BRAMANTE, Míriam Cândida de Souza. ATUAÇÃO DO

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO
MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL
MÍRIAM CÂNDIDA DE SOUZA BRAMANTE
A ATUAÇÃO DO ENFERMEIRO EM CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL:
contribuições à formação do enfermeiro para atuar na Política de Saúde Mental
Belo Horizonte
2013
MIRIAM CÂNDIDA DE SOUZA BRAMANTE
A ATUAÇÃO DO ENFERMEIRO EM CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL:
contribuições à formação do enfermeiro para atuar na política de saúde mental
Dissertação apresentada ao Mestrado em
Gestão Social Educação e Desenvolvimento
Local do Centro Universitário UNA, como
requisito parcial à obtenção do título de
Mestre.
Linha de pesquisa: Processos educacionais tecnologias sociais e desenvolvimento local
Orientadora: Profª. Drª. Maria Lúcia Miranda
Afonso
Belo Horizonte
2013
M149e
Bramante, Míriam Cândida de Souza
A ATUAÇÃO DO ENFERMEIRO EM CENTRO DE ATENÇÃO
PSICOSSOCIAL: contribuições à formação do enfermeiro para atuar na
política de saúde mental / Miriam Cândida de Souza Bramante. – 2013.
126f.: il.
Orientador: Profª. Dra. Rosalina Batista Braga
Dissertação (Mestrado) - Centro Universitário UNA 2013. Programa de
Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local.
Bibliografia f. 98-106
1. Reforma dos Serviços de Saúde Mental 2.Assistência em Saúde
Mental 3. Políticas Públicas de Saúde. Enfermagem 4. Enfermagem
Psiquiátrica.
CDU: 658.114.8
.
Ficha de aprovação
AGRADECIMENTO
Agradeço primeiramente a Deus por mais esta oportunidade concedida. Foram
momentos difíceis, mas em todos os momentos fui sustentada por ELE.
Agradeço ao meu querido esposo Fábio Bramante pela pelo incentivo, apoio,
paciência e carinho nesta caminhada acadêmica. Você foi muito importante nesta
conquista.
Aos meus pais Glória Cândida, José Luiz de Souza e aos meus irmãos agradeço
pelo incentivo e pelas incessantes orações. Amo vocês.
À minha orientadora, Profª. Dra. Maria Lúcia Miranda Afonso que, com clareza,
paciência, incentivo, amizade e competência me orientou na produção e elaboração
desta pesquisa.
A todos os professores e colegas do Curso de Mestrado em Gestão Social,
Educação e Desenvolvimento Local, pelas conversas e trocas de experiências. Aos
meus queridos colegas de equipe da UNA pela compreensão, colaboração e torcida.
.
RESUMO
A reforma psiquiátrica brasileira influenciou a reestruturação do modelo assistencial,
caracterizado pela desospitalização de pacientes internados por longo período, bem
como a criação de serviços substitutivos, trazendo novos dispositivos para lidar com
o sofrimento mental no âmbito social, dentre eles o Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS). O enfermeiro integrante da equipe interdisciplinar no CAPS atua para a
implementação da própria reforma psiquiátrica, uma vez que esse profissional deve
ter um papel extremamente ativo nos serviços substitutivos, inclusive trazendo
inovações quanto à prática da enfermagem. Esta dissertação foi norteada pelo
objetivo de analisar saberes e práticas necessárias ao trabalho do enfermeiro no
CAPS/CERSAM, visando a elaborar um plano de ensino para capacitação dos
profissionais enfermeiros, que contribua para a formação e atuação desse
profissional nos serviços substitutivos da Política de Saúde Mental. Trata-se de uma
pesquisa de abordagem qualitativa, utilizando o método do estudo de caso para
abordar a questão central através de uma análise comparativa entre dois centros de
referência ao portador de sofrimento mental, que se constituem em cenários
diferentes no que diz respeito à forma de organização e ao trabalho do enfermeiro.
O estudo evidenciou que na formação acadêmica dos entrevistados existem lacunas
entre o conhecimento teórico-prático e o saber específico para a atuação nos
serviços substitutivos de saúde mental. Muitas vezes, nota-se uma dissociação entre
as proposições da reforma psiquiátrica e os conhecimentos e práticas desenvolvidas
no cotidiano do profissional de enfermagem, nos centros estudados. Para tal
dissociação, concorre a organização do serviço que ainda enfatiza mais a
abordagem do sintoma do que a inserção social do portador de sofrimento mental.
Os enfermeiros denotam conhecer as propostas da reforma psiquiátrica, porém
apontam as dificuldades para a sua concretização na prática dos serviços. Inclusive,
expressam a necessidade de capacitação para a atuação na saúde mental,
enfatizando os saberes e práticas que devem ser mobilizados e/ou desenvolvidos de
acordo com as diretrizes da Política de Saúde Mental. Na comparação entre os dois
centros estudados, pôde-se perceber que a oferta de serviços substitutivos e a
ampliação da rede de atenção em saúde mental é um elemento influenciador para o
desenvolvimento e a sustentabilidade desses saberes e práticas. Portanto, foi
elaborado um plano de capacitação para os enfermeiros com vistas a trabalhar o
processo de desinstitucionalização, conceitos e possibilidades de estratégias para o
cuidado do usuário portador de sofrimento mental. Nesse sentido, reafirma-se a
relevância da atuação do enfermeiro para a concretização da reforma psiquiátrica,
para a qualidade do tratamento e para o respeito à dignidade do portador de
sofrimento mental. O processo de construção de uma Política de Saúde Mental
requer não apenas recursos materiais e técnicos, mas também saberes e práticas
inovadoras que possam imprimir sustentabilidade ao novo sistema de atendimento.
Assim, recomenda-se a realização de novos estudos que aprofundem a questão da
formação e do trabalho dos profissionais envolvidos na Política de Saúde Mental.
Palavras-chave: Reforma dos Serviços de Saúde Mental. Assistência em Saúde
Mental. Políticas Públicas de Saúde. Enfermagem Psiquiátrica.
ABSTRACT
The Brazilian psychiatric reform influenced the restructuring of the welfare model,
characterized by deinstitutionalization of patients hospitalized for a long period as
well as the creation of substitute services, bringing new devices to cope with mental
distress in social, including the Psychosocial Care Center (CAPS). The nurse
member of the interdisciplinary team in CAPS acts for the implementation of own
psychiatric reform, since these professionals must have an extremely active role in
alternative services, including bringing innovations to the practice of nursing. This
work was guided by the goal of analyzing knowledge and skills necessary to work in
nursing CAPS/CERSAM, aiming to develop a teaching plan for the training of nurses,
which contributes to the formation and performance of this professional services
substitutive Health Policy mental. This is a qualitative study, using the method of
case study to address the central issue through a comparative analysis between two
referral centers for patients with mental illness, who are in different scenarios with
respect to the shape organization and work of the nurse. The study showed that
respondents in academic gaps between theoretical and practical knowledge and
specific knowledge for working in mental health services that substitute. Often, there
is a dissociation between the propositions of psychiatric reform and the knowledge
and practices developed in the daily professional nursing centers studied. For this
dissociation competes service organization that still emphasizes more the approach
of symptom than the social carrier of mental distress. Nurses denote know the
psychiatric reform proposals, but stressed the challenges to its implementation in
practice of the services. Even express the need for training for the performance in
mental health, emphasizing the knowledge and practices that must be mobilized and
or developed in accordance with the guidelines of the Mental Health Policy.
Comparing the two centers studied, it could be seen that the provision of alternative
services and expanding the network of mental health care is a key influencer in the
development and sustainability of such knowledge and practices. Therefore, we
designed a training plan for nurses in order to work the deinstitutionalization process,
concepts and possible strategies for the care user mental illness patient. Accordingly,
we reaffirm the importance of the nurse's role to the realization of the psychiatric
reform, for the quality of care and respect for the dignity of the person in mental
suffering. The process of building a Mental Health Policy requires not only material
and technical resources, but also knowledge and innovative practices that can print
sustainability to the new system of care. Thus, it is recommended to carry out new
studies to further investigate the issue of training and the work of professionals
involved in the Mental Health Policy .
Keywords: Reform of Mental Health Services. Mental Health Assistance. Public
Policy Health Psychiatric Nursing.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
CAPS
Centro de Atenção Psicossocial
CAPSII
Centro de Atenção Psicossocial II
CAPSIII
Centro de Atenção Psicossocial III
CAPSi
Centro de Atenção psicossocial infanto-juvenil
CEPE
Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem
CERSAM
Centro de Referência em Saúde Mental
CNS
Conferência Nacional de Saúde
CNSM
Conferência Nacional de Saúde Mental
COFEN
Conselho Federal de Enfermagem
CRIA
Centro de Referência para a Infância e Adolescência
LOS
Lei Orgânica de Saúde
MLA
Movimento da Luta Antimanicomial
MS
Ministério da Saúde
MTSM
Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental
NAPS
Núcleo de Assistência Psicossocial
NASF
Núcleo de Apoio à Saúde da Família
OMS
Organização Mundial da Saúde
PDP
Programa de Desospitalização Psiquiátrica
PNABS
Plano Nacional de Atenção Básica à Saúde
PSF
Programa de Saúde da Família
SRT
Serviço Residenciais Terapêuticos
SUP
Serviço de Urgência Psiquiátrica Noturna
SUS
Sistema Único de Saúde
UFRGS
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
USP
Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................
1.1 Objetivos.........................................................................................................
1.1.1 Objetivo geral............................................................................................
1.1.2 Objetivos específicos...................................................................................
1.2 Resultado esperado........................................................................................
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12
12
12
13
2 JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA DO ESTUDO...............................................
2.1 Relevância social da investigação..................................................................
2.2 Adequação do tema aos eixos de formação do curso....................................
2.3 Relevância do tema para a área de conhecimento........................................
2.4 Relevância do tema na trajetória de formação e/ou atuação profissional
dos envolvidos com o projeto (docentes e discentes)..........................................
14
14
15
16
3 REFERENCIAL TEÓRICO................................................................................
3.1 Reforma psiquiátrica no Brasil: influências iniciais e movimentos sociais......
3.1.1 Reforma sanitária: as Conferências Nacionais...........................................
3.2 A rede de serviços substitutivos: focalizando o Centro de Atenção
Psicossocial..........................................................................................................
3.3 A enfermagem no Centro de Atenção Psicossocial........................................
3.3.1 Conflitos na atuação do profissional de enfermagem implicado na
reforma psiquiátrica..............................................................................................
3.4 A formação do enfermeiro em saúde mental: fator fundamental para a
implementação da reforma psiquiátrica................................................................
3.5 Estudos sobre a prática assistencial do enfermeiro nos Centros de
Referência em Saúde Mental...............................................................................
3.6 Ensino de Enfermagem como fator fundamental para implementação da
Reforma Psiquiátrica: contextualização atual.......................................................
17
19
19
20
22
24
24
25
27
31
4 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO......................................................................
37
5 METODOLOGIA................................................................................................
40
6 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS...........................................................
6.1 Identificação e caracterização dos sujeitos da pesquisa.................................
6.2 Formação profissional.....................................................................................
6.3 Inserção no CAPS/CERSAM............................................................................
6.4 Atividades realizadas no CAPS/CERSAM........................................................
6.5 Atividade desenvolvida com a equipe interdisciplinar......................................
6.5.1 Atividade desenvolvida com o usuário..........................................................
6.5.1.1 Acolhimento...............................................................................................
6.5.1.2 Técnico de referência/consulta ambulatório..............................................
45
45
48
56
59
63
68
68
70
6.5.1.3 Autocuidado..............................................................................................
6.5.1.4 Atividades em grupos e oficinas................................................................
6.5.1.5 Atividade desenvolvida com a família.........................................................
6.5.1.6 Atividade desenvolvida no território...........................................................
6.6 Processo de trabalho no CAPS/CERSM – fatores facilitadores e
dificultadores.........................................................................................................
6.6.1 Dificuldades...................................................................................................
6.6.2 Facilitadores.................................................................................................
6.6.3 Conhecimento sobre a Política de Saúde Mental.........................................
6.6.3.1 Política de Saúde Mental brasileira............................................................
6.6.3.2 Política de Saúde Mental local...................................................................
6.6.4 Função do CAPS/CERSAM na rede de saúde mental e articulações..........
6.6.5 Influência da política de saúde mental no trabalho cotidiano........................
6.7 Concepção sobre inserção social e doença mental.........................................
6.8 Concepção sobre transtorno mental................................................................
6.9 Comparações entre os dois casos, tendo como referência as
diretrizes da política de saúde mental...................................................................
6.9.1 Aspectos institucionais..................................................................................
6.9.1.1 Caracterização do CERSAM......................................................................
6.9.1.2 Caracterização CAPS/Itabira......................................................................
6.9.2 Aspectos relacionados ao trabalho do enfermeiro no CAPS/CERSAM........
6.9.3 Fatores que facilitadores e dificultadores......................................................
6.9.4 Percepção sobre a política de saúde mental vigente (no país, no
município, no trabalho)..........................................................................................
6.9.5 Aspectos relacionados à formação do profissional
6.10 Produto técnico..............................................................................................
72
74
76
79
81
81
83
84
84
86
88
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92
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95
95
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104
105
106
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... 115
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................
120
ANEXOS............................................................................................................... 128
APÊNDICES.........................................................................................................
133
10
1 INTRODUÇÃO
O processo da reforma psiquiátrica brasileira ganhou destaque no final da
década de 1970 e teve origem nos movimentos sociais que denunciavam as
condições precárias em que se encontravam os portadores de sofrimento mental e
apontavam para a impossibilidade de tratamento nos serviços manicomiais. Um dos
movimentos nascidos nessa década, e de grande visibilidade, foi o Movimento dos
Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM), formado por profissionais, associações da
classe trabalhadora e setores da comunidade.
Um grande marco para os movimentos reivindicatórios concretizou-se com a
reforma sanitária, através da 8° Conferência Nacional de Saúde, em 1986, ocorrida
em Brasília, com o tema “Saúde como Direito de Todos e Dever do Estado”, que
norteou a criação de um Sistema Único de Saúde (SUS) caracterizado pela
descentralização das ações de saúde e pelo controle social.
Logo em seguida, em 1987, foi realizada a 1ª Conferência Nacional de Saúde
Mental (l CNSM), em um clima de intensa discussão sobre as denúncias de
institucionalização dos usuários. A 2ª Conferência ocorreu em 1992, apresentando
uma organização diferente da primeira: com etapas municipais, regionais e
estaduais, abrangendo os temas sobre crise, democracia e reforma psiquiátrica;
modelos de atenção em saúde mental; e direitos e cidadania. A 3ª Conferência, em
2001, culminou com a aprovação pelo Governo Federal da Lei n° 10.216/2001 que
dispõe sobre o redirecionamento do modelo assistencial em saúde mental e os
direitos dos portadores de transtornos mentais (MINAS GERAIS, 2006)..
A Lei n° 10.216/2001 consolida um modelo de atenção à saúde mental aberto
e de base comunitária. Isto é, garante a livre circulação das pessoas com
transtornos mentais pelos serviços oferecidos com recursos da própria comunidade
(MINAS GERAIS, 2006).
As transformações propostas pelo novo modelo de desinstitucionalização
tiveram como eixo principal a reestruturação da assistência, caracterizada pela
desospitalização de pacientes internados por longo período, bem como a criação de
serviços substitutivos, trazendo novos dispositivos para lidar com o sofrimento
mental no âmbito social. A assistência passou se realizar através de uma rede
constituída por CAPS, Residências Terapêuticas, Ambulatórios, Hospitais Gerais e
Centros de Convivência.
11
O serviço substitutivo, em oposição a uma assistência que produzia a
exclusão social do portador de sofrimento mental, provocou uma ruptura do saber
psiquiátrico nas formas assistenciais asilares, impactando também na legislação
sobre os direitos do paciente e o estigma cultural sobre a loucura (ANAYA, 2004).
A assistência prestada nestes novos serviços substitutivos é entendida como
“um conjunto de estratégias indiretas e imediatas que enfrentam o problema do
sofrimento, de modo que a ênfase não é mais colocada somente no processo de
saúde/doença, mas no projeto de produção/reprodução social do paciente” (DIAS;
SILVA, 2010, p. 471). O portador de sofrimento mental precisa deixar de ser objeto
de intervenção pautada exclusivamente na prática médica e passar a ter um
tratamento interdisciplinar baseado na interação dos saberes e a horizontalização
das relações de poder. Deve-se priorizar o tratamento em liberdade e a inserção no
território, no espaço da cidade.
Com a mudança do modelo assistencial, surge a preocupação referente à
formação profissional, a re(invenção) de novos saberes e práticas, a fim de garantir
uma assistência eficaz e a promoção de saúde sem perda da dignidade dos
portadores de sofrimento mental. Isso pode implicar não somente em investimentos,
mas, também, em resistências por parte de profissionais, seja por manterem as
concepções e as práticas tradicionais, seja por não saberem como pautar a sua
atuação dentro dos novos paradigmas.
Dias e Silva (2010) demonstraram que os profissionais em saúde apresentam
dificuldades para atuar dentro do novo modelo assistencial pautado na reforma
psiquiátrica. Não raramente, as práticas profissionais continuam centradas no
médico e persistem condutas antiéticas e desumanas.
No que diz respeito ao profissional de enfermagem, a assistência prestada
nos serviços substitutivos parecem ainda apresentar, muitas vezes, ações curativas
e individuais, orientadas por processos teórico-práticos conservadores, pautados nos
princípios da Psiquiatria Asilar. Entendemos que esses fatores dificultam os avanços
na caracterização do trabalho do profissional de saúde na perspectiva da reforma
psiquiátrica.
Por outro lado, a identificação de práticas inovadoras dos profissionais de
saúde, no caso os enfermeiros, vem esclarecer, agregar e consolidar conhecimentos
necessários ao avanço da reforma psiquiátrica e a forma de se organizar os
cuidados em saúde mental.
12
O presente estudo preocupa-se com a reorientação da assistência de
enfermagem no serviço substitutivo, o CAPS. A questão central é: quais são os
saberes necessários às práticas desenvolvidas pelo enfermeiro no Centro de
Atenção Psicossocial, tendo em vista as diretrizes da atual Política de Saúde
Mental?
O profissional de enfermagem faz parte da composição mínima da equipe de
saúde mental no CAPS/Centro de Referência de Saúde Mental (CERSAM),
preconizada pelo Ministério da Saúde. Torna-se, portanto, necessário que o
enfermeiro seja preparado para atuar no enfoque de serviços extra-hospitalares e de
reabilitação psicossocial. Nas palavras de Monteiro (2006, p. 3), tem-se que: “Do
tradicional ao psicossocial, do tecnicista à satisfação das necessidades do usuário,
assumindo novas tarefas como, por exemplo, maior envolvimento com familiares,
adequando-se às mudanças advindas da atual política de saúde mental vigente no
país”.
A atuação do enfermeiro no CAPS/CERSAM torna-se essencial para a
implementação da própria reforma psiquiátrica, uma vez que esse profissional deve
ter um papel extremamente ativo nos serviços substitutivos, inclusive trazendo
inovações quanto à prática da enfermagem.
1.1 Objetivos
1.1.1 Objetivo geral
•
Analisar saberes e práticas necessárias ao trabalho do enfermeiro no
CAPS/CERSAM, visando a elaborar um plano de ensino para capacitação
dos profissionais enfermeiros, que contribua para a formação e atuação desse
profissional nos serviços substitutivos da Política de Saúde Mental.
1.1.2 Objetivos específicos
• Descrever e discutir as diretrizes da saúde mental nos documentos da Política
de Saúde Mental;
• Descrever os saberes e as práticas, sobre saúde mental, desenvolvidos pelos
enfermeiros em dois CAPS/CERSAM;
13
• Identificar os contextos e processos de formação que contribuem para o
desenvolvimento desses saberes e práticas na trajetória dos sujeitos
estudados;
• Analisar os fatores que dificultam ou facilitam a atuação do enfermeiro no
CAPS/CERSAM, de acordo com as diretrizes da Política de Saúde Mental;
• Elaborar um plano de ensino para capacitação de profissionais enfermeiros
dos CERSAM/CAPS, que poderá contribuir para a prática, no bojo das
propostas da saúde mental e também para a formação nos cursos de
enfermagem em nível superior.
1.2 Resultado esperado
•
Elaborar um plano de ensino para capacitação de profissionais enfermeiros
dos CERSAM/CAPS que aperfeiçoe o processo de trabalho do enfermeiro
nos CAPS, no contexto da Política em Saúde Mental, e que contribua para a
formação do enfermeiro em nível superior.
14
2 JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA DO ESTUDO
2.1 Relevância social da investigação
A história da reforma psiquiátrica brasileira foi impulsionada por ações de
movimentos sociais que, juntamente com a reforma sanitária, vêm buscando
defender o direito à saúde, a cidadania do portador de sofrimento mental, bem como
a democratização do sistema de saúde.
A Política de Saúde Mental vigente oferece ao portador de sofrimento mental
direito à assistência. No novo modelo, a promoção de ações de saúde deve ser
desenvolvida em estabelecimentos de saúde mental, com a participação da
sociedade e da família, devendo ser os pacientes e seus familiares tratados com
humanidade, dignidade e respeito.
Apesar das mudanças no contexto da política e na legislação, pode-se
questionar a amplitude da implementação da política nos anos subsequentes. Por
exemplo, questiona-se o investimento em infraestrutura. A rede de serviços
substitutivos ainda é precária em termos de expansão e praticamente existem
poucos projetos terapêuticos ancorados na inserção social do sujeito, fazendo valer
os seus direitos sociais. Os profissionais de saúde, importantes atores sociais na
reforma psiquiátrica, muitas vezes vêm reproduzindo o trabalho já institucionalizado
que levava e leva à exclusão social dos pacientes. Buscando superar esse impasse,
é preciso inovar nas práticas assistenciais, promovendo a saúde e criando formas de
inclusão social para os portadores de sofrimento mental:
O processo de desinstitucionalização torna-se agora reconstrução da
complexidade do objeto. A ênfase não é colocada no processo de cura mas
no projeto de invenção de saúde e de reprodução social do paciente
(ROTELLI, 2001 apud YASUI, 2006, p.30).
É necessário promover o desenvolvimento de uma consciência crítica pelos
profissionais de saúde e elaborar saberes e práticas que permitam uma atuação
condizente com a Política de Saúde Mental. O presente projeto enfoca a
necessidade de inovar nas práticas profissionais e de fortalecer a formação dos
enfermeiros na educação de nível superior. A atuação do profissional de
enfermagem é crucial para consolidar a reforma psiquiátrica no dia a dia dos
15
serviços. Portanto, também é fundamental para a implementação dos princípios do
SUS e dos novos dispositivos na área da saúde mental, visando a garantir o acesso
à saúde, um tratamento eficiente, e o vínculo e a dignidade dos usuários e de suas
famílias.
2.2 Adequação do tema aos eixos de formação do curso
A estruturação da assistência ao portador de sofrimento mental em um novo
modelo de atenção psicossocial contrapõe-se ao paradigma asilar, hospitalocêntrico,
individual,
pautado
na
doença.
É
necessário
buscar
o
desafio
da
interdisciplinaridade, considerando desde a dimensão biológica até as dimensões
social, psíquica e cultural do sujeito em sofrimento psíquico, através de ações que
visem à promoção da saúde e da cidadania e à reinserção na sociedade.
Esse desafio pode ser tomado como um esforço de construção de novos
saberes e práticas, sempre pensando na atuação do profissional de enfermagem. O
presente projeto se alinha, portanto, às temáticas dos processos educacionais e
desenvolvimento local:
Tanto a Reforma Psiquiátrica quanto a Reforma Sanitária apresentam um
ousado projeto de transformação social, o qual requer, para sua efetivação,
de uma profunda transformação na formação dos profissionais. Eles são os
principais operadores da mudança do modelo assistencial. Esta
necessidade de mudança provoca e demanda à universidade questões
importantes sobre seu papel, tanto de produtora de conhecimentos e
tecnologias, como de formadora de profissionais com um posicionamento
crítico e ético e com competências e habilidades para enfrentarem as
situações complexas, os desafios e impasses apresentados pela sociedade
(YASUI, 2006, p.156).
O estudo também buscou identificar saberes e práticas que possam orientar e
consolidar a atuação do profissional de enfermagem no paradigma transformador da
reforma psiquiátrica, mais especificamente no CAPS/CERSAM. Assim, está
implicado na identificação das inovações necessárias para a mudança das práticas
profissionais.
Finalmente, embora a saúde mental possa aparecer como uma área de
grande especificidade, é preciso lembrar que ela é mais presente em nosso dia a dia
do que nos levam a crer as representações tradicionais da loucura. Um novo olhar
sobre a loucura e o sofrimento mental vem ampliar a concepção de cidadania, uma
16
vez que o usuário deve ser tratado como cidadão, com os direitos assegurados pela
Constituição Federal de 1988. Além disso, a assistência humanizada na área da
saúde mental, com vistas à inclusão social dos usuários, traz demandas e impactos
para a vida da sociedade como um todo. Assim, podemos afirmar que o tema dessa
pesquisa tem relação com o desenvolvimento local, apontando para valores e
práticas necessárias à constituição de uma sociedade mais humana e democrática.
2.3 Relevância do tema para a área de conhecimento
Saberes e práticas mantêm relações dialéticas no contexto social e histórico.
A história do paradigma da reforma psiquiátrica é, ao mesmo tempo, a história de
seus saberes e práticas. É à medida que se avança nas concepções sobre a loucura
e a cidadania dos portadores de sofrimento mental, que se pode criticar o modelo
asilar e excludente.
É, também, na medida em que se divisa a importância de novas formas de
tratamento, que se pode pensar em dispositivos substitutivos. Esse tratamento
rompe com o modelo hospitalocêntrico e amplia-se para além dos muros da
instituição. A sociedade é chamada a participar e reafirmar a importância da inclusão
social, tais como em situações de trabalho protegido, residências terapêuticas e
outras.
A proposta dos novos dispositivos em saúde mental, como o CAPS, demanda
novos saberes e práticas profissionais que garantam uma assistência eficaz e a
promoção da saúde sem perda da dignidade dos portadores de sofrimento mental.
Como se pode esperar em um processo de mudança social, entende-se que existam
dificuldades entre os profissionais de saúde para pautar sua atuação dentro do novo
paradigma, permanecendo em um modelo pautado em ações curativas e individuais,
orientados por processos teórico-práticos conservadores da Psiquiatria Asilar.
Um dos fatores essenciais para a transformação das práticas assistenciais
nas unidades CAPS/CERSAM é a busca pela qualificação e capacitação profissional
junto às instituições de ensino, fazendo-se indispensável a integração de
conhecimentos e saberes que respondam às necessidades profissionais e
acadêmicas e que se aproximem, ao máximo, da vivência profissional durante e
após a formação universitária.
17
2.4 Relevância do tema na trajetória de formação e/ou atuação profissional dos
envolvidos com o projeto (docentes e discentes)
Pensando na minha trajetória profissional e formação, reflito que as práticas
desenvolvidas em saúde mental sempre se constituíram em um fator instigante para
pensar a atuação do enfermeiro.
Durante a graduação, eu já questionava a exiguidade da carga horária
destinada à discussão da temática de saúde mental, havendo apenas 54 horas para
tal, dentre às 3690 horas de aulas cursadas. Isso não favorecia o aprofundamento
dos conhecimentos científicos necessários ou da prática acadêmica nos dispositivos
de atenção à saúde mental. Ademais, os saberes tinham como referência a prática
da psiquiatria tradicional, preconizando uma assistência individualizada que se
mostrava em desacordo com as propostas da reforma psiquiátrica. Havia uma
superficialidade nos conteúdos, não contemplando discussões aprofundadas sobre
doenças, evolução da reforma psiquiátrica, serviços substitutivos e o trabalho do
enfermeiro junto a essas instituições. Tampouco a parte prática foi desenvolvida nas
experiências dos casos clínicos, visitas técnicas ou estágios.
Em busca de conhecer o funcionamento e as atribuições do enfermeiro na
saúde mental, recorri aos estágios extracurriculares. Comecei, então, a refletir sobre
minha incompetência/competência como enfermeira, descobrindo a complexidade
na assistência no modelo proposto pela reforma psiquiátrica.
Após a graduação, optei por trabalhar em um CAPS. Foram momentos
desafiadores de como realizar uma prática assistencial transformadora, humanizada,
com um sujeito com sofrimento físico, psíquico e social. Deparei-me com uma
assistência em enfermagem caracterizada pelos modelos desenvolvidos em
hospitais. Busquei a sistematização da assistência ou protocolos assistenciais em
outras instituições de serviços substitutivos e tornou-se evidente, para mim, que os
modelos assistenciais ainda eram os mesmos. Percebi grande dificuldade do
enfermeiro em sistematizar uma assistência ao paciente de saúde mental, e sua
família, pautada pelas ações intersetoriais, promoção da reinserção social e ações
interdisciplinares. Havia trabalhos isolados de enfermeiros voltados para o indivíduo
social. Passei a questionar como poderia proporcionar as condições e as
intervenções necessárias para que o indivíduo pudesse exercer sua subjetividade e
sua cidadania, influenciando e sendo influenciado pela sociedade.
18
Finalmente, gostaria de acrescentar que percebi, ao longo da minha trajetória
profissional, que muitos enfermeiros atuantes na Atenção Básica de Saúde tinham
dificuldade na assistência ao doente mental, dificuldade, essa, que poderia ser
caracterizada pela resistência em atuar dentro do novo modelo de Política de Saúde
Mental, devido a fatores como falta de conhecimento, preconceitos, sobrecarga de
trabalho, dentre outros.
Assim, concluí que há necessidade da construção de projetos de intervenção
assistencial de enfermagem que sejam ancorados nas demandas dos pacientes
enquanto indivíduo-social. Acrescento que esses projetos devem ser pautados em
uma reflexão crítica sobre a formação do enfermeiro quanto aos saberes e práticas
necessários para definir seu trabalho frente aos novos paradigmas da assistência
nos vários níveis de complexidade da saúde mental.
19
3 REFERENCIAL TEÓRICO
Neste tópico, faremos um breve histórico da reforma psiquiátrica, discutiremos
a influência dos movimentos sociais na mudança do paradigma de atenção em
saúde mental e a atual Política de Saúde Mental. Nessa última, focalizaremos as
redes dos serviços substitutivos, em especial o CAPS/CERSAM. A partir daí,
refletiremos sobre a formação do enfermeiro como fator fundamental para
implementação da reforma psiquiátrica, bem como sobre os possíveis conflitos
presentes na atuação do profissional de enfermagem na saúde mental.
3.1 Reforma psiquiátrica no Brasil: influências iniciais e movimentos sociais
Na tentativa de melhorar a assistência ao doente mental, surgiram, em vários
países, movimentos e propostas de intervenção: em 1950, na Inglaterra, com as
comunidades terapêuticas e, na França, com a psiquiatria de setor. Em 1960, nos
Estados Unidos, foi desenvolvida a psiquiatria comunitária, e na Inglaterra, o
movimento antipsiquiatria. Mas, foi na Itália que surgiu o movimento mais radical de
ruptura do saber e da prática da psiquiatria, através da psiquiatria democrática:
A psiquiatria democrática surgiu na Itália, a partir dos impasses encontrados
na aplicação da proposta das comunidades terapêuticas. Na cidade de
Trieste, um grande hospital psiquiátrico foi gradativamente desmontado, ao
mesmo tempo em que se construíram para os ex-internos saídas para o seu
retorno ao convívio social (MINAS GERAIS, 2006, p.26).
A experiência nesse hospital em Trieste foi embasada nas propostas do
psiquiatra Franco Basaglia. Posteriormente, Trieste foi colocada como referência em
assistência de saúde mental pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Em 1978,
foi instituída, na Itália, a Lei n° 180 da Reforma Psiquiátrica Italiana, conhecida
popularmente com o nome do seu inspirador, Lei Basaglia, que proporcionou
instrumentos para construção do modelo italiano de psiquiatria comunitária, tendo
como
características
o
desaparecimento
dos
hospitais
psiquiátricos
e
a
implementação de serviços alternativos, integração de serviços dentro de um espaço
geográfico, trabalho interdisciplinar, visita domiciliar, intervenção em momentos de
crise (DESVIAT, 1999).
20
Segundo Amarante (1994), a psiquiatria brasileira herdou o modelo de
intervenção dos programas desenvolvidos nas comunidades norte-americanas, na
década de 1960, tendo por base a psiquiatria preventiva.
Este modelo teve grande influência sobre a formulação das políticas de
saúde mental no Brasil e demais países da América Latina, a partir da
década de 70. Ele foi incorporado ao discurso da Organização Mundial de
Saúde e Organização Pan-americana de Saúde, que o prescrevem como
proposta a ser seguida pelos países de terceiro mundo (KODA, 2002, p.
26).
No final da década de 1970, o MTSM, influenciado pelo movimento de
desinstitucionalização italiano, começou a tomar corpo: trabalhadores da área se
organizaram, apontando os graves problemas do sistema de assistência psiquiátrica
do país, e propondo formas de trabalho que pudessem romper com esse modelo
(MINAS GERAIS, 2006).
