Estabilização e desenvolvimento no plano real: combate à inflação, reestruturação produtiva e recuperação da moeda nacional Dennys Montagner* Resumo: Este artigo tem como pontos centrais as discussões acerca da estabilização monetária realizada por meio do Plano Real, bem como a nova estratégia de desenvolvimento proposta a partir de sua implementação. Busca-se, ainda, expor os fundamentos teóricos do plano e uma análise da conjuntura econômica brasileira entre os anos de 1994 e 1999, com ênfase nos efeitos da valorização cambial sobre a inflação, a estrutura industrial, as exportações e o setor público. Palavras-chave: Plano Real; Estratégia de Desenvolvimento; Taxa de Câmbio; Setor Público. Abstract: “This paper addresses the monetary stabilization promoted by the Real plan taking for granted its 'new development strategy in order to demonstrate the theorical bases of the plan and to make an analysis of the Brazilian economic conjecture between 1994 and 1999 emphasizing the exchange appreciation, the industrial structure and the export and public sectors”. Key Words: Real Plan; Development Strategy; Exchange Rate; Public Sector. 1. Introdução As experiências de altas taxas de inflação, instabilidade da moeda nacional, desemprego, piora nas condições de distribuição de renda e aumento da pobreza não são em nada novas, para a maioria dos países da América Latina. Os anos 80 (a chamada “década perdida”) trouxeram, em seu bojo, severas restrições à continuidade do padrão de desenvolvimento que vinha sendo experimentado, no continente, desde os anos 30. Consolidou-se, desta forma, um período de transição entre um padrão de desenvolvimento e outro. Até os anos 70 ainda vigorava a ordem de regulação econômica global estabelecida pelos signatários de Bretton Woods, ou seja, regime de câmbio fixo ajustável (de acordo com condições específicas e sujeitas a negociações), limitação e controle dos fluxos internacionais de capitais. Surge ainda, o Fundo Monetário Internacional, responsável por monitorar as políticas econômicas dos países e fornecer ajuda se fosse necessário equilibrar a situação no Balanço de Pagamentos (EICHENGREEN, 2000, p. 131). A tentativa de Bretton Woods de suplantar os problemas acumulados no pós-guerra baseava-se, desta forma, em uma espécie de tríade, que consistia em: Taxas de câmbio fixas, mas ajustáveis, já que os controles de capitais possibilitavam aos países defender o valor de suas moedas dos fluxos de capitais desestabilizadores. Os recursos do FMI serviam para defender o câmbio fixo, ou seja, sustentar as condições ideais no Balanço de Pagamentos. No entanto, na prática, esses três elementos não funcionaram da forma esperada; os países do centro do sistema capitalista, praticamente, não modificavam a paridade, já os recursos do fundo mostraram-se insuficientes para cobrir as necessidades de pagamento dos países no pós-guerra. O que de fato funcionou foram os controles de capitais, já que havia limite às taxas de juros e regras com as quais se definia os ativos em que os bancos poderiam investir. Havia, ainda, uma regulação governamental que possibilitava a destinação dos créditos para os setores considerados estratégicos. (EICHENGREEN, 2000, p. 134). 52 Nesse sentido, o Estado possuía um papel ativo frente ao sistema financeiro, bem como, por algum tempo, conseguiu subordinar aos interesses do Estado os desígnios do sistema, ou seja, o papel desses capitais era definido e voltado ao intento do desenvolvimento nacional. Esse desenvolvimento, portanto, prezava pela consolidação da indústria, pela defesa do emprego e pelo aumento da renda. O que se observa é que no fim dos anos 70, os postulados de Bretton Woods passaram a perder força em prol das novas concepções econômicas que se mostravam defensoras do câmbio flutuante, capaz de possibilitar uma grande mobilidade de capitais ao nível internacional. O fechamento da “janela de conversão” pelos Estados Unidos, no fim dos anos 60, já mostrava que o regime monetário de Bretton Woods estava com os dias contados. Cada vez mais tornava-se difícil impedir a livre circulação de capitais, dado o desenvolvimento de novas tecnologias de comunicações e da própria competição entre os centros financeiros, que pressionavam cada vez mais a derrubada de barreiras aos capitais (EICHENGREEN, 2000, p. 185). Houve inúmeras tentativas de controlar a flutuação do câmbio, como as bandas propostas no Sistema Monetário Europeu, mas a mudança já estava decretada: seria muito custoso