X CONFERÊNCIA REGIONAL AMÉRICA LATINA E CARIBE DA INTERNATIONAL RESEARCH SOCIETY FOR THIRD-SECTOR RESEARCH 05 a 07 de Agosto de 2015 San Juan e Ponce – Puerto Rico Accountability Social e Coprodução do Controle: a experiência do Observatório Social de São José1 Emiliana Debetir de Oliveira2 Elaine Cristina de Oliveira Menezes3 Paula Chies Schommer4 Jaime Luiz Klein5 Ivan Luís Tonon6 Resumo A participação da sociedade civil no controle da administração pública no Brasil é promovida por diferentes mecanismos, entre eles: os conselhos de políticas públicas, as conferências, as ouvidorias, as audiências públicas e as consultas públicas. Além dos espaços institucionalizados de controle social, há iniciativas independentes da sociedade civil, como a dos observatórios sociais, que buscam estimular a cidadania fiscal, combater a corrupção e melhorar a qualidade da gestão dos recursos públicos, sobretudo por meio da produção e da demanda por informações públicas qualificadas. O objetivo deste trabalho é analisar os instrumentos utilizados pelo Observatório Social de São José (OSSJ), descrevendo como busca ativar e articular os mecanismos e instituições de controle institucional e político na cidade. O marco teórico que fundamenta a análise centra-se nos conceitos de accountability social e de coprodução do controle, no âmbito 1 Versão preliminar, elaborada para apresentação e discussão na Conferência. Não citar. Professora do Departamento de Administração Pública da Universidade do Estado de Santa Catarina – Udesc-Esag. Email: [email protected] 3 Pesquisadora junto ao Programa de Pós-Graduação em Administração - grupo de pesquisa Politeia – Universidade do Estado de Santa Catarina – Udesc-Esag. Email: [email protected] 4 Professora do Departamento de Administração Pública da Universidade do Estado de Santa Catarina – Udesc-Esag. Email: [email protected] 5 Coordenador do Observatório Social de São José. Email: [email protected] 6 Servidor da Universidade do Estado de Santa Catarina e voluntário do Observatório Social de São José. Email: [email protected] 2 1 de uma abordagem sistêmica do controle. A investigação tem enfoque qualitativo, combinando entrevistas semiestruturadas, análise de documentos e observação direta. Os resultados mostram que o OSSJ atua principalmente para exigir transparência, accountability, qualidade dos serviços públicos e qualidade da gestão de recursos públicos (incluindo os processos de compras públicas e gastos com pessoal), assim como capacitação e informação aos cidadãos sobre a dinâmica de controle institucional e político do governo municipal. Busca, assim, influenciar o desempenho do controle institucional, o que exigirá, no futuro próximo, continuidade de algumas ações, fortalecimento de outras e novas articulações e estratégias. 1. Introdução A gestão dos recursos públicos neste início do século XXI trouxe à tona a necessidade de ampliação das formas de participação cívica e de controle social, em busca da qualificação no planejamento e prestação de contas públicas. No Brasil, essa participação é promovida por meio de variados mecanismos, entre eles: conselhos deliberativos e consultivos de políticas públicas; conferências sobre políticas públicas; ouvidorias; audiências públicas durante o ciclo de planejamento e orçamento e consultas públicas. Além desses canais institucionalizados, há a estruturação de iniciativas independentes da sociedade civil organizada voltadas a coletar e interpretar dados e produzir informações públicas; analisar tendências; exigir prestação de contas; contribuir com os governos na solução de problemas públicos, estabelecendo conexão entre cidadãos e governantes em torno de políticas públicas; proporcionar que o controle político pela população seja mais qualificado (Schommer, Nunes e Moraes, 2012, p.236) Uma dessas iniciativas é o Observatório Social de São José (OSSJ), criado em 2012, em um município de 209.804 habitantes no estado brasileiro de Santa Catarina. O OSSJ é uma organização da sociedade civil de caráter voluntário, com participação de segmentos empresariais locais e servidores públicos, articulado à Rede Observatório Social do Brasil de Controle Social. Entre as linhas de trabalho do OSSJ estão a promoção da transparência e da qualidade das informações sobre gastos públicos, o estímulo ao exercício pleno da cidadania pela sociedade e a cobrança de efetividade do controle institucional. Seu trabalho busca contribuir para ampliar a transparência pública, mobilizar a sociedade para o controle social e para pressionar órgãos institucionais de controle a cumprirem suas funções. Considerando que o sistema de controle local é composto por diversos órgãos e mecanismos institucionais e que sua atuação e seu desempenho são influenciados pelo controle social (Schommer, Rocha, Dahmer & Spaniol, 2014), a questão norteadora desta 2 pesquisa é: Quais os papéis do OSSJ na ativação dos controles políticos e institucionais do município de São José e por meio de quais instrumentos busca desempenhá-lo? Diante da questão central do artigo, o objetivo é analisar os instrumentos utilizados pelo Observatório Social de São José para a qualificação da prestação de contas, descrevendo como são ativados e articulados os mecanismos de controle políticos e institucionais no município. A matriz teórica que sustenta a análise dos dados centra-se nos conceitos de accountability social (Hernandez & Cuadros, 2014) e de coprodução do controle (Schommer et al, 2014). Ambos tratam das relações entre cidadãos e governantes na realização do controle e da accountability, esta considerada em perspectiva sistêmica, envolvendo a relação entre: a) variedade de atores sociais, órgãos públicos e práticas administrativas; b) elementos técnicos e políticos e; c) combinação de elementos jurídicos, institucionais e informais. Eles formam um sistema político-institucional cujos resultados dependem do desempenho e da relação entre cada uma de suas partes (Schommer et al, 2014). Considera-se como parte do sistema de controle brasileiro durante os mandatos, responsável pelo controle político e institucional e pela realização da accountability democrática (Abrucio e Loureiro, 2005): o controle interno, atribuição de cada um dos órgãos; o controle externo, que é atribuição do Poder Legislativo, o qual realiza o controle político, auxiliado tecnicamente pelos tribunais de contas (controle institucional), com reforço do controle exercido pelos Ministérios Públicos e pelo Poder Judiciário; o controle social, que é fundamentalmente um controle político, realizado tanto por meio de mecanismos institucionalizados no aparelho do Estado, como é o caso dos conselhos de políticas públicas, como por iniciativas independentes do aparelho do Estado, que pressionam e interagem com o controle institucional. É nesse último formato que se encontram os observatórios sociais. Poderíamos considerar, ainda, como parte do sistema de controle e de accountability, o processo eleitoral, as regras estatais intertemporais e o controle social exercido pela imprensa, entre outros. Nos ateremos, entretanto, aos mecanismos de controle durante os mandatos. O artigo está organizado em cinco seções. Em seguida à introdução, faz-se uma breve incursão teórica sobre accountability social, coprodução do controle e observatórios sociais no Brasil. Após, descreve-se o método de pesquisa. Na sequência, procede-se à descrição e análise dos dados coletados. Por fim, apresentam-se as considerações finais. 