adoecimento mental no trabalho: estudo de caso numa secretaria

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA
DIRETORIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO MESTRADO
PROFISSIONAL EM ADMINISTRAÇÃO
LÍSIA MARINA MAGALHÃES MACEDO
ADOECIMENTO MENTAL NO TRABALHO: ESTUDO DE CASO NUMA
SECRETARIA DE SAÚDE DE MINAS GERAIS
Belo Horizonte
2015
LÍSIA MARINA MAGALHÃES MACEDO
ADOECIMENTO MENTAL NO TRABALHO: ESTUDO DE CASO NUMA
SECRETARIA DE SAÚDE DE MINAS GERAIS
Dissertação apresentada a Diretoria de Educação
Continuada
e Pesquisa do Centro
Universitário
UNA, como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Administração.
Área de concentração:
Organizacional
Inovação
e
Dinâmica
Linha de pesquisa: Dinâmica Organizacional, Inovação e
Sociedade
Orientadora: Prof. Dra. Íris Barbosa Goulart
Belo Horizonte
2015
M141a
Macedo, Lísia Marina Magalhães
Adoecimento mental no trabalho: estudo de caso numa Secretaria de Saúde
de Minas Gerais. / Lísia Marina Magalhães Macedo. – 2015.
99f.
F
i
c
h
a
Orientadora: Profa. Dra. Íris Barbosa Goulart.
Dissertação (Mestrado) – Centro Universitário UNA, 2015. Programa de Pósgraduação em Administração.
Inclui bibliografia.
c
Ficha catalográfica desenvolvida pela Biblioteca UNA campus Guajajaras
1. Satisfação no Trabalho. 2. Administração de Serviços de Saúde. 3.
Psicopatologia. I. Goulart, Íris Barbosa. II. Centro Universitário UNA. III. Título.
CDU: 658
Dedico este Mestrado aos meus pais, Dilce
e Levindo pelo incentivo, apoio e confiança
incondicional em todas as minhas escolhas
e decisões da vida.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente a Deus, por sempre me guiar e por me dar este
grande prazer de comemorar mais uma vitória na minha vida.
Agradeço, de forma muito especial, a minha linda mamãe que me estendeu a mão e
sempre me motivou a continuar os meus estudos, principalmente nas fases mais
difíceis e que até mesmo pensei em desistir. Muito obrigada, mãe, por acreditar em
mim e estar ao meu lado sempre.
Ao meu pai de coração, Henrique pelas sábias palavras, pelo colo oferecido nas
minhas fases de angústia e por me fazer acreditar no meu potencial.
Ao meu grande amor, Thiago pela paciência, incentivo e compreensão às minhas
longas horas de dedicação ao estudo.
As minhas irmãs, Letícia e Nádia, pela parceria, carinho e força em todos os momentos
da minha vida.
A minha grande amiga Marta, pelas palavras doces de conforto e de motivação nos
momentos de dificuldade e cansaço. Ao meu amigo, Júlio César pelos sábios
conselhos e palavras amigas nos momentos de cansaço.
A minha orientadora Íris por dividir comigo sua sabedoria, serenidade e confiança.
A todos os meus colegas do curso de Mestrado, por compartilhar suas experiências e
por dividir comigo conhecimentos e também os aflitos durante toda a trajetória.Em
especial, meus dois amigos Giovanni Sales e Alexandre Pelli, que no momento final
me incentivaram e me ajudaram nos últimos detalhes da dissertação.
Ás minhas colegas de trabalho da Secretaria Municipal de Saúde pela participação
fundamental para realização desta dissertação, pela credibilidade e familiaridade que
me acolheram. Enfim, agradeço a todos aqueles que de alguma maneira
contribuíram para que esta conquista pudesse ser concluída.
“O
homem
não
teria
alcançado
o
possível, se inúmeras vezes não tivesse
tentado atingir o impossível”.
