Controle Social no SUAS concepções e desafios Raquel Raichelis CONSEAS - SP Reunião Descentralizada 26.11.2008 Origem histórica • O tema do controle social não é novo e relaciona-se aos fundamentos de criação do Estado capitalista • Do ponto de vista histórico e político, a categoria controle social foi entendida como controle do Estado e dos setores dominantes sobre os cidadãos. • Nessa visão de controle social, o Estado é o aparato por excelência para o exercício da dominação sobre a sociedade • Cabe ao Estado a decisão sobre as políticas a serem adotadas • e a imposição/persuasão de padrões, valores e normas às classes subalternas, tendo em vista o enquadramento às formas de organização vigentes na sociedade Constituição Federal – CF/1988 Há uma inversão - concepção oposta • Controle social da sociedade civil sobre o Estado • Aumentar as vozes e os atores que participam das decisões que interessam à sociedade • Marco Político - processo de luta pela democratização da sociedade brasileira, em que temas como democracia, descentralização, participação da sociedade civil, emergem com força • Transformar o Estado autoritário/privatizado Controle social - CF • Construção do interesse público - um dos eixos da luta contra a ditadura e o autoritarismo • refere-se à necessidade de dar publicidade, de tornar visível para todos o que antes era oculto, sigiloso, debater no espaço público posições, concepções, propostas, romper com os acordos privados nos processos de deliberação da “coisa pública” • Ampliar canais de participação da sociedade civil na elaboração, implementação e fiscalização das políticas sociais • Referência Política de Saúde – reforma sanitária CF/1988 • Concepção universalista de direitos sociais - ampliados para incorporar novos e mais amplos segmentos sociais como as mulheres, os trabalhadores rurais, idosos, pessoas com deficiência, crianças e adolescentes, etc. • Limites da democracia representativa • Criação de novos mecanismos de democracia participativa - plebiscito, referendo popular, audiências públicas, iniciativa popular de lei, entre outros Importante • romper com a idéia de público como sendo algo privativo do Estado, entendido como oposto de privado • idéia de público como espaço compartilhado com a sociedade e não como exclusividade do Estado • Público - processo de construção política Superar dicotomias • sociedade civil - pólo de virtualidades democratizadoras, lugar de realização do “bem comum” – “sacralização” • Estado - responsável por todos os males que afetam a sociedade – lugar da disputa pelo poder - “satanização” Controle social • Exige nova relação estatal/privado, governo/cidadãos – interlocução, enfrentamento de conflitos, negociação, pactuação permanentes • Supõe também novas relações no interior da própria sociedade civil – construção de alianças, pautas coletivas, superação do autoritarismo social, transcender interesses particularistas e corporativistas • Interesse público – não é ponto de partida mas ponto de chegada • é processo de construção política de sujeitos ativos e participativos Novo conceito de controle social Supõe a existência de espaços públicos onde este controle da sociedade organizada sobre o Estado possa se realizar O que são espaços públicos? • instâncias deliberativas; • permitem o reconhecimento e dão voz a novos atores e temas; • não são monopolizadas por algum ator social ou político ou pelo próprio Estado • refletem a pluralidade social e política, a disputa legítima de concepções e projetos; • tornam visíveis os conflitos, oferecendo condições para tratá-los de maneira tal que se reconheçam os interesses e opiniões na sua diversidade; • nos quais haja uma tendência à igualdade de recursos dos participantes em termos de informação, conhecimento e poder. (Dagnino, 2006) Importante • Apesar dos avanços democráticos, permanecem as duas concepções de controle social até hoje • Disputa permanente entre as duas concepções de controle social nos diferentes espaços públicos Instrumentos de controle social • Há uma multiplicidade de canais de participação da sociedade civil • Conselhos, conferências, fóruns, orçamento participativo, audiências públicas, plenárias populares, entre outros • Conselhos – se destacaram como espaços privilegiados para a participação da sociedade no exercício do controle social sobre as políticas públicas • Mas não são os únicos espaços de controle social Conselhos • Conquista da sociedade civil • canais importantes de participação coletiva e de criação de novas relações políticas entre governos e cidadãos • “escola de cidadania” • construção de um processo continuado de interlocução pública • processo em construção pela ação de milhares de sujeitos sociais em quase todos os municípios e na totalidade dos estados brasileiros • fortalecimento do poder local (27 mil CM em 99% municípios, 4,9 conselhos p/ município – IBGE/2000) Conselhos • Apesar de significar conquista política - a participação da sociedade civil não pode ser reduzida apenas ao espaço dos conselhos • Esta é uma das formas que o movimento social conseguiu conquistar, que precisa ser acompanhada e avaliada atentamente • e deve ser combinada