocado no Brasil, nos últimos anos,
para acentuar a importância do envolvimento da sociedade civil no exercício da
cidadania como forma de democratização da gestão pública.
A atuação da sociedade por meio de canais de interlocução com o Estado,
legitimada na CF-88 e garantida em leis complementares, instituiu novas formas
de relação Estado-sociedade, que possibilitaram aos sujeitos sociais se
constituírem em novos sujeitos protagonistas na formulação de políticas públicas
e controle social democrático.
Percebida em vários momentos históricos, que vão desde as lutas na
Colônia contra a Metrópole, perpassando pelas lutas contra a escravidão e pelo
sindicalismo anarquista, sua concepção surge no começo deste século a partir da
ideia de participação comunitária, influenciada pelos norte-americanos que
militavam no movimento de assistência sanitária (GOHN, 2007).
O esforço coletivo dos indivíduos na tomada de decisões, na formulação de
proposta e na ação propositiva aparece na década de 1980 fomentado pela
atuação conjunta de movimentos eclesiais de base, associações comunitárias,
sindicatos e algumas categorias de profissionais liberais. “O termo recorrente era
participação popular e a categoria central era a das classes populares que
remetia à de povo” (GOHN, 2007).
A participação popular foi definida, naquele período como esforços
organizados para aumentar o controle sobre os recursos e as instituições
que controlavam a vida em sociedade. Esses esforços deveriam partir
fundamentalmente da sociedade civil organizada em movimentos e
associações comunitárias. O povo, os excluídos dos círculos
dominantes, eram os agentes e os atores básicos da participação
popular (GOHN, 2007, p. 50).
Marcada por protestos e lutas de diversos setores da sociedade, a década
de 1980 suscitou nas pessoas um clamor em busca da transformação de um
48
sistema político autoritário que não respondia às demandas sociais nem sanava
as necessidades da população. A luta contra o regime militar tinha um objetivo
comum, democratizar a nação para estabelecer a concessão de direitos de se
manifestar, organizar livremente e eleger a representação da sociedade por meio
de eleição direta. Já se começava a pensar, naquele momento, em canais
legítimos de participação da sociedade, em que os atores sociais pudessem
intervir nos seus próprios destinos. A ideia básica, presente nas políticas de
participação social, era a concretude do exercício de poder por mecanismos de
atuação política em que a população deixasse de ser coadjuvante.
Matos, Pessanha e Barros (2009) prelecionam que o debate político dessa
década concentrou-se, em linhas gerais, em duas vertentes: a primeira refere-se
ao ressurgimento dos movimentos populares, que retomaram a sua atuação
rompendo com os modelos clientelistas que eram estabelecidos entre agentes
públicos e as classes populares, com o objetivo de atender às suas demandas,
concedendo-lhes “favores” por meio de recursos públicos. A segunda diz respeito
ao papel atribuído aos movimentos sociais na transformação da ordem
institucional. Uma parte da sociedade identificava nos movimentos sociais uma
força capaz de mobilizar a sociedade como um todo, na tentativa de ampliar o
debate em torno das reformas institucionais necessárias para transformar o país
em uma sociedade democratizada. Outra parte da sociedade atribuía aos
movimentos sociais a esperança de uma mobilização capaz de forçar um
rompimento com a ordem capitalista (MATOS; PESSANHA; BARROS, 2009).
No final da década de 1980, a categoria central da participação deixou de
ser “o povo” e passou a ser “a sociedade”, na perspectiva de integração de um
conjunto maior de indivíduos, surgindo, assim, a concepção de participação
cidadã.
Ao se referir à “participação cidadã”, Teixeira (2002, p. 32) comenta que se
tenta:
[...] contemplar dois elementos contraditórios presentes na atual
dinâmica política. Primeiro, o “fazer ou tomar parte”, no processo políticosocial, por indivíduos, grupos, organizações que expressam interesses,
identidades, valores que poderiam se situar no campo do “particular”,
mas atuando num espaço de heterogeneidade, diversidade, pluralidade.
O segundo é o elemento “cidadania”, no sentido “cívico”, enfatizando as
dimensões de universalidade, generalidade, igualdade de direitos,
responsabilidades e deveres (TEIXEIRA, 2002, p. 32).
49
O autor destaca que a participação cidadã constitui uma categoria teórica
mais ampla de participação, na medida em que não objetiva relação isolada com
instituições nem trata de interesses específicos ou participação em grupos e
associações, embora reconheça que esses elementos estejam presentes no
processo. A participação cidadã utiliza os canais institucionais, mas também
recorre a outros mecanismos, legitimados pelo processo social para articular as
demandas específicas dos segmentos sociais e levá-las ao debate público
(TEIXEIRA, 2002).
O conceito de participação cidadã, para Gohn (2007), passa pela
compreensão do novo papel da participação como intervenção social nas
prioridades das políticas sociais e na universalização dos direitos. Trata-se,
segundo a autora, do rompimento das práticas de distanciamento da população
em relação às esferas públicas de decisão.
A principal característica desse tipo de participação é a construção de
espaços autênticos de mediação de conflitos, exposição de demandas sociais e
negociação, alicerçados no arcabouço jurídico institucional do Estado, a partir de
estruturas legitimadas em processo de eleição que envolva a representação da
sociedade. Os Conselhos Gestores são exemplos de arranjos institucionais em
que os sujeitos se constituem como atores sociais e políticos, ampliando os
processos de democratização do Estado.
Segundo Almeida e Cabral (2010), os Conselhos são espaços públicos que
estimulam a participação mediante a abertura de canais de comunicação entre o
poder público e os cidadãos, inclusive aqueles que são usuários dos sistemas/
equipamentos específicos ao Conselho em questão.
Para as autoras, os Conselhos são resultantes de um amplo processo de
discussão pública, que teve inicio nos anos de 1980 e que foi referendado pela
Constituição de 1988. A realidade percebida nessa década era que os processos
encampados pelos governos tinham características que não facilitavam a
participação da sociedade e funcionavam de maneira fragmentada e centralizada.
Como as estruturas governamentais precisam criar relações de interlocução entre
seus próprios aparelhos, os governos passaram a introduzir mecanismos para
favorecer essa interlocução, que, de certa maneira, vieram contribuir com a
relação Estado-sociedade na gestão pública (ALMEIDA; CABRAL, 2010).
50
Os espaços denominados Conselhos despertaram em parte da sociedade
um sentimento de esperança em torno de sua participação na formulação de
políticas públicas e da possibilidade do exercício do seu controle social sobre o
governo. Assim, a pretensão dos Conselhos era a busca constante de novos
caminhos, capazes de mudar as realidades da sociedade civil, tendo como pano
de fundo a descentralização das ações do Estado e a cooperação entre diversos
setores da sociedade, promovendo, assim, uma distribuição de bens e serviços
públicos mais equânimes (ALMEIDA; CABRAL, 2010).
Nesse contexto, os Conselhos Gestores de Políticas Públicas se
apresentaram como um instrumento democrático para materializar a participação
da sociedade civil, promovendo a efetivação dos direitos (GOHN, 2003).
A instauração de novos espaços participativos permitiu à sociedade a
propagação de suas demandas, o debate, a busca por objetivos comuns e a
intervenção social frente à negação dos direitos e às situações de desigualdades.
Os Conselhos foram configurados como espaços de decisão, formulação,
regulação, fiscalização, normatização e controle do Estado, no entanto, várias
lacunas podem ser encontradas na construção dessas esferas de relacionamento
Estado-sociedade.
3.3 Política pública, política social e política de assistência social:
demarcando conceitos
Historicamente, a assistência social nem sempre foi compreendida como
direito. Ao longo do tempo, o seu entendimento sofreu diversas distorções.
Conservadoramente, a assistência social era comumente identificada com
benevolência, caridade e sentimento de pena. Nesse sentido, a assistência social
foi tratada por diferentes governos com medidas emergenciais paliativas que
visavam reparar carências da sociedade.
Desse modo, tratar a assistência social como política pública significa
desvincular a assistência social dessa percepção de “boa vontade” para
ressignificá-la como direito passível de ser reclamado e protegido pelo sistema
legal das conjunturas.
51
Logo, para entender o significado de política pública, faz-se necessário
definir a expressão política e o termo púbico que a qualifica.
O termo política (politics) tem origem grega e no sentido clássico está
associado à polis (cidade) e às atividades humanas na esfera pública e social
(FUCHS, 2009, p. 62).
A associação do termo público à política remete “à coisa pública, do latim
res (coisa) e publica (de todos), ou seja, coisa de todos, para todos, que
compromete todos” (PEREIRA, 2007, p. 174).
Nessa linha, a política pública é a conversão das demandas privadas em
ações de interesse coletivo, que afetam toda a sociedade.
Frey (2000) contribui com o entendimento da política pública, propondo a
reflexão a partir dos conceitos básicos encontrados nas abordagens analíticas
sobre policy analysis. De acordo com esse autor, a política se diferencia em três
dimensões: institucional (polity), processual (politics) e material (policy).
A dimensão institucional (polity) refere-se à estrutura do sistema político
administrativo e suas estruturas jurídicas e institucionais. A dimensão processual
da política (politics) expressa o processo político, frequentemente de caráter
conflituoso, no que diz respeito aos conteúdos e às decisões. A ideia fundamental
dessa abordagem consiste na possibilidade do estabelecimento, pelos diversos
atores sociais, de mecanismos que levem à institucionalização de processos
políticos de negociação e que visem ao reconhecimento de demandas e
necessidades.
A dimensão material (policy) configura-se na concretização das decisões
políticas, “traduzidas em política pública econômica, financeira, tecnológica,
ambiental e social” (FUCHS, 2009, p. 62). Schubert (apud FREY 2010, p. 217)
preconiza que a ordem política concreta (polity) forma os quadros a partir dos
quais se efetiva a política material (policy), por meio de estratégias políticas de
conflito e consenso (politics).
Cabe ressaltar que os aspectos apresentados, relativos às dimensões da
política, se influenciam mutuamente. E que o recorte para o entendimento da
política localiza-se na dimensão organizativa, que como bem lembra Fuchs (2009)
se refere às ações do Estado, em razão das demandas e necessidades que
adquirem relevância de ação do ponto de vista político e administrativo, ou seja,
como política pública.
52
De acordo com Teixeira (2002, p. 2-3), as políticas públicas são “os
princípios norteadores que regulam as relações entre o poder público e a
sociedade, estabelecendo as regras que orientam as ações desenvolvidas com
recursos públicos, por meio de leis, programas e linhas de financiamentos”. Visam
responder
às
demandas
da
sociedade,
buscando
reconhecê-las
institucionalmente e ampliar e efetivar os direitos de cidadania.
A esse entendimento Pereira (2007) acrescenta que a política pública
concede presença à sociedade por meio da representatividade.
Política pública é ação pública na qual, além do Estado, a sociedade se
faz presente, ganhando representatividade, poder de decisão e
condições de exercer controle sobre sua própria reprodução e sobre os
atos de decisão do governo (PEREIRA, 2007, p. 64).
Política pública significa, portanto, ação coletiva que tem como princípio a
materialização das demandas da sociedade na forma da lei. Em outros termos,
políticas públicas são a garantia da aplicabilidade dos direitos declarados na
forma de programas, projetos e serviços (PEREIRA, 2007, p. 223).
Decorrentes dos problemas enfrentados pelos indivíduos e por grupos de
indivíduos, as políticas públicas “constituem-se em instrumentos e procedimentos
que se destinam a atenuar os conflitos de forma pacífica, sendo, assim,
essenciais para a regulação da vida em sociedade” (RUA, 2009, p. 17).
Teixeira (2002) salienta que as políticas públicas podem ser de natureza
estrutural, tendo como princípio as relações estruturais: propriedade, renda,
emprego; ou de natureza emergencial, com o objetivo de solucionar problemas
imediatos e temporários.
Em relação à abrangência, as políticas públicas podem ser: universais,
para toda a sociedade; segmentadas, destinadas a uma parcela da população e
estabelecidas levando em consideração fatores como idade, gênero, etnia, etc.;
ou fragmentadas, voltadas para grupos sociais constituídos dentro de cada
segmento (TEIXEIRA 2002, p. 3).
No que se refere aos impactos, as políticas públicas, de acordo com seu
caráter, podem distinguir-se em quatro formatos: distributivo, redistributivo,
53
regulatório e constitutivo (estruturador)10 (LOWI, 1972 apud SOUZA, 2006, p. 28),
As políticas públicas possuem também dimensões processuais chamadas de
ciclos ou (policy cycle), devido aos diferentes estágios e modificações pelas quais
passam durante seus processos de elaboração e implementação. Frey (2000)
informa que a definição dos ciclos políticos pode ser encontrada em diferentes
vertentes teóricas. Todavia, comum a todas são as fases da formulação,
implementação e do controle dos impactos.
Fugindo das definições mais tradicionais, Frey (2000) propõe uma
subdivisão dos ciclos mais elaborada e que parece ser mais pertinente. Em sua
proposta de divisão, o pesquisador busca retratar as diferentes influências e
possíveis modificações sofridas pelas políticas públicas, em cada fase, em
relação às redes políticas e sociais e às práticas político-administrativas. O
modelo teórico de divisão dos ciclos proposto por Frey (2000) compreende as
seguintes fases: percepção e definição de problemas, agenda-setting, elaboração
de programas e decisão, implementação de políticas, avaliação e eventual
correção da ação.
A fase de percepção e definição é caracterizada pela intensidade e
relevância do problema em relação ao ponto de vista político da administração
pública, ou seja, uma demanda pode ser percebida por determinado grupo social.
Mas somente quando for identificada como um problema que necessite de
intervenção político-administrativa ela é reconhecida como um problema de
política pública.
Os problemas entram na fase da agenda setting, quando existe uma
predisposição da comunidade política para resolvê-los ou quando começam a
afetar os resultados da própria agenda. Na fase de elaboração de programas e
decisão, são avaliadas as opções de ações, os custos-benefícios e a importância
da política proposta na obtenção de resultados.
10
As políticas distributivas são caracterizadas por priorizarem alguns segmentos da sociedade
em detrimento de outros, gerando impactos mais particulares que universais; b) as políticas
redistributivas visam aos deslocamentos de recursos financeiros para o atendimento de
demandas relacionadas a camadas sociais e grupos sociais específicos; c) as políticas
regulatórias configuram-se pela normatização e regulação, elementos fundamentais para o
estabelecimento da ordem social; d) as políticas constitutivas, também chamadas de políticas
estruturadoras, determinam as configurações dos processos políticos, a modelação das
instituições e a modificação dos sistemas de governo.
54
A implementação de políticas depende intrinsecamente da forma como
foram elaboradas. Nessa fase, os resultados nem sempre são alcançados, devido
a falhas que são observadas desde a projeção de indicadores irreais aos
processos de implementação.
A política social se configura como uma política pública, à medida que
compreende o atendimento das necessidades sociais, tendo como princípio a
mudança da realidade, devendo ser amparada por leis que tenham como
características a impessoalidade, objetividade e a garantia de direitos.
De acordo com Pereira (2007), tanto a designação de política pública
quanto a designação de política social são denominadas policies (políticas de
ação), pertencentes à vertente do conhecimento policy science. Entretanto, a
política social é um dos tipos de política pública (public policy).
[...] embora o termo policy signifique basicamente princípios para ação, o
termo social, que a completa, qualifica a ação a ser desenvolvida e os
requerimentos indispensáveis à satisfação de demandas. Disso resulta
que o termo composto política social, longe de ser mera soma de
substantivo com um adjetivo, define uma área de atividade e interesses
que requer: conhecimento do alvo a atingir, estratégias e meios
apropriados para consecução da política, organização, amparo legal e
pessoal capacitado (PEREIRA, 2007, p. 172).
As políticas sociais são, portanto, destinadas a prover, por meio do
aparato do Estado, determinado grau de “proteção social” aos que dela
necessitem (LUSTOSA, 1988, p. 7). Em principio, as políticas sociais são voltadas
para minimizar as desigualdades estruturais, produzidas pelos processos de
desenvolvimento socioeconômico da sociedade (HÖFLING, 2001, p. 31).
Reconhecidas por diferentes autores como instrumento legal para garantir as
necessidades básicas das classes subalternas, as políticas sociais também são
entendidas por uma parcela da sociedade como concessão de benefícios que
visam a fomentar o assistencialismo e o clientelismo por parte do Estado.
No entanto, no entendimento de Lustosa (1998), as políticas sociais devem
ser voltadas para a promoção da cidadania, buscando alcançar como fim o
desenvolvimento e a emancipação dos indivíduos. Nesse sentido, as políticas
sociais se configuram com um instrumento político de amparo legal, com a
finalidade de articulação das demandas individuais e coletivas da sociedade na
busca da satisfação de suas necessidades.
55
Para Pereira (2007, p. 165), é “mediante a política social que os direitos
sociais se concretizam e as necessidades humanas são atendidas na perspectiva
da cidadania ampliada”. E, ainda: a política social refere-se à política de ação e
visa ao atendimento das necessidades sociais mediante esforços organizados e
pactuados que ultrapassem as iniciativas individuais isoladas, requerendo,
portanto, decisões coletivas regidas por princípios, assim como diretrizes
amparadas por leis para produzir direitos.
Cabe ressaltar que a assistência social brasileira só alcançou o estatuto de
política social a partir da Constituição de 1988 e da promulgação da Lei Orgânica
da Assistência Social (Lei nº 8742 de 7 de dezembro de 1993 – BRASIL, 1993).
Depois de aprovados, esses aparatos jurídicos conferiram o caráter de política
pública à assistência social, estabelecendo responsabilidades ao Estado e
assegurando o direito ao cidadão.
56
4
ARCABOUÇO
LEGAL
DA
ASSISTÊNCIA
SOCIAL
E
EQUIPAMENTOS PÚBLICOS NO BRASIL
4.1 Política pública de assistência social, princípios, diretrizes e organização
A Constituição Federal de 1988 (CF-88) instituiu uma nova definição para a
assistência social brasileira, materializada na promulgação da Lei Orgânica de
Assistência Social de n° 8.724/93 (LOAS), que regulamentou os artigos 203 e 204
da referida Constituição. A promulgação da LOAS propiciou a ressignificação da
assistência social no Brasil, possibilitando a intervenção efetiva do Estado em
ações
descontinuadas
realizadas
por
instituições,
entidades
e
órgãos
governamentais. A filantropia e benemerência, pautadas nas relações de favores,
submetidas a relações personalistas e historicamente enraizadas nas práticas
políticas brasileiras, deram lugar à política pública (RAICHELIS, 1998, p. 80).
A LOAS define a assistência social como direito do cidadão e dever do
Estado, como “política de seguridade social não contributiva, que provê os
mínimos sociais [...] através de um conjunto integrado de ações de iniciativa
pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”
(BRASIL, 1993, LOAS, art. 1º).
Como lei complementar, a LOAS tem duas funções: a primeira, de
assegurar as disposições declaratórias, transformando-as em disposições
assecuratórias de direito, dando concretude ao direito proclamado. A segunda, de
definir, detalhar e explicitar a natureza da assistência social no âmbito da
seguridade social, para compatibilizá-la como estatuto de cidadania de que ela
passou a fazer parte (PEREIRA, 1994, p. 101).