Max Weber
RESUMO
Esta dissertação teve como objetivo analisar os fatores determinantes de
adoecimento psíquico de profissionais que trabalham numa Secretaria Municipal de
Saúde (SMS) de um município do estado de Minas Gerais, no período de 2013 a
2015. Foi feita uma pesquisa bibliográfica destinada a fundamentar o referencial
teórico e, a partir dela, discorreu-se sobre a Psicopatologia e a Psicodinâmica do
Trabalho, com base principalmente nos estudos de Christophe Dejours, e apresentase o levantamento da produção científica sobre adoecimento mental no trabalho.
Também foi realizada uma pesquisa descritiva, que constitui um estudo de
caso, mediante
entrevistas feitas
com
oito
servidores
públicos
que
apresentaram manifestações de insatisfação com o trabalho, estresse e
sofrimento/adoecimento vinculados às atividades laborais. Essas entrevistas
foram submetidas à análise de conteúdo qualitativa, dando-se ênfase aos
aspectos subjetivos do processo de adoecimento desses profissionais. A pesquisa
foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos
designados pela Plataforma Brasil. Os procedimentos adotados obedeceram aos
Critérios da Ética em Pesquisa conforme Resolução 466/2012 do Conselho Nacional
de Saúde e a pesquisa foi aprovada no dia 07 de abril de 2015, com o Parecer
1.141.262. Na análise realizada, buscou-se identificar as tarefas realizadas pelos
sujeitos que têm manifestado adoecimento mental; caracterizar o processo de
adoecimento desses profissionais, de acordo com a percepção expressa por eles,
identificar os fatores determinantes do adoecimento. Os resultados apontaram que os
servidores que manifestaram adoecimento mental e que procuraram atendimento
psiquiátrico e/ou psicológico se mostraram inseguros quanto à sua estabilidade
no trabalho, uma vez que são contratados "pro tempore", não tendo garantia
de permanecerem nos cargos que ocupam. As queixas de sofrimento mental feitas
pelas servidoras não estão correlacionadas ás tarefas laborais que realizam na SMS
e, sim, às características que a organização do trabalho oferece. Foram
relatados somatizações, sofrimentos, insatisfações com a organização do trabalho,
sintomas psíquicos e até mesmo afastamento das atividades laborais
decorrentes de adoecimento mental. Foi comprovado que nem todos os sujeitos
que apresentaram características e ou sintomas psíquicos foram considerados
portadores de doenças mentais. Percebe-se, ainda, que algumas servidoras,
devido as suas características de personalidade e elaboração de sistemas
defensivos eficazes, conseguiram transformar o sofrimento no trabalho em prazer,
conforme foi exposto na teoria dejouriana. Conclui-se que as causas de sofrimento
e/ou adoecimento mental identificadas estão correlacionadas ao que a
organização de trabalho oferece e/ou deixa de oferecer aos seus funcionários,
bem como às características de personalidade dos sujeitos de pesquisa.
Palavras-chave: Adoecimento no Trabalho. Adoecimento Mental. Serviço Público.
Saúde pública.
ABSTRACT
This thesis aims to analyze the determinants of mental illness professionals working in
the Municipal Health Department (SMS) of a municipality in the state of Minas Gerais,
between 2013 and 2015. A bibliographic research was made designed to justify
reference theoretical and, from it, he spoke about the psychopathology and
psychodynamics of the work, based primarily on studies of Christophe Dejours, and
presents a survey of the scientific literature on mental illness at work. a descriptive
research was also carried out, which is a case study through interviews with eight civil
servants who showed dissatisfaction demonstrations with work, stress and suffering /
illness related to work activities. These interviews were submitted to qualitative content
analysis, giving emphasis to the subjective aspects of these professionals getting sick.