Esse movimento foi formado por trabalhadores integrantes do movimento
sanitarista, associações de familiares, sindicalistas, membros de associações de
profissionais e pessoas com longo histórico de internações psiquiátricas. A força do
movimento tomou caráter político e forçou o Estado brasileiro a implementar políticas
públicas de saúde mental.
A mobilização da opinião pública tomou expressão através de conferências,
que reuniram trabalhadores da área de saúde mental, usuários e familiares. O
processo de reforma ocorreu tanto com movimentos políticos como através de
movimentos sociais.
3.1.1 Reforma sanitária: as Conferências Nacionais
A reforma psiquiátrica não se consolidou isoladamente, mas articulou-se
juntamente com a reforma sanitária, na crítica ao modelo de saúde do país: “Em
1986 após uma intensa mobilização de diferentes atores e segmentos sociais,
profissionais, quadros técnicos e, uma novidade, representantes de usuários,
realizou-se a histórica 8ª Conferência Nacional de Saúde” (YASUI, 2006, p.35).
21
A 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS) defendeu a reestruturação do
modelo assistencial em saúde mental, criticando fortemente o hospitalocentrismo e o
institucionalismo dominantes, dando destaque, sobretudo, à necessidade de revisão
da legislação psiquiátrica, pondo como foco a preservação dos direitos dos
chamados doentes mentais (DEVERAS; COSTA-ROSA, 2007).
O relatório final serviu de elaboração de projetos e subsídios para
promulgação da Constituição Federal em 1988. A saúde ganhou rumos diferentes
com a criação e consolidação do SUS, e a atenção em saúde mental passou
também a seguir as diretrizes de descentralização, municipalização, territorialização,
vínculo com o usuário, responsabilização do Estado na oferta de cuidados em saúde
e controle social da política pública (MINAS GERAIS, 2006).
Uma das propostas de assistência implantada na área de saúde mental foi
decorrente justamente do Projeto de Lei no 3.657/89, do deputado Paulo Delgado,
dando início à luta do movimento da reforma psiquiátrica nos campos legislativo e
normativo. Esse Projeto de Lei preconizava a extinção progressiva dos leitos e
hospitais psiquiátricos, implantação de ações e serviços de saúde mental
substitutivos aos hospitais psiquiátricos (SILVEIRA; ALVES, 2003). Há, nesse
período, a criação do primeiro CAPS, em São Paulo.
Outro elemento marcante após a 1ª Conferência Nacional de Saúde Mental foi
o compromisso firmado pelo Brasil e outros países da América Latina na assinatura
da Declaração de Caracas, na década de 1990, com o objetivo de se
comprometerem a promover a superação do modelo hospitalocêntrico e a luta contra
a exclusão de portadores de doença mental (BRASIL, 2004).
Em 1992, foi realizada, em Brasília, a 2ª Conferência Nacional de Saúde
Mental, construída por diferentes atores, através das conferências municipais,
regionais e estaduais.
Os conceitos de Atenção Integral e Cidadania foram direcionadores das
deliberações da II Conferência, referentes aos temas centrais: Modelo de
Atenção e Direitos de Cidadania. Com respeito ao modelo assistencial,
enfatiza-se a necessidade do cumprimento da Lei Orgânica da Saúde (Leis
8.080/90 e 8142/90) e a efetivação da municipalização da saúde, garantindo
assistência integral e substituindo o modelo hospitalocêntrico por uma rede
de serviços diversificados e qualificados (DEVERAS; COSTA-ROSA, 2007,
p. 71).
22
3.2 A rede de serviços substitutivos: focalizando o Centro de Atenção
Psicossocial
A rede de atenção à saúde mental é composta pelo CAPS, Serviços
Residenciais Terapêuticos (SRT), Centros de Convivências, Ambulatórios de Saúde
Mental e Hospitais Psiquiátricos e Gerais.
Essa rede definiu-se como base comunitária e deve articular diversos serviços
substitutivos
do
hospital psiquiátrico
com
outras
instituições,
associações,
cooperativas e variados espaços das cidades. “É, portanto fundamento para a
construção desta rede a presença de um movimento permanente, direcionado para
os outros espaços da cidade, em busca da emancipação das pessoas com
transtornos mentais” (MINAS GERAIS, 2006, p. 25).
A saúde mental proposta através dos serviços substitutivos estabelece a rede
de cuidados diversificados no território, permitindo melhor acompanhamento dos
resultados, inter-relação pessoal na vida cotidiana e construção da identidade.
Um conceito chave proposto pela Reforma Psiquiátrica e que estabelece
uma identidade com o proposto por este paradigma emergente é o do
território, que nos remete ao conceito do conhecimento local. Território é
aqui entendido não apenas como a configuração de um espaço geográfico,
mas referido às forças vivas de uma dada comunidade, com sua cultura,
seus problemas, suas prioridades e potencialidades locais. O espaço, sobre
o qual a ação da Reforma Psiquiátrica vai incidir, está intrinsecamente
ligado a este conceito. Um serviço substitutivo deve necessariamente ser
pensado como um dispositivo que tece (no sentido de trabalhar a urdidura e
a trama) e ativa uma rede cuidados (YASUI, 2006, p. 199).
Segundo Amarante (1994), o trabalho no território é de reprodução de vida e
subjetividade, porque nele se encontram pessoas que fazem parte do cotidiano do
indivíduo com suas práticas, costumes e os saberes que são essenciais para
promover a inclusão social.
Dentro da rede, os Centros de Atenção Psicossocial têm uma posição
estratégica articulando a rede de atenção de saúde mental em seu território, que é,
por excelência, promotora de autonomia, já que articula os recursos existentes em
variadas redes: sócio-sanitárias, jurídicas, sociais e educacionais, entre outras
(MINAS GERAIS, 2006).
23
Vale ressaltar que a função do CAPS depende do reconhecimento do local no
projeto de saúde mental onde se encontra. Pode-se, portanto, destacar duas
funções:
Uma delas consiste em atuar como um espaço intermediário entre o nível
básico e o hospital psiquiátrico, atendendo os casos de relativa gravidade,
porém preferindo encaminhar os mais difíceis e graves: nesse caso, o
CAPS funciona como um serviço complementar ao hospital. A outra é
quando integra um conjunto de ações e serviços que dispensam esta
retaguarda, ou seja: quando se integra numa rede de serviços substitutivos
ao hospital psiquiátrico (MINAS GERAIS, 2006 p.36).
O funcionamento do CAPS é definido pela Portaria GM nº 336/2002 e atende
pacientes em crise, com atendimentos diurnos (CAPS I e II), de segunda-feira a
sexta-feira, e os de 24 horas (CAPS III), de segunda-feira a segunda-feira.
A exigência profissional difere em relação ao tipo de CAPS e suas
características próprias. Os profissionais possuem diferentes formações e integram
uma equipe multiprofissional, sendo enfermeiros, médicos, psicólogos, assistentes
sociais, terapeutas ocupacionais, pedagogos, professores de educação física ou
outros necessários para as atividades oferecidas nesses centros. Os profissionais de
nível médio podem ser técnicos e/ou auxiliares de enfermagem, técnicos
administrativos, educadores e artesãos. Os CAPS contam ainda com equipes de
limpeza e de cozinha (BRASIL, 2004).
A proposta de trabalho no CAPS possibilita a participação ativa em diversas
atividades desenvolvidas fora e dentro dos serviços como reuniões de equipe;
supervisões institucionais; triagem; grupo de recepção; grupos de estudos; oficinas
produtivas e terapêuticas; oficinas informativas e educativas sobre o cuidado com o
corpo; oficinas informativas sobre sexualidade e doenças transmissíveis, imagem e
autoestima; visita domiciliar; reuniões com as equipes do Programa de Saúde da
Família (PSF); visitas hospitalares; passeios com usuários dos CAPS; palestras na
comunidade; reuniões com as famílias; administração e orientações sobre
medicações; convivência e formação de vínculos terapêuticos com os usuários,
sendo em algumas circunstâncias o elemento de referência para eles (ALMEIDA
FILHO; MORAES e PERES, 2008).
24
3.3 A Enfermagem no Centro de Atenção Psicossocial
3.3.1 Conflitos na atuação do profissional de enfermagem implicado na
reforma psiquiátrica
Frente às mudanças pautadas na reforma psiquiátrica, o enfermeiro necessita
reorganizar seus processos de trabalho, outrora com uma visão hospitalocêntrica:
A Reforma Psiquiátrica se caracteriza por uma ruptura em relação à
racionalidade psiquiátrica, ao recusar-se a considerar o sofrimento humano
apenas como o objeto simples da doença mental, mas considerá-lo em sua
complexidade. É do diálogo entre as diferentes e diversas disciplinas que
cuidam deste sofrimento que se cria uma nova maneira de olhar, de
escutar, de cuidar (YASUI, 2006, p. 24).
A prática do enfermeiro no CAPS não se baseia apenas em normas ou em
rotinas, mas é construída/desconstruída nesses cenários, a partir de comunicações
intersubjetivas estabelecidas entre todos os atores sociais envolvidos nesse
processo e entre esses e a comunidade. Diálogos e mudanças começam, portanto,
a fazer parte do modo de trabalhar, tornando-se o campo efetivo da ação terapêutica
do enfermeiro (ALMEIDA FILHO; MORAES e PERES, 2008).
Porém, estudos mostram que os profissionais de saúde, em geral, têm
apresentado dificuldade para se incluírem nesse novo modelo assistencial, de modo
que o trabalho realizado, atualmente, nos serviços abertos está longe do proposto
pelas diretrizes da reforma psiquiátrica (DIAS; SILVA, 2010).
O enfermeiro tem uma compreensão heterogênea das ações desempenhadas
pela enfermagem. Uma parcela acredita que o trabalho que pode ser reproduzido é
o do modelo hospitalar, como a supervisão da equipe de enfermagem, atenção aos
efeitos dos medicamentos, atenção à alimentação, higiene e repouso; e outra
parcela acredita que, nessas ações no CAPS, é necessário haver flexibilidade do
enfermeiro nas ações dos profissionais da equipe multiprofissional (DIAS; SILVA;
2010).
No âmbito da enfermagem, a práxis do enfermeiro em saúde mental, apesar
de uma formação mais humanizada, destina-se ao âmbito administrativo —
dimensionamento de recursos humanos e materiais — distanciando-se, portanto,
das atividades assistenciais e de socialização do portador de transtorno mental,
dispostas na reforma psiquiátrica (SOARES; SILVEIRA e REINALDO, 2010).
25
O trabalho, diante da demanda da população, exige atitudes para o
enfrentamento de problemática tridimensional: entre os profissionais,
oriundos de várias formações; entre a equipe e os gestores, portadores de
tecnologias de gestão produzidas em outros processos de trabalho; e, entre
a equipe e os usuários, estes entendidos não como consumidores ou
agraciados, mas como cidadãos (GARCIA FILHO; SAMPAIO; GUIMARÃES,
2011, p. 3).
A reforma psiquiátrica é complexa e supera mudanças na organização dos
serviços de saúde e das práticas adotadas pelos profissionais.
Significa negar a instituição manicomial, romper com a racionalidade e o
saber psiquiátrico sobre a doença mental, compreendido como um processo
histórico e social de apropriação da loucura; questionar o poder do
especialista (psiquiatra, psicólogo, enfermeiro) em relação ao paciente e
negar o seu mandato social de custódia e exclusão (YASUI, 2006, p. 95).
Torna-se necessário refletir, criticamente, sobre a prática assistencial da
enfermagem, não apenas fundada nos modelos tradicionais de assistência, mas,
sobretudo, integrada ao movimento da reforma psiquiátrica, em espaços de
reinvenção da saúde, como em alguns projetos inovadores já existentes em alguns
municípios brasileiros, para os quais foram idealizados os CAPS (GARCIA FILHO;
SAMPAIO; GUIMARÃES, 2011).
3.4 A formação do enfermeiro em saúde mental: fator fundamental para a
implementação da reforma psiquiátrica
No Brasil, a necessidade de organizar um novo modelo de atenção ao doente
mental determinou a criação de uma primeira escola de enfermagem ligada ao
Hospital Nacional de Alienados, a Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras,
inspirada no modelo francês.
Em 1890, em um contexto de luta dos médicos pelo controle político-científico
do Hospício Pedro II, fundado em 1852, no Rio de Janeiro, no qual permaneceram
até algumas décadas depois, como figuras subordinadas à administração religiosa,
surgia essa primeira escola de enfermagem brasileira que tinha entre seus principais
objetivos a preparação de pessoal para o trabalho de cuidar dos alienados num
espaço medicamente concebido e, portanto, necessitado de mão de obra médica,
cientificamente orientada (OLIVEIRA; ALESSI, 2003).
26
O modelo assistencial psiquiátrico tradicional, asilar, excludente, permaneceu
vigente durantes anos, servindo como referência nas diretrizes curriculares dos
profissionais de saúde. Havia necessidade desses pressupostos teóricos para isolar
o doente, conhecê-lo, para então dominá-lo. As mudanças substanciais nesse
modelo começaram a surgir com o movimento da reforma psiquiátrica quase um
século depois.
Já no final da década de 1970 e início da década de 1980 surgem novas
propostas de assistência no campo da saúde mental, exigindo mudanças no saber e
no fazer. Diante dessa nova realidade, a enfermagem psiquiátrica buscou
explicações sobre a loucura e a forma de lidar com ela, através de dois discursos: o
psiquiátrico e o psicológico. A concepção psiquiátrica predominante, até então, era
organicista, partindo do pressuposto de que a doença mental é uma doença
orgânica, se instalando no organismo, independentemente de outros fatores
(ALMEIDA FILHO; MORAES, PERES, 2008). O novo modelo assistencial de
atenção psicossocial tem como objeto o sujeito biopsicossocial, abrangendo toda
sua complexidade, fazendo necessária construção e articulação dos saberes dos
profissionais que integram as equipes dos centros de referência ao doente mental.
Desta perspectiva e marco teórico, só podemos então pensar em
estratégias de cuidado que produzam e promovam a autonomia e a
singularização do sujeito. E estas serão, também, da ordem da diversidade
e da multiplicidade. Nesse sentido, o conceito de clínica se transforma. Não
uma clínica inspirada no reclinar-se sobre o leito do paciente, com olhar de
quem observa e busca a doença. Lugar onde as identidades dos
participantes estão predefinidas. Mas uma clínica do encontro, da invenção
e da produção de sentidos (YASUI, 2006, p. 103).
Mesmo com o processo de evolução nas reformas psiquiátricas, as escolas
de enfermagem têm sido tradicionais e reproduzem as ideologias dominantes. Há
um descompasso entre ensino e a prática de enfermagem em saúde mental e as
Políticas de Saúde (CASTRO; SILVA, 2002).
Fernandes et al. (2009) evidenciam que o ensino não vem atingindo a
construção de competências necessárias para a atuação em enfermagem
psiquiátrica e saúde mental. Não existe o correlacionamento do ensino e da prática
desenvolvidos nos serviços com as Políticas de Saúde Mental vigentes. Os autores
consideram que isso desencadeia uma formação de sujeitos acríticos, não reflexivos
e com prática voltada para medicalização e segregação e exclusão social.
27
A formação de enfermeiros para atenção em saúde mental exige domínio do
saber crítico-reflexivo, do saber-fazer quanto às diretrizes do SUS e com
fundamentação teórico-prático, autonomia e criatividade para atenção psicossocial.
É uma situação indissociável das contradições da realidade, em que as atuais
Políticas de Saúde Mental priorizam um novo e reformista enfoque de atenção à
pessoa em sofrimento psíquico, mas, a prática de enfermagem ainda ocorre no
âmbito hospitalar, reproduzindo o distanciamento entre o saber constituído nas
escolas e o praticado nos serviços de atenção em saúde mental (LUCCHESSE;
BARROS, 2009).
Silveira e Alves (2003) constataram que o processo de formação na
graduação, por si só, não confere ao enfermeiro o instrumental necessário à sua
prática no CERSAM, deixando clara a necessidade da busca de conhecimentos
específicos, novas habilidades e atitudes na relação com o paciente, família,
comunidade e outros profissionais, para o enfrentamento das questões cotidianas do
trabalho. O enfermeiro, juntamente com outros profissionais nos serviços de saúde
mental, tem papel fundamental como operador da mudança do modelo assistencial.
Fazem-se necessários investimentos em práticas inovadoras pautadas na
cidadania, ética e em saberes profissionais que garantam uma assistência eficaz e a
promoção da saúde sem perda da dignidade dos portadores de sofrimento mental.
3.5 Estudos sobre a prática assistencial do enfermeiro nos Centros de
Referência em Saúde Mental
A reforma psiquiátrica pressupõe um novo desenho de objeto e instrumento
de trabalho direcionado ao sujeito cidadão. Analisamos 24 artigos científicos
publicados em periódicos nacionais, a partir de 2001, quando ocorreram as
implementações das Políticas de Saúde Mental, com objetivo de destacar as
atividades desempenhadas pelos enfermeiros em serviços substitutivos de saúde
mental.
No período entre 2001 a 2011, houve uma média de duas publicações e meia
a cada ano sobre a temática. Pode-se afirmar que há escassez de produção
científica sobre a atuação do enfermeiro em saúde mental em serviços substitutivos.
Quanto aos instrumentos de coleta de dados utilizados nos artigos, destacamse os estudos de casos, entrevistas e revisão teórica. Eles foram realizados em nove
28
estados brasileiros, sendo o estado de São Paulo sede de 13 dos estudos
realizados. As publicações aparecem nos estados do Rio Grande do Sul, Ceará,
Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná,
Pernambuco, nas quais se identificaram um ou dois estudos, apenas, em cada
unidade federada.
Classificados os artigos de acordo com as abordagens metodológicas, ano e
local de publicação, foram analisados quanto ao resultado, restringindo-os às
atividades de saúde mental desenvolvida pelo enfermeiro nos serviços substitutivos.
Diversos autores destacam as atividades assistenciais de enfermagem voltadas à
saúde
mental
em
serviços
substitutivos.
Inicialmente,
apresentaremos
as
considerações relativas à supervisão da equipe de enfermagem; aos trabalhos
administrativo-brurocráticos,
de
técnico
de
referência,
de
plantonista,
de
acolhimento, e de triagem; em seguida, as oficinas e grupos; e, por fim, visitas
domiciliares.
Dentre as atividades discutidas pelos autores, identificamos, em todos os
artigos, que o enfermeiro presta um serviço privativo quanto à supervisão às ações
da equipe de enfermagem no acompanhamento do autocuidado, controle
medicamentoso, alimentação, provisão e previsão de material, verificação de sinais
vitais, curativos e quaisquer outros procedimentos clínicos necessários.
Essa supervisão distancia o enfermeiro do sujeito. Na pesquisa realizada por
Bertoncello e Franco (2001) fica evidente que o papel do enfermeiro é o cuidado
indireto, pois o cuidado direto (higienização, alimentação e administração de
medicamentos) é executado pelos outros integrantes da equipe de enfermagem, os
quais permanecem o maior tempo junto aos pacientes.
Kirschbaum e Paula (2002) chamam a atenção para o posicionamento da
equipe de enfermagem frente aos cuidados diretos prestados, nos quais somente
observam ou responsabilizam inteiramente pela ação, baseando-se numa falta de
conhecimento não estruturado sem qualquer conotação terapêutica, como a
avaliação da autonomia do sujeito e o estímulo à independência. Não foi observado
na pesquisa um acompanhamento sobre as atividades relativas ao autocuidado,
como forma do paciente recuperar habilidades relativas às atividades de vida diárias.
Os enfermeiros, no estudo de Dias e Silva (2010), acreditam que suas
atividades realizadas fogem completamente da competência de sua profissão e têm
dificuldade para definir sua função no processo de produção de saúde num serviço
29
extra-hospitalar, isso porque o conceito que eles têm sobre ser enfermeiro está
ligado à prática hospitalar, causando nesse profissional uma distorção na sua
identidade profissional.
Outra característica da atividade do enfermeiro é destacada nos estudos de
Oliveira e Alessi (2003), Dias e Silva (2010), Santos (2009) e Bertoncello e Franco
(2001), onde apontam que, a maior parte do tempo, esse profissional destina ao
desempenho de atividades administrativo-burocráticas, restringindo a assistência
junto à equipe de enfermagem e ao paciente.
Essa característica é apontada por Santos (2009) como pertencente a uma
estrutura organizacional desestruturada, com papéis indefinidos, que compromete o
potencial de criatividade do enfermeiro. Esse profissional assume a posição de
gerente da organização burocrática institucional, controlando e gerenciando os que
vão executar as atividades. Todavia, têm sua participação reduzida nos novos
dispositivos terapêuticos (passeios, reuniões de miniequipe, tardes dançantes,
oficinas, assembleias, entre outros).
Zerbetto et al (2011) ressaltam que essa forma burocrática prioritária tem por
finalidade a organização do trabalho dos demais profissionais e, portanto, o trabalho
do enfermeiro e do corpo de técnicos e auxiliares de enfermagem passa a ser o
meio/instrumento do trabalho médico e psicológico, com escassa ou nenhuma
atuação técnico-assistencial específica. Outra atuação do enfermeiro embutida no
discurso institucional destaca um papel de técnico de referência, semelhante aos
profissionais de nível superior que fazem parte da equipe interdisciplinar. As
atividades ressaltadas nos estudos a seguir destacam os acolhimentos, escutas,
plantões e triagens.
Relatos do estudo feito por Alves e Silveira (2003) evidenciam que o
enfermeiro atua como plantonista de triagem e torna-se referência para os pacientes
e terapeuta dos casos admitidos por ele. Essas atividades implicam na priorização
do atendimento de casos graves e no compromisso com os egressos de hospitais
psiquiátricos. O papel do enfermeiro é definido igualmente aos de todos os técnicos,
sendo as atividades acordadas em equipe, um trabalho realizado de forma
compartilhada, que oferece alternativas à internação do paciente no momento da
crise. Porém, resguarda uma especificidade inerente ao enfermeiro que é a
supervisão do trabalho da enfermagem. No mesmo estudo, esses autores relatam
que o enfermeiro reconhece a sua importância no tratamento do paciente quando
30
assume a posição clínica na condução do caso, auxiliando o indivíduo em seu
percurso e na construção de vínculos com o tratamento, pois, tradicionalmente, o
atendimento clínico ao doente mental esteve sob a tutela de psiquiatras e
psicólogos.
Oliveira, Silva e Silva (2009) identificam o enfermeiro como elo entre a equipe
interdisciplinar, onde todos os profissionais estão intimamente envolvidos no
processo de reabilitação do usuário. Em um dos serviços estudados ficou evidente
que a carga horária de permanência do enfermeiro era maior nessas atividades. Por
isso, sua relação com o usuário se torna mais próxima, acompanhando-o desde sua
acolhida e tratamento na instituição até sua na inserção na sociedade.
No estudo de Calgaro e Souza (2009), demonstram a insatisfação dos
enfermeiros no que diz respeito à interação, prejudicada dentro de uma equipe
interdisciplinar, na qual cada profissional tem de atuar na sua área específica e
percebeu-se, portanto, que ocorre uma disputa de status entre os mesmos, além da
existência do desmerecimento de algumas práticas.
Outro fator dificultador é a falta de posicionamento do enfermeiro dentro da
equipe, não reconhecendo atividades dos profissionais interdisciplinares:
Fica difícil separar o que é da enfermagem e o que não é. Na saúde mental
eu vejo que todo mundo faz de tudo um pouquinho, mas não tem muita
coisa específica do que é e do que não é da enfermagem. Tudo que vem da
enfermagem vem com relação à relação interpessoal e a comunicação,
promover
um
ambiente
terapêutico,
comunicação
terapêutica,
relacionamento interpessoal, formação de vínculo, acho que com essa base.
Agora especifico, eu não vejo não (DIAS; SILVA, 2010, p. 2).
O recente estudo de Soares et al. (2011) demonstrou dificuldades do
enfermeiro em discorrer sobre suas atribuições, pois apontou o desconhecimento a
respeito do papel de outros profissionais ao afirmar que, como profissional de
enfermagem, realiza atividades semelhantes às do psicólogo e do terapeuta
ocupacional e que pode fazê-lo como se fosse o referido profissional, assumindo o
seu papel na equipe. Percebe-se uma dificuldade dos enfermeiros em pautar uma
assistência nos moldes da reforma psiquiátrica, mas observa-se diversos autores
pontuando novas práticas do modelo psicossocial caracterizado por enfatizar o
processo de reprodução de saúde e de reinserção social do paciente como grupos
operativos, oficinas e visitas domiciliares, (SILVEIRA; ALVES, 2003; DIAS; SILVA,
2010; SANTOS, 2009; SOARES et al., 2011; OLIVEIRA; SILVA; SILVA, 2009).
31
3.6 Ensino de enfermagem como fator fundamental para implementação da
reforma psiquiátrica: contextualização atual
Para sustentação teórica dessa investigação sobre a formação do enfermeiro
como fator fundamental para implementação da reforma psiquiátrica, recorreremos
aos autores que se ocuparam em estudar sobre o assunto em alguns estados
brasileiros. Identificaremos qual o caminho que está sendo trilhado quanto ao ensino
de saúde mental nas escolas de enfermagem privadas e públicas. Focaremos os
discursos a partir do ano 2000, quando ocorreram as implementações das Políticas
de Saúde Mental e Lei de Diretrizes e Base da Educação.
O ensino de enfermagem em saúde mental passou por uma reestruturação, à
medida que ocorriam grandes modificações sociais. Atualmente, com a reforma
psiquiátrica, novas tecnologias de cuidado passam a integrar a assistência, trazendo
reflexões sobre a formação do enfermeiro.
Outrora, no modelo tradicional, a assistência de enfermagem se restringia a
asilos e hospitais, onde os doentes mentais permaneciam enclausurados, passivos,
sem direito a voz ou resgate da sua socialização. Com a reforma psiquiátrica, as
mudanças refletem diretamente na prática e, para isso, torna-se necessário repensar
o modelo de práticas e de formação do enfermeiro, uma vez que o enfermeiro é um
profissional atuante no processo da reforma (MAFTUM, 2004).
O processo de formação do enfermeiro, definido pelas Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso, conferem a necessidade do compromisso com a reforma
sanitária brasileira, enfatizando o SUS e buscando garantir a integralidade das
ações do cuidar. São considerados princípios para essa formação as visões crítica e
reflexiva inseridas no contexto histórico-social, pautadas em princípios éticos e
capazes de intervirem na atenção à saúde. Em saúde mental, essas competências e
habilidades devem ser voltadas para darem respostas aos princípios propostos na
Política Nacional de Saúde Mental (FERNANDES et al., 2009).
Os impactos decorrentes da reforma psiquiátrica e das diretrizes educacionais
trouxeram incertezas para os conteúdos de saúde mental nos cursos de
enfermagem e dificuldades de redimensionar a prática dos docentes e de outros
profissionais atuantes na saúde mental. Existe, em algumas faculdades, a incerteza
de aplicar o conteúdo em saúde mental como disciplina ou em currículos integrados
(MAFTUM, 2004).
32
Este momento foi retratado por Braga e Silva (2000) em um estudo realizado
no Ceará, onde os docentes identificaram contradições do modelo assistencial
médico-psiquiátrico, dominante, frente aos avanços e desafios de novas práticas
propostas pela reforma psiquiátrica. As incertezas permeavam a desconstrução do
paradigma e a reconstrução de saberes e práticas dentro de uma nova concepção
de doença mental.
No estudo de Villa e Cadete (2000) já se apontava a necessidade de articular
o novo modelo de assistência com as práticas acadêmicas nos novos dispositivos de
saúde mental. Ao descrever a experiência para a formação dos alunos a partir das
práticas realizadas no CERSAM em Belo Horizonte (MG), as autoras relataram que
a experiência possibilitou ao aluno um contato com um cenário onde os
atendimentos realizados estavam fundamentados numa nova concepção sobre a
loucura, resgate da cidadania e participação efetiva do enfermeiro na assistência e,
assim, vislumbraram possibilidades de aplicação do conhecimento para a
desmistificação da loucura.
Enfatizando os programas das disciplinas na área de saúde mental nas
universidades públicas do Rio Grande do Norte, no mesmo período, Kantorski e
Silva (2000) enfatizaram que o ensino estava sendo reproduzido de forma
fragmentada, dicotômica, centrada na instituição psiquiátrica, reforçando os saberes
e práticas de exclusão da loucura e focalizando os estágios em hospitais
tradicionais, em sua maioria, de grande porte.
Várias iniciativas começaram a emergir em busca de novas tecnologias de
educação. Uma delas foi a transversalidade, observada por Monteiro (2006) numa
faculdade pública do Ceará. Ele constatou que, além da disciplina específica de
saúde mental, era aplicado o conteúdo nas disciplinas de Enfermagem em Saúde do
Adulto I, Enfermagem em Saúde do Adulto II e Enfermagem em Saúde da Criança e
do Adolescente. Esse método trouxe aceitação e nova percepção aos alunos,
através de uma visão globalizada do homem, para assim processar o cuidado,
apesar da estrutura curricular ainda fragmentada, com predomínio do método
biomédico.
A necessidade de articulação e integração dos saberes foi sinalizada em uma
das 23 escolas de enfermagem privadas e públicas no Paraná, através dos
fundamentos curriculares. O avanço de mais destaque foi sinalizado na pesquisa de
Maftum (2004) sobre a conformidade dos conteúdos dos planos disciplinares dessas
33
escolas em relação à reforma psiquiátrica. Ocorreu a diminuição do conteúdo sobre
sintomas e psicopatologias tradicionais e a inclusão de temas pautados na reforma
psiquiátrica. Os temas enfatizados, tanto na prática quanto na teoria, foram:
relacionamento
interpessoal,
alternativas
de
tratamento
extra-hospitalares,
comunicação, política de saúde mental e reforma psiquiátrica, direito do cidadão e
cidadania, educação em saúde, crise evolutiva e acidental em todo ciclo vital
humano e envolvimento da família no processo de tratamento. O ensino prático
produzia o envolvimento do aluno no relacionamento terapêutico, nas visitas
domiciliares e na educação permanente.
Um dos entraves educacionais apontados pelos autores acima, foi a
impossibilidade de analisar os planos de ensino em profundidade, devido à
diversificação da carga horária, do período letivo e a integração com outras
disciplinas. Outro fator apontava para a dificuldade em se aceitar e compreender a
Política de Saúde Mental vigente, devido à ausência ou escassez de serviços
alternativos, impossibilitando o aluno de compreender o sistema de rede de serviços.
Esses fatores, provavelmente, potencializaram os referenciais conservadores do
ensino e da prática de instituições formadoras em enfermagem no Brasil, de forma
que, mesmo no contexto de uma reforma psiquiátrica, propostas como a Política de
Saúde Mental ainda persistem com os referenciais do modelo conservador.
Silva et al. (2004), ao investigarem os alunos concluintes de enfermagem de
uma Universidade Federal do Nordeste, identificaram que os discursos dos
entrevistados convergiram numa formação:
Marcada por processos pedagógicos teórico-práticos conservadores,
pautados nos princípios da Psiquiatria Asilar, que autoriza a assistência por
ações curativas e individuais, caracterizando, a reprodução do saber da
Psiquiatria Tradicional na formação da força de trabalho na perspectiva da
Reforma Psiquiátrica (SILVA et al., 2004, p. 6).
O estudo de Costa (2005) revelou um descompasso na formação acadêmica,
fazendo com que os enfermeiros sentissem despreparados para atuar no serviço de
saúde mental, fato, esse, influenciado pela carga horária reduzida, conteúdos
insuficientes. A autora atribui essa “desarmonia a uma tradição clínica psiquiátrica
que é fomentada pela fragmentação de saberes e práticas difundidas pela
Universidade” (COSTA, 2005, p. 99).
34
Métodos pedagógicos que quebrassem esse paradigma continuaram a ser
perseguidos pelas instituições de ensino e discutidos pelos autores da área.
Campoy, Merighi e Stefanelli (2005) buscaram compreender a relação ensinoaprendizagem à luz da fenomenologia compreensiva social, em faculdades privada e
pública, em São Paulo. Identificaram a importância da prática na disciplina saúde
mental, que possibilita ao aluno descobrir todas as suas potencialidades e
sensibilidades pessoal e profissional.
Pelos relatos dos alunos, esses autores constataram que esse método criou a
oportunidade de conhecerem a si mesmo e ao outro, sobre as práticas que
executam, melhorando o seu conhecimento, criando habilidades gerais e específicas
que possibilitam oferecer um cuidado holístico a qualquer indivíduo, família ou
comunidade.
Outro método pedagógico foi apresentado por Kantorski et al. (2005) e
Kantorski et al. (2006) como excelente ferramenta promotora de saúde mental
através do relacionamento e comunicação terapêutica no ensino, em faculdades
públicas de São Paulo. O relacionamento terapêutico foi destacado como uma
tecnologia de cuidado centrado no doente psíquico, perpassando por todo ciclo vital.
A humanização dos atendimentos em saúde mental iniciou-se num processo de
ação-reflexão-ação, ancorado no referencial da psicanálise, do relacionamento
interpessoal e da saúde coletiva.