No entanto, Pereira (1994) adverte que a Constituição não teria que fazer
esse detalhamento, tanto que os princípios, organização, abrangência e as
competências da assistência social brasileira não estão detalhados na Carta
Magna.
O arcabouço que constituiu a LOAS foi sistematizado em seis capítulos,
que tratam, respectivamente: da definição e objetivos da lei de assistência social;
57
dos princípios e diretrizes; da organização e gestão; dos benefícios, serviços,
programas e projetos; do financiamento e das disposições gerais e transitórias.
A LOAS expressa uma concepção de assistência social que tem como
objetivos: assegurar a proteção à família, à maternidade, à infância, à
adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; a
promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das
pessoas portadoras de deficiências e a promoção de sua integração à vida
comunitária; e a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa
idosa e ao portador de deficiência (BRASIL, 1993, LOAS, art. 2º).
No tocante aos princípios, como bem lembra Bidarra (2004), a LOAS busca
demarcar a assistência social como direito, contrapondo as prerrogativas que a
marcaram historicamente como assistencialismo, filantropia e caridade. Esse
entendimento sugere a mudança de estrutura nas ações da assistência social,
que passam a se “diferenciar das iniciativas morais de ajuda aos necessitados,
que não produzem direitos e não são judicialmente reclamáveis” (RAICHELIS,
1998, p. 80).
Dessa forma, a assistência social deve ter como princípios a supremacia
social, a universalidade dos direitos, o respeito à dignidade do cidadão, a
igualdade de direitos no acesso ao atendimento e divulgação ampla dos
benefícios.
[...] supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as
exigências de rentabilidade econômica; [...] universalização dos direitos
sociais, a fim de tornar o destinatário da ação da assistência social
alcançável pelas demais políticas publicas; [...] respeito à dignidade do
cidadão, à sua autonomia e ao seu direto a benefícios e serviços de
qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se
qualquer comprovação vexatória de necessidade; [...] igualdade de
direitos no acesso ao atendimento, sem descriminação de qualquer
natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais; [...]
divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos
assistenciais, bem como de recursos oferecidos pelo poder público e dos
critérios para sua concessão (BRASIL, 2004a, p. 26).
Na perspectiva da organização e gestão da assistência social, a LOAS,
prevê uma estrutura descentralizada e participativa e o comando único das ações
em cada esfera de governo, com atribuições específicas para cada uma delas.
Cabem à esfera federal a competência da coordenação e o estabelecimento das
58
normas gerais; e aos estados, Distrito Federal e municípios atribuem-se a
execução dos programas e a coordenação em suas respectivas esferas.
Para Behring (2001), a LOAS inova ao estabelecer em suas diretrizes a
descentralização político-administrativa para os estados, Distrito Federal e
municípios e o comando único das ações em cada esfera de governo.
No
entendimento
da
autora,
a
efetivação
de
um
sistema
de
corresponsabilidades entre essas esferas gerou uma espécie de colaboração
vigiada que contribui com a perspectiva de superar a fragmentação e a
superposição das ações no campo da assistência social.
Outro aspecto a ser destacado em relação às diretrizes preconizadas na
LOAS é a conquista do direito de participação da população, por meio de
organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das
ações em todos os níveis (BRASIL, 1993, LOAS, art. 5º, inciso II). A incorporação
do referido direito significa a possibilidade do envolvimento da população nos
processos de decisões que os afetam, o que implica a viabilidade da constituição
de sujeitos sociais ativos, com o potencial de vir a colaborar com a consolidação
dos direitos declarados (RAICHELIS, 1998).
Entretanto, o grande desafio da participação é criar mecanismos que
venham garantir a inclusão dos usuários da assistência social na formulação e no
controle das ações previstas na LOAS. Isso porque, historicamente, no campo da
assistência social, a concepção de doação, dádiva, caridade, bondade e ajuda
sempre marcou a assistência social como ação reprodutora de usuários
caracterizados como pessoas dependentes, tuteladas e vitimadas pelas entidades
e organizações que as acolhiam e se pronunciavam em seu nome.
Romper com essa constatação é o primeiro passo para construir um
processo ampliado de formação e capacitação que envolva esses sujeitos que,
por razões sociais, pessoais ou de calamidade pública, se encontram em situação
de vulnerabilidade social (PEREIRA, 1994).
4.2 A Política Nacional de Assistência Social
Os
avanços
na
regulamentação
da
assistência
social
foram
se
consolidando à medida que as instâncias de participação da sociedade,
59
preconizadas
na
LOAS,
assumiram
o
papel
de
protagonistas
no
acompanhamento e na defesa das deliberações e dos pactos realizados nas
conferências municipais, estaduais e nacionais.
A necessidade de disciplinar a gestão pública da assistência social levou
os diferentes segmentos que compõem a sociedade civil nas instâncias
participativas a elaborar, no período de 1993 a 2003, o primeiro texto da
PNAS/1998 e a NOB9711 e NOB9812.
No entanto, foi a partir das deliberações da IV Conferência Nacional de
Assistência Social, realizada em dezembro de 2003, em Brasília-DF, que as
bases e diretrizes para a construção de uma PNAS na perspectiva de um sistema
único foram estabelecidas.
Com objetivo de efetivar as diretrizes da assistência social como direito de
cidadania e responsabilidade do Estado, após amplo processo de discussão e
negociação, foi aprovada pelo CNAS, em setembro de 2004, a PNAS, com a
previsão da sua gestão por meio do Sistema Único de Assistência Social (SUAS),
que já se origina com a sua própria NOB/ SUAS (BRASIL, 2005).
A PNAS aprovada pelo CNAS estabelece três tipos de níveis de gestão
(inicial, básica e plena) e as condiciona ao cumprimento de requisitos normativos,
nos quais a participação da sociedade se configura como condição indeclinável.
Dessa forma, a PNAS/2004 ratifica as disposições contidas no art. 30 da LOAS,
que estabelece as condições para os repasses dos recursos.
É condição para os repasses, aos municípios, aos estados e ao Distrito
Federal, dos recursos de que se trata esta lei, a efetiva instituição e
funcionamento do Conselho de Assistência Social, de composição
paritária entre governo e sociedade civil [...] (BRASIL, 1993, LOAS, art.
30º, inciso I).
11
“A Norma Operacional Básica (NOB) 97 conceituou o sistema descentralizado e participativo,
estabelecendo condições para garantir sua eficácia e eficiência, explicitando uma concepção
norteadora da descentralização da Assistência Social” (BRASIL, 2004a, p. 82).
12
“A NOB/98 - essa normativa ampliou as atribuições dos Conselhos de Assistência Social e
propôs a criação de espaços de negociação e pactuação, de caráter permanente, para a
discussão quanto aos aspectos operacionais da gestão do sistema descentralizado e participativo
da assistência social. Esses espaços de pactuação foram denominados de Comissão
Intergestores Tripartite (CIT) e Comissão Intergestores Bipartite (CIB), que passaram a ter caráter
deliberativo no âmbito operacional da política” (BRASIL, 2004a, p. 83).
60
Nesse sentido, segundo Campos (2009), a PNAS estabelece uma opção
inquestionável pela perspectiva de inclusão política da sociedade civil nos
assuntos de interesse público. Contudo, não se pode deixar de mencionar que
essa opção pela participação é resultante de um processo conflituoso que teve
origem nos movimentos de luta pela democratização do país.
Os esforços empreendidos pela sociedade civil organizada - e de maneira
especial pelos trabalhadores da assistência social - no sentido de assegurar na
constituição da PNAS os fundamentos essenciais para uma gestão democrática
possibilitam o aumento dos mecanismos de participação e controle social da
sociedade em relação à referida política.
A nova institucionalidade da Política de Assistência Social brasileira deu
primazia à atenção às famílias e seus membros, priorizando os que se encontram
em situação de vulnerabilidade. Suas diretrizes indicam um conjunto de ações de
caráter preventivo, visando ao fortalecimento dos vínculos sociais de proteção e à
concretização dos direitos.
Para efetivar a assistência social como política pública e materializar os
dispositivos legais proclamados e regulamentados na LOAS, a PNAS instituiu o
SUAS. Trata-se de um instrumento público de gestão descentralizada e
participativa com a finalidade de organizar as ações socioassistenciais em toda a
esfera nacional.
O SUAS define as diretrizes e os elementos essenciais que padronizam a
execução da política pública de assistência social com o objetivo de garantir que
os direitos de cidadania e a inclusão social sejam respeitados. Nessa linha, o
SUAS tem por função regular os serviços, benefícios, programas, projetos e
ações, assegurando o caráter universal e uma lógica hierarquizada em relação às
esferas de governo. Consolida, assim, um modo de gestão compartilhada e
estabelece uma forma articulada e complementar de cooperação técnica entre os
entes federados.
A regulação do SUAS fundamenta-se nos compromissos estabelecidos na
PNAS/2004, que reconhecem as características culturais, socioeconômicas e
políticas da população urbana e rural das diferentes regiões e cidades brasileiras.
Sua efetivação como sistema objetiva integrar a assistência social como política
de seguridade social, inserindo as modalidades de proteção social básica e
especial (de média e alta complexidade) no conjunto de proteções previstas pela
61
seguridade social (BOSCHETTI, 2005). “Entendem-se por proteção social as
formas e ações institucionalizadas que as sociedades constituem para proteger
parte ou conjunto de seus membros” (BRASIL, 2004a, p.31).
Na PNAS (2004) e na NOB (2005), a proteção social básica refere-se às
ações preventivas e tem como pressupostos o reforço e o fortalecimento dos
vínculos familiares e comunitários. A proteção social básica destina-se à
população que se encontra em situação de vulnerabilidade, decorrente da
pobreza, privação e fragilização dos vínculos afetivos. Essa proteção prevê o
desenvolvimento de serviços, programas e projetos de acolhimento, convivência e
socialização, executados de forma direta no Centro de Referência da Assistência
Social (CRAS) e de forma indireta por entidades e organizações de assistência
social localizadas nas áreas de abrangência do CRAS (BRASIL, 2004a, p. 33-34).
A proteção social especial é definida na PNAS como uma inserção
destinada a pessoas que tiveram seus direitos violados e/ou ameaçados e que se
encontram em situações de risco pessoal. Por se tratar de um atendimento
dirigido, requer acompanhamento individual e estreita interface com os sistemas
de garantia de direitos como o Judiciário, Ministério Público e outros órgãos e
ações do Executivo (BRASIL, 2004a, p.36-37).
Subdividida em níveis, a proteção social especial pode ser categorizada
como de média ou alta complexidade. A proteção social especial de média
complexidade é destinada a famílias e a indivíduos que tiveram seus direitos
violados, mas cujos vínculos familiares e comunitários não foram rompidos. A
aplicabilidade dessa modalidade de proteção requer estruturação operacional
mais qualificada e acompanhamento especializado, sendo o Centro de Referência
Especializado da Assistência Social (CREAS) o equipamento público indicado
para coordenar as ações necessárias ao atendimento desse tipo de proteção.
A segunda categoria de proteção, denominada proteção social especial de
alta complexidade, tem por finalidade garantir proteção integral – moradia,
alimentação, higiene e trabalho protegido – àqueles que se encontram sem
referência e/ou em situação de ameaça, necessitando ser retirados de seu núcleo
familiar ou comunitário. As ações de atendimento previstas para esse tipo de
62
proteção são voltadas para o acolhimento 13, medidas socioeducativas e trabalho
protegido (BRASIL, 2004a, p. 38).
Faz se necessário destacar que o SUAS não foi concebido como um
simples sistema organizativo e não pode ser apenas encarado como uma
ferramenta técnica de gestão. Ao contrário, esse equipamento deve ser
compreendido, como bem adverte Boschetti (2000) como um instrumento que
institucionaliza os espaços de participação, e que assegura, nos seus dispositivos
legais, o controle social pela sociedade das políticas públicas. Assim, o SUAS é a
possibilidade da concretização da LOAS, da construção democrática e
participativa de uma gestão pública, em que os acordos podem ser construídos e
os direitos consagrados.
4.3 O Conselho de Assistência Social como ferramenta de controle e
democratização na gestão pública
Os Conselhos são instrumentos que possibilitam a materialização da
participação da sociedade civil nas decisões de políticas públicas. Eles se
constituem como arenas onde se deflagra o diálogo entre a sociedade e o Estado,
locus privilegiado para a altercação das demandas e o fomento de ações de
interesse público. Constituídos por representantes da sociedade civil e do Estado,
funcionam como instâncias de formulação, avaliação e proposição de políticas
públicas. Formatados a partir das reivindicações de setores organizados da
sociedade civil, os Conselhos são espaço de construção democrática, oriundos do
processo de abertura política e da consolidação da Constituição Federal de 1988.
Resultante do conflituoso processo de mobilizações sociais e políticas que
marcaram as décadas de 1970 e 1980, a CF-88 instituiu o arcabouço legal que
muda o regime político brasileiro. A declaração na Carta Magna do
reconhecimento da participação social nos seus art. 203 e 204 altera a
organização das políticas públicas e possibilita mudanças nos paradigmas da
democracia participativa.
13
Os serviços de acolhimento são: atendimento integral institucional; casa lar; república; casa de
passagem; albergue; família substituta e família acolhedora.
63
Para assegurar o que está declarado na CF-88, setores organizados da
sociedade civil e profissionais da assistência social lutaram durante cinco anos
(1988 a 1993) pela aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social n° 8.742/93
(LOAS) (PEREIRA, 1994). No âmbito da assistência social, essa legislação
infraconstitucional ratifica um novo modelo na condução e prestação da
assistência
social,
estabelecendo
diretrizes
normativas
sobre
as
ações
governamentais em relação aos usuários, serviços, benefícios, programas e
financiamentos destinados ao enfrentamento da exclusão social.
Com vistas ao envolvimento da sociedade, a LOAS assegura, no seu art.
5.° (inciso l), a possibilidade de uma gestão descentralizada, estruturada nas
esferas estaduais, municipais e no Distrito Federal. E garante, no mesmo artigo
(inciso II), a participação da população, por meio de organizações representativas
no controle das ações de assistência social em todos os níveis.
A LOAS indica tanto nos princípios que a regem quanto no capítulo da
Organização e Gestão e nas Disposições Transitórias, outras medidas
facilitadoras e garantidoras da participação da população no controle da
assistência social, tais como: acesso às informações; criação de foro de
debates; Conferências Nacionais de assistência social, realizadas de
dois em dois anos para avaliar a política de assistência social; avaliar a
situação das ações desenvolvidas e propor diretrizes para o
aperfeiçoamento do sistema (PEREIRA, 1994, p. 110).
Importante medida para a materialização do art. 5.° da LOAS foi a criação
dos Conselhos de Assistência Social nas esferas da União, dos estados, dos
municípios e do Distrito Federal. Segundo Moroni e Biondi (2009), os Conselhos
foram concebidos como órgãos públicos e estatais com representação paritária
entre governo e sociedade, criados por lei ou instrumento jurídico, com atribuições
deliberativas e de controle social do Estado pela sociedade.
Os Conselhos nasceram inspirados nas demandas da sociedade, com o
objetivo de reorganizar as relações que permeiam as políticas públicas, na
tentativa de ampliar a participação dos sujeitos sociais nos processos que podem
levar à igualdade, equidade e eficiência do Estado no campo social (SILVA;
JACCOUD; BEGHIN, 2005). Os autores citados definem, então, os Conselhos
federais como instâncias de legitimação das políticas públicas.
64
[...] instâncias públicas localizadas junto à administração federal, com
competências definidas e podendo influenciar ou deliberar sobre a
agenda setorial, sendo também capazes, em muitos casos, de
estabelecer a normatividade pública e a alocação de recursos dos seus
programas e ações. Podem ainda mobilizar atores, defender direitos ou
estabelecer concertações e consensos sobre as políticas públicas. Em
qualquer dos casos, ou seja, em acordo com as linhas de ação do
Estado ou em conflito com elas, contribuem para a legitimação das
decisões públicas (SILVA; JACCOUD; BEGHIN, 2005, p. 380).
Os Conselhos são também instituições de partilha de poder constituídas
pelo Estado com representações da sociedade civil e do Poder Executivo
(AVRITZER, 2008). Como arranjos institucionais, possuem desenhos que se
diferenciam em pelo menos três aspectos: “na maneira como a participação se
organiza; na maneira como o Estado se relaciona com a participação; e como a
legislação exige do governo a implementação ou não da participação”
(AVRITZER, 2008, p. 44).
Conforme Paz (2009), os princípios de democracia, cidadania e
participação são as diretrizes dos Conselhos, cuja principal função é o controle
social exercido pela sociedade de maneira partilhada. A autora alerta que, mesmo
se configurando como um elemento da esfera pública, os Conselhos não
substituem o Estado nem os espaços autênticos de representação e reivindicação
da sociedade civil.
O entendimento dos processos de participação da sociedade civil e sua
presença nas políticas públicas conduz ao entendimento do processo de
democracia da sociedade brasileira; o resgate dos processos de
participação leva, portanto, às lutas da sociedade por acesso aos direitos
sociais e à cidadania. Nesse sentido, a participação é também luta por
melhores condições de vida e pelos benefícios da civilização (GOHN,
2007, p. 14).
Arendt (1991 apud GOHN, 2007) enfatiza que a única forma possível de
garantir participação e cidadania da sociedade civil em um governo horizontal é a
instauração dos Conselhos. Entretanto, Gohn (2007) alerta para a possibilidade
de os Conselhos se constituírem em espaços de caráter duplo, que podem tanto
colaborar na construção de uma gestão democrática participativa, caracterizada
pela articulação dos sujeitos envolvidos, como ser transformados em meras
estruturas burocráticas estagnadas, sem representatividade e ação efetiva.
65
4.4 As categorias normativas e os elementos constitutivos do Conselho
Gestor de assistência social
A efetivação dos Conselhos de Políticas Públicas depende, entre outras
condicionantes, do papel desempenhado pelos conselheiros em relação a cinco
categorias estabelecidas, a saber:
Deliberar: revela ações como aprovar, elaborar, atuar na formulação,
estabelecer ou definir critérios, fixar diretrizes, definir prioridades. [...]
Fiscalizar: inclui ações como supervisionar, acompanhar, avaliar,
controlar, fiscalizar, encaminhar ou examinar denúncias, promover
auditorias. [...] Normatizar ou registrar: reúne ações como autorizar,
normatizar, regulamentar, credenciar, dar posse, conceder licença,
cadastrar, registrar, cancelar registro. [...] Assessorar ou prestar
consultoria: contempla ações como apreciar contratos, assessorar,
constituir comissões, participar da definição, do planejamento e da
formulação, propor medidas, critérios ou adoção de critérios. [...] Informar
ou comunicar: indica ações como manter cadastro de informações,
manter comunicação, solicitar informações, estudo ou pareceres (KLEBA
et al., 2010, p. 795).