The research was submitted to the Ethics Committee for Research involving Human
Beings designated by Platform Brazil. The procedures adopted met the criteria of the
Ethics in Research as the National Health Council Resolution 466/2012 and the
research was approved on April 7, 2015, with Opinion 1,141,262. In the analysis, we
sought to identify the tasks performed by individuals who have expressed mental
illness; characterize the disease process of these professionals, according to the
perception expressed by them, identify the determinants of illness factors. The results
showed that the servers that expressed mental illness and sought psychiatric and / or
psychological care proved insecure about their job security, since they are hired "pro
tempore", with no guarantee to remain in the positions they occupy. The mental
suffering complaints made by the servants are uncorrelated ace work tasks they
perform in the SMS and yes, the characteristics that the organization of work offers.
somatization, suffering, dissatisfaction with the organization of work, psychiatric
symptoms and even withdrawal from work activities due to mental illness have been
reported. It has been proven that not all subjects with features and or psychological
symptoms were considered to have mental illness. It is noticed also that some servants
because of their personality characteristics and development of effective defensive
systems, managed to transform the suffering at work in pleasure, as was exposed in
dejourian theory. It is concluded that the causes of suffering and / or identified mental
illness are correlated to the work organization offers and / or fails to provide its
employees as well as the personality characteristics of the subjects.
Keywords: Illness at Work. Mental illness. Public service. Public health.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACS
Agente Comunitário de Saúde
CID
Classificação Internacional de Doenças
DATAPREV
Empresa de Tecnologia e Informação da Previdência Social
PORT
Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho
DPMs
Distúrbios Psiquiátricos Menores
ESF
Estratégia Saúde da Família
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INSS
Instituto Nacional do Seguro Social
LER
Lesões por Esforços Repetitivos
NASF
Núcleo de Apoio à Saúde da Família
SMS
Secretaria Municipal de Saúde
SUS
Sistema Único de Saúde
TMCs
Transtornos Mentais Comuns
OMS
Organização Mundial de Saúde
OIT
Organização Internacional do Trabalho
SC
Santa Catarina
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – Doenças relacionadas ao trabalho ....................................................25
QUADRO 2 – Conceito e evoluções da Psicopatologia e da Psicodinâmica do trabalho
...............................................................................................................38
QUADRO 3 – Categorias temáticas e subcategorias correspondentes às análises das
entrevistas .............................................................................................53
QUADRO 4 – Atividades realizadas no trabalho pelas servidoras da SMS .............77
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................13
1.1 Justificativa e relevância do tema .......................................................................16
1.2 Problema ............................................................................................................18
1.3 Objetivos.............................................................................................................18
1.3.1 Objetivo geral ..................................................................................................18
1.3.2 Objetivos específicos .......................................................................................18
1.4 Estrutura do texto ...............................................................................................21
2 REFERENCIAL TEÓRICO ....................................................................................22
2.1 Abordagem teórica do adoecimento no trabalho ................................................22
2.2 Contextualização da Psicopatologia e Psicodinâmica do Trabalho ...................29
2.2.1 Psicopatologia do Trabalho .............................................................................30
2.2.2 Psicodinâmica do Trabalho .............................................................................35
2.3 Produção científica sobre o adoecimento mental no trabalho ............................40
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .............................................................48
3.1 Caracterização da pesquisa ..............................................................................48
3.2 Unidade de análise e sujeitos de pesquisa .......................................................49
3.3 Instrumentos de coleta de dados ......................................................................51
3.4 Técnicas de interpretação dos resultados .........................................................52
3.5 Submissão ao Comitê de Ética ...........................................................................54
4 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS ........................................55
4.1 Categoria 1: Significado do trabalho .................................................................56
4.2 Categoria 2: Manifestações do processo de adoecimento mental associado ao
trabalho ...................................................................................................................59
4.3 Categoria 3: Fatores determinantes de adoecimento mental no trabalho .........62
4.4 Categoria 4: Implicações do Atendimento Psicológico e/ou Psiquiátrico ..........72
4.5 Categoria 5: Ambiente saudável para a saúde mental dos trabalhadores ........77
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................83
REFERÊNCIAS ........................................................................................................89
6 PRODUTO TÉCNICO ............................................................................................94
APÊNDICE................................................................................................................95
APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA ..........................................................95
APÊNCIDE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
........................................................................................................................98
ANEXO .....................................................................................................................99
ANEXO A – CARTA DE APROVAÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA, EMITIDA
PELO COMINTÊ DE ÉTICA EM PESQUISA – CENTRO UNIVERSITÁRIO UN.....98
13
INTRODUÇÃO
O interesse da autora pelo tema adoecimento mental no trabalho surgiu em
decorrência da sua atuação profissional como Psicóloga, na área da Saúde
Pública. No seu cotidiano, foram acolhidos inúmeros casos clínicos com
queixas de sofrimento
às
atividades
psíquico
desempenhadas
ocasionado
pelos
pelo
trabalho
trabalhadores.
ou
Houve
relacionado
também
a
oportunidade de presenciar colegas que foram afastados temporariamente por
apresentarem sintomas de estresse, depressão e insônia decorrentes do contexto
laboral.
