Sobre o Fornecimento de Remédio Off-label

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SOBRE O FORNECIMENTO DE REMÉDIOS OFF-LABEL
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO; 1 DOS MEDICAMENTOS OFF-LABEL; 2 DO PERIGO NO USO
DOS MEDICAMENTOS OFF-LABEL; 3 DEFERIMENTO CONTRARIA A LEGISLAÇÃO
E
AS
DECISÕES
DO
SUPREMO
TRIBUNAL
FEDERAL;
CONCLUSÕES;
REFERÊNCIAS;
RESUMO
Defende-se a impossibilidade de se deferir judicialmente o fornecimento de
medicamentos sem eficácia comprovada, o que se nomina de “medicação off-label”. Os
fármacos não aprovados pelos órgãos de saúde competentes ou sem eficácia comprovada
possuem um alto grau de risco à saúde, por possuírem potencialidade suficiente a causar
reações adversas graves ou à morte. A dispensação judicial de fármacos desta natureza
privilegia os interesses econômicos da indústria farmacêutica, que lucra em três frentes, como
será percebido. Estes fatores são suficientes para se defender pela impossibilidade de o Estado
custear o tratamento de pacientes por meio de drogas off-label.
INTRODUÇÃO
O uso da medicação off-label para os quadros clínicos apresentados em demandas
judiciais consiste em um tratamento experimental, sem comprovação de sua eficácia. A
prescrição um medicamento desta natureza causa riscos alarmantes à saúde dos pacientes.
Além disso, a possibilidade de se comercializarem remédios ditos off-label vai ao encontro
dos interesses econômicos da indústria farmacêutica.
A comercialização de medicamentos desta natureza aumenta significativamente os
lucros deste segmento econômico. O financiamento de testes prévios à dispensação possui um
custo intenso, o que não é feito no caso da medicação off-label. Esta situação permite com que
as companhias produtoras de remédios não gastem com estes testes, que, no mais das vezes,
revelam os riscos e as limitações dos fármacos. De quebra, a indústria do ramo ainda lucra por
testar, literalmente, os fármacos na população, auferindo, pois, cifras astronômicas.
Além disso, a ampliação dos testes pode revelar os efeitos adversos ou a ineficácia do
fármaco, o que, para as empresas do ramo, seria um dado completamente indesejado. Por fim,
é nítido que a comercialização off-label atinge uma gama muito maior de consumidores, dado
o fato de não se terem restrições de público, posologia, CID e efeitos colaterais.
Dessa forma, evidencia-se um interesse da indústria farmacológica na dispensação de
medicamentos off-label, contando, quiçá, com a tutela judicial. Por exemplo, a fluoxetina é
um antidepressivo fornecido judicialmente em larga escala no Estado do Rio Grande do Sul.
Contudo, em muitos casos, já foi prescrito para controle de obesidade, tendo esta indicação
sido condenada veementemente pelo organismo norte-americano responsável por fiscalizar e
aprovar a dispensação comercial de medicamentos, ou seja, a Food and Drug Administration
(FDA). Da mesma forma, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) não aprova
este fármaco quando ministrado como controlador de apetite. O uso do medicamento para
emagrecer pode causar tendências suicidas, ansiedade e hemorragia abdominal1.
Sendo assim, por inúmeros motivos, defende-se a impossibilidade de se deferirem
medidas judiciais visando a compelir os entes públicos a fornecerem, com recursos estatais,
medicamentos desta natureza.
1 DOS MEDICAMENTOS OFF-LABEL
A expressão “label” pode ser traduzida como “rótulo”. Em termos farmacêuticos, por
“bula”. No caso específico, quando o FDA aprova a prescrição de um medicamento, ele
referenda a comercialização de um label, ou seja, de uma determinada bula. Ali se demonstra
todo o processo de desenvolvimento do fármaco, as pesquisas realizadas, as reações adversas,
como ele deve ser ministrado, em que dose e frequência, quem pode recebê-lo, etc. Toda
medicação prescrita fora destes padrões é considerada off-label, ou seja, “fora da bula”, “fora
do rótulo”.2
1 CARLINI, E. A; NOTO, A. R; NAPPO, S. A; SANCHEZ, Z. V. D. M; FRANCO, V. L. S; SILVA L. C. F;
SANTOS, V. E. ; ALVES, D. C. Fluoxetina: indícios de uso inadequado. Jornal brasileiro Psiquiatria, Rio de
Janeiro, v. 58, n. 2, p. 97-100, jan. 2009.
2 DRESSER, R.; FRADER, J. Off-Label Prescribing: A Call for Heightened Professional and Government
Oversight. J Law Med Ethics, Boston, v. 37, n. 3, p. 476-486, 2009.
Uma droga é usada off-label quando, por exemplo, ministrada para uma doença
diferente ou para outra condição médica que não aquela descrita no rótulo aprovado pelo FDA
(no Brasil, pela ANVISA). Ou, ainda, a medicação pode ser considerada off-label, no
momento em que é dispensada para uma diferente rota (protocolo clínico), ou em uma
dosagem diferente, ou mesmo quando não tenha comprovação científica de sua eficácia. O
fármaco “Off-label” é também conhecido como "não aprovado" ou "não indicado" ao uso3.