O papel deliberativo do Conselho de Assistência Social é identificado por
Kleba et al. (2010) como uma de suas principais funções, em virtude da
relevância da ação frente à gestão dos recursos, à análise dos resultados sociais,
ao desempenho de programas e projetos, à definição de diretrizes e aos critérios
da política pública municipal. O objetivo da deliberação, para Cunha (2007), é
resolver as demandas apresentadas pelos indivíduos nas situações que os
afligem (num processo dialógico em que a negociação supera as desigualdades
sociais e a pluralidade dos interesses privados).
Entretanto, algumas condições básicas são necessárias para que a
deliberação produza efeito sobre as decisões legitimas de ações públicas, entre
elas:
A institucionalização dos procedimentos deliberativos, a composição
plural e inclusiva dos fóruns deliberativos, a produção de decisões que
visam à solução de problemas públicos, a abertura da deliberação
pública a novos temas, a igualdade deliberativa entre os que participam
[..] o acesso igual às informações e recursos, a argumentação com base
na deliberação, a possibilidade da contestação dos resultados
deliberativos, a deliberação como exercício de controle público (CUNHA,
2007, p. 29).
66
O que se espera da função deliberativa do Conselho é o fomento de
diálogos, a busca por soluções exequíveis dos problemas, o entendimento dos
diversos atores que o compõem, a democratização das relações de poder com
vistas ao bem comum e a produção de acordos. Não que seja necessária a
concordância de todos, mas que as decisões sejam aceitas e respeitadas, mesmo
por aqueles que dela discordam. Os indivíduos que participam do Conselho
precisam experimentar a experiência do entendimento coletivo, vivenciar a
negação da proposta não aceita e sentir a importância da sua colaboração na
produção de resultados.
Segundo Tatagiba (2003), o princípio da igualdade é característica central
a
ser
observada
em
um
processo
deliberativo.
Sua
efetividade
está
profundamente ligada à compreensão do “outro” como igual em termos de direito.
Nessa ótica, a fala dos indivíduos deve ser garantida, seu entendimento
respeitado, suas contribuições consideradas. A capacidade para iniciar uma
deliberação pública depende dessa ideia de igualdade deliberativa. Seu contrário
é a “pobreza política”, que é definida por Bohman (1996 apud TATAGIBA, 2003),
como incapacidade de articulação e influência na obtenção de resultados que vão
em direção a uma situação mais vantajosa para o bem comum.
A deliberação, no que se refere à igualdade, precisa permitir interlocuções
do “eu” com o “outro” em condições de “iguais”, de maneira que as divergências
sejam apresentadas, justificadas, mas que encontrem caminho para
a
convergência, porque é nessa possibilidade que a política aposta (TATAGIBA,
2003).
A relação de igualdade permite que se chegue a uma condição de
reflexibilidade na qual os sujeitos afirmam suas diferenças, mas também são
expostos aos argumentos dos outros. Isso não impede a geração de conflitos,
mas é uma condição para o estabelecimento da possibilidade do diálogo com o
outro. A reflexão no processo deliberativo tem o potencial de aproximar os
divergentes, porque permite ao indivíduo se colocar no lugar do outro ao
favorecer melhor compreensão de suas razões, o que facilita a construção de
ações compartilhadas.
A
função
deliberativa
permite
que
os
indivíduos
que
possuem
conhecimento sobre a realidade local a partir de suas vivências contribuam com
mais intensidade na detecção de problemas e na detecção de soluções mais
67
viáveis. Diferentemente das estruturas tradicionais decisórias, a deliberação
possibilita maior fluxo de informações e melhor entendimento por parte dos
indivíduos, que precisam estar convencidos da relevância da proposta para
poderem aceita-lá. Dessa forma, as pessoas envolvidas nesses arranjos
deliberativos tendem a se sentir responsáveis pelas decisões que tomam. O
resultado desse
processo
é o
maior
envolvimento dos indivíduos na
implementação das deliberações.
Contudo, para Fuks e Perissinotto (2006), faz-se necessário analisar o
funcionamento da deliberação nos processos de decisão nos Conselhos, para a
compreensão do nível de influência de cada segmento. Nesse caso, essa análise
requer a observação de quem inicia e introduz os temas, como os debates são
estabelecidos, a maneira como são encaminhadas as propostas de ações e a
configuração dos resultados desses mecanismos.
Ainda sobre a relevância do caráter deliberativo, Gohn (2007) adverte que
não há estruturas jurídicas que obriguem o Poder Executivo a acatar as decisões
dos Conselhos, mesmo as de caráter deliberativo. Em alguns casos, porém, os
Conselhos têm provocado a esfera jurídica no intuito de garantir suas
deliberações, o que nem sempre garante resultados satisfatórios.
Outro aspecto importante a ser destacado é que os conselheiros não têm
autonomia para modificar as leis de criação e de composição do Conselho,
atribuições estas que cabem ao Executivo. Todavia, isso não impede pressões e
articulações sobre o Executivo para garantir mudanças. Por outro lado, os
conselheiros detêm a prerrogativa de elaboração dos procedimentos internos e
das resoluções, instrumentos legais fundamentais para a regulação do controle
social exercido pelo Conselho.
Raichelis (1998) destaca que os Conselhos de Assistência Social se
difereciam dos demais devido à sua dimensão executiva. Esses Conselhos são
responsáveis pelo registro das entidades e pela emissão de certificados de
filantropia. Isso implica uma relação extremamente ambígua quanto ao papel dos
conselheiros: ao mesmo tempo em que possuem autoridade de concessão de
certificação, representam a entidade ou organização que demanda a certificação.
Assim, a presença de representantes das entidades na composição do Conselho
possibilita o exercício de influência sobre as suas decisões.
68
4.5 A composição do Conselho de Assistência: entre a paridade numérica e
a paridade representativa
Um dos aspectos mais relevantes a serem observados para que o
Conselho possa se estabelecer como espaço público democrático de formulação
e controle social é a sua composição.
A composição do Conselho retrata a capacidade de articulação da
sociedade civil, a importância dispensada pelo Poder Executivo à sua constituição
e a correlação de forças entre sociedade civil e Estado no fomento das
discussões de interesse público. Sua formação é a garantia ou não de um debate
qualificado e do estabelecimento de relações capazes de modificar o que está
posto.
No intuito de garantir e manter o equilíbrio nas decisões do Conselho, a
LOAS previu a aplicação do princípio da paridade (art. 16). Esse princípio implica
a delegação, por parte do Poder Executivo, da metade dos conselheiros, sendo a
outra metade escolhida ou eleita em fóruns próprios para participar e falar em
nome de um grupo ou segmento.
Luchmann (2009) alerta para esse princípio e apresenta características
sobre as representações da sociedade civil e do Estado que dificultam o processo
de discussão e a tomada de decisões nos Conselhos. Para a autora, a
representação da sociedade civil está associada a entidades constituídas por
diferentes perfis no que diz respeito à sua organização, em muitos casos, repletas
de contradições, conflitos e interesses. Enquanto a representação governamental
é formada por agentes públicos e políticos que são servidores em diferentes
setores da administração pública e são indicados pelo governo para compor o
Conselho, de modo geral, os estudos mostram a pouca familiaridade desses
representantes e o baixo poder de decisão investido neles.
Os critérios de escolhas dessa representação obedecem a definições que
não incluem o conhecimento da temática específica dos receptivos Conselhos,
mas respeitam uma lógica de compromisso com as decisões tomadas pelo
Executivo. Nesse sentido, enquanto a sociedade civil parte de uma condição de
heterogeneidade na sua representação e precisa estabelecer consensos, a
representação governamental detém a unidade necessária para enfraquecer e
comprometer o processo decisório. Reforça-se, assim, o argumento da autora
69
sobre o fato de a paridade numérica não representar paridade política
(LUCHMANN, 2009).
Outro aspecto levantado por Luchmann (2009) em relação à paridade está
relacionado ao limite que o formato institucional dos Conselhos impõe à
participação do indivíduo não institucionalizado, que pode ser percebido na
ausência de ações estruturadas para ampliar a participação dos setores excluídos
da sociedade.
A combinação da paridade com a representação por entidades dificulta a
inserção de indivíduos que não estejam ligados a alguma instituição.
Observa-se que as entidades se apresentam como “interlocutoras
legítimas” desses indivíduos e são favorecidas pela capacidade técnica e política
de suas lideranças. Esse processo tende, portanto, “à reprodução de um tipo de
‘elitismo associativista’ na medida em que não prevê mecanismos de
incorporação e ampliação da participação a um conjunto mais amplo de diferentes
atores sociais desses setores” (LUCHMANN, 2009, p. 11).
Os argumentos apresentados em relação à paridade remetem ao
entendimento de que o princípio da paridade entre sociedade civil e Estado,
mesmo com representação numérica igual, não se equivale como representação
política, à medida que os representantes do Estado partem de uma unidade que
obedece orientações do Executivo e os representantes da sociedade civil
dependem de uma articulação junto à sua representação que é segmentada e
imbuída de interesses diversos.
4.6 A representação no Conselho e os mecanismos de institucionalização de
suas práticas
Boa parte dos Conselhos possui dinâmicas de funcionamento bem
definidas, com reuniões ordinárias periódicas, que podem ser acompanhadas pela
sociedade de modo geral, com direito à voz, mas sem direito de voto, este
atribuído apenas aos conselheiros. As reuniões extraordinárias acontecem à
medida que se percebe a necessidade de uma discussão mais aprofundada de
determinada temática. Essas reuniões extraordinárias também são convocadas
para o planejamento, avaliação e preparação de eventos.
70
O Colegiado, instância máxima de deliberação, é composto dos segmentos
da sociedade civil e do Estado. O presidente é geralmente eleito pelos membros
do Conselho, salvo quando a legislação referente à sua criação prevê um
dispositivo diferente. Para discutir questões específicas, acompanhar programas,
elaborar relatórios e organizar plenárias e conferências, os Conselhos adotam
mecanismos
como
comissões
ou
câmaras
temáticas,
subdividindo
os
conselheiros de acordo com suas afinidades temáticas ou por interesse.
Nos estudos realizados por Avritzer (2010) sobre a dinâmica da
participação local no Brasil, apura-se que esses formatos de comissões são
adotados por 88,24% dos Conselhos pesquisados pelo autor. Cabe ressaltar,
ainda, que outros dispositivos de organização e participação foram pesquisados
por Avritzer (2010): 88,24% dos Conselhos têm mesa diretora; 91,76% possuem
secretária executiva; 95,29% organizam-se em forma de plenária; e 69,41%
realizam conferências municipais.
Exercer o papel de conselheiro é uma tarefa pública que exige
representação e representatividade.
Representação não é um cargo vitalício, é um exercício, com período
determinado. Representantes e representados têm responsabilidades
recíprocas, e a renovação por meio de eleição de novos representantes
é importante para a formação de novos sujeitos e a construção da
cidadania (PAZ, 2009, p. 29).
Nessa ótica, os conselheiros são escolhidos para exercerem o papel de
defesa dos interesses e pensamentos dos grupos ou segmentos por eles
representados. Pitkin (1967) reconhece que representar é um ato delegado e
implica a autorização para falar e atuar em nome de outro ou de outros; na
democracia representativa esse ato é conferido pelo voto por meio de eleição
direta, na qual a sociedade escolhe seus representantes para exercerem as
funções legislativas e executivas.
A representação na democracia participativa assume nova dinâmica devido
à forma de eleição, realizada em fóruns próprios. Os escolhidos falam em nome
de segmentos. Pitkin (1967) chama a atenção para o sentido atribuído à
participação,
distinguindo-a
de
representação.
Define
participação
como
autorrepresentação, ou seja, ação direta do indivíduo e representação como
atuação em nome de outro na sua ausência.
71
Chauí (1982) destaca que a origem do conceito de representação não está
ligada ao panorama político: para ela, ele foi concebido a partir da prática do
direito em Roma, nos tribunais, baseado na apresentação perante a corte por
meio de procuração. “Assim, representar é estar no lugar de, falar por e agir por”
(CHAUÍ, 1982, p. 290).
Contudo, como bem adverte Paz (2009), existem alguns problemas em
relação à representação. O primeiro é a baixa legitimidade dos conselheiros em
relação às suas bases, pois boa parte dos representantes não estabelece com os
representados conexões de informações, debate, articulação e deliberação dos
assuntos referentes ao Conselho. De qualquer forma, a representação é um
princípio democrático em que o representante possui autonomia na sua decisão.
O segundo ponto a ser levantado é a representação governamental. Os
representantes dos órgãos públicos, em muitos casos, têm pouca autonomia para
falar em nome do governo, detêm poucas informações sobre a máquina pública e
os assuntos pertinentes ao Conselho, não estabelecem canais de discussão e
debate no governo e não dispõem de poder de decisão para votar, abstendo-se
do debate.
Outra questão que merece reflexão é a representação dos usuários,
geralmente oriunda dos segmentos populares, organizada sob diversas formas
em associações, movimentos sociais e redes. Os estudos sobre os Conselhos
revelam uma frágil presença das camadas populares nos espaços em que a
sociedade civil possa exercer o direito de se autorrepresentar. No entanto,
também são conhecidas as dificuldades de organização dos usuários do SUAS,
especialmente daqueles que se encontram em situação de pobreza.
Fuks e Perissinotto (2006) informam que a participação da sociedade civil
nos espaços institucionalizados de controle social só produzirá resultados
satisfatórios na medida em que os indivíduos que representam essa esfera forem
capazes de exercer o poder em seu interior, interferindo de maneira concreta na
agenda pública e nos processos de deliberação das ações fomentadas por eles.
Dahl (1970 apud FUKS; PERISSINOTTO, 2006) realça que exercem poder os
indivíduos ou grupos que conseguem, de alguma forma, estabelecer suas
preferências junto aos outros, determinado, assim, um curso de ações.
Busca-se, por intermédio dos Conselhos, a construção de espaços públicos
participativos que incorporem as demandas dos diversos grupos e segmentos no
72
debate público setorial, permitindo à população exercer o papel de protagonista
na formulação, fiscalização e controle de políticas públicas de seu interesse, por
meio de representação. Dessa maneira, os Conselhos se transformam em arenas
em que diferentes autores sociais ampliam a sua capacidade de intervenção
sobre os rumos das políticas sociais.
A partir da literatura apresentada, percebe-se que ainda há um longo
caminho a ser percorrido no que diz respeito aos processos participativos, para
que de fato a participação da sociedade civil seja efetiva. É possível observar,
porém, que existem significativos avanços a partir da promulgação da
Constituição de 1988.
A declaração na Carta Magna do direito a participar foi precedida por leis
ordinárias e complementares, como no caso da LOAS, que materializaram o
direito, possibilitando que novos atores sociais pudessem “reclamar”, o que antes
era objeto de concessão. A sociedade, sobretudo a sociedade civil, garantiu que
as políticas públicas a ela destinadas fossem elaboradas, controladas e avaliadas
por meio de instrumentos legais e representativos como os Conselhos.
O objetivo central dos espaços de participação como os Conselhos é a
busca compartilhada por alternativas capazes de responder aos problemas de
maneira efetiva, criando, assim, condições para a concretude de políticas públicas
sustentáveis. A participação da sociedade nos espaços institucionalizados, nessa
ótica, não pode ser considerada apenas importante. Ela se faz mister para
melhorar os resultados dessas políticas.
Para Tatagiba (2003), os espaços públicos participativos emergem como:
Cenário e estratégia para reelaboração situada e historicamente
adequada dos ideais democráticos de soberania popular, autonomia e
autogoverno, em sociedades complexas e plurais, a partir de um foco
programático voltado para solução de problemas, cuja resposta só pode
ser alcançada por meio de cooperação e articulação, que tem como base
não a troca meramente instrumental, mas o intercâmbio comunicativo,
por meio do uso público da razão. O resultado desse esforço é a
produção de políticas públicas mais eficazes e justas (TATAGIBA, 2003,
p.33).
Entretanto, a participação não é uma dádiva, ela é fruto da conquista dos
indivíduos por espaços legítimos de argumentação e busca por direitos. Participar
significa lutar, interagir, articular, apreender. É um processo que necessita de
73
constante aperfeiçoamento e percepção de grupo, pois cada ator tem um tempo
próprio para absorver e compreender cada etapa.
O desafio, portanto, está em enxergar, nos processos participativos, a
oportunidade de mudança de paradigma, que alcance a lógica de uma sociedade
coadjuvante na gestão pública, cujo padrão está associado, muitas vezes, à falta
de transparência, à corrupção, ao desperdício, à inversão de prioridades, à
malversação de recursos e à ineficiência administrativa. Na direção contrária, uma
sociedade participativa, articulada e mobilizada é a garantia de uma governança
mais justa, de um controle social mais eficiente, de melhor distribuição de bens e
serviços públicos.
Tatagiba (2003) chama a atenção para o fato de que nem todo processo
participativo produz resultados satisfatórios. Para que tais resultados sejam
alcançados, faz-se necessário o envolvimento efetivo dos indivíduos afetados por
eles, especialmente daqueles que vivem à margem das decisões e que muitas
vezes apenas cumprem o que foi delegado. A inversão de prioridade na
formulação das políticas públicas adquire outra forma quando os marginalizados
têm a possibilidade de não apenas serem ouvidos, mas de intervir, modificando o
que está posto e apresentado.
Com a institucionalização dos novos espaços de participação, a sociedade
civil tem a possibilidade de abandonar seu papel secundário na gestão pública,
para imprimir um novo papel, o de protagonista, sujeito de direito, este reclamado,
não mais apenas concedido.
74
5 METODOLOGIA
Definidos o problema de pesquisa, a hipótese e os objetivos e constituídos
os marcos teóricos a partir das categorias centrais e o arcabouço legal afeto à
problemática focalizada, demarca-se a metodologia adotada na coleta e análise
dos dados para a pesquisa da solução ao presente problema ou questão central,
objeto desta investigação.
Minayo e Sanches (1993) entendem que a metodologia é o conjunto de
diretrizes a serem seguidas na orientação do pensamento e da prática em relação
a uma abordagem mais qualificada da realidade. Sendo assim, “a metodologia
ocupa lugar central no interior das teorias e está sempre referida a elas”
(MINAYO; SANCHES, 1993, p. 16).
As concepções teóricas e de abordagem metodológicas e os conjuntos de
técnicas propostos pela metodologia possibilitam ao investigador articular
conteúdos e pensamentos, possibilitando-lhe melhor construção da realidade.
Dessa forma, é imperativo destacar que o objeto, nas ciências sociais, é
histórico, ou seja, existe apenas em um espaço temporal determinado e
específico. Portanto, sua configuração tem um vínculo com o passado e encontrase em constante processo de construção, o que o caracteriza como provisório e
dinâmico (MINAYO; SANCHES, 1993).
Esse entendimento é reforçado por Demo (2002), ao estabelecer, em suas
reflexões teóricas, que a pesquisa deve ser compreendida como um instrumento
inteligente de crítica e interação com a realidade, “tomando como referência que o
sujeito nunca dá conta da realidade e que o objeto é sempre um objeto-sujeito. A
realidade tanto se mostra quanto se esconde” (DEMO, 2002, p. 10).
