CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL PARTICIPAÇÃO SOCIAL E ESPAÇO PÚBLICO: Um Estudo Sobre a Representação dos Usuários no Conselho de Assistência Social de Barbacena-MG Guilver Star Araújo Belo Horizonte-MG 2012 GUILVER STAR ARAUJO PARTICIPAÇÃO SOCIAL E ESPAÇO PÚBLICO: Um Estudo Sobre a Representação dos Usuários no Conselho de Assistência Social de Barbacena-MG Dissertação apresentada ao Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. Área de concentração: Inovações Sociais, Educação e Desenvolvimento Local. Linha de pesquisa: Processos PolíticoSociais - Articulações Institucionais e Desenvolvimento Local (Ênfase em Gestão Social). Orientadora: Profa. Dra. Ediméia Maria Ribeiro de Melo. Coorientadora: Profª. Drª Matilde Meire Miranda Cadete. Belo Horizonte–MG Centro de Estudos UNA 2012 Aos excluídos que tiveram a voz sequestrada, às vítimas de todas as formas de violência, inclusive as invisíveis, às crianças abandonadas e que precisaram virar adultas antes do tempo, aos moradores de rua, aos que ainda sentem fome, aos sujeitos que “saíram de cena” porque incomodaram e àqueles que não tiveram oportunidade de virar gente. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus pela oportunidade de ouvir passar o vento, por sentir o calor do sol e poder contemplar a lua. Por não ser omisso à luta e por não permitir que as injustiças se tornem tão naturais que impeçam as pessoas de acontecer. De maneira muito especial, ao Conselho Municipal de Assistência Social de Barbacena e aos tecelões do conhecimento que colaboraram com a trama deste trabalho: à educadora Matilde Meire Miranda Cadete, que me devolveu o sonho, o prosseguir e a honra; à educadora Edméia Maria Ribeiro de Melo, pela didática, afeto e compreensão; à coordenadora do curso, Lucilia Machado, por ter optado pelo contraditório, pela justiça e pela imparcialidade; aos mestres, que ofertaram seus “saberes fazeres” durante a caminhada e aos que não permitiram que a decisão sobre a vida das pessoas pudesse ser tomada de forma monocrática, pois não pode haver só pontos, as vírgulas foram inventadas para a história poder continuar. Aos amigos de mestrado: Fred, por dividir a incerteza da rodovia; e Celinho, por estar dando batalha. Você é um guerreiro, amigo, lembre-se, o “diabo não há, se for e existe é homem humano, travessia”. Pela luta de mãe, que mesmo com as dificuldades impostas a ela, conseguiu devolver o “lobo à alcateia”, cozendo as feridas com presença, dedicação e amor. À Tati, que preenche o vazio da minha ausência em casa, e aos meus sobrinhos, pela “meninice” que os torna tão especiais. Ao apoio incondicional da namorada, que perdeu a festa, a convivência e a presença, mas ganhou mais respeito e admiração. Aos salesianos, que reconheceram no mais difícil educando pontos acessíveis ao bem. E aos meus educandos, que confiaram sua amizade, confidenciando seus medos e agonias. Aprendi com vocês que a melhor maneira de ser feliz e buscar nos “pequenos nadas” as razões motivacionais que precisamos para seguir em frente. Obrigado, Mainha e Tio Jean, pelo apoio nos momentos mais difíceis da minha vida; e tios Waldir, Lourdes e Regina Bertola, por contribuírem com as minhas primeiras escolhas. Tio Plácido, Tia Edyir e Amarelo, não vou esquecer nunca da casa aberta, da partilha do pão, das consultorias jurídicas e da chave que ainda está comigo e eu não vou devolver, para não poder fechar a porta que a convivência abriu. Aos meus primos, que são tão importantes na minha vida, e às pessoas que escolheram ser minhas amigas e mesmo sabendo das limitações, dos erros e defeitos não me privaram de sua convivência. À revisora Magda Roquette Taranto, pelos pontos, vírgulas e traços humanos que ficaram depositados no trabalho; aos amigos e pessoas que ao longo da vida proporcionaram-me ensinamentos. “Às vezes a vida, o sofrimento, as injustiça, é maior que nois. Mas se agente acreditar numa luzinha que mora no fundo de dentro da gente, a gente vorta a sonhar, vorta a sabe que nois, que gente foi feita para inventar um mundo de novo, pra mudar e desmudar carregando alegria”. Texto do personagem Fugêncio, do espetáculo “Beco a Opera do Lixo”. Grupo Ponto de Partida. Regina Bertola. RESUMO O cenário que vem sendo construído pela sociedade civil a partir do marco legal e das disposições regulatórias de direito sinalizam um tipo de gestão social que tem por finalidade a superação das desigualdades sociais e a efetivação da participação social como instrumento que viabiliza o acesso ao direito. Entretanto, a consolidação dessa participação vem passando por uma série de desafios com vistas à inclusão dos demandantes das políticas sociais nos processos de decisão e deliberação. Nesse contexto, esta pesquisa objetivou verificar a participação social da sociedade civil no espaço público, a partir de um estudo sobre a representação dos usuários no Conselho de Assistência Social de BarbacenaMG. Trata-se de uma investigação de cunho qualitativo, realizada por meio de levantamento bibliográfico, análise documental e entrevista semiestruturada. O estudo proposto buscou desvendar a efetividade participativa dos usuários nos processos decisórios e deliberativos do conselho. Foram analisadas 54 atas de reuniões do Conselho realizadas no período de maio de 2009 a 27 de novembro de 2011. Assim, foi observada a capacidade de vocalização dos conselheiros, verificada pelos atos de fala registrados nas atas, relativos a cada segmento representativo. No que diz respeito à entrevista, participaram seis sujeitos, membros representantes da sociedade civil e do Poder Executivo municipal. Para fundamentar a análise, tabular e organizar os dados de natureza verbal recorreu se à técnica do Discurso do Sujeito Coletivo de Lefréve e Lefréve ( 2003). Os instrumentos metodológicos utilizados possibilitaram melhor compreensão dos desenhos institucionais e das dificuldades de inclusão dos usuários da assistência social nos processos de elaboração e controle da gestão pública. O estudo também demonstrou a fragilidade da representação dos usuários e a distância que o Conselho ainda está de garantir a participação e cumprir a regulamentação da assistência social, expressa na Constituição Federal (CF) 88, Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e Norma Operacional Básica - Sistema Único de Assistência Social (NOB-SUAS). Os resultados obtidos compuseram uma proposta de intervenção profissional que poderá contribuir para o aprofundamento da discussão sobre uma nova perspectiva democrática na qual os usuários da Política Nacional de Assistência Social possam se tornar protagonistas. Palavras-chave: Gestão Social. Participação Social. Conselho. Assistência Social. Usuários. ABSTRACT The scenario that is being built by civil society from the legal and regulatory provisions of the law indicate a type of social management that aims at overcoming social inequalities and the effectiveness of social participation as a tool that allows access to the right. However, the consolidation of this participation has been undergoing a series of challenges in order to include applicants' social policies in decision-making and deliberation. In this context, this research aimed to verify the social participation of civil society in public space, from a study on the representation of users in the Social Welfare Council of Barbacena-MG. This is a qualitative research, conducted through a literature review, document analysis and semistructured interviews. The proposed study sought to reveal the effectiveness of users in participatory decision making and deliberative council. We analyzed 54 minutes of board meetings held during the period May 2009 through November 27, 2011. Thus, we observed the ability to speak of the directors, checked by the speech acts recorded in the minutes, for each representative segment. Regarding the interview, subjects participated in six members representing civil society and the municipal executive. To substantiate the analysis, tabulate, and organize data of verbal nature appealed to the technique of Collective Subject Discourse of Lefèvre and Lefèvre (2003). The methodological tools used in better understanding of institutional designs and the difficulties of inclusion of social care users in the processes of preparation and control of public administration. The study also demonstrated the fragility of the representation of users and the distance that the Council is still to ensure the participation and comply with the regulation of social welfare, expressed in the Federal Constitution (FC) 88, Organic Law of Social Assistance (LOAS), National Policy Social Assistance (PNAS) and Basic Operational Norm - Social Assistance System (ITS-NOB). The results comprised a proposal for professional intervention that could contribute to further discussion about a new democratic perspective in which users of the National Social Assistance can become protagonists. Keywords: Social Management. Social Participation. Council. Welfare. Users. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AC Ancoragem Ator ext gov Ator externo do governo Ator ext SC Ator externo da sociedade civil Ator NI Ator não identificado CF Constituição Federal CFESS Conselho Federal de Serviço Social CIB Comissão Intergestores Bipartite CIT Comissão Intergestores Tripartite CMAS Conselho Municipal de Assistência Social CNAS Conselho Nacional de Assistência Social CRAS Centro de Referência de Assistência Social CREAS Centro de Referencia Especializado de Assistência Social CRESS Conselho Regional de Serviço Social DSC Discurso do Sujeito Coletivo ECH Expressão-chave IC Ideia central LOAS Lei Orgânica de Assistência Social NOB Norma Operacional Básica ONG Organização Não Governamental PNAS Política Nacional de Assistência Social Segm Governo Segmento Governo Segm Prestador Segmento prestador de serviço Segm Trabalhador Segmento trabalhador Segm Usuário Segmento usuário SUAS Sistema Único de Assistência Social LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura FIGURA 1 - Esquema de referência da pesquisa qualitativa adotada...... 79 Quadros QUADRO 1 – Objetivos da pesquisa e passos metodológicos.................. 85 QUADRO 2 – Os significados do conceito de participação social............ 89 QUADRO 3 – Dificuldades e limites da representação dos usuários no CMAS................................................................................................. 92 QUADRO 4 – A colaboração dos usuários na qualificação das políticas públicas de assistência social............................................................ 95 QUADRO 5 – A garantia da participação dos usuários no Conselho Municipal de Assistência Social......................................................... 97 LISTA DE TABELAS TABELA 1 - Vocalizações por segmento no CMAS de Barbacena, nas reuniões de 2009 a 2011................................................................... 100 TABELA 2 - Tipos de manifestação no CMAS de Barbacena, nas reuniões de 2009 a 2011................................................................... 103 SUMÁRIO1 1 INTRODUÇÃO...................................................................................... 14 3 REFERENCIAL TEÓRICO-CONCEITUAL........................................... 25 3.1 Sociedade civil e estado: uma abordagem conceitual....................... 25 3.1.1 Sociedade civil e os espaços de construção democrática.............. 32 3.2 O conceito de participação e as suas concepções teóricas.............. 37 3.2.1 Sentidos e características da participação...................................... 44 3.2.2 Contextos e significados da participação no Brasil......................... 47 3.3 Política pública, política social e política de assistência social: demarcando conceitos............................................................................. 4 ARCABOUÇO LEGAL DA ASSISTÊNCIA SOCIAL 50 E EQUIPAMENTOS PÚBLICOS NO BRASIL............................................. 56 4.1 Política pública de assistência social, princípios, diretrizes e organização.............................................................................................. 56 4.2 A Política Nacional de Assistência Social.......................................... 58 4.3 O conselho de assistência social como ferramenta de controle e democratização na gestão pública.......................................................... 62 4.4 As categorias normativas e os elementos constitutivos do Conselho Gestor de assistência social.................................................... 65 4.5 A composição do Conselho de Assistência: entre a paridade numérica e a paridade representativa...................................................... 4.6 A representação no Conselho e os mecanismos 68 de institucionalização de suas práticas......................................................... 69 5 METODOLOGIA................................................................................... 74 5.1 Opções metodológicas....................................................................... 75 1 Este trabalho foi revisado de acordo com as novas regras ortográficas aprovadas pelo Acordo Ortográfico assinado entre os países que integram a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), em vigor no Brasil desde 2009. E foi formatado de acordo com a ABNT NBR 14724 de 17.04.2011. 5.2 O modo de investigação.................................................................... 76 5.3 Unidade de análises e delimitação geográfica................................... 76 5.4 Procedimentos de coleta e análise de dados e instrumentos metodológicos........................................................................................... 76 5.4.1 Técnicas e procedimentos para coleta de dados............................ 77 5.4.1.1 Pesquisa documental................................................................... 77 5.4.1.2 Entrevistas com os sujeitos da pesquisa...................................... 77 5.4.2 Demarcação do processo metodológico da pesquisa..................... 78 5.5 Aspectos éticos da pesquisa.............................................................. 80 5.6 Procedimentos adotados para a análise dos dados........................... 80 6 ANÁLISE DOS RESULTADOS............................................................. 84 6.1 Entrevistas com os conselheiros do CMAS de Barbacena................ 86 6.1.1 Universo da pesquisa...................................................................... 86 6.1.2 Perfil da amostra contemplada........................................................ 87 6.1.3 Análise das entrevistas.................................................................... 87 6.2 Resultados da pesquisa nas atas das reuniões e análise.................. 99 7 CONCLUSÃO........................................................................................ 107 REFERÊNCIAS........................................................................................ 112 ANEXOS E APÊNDICES.......................................................................... 119 14 1 INTRODUÇÃO As décadas de 1970 e 1980 foram marcadas por amplo processo de construção da democracia no Brasil, que teve a sociedade civil – representada por organizações populares, movimentos sociais, Igrejas, cidadãos comuns, partidos políticos e sindicatos – como protagonista. Esta exigiu maior abertura política (fim da ditadura militar) e repudiou a tutela do Estado, que limitava a participação social nos destinos políticos, econômicos e sociais do país. Como resultado do processo de mobilização e pressão desses novos sujeitos sociais, foi possível a incorporação de importantes avanços no campo dos direitos sociais, na Constituição Federal (CF) de 1988 (BRASIL, 2002). Entre esses avanços, a Constituição introduziu a participação da sociedade civil nas esferas de decisões políticas, por meio das organizações representativas atuantes nos Conselhos Deliberativos das políticas públicas sociais (BRAVO; PEREIRA 2007; GOHN, 2003). A Constituição Federal de 1988 foi chamada, no auge do entusiasmo cívico, de “Constituição Cidadã” (CARVALHO, 2004, p. 7), pois sua promulgação possibilitou no plano formal-legal a consolidação do Estado Democrático de Direito. Teve como importantes diretrizes das políticas públicas sociais a descentralização político-administrativa e a participação da população por meio das organizações representativas na formulação das políticas e no controle das ações nos três níveis governamentais (nacional, estadual/distrital e municipal) (BRASIL, 2002). Essa mudança gradativa das características e da organização político-institucionais das políticas públicas sociais,2 definidas no Título VIII da Ordem Social, nos artigos 194, 198, 203 e 204 da CF-88, possibilitou concretamente a instituição da participação popular e democrática na formulação, gestão e controle das políticas sociais no Brasil (RAICHELIS, 1998). Nesse contexto, para transformar as disposições declaratórias em disposições assecuratórias e dar concretude ao direito proclamado na CF-88, foi necessário garantir a aprovação das legislações infraconstitucionais no interesse 2 As políticas sociais de assistência social, saúde e previdência social compõem o tripé da seguridade social na CF88. 15 específico desta pesquisa propostos. Assim, a Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (BRASIL, 1993), denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), regulamentou a organização da assistência social como direito do cidadão e dever do Estado, sendo uma política não contributiva, que provê os mínimos sociais a todos aqueles que dela necessitem3. A LOAS significou: [...] O fim da travessia no deserto ao superar a compreensão corrente de dever moral de ajuda (de natureza humanitária e subjetiva e sujeita a possibilidades pessoais e políticas), passando-se a entendê-la como dever legal de garantia de benefícios e serviços sociais, ou seja, como direito assegurado pelo Estado (BEHRING, 2001, p. 110). A participação popular, por meio de organizações sociais representativas, definida na LOAS (artigo 5º; inciso II) e efetivada na Política Nacional de Assistência Social (PNAS) (BRASIL, 2004a)4, tem a primazia do Estado na responsabilidade pela condução da política pública social em cada esfera de governo. Dessa forma, deve assegurar a assistência como direito do cidadão, em razão da gravidade dos problemas sociais existentes. A sociedade civil organizada participa também na execução da política de assistência social como parceira, de maneira complementar na oferta de programas, projetos e serviços de assistência social. Contudo, o grande desafio é exercer o papel do controle social sobre a referida política: O controle social tem sua concepção advinda da Constituição Federal de 1988, enquanto instrumento de participação popular no processo de gestão político-administrativa-financeira e técnico-operativa, com caráter democrático e descentralizado. [...] Os espaços privilegiados onde se efetivará essa participação são os conselhos e as conferências (BRASIL, 2004a, p. 44). As instâncias deliberativas do sistema descentralizado e participativo da política de assistência social – de caráter permanente e de composição paritária entre governo e sociedade civil – são os Conselhos nacional, estaduais/distrital e 3 4 A Lei n° 8.080/90 (BRASIL, 1990), que regulamentou o direito constitucional à saúde como direito de todos e dever do Estado, foi precursora da estruturação da política pública nos moldes definidos pelo novo marco legal. A Política Nacional de Assistência Social foi aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), por meio da Resolução n o. 145, de 15 de outubro de 2004 (BRASIL, 2004b). 16 municipais de assistência social criados por leis específicas em cada esfera governamental (BRASIL, 2004a, LOAS, artigo 16, parágrafo 4). Os Conselhos são, segundo Raichelis (1998), uma inovação democrática que adquire importância singular, em razão, sobretudo, do perfil histórico das práticas “assistencialistas” que pautaram as intervenções no campo social até a CF-88. O avanço no campo democrático do controle social da política de assistência social trouxe a possibilidade de incorporação de três segmentos representativos da sociedade civil na esfera pública dos Conselhos de Assistência: Representantes das entidades de assistência social, que se situam num amplo espectro de organizações não governamentais (ONGs) voltadas para a produção de ações junto aos segmentos das camadas populares. Essas ONGs são instituições laicais ou confessionais que, de longa data, mantêm uma trajetória de dependência com o Estado no que se refere ao financiamento de suas atividades. Mas há novas modalidades de organizações dirigidas para a defesa dos direitos, assessoria a movimentos populares e promoção de cidadania, que passaram a integrar o novo cenário da assistência social. Representantes dos trabalhadores do setor, a maioria composta de categorias profissionais que atuam no campo da política de assistência: psicólogos e assistentes sociais. Estes últimos integram a representação dos trabalhadores do setor quase que majoritariamente, muito em razão do novo protagonismo ético-político que o conjunto Conselho Federal de Serviço Social/Conselhos Regionais de Serviço Social (CFESS/CRESS) passou a assumir no meio profissional. Representantes ou organizações de usuários5, compostos de entidades que congregam os destinatários dos programas e serviços da política de assistência social. Nessa direção, Raichelis (1988) apresenta, com muita pertinência, importante reflexão, que compõe a centralidade da problematização do objeto desta pesquisa: a participação dos usuários 5 A Resolução CNAS nº 24/2006 define como usuários pessoas beneficiárias dos programas, projetos e serviços do Sistema Único de Assistência Social (BRASIL, 2006). 17 como segmento que integra a sociedade civil no Conselho Municipal de Assistência Social. Historicamente, a assistência social sempre tratou os destinatários de seus programas e serviços, mesmo que sob a responsabilidade estatal, como objeto de intervenção condicionada pelas práticas humanitárias, por sentimento de dever moral e sujeitos à vontade e possibilidades pessoais e políticas (BOSCHETTI, 2000). Essa concepção de doação, caridade, favor que sempre norteou as práticas nesse campo assistencial reproduzia e refletia nos “usuários” a ideia de pessoas subalternas. Essa subalternidade, segundo Yazbek (2001, p. 34), configura-se, juntamente com a pobreza e a exclusão, como “indicadores de inserção, na vida social, de uma condição de classe e de outras condições reiteradoras de desigualdade (como gênero, etnia, procedência) e acaba produzindo e reproduzindo a desigualdade no plano social”. Assim, por mais avanço que a CF-88 e suas legislações infraconstitucionais tenham levado à assistência social, conduzindo-a ao status de política pública, ainda paira no imaginário social a ideia de incapacidade civil ou, nas palavras de Telles (1994), “pobreza incivil”. A pobreza, para além da medida monetária, constitui-se também como relação social que define lugares sociais, sociabilidades e identidades. Nesse sentido, ela também significa carência de direitos e se expressa na ausência de espaços públicos. O desafio então da participação dos usuários no Conselho de Assistência Social, objeto de estudo nesta pesquisa, está diretamente relacionado à ampliação quantitativa, mas, sobretudo, qualitativa do espaço público, pois se faz necessário que a sociedade civil esteja bem representada, os seus principais interessados possam, conforme bem sinaliza Raichelis (1998), se “autorrepresentar por intermédio de sua organização coletiva” (RAICHELIS, 1998, p. 93). Contudo, completa a autora, são conhecidas as dificuldades de organização dos segmentos sociais alcançados pelos serviços de assistência social, principalmente dos grupos mais vulnerabilizados (crianças, idosos e deficientes). E completa: “No entanto, essa dificuldade é também socialmente produzida pela ação dos outros indivíduos e práticas institucionais, o que adiciona à análise de vulnerabilidade social um componente político que não pode ser 18 desprezado” (RAICHELIS, 1998, p. 93). Ou seja, a cultura assistencial disseminada na sociedade, que tutela e vulnerabiliza os segmentos mais pobres, penetra e se reproduz de modo particular nas práticas assistenciais. Segundo Raichelis (1998), é possível constatar um vazio da representação dos grupos populares por meio de suas próprias organizações e formas de associação: [...] os denominados usuários dos programas e serviços de assistência social são as camadas empobrecidas da população trabalhadora, geralmente definidas a partir dos indicadores da pobreza absoluta, critério que, aliás, acabou prevalecendo nos textos legais, por meio da definição de grupos restritos de destinatários dos benefícios desta política e do vergonhoso corte de renda, além dos vexatórios critérios de seleção a que são submetidos (RAICHELIS, 1998, p. 93). Silva, Jaccoud e Beghin (2005) afirmam que a participação social por meio dos Conselhos se configura para a sociedade civil em um novo desafio: “o de fazer parte”, assumindo o papel de intervenção, na elaboração de processos que buscam a autonomia e consciência crítica da realidade política brasileira frente aos desafios atribuídos à assistência social. Dessa maneira, seria mediante o fortalecimento dos instrumentos de controle e participação nas políticas públicas que a sociedade civil conquistaria espaço de consultas, debates e expressão. A LOAS define, em seu artigo 17, a composição paritária do CNAS em 18 membros, sendo nove representantes governamentais e nove representantes da sociedade civil, juntamente com seus respectivos suplentes. A sociedade civil é dividida em três segmentos representativos: três representantes de entidades de atendimento; três representantes dos trabalhadores da assistência social; e três representantes de organizações dos usuários da assistência social. No município de Barbacena, em Minas Gerais, delimitação geográfica de nossa pesquisa, o Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) foi criado em 4 de julho de 1995 pela Lei municipal n° 3.187 (BARBACENA, 1995) (ANEXO A). Esse CMAS deve assegurar os princípios, objetivos e as disposições gerais das normativas nacionais (CF-88 e LOAS), cuidando para que as atividades municipais de assistência social, entidades públicas e privadas atendam igualmente às disposições previstas na Lei Constitucional. Na composição do Conselho Municipal de Assistência Social de Barbacena, a representação ficou assim definida: quatro representantes 19 governamentais (das Secretarias de Bem-Estar Social, Saúde, Educação e Governo) e quatro representantes da sociedade civil, escolhidos entre as entidades ou organizações de assistência social (que atuavam no atendimento a idosos, crianças excepcionais, creches ou organizações filantrópicas da assistência social), sendo obrigatória a prévia inscrição no Conselho Municipal, conforme art. 2.° (inciso III) da referida Lei. Como se pode perceber, a lei municipal só previu a participação representativa de entidades de atendimento, deixando de fora as representações dos trabalhadores da assistência e a representação dos usuários. Há também que se questionar os motivos da não previsão na lei municipal da participação do usuário na composição representativa da sociedade civil no CMAS de Barbacena: como é possível a formulação e a deliberação de políticas públicas efetivas sem a participação do demandante? Cabe ressaltar que, para Raichelis (1998), o impedimento da participação dos usuários na esfera pública – no caso do CMAS de Barbacena – se constitui em uma negação do direito, o que, para a autora, “termina por atribuir a esses grupos um estatuto de minoridade civil, ficando assim os usúarios impedidos de se autorrepresentar, sendo submetidos a uma lógica de sub-representação” (RAICHELIS, 1998, p. 94). No ano de 2000, o Conselho Municipal de Assistência Social conseguiu que a Lei n° 3.187 fosse revogada pela Lei Municipal de n° 3.595 (BARBACENA, 2000) (ANEXO B). Essa lei estabeleceu, no seu art 2.°, as competências do Conselho, a saber6: Definir prioridades da politica de assistência social; estabelecer as diretrizes a serem observadas na elaboração do Plano Municipal de Assistência Social; aprovar a política de assistência social; atuar na formulação de estratégias e controle da execução da política de assistência social; apreciar e aprovar critérios para a promulgação e para as execuções financeiras e orçamentárias do Fundo Municipal de Assistência Social e fiscalizar a movimentação e a aplicação de seus recursos, acompanhar, avaliar e fiscalizar os serviços de assistência prestados à população pelos órgãos, entidades públicas e privadas dos município; aprovar critérios de qualidade para o funcionamento das entidades, para celebração de convênios entre setor público e privado, zelar pela efetivação do sistema descentralizado e participativo de assistência social; convocar ordinariamente a cada dois anos ou extraordinariamente Conferência Municipal para avaliar e propor diretrizes para o aperfeiçoamento do sistema; entre outras competências (BARBACENA, 2000, p. 1). 6 A Lei anterior, n° 3.187, não estabeleceu as competências de CMAS de Barbacena. 20 Contudo, o artigo 4.° dessa Lei (n° 3.595) definiu que os membros efetivos e suplentes do CMAS, tanto na representação da sociedade civil quanto do governo, seriam nomeados pelo prefeito mediante indicação das respectivas instituições, sendo de sua livre escolha os representantes do governo. O consentimento, por parte da sociedade civil, sobre a forma de contistuição do Conselho por meio de indicação dos representantes pelas entidades, traz questionamentos sobre o real entendimento dos representantes da sociedade civil da época, de suas responsabilidades. E o que significa uma indicação como essa num espaço conflituoso de formulação e deliberação da política pública de assistência social na esfera do CMAS? Questionamos, ainda, se o Conselho de Assistência, ao permitir sua constituição por via da indicação, não estaria abrindo precedentes para que o governo criasse manobras para aceitar apenas pessoas com afinidades políticas e ligadas ao governo. Somente em 21 de outubro de 2003, por meio da Lei no 3.775 (BARBACENA, 2003) (ANEXO C), o CMAS conseguiu alterar o artigo 4.° da Lei n° 3.595 (BARBACENA, 2000), garantindo em lei que os membros da sociedade civil fossem nomeados somente após processo eleitoral realizado em fóruns próprios de cada segmento. Essa modificação na lei mudou o critério de escolha dos conselheiros, possibilitando de fato o exercício da democracia. A lei municipal vigente (n° 3.775) trouxe mudanças significativas para o CMAS de Barbacena, possibilitando o respaldo legal das atribuições dos conselheiros. Modificou, ainda, em seu art. 3.