3 2. Da accountability tradicional à accountability social O debate sobre a gestão pública tem recaído, nesse início do século XXI, sobre o termo accountability. Esse conceito tem alcançado destaque no Brasil, especialmente em função das reformas direcionadas à gestão pública, a partir da década de 1990. Muitos autores costumam relacioná-lo à responsabilidade na prestação de contas pelo gestor. O termo guarda relação direta com os valores democráticos e a participação do cidadão na administração pública, como parte de uma discussão que resgata novas e antigas práticas combinadas associadas a um novo fenômeno na América Latina, a accountability social (Schommer, 2014). Accountability pode ser entendida como a qualidade ou estado de ser confiável ou responsável (Denhardt, 2012). Considerando a complexidade e multidimensionalidade do conceito, Koppell (2005) distingue cinco dimensões de accountability: transparência; imputabilidade; controlabilidade; responsabilidade e; responsividade. Para Hernandez e Cuadros (2014), a accountability contempla, por um lado, a responsabilidade e obrigação dos governantes, funcionários, empresas e organismos civis responsáveis pelo uso dos recursos e prestação de serviços públicos de informar e justificar suas ações, seus comportamentos e seus resultados, sujeitando-se às punições e recompensas quando violadas as leis e os deveres públicos ou quando se traduzem em maus desempenhos, sendo a prestação de contas um ato voluntário. Por outro lado, entende-se accountability como a existência de um conjunto de atores sociais e estatais locais, nacionais e internacionais que exigem prestação de contas, que controlam, avaliam, exercem vigilância e contrapeso, e sancionam. Segundo os autores, a accountability se integra ao debate sobre pobreza e se vincula ao bem-estar e ao desenvolvimento socioeconômico, pois ser incapaz de demandar accountability é uma condição de pobreza e uma razão para mantê-la. Entre os diversos tipos de accountability, Hernandez e Cuadros (2014) identificam como os mais citados na literatura: i) accountability vertical, que se refere às eleições, que são os dispositivos clássicos de exigência na prestação de contas das democracias, além da atuação da imprensa; ii) accountability horizontal, referente à existência de agências estatais que tem autoridade legal e estão taticamente dispostas e capacitadas para empreender ações que vão desde o controle rotineiro até sanções legais, incluindo impeachment; iii) accountability transversal, que seria o caso misto em que o exercício direto do controle do cidadão se institucionalizou ou em que o cidadão participa dos organismos institucionais de controle; iv) accountability social, é uma modalidade de 4 accountability vertical não eleitoral que faz referência a iniciativas, práticas e dispositivos de controle não eleitoral impulsionados por cidadãos, ONGs, organizações da sociedade civil ou meios de comunicação para exigência na prestação de contas, avaliação do desempenho dos políticos, funcionários e empresas privadas que usam recursos públicos. Analisando o desenvolvimento do conceito e experiências de accountability social em vários países, Fox (2014) observa que há iniciativas que adotam a abordagem tática para accountability social, enquanto outras adotam a abordagem estratégica, buscando promover mudança social. Na abordagem estratégica, as iniciativas têm uma visão macro do contexto social e consideram as diversas ligações da cadeia causal do problema que se deseja enfrentar. São adotadas ações ou táticas coordenadas, estimulando a ação coletiva, conectando a voz dos cidadãos às reformas governamentais, o que amplia a capacidade de resposta do setor público. O cidadão não se restringe a opinar, também exige resposta do setor público e consegue ativar mecanismos para impô-lo. Essa articulação entre cidadãos e governantes amplia-se tanto verticalmente, quanto horizontalmente, dentro de processos iterativos e contestados (Fox, 2014). Já na abordagem tática, as iniciativas de accountability social limitam-se a uma ligação específica na cadeia causal do problema que procuram enfrentar, caracterizando-se por: intervenções delimitadas a arenas locais, expressão apenas pela voz, pressuposto de que as informações por si só tendem a inspirar a ação coletiva com poder suficiente para influenciar o desempenho do setor público. A accountability deve ser compreendida, assim, como um conceito para além da transparência e prestação de contas. A transparência no Brasil foi formalmente integrada na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5 que aponta o direito à informação pública, reflexo do processo de redemocratização brasileira. No artigo 37 da Constituição Federal de 1988 é instituído, também, o princípio da publicidade. Embora essa abertura tenha recaído sobre o texto constitucional já em 1934, com a Lei 4.320, verifica-se a atenção dada ao processo orçamentário e ao controle, ainda que um controle pautado nos processos da administração pública. Tais elementos apresentados pela Constituição de 1988 foram reforçados pela Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000, cuja ênfase recai sobre a informação e a transparência como elemento obrigatório para os gestores públicos. Em 2004, a Corregedoria Geral da União consolida o Portal da Transparência, uma demanda da Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000. Em 2009 a Lei Complementar n. 131 destaca a importância da informação em tempo real e em 2012 é sancionada a Lei de Acesso à Informação – LAI, que enfatiza a regra do acesso à informação, passando o sigilo a ser 5 uma exceção. A partir da LAI, as iniciativas de controle social no Brasil passaram a contar com mecanismo explícito para demandar informações públicas, elemento essencial para o controle e a accountability. A difusão de informações públicas tem contribuído, também, para a qualidade do controle dos órgãos institucionais. Uma das condições para a efetividade dos mecanismos de accountability – sejam eles de controle social ou institucional, incluindo a preocupação com controle de resultados, é a possibilidade de se obter e divulgar diversidade de informações públicas qualificadas, com transparência e fidedignidade. Informações sobre recursos, decisões, desempenho e efeitos da ação governamental podem ser usadas para combater a corrupção, controlar promessas eleitorais e planos de governo, tomar decisões, qualificar o desenho de políticas públicas e premiar ou punir atos e omissões dos agentes públicos (Schommer; Nunes; Moraes, 2012, p. 6). Além dos mecanismos legais que favorecem a transparência, as inovações em tecnologias de informação e comunicação (TICs) tem contribuído para ampliar os mecanismos de controle e de acesso às informações sobre o desempenho da gestão pública, a prestação dos serviços e a legalidade e probidade administrativa. Esses mecanismos aprofundam os sistemas de combate a corrupção. Além disso, os mecanismos de participação e controle social tem sido importante instrumento de ampliação da accountability. 