Nesse sentido, reconhece-se que, quando se analisa a realidade, isso é
feito de maneira contextualizada, como um componente dela, e não de maneira
sobreposta.
75
5.1 Opções metodológicas
A abordagem metodológica utilizada neste trabalho constituiu-se de
pesquisa qualitativa, uma vez que ela possibilita a adoção de diferentes
procedimentos e técnicas de coleta de dados, com vistas à busca por mais
aproximação e clareza do fenômeno social do estudo proposto.
Para Minayo e Sanches (1993), a pesquisa qualitativa compreende um
conjunto de técnicas interpretativas que auxiliam na decodificação de complexos
significados referentes ao mundo social e admite análises profundas de
realidades que não podem ser quantificadas, devido às suas inúmeras
particularidades.
A pesquisa qualitativa:
[...] trabalha com o universo dos significados, motivos, aspirações,
crenças, valores e atitudes. O que corresponde a um espaço mais
profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem
ser reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO; SANCHES,
1993, p. 21).
A abordagem qualitativa é a mais adequada para o estudo de pequenos
grupos, pois sua principal característica é a abrangência da compreensão de
elementos específicos (MINAYO; SANCHES, 1993). Entretanto, as abordagens
qualitativas não se opõem aos métodos quantitativos, ao contrário, se
complementam, pois são faces do mesmo fenômeno, que se apresentam de
maneira diferenciada. Informações qualitativas são, de alguma forma, “dados
possuem referências, como tamanho, frequência, escala e extensão” (DEMO,
2002, p. 8-9).
Cabe ressaltar que a opção metodológica aqui proposta permite a
articulação entre o geral e o particular, colaborando com o entendimento das
intencionalidades encontradas na construção do marco regulatório e das relações
constituídas no Conselho Municipal de Assistência Social de Barbacena.
O emprego de métodos qualitativos facilita o redirecionamento da pesquisa
de acordo com as interpretações obtidas pelo pesquisador na relação direta
estabelecida com o objeto de estudo durante a investigação.
76
5.2 O modo de investigação
A escolha do método do estudo de caso fez-se necessária devido à
possibilidade da observação direta dos elementos a priori definidos, o que permite
mapear, diagnosticar e analisar as percepções encontradas no contexto em que
se insere o objeto deste estudo. Este é um instrumento metodológico que admite
exploração, descrição e interpretação de fatos e fenômenos da realidade empírica
(YIN, 2005).
Essa metodologia, de acordo com o estudo de Bruyne, Hermane e
Schoutheete (1991), comporta uma análise aprofundada e intensiva de casos
particulares, empreendidos em organizações reais, possibilitando ao pesquisador
a reunião de dados e informações que contribuam com o aprendizado de
situações globais.
5.3 Unidade de análises e delimitação geográfica
A unidade de análise contemplada por esta pesquisa é o Conselho
Municipal de Assistência Social do município de Barbacena - MG
5.4 Procedimentos de
coleta
e análise de dados e instrumentos
metodológicos
Visto o interesse da pesquisa em verificar a participação do usuário do
SUAS em relação ao controle social e à formulação de políticas públicas no
Conselho Municipal de Assistência Social de Barbacena, procurou-se investigar e
analisar dados que revelassem a realidade dessa participação.
Utilizaram-se alguns instrumentos de investigação relativos à coleta de
dados, expostos no tópico a seguir, referentes às técnicas e procedimentos para a
coleta de dados.
77
5.4.1 Técnicas e procedimentos para coleta de dados
5.4.1.1 Pesquisa documental
A pesquisa documental iniciou-se a partir da LOAS, perpassando a PNAS e
seus dispositivos infraconstitucionais normativos, assim como pelo marco
regulatório que constitui o Conselho Nacional de Assistência e suas resoluções.
Em um segundo momento, a fim de compreender os princípios e as
diretrizes das instituições representativas que compõem o Conselho Municipal de
Assistência (CMAS) e suas relações com as políticas públicas municipal, estadual
e federal, foram coletadas informações relacionadas ao objeto de pesquisa, como
o termo de criação do CMAS, seu desenho institucional, sua formação,
composição e modificações de leis municipais, em diferentes momentos
históricos, regimento interno, resoluções, atas de reuniões e listas de presença.
5.4.1.2 Entrevistas com os sujeitos da pesquisa
Minayo (1999) caracteriza a entrevista como um importante procedimento
metodológico de coleta de dados. Segundo a autora, sua relevância é devida à
obtenção da informação pelos próprios atores focalizados no estudo em questão,
o que propicia determinada veracidade. Para ela, o relato do entrevistado fornece
pistas da realidade coletiva.
A entrevista permite a obtenção de dados subjetivos, porque se encontra
relacionada à vivência das pessoas, suas crenças, valores, atitudes, condições
sociais e ações (MINAYO, 1999).
O tipo de entrevista utilizada no trabalho apresentado foi semiestruturada,
de caráter individual, para possibilitar ao entrevistado avançar nas respostas do
tema
proposto,
sem
se
restringir
às
condições
preestabelecidas
pelo
entrevistador.
No processo de entrevista, o pesquisador interagiu com os entrevistados,
adaptando-se às diferentes condições em que as entrevistas se realizaram.
As entrevistas foram divididas em dois momentos: no primeiro, com três
membros que compõem o segmento da sociedade civil no Conselho Municipal de
78
Assistência Social; no segundo, com três membros da representação do Poder
Executivo Municipal, sendo um deles o gestor municipal da Política de Assistência
Social.
Para a seleção dos entrevistados, foram adotados dois critérios: o da
paridade, respeitando-se a representação sociedade civil - governo; e o da
participação, aferida pelas anotações de presença dos conselheiros nas reuniões
ordinárias do Conselho. Esses critérios foram adotados em virtude do
entendimento de que os indivíduos com mais presença nas reuniões teriam
melhores condições de contribuir com a pesquisa e de que o princípio da paridade
seria necessário para garantir igualdade numérica.
Todos os procedimentos de entrevistas foram gravados mediante a
autorização dos entrevistados e posteriormente transcritos.
5.4.2 Demarcação do processo metodológico da pesquisa
Realizaram-se adaptações no quadro de referência conceitual para a
abordagem qualitativa, proposto por John B. Thompson e a partir das
contribuições de Oliveira (2008), para demarcar o processo metodológico a ser
adotado nesta pesquisa. Esta investigação envolve os procedimentos de coleta e
análise dos dados, apresentando o conjunto de elementos indispensáveis para a
análise qualitativa em pesquisa. A FIG. 1 mostra os componentes metodológicos
que orientaram este trabalho.
79
FIGURA 1 - Esquema de referência da pesquisa qualitativa adotada
ANÁLISE
SÓCIO-HISTÓRICA
ANÁLISE
FORMAL
ANÁLISE DE
DOCUMENTOS
ENTREVISTAS /
QUESTIONÁRIOS
REINTERPRETAÇÃO
OBJETO DE
PESQUISA
Fonte: elaboração própria
Descrição do quadro de referência da pesquisa qualitativa:

Análise
sócio-histórica:
compreende
a
recuperação
de
dados,
informações e registros que permitam reconstruir as condições sociais e
históricas específicas em que se encontra inserido o objeto de pesquisa.

Analise formal: pressupõe a reunião de dados oriundos da análise
qualitativa dos documentos e entrevistas, por meio dos questionários que
serão analisados e categorizados em subcategorias empíricas.

Reinterpretação: é o momento principal da análise, pois é a partir da
reunião de todos os dados construídos no processo de pesquisa que é feita
a reinterpretação do fenômeno. Optou-se pelo termo reinterpretação, pois
se entende que o campo empírico já é um campo interpretado pelos
80
sujeitos e que o pesquisador, a partir de seus dados e do referencial
teórico, procederá à reinterpretação da realidade.
5.5 Aspectos éticos da pesquisa
Esta pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa
do Centro Universitário Una (ANEXO D), de acordo com as normas do Conselho
Nacional de Saúde – Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996 – que
regulamentam a pesquisa com seres humanos.
A participação do pesquisador nas reuniões do Conselho Municipal de
Assistência Social e o acesso à documentação e aos dispositivos de
normatização do Conselho foram aprovados em reunião ordinária do Conselho
(ANEXO E).
Todos os entrevistados foram informados sobre o motivo da pesquisa e
alertados sobre a importância e as implicações de sua participação, assinando,
posteriormente, um termo de livre esclarecimento (APÊNDICE B).
5.6 Procedimentos adotados para a análise dos dados
O procedimento eleito para a análise das entrevistas e compreensão do
entendimento dos membros do Conselho Municipal de Assistência Social a
respeito da importância da participação dos usuários nos espaços de formulação
e controle de políticas públicas foi a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo
(DSC).
Como técnica qualitativa, o DSC é uma proposta de organização e
tabulação de dados qualitativos de natureza verbal, com vistas a possibilitar a
extração das ideias centrais e/ou as ancoragens e suas correspondentes
expressões-chave a partir dos depoimentos dos sujeitos. As ideias centrais e
expressões-chave semelhantes são agrupadas, compondo, assim, um ou vários
discursos-síntese na primeira pessoa do singular (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2003).
Para Lefèvre e Lefèvre (2003), o sujeito coletivo se expressa por meio de
um discurso a que os autores denominam de primeira pessoa (coletiva) do
81
singular. Trata-se, portanto, “de um eu sintático que, ao mesmo tempo em que
sinaliza a presença de um sujeito individual do discurso, expressa uma referência
coletiva, na medida em que esse eu fala pela ou em nome de uma coletividade”
(LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2003, p. 16).
Nesse sentido, o DSC é uma estratégia metodológica que se utiliza do
discurso para tornar mais claro o conjunto das representações contidas no
imaginário de determinada representação social. Cabe ressaltar que o
pensamento de uma coletividade sobre um dado tema pode ser percebido em
formações discursivas ou representações sociais existentes na sociedade, como
revelam alguns estudos realizados pelas Ciências Sociais (LEFÈVRE; LEFÈVRE,
2003).
Para identificar os DSCs e auxiliar a organização e tabulação dos
depoimentos, foram criadas por Lefèvre e Lefèvre (2003) quatro figuras
metodológicas, a saber: expressões-chave (ECH); ideias centrais (IC); ancoragem
(AC); e o discurso do sujeito coletivo.
Expressões-chave (ECH) são fragmentos, trechos ou transcrições integrais
do discurso que foram destacados pelo pesquisador e que expressam a essência
da ideia do depoimento (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2003). Buscou-se, nessa etapa, o
resgate da literalidade das expressões contidas nos depoimentos, comparando os
trechos selecionados com outros trechos obtidos em diferentes depoimentos. A
partir dessa técnica é possível identificar, por meio das afirmativas reconstruídas
sob a forma de ECH, as ICs.
A ideia central (IC) advém de um conjunto de ECHs identificadas a partir de
diferentes respostas a determinada pergunta da entrevista. Ela é um nome ou
expressão linguística que revela e descreve, de maneira sintética, o sentido
desses conjuntos de expressões que posteriormente vão se configurar como DSC
(LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2003). Entretanto, é imprescindível advertir que as ideias
centrais são descrições do sentido presente nas ECHs e não podem ser
identificadas como interpretações.
Algumas ECHs remetem não a uma IC correspondente, mas a uma figura
metodológica que pode ser descrita pela teoria da representação social como
ancoragem (AC), na medida em que está explicitamente relacionada a
manifestações ideológicas, culturais e sociais apresentadas pelo autor de
determinado discurso. Neste trabalho não se conseguiu detectar, nos discursos
82
analisados, situações claras de ancoragem e, para não se correr o risco de
interpretar arbitrariamente as ancoragens genéricas, essa figura metodológica
não foi utilizada.
O DSC é uma síntese que deriva das etapas de extração das ICs e ECHs,
representando o conjunto nuclear dos discursos. Nesse sentido, os DSCs
configuram-se como expressão do pensamento coletivo, reconstruídos a partir de
fragmentos de discursos individuais que, sobrepostos em categorias, retratam o
entendimento de determinada representação sobre determinado tema. O DSC
expressa, portanto, a opinião de que a coletividade discursa por intermédio dos
indivíduos.
A importância do uso dessa técnica no estudo proposto reside no fato de
que a participação é uma forma de representação e sua intensidade pode ser
percebida nos discursos dos sujeitos que, por meio de linguagens, descrevem os
padrões de interação social no qual a participação está inserida. Posto assim, os
discursos dos sujeitos coletivos encontrados nos depoimentos obtidos foram
usados para demonstrar o mosaico que compõe as experiências participativas no
interior do Conselho Municipal de Assistência de Barbacena e os arranjos
institucionais que demarcam o lugar do usuário nesse Conselho.
Para complementar o estudo e qualificar o entendimento do lugar desse
usuário, incorpora-se a analise documental neste trabalho. Essa análise constituise da apreciação de materiais que possibilitem ao pesquisador um enfoque
diferenciado, proporcionando o estudo de diferentes momentos históricos e
permitindo o acesso a visões e compreensões de pessoas que não estão
presentes.
A abordagem metodológica utilizada neste trabalho privilegia a pesquisa
qualitativa, com base na realização de entrevista com uma amostra de
conselheiros do Conselho de Assistência Social de Barbacena, cujo instrumento
de coleta dos dados é a entrevista orientada por um roteiro de perguntas. Por
outro lado, parte da pesquisa documental concretizada por meio da leitura do
Livro de Atas possibilita a coleta de informações analisadas quantitativamente,
com base na técnica DSC a partir dos depoimentos dos presentes às reuniões.
Nesse sentido, observa-se a recomendação de Rezende (2000) sobre o requisito
da adoção de uma racionalidade cartesiana na organização da documentação,
para orientar a análise qualitativa das informações.
83
[...] trabalhar todo material documental obtido durante a pesquisa. A
tarefa de análise implica, num primeiro momento, a organização de todo
o material, dividindo-o em partes, relacionando essas partes e
procurando identificar nelas tendências e padrões que são reavaliados,
buscando-se as relações de interferências num nível de abstração mais
elevado (REZENDE, 2000, p. 85).
Dessa forma, para a análise dos dados, escolheu-se a metodologia
desenvolvida por Avritzer (2010) em seus estudos sobre participação.
Adaptada à realidade do estudo, essa metodologia possibilita avaliar a
normatividade participativa do Conselho de Assistência Social de Barbacena,
comparando procedimentos e documentos que comprovam essa normatividade,
como: regimento do Conselho, forma de eleição, resoluções, e participação em
câmaras temáticas com resultados de estudos que demonstram outras
experiências participativas.
Em um segundo momento, aferiram-se os efeitos da participação por meio
da análise de 54 atas de reuniões do Conselho realizadas no período de 4 de
maio de 2009 a 27 de novembro de 2011. O primeiro elemento analisado nessas
atas foi a vocalização dos atores que representam a sociedade civil e o Executivo
nas reuniões do Conselho.
O estudo da expressão verbal permite verificar o lugar do usuário no
processo participativo, perceber a efetividade de suas falas, demonstrar a
frequência
delas e
comparar com
a de outros atores do Conselho.
Posteriormente, examinam-se os discursos para se detectar se as proposições
foram seguidas de debates, o que contribui para o entendimento do significado
dessa participação.
Os dados resultantes dos procedimentos metodológicos descritos foram
intercruzados e evidenciaram os processos participativos no Conselho que
demarcam o lugar dos diferentes atores ao longo de sua trajetória, gerando os
resultados da pesquisa apresentados no próximo capítulo.
84
6 ANÁLISE DOS RESULTADOS
A Constituição de 1988 possibilitou a reorganização do Estado brasileiro,
por meio de suas disposições normativas associadas a leis complementares. No
caso do estudo proposto, a LOAS assegura, juridicamente, a participação da
sociedade brasileira no processo de gestão e controle da política pública de
assistência. Isso inscreve, teoricamente, a participação como um direito do
cidadão e dever do Estado. Para materializar essa participação, foram criados
espaços como os Conselhos, de natureza deliberativa e composição paritária,
onde se reúnem representantes do governo e da sociedade civil.
Subdividida em três segmentos (trabalhadores, prestadores e usuários), a
representação da sociedade civil enfrenta dificuldades para tornar a participação
dos usuários efetiva no sentido de transformá-los em protagonistas na definição
dos benefícios criados para eles. Estes são excluídos dos processos de
participação, muitas vezes, em função de suas condições socioeconômicas,
assim como da prevalência de uma cultura elitista e conservadora. Dessa forma,
o desafio que se apresenta, como sugere Cunha (2010), é promover a inclusão
social e política desses sujeitos em situação de vulnerabilidade, colocados à
margem dos processos participativos.
Nessa perspectiva, este trabalho tem a pretensão de contribuir com o
entendimento da posição dos usuários nos arranjos participativos nos quais se
inserem os Conselhos, a partir do estudo de caso do Conselho Municipal de
Assistência Social de Barbacena, e encaminhar proposições para que seja
incrementada a participação efetiva desses sujeitos.
O QUADRO 1 sintetiza os objetivos específicos buscados para a
consecução do objetivo geral, assim como os passos metodológicos adotados e o
índice dos resultados alcançados.
85
QUADRO 1- Objetivos da pesquisa e passos metodológicos
Objetivo Geral
Objetivos específicos
a
–
Identificar
os
instumentos legais que
asseguram a partcipação
social
b - Analisar os princípios,
diretrizes e organização
que orientam a assistencia
social brasileira
C - Identificar os elementos
constitutivos do Conselho
Gestor
de
Assistência
Social
D - Analisar a participação
dos atores da sociedade
civil
e
do
segmento
governamental no CMAS
E - Verficar como tem
acontecido a participação
dos usuários no CMAS
Analisar como tem acontecido a participação
dos usuários da assistência social como
representação da sociedade civil no Conselho
Municipal de Assisstência social e se ela tem
seguido a diretriz da participação social prevista
tanto da CF-88 quanto da LOAS e PNAS.
Passos metodológicos
Índice em
resultados
Pesquisa documental do
Capítulo
arcabouço legal e normativo
4.1
Pesquisa documental do
arcabouço legal e normativo
Capítulo
4.2
Pesquisa documental do
arcabouço legal e normativo
Capítulos
4.3 a 4.6
Estudo de caso com base numa
pesquisa qualitativa: realização de
entrevistas com amostra de
membros do Conselho, cuja
análise foi realizada por meio da
técnica do DSC
Estudo de caso com base numa
pesquisa quantitativa: contagem
das vocalizações registradas em
atas de reuniões
Capítulo
6.1
Capítulo
6.2
O estudo da expressão verbal permite verificar o lugar do usuário no
processo participativo, perceber a efetividade de suas falas, demonstrar a
frequência destas e comparar com a de outros atores do Conselho.
Posteriormente, examinam-se os discursos para se detectar se as proposições
foram seguidas de debates, o que contribui para o entendimento do significado
dessa participação.
Para o alcance do objetivo proposto, a análise centrou-se nos resultados
dos dois métodos adotados nesta pesquisa. O primeiro, focado na pesquisa
realizada com a amostra de conselheiros; e o segundo, na busca, em atas de
reuniões registradas no Conselho, de pistas indicadoras do grau de participação
dos usuários nessas reuniões, por meio da observação da capacidade de
86
vocalização dos usuários. Configura-se, assim, um discurso sobre a realidade
(LEFEVRE; LEFEVRE, 2003) do Conselho de Assistência Social de Barbacena.