e complementada com outras modalidades de organização e mediação política Conselhos • são espaços de exercício do controle social • mas os conselhos também precisam ser controlados pela sociedade civil organizada • precisam ser ativados pela ação dos movimentos populares e organizações sociais e políticas que devem estar representados Limites • controle do executivo sobre a agenda política e a produção das políticas públicas • desrespeito à paridade e à deliberação • burocratização, cooptação e rotinização • centralização do poder nas mãos do executivo fragiliza a autonomia dos Conselhos • sonegação de informações (principalmente orçamento) • frágeis representações de trabalhadores e usuários, • nomeação dos representantes da sociedade civil sem mediação de processo eleitoral democrático, mudanças unilaterais e manipulação nas regras da eleição, cooptação de conselheiros, presidências impostas (nos conselhos de assistência social presença forte primeiras damas). Primeiras damas Brasil • 41% no comando do órgão gestor da assistência social e/ou realizam algum trabalho com o órgão gestor) • 45,3% - primeira dama é gestora e presidente do CMAS São Paulo • 61,9% (superior aos demais estados, RGS é 42,4%, menos 1/3 que SP) • Fundo Social de Solidariedade, esfera paralela de gestão, é responsável por números tão altos Desafios do controle social democrático no campo da sociedade civil • Grande expansão do associativismo civil conjunto heterogêneo de entidades sociais, ONGs de variadas naturezas, organizações comunitárias realizando ações socioeducativas, projetos e prestação de serviços no campo das diferentes políticas sociais públicas, na promoção de desenvolvimento e na defesa de direitos • Disputa de recursos e de projetos políticos na sociedade e nos diferentes espaços públicos de decisão e implementação das políticas públicas O que é a sociedade civil hoje? Predomínio da visão comunitarista • discurso aparentemente homogêneo e consensual - exige permanente debate e identificação das diferenças, que ficam obscurecidas pela valorização da idéia abstrata de “bem comum”, justiça social, cidadania Riscos • a sociedade civil perde o sentido da crítica que a caracterizou no processo de luta contra a ditadura e de construção democrática • lógica da representação substituída pela de colaboração/parceria • substituição do papel do Estado e das responsabilidades governamentais • conseqüências: despolitização das relações entre Estado e sociedade, e no interior da própria sociedade civil, encobre diferenças, conflito social, harmonia social aparente Desafios da representação nos Conselhos 1. A representação dos usuários . . • • • • usuários permanecem sub-representados em grande parte dos Conselhos, especialmente de assistência social entidades e trabalhadores falam em nome dos usuários substituísmo que rouba a fala e a presença popular autônomas vazio de representação própria dos usuários, das suas associações e formas autônomas de organização participação popular e dos usuários exige garantia de recursos igualdade de condições exige considerar diferenças Importante: repensar a representação das organizações dos usuários, critérios e exigências investir nas articulações com os movimentos sociais e associações populares Desafios representação - cont. 2. A representação da sociedade civil • conjunto heterogêneo e fragmentado - novos interlocutores forte presença de interesses privados – disputa pelo acesso a recursos públicos (convênios, per capita); CEBAS problemas de representatividade, reprodução de vícios da democracia representativa representação dos trabalhadores – fragilidades, problemas de organização, tensionamento da representação, luta pela autonomia • • • Desafios da Representação – cont. 3. A representação governamental • • • • • Pouco claros os critérios de indicação Conselheiros desconhecem a política da área, especialmente a da assistência social Não exercem de fato a representação – mão dupla Participam de vários conselhos – mero cumprimento de tarefas 2º escalão, sem poder de decisão Desafios controle social nos Conselhos (cont.) • Acesso à informação – principalmente de orçamento, mesmo para quem é do governo • Autonomia da sociedade civil – exige organização em outros espaços que não apenas os conselhos • Desarticulação entre as políticas públicas multiplicidade de conselhos reproduz lógica de setorização do Estado e das políticas sociais SUAS • Expande as atribuições dos três entes federativos: • co-financiamento • ampliação da cobertura • melhoria da qualidade dos serviços ofertados SUAS requer • Papel estratégico do gestor governamental nas três esferas de poder • Estado ativo na regulação, coordenação e execução da política de assistência social • Construção e consolidação de espaços, mecanismos e instrumentos institucionais de participação e controle social • Sociedade civil organizada e mobilizada na defesa do interesse público SUAS exige dos Conselheiros Função de agente público representatividade sócio-política • • com do governo: pessoas investidas de capacidade decisória, dotadas de autoridade institucional. da sociedade civil: lideranças representativas dotadas de