Superior Tribunal de Justiça

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Superior Tribunal de Justiça
HABEAS CORPUS Nº 58.613 - DF (2006/0096706-3)
RELATOR
IMPETRANTE
IMPETRADO
: MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA
: LUÍS ALEXANDRE RASSI E OUTROS
: PRIMEIRA TURMA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
: CARLOS EDUARDO DE FREITAS GUIMARÃES (PRESO)
RELATÓRIO
PACIENTE
MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA:
Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de
CARLOS EDUARDO DE FREITAS GUIMARÃES, denunciado pela suposta prática do delito
previsto no art. 273, § 1º-B, incisos V e VI, do Código Penal, contra acórdão proferido pela 1ª
Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, em que se pleiteava a
declaração de incompetência da Justiça Comum Estadual para o processamento e julgamento do
feito.
Sustentam os impetrantes, em síntese, que o paciente está sofrendo
constrangimento ilegal, porque a denúncia descreve a conduta de importar irregularmente
medicamento terapêutico, de interesse direto da União, o que implicaria o deslocamento da
competência para a Justiça Federal.
Requerem, assim, a concessão da ordem, a fim de declarar a incompetência da
Justiça do Distrito Federal para o processamento da Ação Penal 2005.01.102925-5.
O pedido formulado em sede de cognição sumária foi por mim indeferido, ocasião
em que dispensei o pedido de informações à autoridade apontada como coatora, por estarem
devidamente instruídos os autos (fl. 99).
O
Ministério
Público
Federal,
por
meio
de
parecer
exarado
pelo
Subprocurador-Geral da República WAGNER NATAL BATISTA, opinou pela denegação da
ordem (fls. 102/111).
É o relatório.
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HABEAS CORPUS Nº 58.613 - DF (2006/0096706-3)
EMENTA
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS . ALEGAÇÃO DE
INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO COMUM ESTADUAL. AUSÊNCIA DE
LESÃO A BENS, INTERESSES OU SERVIÇOS DA UNIÃO. ORDEM
DENEGADA.
1. A competência da Justiça Federal será atraída, tão-somente, naqueles
casos em que se evidenciar a existência de eventual lesão a bens, serviços
ou interesses da União, de suas autarquias ou empresas pública, ex vi do art.
109 da Constituição Federal, o que não ocorre no caso em tela.
2. Tendo sido imputada ao paciente a conduta de entregar a consumo
produto medicamentoso, de procedência ignorada, e sem registro no órgão
competente, nos termos insertos nos incisos V e VI do § 1º-B do art. 273 do
Código Penal, e não havendo acusação no sentido de tenha trazido, de
qualquer forma, para o território nacional o medicamento, incabível o
deslocamento do feito para a Justiça Federal, porque ausente eventual lesão
a bens, serviços ou interesses da União.
3. Ordem denegada.
VOTO
MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA (Relator):
Conforme relatado, os impetrantes fundamentam o ajuizamento do writ na
existência de dano a interesse da União, de modo que a descrição na exordial acusatória de que o
paciente teria "importado ilegalmente" medicamento atrairia a competência da Justiça Federal
para processar e julgar o feito.
Penso, todavia, que o inconformismo não procede.
A denúncia imputa ao paciente a prática do crime previsto no art. 273, § 1º-B,
incisos V e VI, do Código Penal, do seguinte teor:
Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a
fins terapêuticos ou medicinais:
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.
§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda,
tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a
consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.
§ 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os
medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos,
os saneantes e os de uso em diagnóstico.
§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações
previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes
condições:
.........................................................................................................
.............
V - de procedência ignorada;
VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade
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sanitária competente (sem grifos no original).
Consta da exordial acusatória (fls. 39/40):
No dia 5/10/2005, no período da manhã, na sede da SES/DF, Brasília
(DF), CARLOS EDUARDO DE FREITAS GUIMARÃES, de forma livre e
consciente, entregou a consumo 36 (trinta e seis) ampolas do medicamento
AVASTIN 100 mg adquirido de estabelecimento sem licença da autoridade
sanitária competente e de procedência ignorada.
No referido dia e local CARLOS EDUARDO foi preso em flagrante
quando efetuava a entrega do medicamento AVASTIN 100 mg, destinado ao
tratamento de pacientes com câncer e importado irregularmente. Tal
medicamento estava acompanhado de Notas Fiscais falsas emitidas pela
empresa ASAP - Comércio Distribuição de Produtos Hospitalares LTDA.
Ressalta-se, por oportuno, que no contrato social da empresa ASAP
Comércio Distribuição Produtos Hospitalares consta como objeto o comércio e
distribuição de produtos hospitalares e não a importação e venda de
medicamentos (fl. 77).
Diligências realizadas na sede da empresa ASAP Comércio, Distribuição
de Produtos Hospitalares LTDA, na cidade de Salvador (BA), comprovaram
que a mesma não funciona no local indicado no registro da empresa perante a
Junta Comercial do Estado da Bahia. Apurou-se que um dos sócios alugou o
imóvel por 36 (trinta e seis) meses, efetuou o pagamento de 2 (dois) meses
adiantados e desapareceu em seguida.
Apurou-se que CARLOS EDUARDO faz parte de um "esquema" que cria
"empresas de fachada" a fim de ganhar licitações e vender medicamentos
importados ilegalmente, sem licença das autoridades sanitárias e sem
procedência a particulares e a órgãos públicos.