6.1 Entrevistas com os conselheiros do CMAS de Barbacena
Num primeiro momento, apresentam-se o perfil dos conselheiros e a descrição do
universo da pesquisa. Num segundo momento, recorre-se à técnica de análise de
discurso, fundamentada no DSC, no intuito de perceber as representações sociais
contidas nas respostas dos sujeitos às entrevistas. Dando continuidade ao uso
dessa técnica, foram pinçadas as expressões-chave e as ideias centrais
equivalentes para, por meio das ideias centrais, resgatar os pensamentos
relevantes contidos nas respostas e construir o pensamento coletivo, via
metadiscurso.
6.1.1 Universo da pesquisa
Criado em 4 de julho de 1995, pela Lei municipal n° 3.187 (ANEXO A), o
Conselho de Assistência Social de Barbacena objetiva assegurar os princípios e
as disposições gerais das normativas nacionais estabelecidas na Constituição
Federal de 1988 e na Lei Orgânica de Assistência Social.
Atualmente, o Conselho é composto de 10 membros, sendo cinco
representantes do governo municipal (Secretarias de Bem-Estar Social,
Comunicação,
Educação,
Saúde,
Finanças
e
Planejamento)
e
cinco
representantes da sociedade civil, subdistribuídos em um representante da
entidade de atendimento à criança e ao adolescente; de atendimento ao idoso; de
atendimento à pessoa portadora de deficiência; do usuário; e do trabalhador da
assistência social.
Para obtenção dos dados empíricos deste estudo, foram entrevistados seis
conselheiros, sendo três membros governamentais e três da sociedade civil,
subdistribuídos pelos segmentos (usuário, prestador, trabalhador), o que equivale
à amostragem de 60% do universo da representatividade do Conselho.
87
A seguir, apresentam-se informações incluídas no roteiro de entrevista,
constante no APÊNDICE C, com o objetivo de contextualizar a construção do
DSC, relativas à caracterização dos entrevistados para compor o perfil da amostra
contemplada e ao seu conhecimento sobre os dispositivos regulatórios e
normativos.
6.1.2 Perfil da amostra contemplada
Dos seis conselheiros abordados para a realização das entrevistas, 80%
possuíam idade acima de 35 anos; 68% eram homens e 32% mulheres; 50%
eram naturais de Barbacena e 50% provenientes de municípios vizinhos.
O funcionalismo público foi a atividade de mais representação no
Conselho, ou seja, dos 68% dos entrevistados, 16% eram educadores e 16%
rodoviários, o que pressupõe o conhecimento, pela maior parte dos conselheiros,
da funcionalidade da máquina pública municipal. A escolaridade dos conselheiros
é um dado importante a ser destacado: 50% possuíam ensino superior; 16%,
superior incompleto; 16% médio; e 16% o fundamental. Todos os entrevistados
constituíam outras instâncias participativas, sendo que 84% participavam do
Conselho de Assistência Social há mais de dois anos.
O conhecimento dos conselheiros relativo aos dispositivos legais que
regulam e normatizam a assistência social brasileira também foi aferido. Dos
entrevistados, 33% afirmaram conhecer a PNAS; 68% disseram conhecer a
LOAS; e 84% reconheceram não ter lido seu conteúdo na totalidade.
6.1.3 Análise das entrevistas
As entrevistas realizadas com os membros do Conselho Municipal de
assistência do social, do município de Barbacena-MG, geraram informações para
a análise por meio da técnica “Discurso do Sujeito Coletivo”, desenvolvida por
Lefèvre e Lefèvre (2003), na busca de compreender os componentes do
imaginário social da representação que compõe o Conselho Municipal de
Assistência Social de Barbacena. Essa ferramenta metodológica orienta a
88
discriminação das “expressões-chave” e a extração das “ideias centrais” contidas
nos depoimentos dos entrevistados, bem como o agrupamento dos discursos
individuais de modo que eles ofereçam pistas sobre o pensamento de uma
coletividade.
Dessa forma, como sugerem Lefèvre e Lefèvre (2003), o sujeito coletivo se
expressa por meio de um discurso emitido no que poderia se chamar de primeira
pessoa (coletiva) do singular. Ou seja, um eu sintático que sinaliza a presença de
um sujeito individual no discurso, ao mesmo tempo em que indica a existência de
uma referência coletiva, viabilizando assim, indícios de um pensamento social. Os
quadros a seguir apresentam as expressões-chave e a ideia central contidas nas
informações coletadas nas entrevistas para auxiliar na construção do DSC,
discriminados por temas abordados nas entrevistas. Os temas tratados foram:
conceito de participação; dificuldades e limites da representação dos usuários no
CMAS; colaboração dos usuários na qualificação das políticas públicas; e a
participação dos usuários no CMAS. Os respondentes foram discriminados por
meio do índice Sn (n varia de 1 a 6), para preservar as suas identidades. Nas
colunas 1 estão apresentadas as expressões-chave e nas colunas 2 a ideia
central, ambas as informações extraídas das entrevistas concedidas. O QUADRO
2 apresenta a extração do DSC da pergunta 1: A partir de sua experiência de vida
e profissional, o que significa participação social?
89
QUADRO 2 - Os significados do conceito de participação social
Pergunta 1: A partir de sua experiência de vida e profissional, o que
significa participação social?
Expressões-chave
Ideia central
S¹: Participação social é poder fazer uma
troca de conhecimento de ações para
poder modificar a vida das pessoas,
promover a situação da família como um
todo.
S²: Transformação da realidade, a
possibilidade de ver o mundo com justiça,
igualdade, com direitos garantidos.
S³: A participação social é muito
importante, nós podemos dar uma parcela
de contribuição para aquelas pessoas mais
carentes,
aquelas
pessoas
mais
necessitadas, aquelas pessoas que vivem
na exclusão. o Conselho Social vê muito
esse lado, nós participamos muito desse
lado.
S4: Eu acho que a participação social é um
espaço que a gente cria e a gente tem que
saber aproveitar, porque eu acho é um
momento das reivindicações, é o momento
das proposições, então eu acho assim que
é um espaço muito importante.
S5: Significa você influenciar as mudanças
da política junto ao governo, você ter
condição de mudar o direcionamento do
que vai ser implantado pelo município ou
pelo Estado ou pela União.
Troca
de
conhecimento
modificadora e promotora da
situação familiar.
Transformação com base em
justiça, igualdade e direitos.
Participação social é importante
com foco nas pessoas carentes,
necessitadas e excluídas.
Importante espaço autocriado
para
reivindicações
e
proposições.
Participação social significa
você ter condições de mudar o
que vai ser implementado pelo
Estado.
S6: Tudo, presidência, participação da Tudo: presidência, sociedade,
sociedade, educação, saúde.
educação, saúde.
A formulação do DSC a partir das respostas dos sujeitos entrevistados à
pergunta 1 foi feita destacando-se trechos dos depoimentos expressões-chave e
retirando-se delas as ideias centrais. Buscou-se, assim, resgatar as principais
informações contidas nos discursos em “estado bruto”, agregando-as de forma
sintética, no intuito de reconstituir discursivamente a representação social do
atores que compõem o Conselho. Do agrupamento dessas ideias foi possível
levantar os seguintes discursos:
90

DSC 1 - participação social é um espaço autocriado importante, onde há a
possibilidade de se estabelecerem trocas de conhecimentos para a
transformação da realidade da vida das pessoas carentes e excluídas, por
meio da centralização das reivindicações e encaminhamento das
proposições, com justiça, igualdade e direitos, para influenciar e mudar o
direcionamento das políticas públicas a serem implementadas pelo
município, estado e União (E - S1, S2, S3, S4, S5).

DSC 2 - participação social é tudo, presidência, sociedade, educação,
saúde (E - S6).
Observou-se, a partir dos DSCs, que os sujeitos entrevistados têm
compreensão do significado do termo participação social. A conceituação
apresentada pelo grupo sinaliza um tipo de participação compartilhada, que visa
ao interesse comum e busca crescente conquista de espaços, para que os
indivíduos possam administrar seus próprios destinos, como sugere Pinto (2005).
A esse entendimento soma-se a percepção sobre a importância de se
criarem espaços para reivindicações e proposições e o desejo de transformação
manifestado nos depoimentos. Entretanto, foi possível perceber, na fala de S5,
que:
[...] participação
direcionamento do
uma compreensão
que não condiz
participativos.
significa [...] você ter condição de mudar o
que vai ser implantado pelo município, evidência de
voltada para a concessão de espaço pelo Estado, o
com a realidade encontrada nos processos
Demo (2009) adverte que a sociedade se organiza de forma hierárquica
com tendências históricas de dominação, o que significa que as condições para
realizar as mudanças precisam ser conquistadas. Nesse sentido - completa o
autor -, a participação não é uma dádiva, ao contrário, ela requer disputa e
enfrentamento com o constituído. Não há participação preexistente, natural. Se
assim é encontrada, isso se dá é porque em algum momento anterior ela foi
conquistada.
Outro aspecto a ser destacado nos depoimentos é a função educativa
atribuída ao significado de participação. Na teoria da democracia participativa
desenvolvida por Pateman (1992), a educação é reconhecida como a principal
91
função da participação, tanto no aspecto psicológico quanto no de aquisição de
prática de habilidades e procedimentos democráticos.
Sendo assim, a participação é, antes de mais nada, um processo
educativo-pedagógico em que sujeitos experimentam o debate, formulam
propostas, reagem ao que não concordam e constroem consensos e soluções
dialogadas (MORONI; PINHEIRO, 2009). É, também, um instrumento que
viabiliza o aprendizado e o exercício da cidadania, portanto, quanto mais os
indivíduos participam, mais capacitados eles se tornam para fazê-lo.
No entanto, a participação não é um fenômeno dado, mas produzido e
reproduzido e, como tal, sujeito a interferências de indivíduos e corporações que
disputam hegemonia nas decisões produzidas pelo Estado. Dessa forma, a
conquista pelos espaços participativos garantidos na Constituição Federal e nas
leis complementares teria, pois, relevante papel no que diz respeito à expressão
daqueles que estão à margem dos processos decisórios de construção de
políticas públicas.
Busca-se,
por
meio dos dispositivos constitucionais,
assegurar
a
participação da sociedade nos Conselhos, na tentativa de reduzir o hiato entre
aqueles que atuam nos diversos níveis de decisão e os beneficiários (SILVA;
JACCOUD; BEGHIN, 2005). Acontece que, na prática, ainda estamos distantes
da inclusão dos sujeitos demandantes na elaboração e na gestão dos serviços
que vão afetar as suas próprias vidas, como mostram os dados do QUADRO 3.
Neste é exibida a extração do DSC a partir da pergunta 2: Há dificuldades/limites
nessa representação de “usuários’’ na composição representativa do CMAS?
Quais?
92
QUADRO 3 - Dificuldades e limites da representação dos usuários no CMAS
Pergunta 2: Há dificuldades/limites nessa representação de “usuários’’ na
composição representativa do CMAS? Quais?
Expressões-chave
Ideia Central
S1: Sim, hoje, por exemplo, nós precisamos
montar uma equipe de controle social do Usuário
de
difícil
programa bolsa-família e nem isso precisamos de mobilização e empenho
um usuário. E dificilmente consegue esse usuário, insuficiente da Secretaria.
é difícil essa mobilização. Falta mobilização da
parte do Conselho, da parte do gestor e da
própria Secretaria, falta um pouco de empenho.
S2: Com certeza, o usuário não vai vim para o
centro da cidade para participar de uma reunião, O usuário tem dificuldade
né? Que ele vai se sentir completamente um de acesso ao centro da
peixe fora d'água. Então, assim, as possibilidades cidade e não se sente à
de reuniões em diversos locais de fazer reuniões vontade nas reuniões.
em CRAS, enfim é uma possibilidade para a
participação do usuário, agora quando isso é
discutido com entidade, com governo, a gente
escuta, nossa, mas no centro o povo já não vai
imaginar se vai parar lá no CRAS lá no fim do
mundo.
S3: Existem algumas dificuldades, porque o O usuário, muitas vezes,
usuário muitas vezes ele não participa do não participa do Conselho,
Conselho, muitas vezes ele não gosta de porque não gosta de
participar, não sei por que, talvez por timidez não participar, por timidez ou
quer falar não quer expor os assuntos que estão desinteresse nos assuntos.
acontecendo, então existe esse impasse aí.
S4: Acredito que não, a partir do momento em que Não
há
limites
à
abriu o espaço que para eles acho que não. participação, pois o espaço
Porque te falo hoje vamos pegar um segmento foi aberto para eles. Mas,
que está à margem, já pensou no Conselho a nós
estamos
aqui
gente ter a representatividade dos moradores de pensando para eles, mas
rua, como que isso seria interessante nós será que não seria melhor
ouvirmos quais são as aspirações. Eu acho que pensarmos juntos com
cada cabeça é uma sentença porque nós eles?
estamos aqui pensando para eles, mas será que
não seria melhor pensarmos juntos com eles?
S5: [...] lamentavelmente muita gente não quer se As pessoas não querem se
envolver as pessoas ou vão participar de alguma envolver, porque isso gera
coisa onde elas vão resolver um problema um comprometimento e
pessoal ou da entidade então ela não quer uma
frequência
de
participar porque isso enche o saco, tem que ter comparecimento à qual não
compromisso, tem que ir todo mês.
estão dispostos.
S6: Eu tenho todo espaço. A participação que eu O espaço é meu e a minha
tenho lá tá bom. Porque inclusive para você que participação é suficiente,
tá participando do Conselho você tem que ter porque se eu colocar muita
uma certa noção, porque se você for colocar coisa
inviabiliza
os
muita coisa lá vai acabar não dando.
resultados.
93
A formulação do DSC a partir das respostas dos sujeitos entrevistados à
pergunta - há dificuldades/limites nessa representação de “usuários’’ na
composição representativa do CMAS? Quais? - está apresentada a seguir.
DSC1 - O Conselho está aberto para participação dos usuários, no
entanto, o empenho por parte dos conselheiros e da gestão municipal é
insuficiente para mobilizar esse segmento. Problemas relacionados ao
local de reunião, mobilidade e interesse também são considerados
impeditivos. Participar significa envolvimento e frequência de presença,
responsabilidades estas que as pessoas não estão dispostas a assumir
(E - S1,S2,S3,S5,S6).
DSC 2 - Nós estamos aqui pensando para eles, mas será que não seria
melhor pensarmos junto com eles?”(S4).
Faz-se necessário destacar que os DSCs produzidos a partir da pergunta 2
revelam importante dimensão da participação referente à representação, que
Pitkin (1967) define como: “o agir no lugar de”,
que pode ser observado na
vocalização de um dos entrevistados [...] “Nós estamos aqui pensando para eles,
mas será que não seria melhor pensarmos junto com eles?”
O “pensar para” obstrui, segundo Pereira (2001), a construção de um
projeto democrático participativo, dificultando o envolvimento e a integração dos
atores sociais nas questões de natureza pública.
Nesse sentido, é mister reforçar que a participação é uma ação na qual os
indivíduos precisam se envolver, “fazendo parte” dos processos de forma direta,
para que possam exercer o papel de protagonista na formulação, avaliação e
controle das ações à qual serão submetidos.
Para Gonh (2007), incluir os indivíduos demandantes passa pela melhor
compreensão do novo papel da participação como instrumento de intervenção
social nas prioridades das políticas sociais e na universalização do direito.
No entanto, os DSCs demonstram, também, que o Conselho está longe de
incluir os usuários nos processos participativos, primeiro por atribuir ao usuário a
responsabilidade de sua falta de participação: “[...] o usuário muitas vezes não
participa do Conselho porque não gosta de participar, [...] as pessoas não querem
se envolver, porque isso enche o saco”.
Segundo, porque as organizações da sociedade civil vêm atuando por uma
espécie de substituísmo, agindo como uma espécie alter desses indivíduos,
dependentes dos recursos públicos, que não conseguem se autorrepresentar
94
para interferir nos processos que poderiam garantir a satisfação de suas
necessidades (RAICHELIS, 1998). Avritzer (2010) adverte que as organizações
criadas pela sociedade civil, prestadoras de serviços às camadas mais
empobrecidas, tendem a assumir a função de representação dessa parcela da
população, compartilhando com outras instituições uma espécie de “autorização
representativa”.
No entanto, para Pitkin (1967) a representação não consegue incorporar a
maior parte dos anseios de seus representados, o que requer que os indivíduos
possam, por eles mesmos, defender seus interesses, valores e ideais. Sendo
assim, a participação dos usuários depende não apenas de estruturas e
mecanismos que garantam juridicamente sua inclusão, mas, sobretudo, necessita
de consciência e iniciativa política para romper os ciclos viciosos que
historicamente vitalizam a incapacidade das camadas empobrecidas em lutarem
contra a posição de subalternidade ocupada por elas.
Com vistas em compreender, a partir do entendimento dos conselheiros, a
importância da participação dos usuários nos processos de qualificação das
políticas públicas, o QUADRO 4 apresenta a extração do DSC da pergunta: a
colaboração dos usuários no Conselho poderia qualificar as políticas públicas de
assistência social?
95
QUADRO 4 - A colaboração dos usuários na qualificação das políticas públicas
de assistência social
Pergunta 3: A colaboração dos usuários no Conselho poderia qualificar as
políticas públicas de assistência social?
Expressões-chave
Ideia Central
S1: Com certeza, porque ele está lá na ponta. Sim, porque o usuário é a
quem se destinam as políticas.
S2: Com certeza, se o usuário tivesse voz as O usuário não tem voz.
coisas seriam bem diferentes.
S3: Eu acho que o usuário poderia participar O usuário poderia participar/
do Conselho, ele poderia opinar porque eu opinar no Conselho, mas as
acho isso muito importante, mas as maiores decisões mais importantes são
decisões ficam com o próprio Conselho, mas tomadas por outros membros.
o usuário poderia participar sim.
S4: Com certeza, porque uma coisa é eu não É
difícil
representar
os
passar por uma necessidade e falar de uma interesses alheios.
coisa que eu ouço dizer [...] eu acho que tem
muito mais pessoa chegar e dar seu
depoimento.
S5: Não tenha dúvida, eu acho que quando A discussão de ideias produz
você tem uma ideia e essa ideia você discute resultados interessantes, mas é
[...] sai coisas muito interessantes, só que difícil reunir muitas pessoas em
infelizmente para você reunir na associação uma só.
dos deficiente 20 pessoas é uma [...] eu não
tenho a receita do bolo de como mudar isso.
S6: Sim, como conselheiros eles poderiam Sim, como conselheiros os
opinar debater e cobrar.
usuários têm o direito de
opinar, debater e cobrar.
A formulação do DSC, a partir das respostas dos sujeitos entrevistados à
pergunta 3, encontra-se sintetizada nos fragmentos a seguir.