A temática do grupo foi citada por Spadini e Souza (2010) como fundamental
na formação dos enfermeiros na área da saúde mental, carecendo de um melhor
enfoque, tanto na assistência como no ensino, para que haja uma aplicação
apropriada desse recurso como fonte das ações de enfermagem, uma vez que essa
atividade é muito utilizada nessa área. Os resultados apontaram para a necessidade
de um melhor preparo dos enfermeiros para o trabalho com grupos, principalmente
em relação à sua coordenação.
O profissional de enfermagem precisa compreender as novas tecnologias do
cuidar, objetivando a reabilitação psicossocial, pois contribui para a qualidade de
vida do usuário, família e comunidade. A temática do grupo em forma de oficina é
reconhecida por Cotta, Castro e Botti (2010) como uma tecnologia de educação, na
formação do enfermeiro em saúde mental. A partir dos discursos dos alunos, esses
autores concluíram que essa tecnologia permitiu desmistificar o conceito da loucura,
o medo, a ansiedade, rompendo com o papel histórico controlador de vigiar e punir,
35
para um cuidado humanizado, ético e terapêutico, atuantes, efetivamente, na
resolução de problemas de saúde, para além da saúde mental, dos portadores de
sofrimento psíquico.
Esse posicionamento pode revelar novas práticas profissionais e inovações
tecnológicas no ensino. Os temas desenvolvidos nas oficinas de educação e saúde
mencionados no estudo de Cotta, Castro e Botti (2010) foram desenvolvidos através
de dinâmicas de grupo, jogos educativos e vivências temáticas e abordavam:
alimentação saudável, alcoolismo, saúde sexual, beleza, prevenção de câncer de
mama e colo de útero, hipertensão, diabetes, higiene bucal, obesidade, tabagismo,
osteoporose,
higiene
pessoal,
atividade
física,
relacionamento
interpessoal
(autoestima e convivência).
Souza (2010) aponta, em seu estudo realizado nas escolas públicas de
enfermagem de São Paulo, o esforço dos professores para aproximar o aluno do
portador
de
sofrimento
mental,
focando
no
tratamento
terapêutico,
no
relacionamento interpessoal e na comunicação terapêutica. No entanto, os pilares
das disciplinas concernem a psicopatologias, e ainda são desarticulados com a
prática. Outros conteúdos abordados foram citados pelos professores: urgência e
emergências em crises, álcool drogas, cuidado com a família e na atenção básica.
A urgência e emergência psiquiátrica são, muitas vezes, trabalhadas nas
unidades formadoras em enfermagem, através da tecnologia de intervenção em
crise. Rodrigues et al. (2010) relacionam esse processo de aprendizado em dois
eixos. No primeiro, situam a postura do enfermeiro frente à evidência da crise nos
serviços de saúde, através do desenvolvimento de habilidades como: saber ouvir,
reconhecer o outro e ter sempre uma palavra de carinho, compreensão e firmeza;
compreender a manifestação de sentimentos; diferenciar a contenção que cuida da
contenção que pune; e ter atitudes coerentes frente à crise. Os autores relacionam
o segundo eixo às estratégias de ensino-aprendizagem para o conhecimento, a
intervenção e a problematização do fenômeno da crise no contexto da universidade.
O cenário da formação de enfermagem passa por avanços e retrocessos,
num lento processo assistencial humanístico e social. Uma atual pesquisa sobre o
ensino foi realizada por Rodrigues, Santos e Spriccigo (2012), nos anos de 2009 e
2010, em escolas públicas e privadas de Santa Catarina, e revelou que os discursos
dos docentes sobre o ensino de enfermagem em saúde mental, continham um
conteúdo pautado na reforma psiquiátrica e era envolvido pela sistematização da
36
assistência e de diagnósticos de enfermagem. Para esses docentes, a atuação do
enfermeiro é baseada no sintoma apresentado pelo sujeito, percebido através de
disposição, atenção, escuta e comunicação.
Os autores constataram, no estudo, que o conteúdo de enfermagem em
saúde mental é organizado no currículo através de especialidades que contribuem
para uma prática assistencial fragmentada, conformista com o modo manicomial. Ao
defrontar com a realidade impostas nos serviços de saúde, os profissionais não
estariam aptos para lidar com uma assistência de enfermagem resolutiva, humana e
social.
Os conteúdos são distribuídos, segundo os autores, numa carga horária
teórica máxima de 120 horas/aula e prática de 72 horas/aula, ficando disponíveis
4,8% de saúde mental para todo o curso, em Santa Catarina, que possui 4000
horas/aula. Para essa questão, não há legislação específica que determine o tempo
adequado para o ensino de enfermagem em saúde mental.
Portanto, os estudos apresentam avanços e incertezas, na formação do
enfermeiro, direcionadas para o modelo de atenção psicossocial e levantam que os
conteúdos pilares para a formação dos enfermeiros em psiquiatria ou saúde mental,
ainda são voltados para a psicopatologia, centrados na doença, fragmentados,
desarticulados da prática e reforçando as práticas asilares. Além disso, ocorre
diversificação nas cargas horárias e existe a necessidade de formar o enfermeiro
para trabalhar com grupos.
Faz-se necessário que os enfermeiros busquem, incessantemente, novas
práticas e teorias inovadoras para garantir um cuidado pautado numa relação de
ética, de cidadania e de liberdade, valorizando aquilo que o usuário traz, suas
histórias de vida e relações. O enfermeiro deve estar disponível para a demanda do
usuário, pois isso trará a possibilidade do cuidado.
Cabe ao enfermeiro responsabilizar-se pelo envolvimento no projeto
terapêutico, com abertura para questionamentos, com interlocução constante, e ser
capaz de transitar em diversos saberes e dispositivos do território.
37
4 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO
A reforma psiquiátrica brasileira teve início nos movimentos sociais de
trabalhadores de saúde mental e familiares, através de denúncias sobre os maus
tratos e abandonos dos doentes mentais. Os grandes marcos reivindicatórios
concretizaram-se a partir da reforma sanitária, através da 8° conferência Nacional de
Saúde, em 1986, que norteou a criação do SUS.
O novo modelo teve como eixo principal a reestruturação da assistência,
caracterizada pela desospitalização de pacientes internados por longo período, bem
como a criação de serviços substitutivos, trazendo novos dispositivos para lidar com
o sofrimento mental no âmbito social, dentre eles o CAPS.
Nesse dispositivo, o enfermeiro integra a equipe interdisciplinar. Sua atuação
no CAPS torna-se essencial para a implementação da própria reforma psiquiátrica,
uma vez que esse profissional deve ter um papel extremamente ativo nos serviços
substitutivos, inclusive trazendo inovações quanto à prática da enfermagem.
Com a mudança do modelo assistencial, surge a preocupação referente à
formação profissional, a re(invenção) de novos saberes e práticas, a fim de garantir
uma assistência eficaz e a promoção de saúde sem perda da dignidade dos
portadores de sofrimento mental. Isso pode implicar não somente em investimentos,
mas, também, em resistências por parte de profissionais, seja por manterem as
concepções e as práticas tradicionais, seja por não saberem como pautar a sua
atuação dentro dos novos paradigmas.
A identificação de práticas inovadoras dos profissionais de saúde vem
esclarecer, agregar e consolidar conhecimentos necessários ao avanço da reforma
psiquiátrica e a forma de se organizar os cuidados em saúde mental para garantir a
qualidade do atendimento e a proteção da dignidade e da cidadania do portador de
sofrimento mental.
A partir dessas preocupações, foi realizada esta pesquisa sobre a formação e
a prática dos profissionais de enfermagem que atuam no CAPS do Sistema de
Saúde, com atenção à saúde mental. A pesquisa já foi concluída e embasa a
dissertação defendida em agosto de 2013. Como se trata de um mestrado
profissional, a dissertação inclui, ainda, a elaboração de um plano de ensino para
fins de capacitação do enfermeiro na atuação em serviços substitutivos
CAPS/CERSAM.
38
A questão central que norteou o estudo foi: quais são os saberes necessários
às práticas desenvolvidas pelo enfermeiro no Centro de Atenção Psicossocial, tendo
em vista as diretrizes da atual Política de Saúde Mental? Assim, a pesquisa elegeu
como objetivo, analisar saberes e práticas necessárias ao trabalho do enfermeiro no
CAPS/CERSAM, visando a elaborar um plano de ensino para capacitação dos
profissionais enfermeiros, que contribua para a formação e atuação desse
profissional nos serviços substitutivos da Política de Saúde Mental.
A pesquisa teve abordagem qualitativa, utilizando o método do estudo de
caso para abordar a questão central, através de uma análise comparativa entre dois
centros de referência ao portador de sofrimento mental, que se constituem em
cenários diferentes no que diz respeito à forma de organização e ao trabalho do
enfermeiro.
Foram comparados um Centro de Atenção Psicossocial de uma cidade do
interior de Minas Gerais e um CERSAM de Belo Horizonte, considerando-se os
saberes e as práticas dos profissionais de enfermagem, de acordo com a Política de
Saúde Mental.
Por meio de um formulário de entrevista semiestruturada, foram entrevistados
todos os enfermeiros que trabalhavam nos referidos centros, no primeiro semestre
de 2013, excetuando aqueles com menos de seis meses de trabalho. Além disso,
foram realizadas observações sistemáticas nos dois serviços, visando a conhecer a
rotina e as atividades desenvolvidas por aqueles profissionais.
O estudo evidenciou que na formação acadêmica dos entrevistados existem
lacunas entre o conhecimento teórico-prático e o saber específico para a atuação
nos serviços substitutivos de saúde mental. Muitas vezes, nota-se uma dissociação
entre as proposições da reforma psiquiátrica e os conhecimentos e práticas
desenvolvidas no cotidiano do profissional de enfermagem, nos centros estudados.
Para tal dissociação, concorre a organização do serviço que ainda enfatiza mais a
abordagem do sintoma do que a inserção social do portador de sofrimento mental.
Os enfermeiros denotam conhecer as propostas da reforma psiquiátrica,
porém apontam as dificuldades para a sua concretização na prática dos serviços.
Inclusive, expressam a necessidade de capacitação para a atuação na saúde
mental, enfatizando os saberes e práticas que devem ser mobilizados e/ou
desenvolvidos de acordo com as diretrizes da política de saúde mental. Na
comparação entre os dois centros estudados foi possível perceber que a oferta de
39
serviços substitutivos e ampliação da rede de atenção em saúde mental são
elementos relevantes para o desenvolvimento e a sustentabilidade desses saberes e
práticas.
A partir das conclusões do estudo, foi elaborado um plano de ensino para
capacitação de profissionais enfermeiros dos CERSAM/CAPS, que poderá contribuir
para a prática, no bojo das propostas da saúde mental. Nesse sentido, reafirma-se a
relevância da atuação do enfermeiro para a concretização da reforma psiquiátrica,
para a qualidade do tratamento e para o respeito à dignidade do portador de
sofrimento mental. O processo de construção de uma Política de Saúde Mental
requer não apenas recursos materiais e técnicos, mas também saberes e práticas
inovadoras que possam imprimir sustentabilidade ao novo sistema de atendimento.
40
5 METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa, pois:
[...] trabalha com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças,
valores e atitudes que respondem a um espaço mais profundo das relações,
dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis (MINAYO, 1994, p. 22)
Foi utilizado o método do estudo de caso para descrever e explicar, através
de uma análise comparativa, a questão central da pesquisa, de maneira ampla e
profunda. Yin (2010, p. 24) ressalta que o estudo de caso “contribui para o
conhecimento dos fenômenos individuais, grupais, sociais, políticos relacionados.
Permite que os investigadores retenham as características holísticas e significativas
dos eventos da vida real”.
O estudo se desenvolveu em dois centros de referência ao portador de
sofrimento mental, que se constituem em cenários diferentes no que diz respeito à
forma de organização e ao trabalho do enfermeiro. Os dados desses dois centros
foram comparados e discutidos para um aprofundamento da questão da pesquisa.
O Centro de Atenção Psicossocial II (CAPS II) que atende uma clientela
adulta, na cidade de Itabira/MG, criado em 1992, é referência para uma população
de 209.967 usuários, abrangendo 13 municípios que compõem a microrregião. A
rede de Saúde Mental do Município é composta pelo CAPS II; o Centro de Atenção
psicossocial infanto-juvenil (CAPSi); o trabalho de profissionais de nível superior,
desses centros, como duplas matriciais na Atenção Básica de Saúde; as parcerias
com o Serviço de Urgência e Emergência (Hospital Pronto Socorro, Serviço Móvel
de Urgência), Hospitais Gerais e Polícia Federal.
O CAPS II foi escolhido como objeto de pesquisa por ser um serviço único e
de grande relevância para o município e região. É importante observar também que
há carência, no município, de outros dispositivos preconizados pela reforma
psiquiátrica para garantia da assistência e dos direitos dos portadores de transtornos
mentais. Outro critério que orientou a escolha desse CAPS é a facilidade de acesso
da pesquisadora, argumento valioso, considerando-se a delicadeza do tema, que
exigirá abertura dos profissionais entrevistados e um bom rapport com essa
pesquisadora.
41
O CERSAM de Belo Horizonte/MG, faz parte de uma rede que conta com
Centros de Convivência, trabalho em Atenção Básica de Saúde, Serviços
Residenciais Terapêuticos, Serviço de Urgência Psiquiátrica Noturna, Hospital Geral,
Incubadora de Empreendimentos Econômicos Solidários e esses contam com
dispositivos como o Serviço Móvel de Urgência.
O município de Belo Horizonte concentra nove CERSAMs, distribuídos em
regionais, que cobrem toda a cidade, sendo sete nomeados de acordo com a região
de origem (Barreiro, Noroeste, Leste, Pampulha, Nordeste, Venda Nova e Oeste).
Os outros dois oferecem serviços direcionados ao tratamento infantil e à
dependência a álcool e droga. A escolha da pesquisa por um desses centros de
referência se deu por indicação de um profissional integrante e conhecedor da rede
de saúde mental do Município de Belo Horizonte. Ou seja, foi escolhido o CERSAM
indicado, pois possuía aspectos organizacionais e ações práticas dentro dos
parâmetros preconizados pela Política de Saúde Mental. Assim, a comparação entre
os dois centros estudados pôde ser mais aprofundada. O centro de referência
indicado foi o localizado na região do Barreiro.
A regional Barreiro é composta por cerca de 80 bairros constando
aproximadamente 270 mil habitantes, segundo o censo IBGE, 2000. O CERSAM
Barreiro faz parte de um rede de atenção a saúde que possui atualmente 20
Unidades Básicas de Saúde, 84 equipes de Programa de Saúde da Família (PSF), 1
Unidade de Pronto Atendimento (UPA), 7 Equipes de NASF, 1 Centro de Referência
em Saúde do Trabalhador (CERSAT), 1 Farmácia Distrital, 2 Academias da Cidade
nos bairros Milionários e Vila Pinho, 1 Centro de Especialidades Médicas (CEM), 1
Centro de Convivência, 7 Equipes de Saúde Mental nas Unidades Básicas de Saúde
Tirol, Lindéia, Independência, Miramar, Milionários, Bairro das Indústrias e Vale do
Jatobá. Integra a rede o Serviço de Urgência Psiquiátrica (SUP), uma estação com
leitos e, ao mesmo tempo, um serviço móvel, flexível. Além de atender situações de
crises espontâneas, as portas estão abertas para demandas trazidas pelo SAMU e
Polícia Militar.
O contato inicial da pesquisadora se deu através de uma carta de
apresentação como estudante de Mestrado do Centro Universitário UNA/BH,
informando a realização de uma pesquisa para dissertação.
42
Os sujeitos do estudo foram todos os enfermeiros que trabalham no CAPS e
no CERSAM escolhidos, excetuando aqueles que tinham menos de seis meses de
trabalho. Ao serem convidados a participar do estudo, foram informados sobre os
seus objetivos e sobre as questões éticas que envolvem estudos com seres
humanos. No ato da entrevista, foi apresentado e assinado um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice A).
Foram garantidos o anonimato dos entrevistados e a utilização das
informações apenas para fins científicos. A pesquisa foi apresentada ao Comitê de
Ética em Pesquisa para aprovação e o trabalho de campo realizou-se após essa
aprovação.
A coleta de dados foi feita através de uma entrevista semiestruturada, cujo
roteiro encontra-se no Apêndice B, deste estudo. A entrevista foi realizada pela
pesquisadora com os sujeitos da pesquisa, em horários pré-agendados, de acordo
com disponibilidade dos mesmos. A entrevista semiestruturada contém perguntas
fechadas e abertas “onde o pesquisador tem a possibilidade de discorrer sobre o
tema proposto, sem respostas ou questões pré-fixadas” (MINAYO, 1994, p.108).
Foi, também, realizada uma observação sistemática nos dois centros
estudados, com a finalidade de conhecer a prática do serviço prestado pelos
profissionais no cotidiano (Apêndice C). Os dados foram anotados em um diário de
campo e, posteriormente, analisados. Os elementos para a observação foram:
aspectos institucionais, relacionados ao trabalho do enfermeiro e formação
profissional.
O tempo de observação, em cada estudo de caso, foi de três dias, com
aproximadamente três horas. A observação foi realizada no período da entrevista e
em outros horários pré-agendados e realizada após obtenção do Termo de
Consentimento Livre Esclarecido, devidamente assinado pelo Gerente da Unidade e
pelos sujeitos envolvidos na pesquisa. A pesquisa como um todo, realizou-se nas
seguintes etapas:
• 1ª etapa: foram revisadas as diretrizes da atual Política de Saúde Mental, com
aprofundamento na descrição do que é o Centro de Atenção Psicossocial e
como deve ser o trabalho do enfermeiro nesse contexto;
• 2ª etapa: o trabalho de campo foi conduzido através de dois estudos de caso
de Centros de Referência de Saúde Mental: CAPS II de Itabira/MG e
CERSAM de BH/MG. Em cada estudo de caso, foram utilizadas entrevistas e
43
observação sistemática. As entrevistas foram gravadas, transcritas e
analisadas. Para a observação sistemática foi utilizado um diário de campo.
As anotações no diário de campo foram criteriosamente feitas desde o
primeiro até o último dia da visita ao campo. A entrevista foi do tipo
semiestruturada, contendo questões abertas e fechadas. Foi aplicado um préteste do roteiro de entrevista com dois enfermeiros de centros de referência
diferentes daqueles em estudo.
Os elementos para a observação foram:
aspectos institucionais; relacionados ao trabalho do enfermeiro e formação
profissional. As entrevistas foram trabalhadas através da análise temática,
conforme a abordagem da análise de conteúdo desenvolvida por Bardin
(2011). Essa abordagem analisa a fala dos entrevistados, considerando as
significações, formas de expressão, distribuição dos conteúdos. Deve-se
procurar aquilo que está por trás das palavras, ou seja, a intenção da análise
de conteúdo é conhecer os sentidos expressos pelos sujeitos, dentro das
condições de produção desses sentidos. Para tal, sugere-se recorrer a
indicadores quantitativos e qualitativos, desde que dispostos de maneira
consistente e articulada, no interior da análise;
• 3ª etapa: foram realizadas comparações entre os dois casos, tendo como
referência as diretrizes da Política de Saúde Mental. Os elementos de
comparação serão:
I – Aspectos institucionais:
Infraestrutura;
Rede de atenção psicossocial;
Políticas municipais (recursos, planos, área de abrangência, número de
usuários e classificação quanto ao tratamento intensivo e semi-intensivo);
Equipe interdisciplinar (número, atividades da equipe técnica, grupos,
oficinas);
Gerenciamento (institucional);
II – Aspectos relacionados ao trabalho do profissional de enfermagem:
Relação com usuários (distância, tipos);
Relação com as famílias;
Ações desenvolvidas no território;
Relação
com
especificidade);
a
equipe
multidisciplinar
(atividade
desenvolvida,
44
Situação de trabalho, estabilidade, horas trabalhadas;
Fatores dificultadores para o desenvolvimento do trabalho;
Fatores facilitadores para o desenvolvimento do trabalho;
Percepção sobre a Política de Saúde Mental vigente (no país, município,
no trabalho);
Percepção sobre a funcionalidade de rede de atenção psicossocial;
III – Aspectos relacionados à formação do profissional:
Formação acadêmica;
Capacitações realizadas;
Sugestões feitas sobre os saberes e práticas necessários à formação do
profissional de enfermagem para atuar em CAPS;
• 4° etapa: foi realizada a análise final dos dados e a elaboração de um plano
de ensino para capacitação dos enfermeiros, como produto técnico da
dissertação.
45
6 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
6.1 Identificação e caracterização dos sujeitos da pesquisa
Participaram
da
pesquisa
três
enfermeiros
atuantes
nos
Serviços
Substitutivos (CAPS e CERSAM), localizados em Minas Gerais, com faixa etária
entre 29 e 49 anos, sendo dois do sexo feminino e um do sexo masculino. O grupo
estudado tem experiência em atividades de enfermagem em outras áreas como
Estratégia da Saúde da Família, hospitais gerais e psiquiátricos e apenas um iniciou
sua atividade como enfermeira no serviço de saúde mental, no qual permanece
atualmente.
O tempo de graduação em enfermagem dos entrevistados variou entre cinco
e 20 anos, sendo que, desse tempo, destinaram ao trabalho em serviços de saúde
mental um período significativo dois a cinco anos. Esse fato qualifica a amostra para
a discussão de assuntos delineados na pesquisa.
A situação trabalhista dos enfermeiros é composta por uma jornada de 40 h
(dois profissionais) e 20 h (um profissional). Todos têm formação complementar de
especialização, embora duas não sejam voltadas para a saúde mental. No estudo de
Calgaro e Souza (2009), eles ressaltam a necessidade da especialização porque
contribui para ampliar os conhecimentos da área, transformando a prática.
A Portaria nº 336/02 traz a obrigatoriedade de um enfermeiro atuante em
CAPS II, III e CAPSad ter uma formação específica em saúde mental, o que não
acontece com outras modalidades de CAPS. Para atuação no CAPSII destacamos:
1 (um) enfermeiro com formação em saúde mental;
profissionais de nível superior entre as seguintes
profissionais: psicólogo, assistente social, enfermeiro,
ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário
terapêutico. (BRASIL, 2004, p.125).
4 (quatro)
categorias
terapeuta
ao projeto
A referida portaria não traz a obrigatoriedade para que todos os enfermeiros
que trabalham nesse serviço sejam especialistas em saúde mental. Uma das
instituições pesquisadas não obedecia a esse padrão. Entendemos que o fato de os
enfermeiros atuarem sem o curso específico se deve a falta do profissional
especialista no mercado ou a falta de cursos de especialização.
46
Rocha (2005) não nega a importância dos cursos de especialização, mas
aborda, através das falas dos enfermeiros entrevistados em seus estudos, que eles
adquirem mais conhecimento no do dia a dia, através do contato diário com a equipe
de saúde mental, se comparado ao conhecimento adquirido no curso de
especialização para enfermeiros em saúde mental.
Esse fato se assemelha à fala dos enfermeiros entrevistados nesse estudo,
que consideraram os cursos de especialização escassos e planos de ensino
descompassados com a prática diária:
Voçê tem pós em saúde mental, não fica bem informado em nada. Você vê
um pouquinho de política pública, psicopatologia, algumas teorias de
tratamento, alguma coisa de psicanálise e no final você tem sua pós e não se
instrumentalizou para nada (ENFERMEIRO 01).
Entendemos que esse enfermeiro não atingiu sua expectativa do saber/fazer
nos cursos de especialização. Chama-nos atenção porque os cursos de
especialização tendem a completar a formação generalista e é, muitas vezes,
insuficiente, fazendo com que o profissional busque ampliar e aperfeiçoar em uma
área específica.
Podemos indagar se os conteúdos oferecidos nos cursos de especialização
em enfermagem psiquiátrica ou saúde mental têm respondido às necessidades de
formação do enfermeiro para atuação na dimensão técnica e psicossocial da reforma
psiquiátrica, a qual está sempre em processo de mudanças.
As ementas dos cursos Lato Sensu foram estudadas por Olschowsky (2001) e
tiveram a participação de docentes dos cursos pioneiros de especialização em
enfermagem psiquiátrica e saúde mental no Brasil, situados na Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS) e na Universidade de São Paulo (USP). Elas
apontaram a importância das abordagens de todas as concepções saúde/doença
mental, com enfoques biológicos, psicológicos e sociais, tendo relacionamento
terapêutico, dinâmicas em grupos, direcionamento para a assistência em
enfermagem psiquiátrica, e também identificaram as abordagens de psicopatologias,
tratamento e relacionamento interpessoal com o paciente. O autor ressalta que
naquela conjuntura, os cursos de especialização não atendiam a demanda dos
profissionais existentes no país. Podemos, assim, indagar até que ponto essa
realidade mudou ou permanece nos dias atuais.
47
Quanto a cursos de capacitação em saúde mental destacamos que apenas
um enfermeiro relatou ter realizado curso voltado para gestão de rede de saúde
mental. A capacitação dos profissionais em saúde mental deveria assumir,
estrategicamente, uma posição para consolidação da reforma psiquiátrica.
Entretanto,
encontramos
uma
realidade diferente
no que diz
respeito à
especialização e outras formas de capacitação.
Os meios que esses profissionais utilizaram para capacitar e aperfeiçoar
decorreram da busca pessoal, através de livros, artigos e uma imersão nas
atividades práticas, do relacionamento diário com a equipe, das supervisões clínicas,
reuniões e discussões de casos clínicos. No período da coleta de dados, além das
reuniões para discussão de casos, nenhum dos enfermeiros estava participando de
cursos de aperfeiçoamento, capacitação, qualificação ou fóruns, promovidos pela
iniciativa pública.
- Busca pessoal, cursos, ler livros, artigos, estas coisas (ENFERMEIRO 01).
- Não, nesta área não, não tive [...] não procurei fazer não, por outro lado o
serviço não oferece. A equipe me ajudou muito (ENFERMEIRO 03).
- Livros, participar de Conferências de Saúde Mental, experiências de
colegas de trabalho (ENFERMEIRO 02).
Os achados se assemelham com os estudos de Castro e Silva (2002), onde
os entrevistados relataram não ter recebido treinamentos, principalmente ao
ingressarem no trabalho. Esse fato torna-se relevante, porque de um lado demonstra
que não há uma preocupação das instituições formadoras em preparar melhor os
acadêmicos para ingressarem nos serviços substitutivos e por outro lado também
não há preocupação da Gestão de Saúde Mental local em capacitar e aperfeiçoar os
saberes e práticas dos funcionários, o que pode prejudicar o comprometimento da
qualidade da assistência e equívocos na atuação da enfermagem no campo
psicossocial.
Um dos desafios para o avanço da reforma psiquiátrica no Brasil, para
Bezerra Jr. (2007), passa pela formação teórica e técnica sólida constante, a fim de
atender as transformações contínuas impostas pela reforma. Esse autor ressalta que
a maior parte dos novos profissionais de saúde é formada por jovens que não
participaram do processo de luta política de saúde mental, movimentos
antimanicomiais, não vivenciaram o intenso intercâmbio com nomes expressivos do
movimento como Baságlia, Foucault, Rotelli e outros que passaram pelo Brasil.
48
6.2 Formação profissional
Neste item, os entrevistados foram abordados sobre sua história da vida
acadêmica, especificamente na área de saúde mental/psiquiatria, fizeram uma
avaliação da formação recebida e levantaram quais aspectos mudariam ou
acrescentariam na formação acadêmica, visando a preparar novos enfermeiros para
atuar no CAPS/CERSAM.
A formação se reestrutura à medida que ocorrem grandes modificações
sociais e políticas. No que tange a formação do enfermeiro em saúde mental, não é
diferente. Adequações nas bases curriculares tornam-se necessárias quando se
mudam o modelo assistencial. O modelo proposto pela reforma psiquiátrica passou a
integrar a assistência de enfermagem e trouxe dificuldade em delinear as práticas.
Muitos enfermeiros se veem perdidos sem saber o que fazer e como avançar diante
as situações cotidianas.
Um dos grandes desafios para a formação do profissional de saúde mental ou
psiquiátrica é colocado por Oliveira (2010) como decorrente de toda a bagagem
construída, historicamente, em torno da loucura. Esse profissional, durante a
instituição de seus saberes, produz a exclusão da loucura e necessita colocar “outra
coisa em seu lugar”, e é necessária coragem para se efetivar tal ação e lidar com os
problemas decorrentes dela.
Ceccim (2010) afirma que para a formação na saúde mental é preciso que se
institua uma operação reversa, contrariando o tradicional de diagnósticos e a
prescrição de condutas, e estabelecendo uma formação para abordagem terapêutica
mediante a produção de encontros.
Na saúde mental, a reversão da lógica de quem sabe para quem não sabe,
desfaz a “onipotência presente no profissional que onde o domínio do saber médico
e, por extensão, do saber da enfermagem como possibilidade para resolver, até, os
problemas e conflitos existenciais mais internos” (LUNARDI, 1999, p. 31)
Por muitos anos, o lugar da enfermagem psiquiátrica foi pautado, como diz
Amarante (2010), em um aspecto médico-biológico, centrado na ideia da consulta,
da observação do paciente ao leito, na cama, na instituição.
Segundo Silva e Fonseca (2005), o enfermeiro atuava sobre o controle da
conduta médica, através do poder perverso, disciplinador, proporcionando um
ambiente para ser palco de intervenções médico-centradas.
49
Desvincular-se, portanto, desse posicionamento de poder, historicamente
construído em cima de normas e prescrição da ordem é colocado por Merhy (2010)
como o dever de se submeter à presença do outro, posicionar-se no mundo do
cuidado para serem afetados pela presença do outro e, através desse efeito, poder
operar nesse encontro a construção de qualquer coisa que pudesse ser chamado de
prática.
Dado esse contexto de novas práticas e saberes, perguntamos aos
enfermeiros do CAPS/CERSAM como se deu a formação acadêmica como base
para atuação neste novo modelo. Pudemos apreender nos discursos que a
formação se ancorou no modelo centrado na doença. Destacaram que as disciplinas
foram trabalhadas em cargas horárias teóricas e práticas de curta duração,
dificultando apreender os saberes afinados aos preceitos da reforma psiquiátrica e
quais práticas o enfermeiro desempenha no CAPS/CERSAM:
- Era uma disciplina relativamente curta foram 30 horas teóricas. A gente
somente fez uma visita, só conheceu o CAPS, mas não chegou a ter
prática, não. Então, a gente via as teorias de enfermagem psiquiátrica, um
pouquinho de história, mas muito pouco, aí entramos com o conteúdo. A
gente via cada transtorno e os cuidados com cada transtorno e neste meio
víamos um pouco de psicofarmacologia, mas nada muito aprofundado não
(ENFERMEIRO 01).
- Foi mais foco hospitalar, eu me lembro das aulas de visitas técnicas no
Raul Soares. Na graduação foi só o básico mesmo, muito limitado
(ENFERMEIRO 02).
- [...] foi meio superficial, não foi muito aprofundado não. Eu não passei pelo
CAPS Adulto, fui só no CAPS infantil, ficamos 02 semanas lá, mas também
muito superficial. Agente fazia mais, era administração de medicamento,
injetáveis até que não tinha muito, não. O serviço de enfermagem mesmo,
nesta área, agente não aprendeu, eu acho que foi bem vago. Passaram
algumas patologias muito superficiais (o que é a saúde mental e algumas
patologias mais comuns e alguns medicamento lá). Só isso, foi bem vago eu
analiso desta forma, quando agente vem para o campo para trabalhar que
agente vê a deficiência que foi (ENFERMEIRO 03).
Através da análise dos discursos, percebeu-se que há um descompasso
entre teoria e prática, na disciplina enfermagem saúde mental/psiquiátrica,
acarretando prejuízo na formação do enfermeiro comprometendo a atuação nos
CAPS/CERSAM. Chamou-nos atenção quanto aos conteúdos desenvolvidos na
formação com ênfase maior nas teorias tradicionais de enfermagem psiquiátrica
(psicopatologias, psicofarmacologias e cuidados). Consequentemente haverá a
reprodução do modelo combatido pelos movimentos antimanicomiais e pela Política
50
de Saúde Mental, podendo levar esses serviços a reproduzirem as práticas
manicomiais.
Também nos chamou atenção nos discursos falas como “não chegou a ter
prática” ou o fato de que tiveram poucas atividades práticas e a dificuldade de
visualizarem a atuação do enfermeiro nesses dispositivos.
É inquestionável a necessidade do contato com práticas acadêmicas no
modelo psicossocial, para uma formação mais coerente com as proposta das atuais
Políticas de Saúde Mental. Villa e Cadete (2000) consideram que a aproximação do
discente nesses campos é importante, pois possibilita a visualização dos
acadêmicos das novas concepções sobre a loucura, o resgate da cidadania; a
participação efetiva do enfermeiro na assistência e vislumbram possibilidades de
aplicação do conhecimento para a desmistificação da loucura.
Os estudos realizados por Maftum (2004), Rodrigues, Santos e Spriccigo
(2012) e Spadini e Mello e Souza (2006) contribuem para visualizarmos o panorama
do ensino de enfermagem psiquiátrica no Brasil e, inevitavelmente, relacionarmos
com a do período de transição e tentativas de inovações curriculares decorrentes do
impacto da reforma psiquiátrica, vivenciados, provavelmente, pela maioria dos
enfermeiros entrevistados.