Na tentativa de compreender a relação entre adoecimento psíquico e condições de
trabalho, a autora optou por ampliar os conhecimentos no campo dos estudos sobre
Psicopatologia e Psicodinâmica do Trabalho. Vale ressaltar a dupla interpretação
do trabalho na vida do ser humano: ele também pode ser uma referência para a
auto realização do sujeito quanto o fator determinante do equilíbrio emocional e
mesmo físico. Logo, o significado do trabalho pode ser positivo ou negativo.
Pode-se afirmar que o trabalho desempenha um papel importante na vida das
pessoas, constituindo uma categoria fundamental para a vida do ser humano. De
acordo com Araújo (2005), como atividade produtiva, o trabalho é um
elemento fundamental na constituição da identidade do sujeito. Araújo (2005)
destaca que:
A questão do trabalho está relacionada a nossa sobrevivência e a nossa
forma de inserção no mundo. O trabalho, ao longo da história vem se
constituindo num importante, se não o principal determinante da forma de
organização das sociedades, sendo o meio através do qual o homem
constrói o seu ambiente e a si mesmo (...). (ARAÚJO, 2005, p.11)
É relevante a importância do trabalho na vida do homem e sua contribuição para a
construção da realidade psíquica, emocional e cognitiva, sendo ele, pois, parte
determinante na constituição da subjetividade humana.
Jardim e Lancman (2009) ressaltam a importância do trabalho na vida do homem:
14
ampara a estruturação da identidade, das redes de relações sociais, tais como
pertencimento a um grupo, trocas afetivas e econômicas, além do seu papel
psíquico, na composição do sujeito.
Entretanto, algumas vezes, as condições de trabalho ou as relações que se
estabelecem no trabalho se podem causar sofrimento ou até mesmo adoecimento.
Para
se
deve-se
obter
realizar
uma
uma
compreensão
análise
da
do
sua
sofrimento
história
psíquico
ocupacional,
do trabalhador
levando
consideração suas particularidades, no âmbito psíquico, econômico e social.
em
É
necessário procurar entender como o trabalho é organizado, suas relações
interpessoais e o significado que o trabalho tem para o sujeito (LIMA, ASSUNÇÃO
e FRANCISCO, 2002).
O trabalho representa um conflito entre o mundo objetivo – com suas regras e
desafios e o mundo interno do trabalhador – sua singularidade e valores. Este
confronto entre o mundo do trabalho e as pessoas representa não somente o
sofrimento, como também, oportunidade de crescimento e desenvolvimento
psicossocial do trabalhador. Portanto, as relações entre o trabalho e o sujeito
representam um ambiente de multiplicidade subjetiva e social (JARDIM; LANCMAN,
2009).
Para que o trabalho não se torne uma fonte geradora de sofrimento mental, o
mesmo deve representar para o sujeito possibilidades de realização profissional e
pessoal. A partir do momento em que o trabalho perde essas significações, quando
o trabalhador não visualiza um sentido para o trabalho, o mesmo compromete a
integridade da sua saúde física e mental (DEJOURS,1992).
Abrahão e Torres (2004) referem-se à organização do trabalho considerando-a
como um processo complexo, que envolve a divisão de tarefas, a repartição, a
definição das cadências, o modo operatório prescrito; e a divisão de homens,
repartição de responsabilidades, hierarquia, comando e controle. Todos esses
fatores, dependendo de como são administrados, podem ser considerados
responsáveis pela adequação do trabalhador no ambiente laboral ou pela
desestabilização do seu ajustamento a este ambiente.