DSC 1 - O usuário poderia participar, opinar e cobrar, porque é
destinatário da política de assistencial social, no entanto, as decisões
mais importantes são tomadas por outras instancias representativas, na
qual o usuário não tem voz (E - S2, S3, S1, S4).
DSC 2 - Eu não tenho a receita do bolo de como mudar isso (S5).
As respostas colhidas nas entrevistas evidenciam o lugar da representação
dos usuários nos processos participativos produzidos pelo Conselho. Destaca-se
uma delas: “Se o usuário tivesse voz as coisas seriam bem diferentes. Acho que o
usuário poderia participar do Conselho, ele poderia opinar, mas as maiores
decisões ficam com o próprio Conselho”.
96
Mesmo tendo o direito à participação assegurado nas disposições legais
que normatizam o Conselho, os usuários encontram resistências que dificultam
seu envolvimento com as questões que dizem respeito às suas próprias vidas.
Isso se mostra no fato de os usuários não serem reconhecidos como parte
integrante legítima do próprio Conselho. Assim, é possível perceber, a partir da
vocalização dos conselheiros, a ideia que ainda perdura no imaginário social no
campo da assistência, a de incapacidade civil dos usuários (BOCHETTI, 2000).
Essa concepção de subalternidade, para Telles (1992), acaba produzindo e
reproduzindo desigualdades, definindo lugares sociais e sociabilidades. A não
compreensão do “outro” como igual em termos de direito termina por ferir a
condição de igualdade, característica central a ser observada nos processos
participativos (TATAGIBA, 2003).
Como beneficiários finais, os usuários deveriam configurar-se não como
objeto da política social, mas como protagonistas/demandantes, colaborando com
o Estado na elaboração e fiscalização das ações e serviços. Nessa perspectiva, a
participação desses atores nos espaços públicos resulta na possibilidade de os
excluídos
expressarem
seus
interesses
e
necessidades,
impondo-os
à
consideração pública (TATAGIBA, 2003).
No entanto, a redução do hiato que separa os usuários das deliberações
que envolvem seus destinos “só pode ser fruto de um processo árduo de
participação que é conquista, em seu legítimo sentido de defesa de interesses
contra interesses adversos” (DEMO, 2009, p. 23). Convém também destacar que
mudar essa situação é entendida como uma não competência do Conselho, o que
se pode observar no fragmento do discurso de um dos conselheiros: “Eu não
tenho a receita do bolo de como mudar isso”.
Não ter a “receita” pode ser interpretado como falta de compromisso,
envolvimento e vontade de dialogar para encontrar soluções para tornar efetiva a
participação da representação do segmento usuário. Nessa perspectiva, já que a
viabilização dessa mudança parece não ser de interesse do próprio Conselho,
pode-se interpretar que a participação tende a ser um discurso teórico que,
segundo Demo (2009), é mais fácil pregar aos outros do que concretizá-lo em
nós.
O fortalecimento da participação da sociedade civil nos espaços públicos
representa a possibilidade de modificar a institucionalidade pública, aumentar o
97
controle social e inverter o modelo de gestão do Estado (TELLES, 1992).
Efetivamente, a participação supõe uma relação de poder entre os atores que
fazem parte das instâncias de formulação e negociação, inclusive se constituindo
em um instrumento para qualificar as disputas e lutas por maiores espaços de
influência política. Por isso, a participação não pode ser entendida com algo a ser
doado, preexistente, facilitado. Ela precisa ser conquistada.
O QUADRO 5, a seguir, apresenta a extração do DSC da pergunta: Por
que não se garantiu a participação dos usuários no Conselho Municipal de
Assistência Social?
QUADRO 5 - A garantia da participação dos usuários no Conselho Municipal de
Assistência Social
Pergunta 4: Por que não se garantiu a participação dos usuários no
Conselho Municipal de Assistência Social?
Expressões-chave
Ideia central
S¹: A lei municipal prevê isso? Eu não estou Desconhecimento da lei e
conseguindo lembrar.
tratamento do usuário como
incapaz.
S2: Olha, historicamente eu não sei. Hoje a lei
propõe um representante de entidades e usuários,
a lei municipal coloca isso. Só que ela é
preenchida por associação comunitária ou por
alguma entidade que se entenda nesse papel [...]
às vezes a entidade fala e eu represento o
usuário.
S3: Não sei questões políticas, não sei.
A
obrigação
legal
é
preenchida
por
outra
entidade que se entenda
como representante do
usuário.
Desconhecimento
de
questões legais, entendidas
como políticas.
S4: Agora que a gente vê isso com mais clareza A prática habitual mascara o
ou atentando para isso. Porque às vezes as cumprimento da lei.
coisas acontecem tão costumeiras que você não
para e analisa o que está deixando de cumprir na
lei. E esta tem sido uma preocupação deste
Conselho.
S5: Isso está previsto na lei? Realmente é uma Desconhecimento
do
falha, não sei, eu não tive participação nessa requisito legal e critérios
organização [...] o que foi feito para nós foi um estranhos à lei na definição
ofício pedindo para indicar quem seria o da participação.
representante dos deficientes. Como a última vez
foi a APAE, agora era nossa vez no Conselho.
S6: Não sei por quê!
Desconhecimento da lei.
98
A formulação do DSC, apresentada a seguir, foi elaborada a partir da
organização das ideias centrais provenientes das respostas à pergunta: Por que
não se garantiu a participação dos usuários no Conselho Municipal de Assistência
Social?
DSC 1 - A participação dos usuários no Conselho não está assegurada,
mesmo sendo garantida pelos marcos legais. O desconhecimento por
parte dos conselheiros da legislação normativa, o não entendimento da
representação desse segmento e as práticas que mascaram o
cumprimento da lei são fatores que dificultam a participação dos
usuários no Conselho (E - S1, S2, S3, S,4, S5, S6).
Observa-se, a partir dos DCSs, que a efetividade da participação dos
usuários no Conselho Municipal de Assistência Social de Barbacena necessita
muito mais do que garantias constitucionais e jurídicas para concretizar-se como
direito. Talvez porque incluir os usuários no Conselho signifique perder a condição
de representatividade que “permite agir no lugar de”, o que altera uma situação
produzida e reproduzida por uma sociedade autoritária, assistencialista e tutelada.
Outra possível explicação reside no fato de que são poucos os assentos no
Conselho e não estar representado pode dificultar o acesso das instituições aos
mecanismos legais que definem as prioridades da aplicação dos recursos
públicos (SILVA; JACCOUD; BEGHIN, 2005).
Esses pressupostos demonstram, assim como os dados coletados na
pesquisa, que a inclusão política dos usuários não se configura como prioridade
nos debates produzidos pelos conselheiros. Nesse sentido, conclui-se usando a
vocalização de um dos sujeitos entrevistados (S4), que “as coisas acontecem tão
costumeiras que você não para e analisa que o que está deixando de cumprir é a
lei”.
Sendo assim, cabe ressaltar que garantir a participação dos usuários é um
dever preconizado nos dispositivos que normatizam a assistência social.
Entretanto, é notória a falta de comprometimento do Estado e dos segmentos que
compõem o Conselho em criar condições que possibilitem a ampliação do
controle democrático - refletido na intensa e diversificada participação do usuário sobre a gestão pública (PINTO, 2005).
Dessa forma, entende-se que os socialmente excluídos precisam criar
consciência da importância de se autorrepresentarem, conquistando, centímetro
99
por centímetro, os espaços existentes de formulação, gestão e controle das
políticas públicas. Há, contudo, desafios e obstáculos que operam para dificultar
essa participação, tradicionalmente excluída dos processos de decisões políticas.
“Mas [...] dizer que não participamos porque nos impedem não seria propriamente
o problema, mas precisamente o ponto de partida” (DEMO, 2009, p. 19).
6.2 Resultados da pesquisa nas atas das reuniões e análise
O aferimento do grau de efetividade da participação dos atores sociais, de
maneira especial dos usuários na formulação e no controle da política pública de
assistência social em nível municipal, foi feito por meio da pesquisa documental
em atas de reuniões arquivadas no Conselho.
Assim, buscou-se, por meio das vocalizações encontradas nas atas de
reuniões do Conselho, contabilizar as falas de cada segmento emissor
representativo (TAB. 1), observando-se seu conteúdo (TAB. 2). Para isso, adotouse a metodologia de codificação desenvolvida por Cunha (2010) em pesquisas
anteriores que visavam demonstrar a inclusão deliberativa nos Conselhos
Municipais de Assistência Social. Assim, para melhor distinção dos termos
utilizados para caracterizar os sujeitos presentes às reuniões, fazem-se
necessárias suas discriminações, quais sejam:
 Atores externos
a) Ator externo do governo (ator ext. gov) - técnicos da administração
pública municipal, membros do governo que prestam assessoria ao
Conselho e participam eventualmente das reuniões.
b) Ator externo da sociedade civil (ator ext. SC) – pessoas que
acompanham periodicamente as reuniões.
c) Ator não identificado (ator NI) - fala não identificada.
 Conselheiros representantes do governo
a) Segmento governo (segm. governo) - funcionários públicos indicados
pelo Executivo.
 Conselheiros representantes da sociedade civil
a) Segmento prestador de serviço (segm. prestador) – em geral, são
representantes de entidades estruturadas em ONGs, com nível de
100
escolaridade elevado, dotados de certa experiência em instituições
participativas (LUCHMANN, 2006).
b) Segmento usuário (seg. usuário) - destinatários dos programas e
serviços de assistência social, oriundos das camadas empobrecidas da
população (RAICHELIS, 1998).
c) Segmento trabalhador (segm.
trabalhador)
– trabalhadores da
assistência social em Barbacena.
Nessa exposição de resultados, verifica-se, por meio da contagem e
qualificação das vocalizações registradas em atas de reunião, a intensidade da
participação da representação da sociedade civil, destacando-se o segmento dos
usuários, categoria escolhida como objeto deste estudo. Então, o instrumento de
observação é o mecanismo da “voz” para estimar a capacidade de cada
segmento interferir nos processos de construção de políticas publicas.
A TAB. 1, a seguir, mostra o percentual de vocalizações por segmento,
conforme registro em 54 atas de reuniões públicas no CMAS de Barbacena, de
2009 a 2011.
TABELA 1 - Vocalizações por segmento no CMAS de Barbacena, nas
reuniões de 2009 a 2011
Segmento
N° de vocalizações por
segmento
Percentual de
vocalização por
segmento%
Ator externo gov
66
31,28
Ator externo SC
12
5,69
Ator NI
0
0,00
Seg. governo
71
33,65
Seg. prestador
14
6,64
Seg. usuário
0
0,00
Seg. trabalhador
48
22,75
TOTAL
211
100
Fonte: elaboração própria, com base em 54 Atas de reuniões realizadas de 2009 a 2011 .
101
A análise dos dados da TAB. 1 revela a predominância da vocalização do
segmento governamental, que representa 33,65% das manifestações aferidas nas
atas. Esse dado é mais relevante quando agrupado às vocalizações atribuídas
aos atores externos do governo, que constituem 31,28%. A somatória dessas
vocalizações resulta em 64,93% das manifestações aferidas. É possível detectar
que os atores ligados ao governo conseguem se manifestar de maneira mais
efetiva no Conselho, o que também corrobora as constatações nos estudos de
Avritzer
(2010),
ao
analisar
as
vocalizações
dos
mesmos
segmentos
representativos em Conselhos de cinco capitais brasileiras (Belo Horizonte,
Florianópolis, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo).
O segmento dos trabalhadores da assistência social aparece no quadro
demonstrativo como responsável por 22,75% das falas, durante as reuniões do
Conselho. Cabe ressaltar que a função de presidente é exercida por essa
representação.
Destaca-se a baixa capacidade de vocalização do segmento dos
prestadores de serviço (6,64%). Esse resultado não ratifica os dados obtidos em
estudos sobre a participação nos conselhos de assistência realizados por
Luchmann (2006), segundo os quais o segmento de prestadores de serviço
responde pela elevada frequência das vocalizações registradas.
No entanto, o resultado mais preocupante dessa apuração refere-se à
ausência de manifestação dos usuários, pois estes são os indivíduos beneficiários
da política de assistência, que deveriam exercer o papel de protagonistas nas
ações que envolvem seus destinos. A ausência da vocalização da representação
dos usuários nos espaços públicos de construção coletiva reflete a posição
ocupada pelas camadas pobres da população brasileira. Privadas do direito à
“voz”, essas camadas populares fazem jus a um estatuto de minoridade civil ou,
como denomina Telles (1992), pobreza incivil.
É preciso atentar para a complexidade da participação dos usuários nos
espaços deliberativos e de construção de políticas públicas. Questões de
naturezas econômicas, culturais e políticas, associadas ao comportamento de
uma sociedade historicamente assentada sobre os pilares do clientelismo,
autoritarismo e das desigualdades sociais, parecem ser determinantes na
obstrução da participação desse segmento (LUCHMANN, 2006).
102
No entendimento de Chauí (2005, p. 25), “somente as classes populares e
os excluídos concebem a exigência de reivindicar direitos”. Isso significa que eles
precisam se estabelecer de maneira efetiva nos espaços sociais de luta
(movimentos sociais populares e sindicais), para que possam se fazer representar
nas instituições produtoras e garantidoras de direitos.
No entanto, a cultura do “assistencial” ainda é amplamente disseminada
pela sociedade brasileira, que tutela e vulnerabiliza os segmentos mais pobres, o
que dificulta a possibilidade de os indivíduos demandatários se tornarem sujeitos
capazes de inscrever na institucionalidade democrática as garantias necessárias
para o acesso aos direitos, como observa Raicheles (1998).
Os Conselhos de Assistência Social foram criados e inseridos na estrutura
de poder como um instrumento para dar voz à sociedade civil, o que é um avanço
democrático. A existência do CMAS em Barbacena demonstra que esse avanço
se disseminou geograficamente neste país, mas existem formas de o poder
instituído tentar se apropriar desses instrumentos. Isso porque os Conselhos não
estão protegidos como espaços onde não se configurem disputas, o que
compromete o jogo democrático. Dessa forma, segundo Bava (2005), é preciso
ter cacife para entrar no jogo e participar da disputa ali presente.
Mas cometemos um erro de interpretação, se podemos chamar assim.
Ignoramos que esses espaços têm uma dimensão de disputa.
Acreditamos que fortalecendo esses espaços de participação, esses
novos espaços públicos, já estaríamos contribuindo para a
democratização das políticas e universalização dos direitos. Digo que
cometemos um erro porque, sendo espaços de disputa, é preciso ter
cacife para entrar no jogo e fazer a disputa. Deixamos para segundo
plano o fortalecimento das entidades, dos movimentos, das formas de
representação junto aos bairros, às comunidades, para que aquele
conselheiro lá presente tivesse capacidade de mobilização que o
“empoderasse” naquele espaço de disputa (BAVA, 2005, p. 36).
Para ampliar a compreensão sobre a efetividade da participação no CMAS de
Barbacena, para aferir o grau de “empoderamento” dos sujeitos a quem se
destinam as políticas, examinam-se, a seguir, os registros das falas de cada
segmento representativo do Conselho, categorizando as vocalizações de acordo
com o tipo de manifestação de cada ator. Dessa forma, podem-se quantificar as
proposições, sugestões, debates, contestações, questionamentos, apresentações
de denúncias e demandas que cada um apresentou nas reuniões. A TAB. 2
quantifica os tipos de manifestações no CMAS de Barbacena de 2009 a 2011.
103
TABELA 2 - Tipos de manifestação no CMAS de Barbacena, nas reuniões de 2009
a 2011
ContesDenúnEsclare- QuestioDebate
SugestãoProposição Demanda
cimento namento
tação
Cia
Informação
SEGMENTO 36,02%
N°
21,33%
% N°
%
9,95%
N°
%
7,11%
N°
0,95%
% N°
%
6,16%
N°
% N°
13,74%
%
2,84%
N°
%
N°
1,90%
%
Ator ext.
26 34,2122 48,89 4
gov
19,05 4 26,67 0 0,00 1 7,69 4 13,79 4 66,67 1
25,00
Ator
ext. SC
3
3,95 1
2,22 4
19,05 1 6,67 0 0,00 0 0,00 3 10,34 0 0,00
0
0,00
Ator NI
0
0,00 0
0,00 0
0,00
0 0,00
0
0,00
19,05 5 33,33 1 50,00 9 69,23 8 27,59 0 0,00
0
0,00
Segm.
gov.
31 40,79 13 28,89 4
0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00
Segm.
prest.
1
1,32 1
2,22 6
28,57 0 0,00 1 50,00 0 0,00 3 10,34 1 16,67 1
25,00
Segm.
usuário
0
0,00 0
0,00 0
0,00
0
0,00
Segm.
trab
15 19,74 8 17,78 3
14,29 5 33,33 0 0,00 3 23,08 11 37,93 1 16,67 2
50,00
0,00
Plenário 0
0,00 0
0,00 0
TOTAL 76 100 45 100 21
0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00
0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00
100 15 100 2
100 13 100 29 100
0 0,00
0 0,00
0
0,00
6
4
100
100
Elaboração com base em 54 atas de reuniões realizadas de 2009 a 2011 .
É possível perceber, a partir dos dados apresentados na TAB. 2, que o tipo
de manifestação que aparece com mais frequência nas reuniões do Conselho diz
respeito
à
informação
(36,02%),
que
é
geralmente
utilizada
pela
representatividade governamental (40,79%) como recurso para dar publicidade às
ações dos aparelhos públicos e programas que são vinculados à Secretaria de
Assistência. No entanto, esse dado leva a refletir se a preponderância
governamental nesse aspecto não propicia a formulação da agenda por parte do
Executivo.
Pinto (2005) adverte que o segmento governamental detém mais controle
sobre as informações e também grande capacidade em manipular processos,
especialmente quando precisa legitimar assuntos de interesse do Executivo e
encontra nas instâncias participativas pessoas com menos instrução. Esse
pressuposto se reforça quando se consideram a reduzida incidência de
questionamento (9,95%) e a centralidade dos esclarecimentos no segmento
governamental.
104
De
acordo
com
a
teoria
democrática
participativa,
a
falta
de
questionamento por parte da sociedade civil fragiliza a obtenção de alternativas
compartilhadas capazes de responder os problemas de maneira mais efetiva,
dificultando, assim, a possibilidade da melhoria dos resultados das políticas
públicas. Faz se necessário destacar que a exigência básica e fundante para
institucionalização da participação é o confronto de argumentos entre as pessoas,
sob condições que garantam a apresentação de ideias contraditórias (TATAGIBA,
2003).
Os dados demonstram também o baixo índice de debates (7,11%), o que
demonstra que as proposições do Conselho não são precedidas por processos
participativos de exposições de ideias. Para Cunha (2010), o debate possibilita
melhor compreensão sobre a realidade, facilitando o convencimento e a mudança
de opinião das pessoas, o que produz decisões mais assertivas, voltadas para o
bem comum. Na perspectiva da deliberação - completa a autora -, o debate
sustenta a autorização e o exercício do poder público, garantindo mais
envolvimento dos diferentes atores no que foi decidido.