Os autores, acima, apontaram um descompasso entre teoria e prática nas
disciplinas de enfermagem psiquiátrica, diversificação quanto à carga horária e
adequação dos conteúdos disciplinares, muitas vezes, apresentados com focos
diferenciados nas instituições de ensino.
Após realizar um estudo sobre as disciplinas de saúde mental em 23 escolas
de enfermagem do Paraná, incluindo as privadas e as públicas, Maftum (2004),
relatou incertezas e as dificuldades dos docentes e profissionais atuantes nas
equipes de saúde mental trazerem novas resignificações e dimensionamento
relacionados aos saberes e práticas em decorrência da reforma psiquiátrica no Brasil
e da Lei de Diretrizes Curriculares e Bases da Educação.
Também observou grande variedade relacionada à carga horária destinada à
disciplina, e maior ou menor integração com outras disciplinas. Um dos problemas
destacados pelos docentes para reorganização das disciplinas foi a dificuldade de
promover discussões e negociações dentro do colegiado de curso devido do número
reduzido de docentes envolvidos na área. O outro problema foi a ausência ou
escassez de serviços substitutivos, impossibilitando o entendimento do serviço de
51
rede e sua assistência. O avanço destacado por Maftum (2004) concerne aos planos
disciplinares em consonância aos pressupostos da Política em Saúde Mental,
enfatizando o relacionamento interpessoal e terapêutico, comunicação, a própria
Política e a Reforma Psiquiátrica com enfoque nos serviços extra-hospitalares,
direitos do cidadão e cidadania, educação em saúde, crise evolutivas no processo
de tratamento.
Esse momento de transição também foi destacado por Souza (2010) que, ao
analisar 13 escolas públicas de São Paulo, constatou avanços em alguns aspectos
nos planos de ensino da disciplina enfermagem em saúde mental/psiquiátrica.
Percebeu um distanciamento do hospital psiquiátrico, priorizando os espaços
abertos e comunitários, no entanto foi possível identificar conteúdos centrados nas
psicopatologias e terapêuticas medicamentosas. De maneira geral, identificou um
descompasso entre teoria e prática, ou seja, embasamento teórico realizado em
salas de aula, cabendo ao estudante exercitá-lo sem articular nos campos de prática
com os usuários.
Em recente estudo sobre os cuidados de enfermagem em saúde mental em
26 escolas de cursos de graduação em enfermagem em Santa Catarina, Rodrigues,
Santos e Spriccigo (2012) apontaram que as bases das atividades teóricas desse
ensino está em transição paradigmática e as atividades práticas são diversificadas.
Quanto às referências teóricas, constataram que se baseiam em literatura
especializada, com base, exclusivamente, no hospital psiquiátrico, centrada nos
transtornos mentais.
Constataram, através dos conteúdos expressos nos Projetos Pedagógicos e
Planos de Ensino, diversificação nas cargas horárias teóricas e práticas para
ministração das disciplinas de enfermagem psiquiátrica ou saúde mental. Essa
flexibilização é sinalizada pelas Diretrizes Nacional de Curso que propõem uma
ampla liberdade na composição das estruturas curricular e não estabelece uma
legislação específica para determinar o tempo adequado para essa disciplina e,
dependendo da faculdade, buscar a melhor forma planejamento no Plano
Pedagógico.
Percebemos que o ensino de enfermagem psiquiátrica no Brasil está em
busca de adequação teórico-prático, maior integração dos saberes, desconstrução
das práticas do ensino tradicional, ainda presente na formação do enfermeiro.
52
Os enfermeiros entrevistados, ao avaliarem a formação recebida para
atuarem em CAPS/CERSAM, demonstraram inquietação e insatisfação. Foi
analisada como precária e autodidata. Com a constatação da insuficiência do
preparo de graduação, os enfermeiros buscam construir um saber calcado na prática
diária.
- Eu avalio como muito precário, porque o que eu aprendi de saúde mental,
aprendi aqui, não aprendi lá não (ENFERMEIRO 03).
- A grade curricular tive pouco apoio (ENFERMEIRO 02).
- Eu acho que a questão toda é que minha formação em enfermagem
psiquiátrica é muito autodidata, você não tem uma formação boa para
enfermeiro psiquiátrica. Minha formação foi no dia a dia, acho que falta uma
formação para enfermeiro psiquiátrica, não existe. Tem pós em saúde
mental, não fica bem informado em nada [...] (ENFERMEIRO 01).
A análise dos dados nos permitiu compreender que os saberes estão sendo
construídos com a imersão na prática diária nos serviços de atenção psicossocial.
Inferimos, mais uma vez, que a construção de saberes está sendo calcada na
interação do enfermeiro com a equipe. Os espaços de formação são dados em
supervisões clínicas e discussão de casos.
Corroborando com os resultados do estudo realizado por Costa (2005), os
recursos utilizados pelos enfermeiros para fundamentar suas práticas ocorreram nas
situações cotidianas do serviço através das reuniões de equipe e reuniões clínicas.
Esse momento de transição do modelo assistencial também é demonstrado
pela insegurança e por sentimentos despertados pelo desconhecido. Percebemos
uma busca de especificidade através da enfermagem psiquiatria, como a única
resposta para suprir a lacuna de saberes necessários às práticas em saúde mental:
“falta uma formação para enfermeiro psiquiátrica, não existe” (ENFERMEIRO 01).
Há uma dificuldade de ruptura dos papéis historicamente construídos pelos
enfermeiros e em apreender novos saberes, embasados no campo psicossocial.
Silva e Fonseca (2005, p. 7) ressaltam que as ações de enfermagem no
campo psiquiátrico têm como base o conhecimento teórico e prático do manejo da
doença sua sintomatologia: “não almejava o paciente e sua família, mas a
manutenção do ambiente terapêutico, para ser um verdadeiro palco de intervenções
médico-centrada”. A ação do enfermeiro nesse modelo se torna indispensável
através do poder que incide sobre o outro, através do gerenciamento, administração,
normatização, controle e disciplina.
53
Para Amarante (2008, p. 66) “ocuparam-se das doenças e esqueceram-se
dos sujeitos que ficaram apenas como pano de fundo das mesmas”. Isso infere que
o sujeito havia sido colocado em parênteses para ocupar-se da doença. A inversão
da lógica baseia-se em colocar a doença entre parênteses, para que os sujeitos,
outrora neutralizados, invisíveis e reduzidos aos sintomas de uma doença abstrata,
possam aparecer.
Segundo Costa-Rosa et al (2003) deve ocorrer a desconstrução de conceitos
e práticas sustentados pela psiquiatria e pela psicologia nas suas visões acerca da
doença mental.
Torna-se necessário trabalhar o conceito de desinstitucionalizaçao, no qual
reorienta os CAPS/CERSAM. Para Costa-Rosa et al (2003), nesse modelo, os
saberes, estratégias e intervenções, não estão focados na doença mental, mas da
existência-sofrimento dos sujeitos em sua relação com o corpo social.
Um novo objeto, portanto, que não é mais objeto, mas sujeito; e, por outro
lado, não mais uma situação estática, mas em permanente desequilíbrio.
Como resultado, a questão torna-se, em suas palavras, não mais o
tratamento, mas a emancipação, não mais a restituição da saúde, mas sua
invenção, não a reparação, mas a reprodução social das pessoas, em
outras palavras, o processo de singularização e ressingularização (COSTAROSA, et al., 2003, p. 5).
As práticas do enfermeiro no modelo psicossocial devem romper com as
práticas controladoras, disciplinadoras, tecnicistas, detentoras de todo o saber sobre
o indivíduo doente e determinante de sintomas e dos passos de tratamento que
norteiam as ações. Ao enfermeiro, cabe ficar atento aos interesses e desejos do
usuário, ajudando a construir possibilidades para o projeto terapêutico, e os saberes
e as práticas serão construídos no processo de trabalho.
O rompimento do modelo ineficiente psiquiátrico trouxe uma crise de
identidade ao enfermeiro, que se vê perdido em relação as práticas no campo
psicossocial: “Eu costumo falar que existe três sujeitos que ficaram perdidos após
abrir a porta do manicômio, que é o psiquiatra, o enfermeiro e o próprio paciente”
(ENFERMEIRO 01).
Percebemos que ocorre uma falta de identidade do enfermeiro no serviço
substitutivo, que se opõe aos papéis bem definidos dentro de instituições
hospitalares. Nesse novo lugar, preconiza-se a liberdade do sujeito, horizontalização
54
dos saberes, atendimento individualizado e no território, certamente, ficaram
perdidos.
Nesse novo lugar, Silva e Fonseca (2005, p. 8) agregam a importância do não
científico, do ator social e do usuário, para promover a inclusão social: “O campo
psicossocial é o lugar onde a ação de saúde é produzida. Quem a produz é um
sujeito socialmente construído”.
Estar perdido também se relaciona pela falta de normas e rotinas que, para
Amarante (2008), é parte da estrutura do serviço de atenção psicossocial, que deve
ser flexível, para que não se torne espaços burocratizados, repetitivos, pois, do
contrário, estaria lidando com a doença e não com a pessoa na sua subjetividade.
Após avaliar a formação que os enfermeiros receberam, buscamos conhecer
quais aspectos que seriam mudados ou acrescentados na formação acadêmica, a
fim de preparar o enfermeiro para trabalhar na área de saúde mental. Foram
levantados pontos relacionados às práticas nos serviços de saúde mental, aumento
na carga horária da disciplina enfermagem psiquiátrica e teorias de enfermagem
psiquiátrica:
- [...] acrescentaria mais prática [...] às teorias de enfermagem psiquiátrica,
os cuidados com cada tipo de transtorno (ENFERMEIRO 01).
- [...] Investir mais. Um tempo maior, nesta área [...] a disponibilidade para
saúde mental é pequena. Acho que deveria investir nas patologias mesmo,
e a visão do enfermeiro dentro do CERSAM (ENFERMEIRO 02).
- Eu acho que deveria ter mais de um período de saúde mental, porque
querendo ou não se o enfermeiro não vir trabalhar no CAPS ele vai estar,
no PSF, no Hospital e ele vai lidar com esse tipo de paciente em um
momento ou em outro. Se o enfermeiro estiver mais capacitado ele sabe o
que ele esta vendo, saber a patologia, com certeza vai saber lidar com este
tipo de paciente., Um estágio mais consistente, agente fazer em mais
tempo, aprender como é a rede de saúde mental, como deveria ser, como é
que encaminha (ENFERMEIRO 03).
A atenção em saúde mental não é privativa aos CAPS/CERSAM e fazem
parte de uma rede de cuidados que se desloca no território. Sendo que a formação
sólida do enfermeiro capacita-o para atuar afinadamente aos princípios que regem
as Políticas de Saúde Mental.
Os discursos evidenciam a necessidade de um contato maior com as
atividades práticas no campo de atenção psicossocial. Essa necessidade é colocada
por vários autores, como Luchesse e Barros (2009), Villa e Cadete (2000), Maftum,
(2004), Soares, Silveira e Reinaldo (2010), que afirmam que os campos práticos
55
possibilitam ao aluno um espaço dinâmico para desenvolvimento das competências,
mobilização de recursos diversos, incluindo os emocionais, constituído de situações
complexas que possibilitam a construção do saber/fazer que supere o modelo
psiquiátrico, capaz de orientar assistência futuras que contemple os eixos políticos
sociais.
Os entrevistados evidenciaram que para uma formação sólida é necessário
um maior conhecimento sobre as patologias e os cuidados prestados frente os
sintomas.
Inferimos
uma
preocupação,
levantada
pelos
enfermeiros,
para
o
desenvolvimento das práticas dos serviços substitutivos, e sobre atuar na
subjetividade, na interdisciplinaridade, em rede, promovendo a cidadania e o direito
dos usuários. Será que não há entendimento do lugar em ocupam? Necessários
seriam apenas saberes patológicos e o que eles provocam no sujeito para uma
intervenção? Acreditamos, definitivamente, que os estudos das psicopatologias são
necessários, desde que não sejam exclusivos e contribuam para o retrocesso que
prioriza doença para a remissão dos sintomas e não superem o modelo de
assistência tradicional, reproduzindo-o.
Sobre as disciplinas de psicopatologia e nosologia psiquiátrica, Silveira e
Vianna (2010, p. 129) ressaltam que “ainda que com enfoque calcado no método
fenomenológico, buscam trazer ao aluno o conhecimento da disciplina psiquiátrica.
Essas disciplinas devem se fazer acompanhar da estimulação de uma postura crítica
frente ao discurso psiquiátrico, sua historicidade, alcances e limites”.
Observamos, nos discursos apresentados, uma tendência de estar à margem
dos movimentos pela transformação do modelo assistêncial a saúde mental.
Amarante (2010) enfatiza que muitas pessoas estão atuando dentro dos CAPS, mas
não conhecem a concepção, historicamente falando, do processo da reforma, como
ele se constituiu e como ele pode ser transformado. Para Ornelas (2010), esses
profissionais não conseguiram assimilar a importância do movimento da luta
antimanicomial, mesmo passando pela faculdade. O autor questiona se essa
deficiência reverteria com a politização dos alunos.
As bases teóricas que sustentam a ação de enfermagem psiquiátrica foram
influenciadas pelos modelos das escolas de enfermagem norte-americanas que,
segundo Silva e Fonseca (2005, p. 7), “privilegiam o papel terapêutico e de agente
de mudança do profissional, a atitude terapêutica, técnicas de comunicação
56
terapêuticas e relacionamento terapêutico interpessoal apoiados na crise, noção de
psicopatologias”. Essas bases teóricas ressaltadas pelos enfermeiros não englobam
todas as necessidades impostas pelo serviço psicossociais. Estudos sinalizam novas
incorporações teóricas para suprir os limites teóricos e práticos da formação
acadêmica.
Silveira e Vianna (2010) enfatizam sobre a necessidade de se construir
marcos teóricos precisos, resgatando o sujeito social, quer seja doente ou não.
Ressaltam que as atividades em campo tiveram que ser repensadas a partir de
disciplinas de vários segmentos do saber, como a filosofia, as políticas públicas, a
sociologia e principalmente a psicanálise.
Costa (2005) ressalta que os planos de ensino relacionados à saúde mental
precisam incluir a dimensão que exige uma elaboração e um olhar diferenciado,
além de um cuidado que transcende o cuidado do corpo e observação dos sintomas
para a vida social e familiar do paciente. Cuidado, esse, que necessita de vários
recursos e estratégias, escuta e palavras como instrumentos. A autora identificou
que os enfermeiros buscam novos saberes para sustentarem a prática na
psicanálise.
Pinheiros (2011) aborda a utilização da psicanálise como base teórica
contribuinte para a prática dos enfermeiros entrevistados em seu estudo,
contribuindo para a escuta e a linguagem e para planejar e executar os cuidados e a
clínica da singularidade.
Vasconcelos (2002) apud Costa (2005) também apresentou novos saberes
que podem ser utilizados nas práticas em saúde mental, sendo as disciplinares da
filosofia e epistemiologia, psiquiatria, psicologia, analítica, sociologia, disciplinas
ligadas à saúde pública, às ciências políticas e ao direito. As áreas disciplinares e
aplicadas estão trabalhando com a arte e o senso comum. Já os campos aplicados
do
conhecimento
encontram-se
nas
profissões
de
enfermeiro,
terapeuta
ocupacional, serviço social, a educação e a educação física.
6.3 Inserção no CAPS/CERSAM
Neste item, os enfermeiros abordaram como se deu a inserção nos
CAPS/CERSAM e quais foram às dificuldades iniciais para desenvolver o trabalho
como enfermeiro.
57
A inserção nos CAPS/CERSAM, pelos entrevistados, decorreu do interesse
pessoal, despertado no período de formação e pelo envolvimento contínuo em
atividades que referenciavam à Política de Saúde Mental:
- [...] eu como sempre gostei comecei a participar das reuniões de micro no
centro de Saúde, Conferência de saúde mental, então eu procurei entrar por
ai. Depois disso pedi transferência (ENFERMEIRO 02).
- [...] desde de a época que estudei eu gostei muito da disciplina de saúde
mental (ENFERMEIRO 01).
Os discursos apontaram para uma identificação dos enfermeiros em atuar em
saúde mental. Essa identificação é perpassada, em algum momento de suas vidas,
pelo caminho da formação acadêmica ou pela experiência pessoal. Esse fato pode
ser motivador para avançar na construção de saberes e práticas inovadoras no
tocante aos serviços psicossociais.
Contrapondo a esses achados, no estudo de Marcolan (1996), os enfermeiros
optaram por trabalharem na psiquiatria ou saúde mental por motivos de
necessidades pessoais, de cunho financeiro.
Segundo Dias e Silva (2010), a maioria dos enfermeiros entrevistados relatou
que a inserção na saúde mental não foi motivada por interesse pessoal e só optaram
por esse caminho por falta de melhores opções, sendo esse o critério de maior peso.
Os enfermeiros retrataram que, no período de inserção, o acolhimento da
equipe foi um suporte e um espaço de suma importância e que contribuiu para a
formação em saúde mental. Na pesquisa de Ramminger e Britto (2011), a equipe foi
apontada como o principal suporte na construção do saber que acontece no
cotidiano.
Na verdade fui bem acolhida. A equipe me ensinou muita coisa, eu tive
muito apoio, me ensinaram mesmo como lidar, porque você sente de acordo
com o que o paciente apresenta, tem coisas que você pode falar, tem coisas
que você não pode abordar saber o que você vai dizer. Eu tive dificuldade
no início, agora me sinto mais segura (ENFERMEIRO 03).
O discurso infere que o acolhimento recebido pelo enfermeiro caracteriza um
avanço
na
relação
interdisciplinar.
O
espaço
compartilhado
favoreceu
o
aprofundamento de saberes para nortear as práticas. Costa (2005) retrata em seu
estudo que as enfermeiras também procuraram por uma fundamentação teórica para
suas intervenções, levando um movimento de afirmação de sua identidade. A busca
58
desses recursos foi observada nas situações cotidianas do serviço como nas
reuniões de equipe e nas reuniões clínicas.
No estudo de Silva et al. (2009), eles identificaram que os espaços de
supervisões clínicas seriam os espaços encontrados pelos profissionais para se
capacitarem. Na visão de alguns entrevistados, a orientação psicanalítica era mais
difundida, trazendo contribuição à prática assistencial.
As dificuldades iniciais de inserção do enfermeiro no CAPS/CERSAM para
desenvolvimento das práticas foram decorrentes da formação e da falta de
definições de papéis:
A gente não tem um norte, não sabe muito bem qual que é o papel da gente
dentro do serviço. Agente assume com técnico de referência, exercer o papel
da enfermagem e atuar como enfermeiro, seja lá qual papel foi definido. Até
no contato com os meus colegas eu vejo que a enfermagem psiquiátrica ela
nem existe mais, assim o enfermeiro atua lá, meio que sem teoria, meio que
sem base, ele não sabe para qual lado que ele vai, ele não tem uma base
que respalde. O psicólogo por mais que ele não tenha formação para
trabalhar com paciente psicótico, vamos dizer que ele tem uma escuta, um
pouco mais qualificada, de repente tem uma teoria, existem profissionais e
profissionais, mas alguma coisa pode definir como profissão. Então o
enfermeiro é bem perdido neste serviço. Agente sabe gerenciar uma equipe
de técnicos e estes estão sobre nossa responsabilidade, mas qual que é o
caminho da gente, eu acho que de maneira geral todos os profissionais dos
serviços abertos eles são meio perdidos mesmos, e o enfermeiro entra nisso
ai como mais um profissional perdido nesta rede nova de saúde mental. No
hospital o papel é muito mais bem definido. Eu tenho minhas funções
melhores delimitadas. Agora aqui é muito solta ainda, nos dois que trabalhei
(ENFERMEIRO 01).
Percebemos que o enfermeiro apresenta dificuldade em definir as práticas em
saúde mental, seguindo os princípios da interdisciplinaridade, horizontalização dos
saberes, que regem esse serviço. Como parte integrante da equipe, a atuação não
será isolada, ou pautada apenas na figura médica, mas sim, compartilhada. Os
conflitos sobre a atuação nos serviços substitutivos podem levar à reprodução dos
saberes tradicionais psiquiátricos.
Esses conflitos citados corroboram com os pensamentos dos enfermeiros
quando abordaram que as atividades realizadas nos serviços psicossociais:
Fogem completamente da competência do enfermeiro e agrava a
dificuldade em definir sua função no processo de produção de saúde, isso
porque o conceito que eles têm sobre ser enfermeiro está ligado à prática
hospitalar, causando nesse profissional uma distorção na sua identidade
profissional (DIAS; SILVA , 2010, p. 472).
59
Os
desafios
assistenciais
propostos
pela
reforma
psiquiátrica
são
considerados por Ramminger e Britto (2011) conflituosos em relação à falta de uma
formação pautada nos princípios da reforma psiquiátrica e a uma certa cultura
profissional.
A enfermagem vem revendo os conceitos e desenvolvendo novas práticas,
buscando novas teorias para embasamento no modelo psicossocial. Costa (2005)
constatou que os enfermeiros vêm tentando romper com a imagem do profissional
que pune, vigia, controla, encarregado de manter a ordem da instituição e que tem
na supervisão de enfermagem também o mecanismo de controle. A autora relata
que a configuração das novas práticas do enfermeiro transita entre novo e o antigo,
entre o estruturar-se e reestruturar-se, avistando novas identidades profissionais,
marcadas pela indefinição de seu papel.
O exercício profissional do enfermeiro é regulamentado pela Lei nº 7.498/86 e
ressalta os exercícios privativos do enfermeiro, dentre eles a participação da equipe
de saúde. Na Lei nº 336/02, o enfermeiro é parte integrante da equipe de saúde
mental em todas as modalidades de CAPS. Isso mostra que o enfermeiro é um
profissional importante na atuação nesse dispositivo.
6.4 Atividades realizadas no CAPS/CERSAM
A Portaria nº 336/2002 preconiza que os CAPS ofereçam atendimento
individual; atendimento em grupos; atendimento em oficinas terapêuticas executadas
por profissional de nível superior ou nível médio; visitas domiciliares; atendimento à
família; atividades comunitárias enfocando a integração do doente mental na
comunidade e sua inserção familiar e social:
Os serviços substitutivos devem desenvolver atenção personalizada
garantindo relações entre trabalhadores e usuários pautadas no acolhimento,
no vínculo. A atenção deve incluir ações dirigidas aos familiares e
comprometer-se com a construção dos projetos de inserção social,
respeitando as possibilidades individuais e os princípios de cidadania
(BRASIL, 2008, p. 38).
60
Discorremos, nesse momento, sobre o trabalho desenvolvido pelos
enfermeiros no CAPS/CERSAM. Dividimos em subitens para análise das atividades
desenvolvidas na equipe interdisciplinar, atividades desenvolvidas com o usuário,
familiar e comunidade/território.
Ao descrever o dia de trabalho desse profissional, optamos por apresentar os
relatos dos enfermeiros, em forma de quadro para melhor visualização da dinâmica
das práticas. Os discursos mostram duas agendas definidas em atividades
semanais, e outra agenda, não delimitada, com atuações diárias que se repetem
diariamente.
Quadro 1 – Agenda dos Enfermeiros
AGENDA DIÁRIA - ENFERMEIRO 01
Segunda-feira
Atendo ambulatório que são pacientes que não estão em PD, mas que também
não está estável o suficiente para serem encaminhados para a rede.
Terça-feira
Reunião da equipe no serviço ou da micro, no qual a gente vai para o centro de
saúde maior e encontra com um pelo menos um representante da microárea.
Quarta-feira
Fico na supervisão de enfermagem, é o dia que mais exerço prontamente,
costumo fazer algumas pontuações com os técnicos. Então é supervisão de
enfermagem, alem de ter um olhar critico sob a questão clínica dos pacientes,
procuro olhar os pacientes da PD, que estão em HN e ver a questão clínica
como que estar, se tem alguma pendência de exame, algum encaminhamento
que precisa ser feito.
Quinta-feira
Folga
Sexta-feira
Dia do meu plantão eu fico na linha de frente do CERSAM recebendo os
pacientes fazendo acolhimento, definindo condutas.
AGENDA DIÁRIA – ENFERMEIRO 02
Segunda-feira
Plantão e intercorrências no Serviço – casos de urgências que chegar de
SAMU, policia, seja como for esta avaliação é agente que faz.
Terça-feira
Supervisão de enfermagem de 07 h as 09 h Para olhar algum exame, tirar
alguma dúvida da equipe e depois temos a reunião de equipe.
Quarta-feira
Tenho ambulatório de 07:00 as 12:30. São pacientes agendados que eu
consulto.
Quinta-feira
Supervisão de enfermagem. Oficinas de artesanato, de musica, de dança, de
acordo com o que precisa e faço escalas semanal e mensal dos enfermeiros
aqui dentro.
Sexta-feira
Tenho ambulatório de manhã de 08 h as 10 h e depois vou para a supervisão
de novo. Vou acompanhar visita domiciliar do enfermeiro e rotina no serviço.
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AGENDA DIÁRIA - ENFERMEIRO 03
Segunda-feira
Terça-feira
Quarta-feira
Quinta-feira
Sexta-feira
Fonte: a autora
a) Eu chego e vou verificar a lista de permanência dia quem vem, quem não
vem naquele dia.
b) Fazer a contagem, primeira coisa, para o marmitex que eles recebem. De
manhã já ligam e tenho que deixar o total dos pedidos.
c) Vou à enfermagem (espécie de posto de enfermagem) e dou uma verificada
no livro de injetáveis para olhar quem têm injetáveis no dia. Verifico mais
alguma coisa que os profissionais estejam precisando.
d) Eu venho para cá (recepção e setor administrativo) para ajudar no
acolhimento, eu fico muito na retaguarda de acolhimento, por exemplo
telefone, urgência eu quem atendo.
e) Quem está no acolhimento eu fico na retaguarda lá fora, e quando chega
uma urgência eu encaminho lá para dentro.
f) O paciente quando chega vou conversar com ele para ver como está em
casa.
g) Verifico se esta faltando alguma coisa, ás vezes demandam marcação para
dentista, alguma coisa que estiver precisando eu já articulo.
h) O familiar me procura muito para discutir alguma coisa, perguntar alguma
coisa,
i) A gente faz Rota. Quando estiver em crise em tal lugar, entro na comby e
vou junto com profissional da enfermagem. Passo para o medico para saber
o que agente vai fazer.
Reunião de equipe
Verificamos que as agendas dos Enfermeiros de 01 e 02 apresentam
características que se assemelham quanto à função de plantonistas no acolhimento
à crise, avaliando e definindo condutas; consultas agendadas em ambulatório de
pacientes que estão em atendimento semi-intensivo ou não intensivo, atuando como
técnicos de referência, supervisão de enfermagem, administração de enfermagem e
participação em reuniões.
Esses enfermeiros estão lotados no mesmo serviço e divergem quanto às
atuações relacionadas ao atendimento a família e a participação em oficinas. A
divergência segundo o Enfermeiro 01 “se deve ao fato de não ter tempo hábil numa
carga horária de 20h para realizar estas atividades”.
Observamos, através das agendas estabelecidas, institucionalmente, que o
enfermeiro sai da posição administrativa, gerencial, disciplinador e passa a
responsabilizar-se por tecnologias de cuidados, reconhecendo a singularidade do
usuário, o envolvimento da família e da equipe na condução de casos.
Observamos, também, que a supervisão de enfermagem, que é uma prática
considerada específica, segundo o discurso de Enfermeiro 01 “dia que mais exerço
prontamente, costumo fazer algumas pontuações com os técnicos”, é distribuída em
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dias específicos, havendo uma maior recorrência a essa atividade pelo Enfermeiro
02.
O estudo realizado com enfermeiros, por Costa (2005), alinha-se aos
achados, comprovando a identificação forte e segurança dos enfermeiros ao
realizarem atividades inerentes à profissão como a supervisão, gerenciamento da
equipe de enfermagem e os procedimentos específicos.
A autora considera um raciocínio, que parece estar implícito, o fato desses
profissionais reconhecerem serem enfermeiros no momento que se responsabilizam
e conduzem os projetos terapêuticos dos usuários.
Em relação à agenda do Enfermeiro 03, percebemos através do discurso, que
a atuação baseia-se no acolhimento como “retaguarda” de outros profissionais da
equipe interdisciplinar, pois realiza a supervisão de enfermagem, atendimento a
família, participação em reunião.
Observamos que, nesse caso, o enfermeiro não se responsabiliza pela
condução de casos e desenvolve atividades burocrático-administrativas e supervisão
de enfermagem, em maior parte do tempo, se alinhando a atividade tradicionalmente
exercida pela enfermagem. Quando desenvolve atividades de acolhimento
encaminha os pacientes “lá para dentro”. Esse fato nos remete à existência de uma
falta de saberes necessários para o desenvolvimento de uma estratégia de escuta
singularizada e responsabilização de condução de casos. Ocorre, portanto, a
valorização de saberes pelo enfermeiro frente à atuação no modo psicossocial.
Segundo Oliveira e Alessi (2003), ao identificar contradições e desafios que
se apresentam no trabalho de enfermagem em saúde mental, constatou-se que os
enfermeiros não participavam das decisões dos tratamentos e demonstravam
dificuldade na definição do objeto de trabalho.
Estamos diante de enfermeiros que atuam se responsabilizando pelo usuário
desde o início do acolhimento, planejando e conduzindo o plano terapêutico,
aproximando-se do usuário e criando uma relação ética, de cidadania e de
liberdade.
Em
outro momento, encontramos uma
atuação do
enfermeiro
administrativo, longe do usuário e de suas demandas para construção dos cuidados
subjetivos. Duas realidades que apontam diferenças nas atuações do enfermeiro.
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6.5 Atividade desenvolvida com a equipe interdisciplinar
Nessa categoria, foi analisada a atuação do enfermeiro como integrante da
equipe de saúde mental. Costa (2005) entende que equipe é o veículo para que se
constituam as práticas interdisciplinares.
A equipe não se constitui numa forma de divisão do trabalho que não se
preocupa com o produto final. Ela é caracterizada pela participação coletiva da
construção de um projeto comum de trabalho, num processo de interlocução que
propicia as trocas. Não se limita aos conhecimentos técnicos, mas aprende a atuar,
coletivamente, sem se refugiar em interesses individuais e corporativos (BRASIL,
2004).
A equipe mínima que atua nos serviços psicossociais devem obedecer à
exigência da diversidade profissional e cada tipo de CAPS (CAPS I, CAPS II, CAPS
III, CAPSi e CAPSad) tem suas próprias características quanto aos tipos e à
quantidade de profissionais necessários. Dentre os tipos de CAPS os integrantes da
equipe mínima dos CAPS II e III são:
CAPSIII - A equipe técnica mínima para atuação no CAPS III, para o
atendimento de 40 pacientes por turno, tendo como limite máximo 60
pacientes/dia, em regime intensivo, será composta por:
a – 2 médicos psiquiatras;
b – 1 enfermeiro com formação em saúde mental;
c – 5 profissionais de nível superior entre as seguintes categorias:
psicólogo, assistente social, enfermeiro, terapeuta ocupacional, pedagogo
ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico
d – 8 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem,
técnico administrativo, técnico educacional e artesão.
CAPS II - A equipe técnica mínima para atuação no CAPS II, para o
atendimento de 30 pacientes por turno, tendo como limite máximo 45
pacientes/dia, em regime intensivo, será composta por:
a – 1 médico psiquiatra;
b – 1 enfermeiro com formação em saúde mental;
c – 4 profissionais de nível superior entre as seguintes categorias
profissionais: psicólogo, assistente social, enfermeiro, terapeuta
ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto
terapêutico;
d – 6 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem,
técnico administrativo, técnico educacional e artesão (BRASIL, 2004, p. 3233)
A proposta interdisciplinar busca superar a fragmentação do conhecimento,
tradicionalmente hierarquizado, permitindo atuar num enfoque ampliado do
problema.
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Para entendermos melhor sobre interdisciplinaridade, Rocha (2005) e Santos
(2007) nos trazem uma breve análise sobre os termos de pluridisciplinaridade,
multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.
Segundo Rocha (2005) a pluridisciplinaridade e a multidisciplinar referem-se a
duas ou mais disciplinas que se relacionam ao olhar para um objeto em vários
ângulos, havendo uma associação de disciplina para um bem comum, e não ocorre
mudança significativa de sua maneira de pensar e compreender as coisas.
Para Santos (2007) há preocupação de interligá-las entre si. Poderiam ser
consideradas etapas anteriores para caminhar em direção de uma verdadeira
interdisciplinaridade. Santos (2007, p. 4) entende a transdiciplinaridade “como
reunião de contribuição de todas as áreas do conhecimento no processo de
elaboração do saber, tendo em vista a compreensão da realidade em toda sua
totalidade complexidade”. A especificidade desaparece no estreitamento da
cooperação entre as disciplinas, rompe com o tradicional campo disciplinar e leva o
surgimento de uma metadisciplina.