2.1 A estrutura de controle político e institucional e as possibilidades do controle social na ampliação da accountability durante os mandatos Os propósitos do controle em regimes democráticos, segundo Abrucio e Loureiro (2005) estão relacionados às seguintes formas de realização: i) o governo deve emanar da vontade popular que é a principal fonte de soberania (realizado principalmente no processo eleitoral); ii) os governos devem prestar contas ao povo durante o exercício do mandato, responsabilizando-se pelos seus atos e omissões; iii) o Estado deve ser regido por regras que delimitam o seu campo de atuação em prol dos direitos básicos dos cidadãos, tanto individuais, quanto coletivos (as chamadas regras estatais intertemporais, que definem os limites do poder governamental e seu escopo de atuação). O sistema de controle institucional e político brasileiro durante os mandatos pode ser sintetizado em três grandes mecanismos: i) controle interno: quando realizado por agentes do próprio órgão; ii) controle externo: quando realizado pelo Poder Legislativo, auxiliado tecnicamente pelo Tribunal de Contas; iii) controle social: por meio das 6 audiências públicas e conselhos de políticas públicas, entre outras formas de participação direta do cidadão. Existe, ainda, o controle judicial, responsável por assegurar o cumprimento das leis, e o controle social exercido de maneira independente do aparato estatal, pela imprensa e pela sociedade civil. De acordo com o art. 75 da lei 4.320/1964, o controle na administração pública brasileira compreende: a legalidade dos atos da arrecadação da receita ou a realização da despesa; a fidelidade funcional dos agentes da administração; o cumprimento do programa de trabalho (Lei 4320 de 1964, 2015). No que se refere à participação democrática, Souza Santos (2005) destaca as inovações que vem ocorrendo na América Latina, nas últimas décadas. No Brasil, parte dessas inovações foram introduzidas pela Constituição Federal de 1988, que promoveu e institucionalizou a participação tanto na tomada de decisão pública, quanto no controle das ações do Estado. Dentre os espaços de participação institucionalizados pela Constituição de 1988 tem-se: i) os conselhos deliberativos e consultivos de políticas públicas; ii) as conferências sobre políticas públicas; iii) as ouvidorias; iv) a participação por meio de audiências públicas; v) as consultas públicas; vi) os plebiscitos e referendos. Em relação à noção de controle social, cabe destacar que esta é uma noção utilizada, nesse início do século XXI, por diversos autores e em contextos teóricos e metodológicos muito heterogêneos. Todavia, essa é uma noção que nasce na sociologia clássica e tem encontra amparo na teoria política, empregada para designar tanto o controle do Estado sobre a sociedade quanto para designar o controle da sociedade sobre as ações do Estado. Na trajetória brasileira, nota-se nitidamente essa polaridade, pois durante o período da ditadura militar, o controle social acontecia da classe dominante por meio do Estado autoritário sobre o conjunto da sociedade. No período de democratização do país, o debate sobre a participação social voltou à tona, com uma dimensão de controle de setores organizados da sociedade civil sobre o Estado. A partir da Constituição de 1988 e de outros mecanismos legais posteriores, a participação da sociedade para o exercício do controle social foi institucionalizada em vários espaços. No que se refere aos limites desses espaços, no caso das audiências públicas, evidências têm apontado para seu cumprimento mais por exigência legal (por exemplo, pela Lei de Responsabilidade Fiscal) e a sua não efetividade como instrumento de participação. Com raras exceções, costuma haver baixo grau de divulgação, horários pouco convenientes para participação, elevada formalidade e baixo grau de participação 7 por parte de representantes do Poder Executivo, Legislativo e da sociedade em geral (Rocha, 2008; Sacramento e Pinho, 2008). Já no que se refere aos limites da atuação dos conselhos de políticas públicas, cabe apontar que são fóruns institucionalizados com participação de governantes, cidadãos e prestadores de serviços públicos disseminados no país em diversas áreas de políticas públicas, com funções de controle, deliberativas ou consultivas. Sua existência, porém, não é garantia de participação nos processos de decisão política de determinada área da administração pública (Ronconi, Debetir, De Mattia, 2011). Eles acabam por reproduzir elementos da cultura política brasileira, como o patrimonialismo, o clientelismo e o formalismo (Faoro, 2001). Como reflexo dos limites das formas institucionalizadas de participação e pelas novas possibilidades de articulação cidadã na contemporaneidade, vem surgindo diversas iniciativas espontâneas da sociedade voltadas ao controle social. Entre elas, estão os observatórios sociais voltados ao controle e à cidadania, que se difundiram pelo Brasil a partir do ano de 2004, inspirados na experiência pioneira da cidade de Maringá. Um observatório pode desempenhar diferentes funções, entre elas: [...] coletar, registrar, acompanhar e interpretar dados, produzir indicadores, criar metodologias para classificar e categorizar informações, monitorar e analisar tendências, estabelecer conexões entre pessoas que trabalham em áreas afins, promovendo políticas públicas mais integradas, proporcionando que o controle político pela população seja mais qualificado, além de acompanhar a prestação de contas do poder público (Schommer, Nunes e Moraes, 2012, p.236). Os observatórios sociais que integram a Rede OSB são mais voltados para o controle, a transparência e a prestação de contas, pouco voltados à definição de agendas públicas. Realizam um trabalho de tradução de dados técnico-operacionais das finanças públicas e transformam em informações acessíveis à população em geral, além de acompanhar a gestão pública. Considerando que o sistema local de controle (Figura 1) durante os mandatos compreende diversidade de relações entre cidadãos e governantes na realização do controle e da accountability, o mesmo compreende a relação entre: variedade de atores sociais, órgãos públicos e práticas administrativas e combinação de elementos jurídicos, institucionais e informais, formando um sistema político-institucional cujos resultados dependem do desempenho e da relação entre cada uma de suas partes (Schommer et al, 2014). No âmbito desse sistema, há eventualmente oportunidades para a coprodução de 8 informação e do controle, “um processo de engajamento mútuo e contínuo entre produtores regulares de informação e controle na administração pública (agências governamentais) e os usuário dessas informações e do controle (cidadãos, individualmente ou organizados em grupos, conselhos ou associações)” (Schommer et. al, 2014) Ministério Público Imprensa Tribunal de Contas Observatórios Sociais Legislativo Controle Interno Controle Institucional Conselhos, Conferências, Audiências Ouvidorias Controle Social Figura 1 – Sistema local de controle durante os mandatos Fonte: elaborado pelos autores Ao analisar a experiência do Observatório Social de São José, busca-se identificar por meio de quais mecanismos este procura influenciar o sistema de controle local. 