Qualquer outra forma de se utilizar uma droga é considerada uma nova droga, que
deverá/deveria passar por todos os testes e ser aprovada pela ANVISA, por exemplo 4. Então,
quando um experto ministra ao paciente um remédio para outra doença (CID) que não aquela
estabelecida ao fármaco, ou em outra dosagem, enfim, está, em verdade, determinando que o
paciente consuma um remédio nunca antes testado. Tal fato pode gerar um alto risco à saúde
do paciente.
Conforme as Resoluções nº196/96 e nº 251/97, oriundas do Conselho Nacional de
Saúde (CNS), um medicamento, para poder ser ministrado, deve passar por quatro tipos de
testes, ou seja, por quatro fases de experimentação 5. Não é um procedimento simples. Mas
deve ser destacado o fato de que as resoluções determinam que qualquer prescrição de
medicamento já autorizado, mas que esteja fora dos limites para os quais foi aprovado, deve
ser considerada uma nova medicação, não autorizada, portanto.
3 TURNER et al. Op. Cit., entendem que o medicamento off-label é aquele aprovado, mas ministrado em
condições não aprovadas, por exemplo, em desrespeito ao protocolo clínico, à idade, à dose, à frequência de
administração etc, não se englobando neste conceito os remédios não aprovados. Em sentido contrário, conceito
que será adotado neste trabalho, como exposto, tem-se a posição de: GAZARIAN, M.; KELLY, M.; McPHREE,
J. R., et al. Off-Label Use of Medicines: Consensus, Recomendations for Evaluating Appropriateness. Medical
Journal of Australia. v. 185, n. 10, p. 544-548, 2006. E também de: DUNNE, J. The European Regulation on
Medicines for Paediatric Use. Paediatric Respiratory Reviews. v. 8, n. 2, p. 177, ago. 2008.
4 Conferir: GOPAL, K. S. Santhan. Off with the label and on the Avastin bandwagon: Why now and how far?.
Disponível em: < http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2712692/?tool=pmcentrez> . Acesso em: 12
jan. 2010.
5 Em síntese, as quatro fases podem ser divididas da seguinte maneira: primeiro, testa-se se o fármaco possui
segurança ao ser aplicado em seres humanos. Após, testa-se os fármacos que se mostraram seguros em alguns
pacientes. Em uma terceira etapa, avaliam-se os efeitos adversos e se refazem os testes, com novas correções.
Por fim, o medicamento somente pode ser ministrado com autorização administrativa, em pacientes específicos,
juntamente com o teste do placebo.
No âmbito do FDA, uma prescrição de medicamento fora dos protocolos clínicos
reclama, claro, uma nova avaliação e autorização do organismo 6. Veja o que Adriane FughBerman e Douglas Melnick7 relatam sobre a matéria:
Uso off-label de medicamentos tem sido associada a efeitos adversos graves. Por
exemplo, Duract (Bromfenac), um analgésico, só foi aprovado para o tratamento da
dor aguda, e apenas para uso a curto prazo (menos de dez dias). No entanto, alguns
médicos receitavam off-label de maior duração. Duract causou insuficiência
hepática, e foi retirada do mercado, menos de um ano após a homologação. O
Pondimin supressor de apetite (anorexígenos), aprovado para uso a curto prazo, foi
amplamente prescritos com fentermina e usado a longo prazo. A combinação offlabel "fen-phen" causou doença valvar. Nas crianças, o uso off-label de drogas está
associado a um aumento do número e gravidade dos efeitos adversos.8
Afirmam, ainda, complementando seus estudos, que:
Do ponto de vista empresarial, aumentou o uso off-label significa maiores receitas
de grandes populações de usuários, especialmente para os produtos com indicações
estreito. Por exemplo, uma empresa que sabe que um medicamento para leucemia
aprovado reduz rugas faciais poderia financiar um ensaio de eficácia em pessoas
com rugas, a fim de angariar uma nova indicação. No entanto, os ensaios clínicos
são caros, e os resultados poderiam diminuir as vendas, mostrando que a droga é
ineficaz, ou tem problemas de segurança significativas. Uma empresa de
financiamento de longo prazo experimental para testar a eficácia do Vioxx
(rofecoxib) em pólipos do cólon apareceram os riscos cardiovasculares, que resultou
na droga que está sendo retirado.9
O uso off-label de medicações mostra-se geralmente vantajoso somente para as
empresas que comercializam estes fármacos, porque vai ao encontro dos objetivos dos
6 NIGHTINGALE, S. L. Off-Label Use of Prescription Drugs. American FamilyPhysicians, Washington , v. 68,
n. 3, aug. 2003, p. 500.
7 Adriane Fugh-Berman é do Departamento de Fisiologia e Biofísica, Georgetown University Medical Center,
Washington, DC, Estados Unidos. Douglas Melnick é um médico de medicina preventiva que trabalham em
North Hollywood, Califórnia, Estados Unidos da América.
8 FUGH-BERMAN, Adriane e MELNICK, Douglas. Off-Label Promotion, On-Target Sales. Disponível em:
<http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2573913/?tool=pmcentrez> . Acesso em: 12 jan. 2010. No
original, lê-se: “Off-label use of drugs has been associated with serious adverse effects. For example, Duract
(bromfenac), an analgesic, was approved only for treating acute pain, and only for short-term use (less than ten
days). However, some physicians prescribed Duract off-label for longer durations. Duract caused liver failure,
and was withdrawn from the market less than a year after approval. The appetite suppressant Pondimin
(fenfluramine), approved for short-term use, was widely prescribed with phentermine and used long-term. The
off-label combination “fen-phen” caused valvular heart disease. In children, off-label use of drugs is associated
with an increased number and severity of adverse effects.”