15
Atualmente, algumas organizações têm exigido dos trabalhadores habilidades que
contribuem de maneira negativa tanto para o relacionamento interpessoal, como
também, para a sua saúde mental. Como exemplos, vale ressaltar as pressões para
cumprimento de metas, longas jornadas de trabalho, individualismo, conflitos entre
os setores e colegas, entre outros fatos.
As organizações têm papel fundamental na manutenção da saúde mental
equilibrada do trabalhador. Algumas organizações, na sua forma de sistematizar o
trabalho podem determinar fatores patogênicos que aliados aos aspectos pessoais e
subjetivos podem ocasionar sofrimento psíquico. Dejours (1992, p.52) afirma que:
O sofrimento começa quando a relação homem-organização do trabalho
está bloqueada; quando o trabalhador usou o máximo de suas faculdades
intelectuais, psicoafetivas, de aprendizagem e de adaptação. Quando um
trabalhador usou de tudo que dispunha de saber e de poder na organização
do trabalho e quando ele não pode mais mudar de tarefa: isto é, quando
foram esgotados os meios de defesa contra a exigência física. (...) A certeza
de que o nível atingido de insatisfação não pode mais diminuir marca o
começo do sofrimento.
Nota-se que há uma relação direta entre satisfação do trabalhador e organização do
trabalho. O adoecimento físico ou mental pode surgir como uma conseqüência
quando estes dois fatores não estão alinhados. Dejours (1992) afirma que quanto
mais rígida for à organização, a divisão de trabalho mais acentuada e as
possibilidades mínimas de mudanças, maiores são as chances do sofrimento
psíquico no trabalho aumentar.
Analisando a produção científica sobre o tema, pesquisas demonstram que tais
características de uma organização do trabalho inadequada acarretam nos
profissionais desgastes, cansaço físico e mental, fadiga, ansiedade, depressão,
além do alto índice de rotatividade (ARAÚJO, 2005; TRINDADE et al., 2007;
VASCONCELOS; FARIA, 2008; JODAS; HADDAD, 2009; KIRCHHOF et al., 2009;
LANCMAN et al., 2009; BRAGA, CARVALHO; BLINDER, 2010; SOUZA et al.,
2010; JARDIM, 2011).
Dentro dessa mesma premissa, merece destaque a pesquisa feita por Minayo, Assis
e Oliveira (2011) sobre o impacto na saúde física e mental das atividades
profissionais dos militares e civis do Rio de Janeiro. Foram citados os sintomas de
16
sobrecarga de trabalho, sofrimento psíquico, baixa qualidade de vida, estresse
psicológico e insônia decorrente das atividades laborais. É oportuno lembrar que os
sujeitos da presente pesquisa são funcionários públicos e por este motivo
desempenham atividades próximas dos mencionados nestas pesquisas.
Da mesma maneira que o reconhecimento do sujeito com o seu trabalho são
interpretados de forma subjetiva, as doenças muitas vezes são consideradas
também como subjetivas, não sendo reconhecidas pelos especialistas clínicos. Além
disso, culturalmente em nosso país, as pessoas encontram certa resistência de
assumir qualquer doença, seja da esfera física seja mental.
Muitos trabalhadores têm a falsa denotação de que podem ter domínio e controle
sobre o seu corpo. Tal fato contribui para procurar ajuda somente quando o caso
clínico ou mental já está bem agravado. Com relação às doenças mentais, ainda
prevalece o preconceito de se procurar atendimento psicológico ou psiquiátrico,
relacionando-se essa busca com a loucura e não a considerando apenas um
transtorno da saúde.
A partir dessas considerações, surgiu o interesse de analisar os fatores
determinantes de adoecimento mental de profissionais que trabalham numa
Secretaria Municipal de Saúde (SMS) no estado de Minas Gerais.
17
1.1 Justificativa e relevância do tema
O tema se mostra relevante para os trabalhadores no serviço público uma vez que
as condições de trabalho, bem como a organização do trabalho em repartições
públicas são orientadas, principalmente, por aspectos políticos e alteradas
sempre quando uma nova gestão assume o poder. É, pois, oportuno salientar
o efeito dessas alterações para o processo de adaptação do funcionário.