3. Procedimentos metodológicos O presente estudo é do tipo empírico, valendo-se de um arcabouço teórico para norteá-lo. Caracteriza-se como um estudo exploratório-descritivo (Triviños, 1987). A pesquisa vale-se, também, de uma abordagem qualitativa, visto que privilegia a interpretação da percepção dos sujeitos de pesquisa (Minayo, 1994). Nesse sentido, possibilita uma análise mais profunda do tema, sendo este tipo de abordagem mais 9 compatível com a abordagem teórica adotada neste artigo. Além disso, é uma abordagem compatível com a técnica de coleta de dados que foi adotada nessa pesquisa, a entrevista semiestruturada (Minayo, 1994). Os participantes da pesquisa foram integrantes do Observatório Social de São José, do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, do Ministério Público de Contas de Santa Catarina, totalizando 3 entrevistas, além da observação direta de pesquisadores em atividades do OSSJ, entre 2014 e 2015. A escolha dos participantes da pesquisa ocorreu pela avaliação, no estudo exploratório, dos atores-chave e pelo acesso a eles. O levantamento de informações incluiu fontes de dados primários e secundários. Os dados primários foram obtidos na pesquisa de campo por meio da aplicação de entrevistas semiestruturadas e da observação direta, que segundo Richardson (1985), em alguns aspectos é imprescindível ao pesquisador do campo social. Os dados secundários foram obtidos por meio de pesquisa documental e dados levantados em periódicos, revistas, jornais e demais publicações da região (Richardson, 1985). A interpretação dos dados foi desenvolvida de acordo com a análise qualitativa e descritiva do conteúdo, correlacionando-se com o referencial teórico assumido. Os conceitos norteadores desse estudo foram accountability social e sistema de controle institucional e político brasileiro. Através das entrevistas aplicadas, bem como, da observação realizada no estudo de campo, foi possível realizar a triangulação dos dados obtidos para que a análise e interpretação dos dados fosse realizada de forma confiável (Triviños, 1987). 4 O sistema de controle da administração pública municipal e a atuação do Observatório A interdependência entre as partes do sistema de controle e a combinação entre componentes técnicos e políticos é mencionada pelo entrevistado do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Ao mesmo tempo, sua percepção evidencia que as articulações entre as partes do sistema são frágeis, conforme o trecho a seguir e adiante: Na verdade, o sistema de controle é um processo político, jurídico, institucional, onde interferem atores externos, parlamento, tribunal, judiciário, MP, há toda uma discussão política, claro que há parâmetros técnicos de análise. Para analisar contas, há discussão de fundo, discussão política (Entrevistado do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina). 10 Pela Constituição Federal de 1988, a fiscalização é função do Poder Legislativo, auxiliado tecnicamente pelos tribunais de contas. No quadro do controle político, o TCE é um órgão auxiliar do Legislativo, pelo menos têm esse papel no nível institucional, mas na prática ele é autônomo, define a sua prática, tem autonomia financeira e administrativa. A relação entre o TCE e o Legislativo, no que tange ao controle político exercido pelo Legislativo sobre o Executivo, limita-se a aspectos formais (elaboração do parecer prévio pelo TCE para balizar julgamento das contas do Executivo). No que tange à escolha dos membros do TCE, há interesse político e partidário envolvido. É o que observa o integrante do Tribunal de Contas entrevistado: [...] há o controle parlamentar, que deveria ser muito próximo do TCE, mas na prática é muito distante, quase inexistente. O TCE/SC dialoga pouco com o Legislativo, são poucas matérias que o legislativo traz para o TCE... [...] Na cúpula, como TCE está estruturado, o legislativo interfere bastante. Na composição dos conselheiros do TCE/SC, temse 04 indicados pelo poder legislativo e 03 pelo poder executivo, deste total, toda a composição é política. Há 02 que tem origem profissional. Não existe composição técnica, como tem no judiciário. O aspecto político interfere bastante na composição, talvez até na forma de tomar decisões (Entrevistado do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina). Na percepção do entrevistado do TCE, esse sistema de controle institucional é complexo no Brasil e é caracterizado por um excessivo arcabouço normativo, típico da burocracia, dando ênfase ao controle e não à gestão sistêmica. Portanto, conforme o entrevistado, as relações institucionais são consideradas frágeis, diferentemente do que é previsto na Constituição da República. Além disso, as relações são dependentes das pessoas que ocupam os espaços dentro das instituições públicas e influenciadas pela política partidária. Embora alguns convênios sejam firmados entres diferentes instituições, os resultados práticos normalmente não são efetivos. Tais constatações são corroboradas pelas falas a seguir: Temos o sistema de controle baseado na ideia “de quanto mais controle melhor, isso gera mais dificuldades, do que soluções” [...] há percepções diferentes de cada instituição... há dificuldade de fazer controle mais eficiente e eficaz, por esta complexidade. Controle todo normatizado distancia o cidadão (Entrevistado do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina). [...] a integração institucional é praticamente inexistente. Existem arremedos de integração institucional, conformados por convênios, que não raramente, geram muito pouco resultado prático. As relações institucionais são muito fracas, o que existe de maneira mais rotineira, são relações pessoais entre membros vocacionados a causa do controle público, e estas relações acabam promovendo uma aproximação institucional, que no máximo, faz as intuições se tangenciarem. Não 11 existe a cultura de atuação consertada, de atuação colaborativa. A noção de dever de colaboração é praticamente inexistente. Existe