9 Idem. No original, lê-se: “From a business standpoint, increased off-label use means larger revenues from
larger user populations, especially for products with narrow indications. For example, a company that knows that
an approved leukemia drug reduces facial wrinkles could fund an efficacy trial in people with wrinkles in order
to garner a new indication. However, clinical trials are expensive, and the results could decrease sales by
showing that the drug is ineffective, or has significant safety problems. A company-funded long-term trial that
tested the efficacy of Vioxx (rofecoxib) for colon polyps turned up cardiovascular risks that eventually resulted
in the drug being withdrawn.”
laboratórios. Ao aplicar os medicamentos na população sem custear testes prévios, as
empresas farmacêuticas lucram em dobro, porque, de quebra, ganham também altas somas
pela venda de seu produto. Em verdade, as empresas lucram absurdamente: não só pelo fato
de se negarem a custear os testes prévios necessários, mas também em uma segunda
oportunidade, ao colocarem no mercado o medicamento, que será literalmente testado nos
pacientes.
Por exemplo: apesar da falta de evidência robusta para a segurança e para a eficácia do
misoprostol em obstetrícia, o fabricante, talvez por não querer ser associado com uma droga
do aborto, não foi buscar a aprovação da E.U. Food and Drug Administration (FDA) para
todos os usos de saúde reprodutiva10. Estudos independentes foram finalmente realizados e
publicados, concluindo-se pelo alto risco que o fármaco representava11.
O marketing farmacêutico tem distorcido o discurso sobre uso off-label, incentivando
o consumo de medicamentos potencialmente perigosos aos pacientes, para os quais os riscos e
os benefícios são desconhecidos. Uma longa história de comercialização de drogas provou a
agressividade causada nos pacientes e, por vezes, resultou na promoção de usos questionáveis,
como o nível de mortalidade. Sem os devidos testes, não há garantias para a integridade da
informação que é gerada, e os pacientes podem ser submetidos a medicamentos que podem
ser ineficazes ou mesmo prejudiciais para as suas condições clínicas12. Especialmente no
campo pediátrico, o uso de medicação off-label é alarmante. Estima-se que 7 a 20%13 das
reações adversas causadas pelo uso de drogas desta natureza são consideradas graves14.
As empresas farmacêuticas utilizam inúmeros mecanismos, legais e ilegais, para
inserir no mercado, remédios sem as comprovadas eficácia ou segurança. Muitas vezes,
10 O debate sobre o uso off-label da droga por ser encontrado em: MUIR, H. Medical roulette: Dicing with
death. New Science. n. 191, 2006, p. 38-41. Os resultados sobre o uso a droga são assustadores.
11 FUGH-BERMAN, Adriane e MELNICK, Douglas. Op. Cit.
12 FIELD, Robert I. The FDA’s New Guidance for Off-Label Promotion Is Only a Start. Disponível em:
<http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2730097/?tool=pmcentrez>. Acesso em: 12 jan. 2010.
Originalmente, tal artigo foi publicado na P & T, a Food and Drug. O Dr. Field é PhD em saúde pública e faz
parte do Departamento de Política de Saúde e Saúde Pública, ministrando a matéria de Política de Saúde, na
Universidade das Ciências, em Filadélfia, Pensilvânia, Estados Unidos.
13 Percentagem completamente inaceitável sob o ponto de vista médico.
14 WEISS, J.; KREBS, S; HOFFMANN, C., et al. Survey of Adverse Drug Reactions on a Paediatrics Ward: A
Strategy for Early and Detailed Detection. Paediatrics. v. 110, n. 2, p. 254-275, 2002.
pesquisas com um baixo padrão técnico são divulgadas, servindo, de quebra, como
marketing15.
As evidências desta prática são inúmeras. Por exemplo, tem-se o caso da empresa
farmacêutica Eli Lilly que, no começo 2009, foi multada em quinhentos e quinze milhões de
dólares, por promover o antipsicótico Zyprexa® (olanzapina) sem qualquer aprovação do
organismo responsável. Segundo ficou provado, além de ter sido confessado pela empresa, a
Lilly praticou vendas deste psicotrópico para tratamentos clínicos cuja aprovação não existia.
Enfim, para patologias que não foram objeto de pedido de autorização junto ao FDA16. Este
organismo somente tinha aprovado o uso do Zyprexa® para tratamento agudo e de longo
prazo do transtorno bipolar I e para o tratamento da esquizofrenia. Contudo, o laboratório
agenciou tratamento nas patologias leves. E mais, confessou que fez campanha para que o
fármaco fosse ministrado em doenças como a demência e a Alzheimer 17, para as quais, como
visto, o uso da medicação mencionada não tinha testes prévios de segurança/eficácia, ou
mesmo aprovação.
Os seguintes medicamentos, todos produzidos pela Pfizer, são comercializados no
Brasil: o antipsicótico Geodon® (cloridrato de ziprasidona monohidratado); o antiinflamatório Bextra® (parecoxibe sódico); o antibiótico Zyvox® (linezolida), e o
anticonvulsivante Lyrica® (pregabalina). Contudo, a Pfizer pagou uma multa de mais de dois
bilhões de dólares por promovê-los de forma off-label nos Estados Unidos18.