Além disso, o debate é útil à busca por construção de acordos e à abertura
de processos geradores de negociações, que colocam as pessoas em “pé” de
igualdade. Negociar, segundo Demo (2009), significa convencer, mais do que se
impor, reconhecer o outro como parceiro, admitir que as regras precisam ser
submetidas a todos.
Esse entendimento é reforçado pelo pensamento de Dagnino (2002), que
visualiza na capacidade de negociação uma das dimensões mais importantes
para constituição do espaço público. Para essa autora, os Conselhos precisam se
configurar como arena privilegiada de formulações, debates e negociações entre
a sociedade civil e o Estado.
Outro dado a ser destacado é o baixo índice de contestação (0,95%) das
vocalizações dos conselheiros. A pouca capacidade de contestação pode
significar a fragilidade da sociedade civil na contraposição ao que é apresentado
pelo
segmento
governamental
no
Conselho,
evidenciando
um
discurso
hegemônico que não expressa confrontos significativos.
Nesse sentido, foi possível identificar nas dinâmicas das reuniões do
Conselho uma atuação mais consensual voltada para a produção de acordos que
agradam à maioria dos conselheiros, ou seja, o segmento governamental.
105
Luchmann (2009) enfatiza que a representação governamental pode ser
considerada “maioria”, devido à facilidade que essa representação dispõe para
produzir consensos a partir das orientações do Executivo, enquanto a sociedade
civil parte de uma condição de representação fragmentada e precisa convencer,
para tentar produzir consenso junto aos demais representantes desse segmento.
Essa argumentação reforça a tese da autora de que paridade numérica não
representa paridade política (LUCHMANN, 2009).
Torna-se
mister
destacar
que
as
denúncias
tiveram
acentuada
participação nas manifestações (1,90%). Isso pode significar baixa preocupação
do Conselho com os aspectos específicos da assistência social ou, até mesmo,
como comprovado nesta pesquisa, a falta de conhecimento dos conselheiros
sobre as diretrizes e normativas que estruturam a Política de Assistência Social.
Cabe ressalvar que, apesar dos índices referentes à quantidade de
demandas apresentadas ao Conselho ser baixo (2,84%), os atores externos ao
governo são os maiores demandantes (66,67%). Verificando as atas, essa
preponderância se dá devido à necessidade que os funcionários do Executivo têm
de solicitar documentos e relatórios para os participantes do Conselho.
Os dados apresentados na TAB. 2 indicam, também, que a participação
ainda não se efetiva no campo propositivo, como bem lembra Luchmann (2006).
Ela se configura como produto de ações rotineiras, burocráticas e circunstanciais.
Embora os motivos sejam os mais variados, a maioria dos estudos revela uma
intervenção mais reativa que propositiva em relação à participação da sociedade
civil nos conselhos (TATAGIBA, 2002).
O conjunto desses indicadores obtidos nesta pesquisa demonstra, assim
como nas pesquisas de Tatagiba (2002), que o Conselho de Assistência Social de
Barbacena tem dificuldades em cumprir suas funções de espaço participativo e de
atribuições de controle das políticas públicas. Isso em razão dos limites impostos
pela protagonismo tradicional do Estado e pela ausência da adoção de programas
públicos que desenvolvam a capacidade participativa dos usuários no espaço de
participação proporcionado pelo Conselho.
É evidente a não priorização da participação do usuário. Mesmo com
respeito à sociedade civil, fica evidenciada a distância que o Conselho ainda está
de assegurar a participação política desse segmento e de cumprir a
regulamentação da assistência social expressa na CF-88 e nas regulamentações
106
expressas nas LOAS, PNAS e NOB-SUAS. Demo (2009) adverte que a não
participação dos usuários nas discussões que antecedem a implementação das
políticas públicas e na gestão de serviços públicos não pode ser concebível,
porque só se pode tratar dessas questões de maneira legítima com os autênticos
interessados.
Entretanto, para Raicheles (1998), os usuários têm dificuldades em se
autorrepresentarem nesses espaços devido à situação material que os
aprisionam, o que os leva a adotar diferentes estratégias de sobrevivências, entre
as quais a de submeter-se a ações de tutela reprodutoras de subalternidade. Por
essa razão, a leitura das atas deixa perceber que as reuniões do Conselho
centram-se, com muita frequência, em temas relacionados ao financiamento das
atividades realizadas pelas entidades ali representadas. Expressões como
recurso, convênios, subvenções, repasse e financiamento têm participação de
aproximadamente 15% entre as vocalizadas nas reuniões, o que demonstra que
uma das maiores preocupações nesse Conselho é garantir a sustentabilidade
financeira das instituições ali representadas.
107
7 CONCLUSÃO
Inspira este trabalho a percepção da sub-representação da sociedade civil
no espaço do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) de Barbacena. O
entendimento de
que os
Conselhos foram concebidos como espaços
privilegiados para efetivar a participação popular no processo de gestão políticoadministrativa das políticas sociais, de acordo com a ideologia democrática
descentralizada implícita na Constituição Federal de 1988, torna essa subrepresentação um problema de ordem constitucional.
Os Conselhos de Assistência Social foram constituídos como um
instrumental inovador democrático, datado do começo da década de 1990, com o
objetivo de superar práticas assistencialistas que caracterizavam a assistência
social até então. Assim, esse instrumental se apresenta como medida concreta,
no âmbito da política pública de assistência social, para a criação de mecanismos
que assegurem aos usuários das políticas sociais participação efetiva nas
definições e no controle social de suas aplicações.
Nesse sentido, se o poder público, na execução da Política de Assistência
Social em sua esfera de alcance, inclui os próprios usuários nas discussões da
política pública, promove-se o empoderamento do segmento dos usuários e da
sociedade civil. Esse empenho vai ao encontro dos ideais democráticos
defendidos por Rousseau, “pai da soberania popular”, que enfatiza a importância
da implementação de processos participativos que interliguem os indivíduos para
a tomada de decisões coletivas, provendo-os da condição de protagonistas no
estabelecimento de regras para regular suas convivências. Entretanto, a subrepresentação no CMAS de Barbacena sugere insuficiente empenho do setor
público na articulação e mobilização das forças sociais e políticas, necessárias à
organização desse segmento.
A busca pela compreensão da não efetividade participativa dos usuários
do Sistema Único de Assistência Social no espaço público a eles destinado
dinamiza a elaboração deste estudo de caso, elegendo como unidade de
observação e análise o CMAS Barbacena. O objetivo geral proposto neste estudo
contempla a análise da forma como tem acontecido a participação dos usuários
da assistência social em suas funções de representação da sociedade civil, no
108
CMAS em Barbacena e se essa tem seguido a diretriz da participaçào social
prevista tanto na CF-88 quanto na LOAS e na PNAS.
Para o alcance desse objetivo, este trabalho, apoiado no referencial teórico
constituído: a) identifica os instumentos legais que asseguram a partcipação
social; b) Indica os princípios, diretrizes e organização que orientam a assistência
social brasileira; c) lista os elementos constitutivos do Conselho Gestor de
Assistência Social; d) define a participação dos atores da sociedade civil e do
segmento governamental no CMAS; e) verfica como tem acontecido a
participação dos usuários no CMAS.
As hipóteses que orientam esta investigação são duas: a) ter havido
inclusão tardia da representação dos usuários no CMAS; b) e o prevalecimento do
entendimento tanto por parte da sociedade civil quanto do governo, da falta de
capacidade política por parte daqueles (usuários) que são destinatários da política
de assistência social.
Assim, embora a Constituição de 1988 tenha obtido significativos avanços
na superação do atraso assistencialista, meios de manipulação dos instrumentos
criados ainda inviabilizam a realização do poder popular na implementação das
políticas públicas que justamente visam a beneficiá-lo. Ou seja, as políticas
sociais ainda são geradas com reduzida incidência da influência dos sujeitos
demandantes em suas formulações. O empenho constitucional pela inversão da
ordem de formulação das políticas sociais esbarra em obstáculos constituídos no
interior dos Conselhos de Assistência Social, que dificultam a efetiva participação
da representação dos usuários não organizados.
Nessa perspectiva, iniciou-se o estudo com o levantamento dos princípios,
diretrizes e organização que norteiam a assistência social brasileira, perpassando
pelos dispositivos que constituem o marco regulatório do CMAS.
No intuito de compreender como tem acontecido a participação dos
usuários, procurou-se investigar e analisar dados que revelassem a realidade dos
processos participativos desse segmento no Conselho. Para esse fim,
contabilizaram-se as vocalizações dos atores sociais nas reuniões do Conselho,
no período de 2009 a 2011, para constatar o lugar do usuário no processo
participativo, perceber a efetividade de suas falas, demonstrar a frequência
destas e comparar com a de outros segmentos representativos, quantificando as
109
proposições, sugestões, debates, contestações, questionamentos, apresentações
de denúncias e demandas que cada ator apresentou nas reuniões.
De forma complementar à pesquisa das vocalizações registradas em atas,
a fim de obter pistas sobre a realidade coletiva e os dados subjetivos, coletaramse informações dos próprios atores focalizados no estudo em questão, por meio
da realização de entrevistas com amostra qualificada de 60% dos conselheiros
que atuam no CMAS de Barbacena. A seleção da amostra observou o mesmo
critério de paridade numérica e paridade representativa estabelecidas na LOAS
(art. 16) para a composição do Conselho.
As entrevistas realizadas visaram construir o discurso dos conselheiros
com respeito aos temas da participação social, das dificuldades e limites postos à
participação dos usuários no Conselho, à colaboração dos usuários na
qualificação das políticas públicas de assistência social e à garantia de
participação dos usuários no CMAS.
A organização e tabulação dos dados de natureza verbal foram feitas por
meio do uso da técnica metodológica do DSC de Lefèbvre e Lefèbvre (2003), por
se entender que o conjunto das percepções contidas no imaginário de
determinada representação social pode ser extraída de formações discursivas.
Esse percurso metodológico concluiu que os segmentos que compõem o
Conselho atuam com pesos diferenciados na efetividade participativa. Isso se
reflete de maneira notável na presença vocal das manifestações nas reuniões do
CMAS,
registradas
nas
atas.
As
vocalizações
aferidas
demonstram
o
protagonismo da representação governamental, a pequena participação das
representações das organizações da sociedade civil e a ausência participativa
dos usuários na condução dos processos que vão implicar ações às quais serão
submetidos.
Percebeu-se também que a presença do segmento representativo das
instituições prestadoras de serviços de assistência social não se traduz em
defesa da reivindicação da inclusão dos usuários nos processos participativos. De
fato, os resultados apresentados evidenciam a preocupação prioritária do
segmento prestador de serviço em relação aos repasses de recursos públicos
para o financiamento dessas organizações. Isso compromete a legitimidade
dessa representação que, ao não incluir na centralidade do debate a viabilização
da participação dos usuários ou mesmo seus interesses, confirma a persistência,
110
ainda, de relações paternalistas e clientelistas que têm marcado a assistência
social ao longo de sua trajetória.
O estudo constatou também que o Conselho tem dificuldades em cumprir
suas atribuições de elaboração, planejamento e controle das políticas publicas,
visto que mais da metade das manifestações em reuniões vincula-se a
vocalizações relativas à informação e a esclarecimento, pressupondo o
preenchimento do tempo das reuniões com deliberações preestabelecidas. A
participação das funções propositivas e demantatórias nas vocalizações não
alcança os 20%. Deduz-se, então, que o Conselho ainda não se configura como
arena privilegiada de formulações, debates e negociações, o que não o qualifica
aos requisitos necessários capazes de dar significado e direção às ações do
Estado.
Atribui-se a ausência vocal dos usuários nas reuniões do CMAS de
Barbacena à manutenção do lugar ocupado historicamente pelas camadas
empobrecidas na sociedade e na política regional e à falta da prática do debate
público e do encaminhamento de propostas para viabilizar a inclusão desse
segmento nas instâncias propositivas.
Ademais, a pesquisa mostra, também, que é realista a percepção de que
muitos usuários são comodistas e rejeitam o convite à participação, em razão
disso implicar assumir compromisso e envolvimento com uma prática exigente,
assim como estar sujeito à presença em ações arriscadas e até mesmo
temerárias. Acredita-se que essa é uma situação consequente de uma sociedade
forjada numa historia de gestão pública autoritária, ao ponto de temer participar.
Dessa forma, há que se ter forças para conquistar o direito de participação, que
envolve mover resistências não somente externas, mas também internas,
reforçadas numa cultura de subordinação política. Portanto, essa conquista
requer a implementação de um processo educativo que transforme a postura do
usuário desde suas características psicológicas até a aquisição de prática de
habilidades e procedimentos democráticos.
A observação desses fenômenos na literatura e os dados produzidos na
pesquisa mostram que a inscrição da participação dos usuários nos dispositivos
regulatórios não garante, “por si só”, a inclusão efetiva do segmento demandante
nos espaços públicos deliberativos. Além disso, a falta de capacidade política dos
111
usuários é o maior impeditivo da sua participação no Conselho, pelo menos no
caso da amostra selecionada, o que confirma a hipótese deste trabalho.
Nessa perspectiva, mais do que de garantias jurídicas, a participação dos
usuários depende de sua tomada de consciência. Sua ignorância dos direitos
resulta de um processo histórico no qual o exercício da assistência social estatal
tratava os destinatários de seus programas e serviços como objeto de intervenção
humanitária, fruto do dever moral e sujeita à possibilidades pessoais e políticas.
Trata-se de uma concepção de doação, caridade, favor, responsável por
reproduzir nos usuários das políticas sociais a ideia de pessoas subalternas.
Nessa posição, o exercício da participação requer um instrumento de
conquista de si mesma para proporcionar aos usuários das políticas sociais o
desvendamento da importância da condição de protagonistas nos processos de
construção da política social. O intuito é modificar, também, as estruturas que os
colocam em condição de subalternidade, configurada juntamente com a pobreza
e a exclusão. A participação é um fenomeno vital, sobretudo para os que se
encontram em sitação de desigualdade.
Assim, com base nos objetivos que originaram este trabalho, responderamse os principais questionamentos, especialmente aqueles referentes à verificação
da participação dos usuários no CMAS. O estudo possibilitou, ainda, constatar
que a democracia brasileira, mesmo ampliando os espaços de debate, controle e
deliberação, com as inovações introduzidas pela Constituição de 1988, apresenta
forte índice de complexidade no que diz respeito à fundação de um espaço
verdadeiramente democrático e inclusivo na sociedade brasileira. Isso sugere a
possibilidade e a necessidade de realização de outras pesquisas.
Entretanto, acredita-se que os resultados da pesquisa poderão contribuir
para a qualificação das ações da sociedade civil em seu amadurecimento, a partir
da melhor compreensão da importância ativa dos sujeitos destinatários da política
e da participação no espaço público do CMAS, respondendo, assim,
democraticamente ao modelo de gestão proposto nos marcos regulatórios da
PNAS. Pretende-se, ainda, que os resultados desta pesquisa permitam diálogos
mais ampliados no municipio de Barbacena, no sentido de fortalecer instrumentos
participativos de gestão e, assim, desenvolver melhores condições de articulação,
formulação e fiscalização da “coisa pública.
112
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119
ANEXOS E APÊNDICES
ANEXO A - Lei municipal n° 3.187 (BARBACENA, 1995)
120
121
ANEXO B - Lei Municipal de n° 3.595 (BARBACENA, 2000)
122
123
124
125
126
ANEXO C - Lei no 3.775 (BARBACENA, 2003)
127
ANEXO D - Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Una
128
ANEXO E – Reunião ordinária do Conselho para aprovação da participação
do pesquisador nas reuniões do Conselho Municipal de Assistência Social e
de sua acesso à documentação e aos dispositivos de normatização do
Conselho
129
APÊNDICE A – Projeto de Intervenção Social
130
CAPACITAÇÃO DO CONSELHO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL,
SERVIDORES PÚBLICOS E USUÁRIOS DA REDE DE ATENDIMENTO DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL DE BARBACENA.
1 Introdução
Este projeto de intervenção resulta de verificação em pesquisa realizada
junto aos atores sociais do Conselho Municipal de Assistência Social de
Barbacena, complementada por pesquisa documental na forma de levantamento
de informações em atas de reuniões e anais de conferências. Essas pesquisas
demonstram com clareza a não participação da representação dos usuários nas
reuniões do CMAS de Barbacena e a falta de iniciativa dos outros segmentos
representativos participantes do Conselho, no sentido de mobilizar e incluir os
demandantes
das
políticas
sociais
e
suas
demandas
nos
fóruns
de
argumentação, proposição e controle social.
As mudanças das organizações político-institucionais das políticas públicas
sociais, definidas no Título VIII da Ordem Social, nos artigos 194, 198, 203 e 204
da Constituição Federal de 1988 (CF-88), deram concretude à instituição da
participação popular e democrática na formulação, gestão e controle das políticas
sociais no Brasil e nas disposições declaratórias que asseguram em leis
complementares, no caso específico da assistência social, a Lei de n o 8.742, de 7
de dezembro de 1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).
Com vistas a tornar efetiva essa regulamentação legal democrática, este projeto
pretende gerar mecanismos para tornar efetiva a participação dos usuários no
Conselho Municipal de Assistência Social de Barbacena.
Faz se necessário, portanto, como sugere o sistema participativo proposto
por Rousseau (1973), possibilitar o aprendizado aos excluídos para que eles
possam ter discernimento para desenvolver o instituto participativo. Conforme
ensina Pateman (1992), assim como ler, nadar e escrever, a participação precisa
ser experimentada e compreendida, para que os indivíduos possam se
desenvolver, adquirir competências e se sentir seguros
.
Os Conselhos, fundados a partir da regulamentação de preceitos
constitucionais (CF-88), são canais que têm como princípio assegurar a
participação desses usuários e como finalidade possibilitar a intervenção da parte
131
da sociedade, foco da assistência social, na formulação, avaliação e fiscalização
das políticas públicas. Constituídos como órgãos públicos de representação da
sociedade civil e governamental, caracterizam-se como espaços de negociação
de conflitos, fragmentados sob uma lógica setorial, particularizada, no
envolvimento de necessidades sociais (GOHN, 2007).
Com objetivos e ações específicas, os Conselhos são organizados de
maneira segmentada, o que, para Raichelis (1998, p. 2), “fragiliza a ação pública,
tornando “os problemas sociais autônomos em relação às causas sociais que os
produzem”. Nesse sentido, os Conselhos precisam estabelecer mecanismos de
mobilização e articulação dos usuários, assim como de comunicação capazes de
ampliar a visibilidade das suas ações, democratizando informações para que os
diversos atores sociais tenham condições de conhecer as particularidades dos
problemas enfrentados em cada conselho.
Há ainda que se atentar para as dificuldades de organização e participação
dos demandantes das políticas sociais, assim como da elegibilidade dos seus
representantes junto aos Conselhos para que sejam propostos projetos de
intervenção. Isso com o fim de favorecer aos usuários assumirem o protagonismo
na elaboração e controle das ações às quais são submetidos. Nessa perspectiva,
apresenta-se a partir dos resultados da pesquisa realizada um projeto de
intervenção cujo objetivo é contribuir para a melhoria da qualidade das políticas
públicas deliberadas no CMAS de Barbacena, do ponto de vista dos agentes
beneficiados por elas, por meio de tornar mais efetiva a participação dos usuários
no Conselho.