e difícil impedir que por meio da livre circulação e mobilidade de capitais, o comando do ciclo econômico passasse às mãos do sistema financeiro. Após isso, a crise de liquidez do final dos 70 (a recuperação do valor do dólar) causada pela inversão dos fluxos de capital em favor dos Estados Unidos 1 , desencadeou uma crise no sistema de financiamento e arrolagem das dívidas externas dos países periféricos. Não só chegavam ao fim os postulados emergidos do pós-guerra, mas modificava-se o padrão de desenvolvimento iniciado nos anos 30. A fim de tornar mais didática a exposição e análise das questões achamos por bem dividir o presente artigo em quatro seções, contendo o que se segue: na presente introdução objetiva-se fazer uma exposição de modo a pontuar os principais problemas pertinentes ao tema e o cenário no qual desenvolveu-se o plano de estabilização no Brasil, entendendo-se que este não foi uma experiência única no contexto econômico mundial dos anos 90, mas que no entanto revelou possuir algumas particularidades. No item 2 faremos algumas observações sobre o que entendemos ter sido a instalação de um novo padrão de desenvolvimento no Brasil, diferente da experiência histórica dos anos 70 e 80. No item 3 serão discutidas as medidas de estabilização contidas no Plano Real, bem como a evolução da economia brasileira no pós-Real. No item 4 colocaremos nossas considerações finais. 2. Estabilização e novo padrão de desenvolvimento brasileiro nos 90: algumas observações. O Brasil passou ao longo dos anos 80 por diversas tentativas de estabilização dos preços e combate à inflação. Todas tiveram em comum certo êxito no inicio, mas após pouco tempo a inflação retornava com ainda mais força. O Plano Real, implementado a partir de 1994, além de contar com um contexto internacional favorável no que tange ao fluxo de capitais externos, distinto dos anos 80, no qual houve um afluxo de investimentos e capitais estrangeiros, contou com novas bases teóricas, ancoradas nas idéias do chamado “Consenso de Washington”. Tal estratégia de desenvolvimento é resumida da seguinte forma por Belluzzo e Coutinho (1996, p. 145-146). : I) a estabilidade cria condições para o cálculo econômico de longo prazo, estimulando o investimento privado; 1 O fluxo de capitais se modificou a partir do choque de juros promovido por Paul Volcker, o então presidente do Federal Reserve. 53 II) a abertura comercial (e a valorização cambial) impõe disciplina competitiva aos produtores domésticos, forçando-os a realizar ganhos substanciais de produtividade; III) as privatizações e o investimento estrangeiro removeriam gargalos de oferta na indústria e na infra-estrutura, reduzindo custos e melhorando a eficiência; IV) a liberalização cambial, associada à previsibilidade quanto à evolução da taxa real de câmbio, atrairia poupança externa em escala suficiente para completar o esforço de investimento doméstico e para financiar o déficit em conta corrente. Além disso, Cintra destacou, ainda, que deveria haver: disciplina fiscal que gerasse um superávit primário, priorização dos gastos públicos em saúde, educação e infra-estrutura, reforma tributária com ampliação da arrecadação (seja pelo aumento da eficiência na arrecadação ou dos impostos), corte em subsídios, liberação das taxas de juros nominais e do sistema de crédito, flexibilização das relações capital-trabalho, principalmente, com o governo deixando de determinar os salários (CINTRA, 1999, p. 20-21). Cabe ressaltar que muitos desses elementos tiveram franco funcionamento já no inicio dos anos 90 (no governo Collor), no entanto é inegável que foi durante o Plano Real, que a maioria deles se consolidou, enquanto postura do governo, frente aos desafios de desenvolvimento do país. Pode-se, a partir da análise destes pressupostos, inferir alguns comentários, tais como: a) a estabilidade cria condições para o cálculo econômico de longo prazo, incentivando o investimento privado. Pois bem, e o investimento público? Sabe-se que com a livre remessa de lucros, cláusulas de recompra dos títulos com taxas elevadas e juros reais estratosféricos, instalam a tendência de os capitais permanecerem no Brasil em curto prazo e de preferência fora dos investimentos produtivos, portanto de longo prazo. b) “a disciplina competitiva” e os “ganhos de eficiência” que as empresas nacionais teriam com a abertura comercial podem ser traduzidos como menos emprego e mais produção, ou seja, ganhos de produtividade tornando as empresas mais