uma ideia muito forte de que a colaboração é uma “faculdade” entre todos estes órgãos. E como faculdade que é, tudo depende muito das circunstâncias, das pessoas que estão aqui, lá, ou acolá, dos ventos que sopram (Entrevistado do Ministério Público de Contas de Santa Catarina). Conforme destacado pelo entrevistado, o sistema de controle não tem mudado muito nos últimos dez anos, havendo baixo grau de articulação entre seus órgãos e mecanismos. A mudança mais significativa está na estruturação, ainda que embrionária, do sistema de controle interno. Todavia, no que tange à integração entre as instâncias de controle e compartilhamento de informações, ainda é pouco visível: Mudanças significativas, não. As instituições funcionam como transatlânticos. Atualmente há 30 técnicos na Diretoria de Controle de Municípios – DMU, o número vem diminuindo, seguramente quando eu entrei, há nove anos, era mais que o dobro. Último concurso foi em 2006, muita gente se aposentando, muita gente na atividade meio. Há 172 servidores trabalhando na instrução de processos, para 295 municípios, 295 câmaras municipais, autarquias, Celesc, Casan etc. Não há sistema de inteligência, não conversamos com sistemas informatizados dos municípios. Os municípios alimentam o sistema do TCE-SC, o Sfinge. Qual o problema do Sfinge, se eles alimentam, colocam a informação que eles querem (Entrevistado do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina). Existe uma troca, em alguns momentos, com alguns órgãos, isso é uma coisa que melhorou. Há alguns convênios, por exemplo, com a Receita Federal, conseguimos buscar dados. Com Ministério Público é muito ponto a ponto, o MP trabalha com demandas que chegam lá. TCE/SC manda muita coisa para o MP. Existe troca de dados para fazer “mapa de risco”, por exemplo, é insignificante, quase nada. Deveria haver, trabalhamos muito no escuro, ainda (Entrevistado do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina). Dados os limites de ação do controle institucional, seja pelo excessivo formalismo, por baixo grau de articulação entre os órgãos, por distanciamento da população, e por falta de interesse político no controle, observa-se a necessidade de que o controle social estimule, pressione, questione e ative o sistema de controle institucional para que este produza accountability. Seriam os observatórios sociais capazes de cumprir esse papel? 4.1 Caracterização dos Observatórios Sociais Os observatórios sociais atuam no combate à corrupção, no fortalecimento da cidadania fiscal e na promoção de melhoria da qualidade da administração pública. Apresentam como propósito o de constituir-se como um instrumento para expressar a cidadania, permitindo que a sociedade supere a passividade e a indignação com o mau 12 uso dos recursos públicos e passe a atuar para exigir prestação de contas dos governantes e contribuir com melhorias na gestão pública. No âmbito de um município, a atuação do observatório, por meio análises técnicas de editais, acompanhamento de licitações e fiscalização da entrega de bens e serviços, pode gerar uma economia de milhões de reais da administração pública (Klein, 2014). No Brasil, os observatórios sociais articulam-se em rede, coordenada pelo Observatório Social do Brasil (OSB). Este dissemina uma metodologia para a atuação dos observadores, promove capacitação e oferece suporte técnico, além de estabelecer parcerias estaduais e nacionais para o melhor desempenho das ações locais. A Rede OSB está presente em mais de 80 municípios, em 15 Estados brasileiros (OSB, 2014). Entre as dificuldades vividas pelos observatórios, estão as de mobilizar recursos e pessoas para acompanhar as diversas áreas da administração pública, contar com capacidade técnica e política para enfrentar sofisticados esquemas de corrupção, e a de articular-se com distintos setores da sociedade, já que, usualmente, são formados por grupos mais tradicionais das elites locais – empresários, profissionais liberais, organismos de classe, servidores públicos. Vivem também dilemas típicos da cultura política brasileira, alguns deles “reproduzidas nos próprios observatórios, que eventualmente revelam características de elitismo, corporativismo, formalismo, descontinuidade, falta de transparência e noção dicotômica entre democracia e eficiência ou entre técnica e política, esta vista como prejudicial a boa gestão” (Schommer, Nunes e Moraes, 2012, p. 232). Para que obtenham êxito em seus objetivos, os observatórios precisam aproximarse e articular-se em diversos âmbitos: com a comunidade local, com outras organizações da sociedade civil, com a imprensa e com observatórios da Rede; também precisam articular-se com órgãos de controle institucional, como o controle interno do executivo, o controle legislativo, o Ministério Público, o Tribunal de Contas e o Judiciário, seja demandando prestação de contas, seja acionando-os para que o sistema de controle funcione melhor. É nesse sentido que se descreve a seguir o caso de São José, procurando compreender como atua no sentido de ativar o sistema de controle. 4.2 O Observatório Social de São José O Observatório Social de São José (OSSJ) é uma organização da sociedade civil, sem fins econômicos e sem vínculos político-partidários, que atua no exercício da cidadania e na defesa dos direitos sociais, por meio do controle social do Município de 13 São José, no intuito de contribuir com a ampliação da transparência, a racionalização dos gastos e a eficiência da gestão, objetivando a melhoria da qualidade na aplicação dos recursos públicos. Para alcançar esses objetivos, o OSSJ fiscaliza diretamente a aplicação dos recursos públicos, estimula a sociedade civil a exercer a cidadania e praticar o controle social, bem como interage e cobra efetividade do controle institucional. O Observatório Social de São José iniciou suas atividades técnicas em 2012. Seu Conselho Deliberativo é composto por representantes de vários segmentos da sociedade, como empresários, profissionais liberais, sindicatos, cidadãos, Conselho Regional de Contabilidade, Ordem dos Advogados do Brasil, igrejas a ações sociais, câmara socioambiental, entidades empresariais e universidades. Estes reúnem-se, periodicamente, e planejam as ações a serem realizadas pela entidade. Nos primeiros anos de atuação, o OSSJ buscou atuar nas seguintes áreas: monitoramento das licitações/compras públicas da Prefeitura e da Câmara de Vereadores; acompanhamento e avaliação dos gastos públicos com diárias, serviços terceirizados, cargos comissionados, consultorias e obras; levantamento e avaliação, por meio de indicadores, da atuação dos vereadores, no que tange à apresentação de projetos de lei e exercício da função fiscalização da gestão e dos gastos do Poder Executivo Municipal; e a realização de eventos de mobilização da sociedade e exercício da cidadania. No monitoramento de licitações, inicialmente o OSSJ buscou utilizar a metodologia padronizada de ação proposta pelo