°, o critério de escolha dos representantes de entidades, aumentando o número de membros do Conselho e estabecendo a participação do usuário. Mediante a nova definição de representatividade, a composição do Conselho ficou estabelecida em cinco representantes do governo municipal (das Secretarias do Bem-Estar Social, Comunicação, Educação, Saúde, Finanças e Planejamento) e cinco representantes da sociedade civil (entidades de atendimento à criança e ao adolescente, atendimento ao idoso, atendimento à pessoa portadora de deficiência, aos usuários e aos trabalhadores da área). Apesar de a atual legislação municipal ter avançado em relação à lei anterior, o princípio da paridade numérica na representação da sociedade civil em relação ao usuário não foi observado, pois as entidades representantivas permaneceram 21 em maior número. Além disso, a definição de quais entidades terão acento no CMAS traz limitações para o processo participativo de novos sujeitos sociais. É importante também destacar que, embora as leis municipais tenham assegurado o processo eleitoral (escolha) da presidência do CMAS, o cargo de presidente foi historicamente exercido pelo Secretário de Desenvolvimento e Ação Social. Contudo, na atual gestão municipal, após 14 anos de atuação no Conselho, um membro da sociedade civil foi eleito presidente, o que pode ser entendido como um avanço no processo de participação da sociedade civil na prática do controle social. Entretanto, historicamente, há no Conselho de Assistência Social uma “herança cartorial”, conforme definição de Raicheles (1998), considerando-se a dimensão executiva desse Conselho no que se refere às ações de conceder registro e expedição de certificados de filantropia. A representação da sociedade civil pelo segmento das entidades assistenciais de atendimento, conforme dito anteriormente, foi hegemonicamente conduzida por instituições confessionais e também laicais, com trajetória de dependência em relação ao financiamento das suas ações pelo Estado. Esse quadro tem se alterado em razão da entrada de novos atores sociais coletivos mais críticos, que têm provocado certa mobilidade nessa representação. Essa “herança cartorial” mobiliza as entidades assistenciais a preservarem o instituído, afastando, assim, as possibilidades de exercerem o instituinte, como, por exemplo, trazer para o debate político e para a cena pública a questão da importância da representação dos usuários, não mais como sub-representados no espaço de decisão dos Conselhos de Assistência. Isso porque, conforme afirma Raichelis (1998), “a negação da titularidade do direito às camadas pobres exerce, assim, o papel de sequestro da palavra àqueles que não têm lugar social reconhecido, porque estão impedidos de se autorrepresentarem na esfera pública” (RAICHELIS, 1998, p. 94). Cabe, ainda, demarcar que a PNAS ressalta a necessidade de se produzir uma metodologia que “se constitua ao mesmo tempo em resgate da participação dos indivíduos dispersos e desorganizados e habilitação para que a política de assistência social seja assumida na perspectiva de direitos publicizados e controlados por seus usuários” (BRASIL, 2004a, p. 46). A participação é uma conquista estabelecida por ações que supõem envolvimento, compromisso e presença significativa. Como processo a ser 22 construído no embate das ideias e interesses coletivos, necessita, sobretudo por parte da sociedade civil, de organização, planejamento e articulação. Para que essa participação aconteça, a sociedade precisa assumir sua própria condução (DEMO, 2002). No entanto, é possível perceber o reduzido envolvimento das pessoas nas instâncias participativas, como no caso do CMAS de Barbacena, em que, apesar de as reuniões serem divulgadas e o calendário das reuniões ser fixo, são sempre as mesmas pessoas que lá aparecem. Outra dificudade diz respeito ao engajamento de alguns conselheiros indicados pelo governo municipal. Muitos não têm afinidade com as questões que envolvem a área da política pública de assistência social, outros estão ocupados com problemas relativos às suas áreas de atuação. Outro ponto importante a ser analisado é o financiamento. Para que possam realizar seus trabalhos, as instituições de assistência social contam com o repasse das subvenções do governo municipal, mas os critérios que regulamentam os convênios são definidos pelos conselheiros. E estes, em sua maioria, são representantes das entidades que pleiteiam o recurso. Ou seja, a representação dos usuários, que deveria ser a principal interessada, fica fragilizada e muitas vezes impossibilitada de exercer o controle sobre a demanda do recurso. A Secretaria de Desenvolvimento e Ação Social de Barbacena coloca à disposição dos conselheiros um espaço para as reuniões e três funcionárias, com o objetivo de oferecer suporte administrativo. Entretanto, percebe-se que a estruturação do Conselho é feita pelas funcionárias. Cabe a elas a mobilização dos membros conselheiros, fazer ligações para marcar reuniões, redigir as atas, elaborar os editais, preparar os processos eleitorais e realizar fóruns e conferências – ações que contrariam o regimento do CMAS, que estabecece tais atribuições ao secretário do Conselho. A construção dos marcos regulatórios municipais ao longo da existência do CMAS de Barbacena e as disposições legais que estabecem o lugar do usúario na composição do Conselho fornecem algumas pistas (ausência da representação, não paridade da representação, entre outras) referentes ao entendimento da participação social desses usuários nos destinos da política de assistência social, da qual serão os destinatários. 23 Por fim, questiona-se: a sociedade civil representada no espaço do CMAS de Barbacena tem buscado alternativas concretas, no âmbito da política pública de assistência social, para a criação de mecanismos que possam garantir aos usuários participação efetiva no Conselho, como sujeitos não mais subrepresentados? Como o poder público (por meio da execução da Política de Assistência Social nas suas respectivas esferas) tem incluído os próprios usuários nas discussões da política pública, estimulando o empoderamento desse segmento? E mais, como o CMAS de Barbacena tem promovido a articulação e mobilização das forças sociais e políticas a fim de dinamizar a organização desses segmentos não atingidos pelos canais de representação política? Neste sentido, o que move a questão central é: compreender a partir da diretriz da participação social, definida nos marcos normativos e regulatórios da CF-88, LOAS e PNAS. Como a representação dos usuários no CMAS de Barbacena tem sido orientada? A hipótese que guia o processo de investigação é o entendimento ainda presente no espaço público, tanto por parte da sociedade civil quanto do governo, da falta de capacidade política por parte dos usuários que são destinatários da política de assistência social. Com isso, retarda-se a possibilidade de sua autorrepresentação nos espaços destinados à construção de políticas públicas, com a qual serão beneficiados. Neste sentido, o objetivo geral desta pesquisa é analisar como tem acontecido a participação dos usuários da assistência social em suas funções de representação da sociedade civil e se essa participação tem seguido as diretrizes da participação social prevista tanto na CF-88 quanto na LOAS e PNAS. Com vistas a alcançar esse objetivo, delineiam se os seguintes objetivos específicos: identificar os instrumentos legais que asseguram a participação social; indicar os princípios, diretrizes e organização que orientam a assistência social brasileira; listar os elementos constitutivos do conselho gestor de assistência social; definir a participação dos atores da sociedade civil e do segmento governamental no CMAS; verificar como tem acontecido a participação social dos usuários no CMAS. 24 A partir da problematização do objeto, demarca-se que o papel da sociedade civil é organizar-se de maneira competente para fazer o Estado funcionar, pois as ações de política pública avançam e o poder público assume seu papel onde a sociedade civil é mais amadurecida e as forças sociais mais atuantes. Portanto, o estímulo às alternativas instituintes que promovam com mais densidade a participação dos usuários na esfera pública de participação no CMAS, tanto quantitativa quanto qualitativamente, contribuirá paraa nova legitimidade no âmbito do controle social por parte da sociedade civil. 25 3 REFERENCIAL TÉORICO-CONCEITUAL 3.1 Sociedade civil e estado: uma abordagem conceitual O conceito de sociedade civil apresenta uma gama de significados em distintos momentos históricos no campo da teoria política. Suas concepções foram remontadas de acordo com as mais diversas posições teóricas e, dessa forma, cada definição pode ser percebida como reflexo de um dado momento, de um ambiente cultural e um espaço geográfico. Nessa ótica, faz-se necessário recuperar alguns sentidos e significados atribuídos ao termo “sociedade civil” na perspectiva de alguns teóricos que ao longo dos tempos alicerçaram a discussão da teoria política, para que se compreenda o discurso social e político contemporâneo em torno da temática. É com base na teoria do Estado Liberal e nas concepções teóricas dos jusnaturalistas que a ordem política passou a ser interpretada a partir da natureza humana, contrapondo-se à ideia de “estado de natureza”. Rompe, assim, com o modelo judaico-cristão que atribuía a organização social à vontade divina. Hobbes (1588-1679) foi um dos primeiros a defender a ideia de que os valores humanos são determinados pelos resultados da busca pela obtenção de interesses particulares. Para o autor, é por meio da capacidade de gerar riquezas, influenciar e comandar os outros que homem adquire o poder. Nesse sentido, a luta para alcançar o poder alimenta um espírito de competição, destruição e desconfiança que acende um sentimento de insegurança que aproxima o homem de seu “estado de natureza”. Essa condição gera insegurança, mas também dá origem a um processo de abertura para uma civilidade contratual, baseado em regras de convívio social e subordinação política na forma de lei, em uma sociedade civil. Entretanto, “Hobbes não se preocupou em criar princípios ou instituições para delimitar a ação estatal” (DURIGUETO, 2007, p. 35). As contribuições da teoria da sociedade civil de Hobbes influenciaram outros teóricos, que foram marcados pela centralidade de sua matriz teórica no que se refere à preocupação da necessidade de se pensar um conjunto de 26 garantias que possibilitassem a regulamentação de um consenso em torno da esfera privada. A conservação dos “direitos naturais” e o receio dos conflitos e guerras levaram o liberal Locke (1632-1704) a manifestar sua preocupação em relação a um sistema de proteção para manutenção da paz e da liberdade e a institucionalização de governos. Sua principal preocupação era com o direito à propriedade privada, razão pela qual ele desenvolveu sua teoria de governo alicerçado na ideia da passagem do “estado de natureza” para a sociedade civil, tendo como pressuposto que essa passagem asseguraria a propriedade por meio de uma instituição que teria como finalidade conservar a esfera privada, chamada de Estado (DURIGUETTO, 2007). As formulações de Locke constituíram as diretrizes fundamentais do Estado Liberal, instaurando o princípio da existência do Estado como instância de proteção aos direitos e liberdades dos cidadãos. Para Locke, a essência da democracia se constitui na garantia e no respeito dos direitos individuais. Suas reflexões “consistiram na afirmação, em termos universais, de direitos e deveres que tinham um conteúdo de classe e que, portanto, eram desiguais” (MACPHERSON, 1979 apud DURIGUETO 2007, p. 37). Pinheiro (2011) destaca que Locke apresentava um relacionamento mais aprofundado da sua teoria com a propriedade privada, devido a influências que começavam a modificar e a transformar a sociedade a partir do capitalismo agrário. Essas mudanças influenciaram as décadas posteriores devido à associação do conceito de sociedade civil ao de sociedade capitalista e foram acompanhadas pela manifestação da economia política. Locke e Hobbes apresentaram os indivíduos como naturalmente egoístas e preocupados com seus interesses privados. A sociedade civil seria fundamentada na preservação desses interesses e regulamentada por normas capazes de estabelecer as garantias necessárias para assegurar as liberdades, a segurança e a manutenção dos interesses. Em contraposição a essas ideias, Rousseau (1712-1778) estabelece em sua concepção teórica a ideia de soberania popular, tendo com princípio central o interesse comum, chamado por ele de “vontade geral”. 27 A expressão “vontade geral” é entendida como o que traduz o que há de comum nas vontades individuais, ou seja, o substrato coletivo das consciências, e não a simples concordância (numérica ou da maioria). O que dá suporte à vontade geral é, pois, o interesse comum, e é com a base nesse interesse comum que a sociedade deve ser governada (DURIGUETO 2006, p. 40). Rousseau faz a crítica ao desenvolvimento da sociedade dinamizado pelo motor da sociedade mercantil e adverte sobre as consequências de se ligar ou relacionar a propriedade privada à sociedade civil. Para ele, a proteção da propriedade privada, apresentada tanto nas formulações de Hobbes quanto de Locke, privilegia apenas determinada parte da sociedade, detentora desses patrimônios. Isso faz do contrato um instrumento para o exercício da dominação pelos contemplados. Além disso, a produção de riquezas gera desigualdades, inseguranças e estimula a competição (ROUSSEAU, 1973). É a partir da critica dos modelos de contrato de Hobbes e Locke e ancorado na expectativa do estabelecimento de uma ordem social igualitária que Rousseau propõe a formulação de um novo pacto, chamado por ele de o “contrato social” (ROUSSEAU, 1973). A concepção teórica apresentada por Rousseau no contrato social integrava dois pilares: a distribuição equânime de riquezas, incorporada ao acesso do direito à propriedade; e a busca pelo interesse comum nas ações desenvolvidas pelo Estado, ou seja, a dimensão pessoal precisaria ser presidida pela dimensão coletiva. Dessa forma, o arranjo institucional proposto por Rousseau implica uma interligação dos indivíduos por meio de processos participativos de tomada de decisões coletivas em que os próprios indivíduos possam criar as regras que regulam as suas convivências. A partir do século XVIII, a ideia de sociedade civil foi relacionada pelos iluministas Adam Smith (1723-1790) e Adam Ferguson (1723-1816), com a concepção de divisão do trabalho e expansão das propriedades privadas, características das relações capitalistas modernas. Esses iluministas identificaram a sociedade civil com a sociedade de mercado capitalista. Eles enxergaram na extensão do comércio, no acúmulo de riquezas e na propriedade privada as condições necessárias ao desenvolvimento da sociedade, atributo fundamental para a prosperidade da sociedade civil (PINHEIRO, 2011). 28 Outro pensador clássico importante que contribuiu para a reflexão sóciohistórica do conceito de sociedade civil foi Hegel (1770-1831), ao incorporar às suas formulações teóricas as dimensões do pensamento iluminista referentes às atividades econômicas. Esse pensador busca interligar as condições defendidas pelos iluministas para a prosperidade social à concepção de Rousseau sobre a construção da vontade geral. Assim, as necessidades particulares e individuais precisam se articular com a ideia da prioridade pública. No entanto, os interesses particulares careciam, segundo Hegel, de uma instância mediadora para regulamentar as relações das vontades individuais. É a partir desse hiato que Hegel desenvolve sua noção de Estado (MOREIRA NETO, 2010). A inovação teórica do pensamento de Hegel dá-se no reconhecimento da importância dos grupos organizados, associações e corporações na formação do conceito de sociedade civil, identificando a sociedade civil como espaço de interação social. De acordo com Moreira Neto (2010), a sociedade civil, para Hegel, constitui-se em instância mediadora das relações entre a família e o Estado e assume papel ético na constituição de uma nova sociedade, em que as individualidades necessitariam ser precedidas por uma consciência reflexiva sobre a importância da comunidade na construção de uma sociedade moderna (MOREIRA NETO, 2010). Marx (1818-1883) desenvolveu suas concepções de Estado e sociedade civil na contramão das formulações de Hegel. Para ele, a sociedade civil consiste em “massas separadas”, definidas pelas relações produtivas e pela divisão social do trabalho, marcadas pela separação de classes díspares, sendo a sociedade civil a esfera que define a produção e reprodução da vida material. Dessa forma, observa Marx, é na sociedade civil que os indivíduos, ou burgueses, se desenvolvem, por meio da produção e pelo intercâmbio de bens (PINHEIRO, 2011). De acordo com Marx, o Estado não representa a superação da dicotomia das classes, mas se configura de maneira reflexiva, preservando as relações de divisão assim como são. Nesse contexto, o Estado e a ordem política são instâncias subordinadas às relações econômicas (PINHEIRO, 2011). Continuando, Pinheiro (2011) afirma que, segundo Marx, o Estado era o produto das relações capitalista gestado a partir da sociedade civil, e não uma 29 esfera independente, conforme Hegel propôs. O que Marx apresenta é a inversão do sistema preconizado por Hegel, de forma que o Estado crie condições para eliminar as divisões de classes e o individualismo. Os ideais de igualdade política - sufrágio universal e cidadania - não representam para Marx um potencial instrumento na mudança do modelo político. Para ele, somente a supressão da esfera capitalista e a erradicação do sistema de classes, sustentáculos das bases materiais da sociedade civil, assim como a eliminação da dicotomia entre as esferas do público e do privado, poderiam se constituir em verdadeira reformulação do sistema social. Entretanto, as desigualdades produzidas pelo modelo capitalista enfraquecem e restringem as ações dos cidadãos, motivo pelo qual Marx acredita necessária a tomada do poder pelas classes subalternas, por via da luta. A revolução do proletariado e a consequente tomada do poder pelos dominados seria um primeiro passo para a realização da democracia; o segundo passo seria a extinção do poder estatal, o que propiciaria a eliminação do núcleo de poder da ordem burguesa (MARX; ENGELS, 1998). Durigueto (2006) salienta que foram as mudanças ocorridas nas esferas da economia e da teoria política, a partir da metade do século XIX, que modificaram as estruturas de representação e organização da sociedade civil, possibilitando aos indivíduos a articulação política e a busca pela expansão dos direitos sociais. Embora sob a influência do sistema capitalista, as classes subalternas, estruturadas em associações, sindicatos e partidos operários, de alguma forma passaram a influenciar e a incorporar suas demandas na agenda Estatal. É a partir dessas percepções de protagonismo político, da crescente ampliação da participação dos indivíduos na vida pública, desde que inauguraram a interferência nas relações de poder, que Gramsci formata seu conceito de sociedade civil. Gramsci (1891-1937) não nega as reflexões de Marx em relação à sociedade civil e ao Estado. Mas enriquece seus conceitos com novas determinações, estabelecendo algumas diferenças. Enquanto Marx identifica a sociedade civil a partir das estruturas econômicas, Gramsci a concebe como uma superestrutura, alterando a centralidade conceitual proposta por Marx. A sociedade civil, em Gramsci, se apresenta como uma esfera mediadora entre a infraestrutura econômica e o Estado, sendo a sociedade civil a figura portadora 30 material da hegemonia7. A teoria ampliada do Estado gramsciana apoia-se nessa descoberta, distinguindo as duas esferas principais do Estado: a sociedade política ou “Estado-coerção”, composta pelos mecanismos utilizados pelas classes dominantes para garantir o monopólio legal da violência e repressão da sociedade civil. E também constituída por organizações, igrejas, sindicatos, partidos políticos, meios de comunicação de massa, responsáveis pela difusão e elaboração de ideologias (COUTINHO, 1999). Cabe ressaltar que, para Gramsci, o Estado é o resultado da soma entre as duas esferas: sociedade política e sociedade civil. A sociedade civil é o locus onde os indivíduos buscam se articular para consolidar posições e exercer hegemonia por meio de consensos. E a sociedade política é um aparelho de coerção e dominação, responsável por assegurar a disciplina dos diferentes grupos (DURIGUETO, 2007). Em Gramsci, adverte Durigueto (2007, p. 58), o momento unificador dessas duas esferas “se manifesta na maneira como o grupo social exerce sua ‘supremacia’, que se manifesta como dominação e como direção intelectual e moral”. O Estado é analisado como um conjunto de aparelhos coercivos, instrumento utilizado pelas classes dominantes para exercer supremacia. Durigueto (2007) completa, então, que o Estado é um conjunto de elementos de que as classes dominantes se apropriam não somente para justificar, mas efetivar e unificar seu domínio. Nesses termos, observa Coutinho (1999), enquanto a sociedade política tem seus portadores materiais nos aparelhos coercivos do Estado, a sociedade civil dispõe de organismos sociais coletivos voluntários e, de certa forma, autônomos. Isso, para Gramsci, representa um fato novo na esfera ideológica das sociedades capitalistas avançadas, porque à medida que a sociedade civil adquire mais autonomia material e não somente funcional em relação ao Estado, ela necessita conquistar e ampliar consensos. Com isso, renova as instituições sociais, que passam a funcionar com estruturas e legalidades próprias. Para Gramsci, é o resultado da autonomia relativa conquistada pela figura social da 7 “A palavra ‘hegemonia’ vem do verbo grego, que significa dirigir, guiar, conduzir. Gramsci toma esse termo não só no sentido tradicional que salienta principalmente a dominação, mas no sentido originário da etimologia grega (‘direção’, ‘guia’). Gramsci toma esse termo de Lênin, que o usou em 1905 justamente para indicar a função dirigente de classe operária na revolução democráticoburguesa” (GRUPPI, 1980, p. 78). 31 hegemonia que “funda ontologicamente a sociedade civil como uma esfera própria dotada de legalidade própria e que funciona como mediação necessária entre a estrutura econômica e o Estado-coerção” (COUTINHO, 1999, p. 129). Cohen enfatiza a importante contribuição de Gramsci para a concepção de “sociedade civil”: [...] conceber a sociedade civil ao mesmo tempo como campo simbólico e como conjunto de instituições e práticas que são o locus da formação de valores, normas de ação, significados e identidades coletivas. Dessa forma, a dimensão cultural da sociedade civil não é dada ou natural; ela é antes um lugar de contestação social: suas associações e redes constituem um campo de luta e uma arena onde se forjam alianças, identidades coletivas e valores éticos (COHEN, 2003, p. 425). A ideia gramsciana de sociedade civil retrata uma nova situação unificadora capaz de incorporar as múltiplas individualidades e suas particularidades na busca por consensos que por hora se articulavam com o Estado. A busca por consensos é, para Gramsci, o caminho encontrado pelas classes subalternas para reivindicar suas demandas e aspirações, direcionando suas ações na busca da concretude de programas políticos que tenham perspectivas universais no que se refere ao direito. Isso significa saber que o consenso nasce pela via da participação social dos indivíduos, no envolvimento ativo e na capacidade de articulação (DURIGUETTO, 2007). Nesse sentido, a sociedade civil, para Gramsci, funciona como espaço onde os projetos são confrontados e negociados, locus privilegiado de ação das diversas classes e diferentes interesses, onde concorrem as hegemonias. A sociedade civil expressa a luta, os conflitos e as contradições. E o Estado é a instituição responsável por criar as condições para que as diversas classes que compõem a sociedade civil se desenvolvam. É a partir do entendimento que Gramsci tem da função do Estado, que ele propõe a “guerra de posição”, ou seja, a criação de espaços e movimentos populares fortes e organizados, capazes de promover a passagem de grupo dirigido a grupo dirigente (COHEN, 2003). 32 3.1.1 Sociedade civil e os espaços de construção democrática A necessidade da configuração de mecanismos que levem o Estado a reconhecer os diferentes interesses da sociedade na construção de um processo participativo, possibilitando a sua influência nas decisões públicas, vem sendo construída pela sociedade civil ao longo dos tempos. Os primeiros sinais emergentes do aparecimento de um espaço de exposição livre das ideias e de negociação do modelo de exercício da autoridade política foram percebidos, de acordo com Avritzer e Costa (2004), durante o desenvolvimento do capitalismo mercantil na Europa no século XVII. O surgimento desse espaço, configurado entre a esfera privada e o Estado, possibilitou à sociedade civil a reflexão sobre a importância da separação da discussão sobre o interesse privado - vinculado à necessidade material - da discussão sobre o interesse público. Para Avritzer e Costa (2004), a relação que conferiu a dimensão pública a esses espaços emergentes foi estabelecida pela burguesia, quando a mesma reivindicou a prestação de contas à autoridade estatal, impondo, assim, uma mudança nas relações de poder. O resultado dessa reivindicação influencia a sociedade a defender, progressivamente junto ao Estado, o direito de ter conhecimento sobre suas ações. Para melhor compreensão dos significados atribuídos ao conceito de esfera pública na contemporaneidade, recorre-se à sua gênese na Grécia antiga, estabelecendo, a partir das concepções teóricas de Hannah Arendt (2007), as diferenças conceituais da esfera privada. A esfera privada, de acordo com Arendt (2007), é o espaço da constituição da família, da casa (oikos), das relações de parentescos (phratria), regida pelo poder despótico de seu chefe, não cabendo no seu interior qualquer tipo de discussão ou negociação. Nessa esfera, os homens e as mulheres viviam subordinados e dependentes da segurança provida por seus chefes. O reino privado se constituía em uma arena repleta de desigualdades, começando pelas relações de gênero em que a mulher era considerada propriedade, perpassando pela condição de escravo imposta aos funcionários. O sentido atribuído à esfera pública, segundo Arendt (2007), é alicerçado no uso da palavra, da retórica e persuasão, por meio da arte política. Esfera pública significa esfera do comum (koinon), exercício da ação (práxis) e do 33 discurso (lexis) pelos cidadãos. Dessa forma, segundo Aristóteles, o homem é considerado público quando participa dos assuntos referentes à polis; onde todos são considerados iguais, podendo apresentar suas reflexões e propostas, não havendo comandado e comandante. Assim, o poder da palavra substitui o poder da violência. Entretanto, cabe destacar que só participam desses espaços os homens capazes de vencer as necessidades impostas pela vida privada. Participar da esfera pública era ascender à vida política. Essa participação requer espírito de luta, capacidade persuasiva e coragem (ANTUNES, 2011). Antunes (2011) adverte que, para Arendt, o termo “público” possui duas dimensões distintas, embora correlacionadas: a primeira se refere à questão do acesso; publico é o espaço que está ao alcance de todos. A segunda dimensão está centrada na ideia de comum, no sentido de partilha, de interesse comum. Sobre o conceito de esfera pública, Costa (1999) sugere quatro concepções teóricas desenvolvidas por distintos autores, denominadas de modelo da sociedade de massa, modelo pluralista, modelo republicano e modelo discursivo. O modelo da sociedade de massa apresenta o conceito de espaço público baseado nas formulações de Adorno8. Seus princípios são referenciados na indústria cultural e nos mecanismos utilizados pelos meios de comunicação de massa, ou seja, a esfera pública, segundo esses preceitos, representa o espaço controlado pela mídia, esboçando, assim, um tipo de consumidor passivo (COSTA, 1999). No modelo pluralista, a esfera pública aparece como um espaço de interação de diversos atores sociais. Configura-se como uma arena de disputa de poder em que os diferentes grupos organizados da sociedade civil buscam exercer influência para garantir a implementação das ações que visam atender aos interesses privados dos grupos dominantes. Nesse modelo, os indivíduos reunidos em grupo, em tese, possuem possibilidades semelhantes de argumentação e capacidade de influenciar o aparato administrativo na construção de uma agenda pública (COSTA, 1999). 8 Theodor Ludwig Wiesengrund-Adorno (1903/ 1969), filósofo, sociólogo. É um dos expoentes da chamada Escola de Frankfurt, juntamente com Max Horkheimer, Walter Benjamin, Herbert Marcuse, Jürgen Habermas e outros. 34 No modelo republicano, o espaço público é entendido como uma esfera de auto-organização da sociedade, arena política de interação de iguais. Nessa perspectiva, o espaço privilegiado para a socialização diferencia-se do espaço do modelo pluralista, porque sua centralidade não está na disputa por posições de poder. Nesse modelo, o Estado é visto como um corpo institucional e as dimensões da vida social e política são compreendidas de maneira complementar (COSTA, 1999). De acordo com Costa (1999), a esfera pública no modelo discursivo é percebida por Habermas como uma esfera que emerge tanto das visões oriundas do mundo da vida, gestadas nas relações comunicativas e ligadas à esfera econômica, quanto das visões políticas interessadas em viabilizar distintos interesses particulares. Dessa forma, faz-se necessário distinguir as ações nas esferas públicas dos diferentes autores que permeiam esse espaço. Os atores ligados à sociedade civil no modelo discursivo, de acordo com Costa (1999), trazem para o debate situações referentes às demandas das classes menos favorecidas. Buscam a inclusão na pauta de discussões dos seus problemas, enquanto os atores provenientes do mercado e os inseridos na política utilizam a esfera pública como ferramenta para alcançar mais consumidores e apoios das massas. Nesse sentido, a esfera pública é vista como mediadora de interesses que expressam as vontades e opiniões de diferentes atores sociais, dotados de competências de ordem funcional e política. Para Lord (2007), o conceito de esfera pública na produção da ciência política brasileira está relacionado, com mais intensidade, a dois dos quatro modelos apresentados por Costa (1999): o modelo discursivo, de vertente habermasiana, utilizado nos estudos de Avritzer e Costa (2004), assim como nos de Raichelis (1998), Losekan (2009), Lubenow (2010); e o modelo republicano, concebido por Arendt (1991) e adotado por Dagnino (2002) e Telles (1994). Faz-se necessário enfatizar que, apesar das abordagens dos estudos em relação às experiências de participação dos autores serem as mesmas, em termos teóricos analíticos, a concepção desenvolvida por Dagnino (2002) e Telles (1994) tratam tais experiências como espaços públicos (LORD, 2007, p. 459). Então, com base nas reflexões de Lord (2007), o entendimento do termo esfera pública se diferencia das formulações teóricas sobre espaço público. 