A escolha da autora pela pesquisa ocorreu em função do envolvimento pessoal e
profissional pela temática de adoecimento mental. A pesquisadora trabalha, no
momento da realização deste trabalho, como Psicóloga do Núcleo de Apoio à
Saúde da Família (NASF), com atuação profissional em oito Estratégias Saúde
da Família (ESF) e considera importante avaliar os fatores determinantes de
adoecimento mental dos trabalhadores no ambiente de trabalho, para que
possam ser adotadas medidas de prevenção e manutenção da saúde mental
equilibrada dos servidores públicos.
A presente pesquisa torna-se relevante para a organização estudada, pelo fato de
que, para os servidores públicos oferecerem à população da cidade um serviço de
saúde pública de qualidade, eles devem estar emocionalmente equilibrados, a fim de
que possam exercer suas funções. Também se torna necessário identificar os
motivos que causam adoecimento mental dos servidores, para que este órgão
público invista em ações de prevenção e promoção da saúde mental de seus
colaboradores. Por consequência, seriam evitados os afastamentos das atividades
laborais decorrentes de adoecimento mental.
No ano de 2006, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) custeou o equivalente
a R$ 90 milhões com auxilio doença para pessoas com patologias de transtornos
neuróticos e relacionadas ao estresse. Além disso, os transtornos de humor
neste mesmo
ano
foram
considerados
o
segundo
motivo
de
maior
afastamento de pessoas do trabalho. Isto justifica a importância econômica da
pesquisa.
Se analisada na perspectiva acadêmica, esta pesquisa aborda um conteúdo que já
vem sendo estudado por diversos autores ARAÚJO, 2005; TRINDADE et al.,
18
2007; VASCONCELOS e FARIA, 2008; JODAS e HADDAD, 2009; KIRCHHOF et
al., 2009; LANCMAN et al., 2009; JARDIM, 2011.
Vale destacar pesquisas realizadas por Sousa et al. (2009) nas quais se refere ao
estresse ocupacional e Burnout, que são doenças mentais que tem acometido
muitos trabalhadores contemporâneos. Na mesma premissa, Braga, Carvalho e
Blinder (2010) investigam as condições de trabalho e transtornos mentais comuns
em servidores públicos de Botucatu (SP).
No mesmo contexto desta pesquisa, Lancman et al. (2009) avaliaram as
repercussões da violência na saúde mental de trabalhadores da Estratégia Saúde da
Família (ESF) e Silva et al. (2009) complementaram os estudos na área com
a pesquisa
das
considerações
sobre
o
transtorno
depressivo
decorrente
das atividades laborais. O aprofundamento de tais temas apresenta relevância
para a academia, o aumento do número de pesquisas contribui para verificar
reflexões e hipóteses sobre o complexo campo de saúde mental.
Como se trata de um trabalho acadêmico, pode-se inferir que está dissertação
constitui oportunidade de se discutir questões fundamentais como o sentido do
trabalho humano, a satisfação e a insatisfação no trabalho e ainda a possibilidade do
adoecimento derivado do sofrimento no trabalho.
19
1.2 Problema
Diante do contexto apresentado, e levando em consideração que a autora deste
trabalho desenvolve suas atividades profissionais no Núcleo de Apoio à Família
(NASF), atendendo oito unidades de saúde – Estratégia Saúde da Família (ESF) e
ainda que este trabalho é realizado no Mestrado Profissional em Administração, a
pesquisa realizada pretende oferecer subsídios à administração municipal. Para
tanto, a questão norteadora desta pesquisa é a seguinte: Quais os fatores
capazes de causar adoecimento mental em profissionais que trabalham
numa Secretaria Municipal de Saúde do estado de Minas Gerais no período de
2013 a 2015?
1.3 Objetivos
Para responder à questão norteadora da pesquisa foram definidos os seguintes
objetivos:
1.3.1 Objetivo Geral
Analisar os fatores capazes de causar adoecimento mental de profissionais que
trabalham numa Secretaria Municipal de Saúde do estado de Minas Gerais no
período de 2013 a 2015.