Observatório Social do Brasil, porém atualmente não mais a segue, por razões que serão abordadas adiante. Mais recentemente, as atividades do OSSJ foram agrupadas nos seguintes programas: 1. Fomento à transparência pública e ao controle social; 2. Fiscalização de licitações e contratos; 3. Análise orçamentária e contábil; 4. Acompanhamento da produção legislativa; 5. Racionalização de despesas e eficiência na gestão e 6. Avaliação da efetividade dos serviços públicos. Estes, por sua vez, são estruturados em ações que estão sendo implementadas, gradativamente, nos poderes Executivo e Legislativo municipais, de acordo com os recursos humanos e financeiros disponíveis no Observatório. Uma das maiores restrições ao trabalho da entidade é a falta de recursos financeiros para contratação funcionários para implementação destes programas. No que tange aos papéis desempenhados pelo OSSJ na dinâmica do controle institucional e político de São José, destacam-se: i) a formação e informação da população local sobre a gestão pública municipal; ii) o encaminhamento de denúncias; iii) a 14 salvaguarda ao sistema de controle institucional – redundância. Diante de tais papéis, na seção seguinte observam-se detalhes dessas frentes de atuação do OSSJ. 4.3 Frentes de atuação do OSSJ e suas interações o sistema de controle Nos dois primeiros anos de atuação, o Observatório Social de São José buscou seguir as linhas de ação e a metodologia proposta pela Rede Observatório Social do Brasil, que incluem: i) monitorar as compras públicas municipais, desde a publicação do edital de licitação até a entrega do produto ou serviço, de modo a agir preventivamente no controle social dos gastos públicos; ii) promover a educação fiscal, demonstrando a importância social e econômica dos tributos e a necessidade do cidadão acompanhar a aplicação dos recursos públicos gerados pelos impostos; iii) buscar a inserção de micro e pequenas empresas nos processos licitatórios, contribuindo para geração de emprego e redução da informalidade, bem como aumentando a concorrência e melhorando qualidade e preço nas compras públicas; iv) construir indicadores da gestão pública, com base na execução orçamentária e nos indicadores sociais do município, de modo a compará-los com os de outros municípios de mesmo porte e; v) prestar contas quadrimestralmente à sociedade das atividades realizadas (Rede Observatório Social do Brasil, 2014). Entre 2012 e 2014, à medida que o OSSJ se desenvolveu e como reação ao contexto, seus dirigentes perceberam que, embora filiado a Rede OSB, o OSSJ deveria adotar uma metodologia própria de atuação. Uma das ênfases foi no uso da Lei de Acesso à Informação - LAI, Lei n° 12.527, de 2011, no que tange aos procedimentos para solicitar dados e informações as entidades e órgãos públicos e no que se refere a verificar o cumprimento da Lei. O OSSJ passou, então, a realizar: a) a análise de informações disponibilizadas nos Portais de Transparência Municipais (Transparência Ativa); b) o acompanhamento do Diário Oficial (licitações, convênios, nomeações etc.); c) a avaliação de denúncias de irregularidades oriundas da sociedade civil; d) a solicitação de informações complementares aos órgãos e entidades públicas (Transparência Passiva); e) a comunicação ao gestor e ao controle interno das irregularidades observadas, bem como entrega aos mesmos um Check List e um Plano de Ação; f) caso o gestor e o controle interno não tomem as providências devidas, os Vereadores são informados sobre as irregularidades observadas; 15 g) na omissão destes, o OSSJ faz uma representação ao Tribunal de Contas do Estado, ao Ministério Público do Estado, ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado ou ao Ministério Público do Trabalho, conforme o caso. Uma das estratégias adotadas para gerar efetividade do controle institucional é encaminhar a mesma representação a mais de um órgão de controle institucional. Desta maneira, a possibilidade de aceite da representação e aprofundamento das investigações é maior. Assim como aumenta a pressão política sobre aqueles órgãos que não vem cumprindo satisfatoriamente sua função de controle. Esta foi uma estratégia desenvolvida ao perceber uma fragilidade do sistema de controle institucional. Ao interagir com este sistema, o OSSJ aprendeu sobre pontos frágeis e possibilidades de melhorias, o que motivou o encaminhamento de sugestões de aprimoramento aos órgãos de controle, além da cobrança para que cumpram funções previstas. Como exemplo disso, o OSSJ encaminhou recentemente ao Tribunal de Contas de Santa Catarina um conjunto de sugestões para melhorias no controle realizado pelo órgão, tais como: a) mudança de foco de controle corretivo (a posteriori) para preventivo (a priori), e de auditorias no varejo para o atacado, com base nos dados do Sistema de Fiscalização Integrada de Gestão (e-Sfinge) e com recursos de tecnologia da informação; b) facilitação de acesso dos cidadãos e ONGs aos dados do e-Sfinge, em formato dados abertos; c) criação de canal específico de denúncias; e, d) fortalecimento do controle interno. Além disso, o OSSJ passou a disponibilizar aos cidadãos orientações e meios para o exercício do controle social, por exemplo, orientando sobre como utilizar a LAI para obter informações, encaminhar denúncias etc. Dentre as atividades desenvolvidas pelo Observatório Social de São José no período de 2014 e 2015 e seus efeitos sobre o sistema de controle, destacam-se, no Quadro 01, algumas delas: Atividade Proposição de sistema de dados para fomentar a transparência pública nos municípios catarinenses Contextualização Vários municípios catarinenses não divulgam dados sobre: mão de obra terceirizada, veículos, julgamento das contas dos prefeitos, energia elétrica, água, esgoto, telefonia, convênios etc. O que gera a necessidade de Termos de Resultado Definição da estrutura do sistema em módulos; forma de alimentação - por web service; integração de sistemas e comunicação entre aplicativos - por meio de arquivos fornecidos pelos prestadores de serviços; layout prédefinido, previsto em cláusula contratual. 