35 Na concepção de Habermas (1997, p. 92), a esfera pública pode ser descrita como “[...] uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posições e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos”. Habermas (1997) compreende a esfera pública como um espaço de interação comunicativa, de produção de informações e de constituição de opiniões públicas. Para esse autor, a esfera pública é um espaço de exercício do debate e da tomada de posições consensuais. [...] um público é sempre um público que julga. Aquilo que é objeto de julgamento é o que ganha publicidade. Ou seja, o surgimento de uma esfera pública significaria, dessa maneira, a emergência de um espaço no qual assuntos de interesse geral seriam expostos, mas também controvertidos, debatidos, criticados, para, então, dar lugar a um julgamento, síntese ou consenso (LOSEKAN, 2009, p. 39). Neste sentido, para Habermas (1997), a esfera pública funciona como uma instância mediadora entre os fatos gerados na sociedade e as instâncias de deliberação. Ou seja, os temas produzidos na sociedade por meio de impulsos comunicativos exercem influência nos processos de formação da vontade política nos aparelhos estatais. Entretanto, a esfera pública proposta por Habermas não pode ser confundida com uma organização ou uma instituição, nem com um sistema. Necessariamente, ela não constitui um espaço físico. E assim como uma organização pode ter uma dimensão abstrata, “a esfera pública pode, eventualmente, coincidir com alguma estrutura concreta” (LOSEKAN, 2009, p. 41). Nesse entendimento, completa Raichelis (1998), a esfera pública também não pode ser confundida com a forma estatal ou privada, pois remete à adoção de novas estruturas de articulação entre “Estado e sociedade civil no interior dessas esferas, permitindo superar a perspectiva que identifica automaticamente o estatal com o público e o privado com o mercado” (RAICHELIS, 1998, p.79). Lubenow refere que a esfera pública tem como característica elementar: 36 [...] ser um espaço irrestrito de comunicação e deliberação pública, que não pode ser anteriormente estabelecido, limitado ou restringido, os elementos constitutivos não podem ser antecipados. Em princípio, está aberta para todo o âmbito social. Não existem temas ou contribuições a priori englobados ou excluídos. A esfera pública é sempre indeterminada quanto aos conteúdos da agenda política e aos indivíduos e grupos que nela podem figurar (LUBENOW, 2010, p. 238). Raichelis (1998) relata que a constituição da esfera pública é parte integrante do processo de democratização da vida social, pela via do fortalecimento do Estado e da sociedade civil, de forma a inscrever os interesses das maiorias nos processos de decisão política. A formação dessa esfera, para a autora, depende da construção, pelos sujeitos sociais, de uma interlocução pública capaz de deliberar em conjunto as questões referentes ao interesse coletivo. Já para Dagnino (2002), o espaço público é a materialização física de um espaço, locus privilegiado para a obtenção de consensos sobre as questões políticas, arena que possibilita encontros entre a sociedade civil e o poder público, propiciando, assim, negociações diretas entre a sociedade civil e o Estado, sem a necessidade de instâncias intermediárias. Essa concepção é reforçada por Telles (1994), que visualiza na constituição do espaço público a possibilidade de interlocução dos diferentes atores na construção da noção de interesse público, acreditando na consolidação do potencial mediador dessa esfera. É nesses termos que o espaço público pode se configurar, segundo Telles (1994) e Dagnino (2002), entre o público e o privado, alicerçando os princípios democráticos de representação e negociação, permitindo o estabelecimento de assimetrias de posições e, ao mesmo tempo, a formação de consensos. Dagnino (2002) observa, ainda, que uma das dimensões mais importantes encontradas nas formulações da sociedade civil em relação ao espaço público é a capacidade da negociação de diversos tipos de interesses sem perda da autonomia. Assim, os espaços públicos se apresentam de maneira pedagógica como ambiente propício para o aprendizado e o reconhecimento das diferenças, possibilitando aos seus atores a configuração do interesse público a partir da pluralidade. Cabe realçar que espaço público não corresponde a uma esfera harmoniosa, à medida que os diferentes atores que nela estabelecem relações esperam legitimar suas aspirações e demandas, negociando suas prioridades. 37 Por outro lado, os espaços de formulação, nos quais a sociedade civil participa, são também espaços de solução legítima dos conflitos, à medida que são tornados públicos. Portanto, a constituição desses espaços públicos demonstra o avanço democrático alcançado (DAGNINO, 2002, p. 300). A construção do espaço público representa a possibilidade de modificar a institucionalidade pública e aumentar o controle das ações do Estado pela sociedade civil, permitindo, assim, uma inversão do modelo de gestão do Estado. Entretanto, apesar dos avanços alcançados na formatação desses espaços, fazse necessário mais envolvimento da sociedade civil, de maneira especial por aqueles que estão à margem dos processos de decisão e deliberação realizados nessas esferas. O fortalecimento da participação da sociedade civil nos espaços públicos representa a construção da viabilidade de um projeto alternativo de gestão participativa, em que os diversos atores sociais adquirem nova identidade democrática, ao ganharem força para pressionar o Estado e o sistema político a incorporarem as novas concepções de ordem social. A articulação da sociedade civil no espaço público tem como desafio, portanto, a institucionalização de espaços e mecanismos que aumentem a participação dos sujeitos sociais, para que estes tenham oportunidade de influenciar, como protagonistas, as decisões que afetem seus destinos. 3.2 O conceito de participação e as suas concepções teóricas O termo participação começa a aparecer nas teorias sociais e no vocabulário político no final da década de 1960, a partir das contestações estudantis que buscavam mais abertura nos processos participativos da educação superior e por diversos grupos que reivindicavam a aplicação dos direitos que, na teoria, eram seus. Políticos de diversos países da Europa recorriam ao termo “participação” em suas campanhas políticas, assim como os Estados Unidos, que aderiram à expressão e a incluíram em propostas de programas de erradicação da pobreza para sensibilizar a população afetada por ela (PATEMAN, 1992). Com o tempo, o uso do termo foi se popularizando e ganhando diversos significados nas mais variadas situações (PATEMAN, 1992). 38 O termo participar vem do latim participare e de participatio, participação. Etimologicamente, participar significa tomar uma parte (do latim "partem capere"). No entanto, participação, na etimologia grega, significa ter conjuntamente ou ter com outro ("metekó"). Referenciado na etimologia grega, Teixeira (2002) atribui o mesmo sentido ao conceito de participação, independentemente das formas de revestimento. Nesse caso, a participação é entendida como “um ato ou processo de uma atividade pública, de ações coletivas” que estabelece relações de poder e se configura como uma nova maneira de perceber o Estado e agir coletivamente (TEIXEIRA, 2002, p. 27). Ammann (1978) define a participação como ação pela qual os diferentes sujeitos sociais tomam parte na gestão e buscam envolvimento de forma direta em relação ao aparelho do Estado. A esse entendimento Demo (2009) complementa que a sociedade se organiza de maneira hierárquica, com tendências históricas de dominação, o que pressupõe desigualdades traduzidas em conflitos, motivo pelo qual a participação não é concedida como uma dádiva, doada, preexistente. Assim, a participação é conquistada como o resultado do esforço coletivo das tendências históricas contrárias à dominação: [...] conquista para significar que é um processo, no sentindo legítimo do termo: infindável, em constante vir-a-ser, sempre se fazendo. [...] participação é em essência autopromoção e existe enquanto conquista processual. Não existe participação suficiente, nem acabada. Participação que se imagina completa, nisto mesmo começa a regredir (DEMO, 2009, p. 18). Nesse sentido, a participação requer enfrentamento com o poder constituído para a abertura de espaços efetivos de debates públicos em que os indivíduos possam exercer seu papel na formulação de políticas e nas deliberações de decisões que envolvam a sociedade. Fruto da conquista dos sujeitos sociais, a participação conduz à reflexão sobre seus objetivos e processos que, por vezes dialéticos, com imensas discrepâncias entre o discurso e a prática, precisam ser, nas suas diversas categorias teóricas, estudados para melhor compreensão. Teixeira (2002) adverte que refletir sobre a participação é pensar a sociedade em suas mais diversas dimensões. Implica também considerar os 39 interesses individuais e coletivos da população, suas aspirações, necessidades e demandas. Entretanto, para Pateman (1992), a questão crucial a ser considerada, após a recente identificação de grupos e movimentos com a participação, é o lugar ocupado pela “participação”, numa teoria democrática viável. Essa autora buscou resgatar em seu livro “Participação e Teoria Democrática” (1992) as contribuições de clássicos como Rousseau (1712-1778) e Stuart Mill (1806-1873) e Cole (1889-1959)9 para construir um entendimento sobre a importância da participação. Nesse sentido, para entender o conceito de participação, Pateman (1992) mergulha na leitura de Rousseau, por ser este considerado, por excelência, o teórico da participação. Sua contribuição descrita em o “Contrato Social” é fundamental para a teoria da democracia participativa. Construída a partir das individualidades participativas e dando ênfase nos processos de tomada de decisões, a teoria rousseauniana retrata os efeitos educativos e psicológicos que podem ser gerados pela participação em relação aos indivíduos. Como resultado político, espera-se que a vontade geral seja sobreposta aos interesses particulares e que os benefícios e encargos ganhem a dimensão da universalidade. Assim, os direitos seriam protegidos de modo que o interesse público fosse respeitado. No entendimento de Pateman (1992), Rousseau estabeleceu em sua teoria que a funcionabilidade de um sistema participativo dependia de dois fatores: igualdade e independência financeira. Para Rousseau, a ausência desses dois elementos conduziria à fragilidade política e a incorporação poderia levar à cooperação dos indivíduos. Os indivíduos, então, poderiam opinar e votar de acordo com seus princípios e interesses e não de maneira influenciada ou induzida. E as leis, de acordo com Rousseau, seriam resultantes de processos participativos e a situação ideal para tomada de decisões seria aquela que não se originasse da vontade de grupos organizados, pois estes poderiam impor suas vontades aos indivíduos não organizados. Essa teoria apresenta três funções de extrema relevância em relação aos sistemas participativos que Pateman (1992) descreve com propriedade: a 9 Apesar de Pateman utilizar as concepções teóricas do três pensadores (Rousseau, Mill e Cole) para construir seu entendimento sobre a participação, para o estudo proposto optou-se pelos estudos de Rousseau e Mill. 40 primeira, e central, é educativa, possibilitando o aprendizado aos indivíduos; o processo de participar para ele estimula e propicia o desenvolvimento de senso de justiça, permitindo mais discernimento para desenvolver ações responsáveis. E a participação promove a capacitação, à medida que exige de cada indivíduo qualidades para que o sistema participativo funcione, assim como fornece subsídios para o controle, o que na teoria de Rousseau está intimamente ligado à ideia de liberdade (PATEMAN, 1992): Tanto a sensação de liberdade do indivíduo, quanto sua liberdade efetiva aumentam por sua participação na tomada de decisões, porque tal participação dá a ele um grau bem real de controle sobre o curso de sua vida e sobre a estrutura do meio em que vive (PATEMAN, 1992, p. 40). A segunda função da participação diz respeito à tomada de decisões, que está intrinsecamente ligada à terceira função, a de integração. Ou seja, os indivíduos isolados pelos sistemas participativos passam a criar vínculos com outros, o que fornece a sensação de pertencimento a um grupo ou comunidade. Rousseau entende que os indivíduos aceitam conscientemente as leis advindas desse processo, porque essas experiências possuem caráter integrativo e funcionam como instrumento de transformação social (PATEMAN, 1992). Pateman (1992) defende que as ideias de Stuart Mil representam mais um reforço do que uma novidade em relação à teoria de Rousseau. Isso pode ser percebido quando Mill discorre sobre a importância das funções educativas e integradoras da educação. Mill, assim como Rousseau, enxerga na participação um importante instrumento para que os indivíduos possam compreender os princípios do bem comum. Segundo ele, sem a dimensão educativa da participação, o homem se ocupa em concretizar apenas seus objetivos particulares, esquecendo-se de uma ação pública responsável. A teoria de Stuart Mill destaca, além da função educativa da participação, o entendimento de que o locus dessa participação deve acontecer no nível local. O autor argumenta que não adianta o indivíduo se envolver com as questões nacionais, porque é na relação cotidiana e na vivência dos problemas que os afetam diretamente que se aprende a exercitar a participação. Assim como ler, nadar e escrever, a participação precisa ser experimentada, ganhando o indivíduo em qualidade, podendo exercitá-la em escala maior (PATEMAN, 1992). 41 O resgate das concepções clássicas da participação realizada por Pateman (1992) contribui com a compreensão de diversos autores contemporâneos, que, de acordo com períodos históricos e suas conjunturas associaram a participação a termos como cidadania, representação, organização e democracia. No entendimento de Gohn (2007), as concepções consideradas “clássicas”, tais como liberal, autoritária, democrática e revolucionária, deram origem a algumas interpretações e significados sobre a participação. Na concepção liberal, segundo Gohn (2007), a participação objetiva fortalece a sociedade ao ampliar suas redes de informação para que ela possa imprimir opiniões sobre as ações do Estado, sem que ela busque relações de controle e interferências. Baseada em marcos estruturantes do capitalismo, com princípios de igualdade, a participação funciona como forma de satisfação de necessidades. Já a concepção autoritária pressupõe a inversão de valores da participação, passando o Estado a controlar a sociedade, com vistas a diluir as pressões populares. Com esse fim, o Estado estimula a contribuição das pessoas por meio da elaboração de projetos e programas, buscando cooptá-las. Os princípios reguladores da concepção democrática são a delegação da representatividade e a soberania popular. Nessa concepção, a participação pode ser desenvolvida na sociedade civil, tanto nos movimentos sociais e organizações autônomas da sociedade, quanto em instituições formais políticas. “As forças dos poderes econômicos e políticos não são alheias à concepção democrática, elas servem para aliciar na formação de redes assistencialistas” (GOHN, 2007, p. 17). Na concepção revolucionária, segundo Gohn (2007), a participação é estruturada em coletivos organizados, com o objetivo de mudar as relações de poder e as maneiras diversas de dominação, buscando, assim, canais legais de intervenção para se desenvolverem ou se estabelecerem arenas paralelas. As organizações que aderem a esse modelo buscam substituir a democracia representativa pelo controle do poder pela população. As concepções dos mecanismos de participação perpassam também pelas teorias democráticas contemporâneas, que segundo Pereira (2001) são agrupadas em duas vertentes teóricas: as relacionadas com o voto, denominadas agregativas, e as deliberativas. As centradas no voto são formatadas a partir de 42 um modelo que as opções já estão determinadas, enquanto as deliberativas favorecem o entendimento por meio de diálogos. De acordo com Pereira (2007) o modelo liberal representativo fundamentado no sistema eleitoral e pertencente à categoria agregativa foi considerado hegemônico no século XX. Esse modelo, caracterizado pela limitação da participação política por meio do voto, restringiu a participação, permitindo às elites a “manutenção” do regime democrático em detrimento da participação coletiva. Nessa concepção liberal representativa, Pereira (2007) acredita que o Estado é ordenador das práticas coletivas e tem a função de garantir o bem comum. Por sue vez, a sociedade é detentora de interesses particulares que estão submetidos a uma lógica de mercado, sendo a política a maneira de equilibrar as relações estatais com os interesses privados. No entanto, a ideia de mercado, ancorada na disputa, prevalece sobre as questões voltadas para o bem comum. Já a obtenção do poder, por meio das eleições, é a garantia da manutenção no poder político dos grupos organizados. Nesse modelo, os cidadãos comuns não se sentem representados. Estes são postos à margem da discussão de suas demandas, o que gera como consequências: a perda de legitimidade do sistema político, a insatisfação dos excluídos, a falta de transparência e a ineficiência governamental (PEREIRA, 2001). O modelo participativo é o contraponto da vertente teórica do modelo liberal, baseado na criação de novos espaços de participação da sociedade nas decisões governamentais e na busca de instrumentos de prestação de contas. Essa vertente integra a manutenção dos mecanismos de representação política com a participação direta. Segundo Pereira (2001), a teoria participativa contemporânea foi desenvolvida nas décadas de 1970 e 1980, por três teóricos da democracia: Pateman, Macpherson e Barber. As contribuições de Patemam (1970 apud PEREIRA, 2001) foram: a percepção da participação política como instrumento de aprendizado, já mencionada previamente, e a discussão da abertura de novos espaços participativos, incluindo a liberdade associativista. Já Macpherson (1978 apud PEREIRA, 2001) apresenta um sistema que interligava a democracia participativa representativa da participação direta da população nas decisões políticas. Esse 43 autor propõe mudanças significativas em relação à apatia política dos indivíduos, tornando os indivíduos protagonistas em vez de coadjuvantes. Macpherson (1978) confere, ainda, a influência relevante às desigualdades sociais na obstrução de um projeto democrático participativo, argumentando que a estrutura de classes desestimula a participação dos que se encontram nos estratos inferiores da sociedade. Barber (1984 apud PEREIRA, 2001) ofereceu para o debate a ideia do “nós” em contraposição ao “eu” e ao “outro”, por meio de um processo que busca ações coletivas comuns em relação às decisões por meio da participação pública, que ele chamou de deliberação. Dessa forma, para que o processo deliberativo pudesse acontecer, Barber propõe a criação de mecanismos de congregação de pessoas denominadas assembleias locais, salientando que essa instância participativa não anula a instituição representativa. Segundo Pereira (2001), as reflexões de Barber (1984) fortalecem o caráter fundamental do modelo participativo, o bem comum, reforçando o princípio da participação direta. No final da década de 1980, as teorias democráticas participativas centradas no voto perderam força, cedendo lugar a uma proposta baseada no diálogo, em discussões que expressavam uma identidade mais coletiva, menos voltada para os particularismos. Não que as divergências não fossem encontradas, mas a partir do debate elas podiam encontrar pontos de convergências. Essa tendência, que tinha como elemento central o processo gerador das decisões coletivas, foi chamada de modelo deliberativo. A teoria deliberativa democrática foi entendida por Chambers (2003 apud PEREIRA, 2001, p. 438) como uma teoria normativa para o fortalecimento da democracia. Uma teoria normativa que propõe caminhos nos quais possamos fortalecer a democracia e criticar as instituições que não façam justiça aos padrões normativos. Baseia-se em uma mudança das concepções liberais individualistas ou econômicas da democracia em direção a uma visão baseada em conceitos de prestação de contas e discussão. A prestação de contas substitui o consenso como conceito central da legitimidade. Uma ordem política legítima é aquela que poderia ser justificada perante aqueles que vivem sob suas leis. Portanto, prestação de contas é primeiramente comprometida em termos de dar satisfação de alguma coisa; ou seja, políticas públicas articuladas publicamente, explicadas e, mais importante, justificadas. 44 O elemento central do modelo deliberativo é a publicidade das ações e atos públicos, cabendo aos cidadãos, partícipes dos processos de deliberação, a partilha das informações referentes aos temas que vão ser deliberados, de modo que o entendimento seja facultado a todos. Nesse modelo, a representação política eleita pelo sufrágio universal também tem a obrigação de prestar contas aos cidadãos que vão ser submetidos às deliberações. A principal contribuição do modelo deliberativo é o resgate da construção de um espaço de interação dos diversos segmentos da sociedade no qual os diferentes interesses possam ser discutidos e submetidos a uma lógica de convergência que leve as ações na direção do interesse comum. Essa arena de participação política aproxima a sociedade e o Estado, estabelecendo, assim, um espaço público no qual a sociedade pode interferir e participar. 3.2.1 Sentidos e características da participação Para Pateman (1992), assim como o é para Rousseau, o caráter educativo deve ser o principal sentido da participação. Os processos participativos, para essa autora, podem aumentar o valor da liberdade, facilitando ao homem ser protagonista do seu próprio destino. Tal pensamento é reforçado por Demo (2009), que acredita que a maior virtude da educação está em ser instrumento de participação política. Nesse sentido, a participação vislumbra que os homens sejam capazes de conhecer os processos históricos e, mesmo não podendo mudar seu curso, tentem transformar o “agora”. O mudar o curso é um movimento de liberdade. [...] a liberdade é consciência da necessidade, segundo a expressão célebre. Isso significa que a liberdade e a necessidade não são opostas senão quando a necessidade é concebida como a pura exterioridade e a liberdade como pura interioridade. Ao contrário, a articulação entre ambas pode ser concebida a partir do momento em que compreende que a necessidade histórica é produzida pela prática dos próprios homens em condições que não escolheram (donde a ilusão voluntarista de que a liberdade seria a escolha de condições não determinadas) (CHAUI, 1982, p. 304). Para Pinto (2005), a consciência crítica é fator determinante no envolvimento dos cidadãos em questões relevantes à sociedade. A vontade de 45 participar, de “fazer parte”, está relacionada às situações de discriminação, negação, necessidade ou fruto do reconhecimento da importância de se alcançarem objetivos comuns. A conscientização da realidade vivenciada é mola mestra na engrenagem da participação (PINTO, 2005). Os indivíduos precisam compreender os elementos característicos de cada etapa no contínuo processo de mudanças da democracia para entender os desafios necessários para modificá-los. Gohn (2007) acredita que, para participar, a consciência necessita ser precedida pela autoestima. Os indivíduos necessitam de transformações, “mudar a sua própria imagem e as representações sobre suas próprias vidas” (GOHN 2007, p. 58). O sentimento de ser valorizado por alguém, de ser útil, de perceber as próprias contribuições, associado às relações de interação social com os pares, é fundamental para a participação. Entretanto, é importante destacar que a dimensão social, na qual se estabelecem os laços sociais na participação, é construída por afinidades de identidade, que não necessariamente passam pelo local (território). “A participação social não representa um sujeito social específico, mas se constrói como modelo de relação geral/ideal, na relação com a sociedade/Estado (GOHN, 2007, p. 58). Chauí (1982) pressupõe que a prática da autonomia diminui as desigualdades sociais e as distâncias entre o saber, o poder e o direito, permitindo que cada uma dessas três dimensões atue uma sobre a outra para, então, modificá-las. A autonomia é entendida como prerrogativa do sujeito. [...] capacidade interna para dar-se a si mesmo sua própria lei ou regra e, nessa posição da lei-regra, pôr-se a si mesmo como sujeito. A autonomia é a posição de sujeitos (sociais, éticos, políticos) pela ação efetuada pelos próprios sujeitos enquanto criadores das leis-regras da existência social e política (CHAUI, 1982, p. 304). Nessa perspectiva, a participação se apresenta como alternativa à mudança de paradigma, possibilitando aos sujeitos sociais deixar a condição de população-objeto para se tornarem autônomos para gerirem seu próprio destino, para “terem vez e voz”. Outra importante contribuição para o entendimento da participação, a somar com as reflexões trazidas até o momento, é a de Bandeira (1999), que 46 destaca a importância da participação da sociedade civil na promoção do desenvolvimento local, com base em cinco argumentos favoráveis à participação. O primeiro argumento trata da necessidade de consulta aos destinatários diretos das políticas públicas, tendo como princípio a participação na elaboração, implementação e avaliação, para garantir a eficiência dos programas e projetos. O segundo argumento ressalta que a transparência das ações do Estado depende, em muitos casos, de uma sociedade atuante e com vitalidade. A terceira linha de argumentação vincula a participação ao aumento do capital social, ou seja, o acúmulo de informações e aprendizado gera conhecimento que, consequentemente, pode ser utilizado para mais contribuição dos indivíduos para com a sociedade. O quarto argumento aborda os mecanismos participativos como impulsionadores da competitividade sistêmica entre regiões próximas. O quinto argumento define a participação como ferramenta capaz de facilitar os processos de formação e consolidação das identidades regionais (BANDEIRA, 1999). Bandeira (1999) preleciona que essas linhas argumentativas, de maneira sobrepostas, realçam duas importantes vertentes da participação, quais sejam: a participação é condição essencial para a democracia; e o desenvolvimento resulta dos processos de aprendizado coletivo e da articulação dos diferentes atores sociais em torno de uma causa. O autor sublinha, ainda, que a participação é um importante instrumento para promover a articulação entre diversos atores sociais, pois pode fortalecer os laços comunitários, aproximar as pessoas, facilitar a busca por consensos e melhorar a qualidade das decisões. Entretanto, os mecanismos participativos não podem ser encarados como práticas infalíveis, porque alguns aspectos da participação precisam ser levados em consideração. A qualidade das decisões depende do grau de maturidade do grupo, do nível de informação, da capacidade da comunidade de identificar e solucionar problemas, dos filtros de cada indivíduo em relação aos preconceitos e aos conflitos, entre outros. Outros aspectos negativos da participação, segundo Bandeira (1999), são: a existência de interesses e objetivos não declarados por trás dos processos, atitudes e tentativas de manipulação por parte de alguns componentes do grupo e até mesmo pelos representantes do poder público. 47 3.2.2 Contextos e significados da participação no Brasil Analisar a participação social como instrumento democrático na prática da gestão pública municipal na sociedade brasileira conduz a reflexão aos processos históricos, objetivos e seus significados. Ela pode ser observada no cotidiano da sociedade civil em diferentes momentos, nas mais diversas organizações, movimentos, grupos, sindicatos e práticas políticas. O tema participação social tem sido evocado no Brasil, nos últimos anos, para acentuar a importância do envolvimento da sociedade civil no exercício da cidadania como forma de democratização da gestão pública. A atuação da sociedade por meio de canais de interlocução com o Estado, legitimada na CF-88 e garantida em leis complementares, instituiu novas formas de relação Estado-sociedade, que possibilitaram aos sujeitos sociais se constituírem em novos sujeitos protagonistas na formulação de políticas públicas e controle social democrático. Percebida em vários momentos históricos, que vão desde as lutas na Colônia contra a Metrópole, perpassando pelas lutas contra a escravidão e pelo sindicalismo anarquista, sua concepção surge no começo deste século a partir da ideia de participação comunitária, influenciada pelos norte-americanos que militavam no movimento de assistência sanitária (GOHN, 2007). O esforço coletivo dos indivíduos na tomada de decisões, na formulação de proposta e na ação propositiva aparece na década de 1980 fomentado pela atuação conjunta de movimentos eclesiais de base, associações comunitárias, sindicatos e algumas categorias de profissionais liberais. “O termo recorrente era participação popular e a categoria central era a das classes populares que remetia à de povo” (GOHN, 2007). A participação popular foi definida, naquele período como esforços organizados para aumentar o controle sobre os recursos e as instituições que controlavam a vida em sociedade. Esses esforços deveriam partir fundamentalmente da sociedade civil organizada em movimentos e associações comunitárias. O povo, os excluídos dos círculos dominantes, eram os agentes e os atores básicos da participação popular (GOHN, 2007, p. 50). Marcada por protestos e lutas de diversos setores da sociedade, a década de 1980 suscitou nas pessoas um clamor em busca da transformação de um 48 sistema político autoritário que não respondia às demandas sociais nem sanava as necessidades da população. A luta contra o regime militar tinha um objetivo comum, democratizar a nação para estabelecer a concessão de direitos de se manifestar, organizar livremente e eleger a representação da sociedade por meio de eleição direta. Já se começava a pensar, naquele momento, em canais legítimos de participação da sociedade, em que os atores sociais pudessem intervir nos seus próprios destinos. A ideia básica, presente nas políticas de participação social, era a concretude do exercício de poder por mecanismos de atuação política em que a população deixasse de ser coadjuvante. Matos, Pessanha e Barros (2009) prelecionam que o debate político dessa década concentrou-se, em linhas gerais, em duas vertentes: a primeira refere-se ao ressurgimento dos movimentos populares, que retomaram a sua atuação rompendo com os modelos clientelistas que eram estabelecidos entre agentes públicos e as classes populares, com o objetivo de atender às suas demandas, concedendo-lhes “favores” por meio de recursos públicos. A segunda diz respeito ao papel atribuído aos movimentos sociais na transformação da ordem institucional. Uma parte da sociedade identificava nos movimentos sociais uma força capaz de mobilizar a sociedade como um todo, na tentativa de ampliar o debate em torno das reformas institucionais necessárias para transformar o país em uma sociedade democratizada. Outra parte da sociedade atribuía aos movimentos sociais a esperança de uma mobilização capaz de forçar um rompimento com a ordem capitalista (MATOS; PESSANHA; BARROS, 2009). No final da década de 1980, a categoria central da participação deixou de ser “o povo” e passou a ser “a sociedade”, na perspectiva de integração de um conjunto maior de indivíduos, surgindo, assim, a concepção de participação cidadã. Ao se referir à “participação cidadã”, Teixeira (2002, p. 32) comenta que se tenta: [...] contemplar dois elementos contraditórios presentes na atual dinâmica política. Primeiro, o “fazer ou tomar parte”, no processo políticosocial, por indivíduos, grupos, organizações que expressam interesses, identidades, valores que poderiam se situar no campo do “particular”, mas atuando num espaço de heterogeneidade, diversidade, pluralidade. O segundo é o elemento “cidadania”, no sentido “cívico”, enfatizando as dimensões de universalidade, generalidade, igualdade de direitos, responsabilidades e deveres (TEIXEIRA, 2002, p. 32). 