1.3.2 Objetivos específicos
 Identificar as tarefas realizadas pelos sujeitos que têm manifestado adoecimento
mental.
 Caracterizar o processo de adoecimento desses profissionais, de acordo com o
prontuário dos mesmos.
 Identificar os fatores determinantes de adoecimento mental dos sujeitos
pesquisados, de acordo com a percepção deles.
20
Como produto técnico, elaborar, um guia de sugestões que possam prevenir o
adoecimento diante das demandas do trabalho na Secretaria Municipal de Saúde.
21
1.4 Estrutura do texto
Esta dissertação é iniciada com o c a p í t u l o r e l a t i v o a Introdução, que trata da
apresentação do tema, define a questão norteadora da pesquisa, delineia os
objetivos e apresenta a justificativa para a realização do trabalho.
Após a Introdução, apresenta-se o segundo capítulo, que diz respeito ao referencial
teórico do trabalho: inicia-se com as relações entre o adoecimento e a organização
do trabalho e após, será abordada a contextualização da Psicopatologia e
Psicodinâmica do Trabalho: a origem e desenvolvimento da teoria e qual também
serão expostas as pesquisas realizadas na área de autores como Sivadon, Le
Guillant e Dejours.
Em seguida, os subitens estabelecem uma relação entre o sofrimento no trabalho e
o adoecimento do trabalhador e expõem os domínios do conhecimento que têm
abordado o tema: a Psicopatologia e a Psicodinâmica do Trabalho. São feitas
referências aos autores que abordam tais questões e é analisada a evolução e a
importância dessas abordagens para o entendimento da relação homem e trabalho.
Por último, faz-se uma exposição sobre a produção científica sobre o tema de
adoecimento mental no trabalho, num recorte dos últimos dez anos.
A Metodologia é exposta no terceiro capítulo, caracteriza o tipo da pesquisa,
apresenta a unidade de análise e os sujeitos de pesquisa, assim como os
instrumentos de coleta de dados e a técnica de interpretação de resultados.
O capítulo quatro apresenta os resultados, mostra os fatores de adoecimento mental
e tece considerações sobre doenças associadas às atividades laborais. O quinto
capítulo trata das conclusões e considerações finais associadas à análise dos
resultados obtidos nesta pesquisa.
22
2 REFERENCIAL TEÓRICO
Este capítulo aborda a questão do adoecimento do trabalhador, relaciona o
sofrimento experimentado com o trabalho e busca os estudos que se dedicaram a
esclarecer como ocorre este processo. Por este motivo, as temáticas abordadas
neste referencial teórico são as seguintes: as relações entre o adoecimento e a
organização do trabalho; referência à Psicopatologia do Trabalho, seu objeto de
estudo e as contribuições teóricas mais relevantes e a Psicodinâmica do Trabalho,
seu conceito e sua contextualização. Ainda neste referencial é apresentada a
produção científica sobre adoecimento mental no trabalho no período compreendido
entre 2005 a 2015.
2.1 Abordagem teórica do adoecimento no trabalho
Este tópico aborda as diversas nuances que ocorrem com o indivíduo que apresenta
características de sofrimento no trabalho até desencadear um adoecimento mental
acometido por atividades laborais.
Dejours (1990) define como condições de trabalho as pressões físicas, mecânicas e
biológicas do local de trabalho que tem como objeto o corpo do sujeito; já a
organização do trabalho que representa a divisão das atividades laborais atinge o
funcionamento psíquico. Os autores Vasconcelos e Faria (2008) corroboram com
Dejours (1990) ao afirmarem que as empresas, de maneira geral, são responsáveis
pela saúde mental de seus trabalhadores, já que a organização do trabalho em si,
pode apresentar características de fragilização mental para os sujeitos envolvidos.
De acordo com Dejours (1992), historicamente, o trabalho passou por grandes
transformações na sociedade. Na busca de melhorias nas condições de trabalho, o
século XIX foi marcado pelas lutas operárias com o objetivo de direito à vida ou
23
sobrevivência nas situações laborais e redução da jornada de trabalho. As
reivindicações dos trabalhadores deram início, de forma lenta e gradativa, para um
olhar humanizado dentro das indústrias.