Já a interdisciplinaridade, segundo Rocha (2005), implica em uma articulação,
uma interpenetração dessas disciplinas, exige comunicação, supera a especialidade,
o fechado, dando origem a uma única linguagem.
Santos (2007, p. 5) ressalta que essa proposta que:
Parte do principio de que nenhuma forma de conhecimento é em si mesma
capaz de dar conta de uma determinada realidade. O diálogo com formas
variadas de saberes como o saber tácito, o intuitivo, o saber popular, o
saber informal, o saber do inconsciente é estimulado de modo a deixar se
interpenetrar por elas.
Costa (2005) afirma que, nos últimos anos, o campo de saúde mental tem
sido propício para práticas interdisciplinares, por se tratar de um meio muito criticado
pela fragmentação dos saberes, o especialismo e as competências estanques. O
trabalho em equipe rompe esse modelo fragmentado, dicotomizado do sujeito com
sofrimento psíquico e busca uma reorientação que contemple toda a complexidade
da loucura e suas alterações.
Os discursos enunciados pelos enfermeiros, quando solicitados para
descreverem como se dá o trabalho juntamente com a equipe interdisciplinar,
destacam um conjunto de profissionais que estão imbricados na condução de uma
prática, e essa aproximação ocorre através do diálogo constante, caracterizado pela
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discussão de casos clínicos, não apenas em dias determinados, como reunião de
equipe, mas de caráter diário. Esse discurso se afina com os princípios e valores da
atual política de saúde mental:
- Aqui todos trabalham junto. Assim numa discussão de caso ou alguma
intercorrência, busco opiniões do psiquiatra, ou psicólogo, assistente social,
dentre outros. Qualquer coisa que o paciente apresentar de diferente,
agente trabalha junto. Ocorre a participação do enfermeiro em reunião
quando é discutido os casos de acordo com o que acompanha para
interferir ou não no plano terapêutico. Todos interagem nesta reunião
(ENFERMEIRO 02).
- A gente faz as reuniões periódicas para discussão de casos;
oficinas.,Tinha uma oficina, até que, faz tempos que não está tendo mais,
de culinária, sempre com dois profissionais diferentes; Discute casos, fora
da reunião por exemplo quem está no acolhimento tem dúvidas discute
com agente lá fora (ENFERMEIRO 03).
- O CERSAM é um dos poucos serviços que ultrapassou a barreira do
multidisciplinar, ainda é muito discutido assim eu não diria que é uma coisa
transdisciplinar, mas interdisciplinar com certeza. Eu posso chegar no
psiquiatra e falar eu acho isso e isso dessa medicação e ele me ouvir e me
atender, coisas que em outros serviços jamais aconteceria, no CERSAM
isso acontece numa rotina ate que razoável. O relacionamento com a
equipe é mais na discussão dos casos do dia-a-dia ( ENFERMEIRO 01).
Percebemos que os enfermeiros compreendem que para participar de um
trabalho interdisciplinar é necessário aproximação, respeito mútuo aos saberes de
cada profissional. Em alguns casos, ao esgotar os recursos para conduzir um caso,
há uma troca de conhecimentos com outros membros da equipe. Isto leva-nos a
entender que o enfermeiro tem reconhecido a complexidade das dimensões do
sujeito que somente poderá ser atendida por diversos campos dos saberes.
Verificamos um rompimento de práticas autoritárias e sujeição centradas no poder
médico. Nesse campo, as teorias se tornam insuficientes:
Frente às demandas das relações diárias com o sofrimento e a
singularidade desse tipo de atenção. É preciso criar, observar, escutar,
estar atento à complexidade da vida das pessoas, que é maior que a
doença ou o transtorno. Todos precisam estar envolvidos nessa estratégia,
questionando e avaliando permanentemente os rumos da clínica e do
serviço (BRASIL, 2004, p. 17).
Além da discussão dos casos clínicos, para a construção da assistência a ser
prestada ao usuário, identificamos que alguns enfermeiros apresentam dificuldades
em realizar atividade assistencial juntamente com outros profissionais da equipe
interdisciplinar:
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- Eu particularmente não tenho nada que é conjunto. Existe profissionais
que tem, por exemplo, grupo de famílias, oficinas. Eu particularmente tenho
pouco contato com relacionamento com a equipe é mais na discussão do
dia-a-dia. Não tem alguma atividade oficial que é em conjunto, tipo uma
oficina. Minha oficina é com os técnicos mesmo na questão do autocuidado.
(ENFERMEIRO 01).
- Agente faz as reuniões periódicas para discussão de casos; oficinas, tinha
uma oficina, até faz tempos, que não esta tendo mais, de culinária sempre
com dois profissionais com diferentes (ENFERMEIRO 03).
Através desses discursos, podemos apreender que as atividades do
enfermeiro na equipe interdisciplinar se resumem na discussão de casos e não na
atuação em outras atividades como oficinas, grupos, passeios, assembleias,
atendimento a família, participação de movimentos comunitários, dentre outros. Esse
fato nos remete a pensar que pode ocorrer uma demarcação das atividades que são
comuns e outras que são específicas, podendo estar implícita a questão do
saber/formação do enfermeiro nessas tecnologias de atuação do cuidado, ficando
restrito a tecnologias de cuidados tradicionais do saber específico.
Vasconcelos (2010, p. 10) ressalta que a ampliação do leque assistencial da
equipe interdisciplinar suscita o aprimoramento dos mecanismos da comunicação
entre os profissionais, para tornar os “espaços coletivos favoráveis à elaboração dos
conflitos afetivos e inconscientes, posto que do contrario avoluma-se o risco de
fragmentação”.
Para entendermos quem os enfermeiros consideram fazer parte dessa equipe
interdisciplinar, solicitamos que realizassem uma breve descrição sobre os
profissionais integrantes da equipe CAPS/CERSAM. Os entrevistados apresentaram,
com frequência, a participação do médico, do psiquiatria, do psicólogo, do terapeuta
ocupacional, do assistente social, do enfermeiro e, em um caso específico, incluíram
os acadêmicos residentes de diversas profissões e o farmacêutico.
Nota-se uma tendência de menção dos integrantes da equipe apenas àqueles
profissionais de nível superior, excluindo os saberes dos profissionais do nível médio
e de apoio. Os psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais,
além, é claro, do pessoal de enfermagem e de apoio “fazem parte da equipe de
composição, não consiste apenas nessa troca de saberes e de experiências; é
também um exercício de democratização da relação entre os trabalhadores,
conferindo a todos eles, seja qual for sua formação profissional, direito de voz”
(MINAS GERAIS, 2006, p. 45).
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Observamos que os enfermeiros identificam atuações específicas dos
profissionais da equipe interdisciplinar como consultas, controle de medicamentos,
atendimento a familiares, oficinas e grupos operativos, destacando-se:
Psiquiatra: atendimento ambulatorial, com alguns atendimentos de
permanecia dia, no caso de crise; Psicólogos: atendimentos agendados;
Terapia Ocupacional: grupos e oficinas; Farmacêutica – responsável pela
farmácia, questões burocrática; Assistente social: atendimento as família,
orientação quanto a benefícios (ENFERMEIRO 03)
Através dos discursos, podemos inferir que, para o enfermeiro, há separação
do fazer em comum e fazer específico nas áreas de conhecimento na equipe
interdisciplinar:
A proposta é de um trabalho interdisciplinar que não pretende abolir as
especificidades dos vários profissionais; eles continuam a realizar as ações
que lhes são próprias, mas executam aquelas que são comuns,
valorizando-se ai a utilização de diferentes técnicas e a integração de
diferentes saberes (ROCHA, 2005, p. 9)
Trabalhar com a equipe interdisciplinar implica em articular, em comunicação
constante, em superar as especialidades, originando uma linguagem única. Esse
trabalho rompe com um modelo fragmentado, dicotomizado do sujeito com
sofrimento psíquico e busca uma reorientação que contemple toda a complexidade
da loucura e suas alterações (COSTA, 2005).
Zerbetto et al. (2011) alertam que essa relação interdisciplinar não pode ser
de poder hierárquico. É necessário que os saberes sejam desconstruídos para
novas práticas, em busca constante de novos conhecimentos. Passa pelo
pressuposto de que o profissional “nada” sabe, porque nesse modelo psicossocial
não possui regras corretas de conduta, nem modelos pré-estabelecidos, mas
construídos em cada vivência.
Entendemos, portanto, que não basta que o
enfermeiro se reúna com diversos profissionais para dar conta da complexidade do
fenômeno psíquico: é necessário colocar algo de si próprio nesse cuidado, tecido
por várias pessoas e instituições.
A postura do profissional de saúde na equipe interdisciplinar é remetida por
Costa e Creutzberg (1999) em termos de singularidade e transformação. A
singularidade exprime a experiência adquirida nas vivências e nos caminhos teóricos
emoldurados pela profissão e que perpassam pela atuação. A transformação diz
respeito à postura de questionamento e à busca incessante de soluções e novos
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aprendizados, não tendo uma meta pré-estabelecida, envolvendo possibilidades de
trilhar caminhos diferentes.
O trabalho interdisciplinar abre possibilidades para o aprendizado, para a
ampliação dos horizontes e de uma visão mais global de cuidados, demandados
pelo usuário, fato esse impossibilitado somente pelo saber disciplinar, que não inclui
todas as dimensões. O trabalho efetivo da interdisciplinaridade de acordo com
Vasconcelos (2010, p.13) é a base para um cuidado integral, “no qual o usuário é o
denominador comum do entrelace de várias disciplinas e práticas assistenciais”. O
autor alerta, também, que o leque assistencial necessita de aperfeiçoamento dos
mecanismos de diálogos.
6.5.1 Atividade desenvolvida com o usuário
Para análise, dividimos em categorias as atividades desenvolvidas no
CAPS/CERSAM citados pelos enfermeiros: acolhimento, técnico de referência, o
autocuidado para pacientes em permanência-dia, grupos operativos e oficinas. As
atuações não foram unânimes entre os entrevistados.
6.5.1.1 Acolhimento
A Linha Guia de Saúde Mental1 traz que o acolhimento é a primeiro passo
indispensável para um atendimento bem sucedido. A resposta ao usuário costuma
ser bem recebida quando se baseia numa escuta atenta e numa avaliação
cuidadosa do seu problema (MINAS GERAIS, 2006). O acolhimento é definido pela
Política Nacional de Humanização do Ministério da Saúde como:
Processo constitutivo das práticas de produção e promoção de saúde que
implica responsabilização do trabalhador/equipe pelo usuário, desde a sua
chegada até a sua saída. Ouvindo sua queixa, considerando suas
preocupações e angústias, fazendo uso de uma escuta qualificada que
possibilite analisar a demanda e, colocando os limites necessários, garantir
atenção integral, resolutiva e responsável por meio do acionamento/
articulação das redes internas dos serviços (visando à horizontalidade do
cuidado) e redes externas, com outros serviços de saúde, para continuidade
da assistência quando necessário (BRASIL, 2004, p.51).
1
Linha Guia Saúde Mental: instrumento para o trabalho cotidiano dos profissionais da Atenção
Primária e da Saúde Mental de Minas Gerais, que contribui para a vitalidade e o avanço na atenção
aos portadores de sofrimento mental.
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O estudo de Anaya (2004) ressalta que no CERSAM, em Belo Horizonte, o
acolhimento é o considerado um “carro-chefe”. O serviço é considerado uma porta
aberta, qualquer um que adentre é escutado e acolhido e, posteriormente, realiza-se
o encaminhamento para outros serviços, conforme o caso. Essa tecnologia de
cuidado foi incorporada no fazer do enfermeiro, nos serviços CAPS/CERSAM, que
exige uma escuta qualificada, singular, para definir condutas.
- [...] fico na linha de frente do CERSAM recebendo os pacientes fazendo
acolhimento, definindo condutas, as vezes tem casos que preciso de
recorrer ao colega (ENFERMEIRO 01).
- Eu venho para cá para ajudar no acolhimento, eu fico muito na retaguarda
de acolhimento, por exemplo telefone, urgência eu quem atendo, Quem
está no acolhimento eu fico na retaguarda lá fora, e quando chega uma
urgência eu encaminho lá para dentro (ENFERMEIRO 03).
Observamos que o acolhimento foi apresentado como organizador do
trabalho dentro dos serviços estudados. O Enfermeiro 01 participou inteiramente
desse processo, estabelecendo vínculo e construindo estratégias para viabilizar a
ação.
Essa conduta inicial poderá ser realizada com a participação de outros
membros da equipe, como afirma a Linha Guia de Saúde Mental, e o profissional
que acolheu poderá necessitar do apoio imediato de outro profissional, ou poderá
ele próprio tomar as primeiras condutas (MINAS GERAIS, 2006).
Já o Enfermeiro 03 não se responsabiliza em avaliar o caso e, conforme a
avaliação, em traçar o primeiro plano de assistência, e encaminha para outros
profissionais integrantes da equipe o fazerem. Esse fato sugere a falta de preparo
para assumir tal processo de trabalho, quando será exigida uma escuta apurada e a
compreensão dos fatos.
Esse momento do acolhimento reveste-se de desafios porque inicia um
momento de crítica aproximação do usuário com o serviço, e a escuta e a atenção
constituem estratégias de cuidados. Silva e Fonseca (2005) ressaltam que o
acolhimento incorpora valores como solidariedade, direito à cidadania, humanização
da assistência e exige uma postura profissional
Os acolhimentos realizados pelos enfermeiros nos dois serviços estudados
mostram que, o do CERSAM alinha–se com os princípios das Políticas de Saúde
Mental no trabalho, no atendimento individual de escuta qualificada e aciona
recursos a cada ordem de problema identificado como aporte interdisciplinar.
70
6.5.1.2 Técnico de referência/consulta ambulatório
Após o acolhimento e a necessidade de continuidade de tratamento no
CERSAM, o plantonista irá encaminhar o usuário para o Técnico de Referência, que
é o profissional do nível superior. A Linha Guia de Saúde Mental conceitua esse
profissional como aquele que estabelece e sustenta o vínculo com o paciente, traça
as linhas de seu projeto terapêutico individual, define a frequência dos atendimentos
e do comparecimento ao serviço, faz os contatos com a família, e com outras
pessoas do seu espaço social, sempre quando necessário (MINAS GERAIS, 2006).
Pinheiro (2011) infere em seus achados que, no CERSAM, o fazer do
enfermeiro como técnico de referência rompe com a prática tradicional em que o
distanciava do seu objeto de trabalho. Configura uma atuação de terapeuta, pois
elabora o plano de cuidado do usuário, acompanhando-o nas ações territoriais como
corresponsável, articula-se com a equipe e inclui a família no atendimento.
Alinhando-se
aos
achados
do
autor
supracitado,
os
enfermeiros
entrevistados, assumem como técnico de referência, tornando-se os principais
responsáveis para a condução dos casos clínicos dos usuários, utilizando-se do
processo de escuta e relacionamento adquirido nas bases de sua formação. Essa
conduta leva a uma autonomia, a partir da escuta, para o estabelecimento de
recursos e o ritmo de frequência no serviço:
- Eles ficam em ambulatório e fazem um acompanhamento menos intensivo,
vamos dizer de 15/15 dias, uma vez por semana, uma vez por mês. As
vezes tenho uma base de 10 pacientes em ambulatório e tem uma
rotatividade um pouco maior. Agente atende em consultório escuta mesmo,
entender para o gerenciamento de caso, pontuar algumas coisas. Eu
costumo usar algumas técnicas que é da minha formação, utilizo muito
escuta reflexiva, entrevista motivacional, alem do relacionamento
terapêutico que é da enfermagem psiquiátrica (ENFERMEIRO 01).
- Aqui te cobra autonomia. Você tem que tomar decisões. Aqui temos que
tomar condutas. Eu estou acompanhando este paciente aqui, se eu acho
que tem que ter alta (é claro que tudo é discutido com a equipe), mas tenho
toda autonomia de articular com a família, se a família quem vai trazer, ou
se vai buscar, se eu vou colocar no carro ou na hospitalidade noturna, se
vou tirar da hospitalidade e colocar em permanência dia (ENFERMEIRO
02).
Vale lembrar que a autonomia está imbricada na competência para a
condução dos atendimentos individuais, fato que não pode ser confundido com a
71
individualidade, na execução de todos os processos. O projeto terapêutico é traçado
mediante a interlocução com a equipe.
Ao descreverem sobre essa tecnologia de cuidado, os enfermeiros atribuiram
significações de “gerenciamento de casos” e “acompanhamento”. Esse último termo
implica a ideia de estar perto, conduzir, escoltar, procurar assistir o usuário conforme
a demanda e define o que será realizado; admite que as condutas devam ser
tomadas em comum com a equipe.
Já o termo “gerenciamento de casos” nos remete a organizar, planejar, definir
uma série de condutas que será aplicada ao plano terapêutico do usuário. Parece
assumir uma posição menos de assistente e mais diretivo.
A responsabilização do enfermeiro pela assistência como técnico de
referência demonstra um grande avanço se comparada aos estudos de Oliveira e
Alessi (2003), que a demonstrou como pouco atuante. O argumento utilizado para a
falta de autonomia estava na submissão do trabalho de enfermagem ao médico, o
que
trazia
certa
acomodação.
Neste
estudo,
os
enfermeiros
não
se
responsabilizavam pelo tratamento e não participavam das decisões do tratamento,
nem mesmo das relacionadas à própria enfermagem.
Em meios aos avanços da atuação do enfermeiro nos serviços substitutivos,
essa tecnologia de cuidado tem trazido inquietação, conflito e insegurança para o
enfermeiro, pela responsabilização dos cuidados como usuário e pela centralidade
do poder para tomada de decisões:
- Cada técnico de referência abraça seus problemas, eu não sei de qual
teoria foi embasada isso ou quem teve esta ideia, mas, até agora não
consegui entender. Talvez venha entender, mas estou assim sou técnico de
referência e o paciente é minha responsabilidade, eu posso pedir uma
opinião ou outra mas a pessoa não vai assumir isso integralmente. A
impressão que tenho é essa que o paciente é meu e pronto. Já vi CAPS
onde surgiu uma questão social, eu sou o técnico de referência, mas o
problema transcendeu minha possibilidade eu posso prontamente chegar ao
assistente social da equipe e falar surgiu esse problema tem como analisar
para mim, ele pegar analisar e resolver (ENFERMEIRO 01).
A comparação realizada no discurso nos remete a ideia que para Enfermeiro
01, o técnico de referência encobre a especificidade, dilui a identidade profissional,
porque mesmo quando transcende o saber específico, continuará a conduzir o caso
clínico.
72
Observamos que a atuação do enfermeiro como técnico de referência não é
desenvolvido em todos os serviços substitutivos. Em um dos campos estudados, o
enfermeiro não assume a condução de caso clínico, ficando a cargo de outros
profissionais, como por exemplo, o psicólogo. Percebe-se, pois, que estamos entre
avanços e retrocessos sobre as tecnologias do cuidado do enfermeiro inserido no
processo da reforma psiquiátrica.
Torna-se necessário rever o posicionamento do enfermeiro como agente de
mudanças e como está sendo incorporado na equipe interdisciplinar, no
planejamento e execução do plano terapêutico dos usuários do CAPS/CERSAM.
São necessários capacitação e aperfeiçoamento para a construção de saberes que
auxiliem essa prática, alinhando-a ao modelo psicossocial.
Concordamos quando Alves e Silveira (2003) relatam que o papel do
enfermeiro é definido igualmente ao de todos os técnicos de saúde mental, sendo as
atividades acordadas em equipe, um trabalho realizado de forma compartilhada que
oferece alternativas à internação do paciente no momento da crise.
6.5.1.3 Autocuidado
O autocuidado é definido por Silva et al. (2009) como ações desenvolvidas
em situação em que o sujeito volta para si mesmo ou para regular os fatores que
afetam o próprio desenvolvimento, em benefício da vida, saúde e bem-estar. Além
disso, o autocuidado tem sido fonte de inspiração para o enfermeiro desenvolver
práticas no CAPS/CERSAM. A familiaridade do enfermeiro com o autocuidado
advém do saber de enfermagem pautado na teoria do déficit do autocuidado,
especialmente desenvolvida para estabelecer um sistema que organize as práticas
de enfermagem na sua especificidade.
O conceito do autocuidado na enfermagem permite subsídios para a
aplicação sistemática da assistência e modificações nos planos terapêuticos, quando
necessário. A teoria do autocuidado e a teoria de Sistemas de Enfermagem mostram
que o indivíduo tem capacidades próprias de promover o autocuidado e pode
beneficiar-se com o cuidado da enfermagem. No sistema de enfermagem, a
assistência deve ser planejada pelo profissional baseando-se nas necessidades de
autocuidado e nas capacidades do paciente para a sua execução.
73
Esse
sistema
pode
ser
classificado
em:
totalmente
compensatório,
parcialmente compensatório e o sistema de apoio-educação. Chama-nos atenção
para aplicação do sistema apoio-educação, que pode auxiliar o enfermeiro nas
ações em saúde mental. Segundo Diógenes e Pagliuca (2003), esse sistema ocorre
quando o indivíduo consegue executar, ou tem capacidade de aprender a executar,
medidas de autocuidado terapêutico e regular o exercício e desenvolvimento de
suas atividades de autocuidado. O enfermeiro age promovendo para que esse
indivíduo seja um agente capaz de se autocuidar.
A adequação das práticas de enfermagem é de responsabilidade do
enfermeiro. Diógenes e Pagliuca (2003) ressaltam que esse pensamento demonstra
utilidade a partir do momento que passa a direcionar o trabalho do enfermeiro na
aplicação dos conceitos que norteiam e facilitam a prática.
A tecnologia do autocuidado é uma ferramenta que tem sido amplamente
utilizada pelos enfermeiros entrevistados:
- A gente faz muito a questão do auto cuidado. Por exemplo arrumar o
cabelo de ensinar como arrumar, de como tomar um banho corretamente,
aparar as unhas, sempre tentando fazer que eles participem e desenvolva
esta capacidade, para eles possam fazer em casa [...] A gente faz mesmo
muito o auto cuidado com pacientes em permanência dia ( ENFERMEIRO
03).
- Gosto de trabalhar muito no autocuidado. Trabalho isso bastante no meu
dia de supervisão. O tempo é muito reduzido a programação e feita é bem
cheia. De repente a única atividade que tento promover de maneira possível
é a questão do auto cuidado que faz parte da minha teoria, eu trabalho com
a teoria de enfermagem psiquiátrica e do auto cuidado, do beneficio que
isso pode trazer para o paciente (ENFERMEIRO 01).
Percebemos que os enfermeiros sentem-se confortáveis ao trabalhar com o
autocuidado, uma vez que consideram deterem saberes necessários para
desenvolver a prática, utilizando-a de tal maneira a promover a inserção do usuário
na vida social e minimizando de as limitações.
Deparamos com um avanço na utilização da ferramenta do autocuidado,
havendo uma participação ativa do usuário. Outrora, esses cuidados eram
desenvolvidos pelo enfermeiro e os usuários se comportavam passivamente.
Essa tecnologia de cuidados aproxima o enfermeiro do usuário, fazendo com
que esse profissional auxilie o paciente a pensar sobre seu estilo de vida, ao mesmo
tempo em que propõe reflexões aos enfermeiros que os permitam resgatar o
desenvolvimento das habilidades para realizar atividades cotidianas como o cuidar.
74
6.5.1.4 Atividades em grupos e oficinas
Nas atividades da atenção psicossocial, os grupos e oficinas têm sido
estratégias eficazes para estabelecer a reabilitação de usuários, assim como a
participação de familiares e da equipe interdisciplinar.
Segundo Afonso et al. (2006, p. 27): “grupo é um conjunto de pessoas unidas
entre si porque se colocam objetivos e/ou ideais em comum e se reconhecem
interligadas por esses objetivos e/ou ideais.”
A partir da noção de grupo, Afonso et al. (2006, p. 67) propõem, também, uma
definição para a oficina de dinâmica de grupo, como:
“um trabalho estruturado, independentemente do número de encontros,
focalizado em torno de uma questão central que o grupo se propõe a
elaborar, em um contexto social. A elaboração que se busca na oficina não
se restringe à reflexão racional, mas envolve os sujeitos de maneira integral,
formas de pensar, sentir e agir”.
A Linha Guia de Saúde Mental infere que ao invés de compreender as
oficinas como um procedimento, trata-se do desafio de invenção de complexas
redes de negociação e de oportunidades, de novas formas de sociabilidade, de
acesso e exercício de direitos: lugares de diálogos e de produção de valores que
confrontem os pré-conceitos de incapacidade, de invalidação e de anulação da
experiência da loucura (MINAS GERAIS, 2006).
O Departamento de Estratégias do Ministério da Saúde traz que as oficinas
terapêuticas podem ser oficinas expressivas, geradoras de renda e alfabetização,
sendo recursos importantes na (re)construção da cidadania (BRASIL, 2004).
A Portaria nº 336/2002 infere que assistência ao paciente no CAPS inclui
atividades de atendimento em grupos (psicoterapia, grupo operativo, atividades de
suporte social, entre outras) e atendimento em oficinas terapêuticas executadas por
profissional de nível superior ou nível médio. Do ponto de vista terapêutico, essas
atividades proporcionam reconhecimento de identidades:
Grupo as pessoas podem reconhecer papeis e identidades - em sua
dimensão coletiva e histórica - questioná-las, (re) significá-las e, portanto,
reconstruí-las na medida em que sejam opressivas, excludentes,
estereotipadas ou restritivas à cidadania. Nesse sentido a grupalidade ou o
grupo constitui um dispositivo de atenção e promoção de cidadania no
interior dos CAPS, entre outros pelo seu caráter intermediador na dialética
indivíduo-sociedade. Não deve ser utilizado, reducionistamente, como
75
estratégia para resolver a tensão entre demanda e oferta de atendimento,
ou seja, para “atender mais pessoas em menos tempo, racionalizando
recursos humanos”. Seu potencial está em promover discursividade,
diálogo, (re) construção de si, das identidades, das interações sociais e da
realidade vivenciada. Nos CAPS, esse potencial deve ser colocado a
serviço do projeto sócio terapêutico de cada usuário e da coletividade
envolvendo usuários, familiares, trabalhadores e comunidade (BELLANZANI
et al., 2010, p. 7).
Sendo assim, o enfermeiro deve buscar o embasamento necessário para
realizar essas atividades de forma competente e efetiva. É importante que o
enfermeiro busque o conhecimento necessário para desenvolver a função de
coordenador de grupo. Quando exerce a função de coordenador de grupos e o faz
com competência, o enfermeiro contribui para que a enfermagem ganhe valor e
reconhecimento, aspectos que são importantes na conquista de seu espaço
enquanto profissão (SPADINI; SOUZA, 2006).
As entrevistas a seguir apontam a participação dos enfermeiros em atividades
de oficinas terapêuticas, mas não foi evidenciada a participação de atividades de
grupos operativos. A participação em oficinas se deu na condição de auxiliar de
outros profissionais da equipe técnica. Apresentaram dificuldades em participar
dessa estratégia de cuidado em conjunto com outros profissionais de nível superior
- Bom, às vezes precisa de auxiliar as psicólogas nas oficinas de artesanato
de musica, de dança, de acordo com o que precisa (ENFERMEIRO 02).
- Oficinas? Hum [...]. tinha uma oficina de culinária, até que não esta tendo
mais, sempre com dois profissionais diferentes e quando precisava tinha um
técnico de enfermagem auxiliando (ENFERMEIRO 03).
- [...] Minha oficina é com os técnicos mesmo na questão do auto cuidado
[...] (ENFERMEIRO 01).
Através dos discursos, percebemos que os enfermeiros do CAPS/CERSAM
apresentam dificuldades em conduzir uma atividade em grupos ou oficinas. E
quando isso ocorre, colocam-se na condição de auxiliar os demais profissionais, ou
preferem assim fazer, com os profissionais de nível técnico de enfermagem, em
relação a assuntos que fazem parte da formação de enfermagem. Esse fato nos
remete a ideia de que o enfermeiro não possui saberes necessários para
desenvolver essas diferentes estratégias de cuidado.
No momento em que saberes e práticas se concentram em um único
profissional, o campo aparece com limites indesejáveis, dificultando as práticas
76
interdisciplinares,
resultando
em
uma
intervenção
de
práticas
e
saberes
institucionalizados que enfraquecem a produção de saúde (SCHRANK, 2006).
No estudo realizado com enfermeiros do CERSAM, Castro (2007) evidenciou
um despreparo acadêmico para a condução de atividades grupais, mesmo sendo
uma atividade amplamente realizada pelo enfermeiro.
Monteiro (2006) ressalta que teve problema em encontrar uma oficina que
despertasse interesse nos enfermeiros. Citou, também, o despreparo acadêmico
sobre atividades de reabilitação, pois ensinam apenas a cuidar de um cliente,
quando na prática em saúde mental, em caso de grupos, dezenas de pacientes por
dia necessitam de atividades reabilitadoras.
Torna-se necessário que o enfermeiro atue nessa tecnologia de cuidado,
tendo em vista os benefícios de “maior integração social e familiar, a manifestação
de sentimentos e problemas, o desenvolvimento de habilidades corporais, a
realização de atividades produtivas, o exercício coletivo da cidadania” (BRASIL,
2008, p.20).
6.5.1.5 Atividade desenvolvida com a família
A Norma Operacional Básica (NOB) da Assistência Social, publicada em
2005, apresenta um conceito de família que nos permite pensá-la vinculada a uma
política de proteção social: “A família é um núcleo social e afetivo, onde as pessoas
estão vinculadas por laços consanguíneos, de aliança ou de afinidade e onde os
vínculos circunscrevem obrigações recíprocas, organizadas em torno de relações de
geração e de gênero” (BRASIL, 2005, p. 17).
A família pode ser pensada como um grupo de pessoas que são unidas por
laços de consanguinidade, de aliança e de afinidade. Esses laços são constituídos
de representações, práticas e relações de obrigações mútuas. Por sua vez, essas
obrigações são organizadas de acordo com a faixa etária, as relações de geração e
de gênero, que definem o status da pessoa dentro do sistema de relações familiares
(BELO HORIZONTE, 2012).
Pensar a família como uma realidade que se constitui pelo discurso sobre si,
é uma forma de buscar uma definição que não se antecipa à realidade da família,
mas que nos permite pensar como a família constrói, ela mesma, sua noção de si,
supondo, evidentemente, que isso se faz culturamente, dentro dos parâmetros
77
coletivos do tempo e do espaço em que vivemos, que ordenam as relações de
parentesco (entre irmãos, entre pais e filhos e entre marido e mulher). Sabemos que
não há realidade humana exterior à cultura, uma vez que os seres humanos se
constituem simbolicamente (SARTI, 2004).
Schrank (2006) apresenta cinco teorias que podem ser trabalhadas por
profissionais de saúde nas práticas assistenciais: teoria dos sistemas que irá
trabalhar a família como um sistema, utilizando conceitos como hierarquia, totalidade
mudança, equilíbrio e padrão circular/linear para auxiliar esse entendimento; a teoria
cibernética, que é considerada a teoria do controle e da comunicação, onde a família
tem uma capacidade de autorregulação, através dos conceitos de feedback, que
percorre todos os componentes da família, mostrando que ela está sempre em
mudança e ressalta que o ideal seria se a família dispusesse de um mecanismo de
autorregulação ao passar por uma mudança; a teoria da comunicação, que tem o
foco na maneira em que os indivíduos interagem uns com os outros; a teoria da
mudança, que pode ser de primeira e segunda ordens e depende da percepção do
problema, do contexto, devendo o profissional de saúde atentar para esse contexto,
pois determinadas regras impedem a mudança; e a teoria da biologia da cognição,
que entende que o ser humano tem visões diferentes para compreender os
acontecimentos e experiências vividas.
A abordagem familiar é um recurso valioso e um contraponto importante para
elaboração do projeto, porque contribui para conhecimento das reais necessidades
dos usuários e da família. Essa abordagem é prevista na Portaria nº 336/2006.
A participação do enfermeiro na construção de uma relação de confiança,
apoio e troca com as famílias é avaliada por Pinheiro (2011) e Esperidião, Cruz e
Silva (2011) como um avanço e evidencia que essas atividades são apropriadas
como novas funções terapêuticas, construídas nas relações técnicas e sociais pela
inclusão da família e a da comunidade, ampliando o seu fazer e o seu saber.
Evidenciamos que os enfermeiros do CAPS/CERSAM realizam atendimentos
às famílias através do atendimento individual, visita domiciliar e são considerados
referência da família, porque permanecem maior tempo com os usuários
comparados a outros profissionais da equipe:
- Somente o atendimento individual. O CERSAM oferece o atendimento a
família. A mesma metodologia que trabalhava grupo de famílias, trabalho no
atendimento individual (ENFERMEIRO 01).
78
- Agendo a visita domiciliar, vejo o que estar acontecendo [...] No Cersam,
tem reunião mensal da família, agente pede para eles comparecerem.
Sempre que o paciente entra no CERSAM ele vem com a família e apartir
daí agente já tem esse contato. E eu sempre visito, quando tem alguma
intercorrência, eu ligo ou mesmo quando vem no CERSAM para
acompanhar, agente atende, conversa (ENFERMEIRO 02).