No Brasil, a publicidade e prescrição de medicamentos fora dos limites da autorização
junto à ANVISA são proibidas. Em 2008, pela via da Resolução nº 1255, tal ente proibiu a
15 Uma referência interessante na matéria pode ser encontrada em: ANGELL, M. A Verdade Sobre os
Laboratórios Farmacêuticos. Tradução de: Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Record, 2008. O autor denuncia,
inclusive, a criação e publicação de artigos de autores fantasmas pela indústria farmacêutica, com o intuito de
fomentar uma “pseudo-verdade científica” sobre o fármaco que se quer vender. Isso sem falar nos casos de
patrocínio de cientistas para, em congressos, dar um relato benéfico sobre o medicamento. Ou mesmo o fomento
econômico de todo o tipo de evento que possa divulgar o produto. Outra denúncia pode ser encontrada no
prestigiado filme “O Jardineiro Fiel”, do diretor brasileiro Fernando Meirelles.
16 Conferir a exposição feita em: CURTISS, F. R; FAIRMAN, K. A. Contradictory Actions on Off-label Use of
Prescription Drugs? The FDA and CMS Versus the U.S. Justice Department. Journal of Managed Care
Pharmacy. United States, v. 15, n. 2, p. 161-165, mar. 2009.
17 Foi tão gritante esta conduta, que o medicamento nem sequer apresentava eficácia se comparado com o
placebo (SPIELMANS, G. I. The promotion of olanzapine in primary care: An examination of internal industry
documents. Social Science & Medicine, v. 69, n. 1,p. 14-20, mai. 2009).
18 CURTISS; FAIRMAN. Op. Cit.
publicidade do medicamento alfapeginterferona, produzido pela Schering-Plough, porque
anunciava uma posologia diferente daquela que fora autorizada.
2 DO PERIGO NO USO DOS MEDICAMENTOS OFF-LABEL
Um dos sítios mais respeitados do mundo no âmbito da medicina, o National Center
for Biotechnology Information (NCBI), referência mundial na matéria médica, publica teses e
pesquisas sobre os avanços da ciência e da saúde, proporcionando o acesso à informação
biomédica e genômica19. Neste sítio virtual, pode ser encontrados inúmeros artigos assinados
pelas maiores autoridades do mundo na matéria, os quais condenam veementemente o uso das
drogas off-label, ou seja, dos medicamentos sem comprovação de sua eficácia. Estudos
empíricos mostram que o uso off-label de medicamentos (leia-se: medicamentos sem
comprovação de sua eficácia científica) é conectado com um aumento significativo do risco
de uma reação adversa à droga.
Em importante pesquisa com quase mil paciente foi detalhado que:
[...] comum encontrar em suas prescrições dosagens e indicações inadequadas,
interações medicamentosas, associações e redundância uso de fármacos pertencentes
a uma mesma classe terapêutica e medicamentos sem valor terapêutico. Tais fatores
podem gerar reações adversas aos medicamentos (RAM), algumas delas graves e
fatais.20
A conclusão do trabalho é alarmante:
A indústria farmacêutica e seu marketing poderoso são responsáveis pela prescrição
e consumo de medicamentos sem eficácia estabelecida e desvinculados da realidade
nosológica da população. Como a decisão médica a respeito do medicamento
envolve, além dos fatores supracitados, as opções de medicamentos existentes no
mercado, os organismos responsáveis pela aprovação de "novos medicamentos"
devem assegurar a oferta de produtos seguros e eficazes já no registro. A utilização
de medicamentos genéricos deveria ser levada em conta por qualquer sociedade que
desejasse vivenciar uma política racional de uso de medicamentos.21
19 Em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov>.
20 Tal artigo é de autoria de Gabriela B G Mosegui, Suely Rozenfeld, Renato Peixoto Veras e Cid M M Vianna,
que pertencem ao Instituto de Saúde da Comunidade da Universidade Federal Fluminense. Niterói, RJ - Brasil
(GBGM), Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ. Rio de Janeiro, RJ - Brasil (SR), Instituto de Medicina
Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ - Brasil (RPV, CMMV). O artigo pode
ser acessado em: “Avaliação da qualidade do uso de medicamentos em idosos. In: Revista de Saúde Pública n. 5,
v. 33. São Paulo: out. de 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003489101999000500002>. Acesso em: 24 out. 2009.”
21 Idem.
Tem-se visto, porém, solicitações médicas para liberação de medicamentos ainda de
uso experimental (off-label), permitindo-se que sejam ministradas drogas sem eficácia
comprovada. Em casos tais, os riscos são alarmantes, pelo simples fato de que a doença não
estará, necessariamente, sendo curada, bem como pelo fato de que tais fármacos podem
causar reações adversas preocupantes. Estima-se que 60% de medicamentos off-label sejam
responsáveis por reações adversas a medicamentos (RAM) em crianças22.
O uso irracional dos medicamentos é um dos maiores desafios a ser enfrentado pela
Organização Mundial da Saúde (OMS). Este organismo
internacional possui estudos
estatísticos que apontam que 75% dos antibióticos são prescritos inapropriadamente. Quanto
aos pacientes, estima-se que somente metade tome corretamente os fármacos. Tais fatos
paulatinamente fazem com que se aumente a resistência dos germes e dos demais organismos
vivos infecciosos.
Um bom exemplo de medicação ministrada de forma indiscriminada consiste no
famoso caso do fármaco “Talidomida”. A indústria farmacêutica que o desenvolveu acreditou
que o medicamento era tão seguro, que era propício para prescrever a mulheres grávidas, a
fim de combater enjoos matinais, à revelia de estudos científicos seguros. O laboratório
promoveu altas campanhas publicitárias, sendo que a Talidomida foi rapidamente prescrita a
milhares de mulheres e espalhada para todas as partes do mundo (46 países), inclusive para o
Brasil.