16 Elaboração de Miniguia Prático da Lei de Acesso à Informação Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público Estadual. Os cidadãos, em grande medida desconhecem a legislação, o significado de transparência ativa e passiva, bem como a atuação dos observatórios sociais. Os órgãos públicos, por sua vez, nem sempre facilitam o acesso às informações. Sugestão de melhoria dos Controles Internos Percepção de necessidade de implantação de medidas de controle interno e a atuação preventiva. Normas de Racionalização de Despesas e Controle Excesso de despesas e falta de fiscalização dos recursos públicos nos municípios. Representação ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas contra a Câmara Municipal de São José, em face de irregularidades relativas ao quadro de servidores e a terceirização de atividades. Contribuições à gestão do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Excesso de cargos comissionados na Câmara Municipal de São José. Participação na Campanha Conselheiro Cidadão Forma de escolha dos conselheiros do Tribunal de Contas considerada pouco democrática, influenciada por partidos políticos Representação a Promotoria de Justiça da Reportagem de Jornal local sobre a precariedade da Inação dos órgãos de controle. Proposição de “Modelo de Requerimento para solicitação de informações e/ou documentos ao poder público”; orientações para cada uma das fases do procedimento; Modelos Textuais para solicitação dos objetos requeridos; Modelos de Recurso Administrativo, de Denúncia ao Ministério Público do Estado e de Denúncia ao Tribunal de Contas. Proposição de minutas de documentos que vedam a prática de nepotismo na Administração Pública, e a acumulação de cargos. Rol de normas legais, decretos e resoluções estaduais, que podem ser replicados nas municipalidades. Estes tratam da racionalização da utilização dos recursos de telefonia fixa, telefonia móvel, água e serviços de esgoto, serviços de postagem e remessa de correspondências e energia elétrica; manutenção de provas da regularidade jurídica, fiscal e econômico-financeira, atendimento as exigências previstas no Cadastro Único de Exigências para Transferências Voluntárias, da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda; atualização cadastral de veículos; padronização da aquisição e locação de veículos; procedimento simplificado de responsabilização pelo pagamento de multas de trânsito e o controle sobre os autos de infração aplicados aos veículos oficiais, dentre outros. Termo de Ajustamento de Conduta nº 27/2013, firmado no Inquérito Civil nº 11.2008.12.000/4. Apontamento de ações para melhoria do sistema de controle interno. Representações pelo OSSJ ao TCE/SC bem fundamentadas acerca da matéria. Campanha Conselheiro Cidadão articulou diversas organizações públicas e da sociedade civil, no estado se Santa Catarina e em outros estados, buscando democratizar a escolha dos Conselheiros. A Juíza da Vara da Infância e da Juventude, Comarca de São José 17 Defesa da Infância e Juventude de São José. estrutura do conselho tutelar de São José. concedeu antecipação de tutela em Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Estadual determinando que o Município de São José, sob pena de multa diária de R$ 5 mil, transfira ou promova adequações físicas nas instalações, estruture com recursos humanos e equipe os Conselhos Tutelares de São José Quadro 1- Ações desenvolvidas pelo OSSJ em 2014 e 2015 na interação com o sistema de controle. Fonte: Elaborado pelos autores. As representações e contribuições do OSSJ ao sistema de controle, descritas no Quadro 01 demonstram que, embora o OSSJ tenha apenas quatro anos de atuação, vem buscando gerar efeitos no sistema de controle em âmbito local e estadual, atuando em relação com vários órgãos de controle, ora buscando colaboração e parceria, ora exigindo respostas e cumprimento de leis e papéis estabelecidos. Nem sempre são obtidas as respostas desejadas, o que leva o OSSJ a recorrer a outras estratégias, a outros órgãos do sistema, bem como à imprensa, a seus associados e à opinião pública, buscando gerar debate e pressão política sobre esses temas. De acordo com um dos entrevistados, o sistema de controle institucional é complexo e distante da população, que geralmente desconhece suas funções e canais de acesso. Uma das razões para tal é que esse sistema não é desenhado em função das necessidades do cidadão. Tal fato é corroborado pelas falas a seguir: Falta conhecimento institucional do cidadão, ele não sabe a quem recorrer. Vimos isto quando fomos a audiência do plano diretor de São José, veio uma pessoa conversar conosco, o que vocês fazem mesmo? Tem como conseguir assistência médica para gente? Isso não faz parte de nossas atribuições (Entrevistado do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina). A estrutura de controle é feita por pessoas da área técnica, mas há um problema de fundo é que o sistema de controle institucional não é construído a partir do pressuposto da democracia para que possa ser utilizado pela sociedade como um todo, há um gap, como o sistema está estruturado e como a sociedade o usa, burocracia se retroalimenta... isso é um desenho geral (Entrevistado do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina). Nesse sentido, o OSSJ busca auxiliar a sociedade tanto na avaliação dos encaminhamentos da gestão pública, quanto no sentido de apresentar à população o sistema de controle da administração pública municipal. 18 Outra constatação acerca do papel do OSSJ na dinâmica do sistema de controle é a de que ele expõe à sociedade as vicissitudes do sistema de controle e acaba, assim, por apresentar as deficiências e indiferenças dos órgãos de controle. Me parece que uma das formas mais eficazes do OSSJ influenciar é expor o sistema, e notadamente as vicissitudes do sistema. A partir do momento que o observatório social, uma instituição privada, começa a fazer controles, aparentemente tão bem feitos, que chegam a gerar uma economia significativa de valores, me parece que foi o que ocorreu na Câmara de Vereadores de São José, chega à casa de 50%, passa a expor a inação dos órgãos de controle que tinham a obrigação institucional de fazê-lo. Esse hoje é o principal efeito positivo da atuação dos observatórios sociais. Evidentemente, que este efeito não é enxergado assim, como algo positivo por todo mundo, notadamente, por aqueles que tem uma visão mais clássica, das instituições de controle, como órgãos não vocacionados a dar explicações, do extrato superior do Estado, que se valem da pseudo superioridade para não dar explicações. Há certa arrogância das instituições de controle. Essa é uma característica importante dos órgãos de controle (Entrevistado do Ministério Público de Contas do Estado de Santa Catarina). Assim, o papel do OSSJ é especialmente auxiliar a sociedade a conhecer o sistema de controle da administração pública, cobrar prestação de contas desses órgãos e, assim, buscar contribuir para salvaguardar a boa aplicação dos recursos públicos. 