- A família tem a enfermagem, no caso eu como Enfermeira, como
referência. Porque o paciente está internado há dias, acaba que vincula
mais com a enfermagem do que outros profissionais. A gente faz o trabalho
com a família de orientação, no atendimento no que eles solicitam e de
apoio mesmo, eles têm agente como referência para o que eles precisam
(ENFERMEIRO 03).
Observamos que os enfermeiros buscam a parceria com a família, a fim de
inseri-la nos cuidados ao usuário através da orientação, esclarecimento, incentivos e
apoios, oferecendo atendimento a partir do que eles demandam. Para Schrank
(2006), esse atendimento oferecido pela demanda é de suma importância, porque é
um meio de cuidado, mas não constitui uma estratégia de inserção da família no
cuidado. A inserção da família é concretizada no tratamento e exige uma atitude de
compromisso e responsabilização da equipe para ocorrer a efetivação.
Identificamos que o enfermeiro constrói um vínculo com a família promovendo
a integração família-usuário-técnico, através do atendimento individual que
possibilita um contato direto e preciso, quando provavelmente haverá uma exposição
da vida particular.
Outra estratégia de atendimento a família é apresentada pelos Enfermeiros 01
e 02 como reunião mensal no ambiente do serviço substitutivo, havendo a
participação ativa dos enfermeiros juntamente com a equipe técnica, propiciando o
cuidado com a família e procurando inseri-la no tratamento. A visita domiciliar foi
abordada pelos enfermeiros como estratégias para promover a participação da
família no tratamento. O enfermeiro poderá conhecer a estrutura familiar e como
essa família relaciona entre si e com o meio, entender os laços, os anseios,
promovendo parcerias.
Entendemos que outras estratégias que oportunizam parcerias de cuidados
com a família podem ser desenvolvidas pelos enfermeiros no CAPS/CERSAM.
Schrank (2006) apresenta outras estratégias de atendimento familiar realizadas com
a responsabilização do enfermeiro, através de oficinas, grupos e participação em
eventos comemorativos. Inferimos que através dessas atividades realizadas pelos
enfermeiros do CAPS/CERSAM sejam padronizadas visitas domiciliares e, assim, os
enfermeiros alinhem-se aos princípios das Políticas de Saúde Mental.
79
6.5.1.6 Atividade desenvolvida no território
A reforma psiquiátrica brasileira apresenta um sistema regionalizado e
hierarquizado, com propostas de atividades comunitárias focadas na integração do
paciente com a comunidade e com sua inserção familiar e social, como prevê a
Portaria nº 336/2002.
O território brasileiro não é apenas uma área geográfica, mais é importante
para caracterizá-lo:
O território é constituído fundamentalmente pelas pessoas que nele
habitam, com seus conflitos, seus interesses, seus amigos, seus vizinhos,
sua família, suas instituições, seus cenários (igreja, cultos, escola, trabalho,
boteco etc.). É essa noção de território que busca organizar uma rede de
atenção às pessoas que sofrem com transtornos mentais e suas famílias,
amigos e interessados (BRASIL, 2005, p.11).
O território é a designação não apenas de uma área geográfica, mas das
pessoas, das instituições, das redes e dos cenários nos quais se dão a vida
comunitária. Assim, trabalhar no território não equivale a trabalhar na
comunidade, mas a trabalhar com os componentes, saberes e forças
concretas da comunidade que propõem soluções, apresentam demandas e
que podem construir objetivos comuns. Trabalhar no território significa
assim resgatar todos os saberes e potencialidades dos recursos da
comunidade, construindo coletivamente as soluções, a multiplicidade de
trocas entre as pessoas e os cuidados em saúde mental. É a idéia do
território, como organizador da rede de atenção à saúde mental, que deve
orientar as ações de todos os seus equipamentos (BRASIL, 2005 p.28).
Nessa perspectiva, o território passa a ser uma estratégia de cuidado
importante para o serviço psicossocial. Na concepção de Amarante (1994), o
trabalho no território é de reprodução de vida e subjetividade, porque nele se
encontram pessoas que fazem parte do cotidiano do indivíduo com suas práticas,
costumes e os saberes que são essenciais para promover a inclusão social.
Os serviços de atenção psicossocial dever procurar desenvolver ao máximo
suas habilidades em atuar no território que não traduz ao espaço
geográfico. O serviço pode ser considerado tanto mais de base territorial,
quando mais seja capaz de desenvolver relações com os vários recursos
existentes no âmbito de sua comunidade (AMARANTE, 2008 p.85).
O CAPS/CERSAM é considerado base territorial para articular tecnologias de
atendimento que favoreçam a reinserção social do seu usuário. Portanto, solicitamos
para
os
enfermeiros
do
CAPS/CERSAM
descreverem
as
atividades
que
80
desenvolvem no território. Houve uma indecisão dos enfermeiros em citar
estratégias de cuidados articulados no território:
- Não, eu não imagino trabalhar uma questão dessa num tempo reduzido.
Eu já trabalhei com os enfermeiros de unidades básicas, mas eram
palestras (ENFERMEIRO 01).
- Temos ações paralelas com o centro de saúde, quanto ao
acompanhamento, quando temos um intercorrência clínica, entramos em
contato com o centro de saúde e marcamos uma consulta (clínica,
ginecológica, encaminhamentos de urgência). Agora com a comunidade [...]
trabalhamos mais com o centro de saúde (ENFERMEIRO 02).
- Com a Comunidade ou no território? [...] A gente tentar fazer com o PSF
na rede mesmo de saúde é ter contato. Estar indo lá e estarmos
conversando eu, o psiquiátrica, ou mais um para discutir algum caso que
eles tem dificuldade. Agora com a comunidade sinceramente não sei te
dizer, não tem nenhum serviço, é mais com a família e o paciente
(ENFERMEIRO 03).
A partir dos discursos, infere-se que os enfermeiros do CAPS/CERSAM,
apresentaram dificuldade em definir as estratégias que possibilitem a circulação do
usuário no território. Limita-se, portanto, em ações no interior do serviço. Os
entrevistados relataram um processo de atuação na rede de assistências do usuário
e sua família, quando referem-se a integração com o PSF/unidade de saúde/centro
de saúde, buscando superar a fragmentação do atendimento e o cuidado em saúde
mental.
Percebemos que os entrevistados limitam em interagir com apenas um dos
componentes potenciais do território, a unidade básica de saúde, portanto não se
apropriam dos recursos afetivos, religiosos, sociais, culturais, lazer, que são
essenciais para o plano terapêutico e capazes de estabelecer novos laços no
espaço social.
Esse fato pode estar sendo potencializado pelo impasse e pelos desafios do
CAPS/CERSAM caracterizados pela fragilização das articulações no território.
Trabalhar no território não é trabalhar na comunidade, mas trabalhar com
componentes, saberes e forças concretas da comunidade que propõem soluções
(BRASIL, 2005).
Ao descrever as estratégias de atuação comunitária, com participação efetiva
do enfermeiro, Kantorsky et al. (2006) levantam estratégias como atividades físicas caminhadas e jogos; participação em cursos de preparação para o trabalho (cozinha,
costura, padaria), e comercialização dos produtos confeccionados em oficinas. Uma
interessante experiência foi a oficina externa, com participação dos enfermeiros
81
juntamente com os usuários, numa programação semanal de uma hora, na Rádio da
cidade, incluindo a divulgação de receitas culinárias, músicas, eventos, debates e
entrevistas com autoridades locais da saúde mental.
Podemos observar que a atuação dos enfermeiros voltados para o território
ocorre através da comunicação com a unidade básica de saúde. Contudo, o trabalho
territorial ainda não é realizado como preconizam as Políticas de Saúde Mental.
6.6 Processo de trabalho no CAPS/CERSM – fatores que facilitadores e
dificultadores
As facilidades e dificuldades são comuns no processo de atuação dos
profissionais.
Referindo-se
à
pesquisa,
foram
encontradas
facilidades
e
dificuldades, por meio de discursos dos sujeitos.
6.6.1 Dificuldades
Uma das dificuldades mencionada por alguns entrevistados constitui-se na
falta de perfil e de tempo dedicado ao técnico de referência: “Falta de perfil, a
questão de técnico de referência toma muito o tempo da gente. Sinto falta das
coisas da enfermagem [...]” (ENFERMEIRO 01).
O discurso reflete a busca de uma identificação do enfermeiro no campo
psicossocial. As atividades desenvolvidas como técnico de referência privam o
enfermeiro de realizar atividades construídas historicamente pela enfermagem, como
supervisão de enfermagem e procedimentos técnicos.
Calgaro e Souza (2009) ao analisam a percepção dos enfermeiros acerca das
práticas assistências nos serviços extra-hospitalares em saúde mental, verificaram
que esses profissionais sentem-se desvalorizados quanto às práticas específicas do
enfermeiro, havendo uma disputa de status entre os mesmos levando ao
desmerecimento de algumas práticas.
O estudo de Costa (2005) mostrou haver uma indefinição de papéis no “ser
enfermeiro” e “ser técnico de referência”, o que tem provocado um movimento de
afirmação/negação em suas atuações. A nova identidade de técnico de referência
pode contrapor-se ou conflitar-se com o seu papel tradicional. Os dois papéis
coexistem entre si e não se anulam.
82
Outros fatores considerados como dificultadores referem-se à sobrecarga de
trabalho decorrente pelo número reduzido de funcionários, à desvalorização do
profissional quanto ao salário, à falta de reconhecimento da gestão municipal de
saúde, conforme observado nas falas abaixo:
- Números de funcionários. Eu acho pouco e a demanda é muito grande.
Poderia ter uma assistência melhor, apesar de ninguém faltar
(ENFERMEIRO 02).
- Eu acho que é um pouco de valorização que falta. O salário, agente é mal
remunerado. Que è um serviço muito especifico. Deveria ser também uma
atenção diferenciada. Apoio tanto financeiro como talvez psicológico
também, tem momentos que sofremos muitas coisas. Pouco
reconhecimento que fazemos aqui dentro, não só a enfermagem, mas os
profissionais do CAPS como um todo. A gente meio que brinca aqui que,
todo mundo que vem trabalhar aqui, vem meio que castigado, entendeu?
Não tem onde mandar, para onde que vai manda? Para o CAPS. A Equipe
é muito boa, mas agente se sente assim [...] é tá [...] é do CAPS. A
discriminação não é só da sociedade em relação a saúde mental, mas do
próprio Sistema o CAPS é o ultimo sempre em tudo (ENFERMEIRO 03).
Trabalhar com o número reduzido de funcionários é um problema vivenciado
em muitas instituições públicas, e no serviço de saúde mental não é diferente. Pode
estar implícita a preocupação de que este fato prejudica na implementação de uma
assistência de qualidade ao usuário.
O discurso do Enfermeiro 03 aponta um sentimento de desvalorização
causado pela falta de recursos políticos locais para com os serviços de saúde
mental. Os serviços de saúde são responsabilidade do Estado, que deve oferecer
condições para que se desenvolva uma assistência de qualidade. Há também um
descontentamento quanto à remuneração do enfermeiro na área de saúde mental,
talvez advindo de uma comparação com outros profissionais que são mais bem
remunerados.
Observamos que há uma carga de stress na fala do Enfermeiro 03: “apoio
talvez psicológico também, tem momentos que sofremos muitas coisas”. O
sofrimento psíquico se manifesta quando o trabalhador é exposto, continuamente, a
situações estressoras no trabalho. Esse fato pode levar ao comprometimento na
assistência prestada. O estudo de Azevedo e Filha (2012) constatou que as
dificuldades encontrados por profissionais do CAPS em desenvolver suas atividades
de inclusão social relacionam-se aos entraves nos recursos financeiros, materiais,
estruturais, que inviabilizam avanços, e mostra a necessidade de se ampliar o
número de equipes matriciais do CAPS e de todas as equipes da ESF.
83
6.6.2 Facilitadores
Alguns
aspectos
facilitadores
mencionados
pelos
enfermeiros
do
CAPS/CERSAM são o relacionamento, o trabalho em equipe e a identificação
pessoal com a área de saúde mental, conforme se verifica abaixo:
- O trabalho em equipe o relacionamento que tem aqui, a seriedade dos
profissionais, a competência e a preocupação de ser uma equipe, isso
facilita muito o nosso trabalho, não é uma área fácil e a equipe facilita. Os
profissionais e o comprometimento do trabalho e toda organização do
serviço. Eu gosto da saúde mental, gosto de trabalhar com o usuário, aqui
ele fala, ele tem voz, ele não vem só por vim para um tratamento
(ENFERMEIRO 02)
- O gostar muito do que eu faço gostar de saúde mental. Eu acho que [...]
Ver muito a questão do resultado. Agente vê que quando o paciente é
tratado de uma maneira correta e ele também tem o apoio da família agente
sabe que dá resultado. A equipe é um fator positivo, proativa e unida
(ENFERMEIRO 03).
Observamos que a interação do trabalho em equipe é imprescindível para a
construção coletiva do trabalho diante da demanda do usuário, e pressupõe uma
atuação complexa, subjetiva, necessitando de um conjunto de saberes que se interrelacionam, ultrapassando as barreiras das especificidades. Essa interação é um
fator determinante para o processo de atuação do enfermeiro nos serviços
CAPS/CERSAM.
Outra questão tida como facilitadora do processo de trabalho do enfermeiro é
a formação recebida ao longo do período acadêmico, pós-graduação e cursos na
área de saúde mental: “A minha formação ajuda, passando pelas pós-graduação,
não que isso seja imprescindível, sempre fui um profissional que não se limitava ao
fazer mas o porque de tudo” (ENFERMEIRO 01).
Observamos que o preparo acadêmico e a formação continuada são de suma
importância para atuação em saúde mental. A pró-atividade do enfermeiro em
busca de novos saberes e práticas tornam-se necessária no processo dinâmico da
reforma psiquiátrica.
No estudo realizado por Azevedo e Ferreira Filha (2012) constataram que a
realização de capacitação é um fator facilitador do trabalho profissional do CAPS e
proporciona a articulação da rede de cuidado em saúde, integrando os serviços de
84
saúde mental e favorecendo, desta forma, a construção das redes sociais e a
integralidade do cuidado.
6.6.3 Conhecimento sobre a Política de Saúde Mental
A Política Nacional de Saúde Mental é uma conquista assegurada por leis
estadual e nacional, constituída em 1991, com diretrizes condizentes com o SUS e
sustentação jurídica pela Lei nº 10.216 de 2001. Articula-se estruturalmente com a
Política do Sistema Único de Saúde. Abre-se para a intersetorialidade como único
futuro possível e legitima-se em sua efetividade e no apoio social.
As políticas de saúde mental devem ter como pressupostos básicos a
inclusão social e a habilitação da sociedade para conviver com a diferença.
É de fundamental importância a integração desta política com outras
políticas sociais, como educação, trabalho, lazer, cultura, esporte, habitação
e habilitação profissional, visando garantir o exercício pleno da cidadania
(SUS, 2002 p. 23).
6.6.3.1 Política de Saúde Mental brasileira
Questionamos os enfermeiros do CAPS/CERSAM de como percebem e
interpretam a Política de Saúde Mental vigente no País. Eles destacaram a
necessidade de um rearranjo político, principalmente em cidades de pequeno porte
e fizeram observações sobre a insuficiência de estratégias que possibilitem a
reinserção social:
- Acho que precisa de mudança. A política de saúde mental desde a
questão assistencial que precisa de um rearranjo, para a cidade pequena
não existe política de saúde mental. Para você ter ideia lá em Diamantina
para conseguir a população ideal para o CAPS II, fizeram um ajuntamento
de população de municípios vizinhos, no final era 16 municípios, a mais de
300 km de distância. Como que você vai fazer PD com pacientes a 300 km
de distancia, não faz. Ou seja, você finge que faz, o Município finge que
esta fazendo alguma coisa e não tem uma política local. Precisa de um
rearranjo assistencial. Eu acho que CAPS I e II não deveria existir, tudo
deveria ser CAPS III se quer que realmente seja substitutivo. Porque a
parceria com hospital geral para fazer pernoite e final de semana é muito
difícil, os poucos que conheço é uma coisa de militância mesmo, as vezes
os profissionais do CAPS assumem os pacientes dentro do hospital, nos
finais de semana tem que sair de casa para dar assistência porque o
pessoal do hospital não assume isso. Então é injusto você impor para o
paciente uma equipe do hospital que não quer e que não esta preparada
para lidar com aquele paciente, e também é injusto para os profissionais do
CAPS que viram militantes nesta brincadeira toda. Não acredito da
85
retaguarda dos hospitais gerais pelas experiências que tive. A solução é
CAPS III e investir muito, forte na questão da reinserção social pelo
trabalho. O centro de convivência não deveria ser a estratégia de reinserção
social, mas uma das, e até os centros de convivências são frágeis, aqui em
BH se mantêm porque a prefeitura tem a boa vontade de manter, você não
tem financiamento federal para centro de convivência. Então em cidade
pequena que não implanta programa se não tiver recurso federal ou
estadual ou seja não banca com iniciativa própria, raramente vai ter um
centro de convivência, e se tiver é por militância e temporário se a gestão
acabar, acaba o centro de convivência (ENFERMEIRO 01)
- Eu acho até que é uma política boa se fosse toda cumprida. Porém tenho
uma pequena restrição quanto à luta antimanicomial, porque eu vejo assim,
pela experiência que agente tem, em alguns casos não foi tão boa assim.
Eram segregativas, concordo, existiam muitas coisas que não estavam
legais, mas agente também vê que o paciente teve que voltar para casa, e a
família não tinha nenhuma estrutura para receber esse paciente de volta e
ai o paciente acaba vivendo em uma jaula, paciente que não mantêm
nenhum contato com a família, vivem com eles, mas não tem nenhum
contato de amor carinho, eu acho que foi meio irresponsável tirar tudo,
mandar para algum lugar, mandar para a família sem saber se tinham
alguma estrutura. Agente vê que trouxe algumas melhorias, mas traz
dificuldades para nos do CAPS que tem alguns pacientes que as famílias
não dão conta, não tiro razão, são pacientes difíceis de lidar mesmo, mas
que também não tem para onde ir (ENFERMEIRO 03)
As experiências vivenciadas pelos entrevistados os levam a considerar as
Políticas de Saúde Mental ineficientes em nível local. Isso decorre do
descumprimento da legislação vigente, que ressalta a garantia da assistência aos
portadores
de
sofrimento
mental
em
serviços
abertos.
Essa
garantia
é
regulamentada pela Lei nº 10.216/01, que assegura uma rede comunitária de
serviços em completa substituição à internação hospitalar, como garantia dos
direitos das pessoas com transtorno mental.
Os desafios levantados pelos entrevistados perpassam pela articulação entre
os CAPS e outros dispositivos na rede, sendo que um deles se refere aos leitos em
hospitais gerais que possibilitam internações, quando necessárias, que também
podem ser feitas em CAPS III, promovendo progressivamente a substituição dos
hospitais psiquiátricos.
Os discursos enfatizam a dificuldade para assegurar o acesso e o
acolhimento de usuários que necessitam a continuidade do tratamento, quando se
trata de leitos em hospitais gerais.
A desassistência da Política de Saúde Mental, principalmente em pequenos
municípios, como o aumento dos leitos psiquiátricos em hospitais gerais, abre
precedência e uma vulnerabilidade política para a psiquiatria tradicional, os
pacientes, suas famílias e a sociedade em geral. Esse fato pode ser observado no
86
discurso de Enfermeiro 03, que desacredita na eficiência dos objetivos traçados pelo
movimento antimanicomial:
Tenho uma pequena restrição quanto à luta antimanicomial, porque eu vejo
assim, pela experiência que agente tem, em alguns casos não foi tão boa
assim [...] traz dificuldades para nós do CAPS que tem alguns pacientes
que as famílias não dão conta, não tiro razão [...] mas não tem para onde ir.
(ENFERMEIRO 03 grifo nosso)
Percebemos um sentimento de incapacidade demonstrada por esse
profissional, pelo fato de estar atuando em um serviço substitutivo ao hospital
psiquiátrico, mas que na prática apresenta recursos limitados.
Os conflitos decorrentes da implantação dos serviços substitutivos não são de
responsabilidade do movimento antimanicomial que segundo, Soalheiro (2003, p. 34
grifo nosso), é "um conjunto de estratégias que exigem iniciativas políticas,
jurídicas, culturais que criam, possibilitam e marcam a presença da loucura na
cidade".
Nos discursos dos enfermeiros configura-se a necessidade de reestruturação
de uma Política de Saúde Mental local e na implantação de dispositivos
substitutivos, como residência terapêutica que são moradias destinadas a usuários
de saúde mental que não possuem suporte social e perderam os laços familiares.
Além disso, mostram a necessidade de articulação com a unidade de saúde,
políticas públicas, comunidade, além da qualificação dos profissionais das unidades
básicas, para uma atuação eficiente.
6.6.3.2 Política de Saúde Mental local
A III Conferência Nacional de Saúde Mental enfatizou que:
A efetivação da Reforma Psiquiátrica requer agilidade no processo de
superação dos hospitais psiquiátricos e a concomitante criação da rede
substitutiva que garanta o cuidado, a inclusão social e a emancipação das
pessoas portadoras de sofrimento psíquico. Nesta perspectiva é necessário
que os municípios desenvolvam, de acordo com as diretrizes acima
expostas, políticas de saúde mental mediante a implementação de uma
rede de serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico, territorializados e
integrados à rede de saúde que realize ações de proteção, promoção,
prevenção, assistência e recuperação em saúde mental (SUS, 2002 p. 2324).
87
Os conceitos de território e responsabilização relacionam-se com as ações
propostas pelo CAPS/CERSAM. Retomando à Portaria nº 336/02, esse serviço é
essencial para transformação da assistência em saúde mental, pois tem a função de
responsabilizar, de organizar a demanda e a rede de cuidados no âmbito do
território, sob coordenação do gestor local. Ou seja, é a principal referência local em
saúde mental e o que lhe confere um lugar de diálogo e interação permanente,
planejamentos, organização, execução e avaliação da saúde mental no âmbito do
território.
Estando
nesse
lugar
estratégico
de
referência
em
saúde
mental,
questionamos aos enfermeiros qual avaliação fariam do projeto de saúde mental do
seu município. Destacaram que se trata de um projeto interessante, mas precisa
transcender à assistência clínica para articulações intersetoriais. Em outro momento,
sinalizaram para a falta de dispositivos na rede que impedem esta articulação:
- Eu acho que ele precisa transcender urgentemente esta questão
assistencial, entender que esta questão assistencial não é nem de longe a
meta da saúde mental. Se quer voltar para isso de maneira criativa,
entender que o publico esta mudando, que a luta antimanicomial ela tem
que ser uma coisa contínua (ENFERMEIRO 01).
- É um trabalho interessante. Eu acho que tenta abranger o usuário de tudo
quanto é forma, cercar esse usuário, mas ainda precisa mais. O numero dos
profissionais no serviço são poucos, a crescente demanda, alguns
CERSANS não tem planta física ideal ( ENFERMEIRO 02).
- Falta muita coisa. Acho que falta articular bastante rede, alguns
dispositivos para esta rede, por exemplo a residência terapêutica, que não
têm, CAPS/ AD, o próprio centro de convivência que funciona de uma
forma, meio que assim, deveria ter um local próprio, porque lá é
emprestado, quando faz oficina, os materiais não podem ficar lá por toda a
semana tem que recolher tudo, trazer para cá, então dificulta. Então o
centro de convivência funcionando como deveria ser funcionar todos os
dias, até mesmo para mandar os pacientes que estão em permanência dia
por uma questão social e algumas coisas de articulação mesmo. O
Matriciamento na atenção básica, se tivesse um equipe de saúde mental no
PSF, articulando com os profissionais do PSF, tem muita coisa que pode
segurar por lá e manda para cá. Então eu acho que o CAPS funciona.
Agente costuma falar que o CAPS não tem demanda reprimida. Agente
resolve o que chega, dá uma resolução. Mas faltam alguns dispositivos,
para que agente tenha uma rede de saúde mental mais atuante
(ENFERMEIRO 03).
Os discursos apontam que esses profissionais entendem que o CAPS/
CERSAM é uma estratégia de transformação do modelo assistencial. Portanto,
elencam desafios que estão imbricados na organização e no processo de trabalho
quando ressaltam a necessidade de “transcender urgentemente esta questão
88
assistencial”. O CAPS/CERSAM é um serviço isolado e como tal deve criar soluções
em rede ativando recursos do território, ou seja, é necessário buscar uma relação de
troca que se realize no seu entorno, superando a fragmentação dos saberes e
práticas.
O discurso do Enfermeiro 03 demonstra a fragilidade da rede de saúde
mental, com poucos dispositivos e porosidade dos serviços existentes, como por
exemplo, a efetividade da assistência ao usuário de saúde mental no PSF e no
Centro de Convivência. Torna-se, portanto, necessário que os gestores públicos,
que são diretamente responsáveis pela decisão das políticas de saúde locais,
invistam em recursos necessários para manter, sustentar e expandir o Projeto de
Saúde Mental, respeitando os princípios do SUS e da Reforma Psiquiátrica.
A III Conferência em Saúde Mental destaca que o desenvolvimento do
trabalho deve ser na perspectiva da intersetorialidade:
A formulação da política de saúde mental, orientada pelos princípios da
Reforma Psiquiátrica, requer o desenvolvimento de ações integradas e
intersetoriais nos campos da Educação, Cultura, Habitação, Assistência
Social, Esporte, Trabalho e Lazer e a articulação de parcerias com a
Universidade, o Ministério Publico e as Organizações Não-Governamentais
(ONGs), visando a melhoria da qualidade de vida, a inclusão social e a
construção da cidadania da população (SUS, 2002 p. 54).
No discurso apresentada pelo Enfermeiro 03, sobre a resolubilidade
assistencial, “A gente costuma falar que o CAPS não tem demanda reprimida.
Agente resolve o que chega, dá uma resolução”, destacamos uma controvérsia, uma
vez que se destacou as dificuldades com a rede de cuidados em saúde mental, com
poucos dispositivos ineficientes.
Yassui (2006, p. 146) afirma que a “organização de um CAPS que assume
isoladamente a responsabilidade de “dar conta” de toda a demanda e toda a
complexidade da vida do sujeito é muito semelhante á proposta autoritária do
hospital psiquiátrico”.
6.6.4 Função do CAPS/CERSAM na rede de saúde mental e articulações
Os princípios dos CAPS/CERSAM orientam as práticas profissionais. Por isso
é indispensável conhecer o que pensam os enfermeiros sobre a função do
CAPS/CERSAM na rede de saúde mental e como se articula.
89
Para os enfermeiros do CAPS/CERSAM trata-se de um serviço que é
considerado “porta aberta”, referência de urgência para outros serviços em saúde
mental, trabalho em rede, com serviço de urgência, unidade básica de saúde e
hospitais psiquiátricos:
O CERSAM é uma porta aberta. É um ponto de apoio a equipes de PSF,
para discussão de casos, para encaminhamentos, porque nosso objetivo
não é que o paciente fique aqui, mas que ele retorne para o PSF. O
CERSAM tem os apoios do: PSF tem uma equipe de saúde mental – um
psicólogo, (no projeto teria que ter um psiquiatra atendendo junto com o
especialista, mas pela falta de profissional ainda não temos). Tem o
acompanhamento da família e nossa interação o CERSAM infantil, tem as
equipes de apoio a saúde mental – equipes complementares, serviço de
acompanhamento noturno, Temos também o Raul e Galba que são as
nossas redes que se interagem. (ENFERMEIRO 02)
A expressão “portas abertas” utilizada pelo enfermeiro entrevistado é
referente ao rompimento ao modelo manicomial. Nicácio e Campos (2005) ressaltam
que “portas abertas” podem ter diversos significados no cotidiano das práticas,
inclusive dimensão literal presentes no controle das instituições asilares. Em outra
análise indica estratégia de cuidado:
Estratégia norteadora para as redes de saúde mental de base comunitária/
territorial e dos serviços substitutivos e, em particular, dos centros de
atenção psicossocial, evidencia um conjunto de dimensões das políticas
públicas locais de saúde mental, especialmente no que se refere aos
desenhos de modelos de atenção comprometidos com a promoção dos
direitos das pessoas com a experiência do sofrimento psíquico e com a
superação do modelo asilar no contexto do SUS, ao planejamento e à
implementação de projetos e de serviços condizente com as necessidades e
singularidades das diversas realidades, à efetivação de regionalização/
territorialização da atenção, aos estilos de trabalho, às formas de
organização e gestão dos serviços e, sobretudo, à projetualidade das
relações entre pessoas, instituições e contextos (NICÁCIO; CAMPOS, 2005,
p. 44-45).
O CAPS/CERSAM constitui, portanto, um serviço estratégico de cuidados,
interações e negociações constantes, produção coletivas com foco na promoção dos
direitos e superação do modelo. É nesse contexto que o enfermeiro se insere e
transforma suas práticas e saberes. Tornou-se referência para o tratamento de crise
que outrora a porta de entrada era os manicômios. Soalheiro (1997) traz duas
dimensões importantes quanto a essa constatação: uma é que se organiza como
referência em saúde mental para a rede de seu território e que seus profissionais
sejam referências para os pacientes do serviço; a outra revela um processo a ser
construído, laços que podem ou não se estabelecer.
90
Ao caracterizar o CAPS, um enfermeiro entrevistado, refere-se a ele como um
serviço de referência à crise. No discurso há uma comparação entre o que é
preconizado e da realidade que ele vivencia. Chamou-nos atenção a produção de
cuidado nas situações de crise, repetindo a antiga lógica manicomial.
CAPS é um serviço de urgência em saúde mental. O CAPS atende as crises
psiquiátricas, como uma equipe multiprofissional, tem a permanência dia,
para que mantenha o paciente sobre o olhar do profissional, com
atendimento mais intensivo até estabilizar esta crise e daí para adiante
quando está estável agente começa [...] Ai deveria funcionar a rede de
saúde mental [...] ( ENFERMEIRO 03, grifo nosso).
O discurso nos remete à “antiga” prática de observação dos sintomas, longe
do usuário, realizados nos modelos manicomiais. Segundo Amarante (2010), os
profissionais estão dentro do CAPS mas não conhecem o que representa o serviço,
como foi constituído e, com isso, não ousam construir novas práticas.
Os avanços da rede de saúde mental dependem de que os enfermeiros,
atores no processo da reforma psiquiátrica, se orientem na construção de saberes e
práticas pelos princípios da desinstitucionalização, de modo a impregnar os
discursos e dar sentido as práticas.
Ao relatar sobre as articulações realizadas pelo CAPS/CERSAM, os
enfermeiros
pontuam
conflitos
e
demonstram
dificuldade
de
interação,
principalmente na atenção básica, decorrentes da falta de recursos humanos para
suporte e saberes e práticas que orientem os profissionais na promoção dos
cuidados em saúde mental.
- O que pode não funcionar é que o PSF não entendeu qual o papel dele
com o paciente psiquiátrico, talvez ele se limita a renovar receita, não tem
uma ação mais efetiva, o papel fica muito delimitado. Outro serviço que não
funciona bem são os matriciamentos que tem dificuldade de contratar
profissionais (ENFERMEIRO 01).
- O PSF com sua equipe capacitada para mantê-los e enviar para o CAPS.
Deveria ter os outros serviços da rede funcionando para que ficasse
especialmente somente com as urgência, no nosso caso, agente tem um
ambulatório funcionando aqui dentro porque não temos outro funcionando
fora daqui, agente não tem o centro de convivência funcionando todos os
dias, o PSF não é resolutivo, não temos equipes matriciais lá, o hospital de
referência é o Galba ou o Raul e tem os leitos em hospitais geral que não
funciona direito (ENFERMEIRO 03).
Observamos, mais uma vez, a necessidade de uma rede de serviços
substitutivos que rompam com o modelo manicomial, mas para isso é necessária
91
uma Política de Saúde Mental efetiva nos municípios e a luta dos profissionais,
usuários, famílias e sociedade na luta dos direitos do portador de sofrimento mental.
Torna-se necessário, também, capacitar e rever o modelo de atendimento das
unidades básicas, no sentido de reorganizar o processo de trabalho sustentadas no
acolhimento, na responsabilização, garantia e ampliação do acesso.
6.6.5 Influência da política de saúde mental no trabalho cotidiano
As novas formas de cuidar, influenciadas pelas Políticas de Saúde Mental,
identificadas pelos enfermeiros, estabelecem o trabalho com a equipe interdisciplinar
e o papel de técnico de referência:
- A questão do técnico de referência, trabalhar com a equipe multidisciplinar
(ENFERMEIRO 02).
- A ideia do técnico de referência por exemplo. O fato de você virar técnico
de referência, não que seja ruim, mas impedindo de você exercer a sua
profissão. Eu sentia muita falta de ser enfermeiro, eu vim trabalhar no
Hospital mais para isso, aqui eu tenho minhas funções mais bem
delimitadas (ENFERMEIRO 01).