No final da década de sessenta, foram descritos na Alemanha, Reino Unido e
Austrália os primeiros casos de malformações congênitas, onde crianças passaram a nascer
com gravíssimas sequelas, que incluíam desde a má-formação cerebral, à deformação ou
ausência de membros (braços, pernas, etc.). Em 1962, quando já havia mais de 10.000 casos
de defeitos congênitos a ela associados em todo o mundo, e, claro, muitos deles no Brasil, a
Talidomida foi removida da lista de remédios indicados.
Na história, a Talidomida foi associada a um dos mais horríveis acidentes médicos,
justamente por ter sido prescrita sem comprovação científica segura. A pergunta necessária a
22 TURNER, S. N.; NUNN, A. J.; FIELDING, K., et al. Adverse Drugs Reactions to Unlicenced and Off Label
Drug on Paediatric Wards: A Prospective Study. Acta Paediatrica. v. 88, p. 965-968, 1999.
ser feita é: podemos fazer parte deste engodo? Fomentar, com decisões liminares, os
interesses nitidamente econômicos da indústria farmacêutica?
Exemplos outros não faltam, especialmente no campo pediátrico. O desenvolvimento
de kernicterius, um dano cerebral grave, advindo pela associação de hiperbilirrubinemia
neonatal, foi causado pelo uso indiscriminado de sulfonamidas sem pesquisas sérias ou sem a
aprovação pela agência sanitária competente. A “síndrome do bebê cinzento” (Gray baby
syndrome) foi causada, em larga escala, por ter sido ministrado cloranfenicol no período
neonatal, claro, sem as devidas pesquisas.
Em um período recente, a cisaprida23 foi responsável por levar pacientes a arritmias
gaves. Tal medicação não tinha os mínimos testes ou sequer era aprovada pelos órgãos
federais competentes24.
O problema é altamente complexo. As indústrias farmacêuticas, por exemplo, não
comercializam derivações de seus produtos em dosagens menores ou em forma líquida/sólida,
o que induz os enfermos a consumirem drogas em dosagens inadequadas. Adultos com
problemas de deglutição ou que necessitam de uso de sondas acabam por ter a prescrição
certas medicações comprometida. A maioria dos remédios em forma líquida não possui
concentrações adequadas para prescrições rigorosas, obrigando a diluição25.
O FDA americano possui normas rígidas disciplinando as pesquisas de medicamentos
experimentais, a fim de permitir sua comercialização. Como exemplo de regras claras na
aprovação da comercialização das drogas tem-se: a Food and Drug Administration
Modernization Act (FDAMA), FDA Paediatric Rule, etc. No âmbito da União Europeia, o
organismo de saúde responsável, no caso o EMEA, especialmente a partir de 2007, adotou
regras ainda mais intensas para permitir a prescrição de qualquer medicamento, na linha das
normas do FDA26.
23 Droga utilizada para tratamento de refluxos.
24 A literatura médica é pródica em explicitar com mais detalhes os casos citados. Por todos: SHIRKEY, H.
Therapeutic Orphans. Paediatrics. v. 104, n. 3, p. 583-584, 1999.
25 NAHATA, M. C.; ALLEN, L. Extemporaneous Drug Formulations. Clinical Therapeutics. v. 30, n. 11, p.
2112-2119, 2008.
26 CONROY, S. e McINTYRE, J. The Use of Unlicenced and Off-Label Medicines in the Neonate. Seminares
in Fetal & Neonatal Medicine. v. 10, n. 1, p. 115-122, 2005.
Para se ter uma ideia da gravidade do problema, até 2003, somente 20 a 30% dos
medicamentos submetidos à avaliação do FDA foram aprovados. Em 2007, uma nova rodada
de estudos foi feita sobre os fármacos em circulação (outrora aprovados), sendo que estas
pesquisas geraram a alteração da bula de inúmeros produtos, inclusive no que tange à
dosagem27.
Na União Europeia, de 1995 a 2005, somente 33% dos medicamentos submetidos ao
crivo do órgão de saúde competente receberam autorização para serem ministrados em
pacientes. Ressalta-se que, deste percentual, metade dos remédios teve de ser submetido a
exames adicionais.
Segundo estimativa feita pela Organização Mundial da Saúde, a prescrição incorreta
de medicamentos é responsável por cerca de 7.000 (sete mil) óbitos por ano, nos Estados
Unidos. Já 58% dos danos advindos de medicamentos advêm daqueles fármacos com alto
potencial de risco28.
Em pesquisa específica acerca do uso off label do medicamento Paracetamol® em
crianças, percebeu-se um risco 2,4 (dois vírgula quatro) vezes maior de ocorrência de efeitos
colaterais graves ou danosos à integridade dos infantes29. Em oncologia, M. R. Gillick30 afirma que em cinquenta por cento dos casos há o uso de medicação off-label, o que é altamente
preocupante, ainda mais em se tratando de drogas que causam uma agressividade intensa à saúde humana.
Poder-se-ia questionar os benefícios do uso de medicamentos desta natureza. O ácido
acetil salicílico foi amplamente usado no tratamento de doenças cardíacas de maneira offlabel, antes de ser aprovado. O uso do propanolol é um outro bom exemplo, porque aprovado
para o tratamento de angina, mas, após, percebeu-se sua eficácia no tratamento de
hipertensão.