49 O autor destaca que a participação cidadã constitui uma categoria teórica mais ampla de participação, na medida em que não objetiva relação isolada com instituições nem trata de interesses específicos ou participação em grupos e associações, embora reconheça que esses elementos estejam presentes no processo. A participação cidadã utiliza os canais institucionais, mas também recorre a outros mecanismos, legitimados pelo processo social para articular as demandas específicas dos segmentos sociais e levá-las ao debate público (TEIXEIRA, 2002). O conceito de participação cidadã, para Gohn (2007), passa pela compreensão do novo papel da participação como intervenção social nas prioridades das políticas sociais e na universalização dos direitos. Trata-se, segundo a autora, do rompimento das práticas de distanciamento da população em relação às esferas públicas de decisão. A principal característica desse tipo de participação é a construção de espaços autênticos de mediação de conflitos, exposição de demandas sociais e negociação, alicerçados no arcabouço jurídico institucional do Estado, a partir de estruturas legitimadas em processo de eleição que envolva a representação da sociedade. Os Conselhos Gestores são exemplos de arranjos institucionais em que os sujeitos se constituem como atores sociais e políticos, ampliando os processos de democratização do Estado. Segundo Almeida e Cabral (2010), os Conselhos são espaços públicos que estimulam a participação mediante a abertura de canais de comunicação entre o poder público e os cidadãos, inclusive aqueles que são usuários dos sistemas/ equipamentos específicos ao Conselho em questão. Para as autoras, os Conselhos são resultantes de um amplo processo de discussão pública, que teve inicio nos anos de 1980 e que foi referendado pela Constituição de 1988. A realidade percebida nessa década era que os processos encampados pelos governos tinham características que não facilitavam a participação da sociedade e funcionavam de maneira fragmentada e centralizada. Como as estruturas governamentais precisam criar relações de interlocução entre seus próprios aparelhos, os governos passaram a introduzir mecanismos para favorecer essa interlocução, que, de certa maneira, vieram contribuir com a relação Estado-sociedade na gestão pública (ALMEIDA; CABRAL, 2010). 50 Os espaços denominados Conselhos despertaram em parte da sociedade um sentimento de esperança em torno de sua participação na formulação de políticas públicas e da possibilidade do exercício do seu controle social sobre o governo. Assim, a pretensão dos Conselhos era a busca constante de novos caminhos, capazes de mudar as realidades da sociedade civil, tendo como pano de fundo a descentralização das ações do Estado e a cooperação entre diversos setores da sociedade, promovendo, assim, uma distribuição de bens e serviços públicos mais equânimes (ALMEIDA; CABRAL, 2010). Nesse contexto, os Conselhos Gestores de Políticas Públicas se apresentaram como um instrumento democrático para materializar a participação da sociedade civil, promovendo a efetivação dos direitos (GOHN, 2003). A instauração de novos espaços participativos permitiu à sociedade a propagação de suas demandas, o debate, a busca por objetivos comuns e a intervenção social frente à negação dos direitos e às situações de desigualdades. Os Conselhos foram configurados como espaços de decisão, formulação, regulação, fiscalização, normatização e controle do Estado, no entanto, várias lacunas podem ser encontradas na construção dessas esferas de relacionamento Estado-sociedade. 3.3 Política pública, política social e política de assistência social: demarcando conceitos Historicamente, a assistência social nem sempre foi compreendida como direito. Ao longo do tempo, o seu entendimento sofreu diversas distorções. Conservadoramente, a assistência social era comumente identificada com benevolência, caridade e sentimento de pena. Nesse sentido, a assistência social foi tratada por diferentes governos com medidas emergenciais paliativas que visavam reparar carências da sociedade. Desse modo, tratar a assistência social como política pública significa desvincular a assistência social dessa percepção de “boa vontade” para ressignificá-la como direito passível de ser reclamado e protegido pelo sistema legal das conjunturas. 51 Logo, para entender o significado de política pública, faz-se necessário definir a expressão política e o termo púbico que a qualifica. O termo política (politics) tem origem grega e no sentido clássico está associado à polis (cidade) e às atividades humanas na esfera pública e social (FUCHS, 2009, p. 62). A associação do termo público à política remete “à coisa pública, do latim res (coisa) e publica (de todos), ou seja, coisa de todos, para todos, que compromete todos” (PEREIRA, 2007, p. 174). Nessa linha, a política pública é a conversão das demandas privadas em ações de interesse coletivo, que afetam toda a sociedade. Frey (2000) contribui com o entendimento da política pública, propondo a reflexão a partir dos conceitos básicos encontrados nas abordagens analíticas sobre policy analysis. De acordo com esse autor, a política se diferencia em três dimensões: institucional (polity), processual (politics) e material (policy). A dimensão institucional (polity) refere-se à estrutura do sistema político administrativo e suas estruturas jurídicas e institucionais. A dimensão processual da política (politics) expressa o processo político, frequentemente de caráter conflituoso, no que diz respeito aos conteúdos e às decisões. A ideia fundamental dessa abordagem consiste na possibilidade do estabelecimento, pelos diversos atores sociais, de mecanismos que levem à institucionalização de processos políticos de negociação e que visem ao reconhecimento de demandas e necessidades. A dimensão material (policy) configura-se na concretização das decisões políticas, “traduzidas em política pública econômica, financeira, tecnológica, ambiental e social” (FUCHS, 2009, p. 62). Schubert (apud FREY 2010, p. 217) preconiza que a ordem política concreta (polity) forma os quadros a partir dos quais se efetiva a política material (policy), por meio de estratégias políticas de conflito e consenso (politics). Cabe ressaltar que os aspectos apresentados, relativos às dimensões da política, se influenciam mutuamente. E que o recorte para o entendimento da política localiza-se na dimensão organizativa, que como bem lembra Fuchs (2009) se refere às ações do Estado, em razão das demandas e necessidades que adquirem relevância de ação do ponto de vista político e administrativo, ou seja, como política pública. 52 De acordo com Teixeira (2002, p. 2-3), as políticas públicas são “os princípios norteadores que regulam as relações entre o poder público e a sociedade, estabelecendo as regras que orientam as ações desenvolvidas com recursos públicos, por meio de leis, programas e linhas de financiamentos”. Visam responder às demandas da sociedade, buscando reconhecê-las institucionalmente e ampliar e efetivar os direitos de cidadania. A esse entendimento Pereira (2007) acrescenta que a política pública concede presença à sociedade por meio da representatividade. Política pública é ação pública na qual, além do Estado, a sociedade se faz presente, ganhando representatividade, poder de decisão e condições de exercer controle sobre sua própria reprodução e sobre os atos de decisão do governo (PEREIRA, 2007, p. 64). Política pública significa, portanto, ação coletiva que tem como princípio a materialização das demandas da sociedade na forma da lei. Em outros termos, políticas públicas são a garantia da aplicabilidade dos direitos declarados na forma de programas, projetos e serviços (PEREIRA, 2007, p. 223). Decorrentes dos problemas enfrentados pelos indivíduos e por grupos de indivíduos, as políticas públicas “constituem-se em instrumentos e procedimentos que se destinam a atenuar os conflitos de forma pacífica, sendo, assim, essenciais para a regulação da vida em sociedade” (RUA, 2009, p. 17). Teixeira (2002) salienta que as políticas públicas podem ser de natureza estrutural, tendo como princípio as relações estruturais: propriedade, renda, emprego; ou de natureza emergencial, com o objetivo de solucionar problemas imediatos e temporários. Em relação à abrangência, as políticas públicas podem ser: universais, para toda a sociedade; segmentadas, destinadas a uma parcela da população e estabelecidas levando em consideração fatores como idade, gênero, etnia, etc.; ou fragmentadas, voltadas para grupos sociais constituídos dentro de cada segmento (TEIXEIRA 2002, p. 3). No que se refere aos impactos, as políticas públicas, de acordo com seu caráter, podem distinguir-se em quatro formatos: distributivo, redistributivo, 53 regulatório e constitutivo (estruturador)10 (LOWI, 1972 apud SOUZA, 2006, p. 28), As políticas públicas possuem também dimensões processuais chamadas de ciclos ou (policy cycle), devido aos diferentes estágios e modificações pelas quais passam durante seus processos de elaboração e implementação. Frey (2000) informa que a definição dos ciclos políticos pode ser encontrada em diferentes vertentes teóricas. Todavia, comum a todas são as fases da formulação, implementação e do controle dos impactos. Fugindo das definições mais tradicionais, Frey (2000) propõe uma subdivisão dos ciclos mais elaborada e que parece ser mais pertinente. Em sua proposta de divisão, o pesquisador busca retratar as diferentes influências e possíveis modificações sofridas pelas políticas públicas, em cada fase, em relação às redes políticas e sociais e às práticas político-administrativas. O modelo teórico de divisão dos ciclos proposto por Frey (2000) compreende as seguintes fases: percepção e definição de problemas, agenda-setting, elaboração de programas e decisão, implementação de políticas, avaliação e eventual correção da ação. A fase de percepção e definição é caracterizada pela intensidade e relevância do problema em relação ao ponto de vista político da administração pública, ou seja, uma demanda pode ser percebida por determinado grupo social. Mas somente quando for identificada como um problema que necessite de intervenção político-administrativa ela é reconhecida como um problema de política pública. Os problemas entram na fase da agenda setting, quando existe uma predisposição da comunidade política para resolvê-los ou quando começam a afetar os resultados da própria agenda. Na fase de elaboração de programas e decisão, são avaliadas as opções de ações, os custos-benefícios e a importância da política proposta na obtenção de resultados. 10 As políticas distributivas são caracterizadas por priorizarem alguns segmentos da sociedade em detrimento de outros, gerando impactos mais particulares que universais; b) as políticas redistributivas visam aos deslocamentos de recursos financeiros para o atendimento de demandas relacionadas a camadas sociais e grupos sociais específicos; c) as políticas regulatórias configuram-se pela normatização e regulação, elementos fundamentais para o estabelecimento da ordem social; d) as políticas constitutivas, também chamadas de políticas estruturadoras, determinam as configurações dos processos políticos, a modelação das instituições e a modificação dos sistemas de governo. 54 A implementação de políticas depende intrinsecamente da forma como foram elaboradas. Nessa fase, os resultados nem sempre são alcançados, devido a falhas que são observadas desde a projeção de indicadores irreais aos processos de implementação. A política social se configura como uma política pública, à medida que compreende o atendimento das necessidades sociais, tendo como princípio a mudança da realidade, devendo ser amparada por leis que tenham como características a impessoalidade, objetividade e a garantia de direitos. De acordo com Pereira (2007), tanto a designação de política pública quanto a designação de política social são denominadas policies (políticas de ação), pertencentes à vertente do conhecimento policy science. Entretanto, a política social é um dos tipos de política pública (public policy). [...] embora o termo policy signifique basicamente princípios para ação, o termo social, que a completa, qualifica a ação a ser desenvolvida e os requerimentos indispensáveis à satisfação de demandas. Disso resulta que o termo composto política social, longe de ser mera soma de substantivo com um adjetivo, define uma área de atividade e interesses que requer: conhecimento do alvo a atingir, estratégias e meios apropriados para consecução da política, organização, amparo legal e pessoal capacitado (PEREIRA, 2007, p. 172). As políticas sociais são, portanto, destinadas a prover, por meio do aparato do Estado, determinado grau de “proteção social” aos que dela necessitem (LUSTOSA, 1988, p. 7). Em principio, as políticas sociais são voltadas para minimizar as desigualdades estruturais, produzidas pelos processos de desenvolvimento socioeconômico da sociedade (HÖFLING, 2001, p. 31). Reconhecidas por diferentes autores como instrumento legal para garantir as necessidades básicas das classes subalternas, as políticas sociais também são entendidas por uma parcela da sociedade como concessão de benefícios que visam a fomentar o assistencialismo e o clientelismo por parte do Estado. No entanto, no entendimento de Lustosa (1998), as políticas sociais devem ser voltadas para a promoção da cidadania, buscando alcançar como fim o desenvolvimento e a emancipação dos indivíduos. Nesse sentido, as políticas sociais se configuram com um instrumento político de amparo legal, com a finalidade de articulação das demandas individuais e coletivas da sociedade na busca da satisfação de suas necessidades. 55 Para Pereira (2007, p. 165), é “mediante a política social que os direitos sociais se concretizam e as necessidades humanas são atendidas na perspectiva da cidadania ampliada”. E, ainda: a política social refere-se à política de ação e visa ao atendimento das necessidades sociais mediante esforços organizados e pactuados que ultrapassem as iniciativas individuais isoladas, requerendo, portanto, decisões coletivas regidas por princípios, assim como diretrizes amparadas por leis para produzir direitos. Cabe ressaltar que a assistência social brasileira só alcançou o estatuto de política social a partir da Constituição de 1988 e da promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8742 de 7 de dezembro de 1993 – BRASIL, 1993). Depois de aprovados, esses aparatos jurídicos conferiram o caráter de política pública à assistência social, estabelecendo responsabilidades ao Estado e assegurando o direito ao cidadão. 56 4 ARCABOUÇO LEGAL DA ASSISTÊNCIA SOCIAL E EQUIPAMENTOS PÚBLICOS NO BRASIL 4.1 Política pública de assistência social, princípios, diretrizes e organização A Constituição Federal de 1988 (CF-88) instituiu uma nova definição para a assistência social brasileira, materializada na promulgação da Lei Orgânica de Assistência Social de n° 8.724/93 (LOAS), que regulamentou os artigos 203 e 204 da referida Constituição. A promulgação da LOAS propiciou a ressignificação da assistência social no Brasil, possibilitando a intervenção efetiva do Estado em ações descontinuadas realizadas por instituições, entidades e órgãos governamentais. A filantropia e benemerência, pautadas nas relações de favores, submetidas a relações personalistas e historicamente enraizadas nas práticas políticas brasileiras, deram lugar à política pública (RAICHELIS, 1998, p. 80). A LOAS define a assistência social como direito do cidadão e dever do Estado, como “política de seguridade social não contributiva, que provê os mínimos sociais [...] através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas” (BRASIL, 1993, LOAS, art. 1º). Como lei complementar, a LOAS tem duas funções: a primeira, de assegurar as disposições declaratórias, transformando-as em disposições assecuratórias de direito, dando concretude ao direito proclamado. A segunda, de definir, detalhar e explicitar a natureza da assistência social no âmbito da seguridade social, para compatibilizá-la como estatuto de cidadania de que ela passou a fazer parte (PEREIRA, 1994, p. 101). No entanto, Pereira (1994) adverte que a Constituição não teria que fazer esse detalhamento, tanto que os princípios, organização, abrangência e as competências da assistência social brasileira não estão detalhados na Carta Magna. O arcabouço que constituiu a LOAS foi sistematizado em seis capítulos, que tratam, respectivamente: da definição e objetivos da lei de assistência social; 57 dos princípios e diretrizes; da organização e gestão; dos benefícios, serviços, programas e projetos; do financiamento e das disposições gerais e transitórias. A LOAS expressa uma concepção de assistência social que tem como objetivos: assegurar a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiências e a promoção de sua integração à vida comunitária; e a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa idosa e ao portador de deficiência (BRASIL, 1993, LOAS, art. 2º). No tocante aos princípios, como bem lembra Bidarra (2004), a LOAS busca demarcar a assistência social como direito, contrapondo as prerrogativas que a marcaram historicamente como assistencialismo, filantropia e caridade. Esse entendimento sugere a mudança de estrutura nas ações da assistência social, que passam a se “diferenciar das iniciativas morais de ajuda aos necessitados, que não produzem direitos e não são judicialmente reclamáveis” (RAICHELIS, 1998, p. 80). Dessa forma, a assistência social deve ter como princípios a supremacia social, a universalidade dos direitos, o respeito à dignidade do cidadão, a igualdade de direitos no acesso ao atendimento e divulgação ampla dos benefícios. [...] supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica; [...] universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação da assistência social alcançável pelas demais políticas publicas; [...] respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direto a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade; [...] igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem descriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais; [...] divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como de recursos oferecidos pelo poder público e dos critérios para sua concessão (BRASIL, 2004a, p. 26). Na perspectiva da organização e gestão da assistência social, a LOAS, prevê uma estrutura descentralizada e participativa e o comando único das ações em cada esfera de governo, com atribuições específicas para cada uma delas. Cabem à esfera federal a competência da coordenação e o estabelecimento das 58 normas gerais; e aos estados, Distrito Federal e municípios atribuem-se a execução dos programas e a coordenação em suas respectivas esferas. Para Behring (2001), a LOAS inova ao estabelecer em suas diretrizes a descentralização político-administrativa para os estados, Distrito Federal e municípios e o comando único das ações em cada esfera de governo. No entendimento da autora, a efetivação de um sistema de corresponsabilidades entre essas esferas gerou uma espécie de colaboração vigiada que contribui com a perspectiva de superar a fragmentação e a superposição das ações no campo da assistência social. Outro aspecto a ser destacado em relação às diretrizes preconizadas na LOAS é a conquista do direito de participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis (BRASIL, 1993, LOAS, art. 5º, inciso II). A incorporação do referido direito significa a possibilidade do envolvimento da população nos processos de decisões que os afetam, o que implica a viabilidade da constituição de sujeitos sociais ativos, com o potencial de vir a colaborar com a consolidação dos direitos declarados (RAICHELIS, 1998). Entretanto, o grande desafio da participação é criar mecanismos que venham garantir a inclusão dos usuários da assistência social na formulação e no controle das ações previstas na LOAS. Isso porque, historicamente, no campo da assistência social, a concepção de doação, dádiva, caridade, bondade e ajuda sempre marcou a assistência social como ação reprodutora de usuários caracterizados como pessoas dependentes, tuteladas e vitimadas pelas entidades e organizações que as acolhiam e se pronunciavam em seu nome. Romper com essa constatação é o primeiro passo para construir um processo ampliado de formação e capacitação que envolva esses sujeitos que, por razões sociais, pessoais ou de calamidade pública, se encontram em situação de vulnerabilidade social (PEREIRA, 1994). 4.2 A Política Nacional de Assistência Social Os avanços na regulamentação da assistência social foram se consolidando à medida que as instâncias de participação da sociedade, 59 preconizadas na LOAS, assumiram o papel de protagonistas no acompanhamento e na defesa das deliberações e dos pactos realizados nas conferências municipais, estaduais e nacionais. A necessidade de disciplinar a gestão pública da assistência social levou os diferentes segmentos que compõem a sociedade civil nas instâncias participativas a elaborar, no período de 1993 a 2003, o primeiro texto da PNAS/1998 e a NOB9711 e NOB9812. No entanto, foi a partir das deliberações da IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em dezembro de 2003, em Brasília-DF, que as bases e diretrizes para a construção de uma PNAS na perspectiva de um sistema único foram estabelecidas. Com objetivo de efetivar as diretrizes da assistência social como direito de cidadania e responsabilidade do Estado, após amplo processo de discussão e negociação, foi aprovada pelo CNAS, em setembro de 2004, a PNAS, com a previsão da sua gestão por meio do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que já se origina com a sua própria NOB/ SUAS (BRASIL, 2005). A PNAS aprovada pelo CNAS estabelece três tipos de níveis de gestão (inicial, básica e plena) e as condiciona ao cumprimento de requisitos normativos, nos quais a participação da sociedade se configura como condição indeclinável. Dessa forma, a PNAS/2004 ratifica as disposições contidas no art. 30 da LOAS, que estabelece as condições para os repasses dos recursos. É condição para os repasses, aos municípios, aos estados e ao Distrito Federal, dos recursos de que se trata esta lei, a efetiva instituição e funcionamento do Conselho de Assistência Social, de composição paritária entre governo e sociedade civil [...] (BRASIL, 1993, LOAS, art. 30º, inciso I). 11 “A Norma Operacional Básica (NOB) 97 conceituou o sistema descentralizado e participativo, estabelecendo condições para garantir sua eficácia e eficiência, explicitando uma concepção norteadora da descentralização da Assistência Social” (BRASIL, 2004a, p. 82). 12 “A NOB/98 - essa normativa ampliou as atribuições dos Conselhos de Assistência Social e propôs a criação de espaços de negociação e pactuação, de caráter permanente, para a discussão quanto aos aspectos operacionais da gestão do sistema descentralizado e participativo da assistência social. Esses espaços de pactuação foram denominados de Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e Comissão Intergestores Bipartite (CIB), que passaram a ter caráter deliberativo no âmbito operacional da política” (BRASIL, 2004a, p. 83). 60 Nesse sentido, segundo Campos (2009), a PNAS estabelece uma opção inquestionável pela perspectiva de inclusão política da sociedade civil nos assuntos de interesse público. Contudo, não se pode deixar de mencionar que essa opção pela participação é resultante de um processo conflituoso que teve origem nos movimentos de luta pela democratização do país. Os esforços empreendidos pela sociedade civil organizada - e de maneira especial pelos trabalhadores da assistência social - no sentido de assegurar na constituição da PNAS os fundamentos essenciais para uma gestão democrática possibilitam o aumento dos mecanismos de participação e controle social da sociedade em relação à referida política. A nova institucionalidade da Política de Assistência Social brasileira deu primazia à atenção às famílias e seus membros, priorizando os que se encontram em situação de vulnerabilidade. Suas diretrizes indicam um conjunto de ações de caráter preventivo, visando ao fortalecimento dos vínculos sociais de proteção e à concretização dos direitos. Para efetivar a assistência social como política pública e materializar os dispositivos legais proclamados e regulamentados na LOAS, a PNAS instituiu o SUAS. Trata-se de um instrumento público de gestão descentralizada e participativa com a finalidade de organizar as ações socioassistenciais em toda a esfera nacional. O SUAS define as diretrizes e os elementos essenciais que padronizam a execução da política pública de assistência social com o objetivo de garantir que os direitos de cidadania e a inclusão social sejam respeitados. Nessa linha, o SUAS tem por função regular os serviços, benefícios, programas, projetos e ações, assegurando o caráter universal e uma lógica hierarquizada em relação às esferas de governo. Consolida, assim, um modo de gestão compartilhada e estabelece uma forma articulada e complementar de cooperação técnica entre os entes federados. A regulação do SUAS fundamenta-se nos compromissos estabelecidos na PNAS/2004, que reconhecem as características culturais, socioeconômicas e políticas da população urbana e rural das diferentes regiões e cidades brasileiras. Sua efetivação como sistema objetiva integrar a assistência social como política de seguridade social, inserindo as modalidades de proteção social básica e especial (de média e alta complexidade) no conjunto de proteções previstas pela 61 seguridade social (BOSCHETTI, 2005). “Entendem-se por proteção social as formas e ações institucionalizadas que as sociedades constituem para proteger parte ou conjunto de seus membros” (BRASIL, 2004a, p.31). Na PNAS (2004) e na NOB (2005), a proteção social básica refere-se às ações preventivas e tem como pressupostos o reforço e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. A proteção social básica destina-se à população que se encontra em situação de vulnerabilidade, decorrente da pobreza, privação e fragilização dos vínculos afetivos. Essa proteção prevê o desenvolvimento de serviços, programas e projetos de acolhimento, convivência e socialização, executados de forma direta no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) e de forma indireta por entidades e organizações de assistência social localizadas nas áreas de abrangência do CRAS (BRASIL, 2004a, p. 33-34). A proteção social especial é definida na PNAS como uma inserção destinada a pessoas que tiveram seus direitos violados e/ou ameaçados e que se encontram em situações de risco pessoal. Por se tratar de um atendimento dirigido, requer acompanhamento individual e estreita interface com os sistemas de garantia de direitos como o Judiciário, Ministério Público e outros órgãos e ações do Executivo (BRASIL, 2004a, p.36-37). Subdividida em níveis, a proteção social especial pode ser categorizada como de média ou alta complexidade. A proteção social especial de média complexidade é destinada a famílias e a indivíduos que tiveram seus direitos violados, mas cujos vínculos familiares e comunitários não foram rompidos. A aplicabilidade dessa modalidade de proteção requer estruturação operacional mais qualificada e acompanhamento especializado, sendo o Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS) o equipamento público indicado para coordenar as ações necessárias ao atendimento desse tipo de proteção. A segunda categoria de proteção, denominada proteção social especial de alta complexidade, tem por finalidade garantir proteção integral – moradia, alimentação, higiene e trabalho protegido – àqueles que se encontram sem referência e/ou em situação de ameaça, necessitando ser retirados de seu núcleo familiar ou comunitário. As ações de atendimento previstas para esse tipo de 62 proteção são voltadas para o acolhimento 13, medidas socioeducativas e trabalho protegido (BRASIL, 2004a, p. 38). Faz se necessário destacar que o SUAS não foi concebido como um simples sistema organizativo e não pode ser apenas encarado como uma ferramenta técnica de gestão. Ao contrário, esse equipamento deve ser compreendido, como bem adverte Boschetti (2000) como um instrumento que institucionaliza os espaços de participação, e que assegura, nos seus dispositivos legais, o controle social pela sociedade das políticas públicas. Assim, o SUAS é a possibilidade da concretização da LOAS, da construção democrática e participativa de uma gestão pública, em que os acordos podem ser construídos e os direitos consagrados. 4.3 O Conselho de Assistência Social como ferramenta de controle e democratização na gestão pública Os Conselhos são instrumentos que possibilitam a materialização da participação da sociedade civil nas decisões de políticas públicas. Eles se constituem como arenas onde se deflagra o diálogo entre a sociedade e o Estado, locus privilegiado para a altercação das demandas e o fomento de ações de interesse público. Constituídos por representantes da sociedade civil e do Estado, funcionam como instâncias de formulação, avaliação e proposição de políticas públicas. Formatados a partir das reivindicações de setores organizados da sociedade civil, os Conselhos são espaço de construção democrática, oriundos do processo de abertura política e da consolidação da Constituição Federal de 1988. Resultante do conflituoso processo de mobilizações sociais e políticas que marcaram as décadas de 1970 e 1980, a CF-88 instituiu o arcabouço legal que muda o regime político brasileiro. A declaração na Carta Magna do reconhecimento da participação social nos seus art. 203 e 204 altera a organização das políticas públicas e possibilita mudanças nos paradigmas da democracia participativa. 13 Os serviços de acolhimento são: atendimento integral institucional; casa lar; república; casa de passagem; albergue; família substituta e família acolhedora. 