intensivas em capital do que em trabalho; a competição é do tipo “selvagem”, ou seja, só sobrevivem aqueles com maior capacidade de adaptação às novas condições de concorrência, o que significa dizer que os sobreviventes serão aqueles com acesso ao crédito, com acesso aos mercados e com o mínimo de estrutura produtiva consolidada. A conclusão é que houve um grande processo de concentração industrial, principalmente nos setores de autopeças, eletroeletrônicos e bens de capital (TAVARES, 1997, p. 117). c) Quanto ao investimento estrangeiro de longo prazo, ou seja, no setor produtivo e na infraestrutura, concentraram-se fortemente na aquisição de ativos já existentes (estimado em 40% em 1996), seja nas privatizações ou nas aquisições de empresas privadas nacionais. Tavares ressaltou, ainda, que o ganho com as privatizações foi de longe superado pelos dispêndios assumidos pelo setor público no aumento dos custos do serviço da dívida externa, causado pelo regime cambial e pelas elevadas taxas de juros. Sendo assim, o argumento de que as privatizações aliviariam a pressão fiscal torna-se inócuo, tanto se levarmos em consideração o fraco efeito sobre a situação fiscal, quanto se considerarmos que o que foi privatizado eram boas empresas públicas, como a Vale do Rio Doce, portanto bons negócios para o setor privado, como ressaltou Tavares (1997, p. 105): O único mérito microeconômico visível dos programas de privatização empreendidos na América Latina seria o fato de haverem propiciado ‘excelentes negócios’ a uma parcela diminuta das elites cosmopolitas e internacionalizadas que operam no continente e contribuído para a elevação da taxa de desemprego, a pretexto de aumentar a produtividade. 54 d) a política monetária e cambial no Plano Real tinham deliberadamente um objetivo central: acabar com a inflação por meio da restauração da confiança dos agentes no valor externo da moeda (BELLUZZO; ALMEIDA, 2002, p. 363) e promover a abertura comercial, como um meio capaz de fazer com que os preços nacionais convergissem para o nível de preços externo. Para tal, era necessário acumular um significativo montante de reservas, de modo a desestimular as especulações sobre a nova moeda. Cabe a política monetária de juros altos atrair poupança externa para compor as reservas e financiar os investimentos. Enquanto houvesse liquidez internacional as políticas não seriam fragilizadas por uma interrupção no financiamento da conta corrente. Nesse sentido, as políticas possuíam uma fragilidade endógena, tendo em vista que o déficit em transações correntes seria crescente enquanto a política cambial continuasse a oferecer subsídios às importações e a taxa de juros continuasse a remunerar generosamente os detentores dos títulos da dívida pública (aumentando o déficit fiscal). Ao longo da década de 90 as crises cambiais do México, dos Tigres Asiáticos e da Rússia mostraram o quão frágil era esse arranjo monetário-cambial. e) O ajuste fiscal, anunciado como a primeira fase do plano, não foi realizado por impasses no Congresso, no que tange a reforma tributária e pela própria natureza de financiamento do plano, que legava ao setor público os prejuízos do reforço da inserção dependente. A reforma tributária acabou por reforçar os conflitos, propondo a centralização federal dos impostos sob consumo. Foi aprovado o Plano de Ação Imediata e o Fundo Social de Emergência; o primeiro redefiniu alguns pontos da relação entre União, estados e municípios, firmou um acordo com o FMI e reajustou alíquotas de alguns impostos (CASTRO, 2005, p. 152). O segundo promoveu a desvinculação de 20% das receitas da União, com o intuito de garantir os “programas sociais do país”; acabou se transformando em um esforço fiscal para pagar juros. f) A flexibilização das Leis Trabalhistas ocorreu de forma indireta, dada a pressão dos sindicatos e da oposição no Congresso. O regime de concorrência desleal, selvagem e concentrador, implantado pela abertura, pauperizou as condições de trabalho, por meio do desemprego e do aumento da informalidade. Sem falar na avalanche de terceirizações e no massivo fechamento de postos de trabalho na agricultura e indústria (TAVARES, 1997, p. 117-119). g) Saúde, educação e infra-estrutura: nas duas primeiras houve uma grande massificação, ou seja, ampliou-se fortemente o serviço público de saúde e se criaram vagas para todos na escola básica e o processo continua agora no ensino superior. No entanto, a expansão pura e simples não garantiu a qualidade nos