27 MEADOWNS, M. Drugs and Ressearch and Children. FDA Consumer Magazine, 2003. Disponível em:
<www.fda.gov/cder/paediatric>. Acesso em: mar de 2010.
28 CADWELL, S. M. Paediatric Medication Safety in Emergency Departament. Journal of Emergency Nursing.
v. 34, n. 4, p. 375-377, 2008.
29 SANTOS, D. B.; CLAVENNA, A.; BONATI, M.; COELHO, H. L. L. Off-label and unlicensed drug utilization in hospitalized children in Fortaleza, Brazil. Eur J Clin Pharmacol, v. 64, n. 11, p. 1111–1118, aug. 2008.
30 GILLICK, M. R. Controlling Off-label Medication Use. Annals of Internal Medicine. United States, v. 150,
n. 5, p. 344-347, mar. 2009.
Quanto a este aspecto, três ponderações devem ser feitas: (a) tais exemplos poderiam
ter resultado em uma catástrofe clínica, correndo-se o risco de se ter mais uma síndrome, tal
qual ocorreu com a Talidomida; (b) o uso off-label, ou seja, para outra indicação que não
aquela para o qual o remédio foi aprovado, deve passar por todos os testes que seriam
exigidos à aprovação de uma droga nova; (c) o Estado lato sensu não pode ser obrigado a
custear31 os tratamentos experimentais. O medicamento, neste caso, deve ser custeado pelo
particular, calcado no livre consentimento (no consentimento informado), salvo quando uma
política pública seja suficientemente bastante para impingir que o Poder Público fomente a
pesquisa na cura de uma moléstia (por exemplo, cura do vírus HIV, ou, mais recentemente, do
vírus H1N1 – popularmente conhecido como a “gripe suína”)32. Este último item será adiante
melhor desenvolvido.
3 DEFERIMENTO CONTRARIA A LEGISLAÇÃO E AS DECISÕES DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
À vista dos fundamentos transcritos, em se tratando de medicamento sem estudos
comprovados para o fim a que foi receitado, compete exclusivamente ao particular arcar com
seus custos e com a responsabilidade do seu uso. Isso porque, embora o ente público possua o
dever de prestar assistência médica aos necessitados, este dever se faz presente somente
quando preenchidos os requisitos médicos, técnicos e legais necessários e exigidos para o
fornecimento da medicação pleiteada. Não pode o Estado lato sensu simplesmente fornecer
medicamentos sem a devida avaliação, podendo até mesmo vir a ser responsabilizado pela
administração inadequada que venha a causar danos à saúde dos pacientes33.
O Poder Público, como é notório, está adstrito ao princípio da legalidade estrita (art.
37, “caput”, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CF/88), ou seja, só
pode atuar ante as permissões legais. Eventual decisão que condena o Poder Público no
fornecimento de tratamento sem a comprovação de sua eficácia mostra-se contrário à Lei nº
6.360/76. O próprio Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1.246/88) determina que a
prescrição de remédios siga as seguintes diretrizes:
31 Entregar o medicamento via judicial, por exemplo.
32 Neste ultimo caso, enfrentar-se-ia típico caso de discricionariedade administrativa.
33 BEERS, M. H., STORRIE, M., LEE, G. Potencial adverse drug interactions in the emergency room: an issue
in the quality of care. Ann Intern Med, n. 112, 1990, p. 61-64.
É vedado ao médico:
Art. 44 - Deixar de colaborar com as autoridades sanitárias ou infringir a legislação
pertinente.
Art. 124 - Usar experimentalmente qualquer tipo de terapêutica, ainda não liberada
para uso no País, sem a devida autorização dos órgãos competentes e sem
consentimento do paciente ou de seu responsável legal, devidamente informados da
situação e das possíveis conseqüências.
O Poder Público possui o dever de fornecer medicamentos previstos na política
nacional de saúde. No entanto, deve-se obedecer à legislação da política nacional de saúde.
O Ministro Gilmar Ferreira Mendes, com o intuito de regularizar e criar um parâmetro
correto e justo no que tange aos pedidos de antecipação de tutela de saúde, convocou
organismos responsáveis pelo segmento para uma audiência pública, que se realizou a partir
do dia 5 de março de 2009. Ainda não há um julgamento definitivo acerca da matéria. Mas,
em recente julgado, definiram-se algumas premissas. Nesse sentido o Ministro Gilmar
Mendes observa;
A Lei Federal nº 6.360/76, ao dispor sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos
os Medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, determina em
seu artigo 12 que “nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os
importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo
antes de registrado no Ministério da Saúde”. O artigo 16 da referida Lei estabelece
os requisitos para a obtenção do registro, entre eles, que o produto seja reconhecido
como seguro e eficaz para o uso a que se propõe. O Art. 18 ainda determina que, em
se tratando de medicamento de procedência estrangeira, deverá ser comprovada a
existência de registro válido no país de origem (BRASIL, 2010)34
Enfim, o Supremo Tribunal federal (STF) reconheceu a necessidade de que se
comprove a eficácia do fármaco para ser fornecido judicialmente. A decisão judicial extrapola
os limites legais ao impor à Administração Pública a obrigação de fornecer todo e qualquer
tratamento, mesmo aqueles não comprovados cientificamente.