Essa tecnológica de cuidado desenvolvida nos serviços substitutivos rompe com
uma prática tradicional que distanciava o profissional do objeto, mas, mesmo os
enfermeiros adaptando-se a atuação terapêutica, não se sentem confortáveis com o
“virar técnico de referência”.
Conforme as narrativas expostas acima, os profissionais entrevistados veem o
técnico de referência como uma inovação no cuidado, influenciados pelos princípios
do tratamento individualizado, próximo ao usuário, articulando com a equipe
multidisciplinar e com o território, promovendo inserção no meio onde vive,
abalizados pela Política de Saúde Mental. O enfermeiro faz uma divisão entre os
cuidados de “ser técnico de referência” e os cuidados específicos tradicionais de
enfermagem, o “ser enfermeiro”, como já discutido anteriormente.
Nesse sentido, entende-se que o profissional perde sua especificidade dentro
da equipe ao assumir o papel de técnico de referência, diluindo a especificidade. Há
indícios de desconforto na atuação de enfermagem, fazendo com que busquem
outros dispositivos tradicionais onde atuam na especificidade do cuidado de
enfermagem.
92
Existe a necessidade, portanto, desse profissional buscar uma formação
teórico-clínica que lhe auxilie na condução dos casos. Essa constatação aponta para
um possível despreparo dos profissionais de enfermagem frente às exigências
psíquica, teórica e prática que a atenção ao usuário de saúde mental impõe.
Em outro momento, identificamos a dificuldade de identificação da atuação,
pautada nas Políticas de Saúde Mental que regem o serviço substitutivo e suas
ações, não conseguindo expressar verbalmente: “Para a enfermagem? Difícil né [...]
a gente acaba tendo que seguir o que esta sendo preconizado, então agente meio
que se norteia por ela, de alguma forma ou de outra, alguma atitude [...] é [...]
(ENFERMEIRO 03).
Observamos uma insegurança em situar a atuação de enfermagem na
Política de Saúde Mental, dando a entender o despreparo na formação do
enfermeiro, de não saber como conduzir suas práticas dentro do serviço substitutivo.
Ornelas (2010) ressalta que as práticas dos profissionais que atuam nos
serviços substitutivos devem ter clara orientação política, pois sem essa orientação,
as políticas antimanicomiais não suscitarão novas práticas.
Nas falas anteriores, os enfermeiros não relacionaram atividades como
autocuidado na promoção da autonomia do sujeito, bem como, oficinas terapêuticas,
grupos, visitas domiciliares, atividades comunitárias, focando a integração do doente
mental na comunidade e sua inserção familiar e social, como práticas afinadas com
a Política de Saúde Mental.
6.7 Concepção sobre inserção social e doença mental
As representações dos conceitos poderão influenciar as formas de atuação e
relacionamento dos profissionais que trabalham nos CAPS/CERSAM. As propostas
de inclusão dizem respeito a uma proposta de cidadania, sendo de suma
importância que o enfermeiro atente para a superação das práticas reprodutoras do
modelo asilar da exclusão.
A inserção social para o SUS é definida como “permanência das relações
sociais do paciente e de garantia de equipamentos e atividades em diferentes
esferas da vida (moradia, trabalho, lazer etc.), tanto quanto possível (SUS, 2002, p.
51)
93
Desse modo, perguntamos qual concepção teriam os enfermeiros de
(re)inserção social e doença mental. Para Enfermeiro 01, a inserção social passa
pelo trabalho e independe das limitações do usuário:
Eu acho que não é selecionar o paciente que tem um potencial para ser
inserido, para você ter o que mostrar. Como já falei a reinserção social
passa necessariamente pelo trabalho, independente das limitações das
pessoas, não adianta vc selecionar um paciente que não estar tão
deteriorado e inseri-lo e esquecer o paciente bem delimitado e não fazer
nada por ele (ENFERMEIRO 01).
O discurso infere que a inserção social está relacionada, necessariamente,
pelo trabalho. Sacareno (1999) apud Valladares et al. (2003) aponta três vértices
para reabilitação psicossocial da vida de qualquer cidadão: casa, trabalho e lazer.
Spandler (2007) apud Salles (2011) ressalta que inclusão social não deve
impor que algumas escolhas sejam mais desejadas que outras, como é o caso da
supervalorização do trabalho. Deve-se evitar qualquer exclusão causada pelo
estigma da loucura e procurar aceitar todos na comunidade com suas diferenças:
Eu acho que é o paciente ser aceito na comunidade. O paciente que tem o
transtorno mental é muito segregado, então eu acho que a reinserção
deveria ser aceita, ser aceita na sociedade com as dificuldades deles, com
as estranhezas, que ele fosse mais aceito. Por exemplo: que ele pudesse
trabalhar sem ser olhado de uma forma diferente, transitar tranquilamente
dentro de um ônibus, de poder freqüentar festas, de poder casar, eu acho
que a reinserção aqui dentro é ser aceito na sociedade e serem vistos de
uma forma tranquila (ENFERMEIRO 03).
A inclusão, nesse sentido, está atrelada à volta da execução das atividades
diárias, como forma de ser aceito na comunidade. O “aqui dentro” refere-se que à
concepção de que o CAPS/CERSAM representa um espaço de inclusão social e que
a sociedade é reprodutora da exclusão social.
Outro discurso atribuído à inserção social é quando se fala em evitar a
exclusão causada pelo estigma da doença mental e a dificuldade do acesso ao
trabalho e as relações sociais:
É evitar exclusão social. A partir do momento que ele tem um certo
diagnostico ele se torna excluído. Então essa reinserção dele as vezes é
difícil aceitação, não dele, mas do próximo, no trabalho, na família. Muda a
rotina toda familiar e isso é uma coisa difícil ( ENFERMEIRO 02).
Podemos apreender nos discursos dos enfermeiros que a inserção social é
entendida pelo fato de a pessoa estar em sociedade, ser aceito e interagir com o
94
meio, sem ser diferenciado. Mas a inclusão precisa de uma série de serviços que
lhe deem suporte. Não se trata simplesmente de acabar com o preconceito. É
necessário também desenvolver com o sujeito as suas capacidades, de forma que
ele possa ter um papel atuante na sociedade.
6.8 Concepção sobre transtorno mental
As representações de saúde/doença para Minayo (1994, p. 176) “manifesta
de uma forma específica as concepções de uma dada sociedade como um todo.
Cada sociedade tem um discurso sobre saúde/doença e sobre o corpo, que
compreende a coerência ou as contradições de sua visão de mundo”.
Canguilhem (1995) fala sobre duas concepções de doenças. Uma apresenta
a relação saúde-doença sobre o ponto de vista quantitativo, enquanto a segunda,
sobre o ponto de vista qualitativo. A doença quantitativa se difere apenas
quantitativamente da saúde (estado normal) havendo um processo contínuo entre
elas. A perturbação do estado de equilíbrio do corpo é a doença, e buscar o retorno
a esse estado de equilíbrio é buscar a normalidade, anulando a doença e atingindo a
cura. Sob o ponto de vista qualitativo, a doença difere da saúde como uma
qualidade difere da outra. Esses dois estados são tratados como distintos não tendo
grau entre um e outro. Aqui se pensa a doença não como um grau diferente do
estado “normal”, mas, sim, como algo que transforma o indivíduo e que o faz
diferente do anterior.
Os discursos dos enfermeiros caracterizaram a doença mental em torno da
relação da normalidade, a causalidade:
- Eu tenho uma opinião assim que transtorno mental é uma questão de
ponto de vista. O que pode ser para mim, não é para o outro. Eu não
procuro trabalhar muito esta questão da doença mental, nem acho que
importante, procuro trabalhar o que esta doença mental provoca no
cotidiano desse paciente. Eu consigo aceitar perfeitamente uma pessoa
que tenha delírio cristalizado que não tenha maiores problemas com esse
delírio e não tem que necessariamente medicar. Agora a partir do momento
que esta pessoa se prejudica, ou prejudica outras pessoas ai sim tem que
intervir (ENFERMEIRO 01 grifo nosso).
- O adoecer nosso é diário, agente acaba adoecendo no dia-dia. A doença
mental vai além de ser uma esquizofrenia, uma paranóia, ou coisa assim. O
próprio estresse hoje já é um sinal de adoecimento mental, questões
familiares, a violência, tudo isso gera uma forma de adoecimento mental
(ENFERMEIRO 02 grifo nosso)
95
- Pessoa que é julgada como diferente, que não está dentro do que é
normal, tem uma certa diferença no olhar, em ver as coisas, no perceber a
vida, o afeto, o contato dele com outras pessoas (ENFERMEIRO 03, grifo
nosso).
No discurso Enfermeiro 01, percebe-se que não existem limites sobre o que é
saúde e o que é doença, e depende de uma certa normalidade ou grau de
comportamento para definir a intervenção
No discurso do Enfermeiro 03, fica evidente a percepção da necessidade das
condições de igualdade em relação a outras pessoas, sendo um problema de
caráter social. Exceder as normas estabelecidas socialmente é considerado
transtorno mental, as pessoas são vistas como anormais e por isso necessitam de
tratamento para se enquadrarem na normalidade.
Na percepção do Enfermeiro 02, percebe-se que a doença mental “vai além”
do processo biológico e é também resultado de um processo social.
Nos discursos analisados, foi possível observar alguns conceitos e afirmações
que estão de acordo com a proposição de um novo modelo assistencial. Entretanto,
temos posicionamentos de concepções que saem da normalidade, e que devem ser
reestabelecidos, evidenciando o modelo asilar tradicional. Os diferentes saberes
sobre o transtorno mental certamente se expressam nas práticas cotidianas do
trabalho.
6.9 Comparações entre os dois casos, tendo como referência as diretrizes da
política de saúde mental
Este capítulo dedica-se à exposição e análise da experiência assistencial de
um CERSAM de Belo Horizonte e o CAPS de Itabira, no interior de Minas Gerais. Foi
dividido em três itens, contemplando os aspectos institucionais; o trabalho do
profissional de enfermagem; e a formação do profissional.
6.9.1 Aspectos institucionais
Torna-se apropriado apresentar uma breve descrição sobre a infraestrutura
da rede de serviço em saúde mental com a qual se relaciona a equipe
interdisciplinar.
96
6.9.1.1 Caracterização do CERSAM
O CERSAM/BH localiza-se em uma rua tranquila, silenciosa e, ao mesmo
tempo, não se encontra distante da principal rua do bairro, onde há grande
concentração comercial e tráfego de automóveis. O acesso ao serviço não é difícil e
é servido de variedades linhas de ônibus. Foi implantado em uma antiga Policlínica,
com horários de atendimento 24 horas.
Considerado referência em saúde mental para tratamento de crise, sua
organização se dá através dos plantões de acolhimento, atendendo qualquer pessoa
que procurar os serviços. Conforme o caso, o indivíduo é encaminhado a outros
dispositivos da rede de saúde mental existentes no município ou inscreve o caso
para acompanhamento local.
Hoje, a dinâmica de funcionamento da rede de saúde mental vinculada é de:
22 Centros de Saúde, sendo que sete possuem uma equipe de saúde mental
(Atenção Básica dos bairros: das Indústrias, Tirol, Milionários, Vale do Jatobá,
Independência, Lindéia e Miramar). Possui, também, um centro de convivência; um
Serviço de Urgência Psiquiátrica Noturna (SUP), que atende aos casos novos de
urgência psiquiátrica, encaminha para o CERSAM mais próximo da residência do
usuário e acolhe os usuários que necessitarão de atendimento médico noturno, uma
vez que não tem esse profissional (psiquiatra) no turno da noite. Faz parte também
da rede, o Centro de Referência para a Infância e Adolescência (CRIA), para
atendimento do público infantil.
Na minha primeira visita, havia uma Kombi estacionada na porta principal,
que se encontrava aberta e havia um porteiro uniformizado sentado numa carteira
escolar. A sala de espera/entrada possui algumas cadeiras. Os oficiais
administrativos trabalham defronte à sala de espera, sendo separado por uma
barreira física de aproximadamente um metro e meio de altura. Na sala de espera,
fui recebida por diversos internos ansiosos para conversar, contar histórias e ouvi
também, sons de cantos, violão, risadas. Esse local me pareceu agradável.
Fui apresentada às estruturas físicas, onde havia várias salas de consultórios,
onde ocorriam os plantões e as consultas ambulatoriais e uma sala de oficina ampla,
sendo que, nos dias em que visitei o local, estava sem atendimento e permanecia
trancada. Havia também, uma sala de reunião, outra para questões administrativas e
uma sala pequena onde funcionava a farmácia. Também observei um espaço de
97
descanso, amplo, que podia ser utilizado tanto pelos homens quanto pelas mulheres
e, nos dias das minhas visitas, estava sempre vazio. Todos esses ambientes
estavam limpos e organizados e os bens permanentes em bom estado de
conservação.
As salas de atendimento eram ocupadas por computadores, utilizados para o
prontuário virtual, cujas informações eram compartilhadas com os profissionais da
rede de saúde.
Os usuários em permanência-dia circulavam livremente em uma área
externa, composto por piso de cimento e área de jardim, ampla com bancos de
concreto onde os usuários, em muitos momentos, ficavam conversando, sendo
acompanhados pelos técnicos de enfermagem, ou algum outro profissional da
equipe.
A composição da equipe do CERSAM, atualmente é formada pela equipe
assistencial (três psiquiatras; quatro enfermeiros, seis psicólogos, dois terapeutas
ocupacionais, e um assistente social), e pela equipe de apoio (um gerente, um
agente administrativo, dois copeiros, um faxineiro, um motorista, e quatro porteiros).
6.9.1.2 Caracterização CAPS/Itabira
O CAPS/Itabira localiza-se em umas das avenidas principais que dá acesso
aos bairros circunvizinhos. Avenida movimentada, trânsito moderado a intenso
durante todo o dia, fica próximo a Secretaria de Saúde do Município e também a um
centro comercial. O acesso é realizado apenas por duas linhas de ônibus.
É considerado um Centro de Atenção Psicossocial do tipo II, referência em
crise psiquiátrica de neurose e psicose grave, e possui instalações próprias desde
1992, sendo responsável pelo atendimento de 100% da população de Itabira e de 13
microrregiões, totalizando 207.500 habitantes.
A organização do serviço se dá através de acolhimento da demanda
apresentada, encaminhando, quando necessário, para outros serviços da rede de
saúde mental ou inscrevendo no atendimento de permanência dia ou ambulatorial.
Hoje, a dinâmica de funcionamento da rede de saúde mental vinculada ao
CAPS é: 24 Estratégias de Saúde da Família (ESF), em Itabira; uma equipe do
Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), dando suporte em três ESF; leitos em
98
Hospital Geral e psiquiátrico; um Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi) e
um centro de convivência.
Na primeira visita, havia vários carros estacionados e uma Kombi defronte a
um portão de grades altas, que estava trancado. Do lado de dentro, havia um
porteiro uniformizado sentado (espécie de guarita), que gentilmente abriu o portão,
quando eu cheguei e, assim que entrei, logo o portão foi trancado.
Adentrei numa área externa estreita que circundava todo o local, com
algumas árvores altas recostadas em muros, também altos, e, nessa área havia
alguns usuários que estavam sentados em bancos de concreto ou em cadeiras. A
sala de espera possuía cadeiras e pessoas esperando atendimento, sendo que em
todas as minhas visitas, observei um fluxo moderado de pessoas. Essa sala era
separada da sala de recepção por pequena barreira física de aproximadamente um
metro e metro de altura.
O oficial administrativo trabalhava nesse local e havia grande circulação de
outros profissionais em busca de documentos, prontuários e direcionados ao
atendimento telefônico. Alguns internos passavam, olhavam, mas não aproximavam
e os profissionais que passavam apressados.
Fui convidada, pela enfermeira, a conhecer a estrutura do serviço. Passei por
um corredor onde havia vários consultórios para atendimento ambulatorial, uma sala
administrativa e uma sala ampla para reunião. Essa última dava para uma área
ampla cimentada, com aspecto de sujidade, com materiais estragados e
amontoados. Ao lado, tinha uma sala de farmácia, pequena. Observei uma área
interna, cimentada, de tamanho moderado, com alguns bancos de concretos e
cadeiras, onde havia poucos internos sentados.
Defronte à sala de espera, encontrava-se uma área aberta, denominada de
posto de enfermagem, onde encontrava-se um técnico de enfermagem que
observava os usuários de longe. Do posto de enfermagem era possível visualizar as
áreas de descanso feminino e masculino, utilizadas por vários usuários que estavam
dormindo. Existia, também, uma sala de televisão com um sofá, sempre com
usuários sentados, às vezes sonolentos, “cochilando”. Ao lado, localizava-se um
refeitório amplo, conjugado à cozinha, separados por uma barreira física de
aproximadamente um metro e meio. Por fim, conheci uma sala ampla, destinada à
realização de oficinas terapêuticas, cuidados esses, não realizados nos dias em que
estive no local.
99
A maioria dos materiais permanentes estava em mau estado de conservação
como cadeiras, mesas, sofás e armários. Havia computadores apenas no setor
administrativo. A composição da equipe do CAPS, atualmente é formada pela
equipe assistencial (dois psiquiatras; dois enfermeiros, quatro psicólogos, um
terapeuta ocupacional, e um assistente social), e pela equipe de apoio (um gerente,
um agente administrativo, um copeiro, um faxineiro, um motorista e dois porteiros).
Trata-se, portanto de dois serviços substitutivos diferentes, mas que se
enquadram na Portaria n.º 336/2002, com a priorização dos atendimentos, no caso
adultos, de modalidades diferentes, sendo que esse fator não influencia na
assistência prestada. Os atendimentos estão sendo direcionados a pacientes mais
necessitados e obedecem às exigências mínimas de recursos humanos.
A articulação em rede de saúde mental dos serviços substitutivos é
diferenciada e apresenta avanços do CERSAM em relação ao CAPS. Evidenciamos
que os dispositivos necessários para implantação de uma Política de Saúde Mental
efetiva estão se apresentado a passos lentos no município de Itabira/MG,
necessitando, portanto, de prioridade e compromisso da Gestão Municipal, uma vez
que é responsável pelas decisões políticas de investimento na rede pública
substitutiva aos manicômios.
Nosso objetivo não foi avaliar como têm sido processadas as Políticas de
Saúde Mental dos municípios onde os CAPS/CERSAM estão inseridos, mas
consideramos que elas sejam necessárias para estabelecer a eficiência dos
dispositivos substitutivos apresentados.
6.9.2 Aspectos relacionados ao trabalho do enfermeiro no CAPS/CERSAM
Considerando as atuações preconizadas pela Portaria nº 336/2002 para os
CAPS e os objetivos de responder as demandas dos usuários por cuidados que
promovam a “reinserção social através da articulação ampla, desenhada com
variados componentes ou recursos da assistência, para a promoção da vida
comunitária e da autonomia dos usuários dos serviços” (BRASIL, 2005 p.31),
comparamos as práticas desenvolvidas pelos enfermeiros no CAPS/CERSAM, a fim
de verificar se afinam com os princípios das Políticas de Saúde Mental.
Os enfermeiros lotados no CERSAM apresentaram uma dinâmica de trabalho
estruturada em relação aos enfermeiros que atuam no CAPS, levando-se em
100
consideração as agendas de trabalho. Essa estratégia de agendas pode estar
relacionada ao número de profissionais de enfermagem que atua no serviço e a
necessidade de organização.
Quanto às atividades desenvolvidas com os usuários, identificamos que no
acolhimento é utilizada uma tecnologia de trabalho como o primeiro passo para um
atendimento bem sucedido, exigindo escuta qualificada e definição de condutas.
Observamos que os enfermeiros do CERSAM/BH atuam ativamente no
acolhimento à crise, como plantonistas, responsabilizando-se pelo atendimento,
definindo condutas e recorrendo à equipe interdisciplinar, caso necessário. Alinhamse, portanto, com os princípios da Política de Saúde Mental.
No entanto, os enfermeiros do CAPS/Itabira não se responsabilizam pelo
acolhimento à crise, pela exigência da escuta qualificada e responsabilidade em
traçar os primeiros planos de cuidados. Fazem o papel de um “recepcionista” de
usuários que adentram no serviço e encaminham para os psicólogos, terapeutas
ocupacionais ou assistente social para definição de condutas.
Podemos inferir que há necessidade de capacitação e aperfeiçoamentos do
CAPS/Itabira, a fim de se instituir uma escuta qualificada, criatividade nos cuidados
que possam ser desenvolvidos com recursos do território, e um plano terapêutico,
além de possibilitar o trabalho interdisciplinar, minimizando a fragmentação e
supervalorização de saberes.
Identificamos que para a continuidade do tratamento individual é necessário
que esses usuários sejam acompanhados de perto por um profissional de nível
superior, rompendo as práticas tradicionais que distanciava os técnicos de referência
do objeto.
Essa tecnologia - cuidado - é amplamente utilizada pelos enfermeiros do
CERSAM/BH, que acompanham os casos, procuram assistir o usuário conforme a
demanda apresentada e definem o que será realizado. As condutas para o plano
terapêutico são tomadas de comum acordo com a equipe
Essa estratégia tem trazido inquietação e conflitos para os enfermeiros, por
tratar-se de uma responsabilização frente à condução dos casos e do trabalho
interdisciplinar. Um dos entraves apontados é que encobre a especificidade e dilui a
identidade profissional.
Diferentemente do CERSAM, os enfermeiros do CAPS/Itabira não atuam
como técnicos de referência. Observamos que há um distanciamento do usuário,
101
sendo que esses profissionais não assumem conduções dos casos clínicos, ficando
essa ação a cargo dos psicólogos do serviço. Inferimos, novamente, a necessidade
do posicionamento do enfermeiro na responsabilização, como agente de mudanças
e voltado à atuação interdisciplinar.
Ao questionarmos sobre as atividades desempenhadas com a equipe
interdisciplinar, observamos que os enfermeiros do CERSAM/BH têm maior
interação de saberes, em virtude das discussões de casos clínicos; seja para
condutas em acolhimentos ou para o plano terapêutico como técnicos de referência,
essa aproximação ocorre através diálogo constante. Outro momento rico de
interação interdisciplinar são as reuniões de equipes com os próprios profissionais
do CERSAM ou das microáreas das unidades básicas de saúde.
No que tange os enfermeiros do CAPS/Itabira, eles relatam desenvolver
atividades interdisciplinar quando ocorre discussão dos casos para interferência do
plano terapêutico, que se dá diariamente ou em reuniões de equipe. Observamos no
campo da pesquisa, durante uma reunião de equipe, que o enfermeiro tem maior
pontuação nos planos terapêuticos, no que diz respeito aos aspectos clínicos e
comportais dos usuários em permanência-dia, sobre o uso de medicamentos,
sintomas, reações adversas e interação familiar.
Outra atividade desenvolvida, amplamente, pelos enfermeiros com os
usuários, e que se alinha às Políticas de Saúde Mental é a tecnologia de
autocuidado, principalmente com usuários em permanência-dia. Os profissionais se
sentem familiarizados com saberes que regem o autocuidado, em decorrência de
sua da formação acadêmica.
Observamos que tanto os enfermeiros do CERSAM/BH quanto os enfermeiros
do CAPS Itabira realizam essa atividade, com o objetivo de promover a autonomia
do sujeito em saúde mental e ampliando as possibilidades de se estabelecer a
manutenção da vida e do bem-estar.
Ao realizar o levantamento de dados para essa pesquisa, identificamos que a
maneira como esse cuidado é prestado permite a participação do usuário, que deixa
de ser apenas um receptor passivo das ações do enfermeiro, ou seja, o enfermeiro
age promovendo a percepção no usuário de que ele é capaz de se autocuidar.
Inferimos que as atividades do autocuidado são realizadas, na maioria das
vezes, por técnicos de enfermagem, no CAPS/Itabira, enquanto que no
102
CERSAM/BH essa prática é exercida pelos enfermeiros com auxílio de alguns
técnicos.
As atividades de grupos e oficinas têm sido estratégias de cuidados eficazes
para estabelecer a reabilitação de usuários, como a participação de familiares e da
equipe interdisciplinar, se alinhando às Políticas de Saúde Mental, principalmente
para o dispositivo CAPS.
No entanto, observamos que, tanto no CAPS/Itabira quanto no CERSAM/BH,
não ocorre atuação efetiva do enfermeiro em atividades em grupo. As atividades em
grupo realizadas pelo enfermeiro no CERSAM/BH se restringem às oficinas
desenvolvidas com os técnicos de enfermagem sobre o autocuidado e ele se coloca
como auxiliar de outros profissionais da equipe técnica em oficinas terapêuticas.
Já no CAPS/Itabira os enfermeiros não atuam em atividades em grupos, seja
os grupos operativos ou as oficinas. Esse fato nos remete à ideia de que o
enfermeiro não possui saberes necessários para desenvolver essas diferentes
estratégias de cuidado sejam grupos de convivência, “de fazer algo junto”, de
reflexão e debate, educativos, de negociação de conflitos, assembleias, etc. Faz-nos
pensar, também, na dificuldade de exercer o trabalho em equipe interdisciplinar,
quando concentram os saberes e práticas em um único profissional.
No tempo de coleta de dados nos campos de pesquisa não foi evidenciado o
trabalho do enfermeiro com grupos ou oficinas, seja na condução individual ou com
outro profissional da equipe interdisciplinar.
Outra atividade preconizada pelas Políticas de Saúde Mental no serviço
substitutivo é o atendimento à família. Constatamos que os enfermeiros dos
CAPS/Itabira e do CERSAM/BH desenvolvem acompanhamento das famílias, em
atendimento individual, demanda livre ou em visitas domiciliares, com objetivo de
promover a participação dos familiares no tratamento. Alinham-se, portanto, com os
princípios da Política de Saúde Mental, mas enfatizamos que podem desenvolver
outras formas de participação e acompanhamento das famílias, através dos grupos,
eventos culturais, etc..
Outras atividades de suma importância que restituem o usuário ao contexto
social, rompendo com modelo manicomial, segregativo, são as desenvolvidas no
território, sendo o serviço substitutivo base para a articulação dessas atividades.
Identificamos que os enfermeiros do CERSAM/BH e do CAPS/Itabira apresentaram
dificuldade em definir estratégias de cuidado desenvolvidas nos territórios. Através
103
dos discursos, percebemos que limitam esse trabalho na rede de saúde mental, na
integração com as unidades básicas de saúde, limitando-se, portanto, as atividades
de cuidado no interior do CAPS e do CERSAM. Trabalhar no território significa
resgatar todos os saberes e potencialidades dos recursos da comunidade,
construindo, coletivamente, as soluções, a multiplicidade de trocas entre as pessoas
e os cuidados em saúde mental:
É a articulação em rede de diversos equipamentos da cidade, e não apenas
de equipamentos de saúde, que pode garantir resolutividade, promoção da
autonomia e da cidadania das pessoas com transtornos mentais. Para a
organização desta rede, a noção de território é especialmente orientadora
(BRASIL, 2005, p. 26).
Para efetivação das atividades no território é necessário haver, também, uma
prática intersetorial de articulação das Políticas de Saúde Mental e outras políticas
dos municípios. Contudo, o trabalho no território ainda não é realizado de maneira
eficiente no CAPS e no CERSAM.
6.9.3 Fatores que facilitadores e dificultadores
As dificuldades apontadas pelos enfermeiros do CERSAM/BH, no processo
de trabalho, estão relacionadas à falta de identidade do enfermeiro nesse serviço e
ao tempo prolongado dedicado à atuação como técnico de referência, o que os
distanciam de atividades consideradas específicas do enfermeiro. Outro fato
dificultador levantado foi o número reduzido de funcionários, que é considerado um
empecilho para implementação de atividades.
Diferentemente
das
dificuldades
vivenciadas
pelos
enfermeiros
do
CERSAM/BH, os enfermeiros do CAPS/Itabira evidenciaram como dificultadores do
processo de trabalho a má remuneração, desvalorização e desmotivação, causadas
pela precariedade de recursos das Políticas de Saúde Mental do município.
Os aspectos que facilitam os processos de trabalho do enfermeiro no
CERSAM/BH são: a identificação pessoal com a área de saúde mental, interação
entre profissionais da equipe interdisciplinar, formação em saúde mental, seja
através da formação acadêmica, na Pós-Graduação ou cursos e a busca contínua
pelos saberes e aprimoramento das práticas em saúde mental.
104
No que tange ao CAPS/Itabira, os enfermeiros pontuam como facilitadores do
processo de trabalho: a identificação pessoal com a área de saúde mental, a relação
com a equipe interdisciplinar e o envolvimento da família no tratamento do usuário.
Mesmo com as dificuldades impostas pelas Políticas de Saúde Mental
municipal e pela identidade profissional, com a má remuneração e o baixo quadro
funcional, os enfermeiros do CAPS/CERSAM apresentam uma postura receptiva e
aberta para o trabalho com usuários, mostrando interesse pessoal em atuar na
saúde mental.
6.9.4 Percepção sobre a política de saúde mental vigente (no país, município,
no trabalho)
Observamos que os enfermeiros do CERSAM/BH consideram que a Política
de Saúde Mental necessita de um rearranjo, a fim de contemplar dificuldades
vivenciadas pelos municípios menores e pelo descumprimento da legislação vigente.
Essa reorganização seria necessária diante da falta de leitos psiquiátricos em
hospitais gerais, gerada pelas modalidades de CAPS I e II que não possuem
atendimento 24 horas. O ideal, portanto. seria a modalidade de CAPS III.
Quanto à Política de Saúde Mental local, esses profissionais inferem a
necessidade de aumento dos recursos humanos, adequação da infraestrutura física,
necessidade de ultrapassar as assistências prestadas no CERSAM/BH e articulação
com o território, por meio de amparatos eficientes de reinserção social,
principalmente no que diz respeito ao trabalho e à renda.
Os enfermeiros do CERSAM/ consideram que o trabalho em dispositivo
rompe com o modelo manicomial através dos trabalhos integrados com o ESF,
famílias, serviço de plantão noturno, leitos psiquiátricos e relatam a necessidade de
capacitação dos profissionais da ESF.
No que tange à percepção política dos enfermeiros do CAPS/Itabira,
identificamos uma visão distorcida quanto às conquistas alcançadas pelo o
movimento da luta antimanicomial, como o fechamento dos manicômios. Segundo
os enfermeiros, esse fato teria deixado as famílias fragilizadas, uma vez que não
estavam preparadas para cuidar dos seus doentes mentais, estendendo esse
quadro ao CAPS. Quanto à Política de Saúde local, demonstram uma fragilidade da
rede de saúde mental, com poucos dispositivos e baixa resolubilidade do PSF e no
105
Centro de Convivência. No entanto, destacaram, contraditoriamente, que o CAPS
não apresenta demanda reprimida e todos os casos são resolvidos.
Ao caracterizarem o CAPS/Itabira, os enfermeiros dizem se tratar de um
serviço de urgência psiquiátrica, que possui permanência-dia, onde os usuários
ficam sob o olhar dos profissionais, com tratamento intensivo até estabilizar.
Podemos inferir que as cenas relatadas no item 3.1.2 desse trabalho se tratavam,
provavelmente, de pacientes sob os efeitos de medicação, com quadro de
sonolência excessiva.
Ao identificar a influência das Políticas de Saúde Mental na atuação de
enfermagem, observamos insegurança e despreparo em situar essa atuação,
demonstrando um desconhecimento político, o que tem contribuído para uma prática
de exclusão social, mesmo estando em serviços que substituíam essa lógica
manicomial. Concluímos que os enfermeiros do CERSAM/BH possuem um maior
esclarecimento sobre as Políticas de Saúde Mental, se posicionando, criticamente,
ao modelo vigente, mostrando a necessidade de exceder os modelos assistenciais
prestados aos usuários, a fim de promover a inserção social.
6.9.5 Aspectos relacionados à formação do profissional
Um dos principais desafios para consolidar os princípios da reforma
psiquiátrica brasileira é uma formação capaz de superar o modelo manicomial. Os
enfermeiros inseridos nos serviços substitutivos têm encontrado dificuldade em
delinear as práticas, em decorrência da falta de saberes necessários para o
desenvolvimento de práticas interdisciplinares, individuais, que promovam a
reinserção social com todo aparato do território.
Identificamos que os enfermeiros, tanto do CERSAM/BH quanto do
CAPS/Itabira, destacaram que a formação acadêmica foi composta por uma maior
carga horária destinada a aulas teóricas em detrimentos das aulas práticas, que, em
serviços substitutivos, foram reduzidas a visitas técnicas. Observamos que a aulas
teóricas foram fundamentadas em psicopatologias e psicofarmacologias e cuidados
de enfermagem frente aos transtornos.
Em ambas as situações, os enfermeiros tiveram uma formação baseada no
modelo manicomial e constataram que a formação acadêmica foi ineficiente.
106
Afirmaram, também, que o conhecimento foi calcado, diariamente, em uma
comunicação estreita com a equipe interdisciplinar.
Os meios utilizados para a capacitação dos enfermeiros do CERSAM/BH foi
através, de discussão de casos clínicos, cursos, livros, artigos, conferências,
supervisão clínica e reuniões de equipe. Não foi observado quaisquer documento
que remetiam a cursos, capacitação, fóruns com a participação do enfermeiro,
promovidos pelos gestores locais ou estaduais.