serviços. A infra-estrutura já no Plano Real dava sinais de esgotamento, como, por exemplo, o sistema elétrico (neste caso específico, a expectativa de privatização do setor defasou no tempo os investimentos públicos, grande parte durante os anos 90), as rodovias federais e os portos em situação crítica após a estagnação dos anos 80. Amparando-se nos autores outrora citados, observou-se de maneira sucinta os efeitos desse novo padrão de desenvolvimento, que envolveu também o plano de estabilização, e como o Estado foi sendo minimizado nesse processo. Também percebeu-se que ao enfatizar a eficiência, a produtividade, a melhora das condições de concorrência, a melhora do cenário macroeconômico, para a segurança dos investimentos privados, cultuou-se um intenso privatismo que foi ganhando força neste projeto de desenvolvimento, ou seja, a paulatina retirada do Estado do processo deixou de garantir interesses dos menos favorecidos, tais como o nível de renda e emprego. A “eficiência” invadiu também o Estado que dispensou um grande número de funcionários que não tinham estabilidade garantida pela Constituição de 55 1988. Desta forma, o Estado também foi um contribuinte para aumentar o desemprego durante os anos 90 (TAVARES, 1997, p. 121). 3. Superando a inflação: as medidas do Plano Real e a evolução da economia brasileira no período recente. O Plano Real guarda grande semelhança com a chamada proposta “Larida”, elaborada pelos economistas Pérsio Arida e André Lara-Resende, na época do Plano Cruzado. Os economistas propunham que se emitisse uma nova moeda e que esta circulasse juntamente com a moeda antiga, tendo em vista que a moeda nova (NC) seria indexada aos índices de preços, de modo a promover a zeragem da memória inflacionária, removendo, desta forma, seu componente inercial (ARIDA; LARA-RESENDE, 1986, p. 25). Como os NCs teriam paridade fixa com a ORTN e o dólar, sendo, portanto, protegido contra a inflação, seria um ativo altamente demandado. Em contrapartida, haveria uma corrida da velha moeda desvalorizada. Desta forma, seria possível zerar a memória inflacionária sem que o NC fosse contaminado pela inflação da moeda velha. Paulatinamente o governo tiraria de circulação a moeda velha e o NC seria posto em curso forçado, como nova moeda nacional. No entanto o NC necessitaria de uma base, ou seja, uma âncora, que garantisse seu valor; a saída encontrada por Arida e Lara-Resende (1986, p. 29-30) foi a seguinte: Uma outra base é a taxa de câmbio. O governo aboliria os controles sobre o capital e se disporia a comprar e vender dólares a uma determinada taxa de câmbio. Teoricamente, fixar a taxa de câmbio é uma alternativa superior a limitar o crescimento monetário. Em várias ocasiões na história, um requisito fundamental para o sucesso das reformas monetárias tem sido o influxo de capitais externos e a acumulação resultante de reservas que permitiriam ao país provar sua capacidade de fixar a taxa de câmbio. Tal base, contudo, não é factível no caso brasileiro: o fluxo de capitais externos necessários não se dirigirá para o país mais endividado do mundo. As considerações sobre a situação do maior devedor do mundo, no entanto, indicam-nos a base adequada: a taxa externa de juros. A base de sustentação do plano “Larida”, na ocasião, onde os fluxos de capital estavam fechados ao Brasil (1984), não poderia ser uma âncora cambial sustentada pelas reservas internacionais. Na ocasião da implantação do Plano Real havia um grande volume de liquidez externa, bastava então arbitrar com as taxas de juros internacionais e o fluxo de capitais se direcionaria ao país, sustentando a paridade cambial e os déficits em transações correntes. Desta forma, a âncora cambial e os fundamentos da URV guardavam grande semelhança com a proposta “Larida”, de 1984, no que tange ao diagnóstico da inflação e formas de combatê-la. Observe-se, então, as medidas do plano, que se encontram divididas em três fases: O primeiro passo era promover um ajuste fiscal. Foram criados o Plano de Ação de Imediata em maio de 1993 e o Fundo Social de Emergência em fevereiro de 1994; o primeiro redefinia a relação da União com Estados e Municípios, bem como as relações do Banco Central com bancos estaduais e outros. O segundo definia uma desvinculação de 20% das receitas da União, com vistas implícitas a realizar cortes profundos no orçamento. Criaram-se, ainda, alguns tributos e firmou-se um acordo com o FMI. Nesse sentido, o ajuste fiscal era visto como uma condição primordial