63 Para assegurar o que está declarado na CF-88, setores organizados da sociedade civil e profissionais da assistência social lutaram durante cinco anos (1988 a 1993) pela aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social n° 8.742/93 (LOAS) (PEREIRA, 1994). No âmbito da assistência social, essa legislação infraconstitucional ratifica um novo modelo na condução e prestação da assistência social, estabelecendo diretrizes normativas sobre as ações governamentais em relação aos usuários, serviços, benefícios, programas e financiamentos destinados ao enfrentamento da exclusão social. Com vistas ao envolvimento da sociedade, a LOAS assegura, no seu art. 5.° (inciso l), a possibilidade de uma gestão descentralizada, estruturada nas esferas estaduais, municipais e no Distrito Federal. E garante, no mesmo artigo (inciso II), a participação da população, por meio de organizações representativas no controle das ações de assistência social em todos os níveis. A LOAS indica tanto nos princípios que a regem quanto no capítulo da Organização e Gestão e nas Disposições Transitórias, outras medidas facilitadoras e garantidoras da participação da população no controle da assistência social, tais como: acesso às informações; criação de foro de debates; Conferências Nacionais de assistência social, realizadas de dois em dois anos para avaliar a política de assistência social; avaliar a situação das ações desenvolvidas e propor diretrizes para o aperfeiçoamento do sistema (PEREIRA, 1994, p. 110). Importante medida para a materialização do art. 5.° da LOAS foi a criação dos Conselhos de Assistência Social nas esferas da União, dos estados, dos municípios e do Distrito Federal. Segundo Moroni e Biondi (2009), os Conselhos foram concebidos como órgãos públicos e estatais com representação paritária entre governo e sociedade, criados por lei ou instrumento jurídico, com atribuições deliberativas e de controle social do Estado pela sociedade. Os Conselhos nasceram inspirados nas demandas da sociedade, com o objetivo de reorganizar as relações que permeiam as políticas públicas, na tentativa de ampliar a participação dos sujeitos sociais nos processos que podem levar à igualdade, equidade e eficiência do Estado no campo social (SILVA; JACCOUD; BEGHIN, 2005). Os autores citados definem, então, os Conselhos federais como instâncias de legitimação das políticas públicas. 64 [...] instâncias públicas localizadas junto à administração federal, com competências definidas e podendo influenciar ou deliberar sobre a agenda setorial, sendo também capazes, em muitos casos, de estabelecer a normatividade pública e a alocação de recursos dos seus programas e ações. Podem ainda mobilizar atores, defender direitos ou estabelecer concertações e consensos sobre as políticas públicas. Em qualquer dos casos, ou seja, em acordo com as linhas de ação do Estado ou em conflito com elas, contribuem para a legitimação das decisões públicas (SILVA; JACCOUD; BEGHIN, 2005, p. 380). Os Conselhos são também instituições de partilha de poder constituídas pelo Estado com representações da sociedade civil e do Poder Executivo (AVRITZER, 2008). Como arranjos institucionais, possuem desenhos que se diferenciam em pelo menos três aspectos: “na maneira como a participação se organiza; na maneira como o Estado se relaciona com a participação; e como a legislação exige do governo a implementação ou não da participação” (AVRITZER, 2008, p. 44). Conforme Paz (2009), os princípios de democracia, cidadania e participação são as diretrizes dos Conselhos, cuja principal função é o controle social exercido pela sociedade de maneira partilhada. A autora alerta que, mesmo se configurando como um elemento da esfera pública, os Conselhos não substituem o Estado nem os espaços autênticos de representação e reivindicação da sociedade civil. O entendimento dos processos de participação da sociedade civil e sua presença nas políticas públicas conduz ao entendimento do processo de democracia da sociedade brasileira; o resgate dos processos de participação leva, portanto, às lutas da sociedade por acesso aos direitos sociais e à cidadania. Nesse sentido, a participação é também luta por melhores condições de vida e pelos benefícios da civilização (GOHN, 2007, p. 14). Arendt (1991 apud GOHN, 2007) enfatiza que a única forma possível de garantir participação e cidadania da sociedade civil em um governo horizontal é a instauração dos Conselhos. Entretanto, Gohn (2007) alerta para a possibilidade de os Conselhos se constituírem em espaços de caráter duplo, que podem tanto colaborar na construção de uma gestão democrática participativa, caracterizada pela articulação dos sujeitos envolvidos, como ser transformados em meras estruturas burocráticas estagnadas, sem representatividade e ação efetiva. 65 4.4 As categorias normativas e os elementos constitutivos do Conselho Gestor de assistência social A efetivação dos Conselhos de Políticas Públicas depende, entre outras condicionantes, do papel desempenhado pelos conselheiros em relação a cinco categorias estabelecidas, a saber: Deliberar: revela ações como aprovar, elaborar, atuar na formulação, estabelecer ou definir critérios, fixar diretrizes, definir prioridades. [...] Fiscalizar: inclui ações como supervisionar, acompanhar, avaliar, controlar, fiscalizar, encaminhar ou examinar denúncias, promover auditorias. [...] Normatizar ou registrar: reúne ações como autorizar, normatizar, regulamentar, credenciar, dar posse, conceder licença, cadastrar, registrar, cancelar registro. [...] Assessorar ou prestar consultoria: contempla ações como apreciar contratos, assessorar, constituir comissões, participar da definição, do planejamento e da formulação, propor medidas, critérios ou adoção de critérios. [...] Informar ou comunicar: indica ações como manter cadastro de informações, manter comunicação, solicitar informações, estudo ou pareceres (KLEBA et al., 2010, p. 795). O papel deliberativo do Conselho de Assistência Social é identificado por Kleba et al. (2010) como uma de suas principais funções, em virtude da relevância da ação frente à gestão dos recursos, à análise dos resultados sociais, ao desempenho de programas e projetos, à definição de diretrizes e aos critérios da política pública municipal. O objetivo da deliberação, para Cunha (2007), é resolver as demandas apresentadas pelos indivíduos nas situações que os afligem (num processo dialógico em que a negociação supera as desigualdades sociais e a pluralidade dos interesses privados). Entretanto, algumas condições básicas são necessárias para que a deliberação produza efeito sobre as decisões legitimas de ações públicas, entre elas: A institucionalização dos procedimentos deliberativos, a composição plural e inclusiva dos fóruns deliberativos, a produção de decisões que visam à solução de problemas públicos, a abertura da deliberação pública a novos temas, a igualdade deliberativa entre os que participam [..] o acesso igual às informações e recursos, a argumentação com base na deliberação, a possibilidade da contestação dos resultados deliberativos, a deliberação como exercício de controle público (CUNHA, 2007, p. 29). 66 O que se espera da função deliberativa do Conselho é o fomento de diálogos, a busca por soluções exequíveis dos problemas, o entendimento dos diversos atores que o compõem, a democratização das relações de poder com vistas ao bem comum e a produção de acordos. Não que seja necessária a concordância de todos, mas que as decisões sejam aceitas e respeitadas, mesmo por aqueles que dela discordam. Os indivíduos que participam do Conselho precisam experimentar a experiência do entendimento coletivo, vivenciar a negação da proposta não aceita e sentir a importância da sua colaboração na produção de resultados. Segundo Tatagiba (2003), o princípio da igualdade é característica central a ser observada em um processo deliberativo. Sua efetividade está profundamente ligada à compreensão do “outro” como igual em termos de direito. Nessa ótica, a fala dos indivíduos deve ser garantida, seu entendimento respeitado, suas contribuições consideradas. A capacidade para iniciar uma deliberação pública depende dessa ideia de igualdade deliberativa. Seu contrário é a “pobreza política”, que é definida por Bohman (1996 apud TATAGIBA, 2003), como incapacidade de articulação e influência na obtenção de resultados que vão em direção a uma situação mais vantajosa para o bem comum. A deliberação, no que se refere à igualdade, precisa permitir interlocuções do “eu” com o “outro” em condições de “iguais”, de maneira que as divergências sejam apresentadas, justificadas, mas que encontrem caminho para a convergência, porque é nessa possibilidade que a política aposta (TATAGIBA, 2003). A relação de igualdade permite que se chegue a uma condição de reflexibilidade na qual os sujeitos afirmam suas diferenças, mas também são expostos aos argumentos dos outros. Isso não impede a geração de conflitos, mas é uma condição para o estabelecimento da possibilidade do diálogo com o outro. A reflexão no processo deliberativo tem o potencial de aproximar os divergentes, porque permite ao indivíduo se colocar no lugar do outro ao favorecer melhor compreensão de suas razões, o que facilita a construção de ações compartilhadas. A função deliberativa permite que os indivíduos que possuem conhecimento sobre a realidade local a partir de suas vivências contribuam com mais intensidade na detecção de problemas e na detecção de soluções mais 67 viáveis. Diferentemente das estruturas tradicionais decisórias, a deliberação possibilita maior fluxo de informações e melhor entendimento por parte dos indivíduos, que precisam estar convencidos da relevância da proposta para poderem aceita-lá. Dessa forma, as pessoas envolvidas nesses arranjos deliberativos tendem a se sentir responsáveis pelas decisões que tomam. O resultado desse processo é o maior envolvimento dos indivíduos na implementação das deliberações. Contudo, para Fuks e Perissinotto (2006), faz-se necessário analisar o funcionamento da deliberação nos processos de decisão nos Conselhos, para a compreensão do nível de influência de cada segmento. Nesse caso, essa análise requer a observação de quem inicia e introduz os temas, como os debates são estabelecidos, a maneira como são encaminhadas as propostas de ações e a configuração dos resultados desses mecanismos. Ainda sobre a relevância do caráter deliberativo, Gohn (2007) adverte que não há estruturas jurídicas que obriguem o Poder Executivo a acatar as decisões dos Conselhos, mesmo as de caráter deliberativo. Em alguns casos, porém, os Conselhos têm provocado a esfera jurídica no intuito de garantir suas deliberações, o que nem sempre garante resultados satisfatórios. Outro aspecto importante a ser destacado é que os conselheiros não têm autonomia para modificar as leis de criação e de composição do Conselho, atribuições estas que cabem ao Executivo. Todavia, isso não impede pressões e articulações sobre o Executivo para garantir mudanças. Por outro lado, os conselheiros detêm a prerrogativa de elaboração dos procedimentos internos e das resoluções, instrumentos legais fundamentais para a regulação do controle social exercido pelo Conselho. Raichelis (1998) destaca que os Conselhos de Assistência Social se difereciam dos demais devido à sua dimensão executiva. Esses Conselhos são responsáveis pelo registro das entidades e pela emissão de certificados de filantropia. Isso implica uma relação extremamente ambígua quanto ao papel dos conselheiros: ao mesmo tempo em que possuem autoridade de concessão de certificação, representam a entidade ou organização que demanda a certificação. Assim, a presença de representantes das entidades na composição do Conselho possibilita o exercício de influência sobre as suas decisões. 68 4.5 A composição do Conselho de Assistência: entre a paridade numérica e a paridade representativa Um dos aspectos mais relevantes a serem observados para que o Conselho possa se estabelecer como espaço público democrático de formulação e controle social é a sua composição. A composição do Conselho retrata a capacidade de articulação da sociedade civil, a importância dispensada pelo Poder Executivo à sua constituição e a correlação de forças entre sociedade civil e Estado no fomento das discussões de interesse público. Sua formação é a garantia ou não de um debate qualificado e do estabelecimento de relações capazes de modificar o que está posto. No intuito de garantir e manter o equilíbrio nas decisões do Conselho, a LOAS previu a aplicação do princípio da paridade (art. 16). Esse princípio implica a delegação, por parte do Poder Executivo, da metade dos conselheiros, sendo a outra metade escolhida ou eleita em fóruns próprios para participar e falar em nome de um grupo ou segmento. Luchmann (2009) alerta para esse princípio e apresenta características sobre as representações da sociedade civil e do Estado que dificultam o processo de discussão e a tomada de decisões nos Conselhos. Para a autora, a representação da sociedade civil está associada a entidades constituídas por diferentes perfis no que diz respeito à sua organização, em muitos casos, repletas de contradições, conflitos e interesses. Enquanto a representação governamental é formada por agentes públicos e políticos que são servidores em diferentes setores da administração pública e são indicados pelo governo para compor o Conselho, de modo geral, os estudos mostram a pouca familiaridade desses representantes e o baixo poder de decisão investido neles. Os critérios de escolhas dessa representação obedecem a definições que não incluem o conhecimento da temática específica dos receptivos Conselhos, mas respeitam uma lógica de compromisso com as decisões tomadas pelo Executivo. Nesse sentido, enquanto a sociedade civil parte de uma condição de heterogeneidade na sua representação e precisa estabelecer consensos, a representação governamental detém a unidade necessária para enfraquecer e comprometer o processo decisório. Reforça-se, assim, o argumento da autora 69 sobre o fato de a paridade numérica não representar paridade política (LUCHMANN, 2009). Outro aspecto levantado por Luchmann (2009) em relação à paridade está relacionado ao limite que o formato institucional dos Conselhos impõe à participação do indivíduo não institucionalizado, que pode ser percebido na ausência de ações estruturadas para ampliar a participação dos setores excluídos da sociedade. A combinação da paridade com a representação por entidades dificulta a inserção de indivíduos que não estejam ligados a alguma instituição. Observa-se que as entidades se apresentam como “interlocutoras legítimas” desses indivíduos e são favorecidas pela capacidade técnica e política de suas lideranças. Esse processo tende, portanto, “à reprodução de um tipo de ‘elitismo associativista’ na medida em que não prevê mecanismos de incorporação e ampliação da participação a um conjunto mais amplo de diferentes atores sociais desses setores” (LUCHMANN, 2009, p. 11). Os argumentos apresentados em relação à paridade remetem ao entendimento de que o princípio da paridade entre sociedade civil e Estado, mesmo com representação numérica igual, não se equivale como representação política, à medida que os representantes do Estado partem de uma unidade que obedece orientações do Executivo e os representantes da sociedade civil dependem de uma articulação junto à sua representação que é segmentada e imbuída de interesses diversos. 4.6 A representação no Conselho e os mecanismos de institucionalização de suas práticas Boa parte dos Conselhos possui dinâmicas de funcionamento bem definidas, com reuniões ordinárias periódicas, que podem ser acompanhadas pela sociedade de modo geral, com direito à voz, mas sem direito de voto, este atribuído apenas aos conselheiros. As reuniões extraordinárias acontecem à medida que se percebe a necessidade de uma discussão mais aprofundada de determinada temática. Essas reuniões extraordinárias também são convocadas para o planejamento, avaliação e preparação de eventos. 70 O Colegiado, instância máxima de deliberação, é composto dos segmentos da sociedade civil e do Estado. O presidente é geralmente eleito pelos membros do Conselho, salvo quando a legislação referente à sua criação prevê um dispositivo diferente. Para discutir questões específicas, acompanhar programas, elaborar relatórios e organizar plenárias e conferências, os Conselhos adotam mecanismos como comissões ou câmaras temáticas, subdividindo os conselheiros de acordo com suas afinidades temáticas ou por interesse. Nos estudos realizados por Avritzer (2010) sobre a dinâmica da participação local no Brasil, apura-se que esses formatos de comissões são adotados por 88,24% dos Conselhos pesquisados pelo autor. Cabe ressaltar, ainda, que outros dispositivos de organização e participação foram pesquisados por Avritzer (2010): 88,24% dos Conselhos têm mesa diretora; 91,76% possuem secretária executiva; 95,29% organizam-se em forma de plenária; e 69,41% realizam conferências municipais. Exercer o papel de conselheiro é uma tarefa pública que exige representação e representatividade. Representação não é um cargo vitalício, é um exercício, com período determinado. Representantes e representados têm responsabilidades recíprocas, e a renovação por meio de eleição de novos representantes é importante para a formação de novos sujeitos e a construção da cidadania (PAZ, 2009, p. 29). Nessa ótica, os conselheiros são escolhidos para exercerem o papel de defesa dos interesses e pensamentos dos grupos ou segmentos por eles representados. Pitkin (1967) reconhece que representar é um ato delegado e implica a autorização para falar e atuar em nome de outro ou de outros; na democracia representativa esse ato é conferido pelo voto por meio de eleição direta, na qual a sociedade escolhe seus representantes para exercerem as funções legislativas e executivas. A representação na democracia participativa assume nova dinâmica devido à forma de eleição, realizada em fóruns próprios. Os escolhidos falam em nome de segmentos. Pitkin (1967) chama a atenção para o sentido atribuído à participação, distinguindo-a de representação. Define participação como autorrepresentação, ou seja, ação direta do indivíduo e representação como atuação em nome de outro na sua ausência. 71 Chauí (1982) destaca que a origem do conceito de representação não está ligada ao panorama político: para ela, ele foi concebido a partir da prática do direito em Roma, nos tribunais, baseado na apresentação perante a corte por meio de procuração. “Assim, representar é estar no lugar de, falar por e agir por” (CHAUÍ, 1982, p. 290). Contudo, como bem adverte Paz (2009), existem alguns problemas em relação à representação. O primeiro é a baixa legitimidade dos conselheiros em relação às suas bases, pois boa parte dos representantes não estabelece com os representados conexões de informações, debate, articulação e deliberação dos assuntos referentes ao Conselho. De qualquer forma, a representação é um princípio democrático em que o representante possui autonomia na sua decisão. O segundo ponto a ser levantado é a representação governamental. Os representantes dos órgãos públicos, em muitos casos, têm pouca autonomia para falar em nome do governo, detêm poucas informações sobre a máquina pública e os assuntos pertinentes ao Conselho, não estabelecem canais de discussão e debate no governo e não dispõem de poder de decisão para votar, abstendo-se do debate. Outra questão que merece reflexão é a representação dos usuários, geralmente oriunda dos segmentos populares, organizada sob diversas formas em associações, movimentos sociais e redes. Os estudos sobre os Conselhos revelam uma frágil presença das camadas populares nos espaços em que a sociedade civil possa exercer o direito de se autorrepresentar. No entanto, também são conhecidas as dificuldades de organização dos usuários do SUAS, especialmente daqueles que se encontram em situação de pobreza. Fuks e Perissinotto (2006) informam que a participação da sociedade civil nos espaços institucionalizados de controle social só produzirá resultados satisfatórios na medida em que os indivíduos que representam essa esfera forem capazes de exercer o poder em seu interior, interferindo de maneira concreta na agenda pública e nos processos de deliberação das ações fomentadas por eles. Dahl (1970 apud FUKS; PERISSINOTTO, 2006) realça que exercem poder os indivíduos ou grupos que conseguem, de alguma forma, estabelecer suas preferências junto aos outros, determinado, assim, um curso de ações. Busca-se, por intermédio dos Conselhos, a construção de espaços públicos participativos que incorporem as demandas dos diversos grupos e segmentos no 72 debate público setorial, permitindo à população exercer o papel de protagonista na formulação, fiscalização e controle de políticas públicas de seu interesse, por meio de representação. Dessa maneira, os Conselhos se transformam em arenas em que diferentes autores sociais ampliam a sua capacidade de intervenção sobre os rumos das políticas sociais. A partir da literatura apresentada, percebe-se que ainda há um longo caminho a ser percorrido no que diz respeito aos processos participativos, para que de fato a participação da sociedade civil seja efetiva. É possível observar, porém, que existem significativos avanços a partir da promulgação da Constituição de 1988. A declaração na Carta Magna do direito a participar foi precedida por leis ordinárias e complementares, como no caso da LOAS, que materializaram o direito, possibilitando que novos atores sociais pudessem “reclamar”, o que antes era objeto de concessão. A sociedade, sobretudo a sociedade civil, garantiu que as políticas públicas a ela destinadas fossem elaboradas, controladas e avaliadas por meio de instrumentos legais e representativos como os Conselhos. O objetivo central dos espaços de participação como os Conselhos é a busca compartilhada por alternativas capazes de responder aos problemas de maneira efetiva, criando, assim, condições para a concretude de políticas públicas sustentáveis. A participação da sociedade nos espaços institucionalizados, nessa ótica, não pode ser considerada apenas importante. Ela se faz mister para melhorar os resultados dessas políticas. Para Tatagiba (2003), os espaços públicos participativos emergem como: Cenário e estratégia para reelaboração situada e historicamente adequada dos ideais democráticos de soberania popular, autonomia e autogoverno, em sociedades complexas e plurais, a partir de um foco programático voltado para solução de problemas, cuja resposta só pode ser alcançada por meio de cooperação e articulação, que tem como base não a troca meramente instrumental, mas o intercâmbio comunicativo, por meio do uso público da razão. O resultado desse esforço é a produção de políticas públicas mais eficazes e justas (TATAGIBA, 2003, p.33). Entretanto, a participação não é uma dádiva, ela é fruto da conquista dos indivíduos por espaços legítimos de argumentação e busca por direitos. Participar significa lutar, interagir, articular, apreender. É um processo que necessita de 73 constante aperfeiçoamento e percepção de grupo, pois cada ator tem um tempo próprio para absorver e compreender cada etapa. O desafio, portanto, está em enxergar, nos processos participativos, a oportunidade de mudança de paradigma, que alcance a lógica de uma sociedade coadjuvante na gestão pública, cujo padrão está associado, muitas vezes, à falta de transparência, à corrupção, ao desperdício, à inversão de prioridades, à malversação de recursos e à ineficiência administrativa. Na direção contrária, uma sociedade participativa, articulada e mobilizada é a garantia de uma governança mais justa, de um controle social mais eficiente, de melhor distribuição de bens e serviços públicos. Tatagiba (2003) chama a atenção para o fato de que nem todo processo participativo produz resultados satisfatórios. Para que tais resultados sejam alcançados, faz-se necessário o envolvimento efetivo dos indivíduos afetados por eles, especialmente daqueles que vivem à margem das decisões e que muitas vezes apenas cumprem o que foi delegado. A inversão de prioridade na formulação das políticas públicas adquire outra forma quando os marginalizados têm a possibilidade de não apenas serem ouvidos, mas de intervir, modificando o que está posto e apresentado. Com a institucionalização dos novos espaços de participação, a sociedade civil tem a possibilidade de abandonar seu papel secundário na gestão pública, para imprimir um novo papel, o de protagonista, sujeito de direito, este reclamado, não mais apenas concedido. 74 5 METODOLOGIA Definidos o problema de pesquisa, a hipótese e os objetivos e constituídos os marcos teóricos a partir das categorias centrais e o arcabouço legal afeto à problemática focalizada, demarca-se a metodologia adotada na coleta e análise dos dados para a pesquisa da solução ao presente problema ou questão central, objeto desta investigação. Minayo e Sanches (1993) entendem que a metodologia é o conjunto de diretrizes a serem seguidas na orientação do pensamento e da prática em relação a uma abordagem mais qualificada da realidade. Sendo assim, “a metodologia ocupa lugar central no interior das teorias e está sempre referida a elas” (MINAYO; SANCHES, 1993, p. 16). As concepções teóricas e de abordagem metodológicas e os conjuntos de técnicas propostos pela metodologia possibilitam ao investigador articular conteúdos e pensamentos, possibilitando-lhe melhor construção da realidade. Dessa forma, é imperativo destacar que o objeto, nas ciências sociais, é histórico, ou seja, existe apenas em um espaço temporal determinado e específico. Portanto, sua configuração tem um vínculo com o passado e encontrase em constante processo de construção, o que o caracteriza como provisório e dinâmico (MINAYO; SANCHES, 1993). Esse entendimento é reforçado por Demo (2002), ao estabelecer, em suas reflexões teóricas, que a pesquisa deve ser compreendida como um instrumento inteligente de crítica e interação com a realidade, “tomando como referência que o sujeito nunca dá conta da realidade e que o objeto é sempre um objeto-sujeito. A realidade tanto se mostra quanto se esconde” (DEMO, 2002, p. 10). Nesse sentido, reconhece-se que, quando se analisa a realidade, isso é feito de maneira contextualizada, como um componente dela, e não de maneira sobreposta. 75 5.1 Opções metodológicas A abordagem metodológica utilizada neste trabalho constituiu-se de pesquisa qualitativa, uma vez que ela possibilita a adoção de diferentes procedimentos e técnicas de coleta de dados, com vistas à busca por mais aproximação e clareza do fenômeno social do estudo proposto. Para Minayo e Sanches (1993), a pesquisa qualitativa compreende um conjunto de técnicas interpretativas que auxiliam na decodificação de complexos significados referentes ao mundo social e admite análises profundas de realidades que não podem ser quantificadas, devido às suas inúmeras particularidades. A pesquisa qualitativa: [...] trabalha com o universo dos significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes. O que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO; SANCHES, 1993, p. 21). A abordagem qualitativa é a mais adequada para o estudo de pequenos grupos, pois sua principal característica é a abrangência da compreensão de elementos específicos (MINAYO; SANCHES, 1993). Entretanto, as abordagens qualitativas não se opõem aos métodos quantitativos, ao contrário, se complementam, pois são faces do mesmo fenômeno, que se apresentam de maneira diferenciada. Informações qualitativas são, de alguma forma, “dados possuem referências, como tamanho, frequência, escala e extensão” (DEMO, 2002, p. 8-9). Cabe ressaltar que a opção metodológica aqui proposta permite a articulação entre o geral e o particular, colaborando com o entendimento das intencionalidades encontradas na construção do marco regulatório e das relações constituídas no Conselho Municipal de Assistência Social de Barbacena. O emprego de métodos qualitativos facilita o redirecionamento da pesquisa de acordo com as interpretações obtidas pelo pesquisador na relação direta estabelecida com o objeto de estudo durante a investigação. 76 5.2 O modo de investigação A escolha do método do estudo de caso fez-se necessária devido à possibilidade da observação direta dos elementos a priori definidos, o que permite mapear, diagnosticar e analisar as percepções encontradas no contexto em que se insere o objeto deste estudo. Este é um instrumento metodológico que admite exploração, descrição e interpretação de fatos e fenômenos da realidade empírica (YIN, 2005). Essa metodologia, de acordo com o estudo de Bruyne, Hermane e Schoutheete (1991), comporta uma análise aprofundada e intensiva de casos particulares, empreendidos em organizações reais, possibilitando ao pesquisador a reunião de dados e informações que contribuam com o aprendizado de situações globais. 5.3 Unidade de análises e delimitação geográfica A unidade de análise contemplada por esta pesquisa é o Conselho Municipal de Assistência Social do município de Barbacena - MG 5.4 Procedimentos de coleta e análise de dados e instrumentos metodológicos Visto o interesse da pesquisa em verificar a participação do usuário do SUAS em relação ao controle social e à formulação de políticas públicas no Conselho Municipal de Assistência Social de Barbacena, procurou-se investigar e analisar dados que revelassem a realidade dessa participação. Utilizaram-se alguns instrumentos de investigação relativos à coleta de dados, expostos no tópico a seguir, referentes às técnicas e procedimentos para a coleta de dados. 77 5.4.1 Técnicas e procedimentos para coleta de dados 5.4.1.1 Pesquisa documental A pesquisa documental iniciou-se a partir da LOAS, perpassando a PNAS e seus dispositivos infraconstitucionais normativos, assim como pelo marco regulatório que constitui o Conselho Nacional de Assistência e suas resoluções. Em um segundo momento, a fim de compreender os princípios e as diretrizes das instituições representativas que compõem o Conselho Municipal de Assistência (CMAS) e suas relações com as políticas públicas municipal, estadual e federal, foram coletadas informações relacionadas ao objeto de pesquisa, como o termo de criação do CMAS, seu desenho institucional, sua formação, composição e modificações de leis municipais, em diferentes momentos históricos, regimento interno, resoluções, atas de reuniões e listas de presença. 5.4.1.2 Entrevistas com os sujeitos da pesquisa Minayo (1999) caracteriza a entrevista como um importante procedimento metodológico de coleta de dados. Segundo a autora, sua relevância é devida à obtenção da informação pelos próprios atores focalizados no estudo em questão, o que propicia determinada veracidade. Para ela, o relato do entrevistado fornece pistas da realidade coletiva. A entrevista permite a obtenção de dados subjetivos, porque se encontra relacionada à vivência das pessoas, suas crenças, valores, atitudes, condições sociais e ações (MINAYO, 1999). O tipo de entrevista utilizada no trabalho apresentado foi semiestruturada, de caráter individual, para possibilitar ao entrevistado avançar nas respostas do tema proposto, sem se restringir às condições preestabelecidas pelo entrevistador. No processo de entrevista, o pesquisador interagiu com os entrevistados, adaptando-se às diferentes condições em que as entrevistas se realizaram. As entrevistas foram divididas em dois momentos: no primeiro, com três membros que compõem o segmento da sociedade civil no Conselho Municipal de 78 Assistência Social; no segundo, com três membros da representação do Poder Executivo Municipal, sendo um deles o gestor municipal da Política de Assistência Social. Para a seleção dos entrevistados, foram adotados dois critérios: o da paridade, respeitando-se a representação sociedade civil - governo; e o da participação, aferida pelas anotações de presença dos conselheiros nas reuniões ordinárias do Conselho. Esses critérios foram adotados em virtude do entendimento de que os indivíduos com mais presença nas reuniões teriam melhores condições de contribuir com a pesquisa e de que o princípio da paridade seria necessário para garantir igualdade numérica. Todos os procedimentos de entrevistas foram gravados mediante a autorização dos entrevistados e posteriormente transcritos. 