Em Itabira/MG, o único meio de capacitação foi através de reunião de
equipes. Inferimos que não teve uma busca pessoal, tampouco registros de fóruns,
palestras, cursos na área de saúde mental, oferecidos pela administração local ou
estadual.Observamos que os enfermeiros do CERSAM/BH têm buscado um
aperfeiçoamento contínuo, em relação aos enfermeiros do CASPS/Itabira, para o
desenvolvimento de práticas pautadas na reforma psiquiátrica.
Ao relatar quais saberes são necessários para o desenvolvimento de práticas
nos serviços substitutivos, tanto os enfermeiros do CERSAM/BH quanto do
CAPS/Itabira, destacaram a necessidade de se investir nos estudos das
psicopatologias, teorias de enfermagem psiquiátrica, e precisão de uma maior carga
horária para formação acadêmica, tanto práticas com teórica. Observamos uma
tendência de esses profissionais estarem à margem dos movimentos pela
transformação do modelo de assistência da saúde mental. As bases teóricas
ressaltadas pelos enfermeiros não englobam todas as necessidades impostas pelo
serviço psicossociais.
6.10 Produto técnico
A reforma psiquiátrica brasileira teve início nos movimentos sociais de
trabalhadores de saúde mental e familiares, através de denúncias sobre os maus
tratos e abandonos dos doentes mentais. Os grandes marcos reivindicatórios
concretizaram-se a partir da reforma sanitária, através da 8° Conferência Nacional
de Saúde, em 1986, que norteou a criação do SUS.
O novo modelo teve como eixo principal a reestruturação da assistência,
caracterizada pela desospitalização de pacientes internados por longo período, bem
como a criação de serviços substitutivos, trazendo novos dispositivos para lidar com
o sofrimento mental no âmbito social, dentre eles o CAPS.
107
Nesse dispositivo, o enfermeiro integra a equipe interdisciplinar e sua atuação
no CAPS torna-se essencial para a implementação da própria reforma psiquiátrica,
uma vez que esse profissional deve ter um papel extremamente ativo nos serviços
substitutivos, inclusive trazendo inovações quanto à prática da enfermagem.
Com a mudança do modelo assistencial, surge a preocupação referente à
formação profissional, a re(invenção) de novos saberes e práticas, a fim de garantir
uma assistência eficaz e a promoção de saúde sem perda da dignidade dos
portadores de sofrimento mental. Isso pode implicar não somente em investimentos,
mas, também, em resistências por parte de profissionais, seja por manterem as
concepções e as práticas tradicionais, seja por não saberem como pautar a sua
atuação dentro dos novos paradigmas.
A identificação de práticas inovadoras dos profissionais de saúde vem
esclarecer, agregar e consolidar conhecimentos necessários ao avanço da reforma
psiquiátrica e à forma de se organizar os cuidados em saúde mental para garantir a
qualidade do atendimento e a proteção da dignidade e da cidadania do portador de
sofrimento mental.
A partir dessas preocupações, foi realizada uma pesquisa sobre a formação e
a prática dos profissionais de enfermagem que atuam no CAPS do Sistema de
Saúde, com atenção à saúde mental. A pesquisa já foi concluída e embasa a
dissertação defendida em agosto de 2013. Como se trata de um mestrado
profissional, a dissertação inclui ainda a elaboração de um plano de ensino para fins
de capacitação do enfermeiro na atuação em serviços substitutivos CERSAM/CAPS.
A questão central que norteou o estudo foi: quais são os saberes necessários
às práticas desenvolvidas pelo enfermeiro no Centro de Atenção Psicossocial, tendo
em vista as diretrizes da atual Política de Saúde Mental? Assim, a pesquisa elegeu,
como objetivo, analisar saberes e práticas necessárias ao trabalho do enfermeiro no
CAPS, visando a elencar cuidados que contribuam para a formação e atuação desse
profissional nos serviços substitutivos da Política de Saúde Mental.
A pesquisa teve abordagem qualitativa, utilizando o método do estudo de
caso para abordar a questão central, através de uma análise comparativa entre dois
centros de referência ao portador de sofrimento mental, que se constituem em
cenários diferentes no que diz respeito à forma de organização e ao trabalho do
enfermeiro.
108
Foram comparados um Centro de Atenção Psicossocial de uma cidade do
interior de Minas Gerais e um Centro de Referência em Saúde Mental (CERSAM) de
Belo Horizonte, considerando-se os saberes e as práticas dos profissionais de
enfermagem, de acordo com a Política de Saúde Mental.
Por meio de um formulário de entrevista semiestruturada, foram entrevistados
todos os enfermeiros que trabalhavam nos referidos centros, no primeiro semestre
de 2013, excetuando aqueles com menos de seis meses de trabalho. Além disso,
foram realizadas observações sistemáticas nos dois serviços, visando a conhecer a
rotina e as atividades desenvolvidas por aqueles profissionais.
O estudo evidenciou que, na formação acadêmica dos entrevistados, existem
lacunas entre o conhecimento teórico-prático e o saber específico para a atuação
nos serviços substitutivos de saúde mental. Muitas vezes, nota-se uma dissociação
entre as proposições da reforma psiquiátrica e os conhecimentos e práticas
desenvolvidas no cotidiano do profissional de enfermagem, nos centros estudados.
Para tal dissociação, concorre a organização do serviço que ainda enfatiza mais a
abordagem do sintoma do que a inserção social do portador de sofrimento mental.
Os enfermeiros denotam conhecer as propostas da reforma psiquiátrica,
porém apontam as dificuldades para a sua concretização na prática dos serviços.
Inclusive, expressam a necessidade de capacitação para a atuação na saúde
mental, enfatizando os saberes e práticas que devem ser mobilizados e/ou
desenvolvidos de acordo com as diretrizes da Política de Saúde Mental. Na
comparação entre os dois centros estudados foi possível perceber que a oferta de
serviços substitutivos e a ampliação da rede de atenção em saúde mental é um
elemento central para o desenvolvimento e a sustentabilidade desses saberes e
práticas.
A partir das conclusões do estudo, foi elaborado um plano de ensino para
capacitação de profissionais enfermeiros dos CERSAM/CAPS, que poderão
contribuir para a prática, no bojo das propostas da saúde mental. Nesse sentido,
reafirma-se a relevância da atuação do enfermeiro para a concretização da reforma
psiquiátrica, para a qualidade do tratamento e para o respeito à dignidade do
portador de sofrimento mental. O processo de construção de uma Política de Saúde
Mental requer não apenas recursos materiais e técnicos, mas também saberes e
práticas inovadoras que possam imprimir sustentabilidade ao novo sistema de
atendimento.
109
PLANO DE ENSINO – CURSO DE CAPACITAÇÃO
Curso: Capacitação do Enfermeiro do CAPS/CERSAM para os cuidados em saúde mental
Carga Horária Total
Período de Realização
48 horas – Divididos em 12 encontros
02 a 22 de agosto
de quatro horas
EMENTA
Políticas norteadoras das ações para a estruturação do cuidado e da atenção psicossocial.
Estratégias de cuidados de enfermagem no modelo psicossocial ao indivíduo a família.
OBJETIVO GERAL
Instrumentalizar os enfermeiros dos CERSAM/CAPS, aprofundando os conhecimentos dos
fundamentos teóricos em saúde mental e os princípios da reforma psiquiátrica, complementando sua
formação.
METODOLOGIA DE ENSINO
Encontros expositivos dialogados, leituras e discussão de textos, norteados pelos fundamentos
teóricos, reforma psiquiátrica, trabalho interdisciplinar e com recursos do território. Estudos de casos
clínicos vivenciados pelos enfermeiros nos serviços, como metodologia de aprendizagem.
PROGRAMAS
Módulo 1 – Fundamentos políticos e teóricos em saúde mental
•
Política de Saúde Mental no Brasil e reforma psiquiátrica;
•
Mudança do modelo assistencial manicomial para assistência psicossocial;
•
Definição de doença mental e saúde mental;
•
Noções das correntes teóricas: psicanálise, psicologia existencial-humanista, psiquiatria
biológica, Relacionamento interpessoal terapêutico.
Objetivos
•
Discutir os movimento da luta anti-manicomial, reforma psiquiátrica e as Políticas de Saúde
Mental no Brasil;
•
Discutir as concepções saúde e doença em uma dimensão contextualizada ao modo de vida
do usuário, saúde e cidadania;
•
Identificar e discutir as principais correntes teóricas aplicadas, atualmente, pelos enfermeiros
participantes do CAPS/CERSAM;
•
Analisar a atuação do enfermeiro no modelo de atenção manicomial e psicossocial;
•
Aplicar os princípios teóricos e políticos nos estudos de casos clínicos vivenciados nas práticas
do enfermeiro participante.
110
Módulo 2 – Ferramentas para um cuidado ampliado
•
Enfoque do trabalho do enfermeiro na equipe interdisciplinar dos CAPS/CERSAM;
•
Tecnologias de cuidados do enfermeiro no acolhimento, técnicos de referência, Intervenção
junto à família e no território;
•
Grupos e oficinas como dispositivos terapêuticos em saúde mental.
Objetivos
•
Discutir os fundamentos do trabalho do enfermeiro na equipe interdisciplinar;
•
Analisar a atuação de enfermagem junto à família e com recursos do território, identificando as
estratégias para o cuidado;
•
Analisar a atuação do enfermeiro na condução de casos clínicos, construção do plano
terapêutico, responsabilização nas estratégias de cuidados de oficinas e grupos terapêuticos;
•
Planejar, implementar e avaliar planos terapêuticos, a partir da interação com o paciente,
família, recursos do território e equipe interdisciplinar, tendo como base os casos clínicos
vivenciados pelos enfermeiros participantes.
CRONOGRAMA
Encontros
Conteúdo
Estratégias Didáticas
Apresentação do curso. Levantamento de casos clínicos
01
vivenciados pelos enfermeiros nos CAPS/CERSAM. Aula
Aula expositiva dialogada.
expositiva dialogada: Política de Saúde Mental no Brasil e
reforma psiquiátrica.
Discussão em grupo dos textos abaixo:
TENÓRIO, F. A reforma psiquiátrica brasileira, da década
de 1980 aos dias atuais: história e conceito. Rev. História
02
Ciências Saúde, Rio de Janeiro, v. 9 , n. 1, p.
25-59,
jan./abr., 2002.
AMARANTE, P. Loucos Pela Vida: a trajetória da Reforma
Oficina - cada grupo será
responsável pelo
desenvolvimento do artigo
ou capítulo do livro.
Psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1995.
(Capítulos 1, 2, 3).
Modelos
assistenciais:
manicomial
e
psicossocial.
Definição de Doença Mental e Saúde Mental. Discussão
em grupo dos textos abaixo:
03
Aula expositiva dialogada
e
Oficina - Cada grupo será
GOULART, M. S. B. A. Construção da Mudança nas
responsável pelo
Instituições Sociais: A reforma Psiquiátrica. Pesquisa e
desenvolvimento do artigo
Prática
jun.2006.
Psicossociais,
São
João
Del-Rei,
v.1,
n.1,
ou capítulo do livro.
111
CRONOGRAMA
Encontros
Conteúdo
Estratégias Didáticas
AMARANTE, P., GIOVANELLA, L. O Enfoque Estratégico
do Planejamento em Saúde Mental. In: AMARANTE, P.
(org.) A Psiquiatria Social e Reforma Psiquiátrica. Rio de
Janeiro: Fiocruz, 2002. p. 113-149
04
Noções das correntes teóricas: psicanálise, psicologia
Aula expositiva dialogada
existencial-humanista.
05
Noções das correntes teóricas: psiquiatria biológica,
Aula expositiva dialogada
relacionamento interpessoal terapêutico.
Apresentação de casos clínicos vivenciados nas práticas
06
dos participantes, identificando os princípios teóricos e
Oficina
políticos.
Trabalho do enfermeiro junto à equipe interdisciplinar dos
CAPS/CERSAM. Discussão em grupo dos textos abaixo:
COSTA, A. S. S. M. A construção do saber da enfermeira
na
equipe
interdisciplinar
2005.
psicossocial.
07
116
de
f.
serviços
Tese
de
atenção
(Doutorado
em
Aula expositiva dialogada
Enfermagem) – Universidade de São Paulo - Programa
e
Interunidade de Doutoramento em Enfermagem. São
Oficina - Cada grupo será
Paulo, 2005
responsável pelo
FAZENDA ICA. Interdisciplinaridade: história, teoria e
desenvolvimento do artigo
pesquisa. Campinas: Papirus, 1994.
ou capítulo do livro.
KRASILCHICK
M.
Interdisciplinaridade:
problemas
e
perspectiva. Revista USP, v. 39, p. 38-43, 1998.
SCHNEIDER, J. F. et al. Concepção de uma equipe de
saúde mental sobre interdisciplinaridade. Rev. Gaúcha
Enferm., Porto Alegre, v. 30, n. 3, p. 397-405, set. 2009.
Tecnologias de cuidados do enfermeiro no acolhimento,
técnicos de referência. Discussão em grupo do texto
abaixo:
Tecnologias
e
Oficina - Cada grupo será
JORGE, M. S. B. et al. Promoção da Saúde Mental–
08
Aula expositiva dialogada
do
Cuidado:
vínculo,
acolhimento,
co-
responsabilização e autonomia. Ciênc. saúde coletiva, v.
16, n. 7, p. 3051-3060, 2011.
responsável pelo
desenvolvimento do artigo
ou capítulo do livro.
112
CRONOGRAMA
Encontros
Conteúdo
Estratégias Didáticas
Tecnologia de cuidados do enfermeiro junto à família.
09
Discussão em grupo dos textos abaixo:
Aula expositiva dialogada
SCHRANK, G. O centro de atenção psicossocial, e a
e
inserção da família. Dissertação de mestrado. 2006. 114 f.
Oficina - Cada grupo será
Dissertação (Mestrado em Enfermagem) - Universidade
responsável pelo
Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem.
desenvolvimento do artigo
Curso de Enfermagem, Porto Alegre, 2006.
ou capítulo do livro.
SARTI, C. A. A família como ordem simbólica. Psicol. USP,
São Paulo, v. 15, n. 3, 2004.
10
Tecnologias de cuidados através da atuação em grupos.
Aula expositiva dialogada
Discussão em grupo dos textos abaixo:
e
AFONSO, M. L. M. et al. Oficinas em dinâmica de grupo na
Oficina - Cada grupo será
área da saúde. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.
responsável pelo
SPADINI, L. S.; SOUZA, M. C. B. M Preparo de
desenvolvimento do artigo
Enfermeiros nos grupos em saúde mental. Esc. Anna Nery
ou capítulo do livro.
Rev. Enferm. v. 14, n. 2, p. 355-360, abr./jun. 2010.
Tecnologias de cuidados com recursos do território.
Discussão em grupo dos textos abaixo:
SALLES, M. M.; BARROS, S.. Inclusão social de pessoas
com transtornos mentais: a construção de redes sociais na
11
vida cotidiana. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 18,
Aula expositiva dialogada
n. 7, jan./jul. 2013.
e
THORNICROFT, G.; TANSELLA, M. Quais são os
responsável pelo
argumentos a favor da Atenção Comunitária à Saúde
desenvolvimento do artigo
Mental?. Pesquisa prát. psicossociais, v. 3, n. 1, p. 9-25,
ou capítulo do livro.
Oficina - Cada grupo será
2008.
NAVARRO BAYÓN, D. et al. Calidad de vida, apoyo social
y deterioro en una muestra de personas con trastorno
mental grave. Intervención psicosocial, v. 17, n. 3, p. 321336, 2008.
Apresentação
dos
enfermeiros
planejamento, implementação e
12
participantes
avaliação de
do
Oficina – Cada
casos
participante será
clínicos, a partir da interação com o paciente, família,
responsável pelo
recursos do território e equipe interdisciplinar.
desenvolvimento do caso
clínico.
113
RESULTADOS ESPERADOS
• Corresponsabilização do enfermeiro na atuação em saúde mental, com comprometimento
ético, humano, interdisciplinar, buscando qualidade no atendimento e inserção social;
•
Conscientização do enfermeiro sobre sua importância como ator social, agente político da
reforma psiquiátrica, capaz de promover transformações.
RECURSOS DIDÁTICOS / MATERIAIS NECESSÁRIOS
Data show. Quadro. Pincéis.
PÚBLICO-ALVO
O curso é aberto a profissionais que tenham concluído a graduação em Enfermagem, que trabalham
nos serviços substitutivos ou se interessem pela área de Enfermagem em Saúde Mental .
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
AMARANTE, P. Loucos pela Vida: a trajetória da Reforma Psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro:
Fiocruz, 1995.
AMARANTE, P., TORRE, E. A Constituição de Novas Práticas no Campo da Atenção Psicossocial:
análise de dois projetos pioneiros na Reforma Psiquiátrica no Brasil. Revista do Centro Brasileiro de
Estudos de Saúde, Rio de Janeiro, v. 25, n. 58, p. 26-34, maio/ago. 2001.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 106. Legislação em saúde mental: 1990-2004. Brasília (DF),
Brasil, 2004.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. DAPE. Coordenação Geral de Saúde
Mental. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Documento apresentado à
Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas. OPAS.
Brasília, novembro de 2005.
BURSZTYN, D. C.; FIGUEIREDO, A.C. O tratamento do sintoma e a construção do caso na prática
coletiva em Saúde Mental. Tempo psicanalítico, Rio de Janeiro, v. 44.i, p. 131-145, 2012.
CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. 4. ed. Tradução de Maria Thereza Redig de Carvalho
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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a realização desse estudo foi possível analisar saberes e práticas
necessárias ao trabalho do enfermeiro no CAPS/CERSAM. O trabalho identificou
atuações diferentes desses profissionais nos referidos espaços: em um momento foi
evidenciado uma atuação que traz um perfil de responsabilização pelo usuário,
desde o momento que é acolhido, planejando e conduzindo o plano terapêutico,
aproximando-se do usuário e criando uma relação ética, de cidadania e de
liberdade; em outro momento encontramos uma atuação do enfermeiro com perfil
administrativo, longe do usuário e de suas demandas para construção dos cuidados
subjetivos.
Nos
discursos
colhidos
nas
entrevistas
aplicadas,
os
enfermeiros
descreveram que o trabalho no serviço substitutivo é realizado juntamente com a
equipe interdisciplinar, e que há uma aproximação entre os profissionais por meio do
diálogo constante, pela discussão de casos clínicos, não apenas em dias
determinados, como reunião de equipe, mas de caráter diário. Verificamos um
rompimento de práticas autoritárias e da sujeição centrada no poder médico.
Foi possível identificar que os enfermeiros separam o fazer em comum e o
fazer específico. Eles apresentaram dificuldades em definir as práticas em saúde
mental e os princípios da interdisciplinaridade e horizontalização dos saberes que
regem esse serviço. Inferiram que as atividades desenvolvidas como técnicos de
referência os privam de realizar atividades construídas historicamente pela
enfermagem, como supervisão de enfermagem e procedimentos técnicos. Em meios
aos avanços da atuação do enfermeiro nos serviços substitutivos, essa tecnologia de
cuidado tem trazido inquietação, conflito e insegurança para o enfermeiro, pela
responsabilização dos cuidados do usuário e a centralidade do poder para tomada
de decisões.
Essa atuação do enfermeiro como técnico de referência não é desenvolvida
em todos os serviços substitutivos. Em um dos campos estudados, o enfermeiro não
assume a condução de caso clínico, ficando a cargo de outros profissionais como o
psicólogo. Torna-se necessário, portanto, que o enfermeiro se capacite e se
aperfeiçoe, para a construção de saberes que auxiliem essa prática, alinhando ao
modelo psicossocial.
116
Outra prática de acolhimento, relatada pelos enfermeiros, em relação ao
usuário foi a escuta qualificada, acionando recursos a cada ordem de problema
identificado, com aporte interdisciplinar. Foi evidenciada, frequentemente, a atuação
do enfermeiro aplicando a tecnologia do autocuidado na assistência ao usuário
portador de sofrimento mental.
Atividades como oficinas e grupos operativos foram pouco mencionadas pelos
enfermeiros como estratégias de cuidado, e a pouca menção, mostrou as
dificuldades que esse profissionais encontraram em conduzir tais atividades. A
participação em oficinas se deu na condição de auxiliar outros profissionais da
equipe técnica. Esse fato nos remete a ideia de que o enfermeiro não possui
saberes necessários para desenvolver essas diferentes estratégias de cuidado.
Em relação às atividades desenvolvidas com a família, o estudo evidenciou
que os enfermeiros as realizam através do atendimento individual, visita domiciliar, a
fim de buscar parcerias para o tratamento, por meio da orientação, do
esclarecimento, de incentivos e apoios, oferecendo atendimento diante do que os
pacientes demandam.
Já
as
atividades
desenvolvidas
com
recursos
do
território
foram
caracterizadas pela fragilização das articulações no território. Os enfermeiros se
voltam apenas à integração com PSF/unidade de saúde/centro de saúde. Esses
profissionais apresentaram dificuldade em definir as estratégias que possibilitam a
circulação do usuário no território. Limitam-se, portanto, em ações no interior do
serviço, e não se apropriam dos recursos afetivos, religiosos, sociais, culturais, lazer,
que são essenciais para o plano terapêutico e também são capazes de estabelecer
novos laços no espaço social.
Quanto aos processos de formação profissional que contribuíram para o
desenvolvimento desses saberes e práticas na trajetória dos sujeitos estudados, foi
evidenciado que os meios utilizados para capacitar e aperfeiçoar decorreram da
busca pessoal, por meio de livros, artigos e uma imersão nas atividades práticas
através do relacionamento diário com a equipe, das supervisões clínicas, reuniões e
discussões de casos clínicos. Ficou evidente que não há uma preocupação das
instituições formadoras em preparar melhor os acadêmicos.
A formação acadêmica dos sujeitos da pesquisa foi ancorada no modelo
centrado na doença. Revelou-se haver um descompasso entre teoria e prática, na
disciplina enfermagem saúde mental/psiquiátrica, acarretando prejuízo na formação
117
do enfermeiro e comprometendo sua atuação nos CAPS/CERSAM. Os conteúdos
desenvolvidos na formação tiveram maior ênfase nas teorias tradicionais de
enfermagem
psiquiátrica
(psicopatologias,
psicofarmacologias
e
cuidados).
Consequentemente, haverá a reprodução do modelo combatido pelos movimentos
antimanicomiais e pela Política de Saúde Mental, podendo levar esses serviços a
reproduzirem as práticas manicomiais. Essa formação foi avaliada como precária e
autodidata.
Os enfermeiros apontaram que o fator que facilita a atuação no modelo
psicossocial perpassa pelo relacionamento e trabalho em equipe, pela identificação
pessoal com a área de saúde mental e formação recebida ao longo da formação,
através de cursos na área de saúde mental. Evidenciaram que a formação
continuada é de suma importância para atuação em saúde mental. No entanto,
apontaram como fatores dificultadores a sobrecarga de trabalho decorrente pelo
número reduzido de funcionários, a desvalorização do profissional quanto ao
salário e a falta de reconhecimento da gestão municipal de saúde.
Os enfermeiros denotaram conhecer as propostas da reforma psiquiátrica,
porém apontaram as dificuldades para a sua concretização na prática dos serviços.
Observamos uma insegurança e um despreparo em situar a atuação de enfermagem
na Política de Saúde Mental, dando a entender que esses fatores influenciam na
formação do enfermeiro em não saber como conduzir suas práticas dentro do
serviço substitutivo.
Na comparação entre os dois centros estudados foi possível perceber que a
oferta de serviços substitutivos e a ampliação da rede de atenção em saúde mental
são elementos centrais para o desenvolvimento e a sustentabilidade desses saberes
e práticas.
Podemos inferir que há necessidade de capacitação e aperfeiçoamentos dos
enfermeiros dos serviços substitutivos de uma maneira geral, para que esses
profissionais possam adquirir uma escuta qualificada e desenvolver criatividade nos
cuidados, utilizando recursos do território, possibilitando, inclusive, o trabalho
interdisciplinar e minimizando a fragmentação e supervalorização de saberes.
Portanto, foi elaborado um plano de capacitação para os enfermeiros com
vistas a trabalhar o processo de desinstitucionalização, conceitos e possibilidades de
estratégias para o cuidado do usuário portador de sofrimento mental. A proposta se
alinha com os pensamentos de Costa-Rosa et al. (2003), nos quais os saberes, as
118
estratégias e as intervenções não estão focados na doença mental, mas da
existência-sofrimento dos sujeitos em sua relação com o corpo social.
Enfatizamos que as práticas do enfermeiro no modelo psicossocial devem
romper com as práticas controladoras, disciplinadoras, tecnicistas, detentoras de
todo o saber sobre o indivíduo doente e determinante de sintomas e passos de
tratamento que norteiam as ações. Ao enfermeiro cabe ficar atento aos interesses e
desejos do usuário, ajudando a construir possibilidades para o projeto terapêutico,
nas quais saberes e práticas serão construídos no processo de trabalho.
As estratégias de cuidados devem ser pensadas para promover a autonomia
e singularização do sujeito, por diversas e multiplicidades de ordens, através da
clínica da invenção e da produção de sentidos. Esse cuidado inclui diversos
profissionais, familiares, amigos, escola, trabalho e instituições que procuram
articular e inventar novas formas de cuidados (YASUI, 2006).
Diferentemente de outras áreas na saúde mental, esse profissional não tem
contato com um braço quebrado, sangue, mas uma dor que fala de relações, da
possibilidade de estar com o outro de uma maneira sofrida. O cuidado deve ser
pautado nas diferenças e possibilidades que existem em cada usuário. Esse fato nos
leva entender que não é possível normatizar o serviço de enfermagem em saúde
mental, porque os cuidados ao usuário são construídos, permanentemente, e de
forma única.
A clínica em saúde mental se transforma e, segundo Yasui (2006), não se trata
mais da clínica inspirada no reclinar-se sobre o corpo no leito, com olhar de quem
observa e busca doença, onde as identidades dos sujeitos estão pré-definidas.
Passa, portanto, pela clínica do encontro, da invenção e produção de sentidos.
Neste encontro ocorre um movimento dialético de:
Inversão das partes a rede social coloca-se em posição discente e o
paciente na posição de docente. O que o paciente ensinar não passa por
sua consciência e não pode ser dito em uma fala direta, mas mediante
nossa escuta das particularidades, das coincidências que foram escandidas
de sua história, do enigma de seus atos falhos recaídas, ausências”
(VIGANÒ, 2008, p. 5)
Para cuidar em saúde mental é necessário tempo de olhar, compreender,
elaborar e concluir, onde o enfermeiro aproxima-se e recua do usuário para
construção dos cuidados que exige espera e estar junto. Vianna et al (2007)
119
parafraseia Lacan para explicar os três tempos que geram as possibilidade do
cuidado:
O instante de olhar, o tempo para compreender e o momento de concluir. O
instante de olhar é marcado pelo não-saber, não saber a verdade sobre si.
É olhando o outro que algo desse saber começa a se construir. E assim se
impõe o tempo para compreender. Tempo de meditação, no qual se
constata, no outro, aquilo que não se sabe de si. Tempo de demora que se
opõe à urgência de concluir. E, finalmente, o momento de concluir é o
tempo de basta, de limite, de ponto final (VIANNA et al, 2007, p. 328)
Torna-se necessário incorporar uma escuta, tendo a palavra como
instrumento para a mediação do cuidado. Os cuidados em saúde mental se incidem
a partir de cada situação clínica e perpassa, segundo Burzstyn e Figueiredo (2012),
sobre as diretrizes de cuidado em saúde mental como a reabilitação, a cidadania, a
autonomia e a contratualidade, no intuito de ampliar as relações sociais.
Para a construção de cuidados é necessário que o enfermeiro tenha uma
base teórica, seja pela psicanálise, filosofia, sociologia, relacionamento terapêutico,
dentre outras, e possuir, também, uma a clara orientação política para construção
dos cuidados.
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128
ANEXOS
ANEXO A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
129
Termo de Consentimento Livre Esclarecido
Eu, _______________________________________, após ter lido esse termo de
consentimento e esclarecido minhas dúvidas, concordo em participar da pesquisa,
“A atuação do enfermeiro em centro de atenção psicossocial: contribuições à
formação do enfermeiro para atuar na política de saúde mental”, uma vez que fui
devidamente orientado sobre a finalidade e objetivo do estudo, bem como da
utilização de dados exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, sendo que
meu nome será mantido em sigilo.
Assinatura do entrevistado:___________________________________________
Assinatura do pesquisador mestrando: _________________________________
Data:
130
131
132
133
APÊNDICES
APÊNDICE A - QUESTIONÁRIO SEMIESTRUTURADO
DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
1. Nome:
2. Instituição:
3. Idade:
Sexo:
4. Outras instituições onde trabalhou ou trabalha:
5. Há quanto tempo trabalha nesta instituição:
6. Regime de quantas horas:
7. Graduação - Período:
8. Especialização - Período:
9. Realizou capacitações em Saúde Mental? Descrever número, tipo, carga
horária e agente formador.
QUESTÕES
1. Fale sobre sua história da vida acadêmica na área de saúde mental (disciplina
curricular e estágio).
2. Fale sobre sua inserção no CAPS/CERSAM, enfocando o seu trabalho.
3. Apresentou alguma dificuldade inicial, em sua inserção, para desenvolver o seu
trabalho como enfermeiro? Quais?
4. Como é o trabalho que você desenvolve no CAPS (dar exemplos, descrever um
dia de trabalho)?
5. Fale de sua atividade desenvolvida com a equipe multidisciplinar.
6. Fale sobre a especificidade dos profissionais do CAPS.
7. Como você percebeu essas dificuldades?
8. Como essas dificuldades eram vividas na instituição?
9. O que você fez para enfrentar essas dificuldades?
10. Quais foram os meios utilizados para se capacitar/aperfeiçoar?
11. Fale sobre a atividade desenvolvida com usuários.
12. Fale sobre a atividade desenvolvida com familiares.
134
13. Quais as ações que você desenvolve na área de abrangência do serviço de
saúde mental? Como interage com a comunidade?
14. Quais as dificuldades enfrentadas no processo de trabalho do enfermeiro no
CAPS/CERSAM?
15. Quais os fatores que facilitam o seu processo de trabalho no CAPS/CERSAM?
16. Qual sua avaliação sobre o projeto de Saúde Mental do seu município?
17. Para você o que é reinserção social?
18. Para você o que é doença mental?
19. Como você percebe e interpreta a Política de Saúde Mental vigente no país.
20. Percebe alguma influência da Política de Saúde Mental em seu processo de
trabalho cotidiano? Explique.
21. Qual a função do CAPS/CERSAM na rede de saúde mental? Descreva como o
CAPS deveria se articular e como se articula com os demais serviços e com a
rede no município.
22. Como você avalia, hoje, a formação que você recebeu, em seu curso de
graduação, para trabalhar em CAPS?
23. Com a sua experiência, hoje, o que você mudaria ou acrescentaria à formação
acadêmica do enfermeiro que o prepare para trabalhar no CAPS?
24. Gostaria de acrescentar mais alguma coisa?
135
APÊNDICE B - OBSERVAÇÃO SISTEMÁTICA NO SERVIÇO ESTUDADO
I – Aspectos institucionais
•
Descrição da rede de serviços em saúde mental existente no município e
como o serviço estudado se insere nessa rede;
•
Aspectos da infraestrutura: espaço físico, equipes existentes, recursos
disponíveis, apresentação visual;
•
Aspectos do atendimento: como o serviço estudado vem atuando no contexto
da reforma psiquiátrica, no município, abrangendo: amplitude da cobertura,
especificidades da clientela, rotina institucional, atividades oferecidas/usuários
atendidos, trabalho em rede (recepção e encaminhamento de casos,
atividades conjuntas e estratégias de atuação junto à rede).
II – Aspectos específicos do trabalho do profissional de enfermagem
•
Descrição da assistência do enfermeiro na relação com o usuário e a família;
•
Descrição do ambiente de atuação do profissional;
•
Relação das atividades desenvolvidas pelo profissional no CAPS, no território
e descrição da rotina e da dinâmica dessas atividades;
•
Relação com a equipe interdisciplinar (qual é o posicionamento do enfermeiro
nas atividades e como interage com os demais profissionais);
•
Dificuldades que o enfermeiro enfrenta no dia a dia do trabalho no CAPS;
•
Posicionamento
do
enfermeiro
frente
às
dificuldades
profissionais
encontradas no trabalho;
•
Resistências que os enfermeiros apresentam ou têm que enfrentar diante das
mudanças introduzidas pela reforma psiquiátrica;
•
Resistências e dificuldades existentes em relação à possibilidade de fazer
críticas sobre o trabalho desenvolvido.
136
III – Aspectos relacionados à formação do profissional enfermeiro
•
Como é o comportamento frente à capacitação profissional: observar a
existência de capacitação no último ano e ano subsequente, através de
anotações em atas, cartazes e outros documentos existentes;
•
Descrição dos roteiros e programação das capacitações realizadas pelos
profissionais entrevistados;
•
Descrição de saberes e práticas utilizados no exercício profissional de
enfermagem para atuar no CAPS.
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