Em verdade, trata-se de cumprir os pré-requisitos necessários e exigidos para o
fornecimento de qualquer medicação, os quais encontram fundamento na real necessidade de
utilização e na proteção da saúde dos pacientes. Ademais, impõe-se reconhecer que as
considerações do médico do paciente podem ser superadas na instrução do processo. O
controle da saúde pública impõe ao ente estatal responsável pelo fornecimento dos
34 Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental na Suspensão de Segurança nº 175– CE (STA nº 175-CE).
medicamentos um controle sobre aquilo que fornece, podendo negar-se, de forma legitima, a
custar uma medicação off-label.
Como afirmado no item precedente, os fármacos não podem ser utilizados como
experimentais, perfazendo os pacientes como cobaias. Esta questão acaba sendo mal
encaminhada ao ser enviada para o Poder Judiciário. Os médicos que optarem por um
medicamento não-padronizado, devem esgotar as alternativas existentes, bem como devem
fundamentar tecnicamente a escolha por um tratamento off-label. Isso inclui, entre outros
requisitos, a apresentação de estudos científicos que comprovem a eficácia do medicamento
no tratamento da doença em questão. Não pode o erário ficar arcando com verdadeiras
experiências laboratoriais.
A Desembargadora Federal Marga Inge Barth Tessler, do Tribunal Regional Federal
(TRF) da 4ª Região, pondera que:
[...] Nesse quadro, o postulado constitucional da eficiência impõe ao magistrado a
busca de um maior conhecimento sobre a matéria; caso contrário, no louvável
propósito de contribuir com uma solução, pode acabar por desorganizar a prestação do
serviço público de saúde. (...) É fundamental também verificar quais os medicamentos
ou procedimentos são disponibilizados pelo serviço público de saúde e verificar da
real necessidade do pedido feito. Não é possível desconhecer o trabalho de
publicidade empreendido pelos laboratórios e indústrias de fármacos junto à classe
médica. São oferecidos patrocínios e financiamento de pesquisas, o que pode levar os
profissionais a uma preferência por alguma marca de medicamento. Por outro lado, há
um novo aspecto a considerar: os laboratórios procuram agora influenciar os próprios
pacientes, financiando grupos portadores de doenças crônicas. Os conselhos de saúde
também começam a ser alvo de investidas publicitárias. Vemos, então, que não
podemos desconhecer as diversas forças que interagem no setor. (...) Há aqueles que
nos casos difíceis optam pela solução mágica do mero decisionismo, na certeza de que
a decisão judicial resolverá o problema individual sem maiores indagações do que
ocorre no aspecto do Sistema de Saúde, na dimensão comunitária ou coletiva.35
Com efeito, tratamentos experimentais, contra-indicado, controvertidos na literatura
médica, alternativos ou sem comprovação científica de êxito não se coadunam com a
isonomia na prestação. Quem pretender optar por tais terapias, que o faça às próprias
expensas. O Estado (gênero) deve selecionar e proporcionar somente tratamentos
comprovadamente eficazes e compatíveis com o seu nível de desenvolvimento.
35 TESSLER, Marga Inge Barth. O juiz e a tutela jurisdicional sanitária. In: Revista Interesse Público, n. 25, p.
27-57, 2004. Grifos não constantes no original.
Por conseguinte, a Administração Pública não pode deixar de cumprir com as
exigências legais e regulamentares relativas ao fornecimento de medicamentos, ou seja, deve
verificar se um medicamento possui aprovação na ANVISA antes de ser dispensado. E assim
também ao Judiciário não é dado obrigar o Executivo à entrega de fármaco
independentemente da verificação dos requisitos necessários à sua colocação o mercado. Em
suma, obrigar a Fazenda Pública a fornecer um tratamento off-label, extrapola o dever estatal
de propiciar acesso igualitário no âmbito das prestações de saúde.
O custeio de todo e qualquer tratamento, como é notório, transpassaria qualquer
capacidade financeira que os entes estatais possam ter. Além disso, dessa forma, o Estado
estaria sendo obrigado a “testar” (literalmente) remédios na população, à revelia das
necessárias avaliações clínicas que deveriam ser feitas previamente. E o que é mais grave,
estaria pagando pelos testes que deveriam ser custeados pelos laboratórios.
Ainda, a dispensação judicial de remédios off-label pode causar um efeito nefasto, ou
seja, lesionar parcela da população que mais necessita da prestação deste serviço. Ressalta o
Ministro Gilmar Mendes que;
[...] não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a
observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e
prestações de saúde, só torna-se viável mediante a elaboração de políticas públicas
que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível.
Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde
existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento
do SUS, de modo a prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da
população mais necessitada.36
Os pedidos de deferimento de tutela antecipada, que buscam obrigar o poder público a
fornecer medicamentos à população, devem ser analisados caso a caso, para se evitar que,
futuramente, o coletivo não venha a sofrer prejuízos não venha toda a sociedade como um
todo a arcar com prejuízos causados pelo deferimento desregrado de antecipações de tutela.
Portanto, os medicamentos que não tenha eficácia comprovada não podem ser concedidos via
judicial. Este paradigma ficou claramente definido pelo STF. O presidente do supremo
tribunal federal conclui;
Portanto, independentemente da hipótese levada à consideração do Poder Judiciário,
as premissas analisadas deixam clara a necessidade de instrução das demandas de
36 Idem.
saúde para que não ocorra a produção padronizada de iniciais, contestações e
sentenças, peças processuais que, muitas vezes, não contemplam as especificidades
do caso concreto examinado, impedindo que o julgador concilie a dimensão
subjetiva (individual e coletiva) com a dimensão objetiva do direito à saúde.37
Segundo os dados oriundos da Secretaria de Saúde gaúcha, o Estado do Rio Grande do
Sul dispensa R$ 150 milhões por ano na compra de medicamentos especiais. Do total, 70%
deste montante custeia remédios sem eficácia comprovada, por conta de ordem judicial ou
bloqueio nas contas do erário.