5.4.2 Demarcação do processo metodológico da pesquisa Realizaram-se adaptações no quadro de referência conceitual para a abordagem qualitativa, proposto por John B. Thompson e a partir das contribuições de Oliveira (2008), para demarcar o processo metodológico a ser adotado nesta pesquisa. Esta investigação envolve os procedimentos de coleta e análise dos dados, apresentando o conjunto de elementos indispensáveis para a análise qualitativa em pesquisa. A FIG. 1 mostra os componentes metodológicos que orientaram este trabalho. 79 FIGURA 1 - Esquema de referência da pesquisa qualitativa adotada ANÁLISE SÓCIO-HISTÓRICA ANÁLISE FORMAL ANÁLISE DE DOCUMENTOS ENTREVISTAS / QUESTIONÁRIOS REINTERPRETAÇÃO OBJETO DE PESQUISA Fonte: elaboração própria Descrição do quadro de referência da pesquisa qualitativa: Análise sócio-histórica: compreende a recuperação de dados, informações e registros que permitam reconstruir as condições sociais e históricas específicas em que se encontra inserido o objeto de pesquisa. Analise formal: pressupõe a reunião de dados oriundos da análise qualitativa dos documentos e entrevistas, por meio dos questionários que serão analisados e categorizados em subcategorias empíricas. Reinterpretação: é o momento principal da análise, pois é a partir da reunião de todos os dados construídos no processo de pesquisa que é feita a reinterpretação do fenômeno. Optou-se pelo termo reinterpretação, pois se entende que o campo empírico já é um campo interpretado pelos 80 sujeitos e que o pesquisador, a partir de seus dados e do referencial teórico, procederá à reinterpretação da realidade. 5.5 Aspectos éticos da pesquisa Esta pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Una (ANEXO D), de acordo com as normas do Conselho Nacional de Saúde – Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996 – que regulamentam a pesquisa com seres humanos. A participação do pesquisador nas reuniões do Conselho Municipal de Assistência Social e o acesso à documentação e aos dispositivos de normatização do Conselho foram aprovados em reunião ordinária do Conselho (ANEXO E). Todos os entrevistados foram informados sobre o motivo da pesquisa e alertados sobre a importância e as implicações de sua participação, assinando, posteriormente, um termo de livre esclarecimento (APÊNDICE B). 5.6 Procedimentos adotados para a análise dos dados O procedimento eleito para a análise das entrevistas e compreensão do entendimento dos membros do Conselho Municipal de Assistência Social a respeito da importância da participação dos usuários nos espaços de formulação e controle de políticas públicas foi a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Como técnica qualitativa, o DSC é uma proposta de organização e tabulação de dados qualitativos de natureza verbal, com vistas a possibilitar a extração das ideias centrais e/ou as ancoragens e suas correspondentes expressões-chave a partir dos depoimentos dos sujeitos. As ideias centrais e expressões-chave semelhantes são agrupadas, compondo, assim, um ou vários discursos-síntese na primeira pessoa do singular (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2003). Para Lefèvre e Lefèvre (2003), o sujeito coletivo se expressa por meio de um discurso a que os autores denominam de primeira pessoa (coletiva) do 81 singular. Trata-se, portanto, “de um eu sintático que, ao mesmo tempo em que sinaliza a presença de um sujeito individual do discurso, expressa uma referência coletiva, na medida em que esse eu fala pela ou em nome de uma coletividade” (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2003, p. 16). Nesse sentido, o DSC é uma estratégia metodológica que se utiliza do discurso para tornar mais claro o conjunto das representações contidas no imaginário de determinada representação social. Cabe ressaltar que o pensamento de uma coletividade sobre um dado tema pode ser percebido em formações discursivas ou representações sociais existentes na sociedade, como revelam alguns estudos realizados pelas Ciências Sociais (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2003). Para identificar os DSCs e auxiliar a organização e tabulação dos depoimentos, foram criadas por Lefèvre e Lefèvre (2003) quatro figuras metodológicas, a saber: expressões-chave (ECH); ideias centrais (IC); ancoragem (AC); e o discurso do sujeito coletivo. Expressões-chave (ECH) são fragmentos, trechos ou transcrições integrais do discurso que foram destacados pelo pesquisador e que expressam a essência da ideia do depoimento (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2003). Buscou-se, nessa etapa, o resgate da literalidade das expressões contidas nos depoimentos, comparando os trechos selecionados com outros trechos obtidos em diferentes depoimentos. A partir dessa técnica é possível identificar, por meio das afirmativas reconstruídas sob a forma de ECH, as ICs. A ideia central (IC) advém de um conjunto de ECHs identificadas a partir de diferentes respostas a determinada pergunta da entrevista. Ela é um nome ou expressão linguística que revela e descreve, de maneira sintética, o sentido desses conjuntos de expressões que posteriormente vão se configurar como DSC (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2003). Entretanto, é imprescindível advertir que as ideias centrais são descrições do sentido presente nas ECHs e não podem ser identificadas como interpretações. Algumas ECHs remetem não a uma IC correspondente, mas a uma figura metodológica que pode ser descrita pela teoria da representação social como ancoragem (AC), na medida em que está explicitamente relacionada a manifestações ideológicas, culturais e sociais apresentadas pelo autor de determinado discurso. Neste trabalho não se conseguiu detectar, nos discursos 82 analisados, situações claras de ancoragem e, para não se correr o risco de interpretar arbitrariamente as ancoragens genéricas, essa figura metodológica não foi utilizada. O DSC é uma síntese que deriva das etapas de extração das ICs e ECHs, representando o conjunto nuclear dos discursos. Nesse sentido, os DSCs configuram-se como expressão do pensamento coletivo, reconstruídos a partir de fragmentos de discursos individuais que, sobrepostos em categorias, retratam o entendimento de determinada representação sobre determinado tema. O DSC expressa, portanto, a opinião de que a coletividade discursa por intermédio dos indivíduos. A importância do uso dessa técnica no estudo proposto reside no fato de que a participação é uma forma de representação e sua intensidade pode ser percebida nos discursos dos sujeitos que, por meio de linguagens, descrevem os padrões de interação social no qual a participação está inserida. Posto assim, os discursos dos sujeitos coletivos encontrados nos depoimentos obtidos foram usados para demonstrar o mosaico que compõe as experiências participativas no interior do Conselho Municipal de Assistência de Barbacena e os arranjos institucionais que demarcam o lugar do usuário nesse Conselho. Para complementar o estudo e qualificar o entendimento do lugar desse usuário, incorpora-se a analise documental neste trabalho. Essa análise constituise da apreciação de materiais que possibilitem ao pesquisador um enfoque diferenciado, proporcionando o estudo de diferentes momentos históricos e permitindo o acesso a visões e compreensões de pessoas que não estão presentes. A abordagem metodológica utilizada neste trabalho privilegia a pesquisa qualitativa, com base na realização de entrevista com uma amostra de conselheiros do Conselho de Assistência Social de Barbacena, cujo instrumento de coleta dos dados é a entrevista orientada por um roteiro de perguntas. Por outro lado, parte da pesquisa documental concretizada por meio da leitura do Livro de Atas possibilita a coleta de informações analisadas quantitativamente, com base na técnica DSC a partir dos depoimentos dos presentes às reuniões. Nesse sentido, observa-se a recomendação de Rezende (2000) sobre o requisito da adoção de uma racionalidade cartesiana na organização da documentação, para orientar a análise qualitativa das informações. 83 [...] trabalhar todo material documental obtido durante a pesquisa. A tarefa de análise implica, num primeiro momento, a organização de todo o material, dividindo-o em partes, relacionando essas partes e procurando identificar nelas tendências e padrões que são reavaliados, buscando-se as relações de interferências num nível de abstração mais elevado (REZENDE, 2000, p. 85). Dessa forma, para a análise dos dados, escolheu-se a metodologia desenvolvida por Avritzer (2010) em seus estudos sobre participação. Adaptada à realidade do estudo, essa metodologia possibilita avaliar a normatividade participativa do Conselho de Assistência Social de Barbacena, comparando procedimentos e documentos que comprovam essa normatividade, como: regimento do Conselho, forma de eleição, resoluções, e participação em câmaras temáticas com resultados de estudos que demonstram outras experiências participativas. Em um segundo momento, aferiram-se os efeitos da participação por meio da análise de 54 atas de reuniões do Conselho realizadas no período de 4 de maio de 2009 a 27 de novembro de 2011. O primeiro elemento analisado nessas atas foi a vocalização dos atores que representam a sociedade civil e o Executivo nas reuniões do Conselho. O estudo da expressão verbal permite verificar o lugar do usuário no processo participativo, perceber a efetividade de suas falas, demonstrar a frequência delas e comparar com a de outros atores do Conselho. Posteriormente, examinam-se os discursos para se detectar se as proposições foram seguidas de debates, o que contribui para o entendimento do significado dessa participação. Os dados resultantes dos procedimentos metodológicos descritos foram intercruzados e evidenciaram os processos participativos no Conselho que demarcam o lugar dos diferentes atores ao longo de sua trajetória, gerando os resultados da pesquisa apresentados no próximo capítulo. 84 6 ANÁLISE DOS RESULTADOS A Constituição de 1988 possibilitou a reorganização do Estado brasileiro, por meio de suas disposições normativas associadas a leis complementares. No caso do estudo proposto, a LOAS assegura, juridicamente, a participação da sociedade brasileira no processo de gestão e controle da política pública de assistência. Isso inscreve, teoricamente, a participação como um direito do cidadão e dever do Estado. Para materializar essa participação, foram criados espaços como os Conselhos, de natureza deliberativa e composição paritária, onde se reúnem representantes do governo e da sociedade civil. Subdividida em três segmentos (trabalhadores, prestadores e usuários), a representação da sociedade civil enfrenta dificuldades para tornar a participação dos usuários efetiva no sentido de transformá-los em protagonistas na definição dos benefícios criados para eles. Estes são excluídos dos processos de participação, muitas vezes, em função de suas condições socioeconômicas, assim como da prevalência de uma cultura elitista e conservadora. Dessa forma, o desafio que se apresenta, como sugere Cunha (2010), é promover a inclusão social e política desses sujeitos em situação de vulnerabilidade, colocados à margem dos processos participativos. Nessa perspectiva, este trabalho tem a pretensão de contribuir com o entendimento da posição dos usuários nos arranjos participativos nos quais se inserem os Conselhos, a partir do estudo de caso do Conselho Municipal de Assistência Social de Barbacena, e encaminhar proposições para que seja incrementada a participação efetiva desses sujeitos. O QUADRO 1 sintetiza os objetivos específicos buscados para a consecução do objetivo geral, assim como os passos metodológicos adotados e o índice dos resultados alcançados. 85 QUADRO 1- Objetivos da pesquisa e passos metodológicos Objetivo Geral Objetivos específicos a – Identificar os instumentos legais que asseguram a partcipação social b - Analisar os princípios, diretrizes e organização que orientam a assistencia social brasileira C - Identificar os elementos constitutivos do Conselho Gestor de Assistência Social D - Analisar a participação dos atores da sociedade civil e do segmento governamental no CMAS E - Verficar como tem acontecido a participação dos usuários no CMAS Analisar como tem acontecido a participação dos usuários da assistência social como representação da sociedade civil no Conselho Municipal de Assisstência social e se ela tem seguido a diretriz da participação social prevista tanto da CF-88 quanto da LOAS e PNAS. Passos metodológicos Índice em resultados Pesquisa documental do Capítulo arcabouço legal e normativo 4.1 Pesquisa documental do arcabouço legal e normativo Capítulo 4.2 Pesquisa documental do arcabouço legal e normativo Capítulos 4.3 a 4.6 Estudo de caso com base numa pesquisa qualitativa: realização de entrevistas com amostra de membros do Conselho, cuja análise foi realizada por meio da técnica do DSC Estudo de caso com base numa pesquisa quantitativa: contagem das vocalizações registradas em atas de reuniões Capítulo 6.1 Capítulo 6.2 O estudo da expressão verbal permite verificar o lugar do usuário no processo participativo, perceber a efetividade de suas falas, demonstrar a frequência destas e comparar com a de outros atores do Conselho. Posteriormente, examinam-se os discursos para se detectar se as proposições foram seguidas de debates, o que contribui para o entendimento do significado dessa participação. Para o alcance do objetivo proposto, a análise centrou-se nos resultados dos dois métodos adotados nesta pesquisa. O primeiro, focado na pesquisa realizada com a amostra de conselheiros; e o segundo, na busca, em atas de reuniões registradas no Conselho, de pistas indicadoras do grau de participação dos usuários nessas reuniões, por meio da observação da capacidade de 86 vocalização dos usuários. Configura-se, assim, um discurso sobre a realidade (LEFEVRE; LEFEVRE, 2003) do Conselho de Assistência Social de Barbacena. 6.1 Entrevistas com os conselheiros do CMAS de Barbacena Num primeiro momento, apresentam-se o perfil dos conselheiros e a descrição do universo da pesquisa. Num segundo momento, recorre-se à técnica de análise de discurso, fundamentada no DSC, no intuito de perceber as representações sociais contidas nas respostas dos sujeitos às entrevistas. Dando continuidade ao uso dessa técnica, foram pinçadas as expressões-chave e as ideias centrais equivalentes para, por meio das ideias centrais, resgatar os pensamentos relevantes contidos nas respostas e construir o pensamento coletivo, via metadiscurso. 6.1.1 Universo da pesquisa Criado em 4 de julho de 1995, pela Lei municipal n° 3.187 (ANEXO A), o Conselho de Assistência Social de Barbacena objetiva assegurar os princípios e as disposições gerais das normativas nacionais estabelecidas na Constituição Federal de 1988 e na Lei Orgânica de Assistência Social. Atualmente, o Conselho é composto de 10 membros, sendo cinco representantes do governo municipal (Secretarias de Bem-Estar Social, Comunicação, Educação, Saúde, Finanças e Planejamento) e cinco representantes da sociedade civil, subdistribuídos em um representante da entidade de atendimento à criança e ao adolescente; de atendimento ao idoso; de atendimento à pessoa portadora de deficiência; do usuário; e do trabalhador da assistência social. Para obtenção dos dados empíricos deste estudo, foram entrevistados seis conselheiros, sendo três membros governamentais e três da sociedade civil, subdistribuídos pelos segmentos (usuário, prestador, trabalhador), o que equivale à amostragem de 60% do universo da representatividade do Conselho. 87 A seguir, apresentam-se informações incluídas no roteiro de entrevista, constante no APÊNDICE C, com o objetivo de contextualizar a construção do DSC, relativas à caracterização dos entrevistados para compor o perfil da amostra contemplada e ao seu conhecimento sobre os dispositivos regulatórios e normativos. 6.1.2 Perfil da amostra contemplada Dos seis conselheiros abordados para a realização das entrevistas, 80% possuíam idade acima de 35 anos; 68% eram homens e 32% mulheres; 50% eram naturais de Barbacena e 50% provenientes de municípios vizinhos. O funcionalismo público foi a atividade de mais representação no Conselho, ou seja, dos 68% dos entrevistados, 16% eram educadores e 16% rodoviários, o que pressupõe o conhecimento, pela maior parte dos conselheiros, da funcionalidade da máquina pública municipal. A escolaridade dos conselheiros é um dado importante a ser destacado: 50% possuíam ensino superior; 16%, superior incompleto; 16% médio; e 16% o fundamental. Todos os entrevistados constituíam outras instâncias participativas, sendo que 84% participavam do Conselho de Assistência Social há mais de dois anos. O conhecimento dos conselheiros relativo aos dispositivos legais que regulam e normatizam a assistência social brasileira também foi aferido. Dos entrevistados, 33% afirmaram conhecer a PNAS; 68% disseram conhecer a LOAS; e 84% reconheceram não ter lido seu conteúdo na totalidade. 6.1.3 Análise das entrevistas As entrevistas realizadas com os membros do Conselho Municipal de assistência do social, do município de Barbacena-MG, geraram informações para a análise por meio da técnica “Discurso do Sujeito Coletivo”, desenvolvida por Lefèvre e Lefèvre (2003), na busca de compreender os componentes do imaginário social da representação que compõe o Conselho Municipal de Assistência Social de Barbacena. Essa ferramenta metodológica orienta a 88 discriminação das “expressões-chave” e a extração das “ideias centrais” contidas nos depoimentos dos entrevistados, bem como o agrupamento dos discursos individuais de modo que eles ofereçam pistas sobre o pensamento de uma coletividade. Dessa forma, como sugerem Lefèvre e Lefèvre (2003), o sujeito coletivo se expressa por meio de um discurso emitido no que poderia se chamar de primeira pessoa (coletiva) do singular. Ou seja, um eu sintático que sinaliza a presença de um sujeito individual no discurso, ao mesmo tempo em que indica a existência de uma referência coletiva, viabilizando assim, indícios de um pensamento social. Os quadros a seguir apresentam as expressões-chave e a ideia central contidas nas informações coletadas nas entrevistas para auxiliar na construção do DSC, discriminados por temas abordados nas entrevistas. Os temas tratados foram: conceito de participação; dificuldades e limites da representação dos usuários no CMAS; colaboração dos usuários na qualificação das políticas públicas; e a participação dos usuários no CMAS. Os respondentes foram discriminados por meio do índice Sn (n varia de 1 a 6), para preservar as suas identidades. Nas colunas 1 estão apresentadas as expressões-chave e nas colunas 2 a ideia central, ambas as informações extraídas das entrevistas concedidas. O QUADRO 2 apresenta a extração do DSC da pergunta 1: A partir de sua experiência de vida e profissional, o que significa participação social? 89 QUADRO 2 - Os significados do conceito de participação social Pergunta 1: A partir de sua experiência de vida e profissional, o que significa participação social? Expressões-chave Ideia central S¹: Participação social é poder fazer uma troca de conhecimento de ações para poder modificar a vida das pessoas, promover a situação da família como um todo. S²: Transformação da realidade, a possibilidade de ver o mundo com justiça, igualdade, com direitos garantidos. S³: A participação social é muito importante, nós podemos dar uma parcela de contribuição para aquelas pessoas mais carentes, aquelas pessoas mais necessitadas, aquelas pessoas que vivem na exclusão. o Conselho Social vê muito esse lado, nós participamos muito desse lado. S4: Eu acho que a participação social é um espaço que a gente cria e a gente tem que saber aproveitar, porque eu acho é um momento das reivindicações, é o momento das proposições, então eu acho assim que é um espaço muito importante. S5: Significa você influenciar as mudanças da política junto ao governo, você ter condição de mudar o direcionamento do que vai ser implantado pelo município ou pelo Estado ou pela União. Troca de conhecimento modificadora e promotora da situação familiar. Transformação com base em justiça, igualdade e direitos. Participação social é importante com foco nas pessoas carentes, necessitadas e excluídas. Importante espaço autocriado para reivindicações e proposições. Participação social significa você ter condições de mudar o que vai ser implementado pelo Estado. S6: Tudo, presidência, participação da Tudo: presidência, sociedade, sociedade, educação, saúde. educação, saúde. A formulação do DSC a partir das respostas dos sujeitos entrevistados à pergunta 1 foi feita destacando-se trechos dos depoimentos expressões-chave e retirando-se delas as ideias centrais. Buscou-se, assim, resgatar as principais informações contidas nos discursos em “estado bruto”, agregando-as de forma sintética, no intuito de reconstituir discursivamente a representação social do atores que compõem o Conselho. Do agrupamento dessas ideias foi possível levantar os seguintes discursos: 90 DSC 1 - participação social é um espaço autocriado importante, onde há a possibilidade de se estabelecerem trocas de conhecimentos para a transformação da realidade da vida das pessoas carentes e excluídas, por meio da centralização das reivindicações e encaminhamento das proposições, com justiça, igualdade e direitos, para influenciar e mudar o direcionamento das políticas públicas a serem implementadas pelo município, estado e União (E - S1, S2, S3, S4, S5). DSC 2 - participação social é tudo, presidência, sociedade, educação, saúde (E - S6). Observou-se, a partir dos DSCs, que os sujeitos entrevistados têm compreensão do significado do termo participação social. A conceituação apresentada pelo grupo sinaliza um tipo de participação compartilhada, que visa ao interesse comum e busca crescente conquista de espaços, para que os indivíduos possam administrar seus próprios destinos, como sugere Pinto (2005). A esse entendimento soma-se a percepção sobre a importância de se criarem espaços para reivindicações e proposições e o desejo de transformação manifestado nos depoimentos. Entretanto, foi possível perceber, na fala de S5, que: [...] participação direcionamento do uma compreensão que não condiz participativos. significa [...] você ter condição de mudar o que vai ser implantado pelo município, evidência de voltada para a concessão de espaço pelo Estado, o com a realidade encontrada nos processos Demo (2009) adverte que a sociedade se organiza de forma hierárquica com tendências históricas de dominação, o que significa que as condições para realizar as mudanças precisam ser conquistadas. Nesse sentido - completa o autor -, a participação não é uma dádiva, ao contrário, ela requer disputa e enfrentamento com o constituído. Não há participação preexistente, natural. Se assim é encontrada, isso se dá é porque em algum momento anterior ela foi conquistada. Outro aspecto a ser destacado nos depoimentos é a função educativa atribuída ao significado de participação. Na teoria da democracia participativa desenvolvida por Pateman (1992), a educação é reconhecida como a principal 91 função da participação, tanto no aspecto psicológico quanto no de aquisição de prática de habilidades e procedimentos democráticos. Sendo assim, a participação é, antes de mais nada, um processo educativo-pedagógico em que sujeitos experimentam o debate, formulam propostas, reagem ao que não concordam e constroem consensos e soluções dialogadas (MORONI; PINHEIRO, 2009). É, também, um instrumento que viabiliza o aprendizado e o exercício da cidadania, portanto, quanto mais os indivíduos participam, mais capacitados eles se tornam para fazê-lo. No entanto, a participação não é um fenômeno dado, mas produzido e reproduzido e, como tal, sujeito a interferências de indivíduos e corporações que disputam hegemonia nas decisões produzidas pelo Estado. Dessa forma, a conquista pelos espaços participativos garantidos na Constituição Federal e nas leis complementares teria, pois, relevante papel no que diz respeito à expressão daqueles que estão à margem dos processos decisórios de construção de políticas públicas. Busca-se, por meio dos dispositivos constitucionais, assegurar a participação da sociedade nos Conselhos, na tentativa de reduzir o hiato entre aqueles que atuam nos diversos níveis de decisão e os beneficiários (SILVA; JACCOUD; BEGHIN, 2005). Acontece que, na prática, ainda estamos distantes da inclusão dos sujeitos demandantes na elaboração e na gestão dos serviços que vão afetar as suas próprias vidas, como mostram os dados do QUADRO 3. Neste é exibida a extração do DSC a partir da pergunta 2: Há dificuldades/limites nessa representação de “usuários’’ na composição representativa do CMAS? Quais? 92 QUADRO 3 - Dificuldades e limites da representação dos usuários no CMAS Pergunta 2: Há dificuldades/limites nessa representação de “usuários’’ na composição representativa do CMAS? Quais? Expressões-chave Ideia Central S1: Sim, hoje, por exemplo, nós precisamos montar uma equipe de controle social do Usuário de difícil programa bolsa-família e nem isso precisamos de mobilização e empenho um usuário. E dificilmente consegue esse usuário, insuficiente da Secretaria. é difícil essa mobilização. Falta mobilização da parte do Conselho, da parte do gestor e da própria Secretaria, falta um pouco de empenho. S2: Com certeza, o usuário não vai vim para o centro da cidade para participar de uma reunião, O usuário tem dificuldade né? Que ele vai se sentir completamente um de acesso ao centro da peixe fora d'água. Então, assim, as possibilidades cidade e não se sente à de reuniões em diversos locais de fazer reuniões vontade nas reuniões. em CRAS, enfim é uma possibilidade para a participação do usuário, agora quando isso é discutido com entidade, com governo, a gente escuta, nossa, mas no centro o povo já não vai imaginar se vai parar lá no CRAS lá no fim do mundo. S3: Existem algumas dificuldades, porque o O usuário, muitas vezes, usuário muitas vezes ele não participa do não participa do Conselho, Conselho, muitas vezes ele não gosta de porque não gosta de participar, não sei por que, talvez por timidez não participar, por timidez ou quer falar não quer expor os assuntos que estão desinteresse nos assuntos. acontecendo, então existe esse impasse aí. S4: Acredito que não, a partir do momento em que Não há limites à abriu o espaço que para eles acho que não. participação, pois o espaço Porque te falo hoje vamos pegar um segmento foi aberto para eles. Mas, que está à margem, já pensou no Conselho a nós estamos aqui gente ter a representatividade dos moradores de pensando para eles, mas rua, como que isso seria interessante nós será que não seria melhor ouvirmos quais são as aspirações. Eu acho que pensarmos juntos com cada cabeça é uma sentença porque nós eles? estamos aqui pensando para eles, mas será que não seria melhor pensarmos juntos com eles? S5: [...] lamentavelmente muita gente não quer se As pessoas não querem se envolver as pessoas ou vão participar de alguma envolver, porque isso gera coisa onde elas vão resolver um problema um comprometimento e pessoal ou da entidade então ela não quer uma frequência de participar porque isso enche o saco, tem que ter comparecimento à qual não compromisso, tem que ir todo mês. estão dispostos. S6: Eu tenho todo espaço. A participação que eu O espaço é meu e a minha tenho lá tá bom. Porque inclusive para você que participação é suficiente, tá participando do Conselho você tem que ter porque se eu colocar muita uma certa noção, porque se você for colocar coisa inviabiliza os muita coisa lá vai acabar não dando. resultados. 93 A formulação do DSC a partir das respostas dos sujeitos entrevistados à pergunta - há dificuldades/limites nessa representação de “usuários’’ na composição representativa do CMAS? Quais? - está apresentada a seguir. DSC1 - O Conselho está aberto para participação dos usuários, no entanto, o empenho por parte dos conselheiros e da gestão municipal é insuficiente para mobilizar esse segmento. Problemas relacionados ao local de reunião, mobilidade e interesse também são considerados impeditivos. Participar significa envolvimento e frequência de presença, responsabilidades estas que as pessoas não estão dispostas a assumir (E - S1,S2,S3,S5,S6). DSC 2 - Nós estamos aqui pensando para eles, mas será que não seria melhor pensarmos junto com eles?”(S4). Faz-se necessário destacar que os DSCs produzidos a partir da pergunta 2 revelam importante dimensão da participação referente à representação, que Pitkin (1967) define como: “o agir no lugar de”, que pode ser observado na vocalização de um dos entrevistados [...] “Nós estamos aqui pensando para eles, mas será que não seria melhor pensarmos junto com eles?” O “pensar para” obstrui, segundo Pereira (2001), a construção de um projeto democrático participativo, dificultando o envolvimento e a integração dos atores sociais nas questões de natureza pública. Nesse sentido, é mister reforçar que a participação é uma ação na qual os indivíduos precisam se envolver, “fazendo parte” dos processos de forma direta, para que possam exercer o papel de protagonista na formulação, avaliação e controle das ações à qual serão submetidos. Para Gonh (2007), incluir os indivíduos demandantes passa pela melhor compreensão do novo papel da participação como instrumento de intervenção social nas prioridades das políticas sociais e na universalização do direito. No entanto, os DSCs demonstram, também, que o Conselho está longe de incluir os usuários nos processos participativos, primeiro por atribuir ao usuário a responsabilidade de sua falta de participação: “[...] o usuário muitas vezes não participa do Conselho porque não gosta de participar, [...] as pessoas não querem se envolver, porque isso enche o saco”. Segundo, porque as organizações da sociedade civil vêm atuando por uma espécie de substituísmo, agindo como uma espécie alter desses indivíduos, dependentes dos recursos públicos, que não conseguem se autorrepresentar 94 para interferir nos processos que poderiam garantir a satisfação de suas necessidades (RAICHELIS, 1998). Avritzer (2010) adverte que as organizações criadas pela sociedade civil, prestadoras de serviços às camadas mais empobrecidas, tendem a assumir a função de representação dessa parcela da população, compartilhando com outras instituições uma espécie de “autorização representativa”. No entanto, para Pitkin (1967) a representação não consegue incorporar a maior parte dos anseios de seus representados, o que requer que os indivíduos possam, por eles mesmos, defender seus interesses, valores e ideais. Sendo assim, a participação dos usuários depende não apenas de estruturas e mecanismos que garantam juridicamente sua inclusão, mas, sobretudo, necessita de consciência e iniciativa política para romper os ciclos viciosos que historicamente vitalizam a incapacidade das camadas empobrecidas em lutarem contra a posição de subalternidade ocupada por elas. Com vistas em compreender, a partir do entendimento dos conselheiros, a importância da participação dos usuários nos processos de qualificação das políticas públicas, o QUADRO 4 apresenta a extração do DSC da pergunta: a colaboração dos usuários no Conselho poderia qualificar as políticas públicas de assistência social? 