Consta dos autos que CARLOS EDUARDO é representante comercial da
empresa FOXCROFT TRADING INC empresa com sede em Orlando, Estado
da Florida (EUA), tendo como sócio a pessoa de BRIAN SANZ, conforme
documento de fls. 73/75. Foram apreendidos, no escritório de CARLOS
EDUARDO, diversos e-mails trocados entre CARLOS EDUARDO e BRIAN
SANZ tratando, dentre outros assuntos, sobre a abertura de empresas, dentre
elas a ASAP Comércio Distribuição Produtos Hospitalares LTDA e a compra
de passaportes e certidões falsas.
Fiscais da Vigilância Sanitária e Auditores Fiscais analisaram os
documentos apreendidos com CARLOS EDUARDO, no momento da entrega
do medicamento AVASTIN 100 mg, e encontraram irregularidades nas Notas
Fiscais emitidas pela empresa ASAP Comércio Distribuição Produtos
Hospitalares LTDA como a ausência do lote de medicamento, falta de
informações quanto a liberação por parte da Vigilância de Portos e Aeroportos
e por parte da ANVISA.
Acrescente-se, por fim, que o medicamento AVASTIM 100 mg somente
pode ser importado diretamente por hospitais e, segundo a Nota Técnica nr.
04 (2ª parte) da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, para medicamento
importado, deverá ser apresentado laudo emitido por laboratório integrante da
Rede Brasileira de Laboratórios Analítico-Certificados em Saúde - REBLAS o
que não foi feito.
Nestes termos, o Ministério Público denuncia a V. Exa. CARLOS
EDUARDO DE FREITAS GUIMARÃES como incurso nas penas previstas no
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Art. 273, § 1º-I-B, incisos V e VI, do Código Penal.
Como se vê, cuida o delito previsto no art. 273 do Código Penal de crime de ação
múltipla ou de conteúdo variado, cuja incidência penal se aperfeiçoa por qualquer dos núcleos de
tipo previstos na norma penal.
Observa-se que foi imputada ao paciente a conduta de entregar a consumo
produto medicamentoso, de procedência ignorada, e sem registro no órgão competente, nos
termos insertos nos incisos V e VI do § 1º-B do art. 273 do Código Penal. Não há acusação de
que o paciente tenha trazido, de qualquer forma, para o território nacional o medicamento, de
modo a atrair, em tese, a competência da Justiça Federal.
Com efeito, as condutas narradas na denúncia não evidenciam nenhuma lesão a
bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, ex
vi do art. 109, inciso IV, da Constituição Federal, de modo a ensejar a competência da Justiça
Federal.
Sobre a questão, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça nos seguintes
termos, verbis:
PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. IMPORTAÇÃO E VENDA
DE
PRODUTO
MEDICINAL
SEM
O
DEVIDO REGISTRO.
DIVERGÊNCIAS QUANTO À CAPITULAÇÃO LEGAL DO DELITO.
OFENSA A BENS, DIREITOS OU SERVIÇOS DA UNIÃO.
INEXISTÊNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
I - Conduta inicialmente tipificada no art. 334 do Código Penal.
II - Hipótese em que a denúncia explicitou conduta relativa à eventual
importação e venda de produto sem registro no órgão competente, que
constitui o crime previsto no art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal, mesma
tipificação efetuada pela autoridade policial.
II - Descartada a hipótese de internacionalidade da conduta a justificar a
atração da competência da Justiça Federal, se o réu adquiriu o medicamento de
comercialização proibida, em território nacional.
III - Inexistindo ofensa a bens, direitos ou serviços da União, evidencia-se
a competência da Justiça Estadual para o processamento e julgamento do feito.
IV - Conflito conhecido para declarar competente para apreciar e julgar a
causa o Juízo de Direito da 3.ª Vara Criminal de Campo Grande.
(CC 40.639/MS, Rel. Min. GILSON DIPP, Terceira Seção, DJ de
24/5/04)
Nesse sentido, tenho como percucientes os argumentos trazidos pelo
representante do órgão ministerial às fls. 109/111:
Como se extrai da leitura, a conduta imputada ao paciente foi a de
entregar a consumo 36 (trinta e seis) ampolas do medicamento AVASTIN 100
mg adquirido de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária
competente e de procedência ignorada.
Nada mais foi imputado ao paciente. Nada se falou acerca dos outros
núcleos do tipo penal, quais seja, importar, vender, expor à venda, ter em
depósito para vender.
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Por isso, apesar de também constar do tipo penal a conduta de importar,
tal ação não foi imputada ao paciente. Aliás, não há nos elementos que
instruem o presente habeas corpus qualquer indício no sentido de ter sido o
paciente a pessoa responsável pela importação do produto.
O que podemos ver da inicial, é que o impetrante pretende dar a entender
que o fato de constarem as ações de importar e entregar medicamento de
procedência ignorada no mesmo tipo é que haveria um crime único e por isso,
seria o caso de remeter os autos para a justiça federal.
Ocorre que quando se fala em crime único significa dizer que
independente de ter sido praticada uma ou mais condutas descritas no tipo
penal, o agente responderá apenas por um crime. Não haverá o concurso entre
eles.
Mas isso não significa que por estarem todos no mesmo tipo penal, a
competência seria da Justiça Federal, pois, caso assim se entendesse, toda
ação penal em que se investigasse a prática de qualquer das ações previstas
naquele dispositivos, necessariamente, seria da competência da Justiça Federal
(...).
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Portanto, não há que se falar em competência da Justiça Federal , visto
que ela é estabelecida no artigo 109 da Constituição Federal e os autos não
trazem nada acerca do processamento e julgamento de atos infracionais
equiparados a crimes praticados em detrimento de bens, serviços ou interesses
da União ou suas autarquias. Assim, não há crime a ser apurado pela Justiça
Federal.
Ante o exposto, denego a ordem impetrada.
É o voto.
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