Gasto Público - onde está o real problema

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Gasto Público: onde está o real problema?
A questão do gasto público no Brasil vem sendo mal discutida e a percepção que a
sociedade tem sobre ele é falaciosa
Por: Por Flávio Riani
Indiscutivelmente, o Brasil tem dado demonstrações inequívocas de má utilização dos recursos públicos. Isto ocorre não somente
devido a desvios fraudulentos, mas também em função da expansão das atividades de governo, nem sempre compatível com as
reais necessidades da grande parte da população. Porém, os recursos financeiros relacionados a estes fatos são residuais frente ao
volume gasto pelo governo, e não são as causas principais dos problemas do país.
Na realidade, a questão do gasto público no Brasil vem sendo mal discutida e a percepção que a sociedade tem sobre ele é
falaciosa.
Por exemplo, as despesas com a Previdência têm sido apontadas, de forma viesada, como fator principal dos desequilíbrios
fiscais do governo. De fato, a Previdência incorpora hoje uma série de beneficiários que não contribuíram para seu
financiamento.
Porém, e em função disso, o governo criou uma série de contribuições com o objetivo de financiar os eventuais descompassos
entre as arrecadações oriundas das contribuições e os pagamentos dos benefícios. Entretanto, os recursos oriundos dessas fontes
de financiamento se agregam aos demais recursos arrecadados pelo governo e financiam outros gastos que não os
previdenciários.
Uma análise da evolução dos gastos do governo nos últimos anos, e para surpresa de muitos, principalmente no atual governo,
mostra que os aumentos observados nas funções essenciais de governo - saúde, educação, segurança, infra-estrutura etc - são bem
menores do que o da real necessidade da grande massa da população. Essas despesas apresentam índices de crescimento menores
ou bem próximos da inflação.
Feitas essas ponderações é importante destacar que a questão central das dificuldades e dos aumentos dos gastos do governo têm
uma causa, inexplicavelmente desconsiderada ou pouco destacada por aqueles que discutem o tema, que se refere aos encargos da
dívida pública.
Nos últimos 12 anos, o estoque da dívida pública líquida do país elevou-se de um patamar de R$ 70 bilhões (equivalente a 31%
do PIB) para mais de R$ 1,2 trilhão (quase 44% do PIB). Ressalte-se que nestas relações estão embutidas fórmulas diferentes de
cálculo do PIB, recentemente alterada e não consideradas nas relações de 12 anos atrás.
Neste mesmo período, o país pagou aproximadamente R$ 1,2 trilhão com juros da dívida.
Estes dados evidenciam que pagamos ao longo desse tempo um montante de juros quase que equivalente ao estoque atual de
nossa dívida pública líquida (interna).
Deve-se, ainda, ressaltar que as avaliações da dívida mencionam, na maioria dos casos, a dívida líquida. Porém, o estoque bruto
da dívida, sobre o qual incidem os encargos, superam hoje a R$ 1,6 trilhão, ou seja, 66,9% do PIB.
Dados disponíveis do Banco Central mostram que os juros anuais da dívida aumentaram de R$ 68 bilhões para R$ 160 bilhões,
entre 1998 e 2006.
Apenas para se ter uma idéia da magnitude desses gastos, o valor de R$ 168 bilhões pagos em 2006 corresponde a
aproximadamente 5,5 orçamentos do Estado de Minas, que é o segundo ou terceiro maior orçamento entre os Estados brasileiros.
Minas tem hoje mais de 500 mil funcionários (ativos e inativos), sendo desses 60% na área da educação.
Os números dos juros e encargos da dívida (ver tabela) são alarmantes. Como pode um país com as desigualdades e pobreza
como o Brasil ignorar o fato de que se gasta com juros da dívida sete vezes mais do que com educação e com saúde, vinte vezes
mais do que se gasta com segurança, 156 vezes mais do que com ciência e tecnologia etc ?
Seguramente, a quase totalidade da sociedade brasileira não tem conhecimento desses números. A imprensa, de uma maneira
geral, não os divulga. Não existem debates sobre eles. Assim, o desvio da informação faz com que a sociedade tenha uma visão
equivocada sobre os gastos do governo.
Na realidade, o engessamento dos gastos do governo está na questão da dívida. Ela é a causa principal da elevada carga tributária
e não a Previdência ou os demais gastos do governo. Como pode num país como o Brasil passar despercebido que estamos com
uma carga tributária de 34% , sendo que 30% dela destinam-se a pagamentos dos juros da dívida?
Quando constatamos a deterioração de nossas rodovias, do sistema de geração de energia, da precariedade das nossas instituições
de ensino, das nossas condições de saúde, do sucateamento do sistema de segurança, de nosso atraso tecnológico etc, podemos
também perceber que os recursos hoje canalizados para pagamento dos encargos da dívida seriam mais do que suficientes para
efetivamente provocarmos uma revolução nas condições das prestações de serviços públicos por parte do governo.
Porém, deixa-nos desesperançosos ver que não existe, no rol dos prováveis candidatos a presidente em 2010, nenhuma
perspectiva de mudança desse quadro. E o mercado financeiro dorme feliz e tranqüilo obtendo lucros exorbitantes. O risco Brasil
então não se fala.
Flávio Riani, economista, mestre em Economia pelo Cedeplar/UFMG e pela University of Leicester, Inglaterra, Professor da
FACE PUC/MG e da Universidade de Itaúna/MG.
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