para por fim ao problema da alta inflação (CASTRO, 2005, p. 152). A justificativa do ajuste era que existia no Brasil um déficit potencial, ou seja, que não significava que o reduzido déficit operacional não acelerava a inflação. Assim, havia um déficit fiscal ex ante, já que as receitas eram indexadas, enquanto os gastos eram expressos em termos nominais. O orçamento era aprovado com um grande déficit nominal que ao longo do ano fiscal era corroído pela inflação, encerrando o exercício com um déficit operacional 56 pequeno. É o que se chama de efeito Tanzi às avessas 2 (receitas protegidas da inflação, enquanto as despesas eram desindexadas). Desta forma, o setor público fomentava o componente inercial da inflação, já que esta era fundamental no fechamento das contas públicas. Com isso, o ajuste fiscal deveria ocorrer ex ante. Tal diagnóstico trazia a concepção de que até então o governo praticava uma política de desenvolvimento inflacionista, que não prezava pela austeridade fiscal do Estado e emitia moeda sem lastro para financiar projetos públicos. No entanto, o ajuste não veio da forma esperada, esbarrou nos impasses do Congresso, na aprovação das medidas e no avassalador crescimento da divida externa, advinda do tipo de financiamento com o qual o plano contou. Na prática o ajuste fiscal no curto prazo não mostrou-se central, quando a URV foi lançada o fundamento fiscal permaneceu ancorado no modesto déficit operacional. O que de fato parece ter garantido o sucesso do plano foi o processo de indexação geral e depois desindexação, promovida pela URV. É claro que tal sucesso apoiava-se no fato de que a liquidez do sistema financeiro era suficiente para garantir o volume de reservas capaz de manter funcionando a âncora cambial que conferia fundamento prático e confiabilidade na URV. Somado a isso, podemos observar graficamente que a situação fiscal do setor público alterou-se em prol da zeragem do déficit nominal, sendo este também um mecanismo fundamental para a sustentação da âncora cambial (CASTRO, 2005, p.154); (BACHA, 1997, p. 13-15). Gráfico 1 2 O efeito Tanzi ocorre quando uma elevação na taxa de inflação faz com que as receitas governamentais sejam corroídas, ou seja, há uma perda de receitas. No Brasil, ele se deu às avessas, onde o governo tinha um ganho de receita com a inflação e deste modo alimentava o seu componente inercial. 57 A URV (Unidade Real de Valor) foi uma nova unidade de conta criada em 1 de março de 1994, e era o segundo passo do plano. Não era um meio de troca de curso forçado, ou seja, num primeiro momento a URV não seria emitida, mas serviria para fixar os preços da economia. A unidade teria paridade com o dólar e seria corrigida diariamente pelo Banco Central pela média dos três principais índices de preços. Os salários seriam inicialmente reajustados pela média dos últimos quatro meses e após 1 de março de 1994 seriam fixados em URV (era uma antiga reivindicação dos sindicatos um reajuste mensal). A conversão não era compulsória, porém muito vantajosa para proteger os contratos da inflação. Desta forma, a URV promoveu os efeitos de uma hiperinflação (indexação plena), porém sem os seus efeitos devastadores. O artifício foi o estabelecimento da paridade entre a URV e o dólar, ou seja, o valor da URV era garantido pela capacidade do Banco Central em manter a conversibilidade da nova moeda em dólar e de garantir a paridade por meio das reservas internacionais. Na prática não ocorreu uma dolarização direta, dado que os contratos em moeda estrangeira foram proibidos. A dolarização direta não poderia ocorrer dado o alto grau de indexação da economia brasileira, desta forma foi necessário promover uma indexação plena dos preços para posteriormente desindexar a economia. Isso ocorreria quando a URV fosse emitida, já livre da memória inflacionária contida na moeda antiga. A URV possibilitou, ao contrário do congelamento de preços, um reajuste coordenado e gradual até que os preços convergissem a níveis internacionais, dada a abertura comercial e a paridade cambial. O plano consistia, desta forma, numa coordenação de expectativas gradual que pudesse devolver a moeda nacional a confiança dos agentes, o que também passou pela recuperação da confiabilidade das instituições governamentais (BELLUZZO; ALMEIDA, 2002); (CASTRO, 2005); (GIAMBIAGI, 2005); (FRANCO, 1995); (PASTORE; PINOTTI, 1999); (BACHA, 1997). A terceira fase do plano foi a emissão da nova moeda, “o Real”, em 1 de julho de 1994. O lastreamento