95 QUADRO 4 - A colaboração dos usuários na qualificação das políticas públicas de assistência social Pergunta 3: A colaboração dos usuários no Conselho poderia qualificar as políticas públicas de assistência social? Expressões-chave Ideia Central S1: Com certeza, porque ele está lá na ponta. Sim, porque o usuário é a quem se destinam as políticas. S2: Com certeza, se o usuário tivesse voz as O usuário não tem voz. coisas seriam bem diferentes. S3: Eu acho que o usuário poderia participar O usuário poderia participar/ do Conselho, ele poderia opinar porque eu opinar no Conselho, mas as acho isso muito importante, mas as maiores decisões mais importantes são decisões ficam com o próprio Conselho, mas tomadas por outros membros. o usuário poderia participar sim. S4: Com certeza, porque uma coisa é eu não É difícil representar os passar por uma necessidade e falar de uma interesses alheios. coisa que eu ouço dizer [...] eu acho que tem muito mais pessoa chegar e dar seu depoimento. S5: Não tenha dúvida, eu acho que quando A discussão de ideias produz você tem uma ideia e essa ideia você discute resultados interessantes, mas é [...] sai coisas muito interessantes, só que difícil reunir muitas pessoas em infelizmente para você reunir na associação uma só. dos deficiente 20 pessoas é uma [...] eu não tenho a receita do bolo de como mudar isso. S6: Sim, como conselheiros eles poderiam Sim, como conselheiros os opinar debater e cobrar. usuários têm o direito de opinar, debater e cobrar. A formulação do DSC, a partir das respostas dos sujeitos entrevistados à pergunta 3, encontra-se sintetizada nos fragmentos a seguir. DSC 1 - O usuário poderia participar, opinar e cobrar, porque é destinatário da política de assistencial social, no entanto, as decisões mais importantes são tomadas por outras instancias representativas, na qual o usuário não tem voz (E - S2, S3, S1, S4). DSC 2 - Eu não tenho a receita do bolo de como mudar isso (S5). As respostas colhidas nas entrevistas evidenciam o lugar da representação dos usuários nos processos participativos produzidos pelo Conselho. Destaca-se uma delas: “Se o usuário tivesse voz as coisas seriam bem diferentes. Acho que o usuário poderia participar do Conselho, ele poderia opinar, mas as maiores decisões ficam com o próprio Conselho”. 96 Mesmo tendo o direito à participação assegurado nas disposições legais que normatizam o Conselho, os usuários encontram resistências que dificultam seu envolvimento com as questões que dizem respeito às suas próprias vidas. Isso se mostra no fato de os usuários não serem reconhecidos como parte integrante legítima do próprio Conselho. Assim, é possível perceber, a partir da vocalização dos conselheiros, a ideia que ainda perdura no imaginário social no campo da assistência, a de incapacidade civil dos usuários (BOCHETTI, 2000). Essa concepção de subalternidade, para Telles (1992), acaba produzindo e reproduzindo desigualdades, definindo lugares sociais e sociabilidades. A não compreensão do “outro” como igual em termos de direito termina por ferir a condição de igualdade, característica central a ser observada nos processos participativos (TATAGIBA, 2003). Como beneficiários finais, os usuários deveriam configurar-se não como objeto da política social, mas como protagonistas/demandantes, colaborando com o Estado na elaboração e fiscalização das ações e serviços. Nessa perspectiva, a participação desses atores nos espaços públicos resulta na possibilidade de os excluídos expressarem seus interesses e necessidades, impondo-os à consideração pública (TATAGIBA, 2003). No entanto, a redução do hiato que separa os usuários das deliberações que envolvem seus destinos “só pode ser fruto de um processo árduo de participação que é conquista, em seu legítimo sentido de defesa de interesses contra interesses adversos” (DEMO, 2009, p. 23). Convém também destacar que mudar essa situação é entendida como uma não competência do Conselho, o que se pode observar no fragmento do discurso de um dos conselheiros: “Eu não tenho a receita do bolo de como mudar isso”. Não ter a “receita” pode ser interpretado como falta de compromisso, envolvimento e vontade de dialogar para encontrar soluções para tornar efetiva a participação da representação do segmento usuário. Nessa perspectiva, já que a viabilização dessa mudança parece não ser de interesse do próprio Conselho, pode-se interpretar que a participação tende a ser um discurso teórico que, segundo Demo (2009), é mais fácil pregar aos outros do que concretizá-lo em nós. O fortalecimento da participação da sociedade civil nos espaços públicos representa a possibilidade de modificar a institucionalidade pública, aumentar o 97 controle social e inverter o modelo de gestão do Estado (TELLES, 1992). Efetivamente, a participação supõe uma relação de poder entre os atores que fazem parte das instâncias de formulação e negociação, inclusive se constituindo em um instrumento para qualificar as disputas e lutas por maiores espaços de influência política. Por isso, a participação não pode ser entendida com algo a ser doado, preexistente, facilitado. Ela precisa ser conquistada. O QUADRO 5, a seguir, apresenta a extração do DSC da pergunta: Por que não se garantiu a participação dos usuários no Conselho Municipal de Assistência Social? QUADRO 5 - A garantia da participação dos usuários no Conselho Municipal de Assistência Social Pergunta 4: Por que não se garantiu a participação dos usuários no Conselho Municipal de Assistência Social? Expressões-chave Ideia central S¹: A lei municipal prevê isso? Eu não estou Desconhecimento da lei e conseguindo lembrar. tratamento do usuário como incapaz. S2: Olha, historicamente eu não sei. Hoje a lei propõe um representante de entidades e usuários, a lei municipal coloca isso. Só que ela é preenchida por associação comunitária ou por alguma entidade que se entenda nesse papel [...] às vezes a entidade fala e eu represento o usuário. S3: Não sei questões políticas, não sei. A obrigação legal é preenchida por outra entidade que se entenda como representante do usuário. Desconhecimento de questões legais, entendidas como políticas. S4: Agora que a gente vê isso com mais clareza A prática habitual mascara o ou atentando para isso. Porque às vezes as cumprimento da lei. coisas acontecem tão costumeiras que você não para e analisa o que está deixando de cumprir na lei. E esta tem sido uma preocupação deste Conselho. S5: Isso está previsto na lei? Realmente é uma Desconhecimento do falha, não sei, eu não tive participação nessa requisito legal e critérios organização [...] o que foi feito para nós foi um estranhos à lei na definição ofício pedindo para indicar quem seria o da participação. representante dos deficientes. Como a última vez foi a APAE, agora era nossa vez no Conselho. S6: Não sei por quê! Desconhecimento da lei. 98 A formulação do DSC, apresentada a seguir, foi elaborada a partir da organização das ideias centrais provenientes das respostas à pergunta: Por que não se garantiu a participação dos usuários no Conselho Municipal de Assistência Social? DSC 1 - A participação dos usuários no Conselho não está assegurada, mesmo sendo garantida pelos marcos legais. O desconhecimento por parte dos conselheiros da legislação normativa, o não entendimento da representação desse segmento e as práticas que mascaram o cumprimento da lei são fatores que dificultam a participação dos usuários no Conselho (E - S1, S2, S3, S,4, S5, S6). Observa-se, a partir dos DCSs, que a efetividade da participação dos usuários no Conselho Municipal de Assistência Social de Barbacena necessita muito mais do que garantias constitucionais e jurídicas para concretizar-se como direito. Talvez porque incluir os usuários no Conselho signifique perder a condição de representatividade que “permite agir no lugar de”, o que altera uma situação produzida e reproduzida por uma sociedade autoritária, assistencialista e tutelada. Outra possível explicação reside no fato de que são poucos os assentos no Conselho e não estar representado pode dificultar o acesso das instituições aos mecanismos legais que definem as prioridades da aplicação dos recursos públicos (SILVA; JACCOUD; BEGHIN, 2005). Esses pressupostos demonstram, assim como os dados coletados na pesquisa, que a inclusão política dos usuários não se configura como prioridade nos debates produzidos pelos conselheiros. Nesse sentido, conclui-se usando a vocalização de um dos sujeitos entrevistados (S4), que “as coisas acontecem tão costumeiras que você não para e analisa que o que está deixando de cumprir é a lei”. Sendo assim, cabe ressaltar que garantir a participação dos usuários é um dever preconizado nos dispositivos que normatizam a assistência social. Entretanto, é notória a falta de comprometimento do Estado e dos segmentos que compõem o Conselho em criar condições que possibilitem a ampliação do controle democrático - refletido na intensa e diversificada participação do usuário sobre a gestão pública (PINTO, 2005). Dessa forma, entende-se que os socialmente excluídos precisam criar consciência da importância de se autorrepresentarem, conquistando, centímetro 99 por centímetro, os espaços existentes de formulação, gestão e controle das políticas públicas. Há, contudo, desafios e obstáculos que operam para dificultar essa participação, tradicionalmente excluída dos processos de decisões políticas. “Mas [...] dizer que não participamos porque nos impedem não seria propriamente o problema, mas precisamente o ponto de partida” (DEMO, 2009, p. 19). 6.2 Resultados da pesquisa nas atas das reuniões e análise O aferimento do grau de efetividade da participação dos atores sociais, de maneira especial dos usuários na formulação e no controle da política pública de assistência social em nível municipal, foi feito por meio da pesquisa documental em atas de reuniões arquivadas no Conselho. Assim, buscou-se, por meio das vocalizações encontradas nas atas de reuniões do Conselho, contabilizar as falas de cada segmento emissor representativo (TAB. 1), observando-se seu conteúdo (TAB. 2). Para isso, adotouse a metodologia de codificação desenvolvida por Cunha (2010) em pesquisas anteriores que visavam demonstrar a inclusão deliberativa nos Conselhos Municipais de Assistência Social. Assim, para melhor distinção dos termos utilizados para caracterizar os sujeitos presentes às reuniões, fazem-se necessárias suas discriminações, quais sejam: Atores externos a) Ator externo do governo (ator ext. gov) - técnicos da administração pública municipal, membros do governo que prestam assessoria ao Conselho e participam eventualmente das reuniões. b) Ator externo da sociedade civil (ator ext. SC) – pessoas que acompanham periodicamente as reuniões. c) Ator não identificado (ator NI) - fala não identificada. Conselheiros representantes do governo a) Segmento governo (segm. governo) - funcionários públicos indicados pelo Executivo. Conselheiros representantes da sociedade civil a) Segmento prestador de serviço (segm. prestador) – em geral, são representantes de entidades estruturadas em ONGs, com nível de 100 escolaridade elevado, dotados de certa experiência em instituições participativas (LUCHMANN, 2006). b) Segmento usuário (seg. usuário) - destinatários dos programas e serviços de assistência social, oriundos das camadas empobrecidas da população (RAICHELIS, 1998). c) Segmento trabalhador (segm. trabalhador) – trabalhadores da assistência social em Barbacena. Nessa exposição de resultados, verifica-se, por meio da contagem e qualificação das vocalizações registradas em atas de reunião, a intensidade da participação da representação da sociedade civil, destacando-se o segmento dos usuários, categoria escolhida como objeto deste estudo. Então, o instrumento de observação é o mecanismo da “voz” para estimar a capacidade de cada segmento interferir nos processos de construção de políticas publicas. A TAB. 1, a seguir, mostra o percentual de vocalizações por segmento, conforme registro em 54 atas de reuniões públicas no CMAS de Barbacena, de 2009 a 2011. TABELA 1 - Vocalizações por segmento no CMAS de Barbacena, nas reuniões de 2009 a 2011 Segmento N° de vocalizações por segmento Percentual de vocalização por segmento% Ator externo gov 66 31,28 Ator externo SC 12 5,69 Ator NI 0 0,00 Seg. governo 71 33,65 Seg. prestador 14 6,64 Seg. usuário 0 0,00 Seg. trabalhador 48 22,75 TOTAL 211 100 Fonte: elaboração própria, com base em 54 Atas de reuniões realizadas de 2009 a 2011 . 101 A análise dos dados da TAB. 1 revela a predominância da vocalização do segmento governamental, que representa 33,65% das manifestações aferidas nas atas. Esse dado é mais relevante quando agrupado às vocalizações atribuídas aos atores externos do governo, que constituem 31,28%. A somatória dessas vocalizações resulta em 64,93% das manifestações aferidas. É possível detectar que os atores ligados ao governo conseguem se manifestar de maneira mais efetiva no Conselho, o que também corrobora as constatações nos estudos de Avritzer (2010), ao analisar as vocalizações dos mesmos segmentos representativos em Conselhos de cinco capitais brasileiras (Belo Horizonte, Florianópolis, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo). O segmento dos trabalhadores da assistência social aparece no quadro demonstrativo como responsável por 22,75% das falas, durante as reuniões do Conselho. Cabe ressaltar que a função de presidente é exercida por essa representação. Destaca-se a baixa capacidade de vocalização do segmento dos prestadores de serviço (6,64%). Esse resultado não ratifica os dados obtidos em estudos sobre a participação nos conselhos de assistência realizados por Luchmann (2006), segundo os quais o segmento de prestadores de serviço responde pela elevada frequência das vocalizações registradas. No entanto, o resultado mais preocupante dessa apuração refere-se à ausência de manifestação dos usuários, pois estes são os indivíduos beneficiários da política de assistência, que deveriam exercer o papel de protagonistas nas ações que envolvem seus destinos. A ausência da vocalização da representação dos usuários nos espaços públicos de construção coletiva reflete a posição ocupada pelas camadas pobres da população brasileira. Privadas do direito à “voz”, essas camadas populares fazem jus a um estatuto de minoridade civil ou, como denomina Telles (1992), pobreza incivil. É preciso atentar para a complexidade da participação dos usuários nos espaços deliberativos e de construção de políticas públicas. Questões de naturezas econômicas, culturais e políticas, associadas ao comportamento de uma sociedade historicamente assentada sobre os pilares do clientelismo, autoritarismo e das desigualdades sociais, parecem ser determinantes na obstrução da participação desse segmento (LUCHMANN, 2006). 102 No entendimento de Chauí (2005, p. 25), “somente as classes populares e os excluídos concebem a exigência de reivindicar direitos”. Isso significa que eles precisam se estabelecer de maneira efetiva nos espaços sociais de luta (movimentos sociais populares e sindicais), para que possam se fazer representar nas instituições produtoras e garantidoras de direitos. No entanto, a cultura do “assistencial” ainda é amplamente disseminada pela sociedade brasileira, que tutela e vulnerabiliza os segmentos mais pobres, o que dificulta a possibilidade de os indivíduos demandatários se tornarem sujeitos capazes de inscrever na institucionalidade democrática as garantias necessárias para o acesso aos direitos, como observa Raicheles (1998). Os Conselhos de Assistência Social foram criados e inseridos na estrutura de poder como um instrumento para dar voz à sociedade civil, o que é um avanço democrático. A existência do CMAS em Barbacena demonstra que esse avanço se disseminou geograficamente neste país, mas existem formas de o poder instituído tentar se apropriar desses instrumentos. Isso porque os Conselhos não estão protegidos como espaços onde não se configurem disputas, o que compromete o jogo democrático. Dessa forma, segundo Bava (2005), é preciso ter cacife para entrar no jogo e participar da disputa ali presente. Mas cometemos um erro de interpretação, se podemos chamar assim. Ignoramos que esses espaços têm uma dimensão de disputa. Acreditamos que fortalecendo esses espaços de participação, esses novos espaços públicos, já estaríamos contribuindo para a democratização das políticas e universalização dos direitos. Digo que cometemos um erro porque, sendo espaços de disputa, é preciso ter cacife para entrar no jogo e fazer a disputa. Deixamos para segundo plano o fortalecimento das entidades, dos movimentos, das formas de representação junto aos bairros, às comunidades, para que aquele conselheiro lá presente tivesse capacidade de mobilização que o “empoderasse” naquele espaço de disputa (BAVA, 2005, p. 36). Para ampliar a compreensão sobre a efetividade da participação no CMAS de Barbacena, para aferir o grau de “empoderamento” dos sujeitos a quem se destinam as políticas, examinam-se, a seguir, os registros das falas de cada segmento representativo do Conselho, categorizando as vocalizações de acordo com o tipo de manifestação de cada ator. Dessa forma, podem-se quantificar as proposições, sugestões, debates, contestações, questionamentos, apresentações de denúncias e demandas que cada um apresentou nas reuniões. A TAB. 2 quantifica os tipos de manifestações no CMAS de Barbacena de 2009 a 2011. 103 TABELA 2 - Tipos de manifestação no CMAS de Barbacena, nas reuniões de 2009 a 2011 ContesDenúnEsclare- QuestioDebate SugestãoProposição Demanda cimento namento tação Cia Informação SEGMENTO 36,02% N° 21,33% % N° % 9,95% N° % 7,11% N° 0,95% % N° % 6,16% N° % N° 13,74% % 2,84% N° % N° 1,90% % Ator ext. 26 34,2122 48,89 4 gov 19,05 4 26,67 0 0,00 1 7,69 4 13,79 4 66,67 1 25,00 Ator ext. SC 3 3,95 1 2,22 4 19,05 1 6,67 0 0,00 0 0,00 3 10,34 0 0,00 0 0,00 Ator NI 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 19,05 5 33,33 1 50,00 9 69,23 8 27,59 0 0,00 0 0,00 Segm. gov. 31 40,79 13 28,89 4 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 Segm. prest. 1 1,32 1 2,22 6 28,57 0 0,00 1 50,00 0 0,00 3 10,34 1 16,67 1 25,00 Segm. usuário 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 Segm. trab 15 19,74 8 17,78 3 14,29 5 33,33 0 0,00 3 23,08 11 37,93 1 16,67 2 50,00 0,00 Plenário 0 0,00 0 0,00 0 TOTAL 76 100 45 100 21 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 100 15 100 2 100 13 100 29 100 0 0,00 0 0,00 0 0,00 6 4 100 100 Elaboração com base em 54 atas de reuniões realizadas de 2009 a 2011 . É possível perceber, a partir dos dados apresentados na TAB. 2, que o tipo de manifestação que aparece com mais frequência nas reuniões do Conselho diz respeito à informação (36,02%), que é geralmente utilizada pela representatividade governamental (40,79%) como recurso para dar publicidade às ações dos aparelhos públicos e programas que são vinculados à Secretaria de Assistência. No entanto, esse dado leva a refletir se a preponderância governamental nesse aspecto não propicia a formulação da agenda por parte do Executivo. Pinto (2005) adverte que o segmento governamental detém mais controle sobre as informações e também grande capacidade em manipular processos, especialmente quando precisa legitimar assuntos de interesse do Executivo e encontra nas instâncias participativas pessoas com menos instrução. Esse pressuposto se reforça quando se consideram a reduzida incidência de questionamento (9,95%) e a centralidade dos esclarecimentos no segmento governamental. 104 De acordo com a teoria democrática participativa, a falta de questionamento por parte da sociedade civil fragiliza a obtenção de alternativas compartilhadas capazes de responder os problemas de maneira mais efetiva, dificultando, assim, a possibilidade da melhoria dos resultados das políticas públicas. Faz se necessário destacar que a exigência básica e fundante para institucionalização da participação é o confronto de argumentos entre as pessoas, sob condições que garantam a apresentação de ideias contraditórias (TATAGIBA, 2003). Os dados demonstram também o baixo índice de debates (7,11%), o que demonstra que as proposições do Conselho não são precedidas por processos participativos de exposições de ideias. Para Cunha (2010), o debate possibilita melhor compreensão sobre a realidade, facilitando o convencimento e a mudança de opinião das pessoas, o que produz decisões mais assertivas, voltadas para o bem comum. Na perspectiva da deliberação - completa a autora -, o debate sustenta a autorização e o exercício do poder público, garantindo mais envolvimento dos diferentes atores no que foi decidido. Além disso, o debate é útil à busca por construção de acordos e à abertura de processos geradores de negociações, que colocam as pessoas em “pé” de igualdade. Negociar, segundo Demo (2009), significa convencer, mais do que se impor, reconhecer o outro como parceiro, admitir que as regras precisam ser submetidas a todos. Esse entendimento é reforçado pelo pensamento de Dagnino (2002), que visualiza na capacidade de negociação uma das dimensões mais importantes para constituição do espaço público. Para essa autora, os Conselhos precisam se configurar como arena privilegiada de formulações, debates e negociações entre a sociedade civil e o Estado. Outro dado a ser destacado é o baixo índice de contestação (0,95%) das vocalizações dos conselheiros. A pouca capacidade de contestação pode significar a fragilidade da sociedade civil na contraposição ao que é apresentado pelo segmento governamental no Conselho, evidenciando um discurso hegemônico que não expressa confrontos significativos. Nesse sentido, foi possível identificar nas dinâmicas das reuniões do Conselho uma atuação mais consensual voltada para a produção de acordos que agradam à maioria dos conselheiros, ou seja, o segmento governamental. 105 Luchmann (2009) enfatiza que a representação governamental pode ser considerada “maioria”, devido à facilidade que essa representação dispõe para produzir consensos a partir das orientações do Executivo, enquanto a sociedade civil parte de uma condição de representação fragmentada e precisa convencer, para tentar produzir consenso junto aos demais representantes desse segmento. Essa argumentação reforça a tese da autora de que paridade numérica não representa paridade política (LUCHMANN, 2009). Torna-se mister destacar que as denúncias tiveram acentuada participação nas manifestações (1,90%). Isso pode significar baixa preocupação do Conselho com os aspectos específicos da assistência social ou, até mesmo, como comprovado nesta pesquisa, a falta de conhecimento dos conselheiros sobre as diretrizes e normativas que estruturam a Política de Assistência Social. Cabe ressalvar que, apesar dos índices referentes à quantidade de demandas apresentadas ao Conselho ser baixo (2,84%), os atores externos ao governo são os maiores demandantes (66,67%). Verificando as atas, essa preponderância se dá devido à necessidade que os funcionários do Executivo têm de solicitar documentos e relatórios para os participantes do Conselho. Os dados apresentados na TAB. 2 indicam, também, que a participação ainda não se efetiva no campo propositivo, como bem lembra Luchmann (2006). Ela se configura como produto de ações rotineiras, burocráticas e circunstanciais. Embora os motivos sejam os mais variados, a maioria dos estudos revela uma intervenção mais reativa que propositiva em relação à participação da sociedade civil nos conselhos (TATAGIBA, 2002). O conjunto desses indicadores obtidos nesta pesquisa demonstra, assim como nas pesquisas de Tatagiba (2002), que o Conselho de Assistência Social de Barbacena tem dificuldades em cumprir suas funções de espaço participativo e de atribuições de controle das políticas públicas. Isso em razão dos limites impostos pela protagonismo tradicional do Estado e pela ausência da adoção de programas públicos que desenvolvam a capacidade participativa dos usuários no espaço de participação proporcionado pelo Conselho. É evidente a não priorização da participação do usuário. Mesmo com respeito à sociedade civil, fica evidenciada a distância que o Conselho ainda está de assegurar a participação política desse segmento e de cumprir a regulamentação da assistência social expressa na CF-88 e nas regulamentações 106 expressas nas LOAS, PNAS e NOB-SUAS. Demo (2009) adverte que a não participação dos usuários nas discussões que antecedem a implementação das políticas públicas e na gestão de serviços públicos não pode ser concebível, porque só se pode tratar dessas questões de maneira legítima com os autênticos interessados. Entretanto, para Raicheles (1998), os usuários têm dificuldades em se autorrepresentarem nesses espaços devido à situação material que os aprisionam, o que os leva a adotar diferentes estratégias de sobrevivências, entre as quais a de submeter-se a ações de tutela reprodutoras de subalternidade. Por essa razão, a leitura das atas deixa perceber que as reuniões do Conselho centram-se, com muita frequência, em temas relacionados ao financiamento das atividades realizadas pelas entidades ali representadas. Expressões como recurso, convênios, subvenções, repasse e financiamento têm participação de aproximadamente 15% entre as vocalizadas nas reuniões, o que demonstra que uma das maiores preocupações nesse Conselho é garantir a sustentabilidade financeira das instituições ali representadas. 107 7 CONCLUSÃO Inspira este trabalho a percepção da sub-representação da sociedade civil no espaço do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) de Barbacena. O entendimento de que os Conselhos foram concebidos como espaços privilegiados para efetivar a participação popular no processo de gestão políticoadministrativa das políticas sociais, de acordo com a ideologia democrática descentralizada implícita na Constituição Federal de 1988, torna essa subrepresentação um problema de ordem constitucional. Os Conselhos de Assistência Social foram constituídos como um instrumental inovador democrático, datado do começo da década de 1990, com o objetivo de superar práticas assistencialistas que caracterizavam a assistência social até então. Assim, esse instrumental se apresenta como medida concreta, no âmbito da política pública de assistência social, para a criação de mecanismos que assegurem aos usuários das políticas sociais participação efetiva nas definições e no controle social de suas aplicações. Nesse sentido, se o poder público, na execução da Política de Assistência Social em sua esfera de alcance, inclui os próprios usuários nas discussões da política pública, promove-se o empoderamento do segmento dos usuários e da sociedade civil. Esse empenho vai ao encontro dos ideais democráticos defendidos por Rousseau, “pai da soberania popular”, que enfatiza a importância da implementação de processos participativos que interliguem os indivíduos para a tomada de decisões coletivas, provendo-os da condição de protagonistas no estabelecimento de regras para regular suas convivências. Entretanto, a subrepresentação no CMAS de Barbacena sugere insuficiente empenho do setor público na articulação e mobilização das forças sociais e políticas, necessárias à organização desse segmento. A busca pela compreensão da não efetividade participativa dos usuários do Sistema Único de Assistência Social no espaço público a eles destinado dinamiza a elaboração deste estudo de caso, elegendo como unidade de observação e análise o CMAS Barbacena. O objetivo geral proposto neste estudo contempla a análise da forma como tem acontecido a participação dos usuários da assistência social em suas funções de representação da sociedade civil, no 108 CMAS em Barbacena e se essa tem seguido a diretriz da participaçào social prevista tanto na CF-88 quanto na LOAS e na PNAS. Para o alcance desse objetivo, este trabalho, apoiado no referencial teórico constituído: a) identifica os instumentos legais que asseguram a partcipação social; b) Indica os princípios, diretrizes e organização que orientam a assistência social brasileira; c) lista os elementos constitutivos do Conselho Gestor de Assistência Social; d) define a participação dos atores da sociedade civil e do segmento governamental no CMAS; e) verfica como tem acontecido a participação dos usuários no CMAS. As hipóteses que orientam esta investigação são duas: a) ter havido inclusão tardia da representação dos usuários no CMAS; b) e o prevalecimento do entendimento tanto por parte da sociedade civil quanto do governo, da falta de capacidade política por parte daqueles (usuários) que são destinatários da política de assistência social. Assim, embora a Constituição de 1988 tenha obtido significativos avanços na superação do atraso assistencialista, meios de manipulação dos instrumentos criados ainda inviabilizam a realização do poder popular na implementação das políticas públicas que justamente visam a beneficiá-lo. Ou seja, as políticas sociais ainda são geradas com reduzida incidência da influência dos sujeitos demandantes em suas formulações. O empenho constitucional pela inversão da ordem de formulação das políticas sociais esbarra em obstáculos constituídos no interior dos Conselhos de Assistência Social, que dificultam a efetiva participação da representação dos usuários não organizados. Nessa perspectiva, iniciou-se o estudo com o levantamento dos princípios, diretrizes e organização que norteiam a assistência social brasileira, perpassando pelos dispositivos que constituem o marco regulatório do CMAS. No intuito de compreender como tem acontecido a participação dos usuários, procurou-se investigar e analisar dados que revelassem a realidade dos processos participativos desse segmento no Conselho. Para esse fim, contabilizaram-se as vocalizações dos atores sociais nas reuniões do Conselho, no período de 2009 a 2011, para constatar o lugar do usuário no processo participativo, perceber a efetividade de suas falas, demonstrar a frequência destas e comparar com a de outros segmentos representativos, quantificando as 109 proposições, sugestões, debates, contestações, questionamentos, apresentações de denúncias e demandas que cada ator apresentou nas reuniões. De forma complementar à pesquisa das vocalizações registradas em