Os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro apresentam uma situação muito parecida.
São obrigados a dispensar, judicialmente, remédios sem eficácia comprovada, o que pode ser
considerada uma “inovação tecnológica” e até mesmo um risco ao paciente. As medicações
são entregues em reiterados casos sem o respeito aos protocolos clínicos ou mesmo à revelia
da aprovação prévia pela ANVISA38. A interferência do Poder Judiciário, neste aspecto, vem
ao encontro dos interesses econômicos dos laboratórios.
A confirmação desta premissa pode ser visualizada com muita clareza na pesquisa
feita por Vieira e Zuchi39. No ano de 2005, foram analisadas cento e setenta ações judiciais
que possuíam como objeto a tutela de saúde, todas promovidas contra o Município de São
Paulo. Em 75% dos casos, dispensaram-se medicações que não tinham eficácia comprovada.
Muitos medicamentos oncológicos nem sequer precisavam ser fornecidos via judicial, porque
poderiam ser conseguidos gratuitamente pelos Centros de Alta Complexidade em Oncologia
(CACON's). Percebeu-se o deferimento de fármacos com alto custo, privilegiando-se, assim,
uma minoria.
Em Santa Catarina, a dispensação off-label era corrente já em 2004, tendo se
disseminado nos anos que se seguiram. O desespero dos médicos e de familiares, por vezes,
perfaz um câmbio da racionalidade pela emoção. Em melhores termos, perfaz uma
substituição das evidências científicas pelas expectativas esperançosas de uma cura de risco.
37 Ibidem.
38 MESSEDER, A. M.; OSORIO-DE-CASTRO, C. G. S.; LUIZA, V. L. Mandados judiciais como ferramenta
para garantia do acesso a medicamentos no setor público: a experiência do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 21, n. 2, p. 525-534, Mar.-abr. 2005.
39 VIEIRA, F. S.; ZUCCHI, P. Distorções causadas pelas ações judiciais à política de medicamentos no Brasil.
Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 41, n. 2, p. 214-222, 2007.
Diante deste contexto, defende-se que, quando se trata de medicamentos que não
possuem prova de propriedades médicas de cura, o Poder Público deve ser preservado de
concedê-los, para que seja evitado um colapso do Sistema Único de Saúde, bem como não
sejam fornecidos fármacos com duvidosa potencialidade e, não raras vezes, prejudiciais aos
pacientes. Aliado ao fato de que se estaria privilegiando os interesses da indústria
farmacêutica, como provado em item prévio.
CONCLUSÕES
Por todo o exposto, defende-se que:
1. os medicamentos experimentais ou não aprovados pelos órgãos de saúde
competentes40 são considerados off-label, e possuem um grau de risco inaceitável aos
pacientes, por terem uma potencialidade de levar o paciente à reações adversas graves
e à morte;
2. em remédios desta natureza, o Poder Público deve ser preservado de concedê-los, para
que seja evitado um colapso do Sistema Único de Saúde, bem como não sejam
fornecidos fármacos com duvidosa potencialidade e, não raras vezes, prejudiciais aos
pacientes;
3. Tal fato, para além disso, estaria privilegiando os interesses da indústria farmacêutica;
4. do ponto de vista médico, estes riscos são considerados altos e inaceitáveis;
5. caso o Poder Judiciário permita o fornecimento da medicação, defende-se que seja
invertido o ônus da prova, ou seja, cabe ao paciente provar cientificamente a eficácia
do fármaco postulado;
6. caso não se inverta o ônus da prova, é importante que as Procuradorias das Fazendas
Públicas tragam aos autos elementos científicos (laudos médicos, estudos
farmacológicos, etc.) sobre a medicação pleiteada judicialmente, quando de natureza
off-label;
40 No Brasil, o ente responsável seria a Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA).
7. as empresas farmacêuticas que comercializam os medicamentos off-label lucram em
comercializar os medicamentos experimentais: pelo fato de se negarem a custear os
testes prévios necessários; e uma segunda vez, por colocarem no mercado o
medicamento, que será literalmente testado nos pacientes; por aumentarem sua
clientela, uma vez que não há restrições bastantes quanto à posologia, CID, faixa
etária, etc.;
8. os fármacos não podem ser utilizados como experimentais em pacientes, salvo se este,
de forma consciente, resolva se submeter a um tratamento desta natureza
(consentimento informado);
9. neste caso, o Poder Público não está obrigado a custear um tratamento de alto risco,
sendo que esta questão acaba sendo mal encaminhada ao ser enviada para o Poder
Judiciário
10. os médicos que optarem por um medicamento não padronizado, devem esgotar as
alternativas existentes, bem como devem fundamentar tecnicamente a escolha por um
tratamento off-label. Isso inclui, entre outros requisitos, a apresentação de estudos
científicos que comprovem a eficácia do medicamento no tratamento da doença em
questão, bem como, repita-se, deve ser colhida autorização expressa e escrita do
paciente, o qual toma ciência dos riscos que este tratamento possa causar;
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