da oferta monetária doméstica foi feito com base nas reservas cambiais, com paridade de R$ 1,00 por US$ 1,00. O Plano estabeleceu o lastro, porém não garantiu a conversibilidade dólar/real. Fixou, ainda, metas de emissão de moeda, promovendo uma âncora monetária. A banda cambial assimétrica teria um teto de R$1,00 por US$1,00 e piso livre. Em outubro de 1994 o governo abandonou a âncora monetária, tendo em vista que não era possível impedir a expansão monetária fora do controle das autoridades monetárias, já que havia intensa mobilidade de capitais e as necessidades de financiamento do setor público cresciam sem parar, ou seja, para fechar as contas era necessária a emissão crescente de papéis da divida pública. O plano passou, portanto, a concentrar o processo de estabilidade no câmbio (CASTRO, 2005, p. 157). O caminho percorrido pelo plano não foi de calmaria e estabilidade, pelo contrario, além de ter de superar suas inconsistências internas, sofreu com crises cambiais dos países emergentes, demonstrando o quão frágil era a estratégia e como dependia das condições de retomada da liquidez internacional, tanto que na crise da Rússia em 1997 a probabilidade de contágio do Brasil era imensa, dado a deterioração dos indicadores macroeconômicos. Um acordo com o FMI acabou por evitar o pior. A partir de meados de 1995 o plano já mostrava sinais de sucesso, porém dois elementos incomodavam: o desequilíbrio externo e a crise fiscal. Cabe observar a situação do Balanço de Pagamentos, na tabela a seguir, a fim de se ter maior clareza acerca da situação das contas externas do país (GIAMBIAGI, 2005, p. 169). 58 Tabela 1 Balanço de Pagamentos do Brasil, 1992-1995. Itens 1992 1993 1994 1995 1. Balança Comercial 15.239 13.307 10.466 -3.157 Exportações (FOB) 35.793 38.563 43.545 46.506 Importações (FOB) -20.554 -25.256 -33.079 -49.663 2. Serviços -11.339 -15.585 -14.743 -18.600 Juros (liq.) -7.253 -8.280 -6.338 -8.158 Lucros e Dividendos (liq.) -749 -1.931 -2.566 -2.790 Viagens internacionais (liq.) -319 -799 -1.181 -2.419 Transportes (liq.) -1.359 -2.090 -2.441 -3.200 Outros serviços (liq.) -1.659 -2.485 -2.217 -2.033 Itens 3. Transferências Unilaterais (liq.) 1992 2.243 1993 1.686 1994 2.588 1995 3.973 Itens 4. Saldo em Conta Corrente (1+2+3) 1992 6.143 1993 -592 1994 -1.689 1995 -17.784 5. Capital 25.271 10.115 14.294 29.820 Amortizações pagas -7.147 -9.268 -11.001 -11.026 6. Erros e Omissões -1.386 -1.119 334 1.444 7. Resultado Global (4+5+6) 30.028 8.404 12.939 13.480 8. Financiamento -30.028 -8.404 -12.939 -13.480 Haveres (- = aumento) -14.670 -8.709 -7.215 -12.919 Obrigações – FMI -406 -495 -129 -47 Obrigações de curto prazo -14.952 800 -5.595 -514 Atrasados -14.253 1.133 -5.653 -510 -699 -333 58 -4 Outras Fonte: Banco Central do Brasil. A deterioração da condição externa se deu por meio do aumento proporcional das importações em relações as exportações, o que inverteu a condição da Balança Comercial em 1995, e na constante necessidade de captação de capitais externos que pudessem financiar este déficit, o problema é que as autoridades não estavam dispostas a desvalorizar o câmbio enquanto fosse possível financiar o déficit por meio da emissão de divida pública. O câmbio permaneceu valorizado até 1999, quando passou a ser flutuante. (GIAMBIAGI, 2005, p. 175). Não ter realizado a desvalorização já em 1995 era até justificável, até para os menos ortodoxos, já que os fundamentos macroeconômicos ainda não havia se deteriorado fortemente e o plano de estabilização poderia ser prejudicado. No entanto, após 1996 a evolução da conta corrente era desastrosa e o déficit fiscal crescia, vejamos na tabela a seguir alguns dados do setor público: Tabela 2 Déficit do setor público brasileiro (1992-1996) em % do PIB. Período 1992 Déficit nominal 44,14 Déficit operacional 2,21 Déficit primário -2,32 1993 58,41 -0,25 -2,64 1994 44,41 -1,34 -5,16 59 1995 7,34 1996 (1ºsem.) 6,55 Fonte: Banco Central do Brasil. 