atas, a fim de obter pistas sobre a realidade coletiva e os dados subjetivos, coletaramse informações dos próprios atores focalizados no estudo em questão, por meio da realização de entrevistas com amostra qualificada de 60% dos conselheiros que atuam no CMAS de Barbacena. A seleção da amostra observou o mesmo critério de paridade numérica e paridade representativa estabelecidas na LOAS (art. 16) para a composição do Conselho. As entrevistas realizadas visaram construir o discurso dos conselheiros com respeito aos temas da participação social, das dificuldades e limites postos à participação dos usuários no Conselho, à colaboração dos usuários na qualificação das políticas públicas de assistência social e à garantia de participação dos usuários no CMAS. A organização e tabulação dos dados de natureza verbal foram feitas por meio do uso da técnica metodológica do DSC de Lefèbvre e Lefèbvre (2003), por se entender que o conjunto das percepções contidas no imaginário de determinada representação social pode ser extraída de formações discursivas. Esse percurso metodológico concluiu que os segmentos que compõem o Conselho atuam com pesos diferenciados na efetividade participativa. Isso se reflete de maneira notável na presença vocal das manifestações nas reuniões do CMAS, registradas nas atas. As vocalizações aferidas demonstram o protagonismo da representação governamental, a pequena participação das representações das organizações da sociedade civil e a ausência participativa dos usuários na condução dos processos que vão implicar ações às quais serão submetidos. Percebeu-se também que a presença do segmento representativo das instituições prestadoras de serviços de assistência social não se traduz em defesa da reivindicação da inclusão dos usuários nos processos participativos. De fato, os resultados apresentados evidenciam a preocupação prioritária do segmento prestador de serviço em relação aos repasses de recursos públicos para o financiamento dessas organizações. Isso compromete a legitimidade dessa representação que, ao não incluir na centralidade do debate a viabilização da participação dos usuários ou mesmo seus interesses, confirma a persistência, 110 ainda, de relações paternalistas e clientelistas que têm marcado a assistência social ao longo de sua trajetória. O estudo constatou também que o Conselho tem dificuldades em cumprir suas atribuições de elaboração, planejamento e controle das políticas publicas, visto que mais da metade das manifestações em reuniões vincula-se a vocalizações relativas à informação e a esclarecimento, pressupondo o preenchimento do tempo das reuniões com deliberações preestabelecidas. A participação das funções propositivas e demantatórias nas vocalizações não alcança os 20%. Deduz-se, então, que o Conselho ainda não se configura como arena privilegiada de formulações, debates e negociações, o que não o qualifica aos requisitos necessários capazes de dar significado e direção às ações do Estado. Atribui-se a ausência vocal dos usuários nas reuniões do CMAS de Barbacena à manutenção do lugar ocupado historicamente pelas camadas empobrecidas na sociedade e na política regional e à falta da prática do debate público e do encaminhamento de propostas para viabilizar a inclusão desse segmento nas instâncias propositivas. Ademais, a pesquisa mostra, também, que é realista a percepção de que muitos usuários são comodistas e rejeitam o convite à participação, em razão disso implicar assumir compromisso e envolvimento com uma prática exigente, assim como estar sujeito à presença em ações arriscadas e até mesmo temerárias. Acredita-se que essa é uma situação consequente de uma sociedade forjada numa historia de gestão pública autoritária, ao ponto de temer participar. Dessa forma, há que se ter forças para conquistar o direito de participação, que envolve mover resistências não somente externas, mas também internas, reforçadas numa cultura de subordinação política. Portanto, essa conquista requer a implementação de um processo educativo que transforme a postura do usuário desde suas características psicológicas até a aquisição de prática de habilidades e procedimentos democráticos. A observação desses fenômenos na literatura e os dados produzidos na pesquisa mostram que a inscrição da participação dos usuários nos dispositivos regulatórios não garante, “por si só”, a inclusão efetiva do segmento demandante nos espaços públicos deliberativos. Além disso, a falta de capacidade política dos 111 usuários é o maior impeditivo da sua participação no Conselho, pelo menos no caso da amostra selecionada, o que confirma a hipótese deste trabalho. Nessa perspectiva, mais do que de garantias jurídicas, a participação dos usuários depende de sua tomada de consciência. Sua ignorância dos direitos resulta de um processo histórico no qual o exercício da assistência social estatal tratava os destinatários de seus programas e serviços como objeto de intervenção humanitária, fruto do dever moral e sujeita à possibilidades pessoais e políticas. Trata-se de uma concepção de doação, caridade, favor, responsável por reproduzir nos usuários das políticas sociais a ideia de pessoas subalternas. Nessa posição, o exercício da participação requer um instrumento de conquista de si mesma para proporcionar aos usuários das políticas sociais o desvendamento da importância da condição de protagonistas nos processos de construção da política social. O intuito é modificar, também, as estruturas que os colocam em condição de subalternidade, configurada juntamente com a pobreza e a exclusão. A participação é um fenomeno vital, sobretudo para os que se encontram em sitação de desigualdade. Assim, com base nos objetivos que originaram este trabalho, responderamse os principais questionamentos, especialmente aqueles referentes à verificação da participação dos usuários no CMAS. O estudo possibilitou, ainda, constatar que a democracia brasileira, mesmo ampliando os espaços de debate, controle e deliberação, com as inovações introduzidas pela Constituição de 1988, apresenta forte índice de complexidade no que diz respeito à fundação de um espaço verdadeiramente democrático e inclusivo na sociedade brasileira. Isso sugere a possibilidade e a necessidade de realização de outras pesquisas. Entretanto, acredita-se que os resultados da pesquisa poderão contribuir para a qualificação das ações da sociedade civil em seu amadurecimento, a partir da melhor compreensão da importância ativa dos sujeitos destinatários da política e da participação no espaço público do CMAS, respondendo, assim, democraticamente ao modelo de gestão proposto nos marcos regulatórios da PNAS. Pretende-se, ainda, que os resultados desta pesquisa permitam diálogos mais ampliados no municipio de Barbacena, no sentido de fortalecer instrumentos participativos de gestão e, assim, desenvolver melhores condições de articulação, formulação e fiscalização da “coisa pública. 112 REFERÊNCIAS ALMEIDA, E.A.C.; CABRAL, E. Parceria púbico privado: um estudo de caso com conselhos municipais dos direitos da criança e do adolescente permitindo articulações e ações intersetoriais. Belo Horizonte, 2010. Disponível em: <http://www.mestradoemgsedl.com.br/wp-content/uploads/2010/06/Artigo47. pdf>. Acesso em: 2/7/2011. AMMANN, S.B. Participação social. 2. ed. São Paulo: Cortez e Moraes, 1978. ANTUNES, M.A. O público e o privado em Hannah Arendt. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/antunes-marco-publico-privado.pdf. Acesso em: 20/02/2011. ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro: Forence, 1991. AVRITZER, L. A dinâmica da participação local no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010. AVRITZER, L. 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Porto Alegre: Bookman, 2005. 119 ANEXOS E APÊNDICES ANEXO A - Lei municipal n° 3.187 (BARBACENA, 1995) 120 121 ANEXO B - Lei Municipal de n° 3.595 (BARBACENA, 2000) 122 123 124 125 126 ANEXO C - Lei no 3.775 (BARBACENA, 2003) 127 ANEXO D - Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Una 128 ANEXO E – Reunião ordinária do Conselho para aprovação da participação do pesquisador nas reuniões do Conselho Municipal de Assistência Social e de sua acesso à documentação e aos dispositivos de normatização do Conselho 129 APÊNDICE A – Projeto de Intervenção Social 130 CAPACITAÇÃO DO CONSELHO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, SERVIDORES PÚBLICOS E USUÁRIOS DA REDE DE ATENDIMENTO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL DE BARBACENA. 1 Introdução Este projeto de intervenção resulta de verificação em pesquisa realizada junto aos atores sociais do Conselho Municipal de Assistência Social de Barbacena, complementada por pesquisa documental na forma de levantamento de informações em atas de reuniões e anais de conferências. Essas pesquisas demonstram com clareza a não participação da representação dos usuários nas reuniões do CMAS de Barbacena e a falta de iniciativa dos outros segmentos representativos participantes do Conselho, no sentido de mobilizar e incluir os demandantes das políticas sociais e suas demandas nos fóruns de argumentação, proposição e controle social. As mudanças das organizações político-institucionais das políticas públicas sociais, definidas no Título VIII da Ordem Social, nos artigos 194, 198, 203 e 204 da Constituição Federal de 1988 (CF-88), deram concretude à instituição da participação popular e democrática na formulação, gestão e controle das políticas sociais no Brasil e nas disposições declaratórias que asseguram em leis complementares, no caso específico da assistência social, a Lei de n o 8.742, de 7 de dezembro de 1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Com vistas a tornar efetiva essa regulamentação legal democrática, este projeto pretende gerar mecanismos para tornar efetiva a participação dos usuários no Conselho Municipal de Assistência Social de Barbacena. Faz se necessário, portanto, como sugere o sistema participativo proposto por Rousseau (1973), possibilitar o aprendizado aos excluídos para que eles possam ter discernimento para desenvolver o instituto participativo. Conforme ensina Pateman (1992), assim como ler, nadar e escrever, a participação precisa ser experimentada e compreendida, para que os indivíduos possam se desenvolver, adquirir competências e se sentir seguros . Os Conselhos, fundados a partir da regulamentação de preceitos constitucionais (CF-88), são canais que têm como princípio assegurar a participação desses usuários e como finalidade possibilitar a intervenção da parte 131 da sociedade, foco da assistência social, na formulação, avaliação e fiscalização das políticas públicas. Constituídos como órgãos públicos de representação da sociedade civil e governamental, caracterizam-se como espaços de negociação de conflitos, fragmentados sob uma lógica setorial, particularizada, no envolvimento de necessidades sociais (GOHN, 2007). Com objetivos e ações específicas, os Conselhos são organizados de maneira segmentada, o que, para Raichelis (1998, p. 2), “fragiliza a ação pública, tornando “os problemas sociais autônomos em relação às causas sociais que os produzem”. Nesse sentido, os Conselhos precisam estabelecer mecanismos de mobilização e articulação dos usuários, assim como de comunicação capazes de ampliar a visibilidade das suas ações, democratizando informações para que os diversos atores sociais tenham condições de conhecer as particularidades dos problemas enfrentados em cada conselho. Há ainda que se atentar para as dificuldades de organização e participação dos demandantes das políticas sociais, assim como da elegibilidade dos seus representantes junto aos Conselhos para que sejam propostos projetos de intervenção. Isso com o fim de favorecer aos usuários assumirem o protagonismo na elaboração e controle das ações às quais são submetidos. Nessa perspectiva, apresenta-se a partir dos resultados da pesquisa realizada um projeto de intervenção cujo objetivo é contribuir para a melhoria da qualidade das políticas públicas deliberadas no CMAS de Barbacena, do ponto de vista dos agentes beneficiados por elas, por meio de tornar mais efetiva a participação dos usuários no Conselho. 2 Resultados da pesquisa e análise Na análise dos dados obtidos na pesquisa realizada junto ao Conselho Municipal de Assistência Social de Barbacena, por meio de entrevistas realizadas com os conselheiros focadas no tema da participação do segmento usuário e por meio do levantamento das vocalizações realizadas em atas de reuniões realizadas, ficou demonstrada a baixa efetividade participativa do segmento oriundo da sociedade civil no Conselho, assim como a não participação da representação dos usuários. 132 O levantamento das vocalizações em 54 atas de reuniões ordinárias, realizadas no período de 2009 a 2011, possibilitou medir o percentual de vocalização dos atores sociais que compõem o CMAS, por meio do registro das falas de cada segmento representativo. Dessa forma, foram categorizadas as vocalizações, de acordo com o tipo de manifestação de cada ator. Pode-se observar, a partir dessas informações, a predominância das manifestações no CMAS do segmento governamental origem de 33,65% das falas, que se somado ao ator externo proveniente do Governo responde pelo percentual acumulado de 65% das falas (Tabela 1, Capítulo 6), seguido pelas manifestações do segmento trabalhador em assistência social (23%) e segmento prestador de serviço (7%). É extremamente preocupante a verificação de que o segmento representante dos usuários não se manifesta nas reuniões (0% das vocalizações). Ao se qualificar o conteúdo das vocalizações (Tabela 2, Capítulo 6), apurou-se o baixo índice de debates (7,11%) produzidos pela instância participativa, a insignificância dos índices de contestação (0,95%) das informações apresentadas, a grande dificuldade de realizar denúncias (1,90%) das ações que não correspondem com às normas preconizadas pelos instrumentos regulatórios, assim como o reduzido número de encaminhamento de demandas (2,84%). Por outro lado, é notável a participação das vocalizações relacionadas à prestação de informações e esclarecimentos a questionamentos relacionados aos temas tratados nas reuniões, assim como os próprios questionamentos que somam 67% das vocalizações, enquanto que as proposições constam apenas de 14% das vocalizações e as sugestões, 6%. Pode-se dizer que a semelhança entre a maior participação das vocalizações dos representantes do governo e os conteúdos relacionados à prestação de informações e esclarecimentos a questionamentos não é mera coincidência. De fato, trata-se do segmento governo dando publicidade às intervenções públicas na área da assistência social. Assim, para efeitos deste projeto, o dado mais significativo é a ausência vocal da representação dos usuários nos espaços de construção coletiva. Para Telles (1992), testemunha-se o sequestro do mais elementar direito democrático, o direito a ter “voz”. Essa ausência de participação manifesta-se também nas entrevistas realizadas. Em primeiro lugar, é nítido o desconhecimento dos preceitos legais que regulamentam a existência e dão conteúdo às funções dos conselhos de 133 assistência social, assim como dos dispositivos legais que preconizam a efetivação da participação dos usuários – apenas 33% dos conselheiros afirmaram conhecer a PNAS, 68% disseram conhecer a LOAS e 84% reconheceram não ter lido seu conteúdo na totalidade. Além disso, a construção do discurso coletivo deu a perceber certa indiferença com respeito às dificuldades de participação do usuário, seja por problemas relacionados ao acesso, à falta de traquejo perante o Conselho reunido, à “falta de interesse”, senão o reconhecimento irônico de que as decisões são de fato tomadas por outros membros do Conselho. 3 Problema O problema que pretende ser atacado por este projeto decorre da verificação da não participação do conselheiro representante dos usuários não organizados nas reuniões do CMAS de Barbacena, bem como da inexistência de instrumentos de incentivo a essa participação pelos outros conselheiros, tornando questionável a realidade do encaminhamento das demandas dos beneficiários das políticas sociais e do exercício da função de controle social por este conselheiro. 4 Justificativas O diagnóstico proporcionado pela pesquisa da incapacidade de participação da representação dos usuários não organizados e a verificação dos seguintes impedimentos a essa participação: desconhecimento das atribuições legais, das dificuldades de articulação, da percepção efetiva da função representativa e do direito de manifestação/participação. A contribuição para a realização das mudanças introduzidas nas organizações político-institucionais de implementação das políticas públicas sociais, definidas no Título VIII da Ordem Social, nos artigos 194, 198, 203 e 204 da Constituição Federal de 1988 (CF-88), que dão concretude à instituição da participação popular e democrática na formulação, gestão e controle das políticas sociais no Brasil. 134 A necessidade de viabilização do cumprimento da Lei complementar de n o 8.742, de 7 de dezembro de 1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que regulamenta a organização da Assistência Social como direito do cidadão e dever do Estado. 5 Objetivos Objetivo geral Promover a efetivação da participação dos usuários do Sistema Único de Assistência Social no espaço público de elaboração, controle e gestão de políticas públicas constituído pelo Conselho Municipal de Assistência Social de Barbacena (CMAS). Objetivos específicos Elaborar um diagnóstico municipal da realidade dos usuários do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) de Barbacena e priorizar as suas demandas Propor um programa de capacitação para os conselheiros do CMAS de Barbacena Construir junto com os usuários da assistência social uma proposta de trabalho permanente de atualização da informação Propor o programa “ir ao encontro do usuário” da assistência social de Barbacena, com a participação efetiva do seu representante, para acessar as demandas dos usuários ao Conselho e torná-las temas dos debates e deliberações, nas reuniões. Criar um portal virtual de comunicação integrado. 135 7 Metodologia 7.1 Diagnóstico municipal da realidade dos usuários do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) de Barbacena Para a construção coletiva de um processo participativo de articulação, mobilização e capacitação dos atores sociais que compõem a rede de atendimento da assistência social de Barbacena, procurar-se-á coletar e analisar dados que revelem a realidade dos usuários do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) no município. Para isso, utiliza-se um software específico - Gestão Estratégicas de Políticas Sociais (GEPES) para entrecruzar as bases de dados do CADÚNICO 14 e SIBEC15, com informações dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e de outras instituições de atendimento para constituir um diagnóstico da realidade dos usuários. 7.2 Programa de capacitação dos conselheiros do CMAS de Barbacena Constituída a base de dados, propõe-se uma capacitação dividida em duas etapas. A primeira é composta por seis módulos de encontro, destinadas aos servidores municipais responsáveis pelo atendimento aos usuários e aos conselheiros do CMAS. A segunda é dividida em sete momentos e ofertada para os usuários do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), mobilizados pelos aparelhos públicos municipais, instituições de atendimento e pelos conselheiros do CMAS de Barbacena. A consecução de tal estratégia é realizada por meio de discussões de roda, dinâmicas de grupo e apresentação de conceitos, nas quais textos, reportagens e 14 Instrumento de coleta de dados e informações que objetiva identificar famílias de baixa renda para fins de inclusão em programas de assistência social e redistribuição de renda. Compõe-se de informações, procedimentos e sistemas eletrônicos. 15 Sistema de Benefícios ao Cidadão - Sibec 136 artigos são tratados à luz das experiências vividas pelas pessoas envolvidas. Os encaminhamentos produzidos nos grupos são avaliados e debatidos em plenária, para que possam ser trabalhados nos módulos seguintes. O conteúdo do programa de capacitação dos conselheiros do CMAS e dos servidores da Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Ação Social de Barbacena deve contemplar uma ementa que eleja as seguintes temáticas: Um referencial teórico básico sobre o Estado, as formas de intervenção concretizadas na forma de políticas públicas, o modelo de gestão democrática do Estado brasileiro e os aspectos legais e normativos formalizados na Constituição Federal de 1988 relativos à assistência social, promovidos pelos movimentos sociais que a precederam. Com o foco no município de Barbacena, apresentação dos aspectos peculiares à cultura e políticas locais, assim como aos problemas sociais mais frequentes que afligem os beneficiários das políticas de assistência social municipal. Demonstração das estratégias de exercício do direito à cidade e do instrumental de elaboração, avaliação e implementação de políticas públicas, assim como de análise da efetividade das políticas sociais estatais. Exposição aos conselheiros e servidores públicos das dinâmicas de representação e participação, com base em metodologias de vivências em grupo, para a realização da seleção e bom encaminhamento das questões pertinentes às reuniões do Conselho. 7.3 Trabalho permanente de atualização da informação pertinente Fomentar os processos de informação e participação por meio de um portal virtual de comunicação integrado, para ser alimentado por representantes dos Conselhos, com objetivos de fortalecer o debate da sociedade civil, sociabilizar as experiências, ações, agendas, resultados e pautas, construir espaços comuns de intervenção e formulação coletiva. 137 7.4 Programa “ir ao encontro do usuário” da assistência social de Barbacena Implementar um programa de acessibilidade do usuário da assistência social às ações do CMAS de Barbacena, por meio de ir ao encontro do usuário, resolvendo as dificuldades de acessibilidade ao centro da cidade. Estabelecer um cronograma de reuniões periódicas nos locais de mais fácil acesso para eles, por meio do mapeamento da localização dos usuários proporcionado pelo diagnóstico. 8 Planejamento das atividades Apresentam-se, nos quadros a seguir, as propostas para o alcance dos objetivos estabelecidos no projeto de intervenção, descrevendo os responsáveis, a atividade proposta e o período de execução. QUADRO 1 1ª Etapa Proposta Apresentação dos resultados da pesquisa de mestrado Responsável Pesquisador Funcionários da Secretaria Elaboração do diagnóstico Representantes de entidades Pesquisador Capacitação módulo 1 Pesquisador Capacitação módulo 2 Mediador Capacitação módulo 3 Elaboração de propostas Pesquisador Mediador Funcionários da Secretaria, representantes de entidades, pesquisador Atividade Exposição dos resultados da pesquisa Debate Migração de dados do CADÚNICO e SIBEC para o software GEPES - inserção dos usuários atendidos nos CRAS e CREAS no software Cadastramento dos usuários atendidos pela entidade no software Tabulação dos dados Apresentação do diagnóstico Debate, Revisão da proposta de capacitação Palestra sobre as normativas e diretrizes que regulamentam a assistência social Dia de capacitação temas: Participação, controle social Mobilização, Conselho Criação de um plano de mobilização e articulação dos usuários do SUAS Data Setembro/ 2012 Setembro/ 2012 Outubro/ 2012 Novembro/ 2012 Dezembro/ 2012 Dezembro/ 2012 138 QUADRO 2 2ª Etapa Responsável Propostas Mobilização dos usuários Pesquisador/ conselheiros/funcionários Aproximação Pesquisador/ conselheiros/funcionários Apresentação do diagnóstico Capacitação – módulo 1 Capacitação – módulo 2 Capacitação – módulo 3 Elaboração de propostas Atividade Elaboração de cartilha, convite aos usuários, marcar encontros Acolhida, dinâmicas de grupo, roda de conversa Apresentação do diagnóstico, debate, Pesquisador revisão da proposta de capacitação Acolhida, dinâmicas de grupo, roda de discussão Mediador com o tema: a política pública de assistência social Acolhida, dinâmicas de grupo, roda de discussão Mediador com o tema: Participação social como direito Acolhida, dinâmicas de grupo, roda de discussão Mediador com o tema: As formas de participação nos espaços públicos Funcionários da Articulação dos usuários, secretaria/representantes utilização do site, revisão de entidades/pesquisador da lei que normatiza o Usuários CMAS Data Setembro/ 2012 Setembro/ 2012 Outubro/ 2012 Outubro/ 2012 Novembro/ 2012 Dezembro/ 2012 Dezembro/ 2012 9 Recursos humanos Para a realização dessas atividades o projeto conta com quatro assistentes sociais e três psicólogas, funcionárias da Secretaria Municipal de Assistência Social de Barbacena. Além desses recursos, o projeto conta também com a colaboração dos funcionários dos CRAS, CREAS, dos responsáveis pelas instituições de atendimento e dos conselheiros do CMAS. 139 PROPOSTA DE LAYOUT DE SITE 140 APÊNDICE B – Termo de consentimento livre e esclarecido TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Estimado (a) Senhor (a) SOLICITAMOS SUA ANUÊNCIA PARA PARTICIPAR DA PESQUISA INTITULADA: “PARTICIPAÇÃO SOCIAL E ESPAÇO PÚBLICO: Um Estudo Sobre a Representação da Sociedade Civil, com Ênfase na Importância da Participação dos Usuários, no Conselho de Assistência Social de Barbacena-MG” desenvolvida pelo mestrando Guilver Star Araújo, do mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local – UNA/BH, sob a orientação da Professora Doutora Andréa Márcia Santiago Lohmeyer Fuchs, docente do Departamento de Pós-Graduação do Centro Universitário UNA/BH. A referida pesquisa possui como objetivo central: a compreensão dos termos em que tem se configurado a participação social a partir do desenho da representatividade dos usuários no Conselho Municipal de Assistência Social de Barbacena. A partir do marco teórico-metodológico definido, estaremos realizando entrevistas com diferentes sujeitos sociais. Participam deste estudo seis membros (conselheiros) que integram o Conselho Municipal de Assistência Social, sendo três da representação da sociedade civil e três do segmento governamental, sendo que um deles é o gestor municipal das Políticas Nacionais de Assistência Social no município. A entrevista terá duração aproximada de 60 minutos e será realizada em um local que ofereça privacidade, a fim de garantir o anonimato do entrevistado, em horário a combinar. Dadas as características do estudo, pode ocorrer mais de um encontro para que se alcance o objetivo da entrevista. As entrevistas serão realizadas pelo pesquisador propositor da pesquisa e serão gravadas em áudio, mediante o seu consentimento, método que permite ao pesquisador recuperar o máximo de sua contribuição. Posteriormente, as entrevistas serão transcritas, mantendo-se sempre o sigilo e o anonimato dos entrevistadores, sujeitos da pesquisa. As informações que fornecer, bem como seus dados pessoais, são confidenciais. Uma vez transcrita a entrevista, a gravação será apagada e as transcrições não identificarão seu nome nem a instituição que representa, guardando-se apenas, em local seguro, um código a que terá acesso unicamente a pesquisador. Os resultados da pesquisa poderão ser divulgados e publicados em relatórios ou documentos científicos no âmbito nacional e internacional. Nenhum nome será utilizado ao divulgar os resultados da pesquisa. Sua participação na entrevista é voluntária e você tem o direito de se retirar no momento em que o desejar. Negar-se a participar da entrevista e contribuir para o estudo proposto não acarretará punição alguma, nem interferirá em sua relação com os demais entrevistados da instituição pesquisada. Guilver Star Araujo Mestrando do Centro Universitário UNA/BH Tel residencial: (32) 3331.4819 / Cel: 9942-4819 [email protected] 141 Eu,_________________________________________________________, li e compreendi as explicações dadas na carta anterior sobre a pesquisa intitulada “PARTICIPAÇÃO SOCIAL E ESPAÇO PÚBLICO: Um Estudo Sobre a Representação da Sociedade Civil, com Ênfase na Importância da Participação dos Usuários, no Conselho de Assistência Social de Barbacena-MG” desenvolvida pelo mestrando Guilver Star Araújo, do mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento local – UNA/BH, sob a orientação da professora doutora Andréa Márcia Santiago Lohmeyer Fuchs, docente do departamento de pós-graduação do centro universitário UNA/BH. Entendo que vou participar de uma entrevista de aproximadamente 90 minutos, a qual será gravada e transcrita. Entendo que as informações que fornecer são confidenciais e que as análises serão divulgadas e publicadas nacionalmente e internacionalmente. Estou informado (a) de que não se conhecem riscos decorrentes de minha participação neste estudo, que não acarreta custo econômico algum para mim. Ademais, sei que posso decidir não participar do estudo ou retirar-me no momento em que o desejar. Li e compreendi a carta informativa e este Termo de Consentimento. Sei que posso contatar a coordenação do estudo pelos telefones fornecidos se desejar mais informações acerca do desenvolvimento da pesquisa. SIM, concordo em participar deste estudo como informante-chave. NOME DO INFORMANTE IDENTIDADE ASSINATURA NOME DA TESTEMUNHA IDENTIDADE ASSINATURA NOME DO PESQUISADOR IDENTIDADE ASSINATURA BARBACENA, DE 2011 142 APÊNDICE C - Roteiro de entrevista semiestruturada Data da entrevista: Início: Término: Sujeito: S ( ) 1) Dados gerais do entrevistado(a): a) Nome: b) Função no conselho: c) Ator social: ( ) Poder Executivo ( ) Sociedade civil d) Poder Executivo: Qual Secretaria representa?_________________________ e) Representação da sociedade civil: ( ) representante de entidades de assistência social ( ) representante dos trabalhadores do setor ( ) representante dos usuários f) Escolaridade: g) Formação profissional: h) Idade: i) Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino j) Nasceu no município de Barbacena? k) Além do CMAS quais os outros espaços associativos você já participou durante sua trajetória profissional? l) Essa experiência contribuiu para sua participação hoje no CMAS? m) Você conhece como foi criado (processo histórico de formação) o CMAS de Barbacena? Participou em algum momento? n) Você conhece a Política Nacional de Assistência Social? Já leu ela toda?N) Conhece a Lei Orgânica de Assistência Social? E a lei municipal que normatiza o conselho, você conhece? o) A partir de sua experiência de vida e profissional, o que significa participação social? p) Como tem sido a participação da sociedade civil no CMAS? q) Há dificuldades/limites nessa representação de “usuários” na composição representativa do CMAS? Quais? 143 r) Na sua opinião, as entidades participantes no conselho, representam os usuários? s) A colaboração dos usuários no conselho poderiam qualificar as políticas publicas de Assistência Social ? t) As leis federais e municipais que tratam da composição do conselho de Assistência Social prevêem a participação dos usuários, entretanto, no caso de Barbacena, eles não compõem o conselho, por quê? u) Por que não se garantiu a participação dos usuários na composição do conselho municipal?