2 Resultados da pesquisa e análise
Na análise dos dados obtidos na pesquisa realizada junto ao Conselho
Municipal de Assistência Social de Barbacena, por meio de entrevistas realizadas
com os conselheiros focadas no tema da participação do segmento usuário e por
meio do levantamento das vocalizações realizadas em atas de reuniões
realizadas, ficou demonstrada a baixa efetividade participativa do segmento
oriundo da sociedade civil no Conselho, assim como a não participação da
representação dos usuários.
132
O levantamento das vocalizações em 54 atas de reuniões ordinárias,
realizadas no período de 2009 a 2011, possibilitou medir o percentual de
vocalização dos atores sociais que compõem o CMAS, por meio do registro das
falas de cada segmento representativo. Dessa forma, foram categorizadas as
vocalizações, de acordo com o tipo de manifestação de cada ator. Pode-se
observar, a partir dessas informações, a predominância das manifestações no
CMAS do segmento governamental origem de 33,65% das falas, que se somado
ao ator externo proveniente do Governo responde pelo percentual acumulado de
65% das falas (Tabela 1, Capítulo 6), seguido pelas manifestações do segmento
trabalhador em assistência social (23%) e segmento prestador de serviço (7%). É
extremamente preocupante a verificação de que o segmento representante dos
usuários não se manifesta nas reuniões (0% das vocalizações).
Ao se qualificar o conteúdo das vocalizações (Tabela 2, Capítulo 6),
apurou-se o baixo índice de debates (7,11%) produzidos pela instância
participativa, a insignificância dos índices de contestação (0,95%) das
informações apresentadas, a grande dificuldade de realizar denúncias (1,90%)
das ações que não correspondem com às normas preconizadas pelos
instrumentos regulatórios, assim como o reduzido número de encaminhamento de
demandas (2,84%). Por outro lado, é notável a participação das vocalizações
relacionadas à prestação de informações e esclarecimentos a questionamentos
relacionados aos temas tratados nas reuniões, assim como os próprios
questionamentos que somam 67% das vocalizações, enquanto que as
proposições constam apenas de 14% das vocalizações e as sugestões, 6%.
Pode-se dizer que a semelhança entre a maior participação das
vocalizações dos representantes do governo e os conteúdos relacionados à
prestação de informações e esclarecimentos a questionamentos não é mera
coincidência. De fato, trata-se do segmento governo dando publicidade às
intervenções públicas na área da assistência social. Assim, para efeitos deste
projeto, o dado mais significativo é a ausência vocal da representação dos
usuários nos espaços de construção coletiva. Para Telles (1992), testemunha-se
o sequestro do mais elementar direito democrático, o direito a ter “voz”.
Essa ausência de participação manifesta-se também nas entrevistas
realizadas. Em primeiro lugar, é nítido o desconhecimento dos preceitos legais
que regulamentam a existência e dão conteúdo às funções dos conselhos de
133
assistência social, assim como dos dispositivos legais que preconizam a
efetivação da participação dos usuários – apenas 33% dos conselheiros
afirmaram conhecer a PNAS, 68% disseram conhecer a LOAS e 84%
reconheceram não ter lido seu conteúdo na totalidade.
Além disso, a construção do discurso coletivo deu a perceber certa
indiferença com respeito às dificuldades de participação do usuário, seja por
problemas relacionados ao acesso, à falta de traquejo perante o Conselho
reunido, à “falta de interesse”, senão o reconhecimento irônico de que as
decisões são de fato tomadas por outros membros do Conselho.
3 Problema
O problema que pretende ser atacado por este projeto decorre da
verificação da não participação do conselheiro representante dos usuários não
organizados nas reuniões do CMAS de Barbacena, bem como da inexistência de
instrumentos de incentivo a essa participação pelos outros conselheiros, tornando
questionável a realidade do encaminhamento das demandas dos beneficiários
das políticas sociais e do exercício da função de controle social por este
conselheiro.
4 Justificativas
O
diagnóstico
proporcionado
pela
pesquisa
da
incapacidade
de
participação da representação dos usuários não organizados e a verificação dos
seguintes impedimentos a essa participação: desconhecimento das atribuições
legais, das dificuldades de articulação, da percepção efetiva da função
representativa e do direito de manifestação/participação.
A contribuição para a realização das mudanças introduzidas nas
organizações político-institucionais de implementação das políticas públicas
sociais, definidas no Título VIII da Ordem Social, nos artigos 194, 198, 203 e 204
da Constituição Federal de 1988 (CF-88), que dão concretude à instituição da
participação popular e democrática na formulação, gestão e controle das políticas
sociais no Brasil.
134
A necessidade de viabilização do cumprimento da Lei complementar de n o
8.742, de 7 de dezembro de 1993, denominada Lei Orgânica da Assistência
Social (LOAS), que regulamenta a organização da Assistência Social como direito
do cidadão e dever do Estado.
5 Objetivos
Objetivo geral
Promover a efetivação da participação dos usuários do Sistema Único de
Assistência Social no espaço público de elaboração, controle e gestão de políticas
públicas constituído pelo Conselho Municipal de Assistência Social de Barbacena
(CMAS).
Objetivos específicos

Elaborar um diagnóstico municipal da realidade dos usuários do Sistema
Único de Assistência Social (SUAS) de Barbacena e priorizar as suas
demandas

Propor um programa de capacitação para os conselheiros do CMAS de
Barbacena

Construir junto com os usuários da assistência social uma proposta de
trabalho permanente de atualização da informação

Propor o programa “ir ao encontro do usuário” da assistência social de
Barbacena, com a participação efetiva do seu representante, para acessar
as demandas dos usuários ao Conselho e torná-las temas dos debates e
deliberações, nas reuniões.

Criar um portal virtual de comunicação integrado.
135
7 Metodologia
7.1 Diagnóstico municipal da realidade dos usuários do Sistema Único de
Assistência Social (SUAS) de Barbacena
Para a construção coletiva de um processo participativo de articulação,
mobilização e capacitação dos atores sociais que compõem a rede de
atendimento da assistência social de Barbacena, procurar-se-á coletar e analisar
dados que revelem a realidade dos usuários do Sistema Único de Assistência
Social (SUAS) no município.
Para isso, utiliza-se um software específico - Gestão Estratégicas de
Políticas Sociais (GEPES) para entrecruzar as bases de dados do CADÚNICO 14 e
SIBEC15, com informações dos Centros de Referência de Assistência Social
(CRAS), Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e de
outras instituições de atendimento para constituir um diagnóstico da realidade dos
usuários.
7.2 Programa de capacitação dos conselheiros do CMAS de Barbacena
Constituída a base de dados, propõe-se uma capacitação dividida em duas
etapas. A primeira é composta por seis módulos de encontro, destinadas aos
servidores municipais responsáveis pelo atendimento aos usuários e aos
conselheiros do CMAS.
A segunda é dividida em sete momentos e ofertada para os usuários do
Sistema Único de Assistência Social (SUAS), mobilizados pelos aparelhos
públicos municipais, instituições de atendimento e pelos conselheiros do CMAS
de Barbacena.
A consecução de tal estratégia é realizada por meio de discussões de roda,
dinâmicas de grupo e apresentação de conceitos, nas quais textos, reportagens e
14
Instrumento de coleta de dados e informações que objetiva identificar famílias de baixa renda
para fins de inclusão em programas de assistência social e redistribuição de renda. Compõe-se de
informações, procedimentos e sistemas eletrônicos.
15
Sistema de Benefícios ao Cidadão - Sibec
136
artigos são tratados à luz das experiências vividas pelas pessoas envolvidas. Os
encaminhamentos produzidos nos grupos são avaliados e debatidos em plenária,
para que possam ser trabalhados nos módulos seguintes.
O conteúdo do programa de capacitação dos conselheiros do CMAS e dos
servidores da Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Ação Social de
Barbacena deve contemplar uma ementa que eleja as seguintes temáticas:
 Um referencial teórico básico sobre o Estado, as formas de intervenção
concretizadas na forma de políticas públicas, o modelo de gestão
democrática do Estado brasileiro e os aspectos legais e normativos
formalizados na Constituição Federal de 1988 relativos à assistência
social, promovidos pelos movimentos sociais que a precederam.
 Com o foco no município de Barbacena, apresentação dos aspectos
peculiares à cultura e políticas locais, assim como aos problemas sociais
mais frequentes que afligem os beneficiários das políticas de assistência
social municipal.
 Demonstração das estratégias de exercício do direito à cidade e do
instrumental de elaboração, avaliação e implementação de políticas
públicas, assim como de análise da efetividade das políticas sociais
estatais.
 Exposição aos conselheiros e servidores públicos das dinâmicas de
representação e participação, com base em metodologias de vivências em
grupo, para a realização da seleção e bom encaminhamento das questões
pertinentes às reuniões do Conselho.
7.3 Trabalho permanente de atualização da informação pertinente
Fomentar os processos de informação e participação por meio de um portal
virtual de comunicação integrado, para ser alimentado por representantes dos
Conselhos, com objetivos de fortalecer o debate da sociedade civil, sociabilizar
as experiências, ações, agendas, resultados e pautas, construir espaços comuns
de intervenção e formulação coletiva.
137
7.4 Programa “ir ao encontro do usuário” da assistência social de Barbacena
Implementar um programa de acessibilidade do usuário da assistência
social às ações do CMAS de Barbacena, por meio de ir ao encontro do usuário,
resolvendo as dificuldades de acessibilidade ao centro da cidade. Estabelecer um
cronograma de reuniões periódicas nos locais de mais fácil acesso para eles, por
meio do mapeamento da localização dos usuários proporcionado pelo
diagnóstico.
8 Planejamento das atividades
Apresentam-se, nos quadros a seguir, as propostas para o alcance dos
objetivos estabelecidos no projeto de intervenção, descrevendo os responsáveis,
a atividade proposta e o período de execução.
QUADRO 1
1ª Etapa
Proposta
Apresentação
dos resultados da
pesquisa de
mestrado
Responsável
Pesquisador
Funcionários da
Secretaria
Elaboração do
diagnóstico
Representantes de
entidades
Pesquisador
Capacitação módulo 1
Pesquisador
Capacitação módulo 2
Mediador
Capacitação módulo 3
Elaboração de
propostas
Pesquisador
Mediador
Funcionários da
Secretaria,
representantes de
entidades, pesquisador
Atividade
Exposição dos resultados da
pesquisa
Debate
Migração de dados do
CADÚNICO e SIBEC para o
software GEPES - inserção
dos usuários atendidos nos
CRAS e CREAS no software
Cadastramento dos usuários
atendidos pela entidade no
software
Tabulação dos dados
Apresentação do diagnóstico
Debate, Revisão da
proposta de capacitação
Palestra sobre as normativas
e diretrizes que regulamentam a assistência social
Dia de capacitação temas:
Participação, controle social
Mobilização, Conselho
Criação de um plano de
mobilização e articulação
dos usuários do SUAS
Data
Setembro/
2012
Setembro/
2012
Outubro/
2012
Novembro/
2012
Dezembro/
2012
Dezembro/
2012
138
QUADRO 2
2ª Etapa
Responsável
Propostas
Mobilização dos
usuários
Pesquisador/
conselheiros/funcionários
Aproximação
Pesquisador/
conselheiros/funcionários
Apresentação do
diagnóstico
Capacitação –
módulo 1
Capacitação –
módulo 2
Capacitação –
módulo 3
Elaboração de
propostas
Atividade
Elaboração de cartilha,
convite aos usuários,
marcar encontros
Acolhida, dinâmicas de
grupo, roda de conversa
Apresentação do
diagnóstico, debate,
Pesquisador
revisão da proposta de
capacitação
Acolhida, dinâmicas de
grupo, roda de discussão
Mediador
com o tema: a política
pública de assistência
social
Acolhida, dinâmicas de
grupo, roda de discussão
Mediador
com o tema: Participação
social como direito
Acolhida, dinâmicas de
grupo, roda de discussão
Mediador
com o tema: As formas
de participação nos
espaços públicos
Funcionários da
Articulação dos usuários,
secretaria/representantes utilização do site, revisão
de entidades/pesquisador
da lei que normatiza o
Usuários
CMAS
Data
Setembro/
2012
Setembro/
2012
Outubro/
2012
Outubro/
2012
Novembro/
2012
Dezembro/
2012
Dezembro/
2012
9 Recursos humanos
Para a realização dessas atividades o projeto conta com quatro assistentes
sociais e três psicólogas, funcionárias da Secretaria Municipal de Assistência
Social de Barbacena. Além desses recursos, o projeto conta também com a
colaboração dos funcionários dos CRAS, CREAS, dos responsáveis pelas
instituições de atendimento e dos conselheiros do CMAS.
139
PROPOSTA DE LAYOUT DE SITE
140
APÊNDICE B – Termo de consentimento livre e esclarecido
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Estimado (a) Senhor (a)
SOLICITAMOS SUA ANUÊNCIA PARA PARTICIPAR DA PESQUISA
INTITULADA: “PARTICIPAÇÃO SOCIAL E ESPAÇO PÚBLICO: Um Estudo
Sobre a Representação da Sociedade Civil, com Ênfase na Importância da
Participação dos Usuários, no Conselho de Assistência Social de
Barbacena-MG” desenvolvida pelo mestrando Guilver Star Araújo, do mestrado
em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local – UNA/BH, sob a
orientação da Professora Doutora Andréa Márcia Santiago Lohmeyer Fuchs,
docente do Departamento de Pós-Graduação do Centro Universitário UNA/BH.
A referida pesquisa possui como objetivo central: a compreensão dos
termos em que tem se configurado a participação social a partir do desenho da
representatividade dos usuários no Conselho Municipal de Assistência Social de
Barbacena.
A partir do marco teórico-metodológico definido, estaremos realizando
entrevistas com diferentes sujeitos sociais.
Participam deste estudo seis membros (conselheiros) que integram o
Conselho Municipal de Assistência Social, sendo três da representação da
sociedade civil e três do segmento governamental, sendo que um deles é o
gestor municipal das Políticas Nacionais de Assistência Social no município.
A entrevista terá duração aproximada de 60 minutos e será realizada em
um local que ofereça privacidade, a fim de garantir o anonimato do entrevistado,
em horário a combinar. Dadas as características do estudo, pode ocorrer mais de
um encontro para que se alcance o objetivo da entrevista. As entrevistas serão
realizadas pelo pesquisador propositor da pesquisa e serão gravadas em áudio,
mediante o seu consentimento, método que permite ao pesquisador recuperar o
máximo de sua contribuição. Posteriormente, as entrevistas serão transcritas,
mantendo-se sempre o sigilo e o anonimato dos entrevistadores, sujeitos da
pesquisa.
As informações que fornecer, bem como seus dados pessoais, são
confidenciais. Uma vez transcrita a entrevista, a gravação será apagada e as
transcrições não identificarão seu nome nem a instituição que representa,
guardando-se apenas, em local seguro, um código a que terá acesso unicamente
a pesquisador.
Os resultados da pesquisa poderão ser divulgados e publicados em
relatórios ou documentos científicos no âmbito nacional e internacional. Nenhum
nome será utilizado ao divulgar os resultados da pesquisa.
Sua participação na entrevista é voluntária e você tem o direito de se retirar
no momento em que o desejar. Negar-se a participar da entrevista e contribuir
para o estudo proposto não acarretará punição alguma, nem interferirá em sua
relação com os demais entrevistados da instituição pesquisada.
Guilver Star Araujo
Mestrando do Centro Universitário UNA/BH
Tel residencial: (32) 3331.4819 / Cel: 9942-4819
[email protected]
141
Eu,_________________________________________________________,
li e compreendi as explicações dadas na carta anterior sobre a pesquisa intitulada
“PARTICIPAÇÃO SOCIAL E ESPAÇO PÚBLICO: Um Estudo Sobre a
Representação da Sociedade Civil, com Ênfase na Importância da
Participação dos Usuários, no Conselho de Assistência Social de
Barbacena-MG” desenvolvida pelo mestrando Guilver Star Araújo, do mestrado
em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento local – UNA/BH, sob a
orientação da professora doutora Andréa Márcia Santiago Lohmeyer Fuchs,
docente do departamento de pós-graduação do centro universitário UNA/BH.
Entendo que vou participar de uma entrevista de aproximadamente 90
minutos, a qual será gravada e transcrita. Entendo que as informações que
fornecer são confidenciais e que as análises serão divulgadas e publicadas
nacionalmente e internacionalmente.
Estou informado (a) de que não se conhecem riscos decorrentes de minha
participação neste estudo, que não acarreta custo econômico algum para mim.
Ademais, sei que posso decidir não participar do estudo ou retirar-me no
momento em que o desejar.
Li e compreendi a carta informativa e este Termo de Consentimento. Sei
que posso contatar a coordenação do estudo pelos telefones fornecidos se
desejar mais informações acerca do desenvolvimento da pesquisa.
SIM, concordo em participar deste estudo como informante-chave.
NOME DO INFORMANTE
IDENTIDADE
ASSINATURA
NOME DA TESTEMUNHA
IDENTIDADE
ASSINATURA
NOME DO PESQUISADOR
IDENTIDADE
ASSINATURA
BARBACENA,
DE
2011
142
APÊNDICE C - Roteiro de entrevista semiestruturada
Data da entrevista:
Início:
Término:
Sujeito: S (
)
1) Dados gerais do entrevistado(a):
a) Nome:
b) Função no conselho:
c) Ator social: ( ) Poder Executivo ( ) Sociedade civil
d) Poder Executivo: Qual Secretaria representa?_________________________
e) Representação da sociedade civil:
( ) representante de entidades de assistência social
( ) representante dos trabalhadores do setor
( ) representante dos usuários
f) Escolaridade:
g) Formação profissional:
h) Idade:
i) Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino
j) Nasceu no município de Barbacena?
k) Além do CMAS quais os outros espaços associativos você já participou durante
sua trajetória profissional?
l) Essa experiência contribuiu para sua participação hoje no CMAS?
m) Você conhece como foi criado (processo histórico de formação) o CMAS de
Barbacena? Participou em algum momento?
n) Você conhece a Política Nacional de Assistência Social? Já leu ela toda?N)
Conhece a Lei Orgânica de Assistência Social? E a lei municipal que
normatiza o conselho, você conhece?
o) A partir de sua experiência de vida e profissional, o que significa participação
social?
p) Como tem sido a participação da sociedade civil no CMAS?
q) Há dificuldades/limites nessa representação de “usuários” na composição
representativa do CMAS? Quais?
143
r) Na sua opinião, as entidades participantes no conselho, representam os
usuários?
s) A colaboração dos usuários no conselho
poderiam qualificar as
políticas
publicas de Assistência Social ?
t) As leis federais e municipais que tratam da composição do conselho de
Assistência Social prevêem a participação dos usuários, entretanto, no caso
de Barbacena, eles não compõem o conselho, por quê?
u) Por que não se garantiu a participação dos usuários na composição do
conselho municipal?
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