reconhecimento público, com capacidade para estabelecer interlocução com as representações governamentais. SUAS exige Conselhos mobilizados e com capacidade de mobilização externa das bases representadas Plano de trabalho, pauta e cronograma de reuniões Ações planejadas para evitar funcionamento reativo e eventual Infra-estrutura, recursos materiais, financeiros e humanos Assessoria técnica para deliberações nas matérias que exigem conhecimento especializado Funcionamento dos CMAS Fonte: Indicadores da Gestão Municipal da Política de Assistência Social no Brasil 2005/2006 Fotografia da Assistência Social no Brasil na perspectiva do SUAS. Brasília, dez./2007 • Secretaria executiva: 47,3% (menos de 50%!) • Secretaria Executiva – 47.3% (menos de 50%) • São Paulo - Secretaria executiva – 29.2% • Internet – 37% (Sudeste 52.4%) • Internet: Secretaria executiva: 47,3% (menos de 50%!) • Secretaria executiva: 47,3% (menos de 50%!) Fonte • Internet: 37% (sudeste, 52,4%) • SP: Secretaria executiva: 29,9%, (67,4% não tem!) • SP: Secretaria executiva: 29,9%, (67,4% não tem!) SUAS exige: • Acompanhamento da dinâmica de funcionamento do Fundo de Assistência Social – dotação e execução orçamentária, recursos de emendas parlamentares, outras fontes de financiamento • Acesso regular às informações sobre metas, rede socioassistencial local, convênios, custos dos serviços, padrão de qualidade das ofertas, valores dos repasses automáticos fundo a fundo, etc. • Definição de quadro estável de trabalhadores (concurso público, carreira), política de formação e capacitação continuadas para trabalhadores, conselheiros, entidades com vínculo SUAS, incluindo entidades de defesa dos usuários e de representantes de trabalhadores Desafios do controle social no SUAS Criação de novos espaços de participação popular nas unidades de gestão territorializada como CRAS e CREAS - ênfase nos coletivos de usuários Construção da rede socioassistencial - entidades com tradição de excessiva autonomia em relação à regulação pública na história da assistência social Grande parte das entidades não realizou reordenamento institucional para participar da nova lógica de funcionamento do SUAS Resistência ao controle social e aos critérios públicos, persistência de arranjos pelo alto Rede deve se apresentar publicamente aos CMAS – também visitas às entidades, monitoramento e avaliação MP 446 – mudanças • Conselhos de assistência social só irão inscrever entidades de assistência social • Órgãos gestores municipais de assistência social serão responsáveis por atestar a qualidade da prestação de serviços socioassistenciais pelas entidades • Institui-se o vínculo SUAS (NOB), ao qual todas as entidades certificadas deverão aderir • Institui-se o Cadastro Nacional de Entidades de Assistência Social (LOAS) Implicações para o controle social • Cria melhores condições para que os conselhos de assistência social possam exercer seu papel de controle social sobre a política – qualidade dos serviços, rede socioassistencial, padrão de atendimento, defesa direitos dos usuários, etc. • Rompe com caráter cartorial e equipara os CAS aos demais conselhos de políticas públicas • Delega ao gestor competência que é do Estado – concessão do CEBAS envolve renúncia fiscal (estimada em 5 bilhões) que é fundo público, transferindo para os ministérios específicos – MDS, Saúde e Educação - a responsabilidade de avaliar as suas respectivas entidades Dados sobre renúncia fiscal • Universo – 5 128 entidades inscritas • 59% entidades de assistência social – 13% • 21% entidades de educação – 46% • 20% de entidades de saúde – 41% SUAS - agenda estratégica Ampliar e fortalecer novos espaços de participação da sociedade civil, para além dos Conselhos: menos formalizados e mais permeáveis à participação popular: fóruns, plenárias, reuniões descentralizadas, etc. Estimular participação de movimentos sociais e de organizações populares, como instrumentos dinamizadores e ativadores dos Conselhos, para que estes possam ganhar maior representatividade e legitimidade social Lutar para reverter a subalternidade dos usuários da assistência social nos espaços públicos – quem são as organizações de usuários hoje nos CMAS? Fortalecer os espaços de controle social como Conselhos e Conferências – rever desenhos, composição, regras de qualificação das organizações, considerando demandas atuais Introduzir novo ciclo de debates com ênfase no padrão de financiamento das políticas sociais, na qualidade dos serviços públicos e na garantia de direitos Superar fragmentação e paralelismo entre várias políticas, espaços de participação e movimentos sociais Aprofundar diálogo entre os diferentes arranjos institucionais, estratégias de ação coletiva, agendas comuns (por ex. das conferências, dos fóruns, de programas de capacitação da sociedade civil). • apoiar denúncias de acordos espúrios, práticas de corrupção e todas as modalidades de autoritarismo, clientelismo, personalismos, manipulação e uso privado dos bens e espaços públicos • estimular o desenvolvimento dos espaços públicos da política de assistência social, colaborando para a criação, defesa e universalização de direitos de cidadania. •