4.4 Caminhos para avanços na ação do OSSJ De acordo com a percepção do entrevistado do Tribunal de Contas de Santa Catarina – TCE-SC, embora o OSSJ tenha representado ações cautelares junto ao órgão nos últimos três anos, sua atuação é pontual. Além disso, ainda que o OSSJ busque atuar de forma sistêmica, a capacidade de um único Observatório em gerar efeito sobre o sistema é reduzida. Ainda assim, a ação do OSSJ gera pressão para que o órgão de controle institucional produza uma resposta, ou seja, contribui para a accountability: [...] o órgão de controle tem que trabalhar na pressão, porque vai dar retorno em função da pressão. OSSJ coloca todos contra a parede. OSSJ gera o dever de resposta, até quando ele não tem razão, alguém tem que responder. Assim, muda-se a cultura, altera-se a rotina do auditor, mandam e-mail direto para o auditor (Entrevistado do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina). O entrevistado observa que são poucas as organizações da sociedade civil que recorrem ao Tribunal de Contas, apresentando denúncias, por exemplo. O OSSJ é uma exceção nesse sentido. A maioria das denúncias que chegam ao órgão é de vereadores, apontando problemas de seus adversários políticos. Para o entrevistado supramencionado, o ideal seria haver mais observatórios atuantes em Santa Catarina, estimulando o sistema de controle interno e externo. Muitas 19 ações poderiam ser encaminhadas nesse sentido, bem como deveria haver mais articulação entre diferentes órgãos de controle institucional, por exemplo, no cruzamento de informações entre a folha de pagamento e os impostos trabalhistas, por exemplo. Além disso, durante a pesquisa de campo observou-se que a atuação do OSSJ acarretou a necessidade de o auditor segui-lo nas redes sociais, como no Facebook, o que destaca a importância da sua atuação na dinâmica do controle da gestão pública. Além disso, o OSSJ vem enviando sugestões de medidas de aperfeiçoamento do trabalho do TCE, o que foi salientado como importante pelo entrevistado. Como limites de atuação do OSSJ, o entrevistado do TCE aponta a não participação do mesmo nas discussões do Plano Diretor de São José e o baixo grau de articulação com organizações da sociedade civil local. Na sua percepção, entre as linhas de atuação possíveis para que o OSSJ influencie mais o sistema de controle, particularmente o Tribunal de Contas, estão: i) criação de um fórum de controle composto por várias organizações representativas da sociedade, não só o OSSJ, o que aumentaria o peso político das ações; ii) mapeamento de lideranças e informações para contribuir com o trabalho do TCE; iii) reunião anual com o TCE, particularmente com a Diretoria de Controle dos Municípios, para opinar sobre o planejamento das auditorias do ano e as prioridades de atuação do TCE, apresentando problemas mapeados pelo OSSJ e quais lideranças estão atuando para resolução de tais problemas. Definidas as prioridades, o OSSJ pode acompanhar a execução do planejamento do TCE; iv) discussão da ideia de auditorias participativas; v) demanda de mais transparência do TCE; vi) divulgação das atividades realizadas pelo TCE à população; vii) exercício de pressão sobre os órgãos públicos para criação de mecanismos institucionais de cobrança voltados a resultados. As indicações do entrevistado do TCE sugerem que possam haver mais aproximação entre o OSSJ e os órgãos de controle, para que trabalhem juntos no aprimoramento de pontos do sistema de controle. É nesse sentido que apontam os conceitos de accountability social e de coprodução do controle – para a atuação em parceria, sem perda da autonomia para que se cobre respostas e aplique sanções quando devido. 5. Considerações Finais Os resultados demonstram que o OSSJ atua prioritariamente no incentivo à cidadania fiscal, na exigência de transparência, de qualidade na gestão dos recursos 20 públicos (incluindo processos de compras públicas e despesas com pessoal comissionado), qualidade de serviços e na exigência de prestação de contas públicas. Ou seja, é uma forma de accountability social, ou de controle social independente, que procura contribuir para aprimorar o sistema de accountability como um todo. Para realizar seu trabalho, o OSSJ dialoga, pressiona e articula-se com entidades empresariais, conselhos de políticas públicas, imprensa, Ministério Público Estadual, Tribunal de Contas, Controle Interno do Município, Controladoria Geral da União, Universidades, entre outros. Há incentivo ao envolvimento da população no controle das contas públicas via redes sociais, internet, participação em reuniões e eventos. Todavia, o OSSJ atua ainda de forma pontual, ou seja, valendo-se da abordagem tática de accountability, embora já venha demonstrando indícios de atuação sistêmica e, portanto, caminhando para uma abordagem estratégica da accountability. Quanto às oportunidades para a coprodução do controle, houve algumas iniciativas que envolveram maior grau de aproximação entre o OSSJ e os órgãos de controle, atuando em conjunto para aprimorar certos pontos do sistema, porém não tiveram continuidade, dado que prevaleceu o enfrentamento pelo não cumprimento de prerrogativas legais e também por visão crítica dos riscos da aproximação. Embora a Constituição Federal brasileira esteja próxima de completar 30 anos, os ideais republicanos, participativos, de transparência e accountability da administração pública ainda não estão plenamente presentes na ação cotidiana dos órgãos do sistema de controle institucional do país. Assim, organizações da sociedade civil, como o OSSJ, tem papel fundamental na aproximação dos órgãos de controle de forma concertada e destes com a sociedade. Em síntese, o OSSJ busca influenciar o desempenho do sistema de controle institucional e político no município e, por consequência, a qualidade do uso dos recursos públicos, por intermédio de: pedidos de informação aos diversos órgãos, com base na Lei de Acesso a Informação, exigindo resposta, o que muitas vezes gera novos sistemas de dados e controles, uma vez que se o órgão não tiver a informação disponível, deve produzi-la; encaminhamento de sugestões a órgãos da Prefeitura, à Câmara de Vereadores, ao Tribunal de Contas, ao Ministério Público etc.; orientação ao cidadão sobre como exercer a cidadania fiscal e o controle social, facilitando o acesso aos procedimentos devidos para denúncias, pedidos de informação, dentre outros; representações aos órgãos de controle demandando que cumpram seu papel no sistema de controle. 21 A atuação do OSSJ evidencia, contudo, limites estruturais e políticos da organização e resistências dos vários atores com os quais se relaciona em vê-lo como uma organização que contribui para a eficiência e eficácia da gestão dos recursos públicos, o que desafia a realização da accountability social e da coprodução do controle. Ainda assim, vê-se que iniciativas como essas têm se consubstanciado em instrumento de construção de alternativas para produção de informação e controle. Dessa forma, dentre os potenciais do OSSJ observa-se a sua influência no sistema de accountabilily local e na geração de interações entre servidores públicos e comunidade na definição das responsabilidades, pressionando os canais institucionais e políticos do controle público. Referências ABRUCIO, F. L.; LOUREIRO, M. R. Finanças públicas, democracia e accountability. In: ARVATE, P. R.; BIDERMAN, C. Economia do setor público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier/Campus, 2005. p. 75-102. BRASIL - CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. (1988). Brasília. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 08 out, 2014. BRASIL - LEI N. 101, DE 4 DE MAIO DE 2000. 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