4,99 -0,37 3,57 0,13 Observando o déficit nominal entre 1994 e 1996 e o déficit operacional entre 1993 e 1995, pode-se constatar um aumento crescente já na presença de um efetivo controle de preços. Em 1995 as condições de financiamento do setor público e a deterioração da conta corrente já mostravam que não haveria sustentabilidade por um prazo muito longo, dado que, num contexto de retração da liquidez internacional, o plano não seria capaz de manter os fundamentos que conferiam credibilidade e valor ao Real. Cabe ressaltar que a convicção de que a política monetária de juros altos (para atrair capitais poupança externa) e sobrevalorização cambial deveriam ser mantidas inalteradas, causaram sérias conseqüências a situação fiscal do país. Tal modelo de estabilização poderia ser mantido enquanto as condições de endividamento externo fossem possíveis (GIAMBIAGI, 2005, p. 176). Em 1998 o país firmou um acordo com o FMI no valor de US$ 42 bilhões, com o intuito de financiar o déficit em conta corrente. O acordo foi firmado num momento de reversão de expectativas, em que dado o déficit em conta corrente uma desvalorização seria inevitável. No entanto, o acordo não previa uma mudança na política cambial, ou seja, a expectativa era continuar financiando os déficits por meio de endividamento externo e público. Por ouro lado o acordo aumentava o aperto fiscal, passando de 0.0% do PIB (primário) em 1998 para 2,6% do PIB em 1999 e 2,8% e 3,0% do PIB em 2000 e 2001, respectivamente (GIAMBIAGI, 2005, p. 177). Seguiu-se, ainda, uma nova elevação da taxa básica de juros anterior a desvalorização, finalizando um pacote nada inédito: o setor público continuaria arcando com os custos do ajuste. Observemos nos gráficos a seguir o saldo em conta corrente entre os anos de 1992 e 2003 e os dados comparados das taxas de juros para o ano de 1995: Gráfico 2 60 Gráfico 3 Gráfico 4 Quando a desvalorização ocorreu, em janeiro de 1999, havia uma situação de retração da demanda por industrializados, a inflação mensal medida pelo IPCA tinha sido de 0,7% em 61 janeiro e 1,1% em fevereiro. A política monetária permaneceu rígida, a taxa de juros real foi de 15% e cumpriu o papel de evitar remarcações e depreciação da moeda. O cumprimento das metas fiscais com o FMI conferiu certa credibilidade a economia brasileira. Ocorreu também a adoção de metas de inflação, desta forma os juros passaram a ser fixados de modo a atingir o centro desta meta (GIAMBIAGI, 2005, p. 179). Em 2000 o PIB cresceu 4% e a inflação ficou em torno de 6%. A partir disso o país passou enfrentar problemas de infra-estrutura, como a crise do setor elétrico, sucateado pela falta de investimentos públicos, durante o processo de privatizações do setor. Não obstante, os índices macroeconômicos apresentaram melhora após 2004-2005, quando o país voltou a crescer em um ritmo mais intenso e pode melhorar a situação fiscal e externa (GIAMBIAGI, 2005, p. 180). 4. Considerações finais. O padrão de desenvolvimento inaugurado no inicio dos anos 90 e consolidado na implantação do Plano Real, suplantou o padrão anterior que era baseado em uma centralidade do Estado, grandes projetos na indústria de base e infra-estrutura. Também foi um padrão que conviveu com moeda fiduciária, altos índices de inflação e com desequilíbrios fiscais constantes. Gustavo Franco afirma que neste padrão havia uma conveniência ou uma funcionalidade da inflação, já que esta extraia o imposto inflacionário das camadas mais baixas e aumentava o coeficiente de poupança. A indisciplina fiscal era, por sua vez, coberta pela defasagem inflacionária (FRANCO, 2005, p. 261). A indexação, desta forma, foi uma inovação que possibilitou a sobrevivência do modelo inflacionista, onde o crescimento poderia ser alcançado sem sofrer os males da inflação. O mecanismo, no entanto, mostrou-se um problema a longo prazo pelo fato de retroalimentar o processo inflacionário. Era, portanto, “a serpente que engolia a própria calda” (FRANCO, 2005, p. 263)3. Nesse sentido, o autor ovaciona o Plano Real como o ponto de ruptura do modelo antigo e inauguração do modelo novo, de austeridade fiscal, disciplina monetária, Estado mínimo e competitividade dos agentes privados. Do mesmo modo que Gustavo Franco rotula o nacional-desenvolvimentismo pelos seus fracassos, também o faz, só que inversamente, com o Plano Real (novo modelo). Não há como negar que o desenvolvimento industrial que se assistiu a partir dos anos 30 e se estendeu até o II PND, proporcionou ao país um salto no que tange ao desenvolvimento capitalista. Esse padrão tem por característica principal o fato de promover o desenvolvimento da produção nacional, ou seja, há implícita a idéia de fortalecimento do capital nacional e da própria nação (concordemos ou não com ela). Isso faz diferença quando observamos a ausência de proteção à indústria brasileira na abertura comercial promovida pelo plano, o que representou a desarticulação das cadeias produtivas em inúmeros setores da indústria, em especial a metal-mecânica (autopeças e bens de capital), eletroeletrônica e química. A eliminação de elos de valorização baixou os montantes agregados ao nível bruto da produção, fechando postos de trabalho e reduzindo a renda. Para Belluzzo e Almeida (2002, p. 373) o Plano Real representou muito mais que um programa de estabilização dos preços: O Plano Real, observado desse ângulo, teria sido uma tentativa de colocar a economia brasileira sob a disciplina imposta, primeiro, por um regime de conversibilidade restrita, financeira e comercial, para depois, provavelmente, avançar na trilha de uma conversibilidade plena. Não se tratava, portanto, apenas de obter estabilidade de preços, mediante a utilização clássica da âncora cambial. O objetivo parecia ser mais amplo: estávamos diante de um projeto de desenvolvimento liberal que supõe a convergência relativamente rápida das 3 Ver também (FISHLOW, 2004). 62 estruturas produtivas e da produtividade da economia brasileira na direção dos padrões ‘competitivos’ e ‘modernos’ das economias avançadas. O plano afetou, ainda, a distribuição setorial do investimento, que passou a concentrar-se em áreas onde havia processos de privatização, ou seja, protegidos pelo setor públicos, sendo, portanto, bons negócios. Houve um crescimento substancial do passivo externo, mas ao contrário do endividamento dos anos 60 e 70 que serviram direta ou indiretamente para financiar grandes projetos produtivos, esta nova fase de dependência financeira possui um grande componente de instabilidade, ou seja, muito mais vulnerável a reversão do ciclo financeiro externo (BELLUZZO; ALMEIDA, 2002, p. 377-378). A mais ou menos quinze anos atrás entrava em vigor o Plano Real, foi um período em que a inflação, na média, ficou praticamente estável. Houve uma grande abertura financeira e comercial, bem como o acesso da população aos bens de consumo mais sofisticados do mundo globalizado. Em contrapartida, acumulou-se um grande passivo externo e principalmente interno; sustentou-se uma taxa de juros estratosférica que atualmente ainda é a maior do mundo. A “reestruturação produtiva” desestruturou toda a indústria nacional, minando a diversificação produtiva de exportáveis (em 1974 o Brasil exportou 40% em produtos industrializados), hoje o país é um exportador de grãos e comodities metálicas, vulneráveis as oscilações de preços internacionais. A concentração de renda é uma das maiores do mundo (tem melhorado nos últimos quatro anos) e a pobreza ainda permanece em altos níveis. Nesse sentido, o Plano Real pode não ter se apoiado em um viés “inflacionista” como argumenta Gustavo Franco, porém reforçou a dependência na inserção externa do país, piorou a concentração de renda e os índices sociais, substancialmente. O plano, de fato, foi o primeiro a lograr êxito desde os anos 80, contou com condições internacionais que os outros não tinham, também enfrentou graves crises externas, salvandose da insolvência em todas elas (em algumas com a ajuda do FMI). No compito final, muitas perguntas permanecem sem resposta; por exemplo, porque o câmbio permaneceu valorizado por tanto tempo? Porque a taxa de juros ainda é a maior do mundo, não sendo isso necessário, segundo o próprio FMI e algumas agências de risco ? Isso só reforça o que já havíamos observado no início deste trabalho: o novo padrão de desenvolvimento nos anos 90 tornou explicito o viés privatista e individualista de suas políticas, modificando a idéia de desenvolvimento nacional. Quanto aos juros no Brasil, só nos resta pensar que a “mão invisível” do capital rentista, hoje, mais do que nunca, desenlaçado da economia real, têm abocanhado grandes quantias na esfera financeira de valorização, da qual a dívida pública é o item mais desejado do cardápio. Referências ARIDA, Persio; LARA-RESENDE, André. Inflação inercial e reforma monetária. In: ARIDA, Persio. (Org.). Inflação zero: Brasil, Argentina e Israel. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. BACHA, Edmar L. O Plano Real: uma avaliação. In: MERCADANTE, Aloizio. (Org.). O Brasil pós-Real: a política econômica em debate. Campinas-SP: Unicamp-IE, 1997. BELLUZZO, Luiz Gonzaga de M; COUTINHO, Luciano G. Desenvolvimento e estabilização sob finanças globalizadas. Economia e Sociedade, Campinas-SP, n.7, p.129-154, dez. 1996. BELLUZZO, Luiz Gonzaga de M; ALMEIDA, Júlio G. de. Depois da queda: a economia brasileira da crise da dívida aos impasses do Real. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2002. 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