Ocorreram mudanças significativas na relação homem – trabalho com o advento de
alguns benefícios e leis trabalhistas. Minayo, Assis e Oliveira (2011, p.2200) afirmam
que “(...) as relações laborais tanto podem produzir saúde, bem-estar físico e
emocional como podem, também, ser marcadas por insatisfações, estresse e
sofrimento”. O trabalho em si apresenta uma ambivalência; ao mesmo tempo em
que pode ser considerado como fonte de prazer, quando permite ao trabalhador
atender as suas necessidades humanas, trazendo satisfação, pode também,
ocasionar adoecimento físico ou mental, quando o indivíduo não tem uma
identificação com o mesmo (DEJOURS, 1992).
Lima et al. (2007) alegam que o prazer e o sofrimento são resultado da vinculação
entre a subjetividade do trabalhador e a organização do trabalho. A instituição
proporciona ao sujeito vivencias de prazer relacionadas ao apoio, a oportunidade
de crescimento, entre outros, com também de sofrimento, associado à rigidez
da hierarquia, aos conflitos entre colegas de trabalho, entre outras situações.
Vasconcelos e Faria (2008, p.455) ao realizarem uma pesquisa com os
trabalhadores sobre as contradições a respeito do tema saúde mental no trabalho,
obtiveram respostas unânimes sobre a relação entre o trabalho e adoecimento
mental:
(...) Todos os entrevistados afirmaram que o trabalho pode influenciar,
prejudicar ou aumentar o sofrimento e possíveis adoecimentos mentais ou
psicossomáticos. Esses podem ser propiciados através dos seguintes
fatores: estresse; fofocas; condições físicas de trabalho inadequadas;
relacionamento difícil com chefia, com subordinados, colegas, clientes,
insatisfação
no
trabalho,
falta
de
reconhecimento,
pressão,
responsabilidades, sensação de ser vigiado e orientações contraditórias
para a execução da tarefa.
Infere-se, portanto, que algumas instituições, em sua própria estrutura, ou seja, tanto
na organização quanto nas condições de trabalho, contêm características que
24
podem causar sofrimento psíquico ao trabalhador. É notório o aumento da
ocorrência de doenças psíquicas ou psicossomáticas relacionadas ao trabalho. Vale
destacar, também, que as instituições contemporâneas, em busca de adaptação ao
mercado de trabalho global e competitivo, adotam mudanças constantes no seu
modo de organização, na cobrança por produtividade, na exigência por mão de obra
qualificada, no aumento da pressão por lucros e resultados e, consequentemente,
todas estas questões afetam o trabalhador de maneira incisiva e considerável, pois
os
sujeitos
se
sentem
na
condição imposta
de
adaptar-se
aos
novos
processos (VASCONCELOS; FARIA, 2008).
A relação entre a organização e o trabalhador inclui questões organizacionais,
sociais, econômicas e principalmente, subjetivas intrínsecas a cada sujeito.
O tipo e intensidade dos sintomas psicossomáticos variam de acordo com a
subjetividade de cada trabalhador, para alguns podem desencadear sofrimentos e
queixas somáticas, como para outros, pode causar adoecimento psíquico e
ocasionar o seu afastamento das atividades laborais.
A maneira como o trabalho é organizado pode motivar o sofrimento psíquico do
trabalhador. No campo de saúde pública, as Agentes Comunitárias de Saúde
(ACS´s) obrigatoriamente devem morar e trabalhar na mesma comunidade. Desta
maneira, assumem uma dualidade de função: de ser conjuntamente agente e
sujeito, ou seja, há um distanciamento precário entre o pessoal e o profissional.
Além de realizar diariamente visitas domiciliares, morar no mesmo bairro e
frequentar os mesmos espaços físicos dos usuários, fatores como criação de
vínculos e envolvimento com as situações precárias de saúde, financeira e social
dos pacientes implicam
em desgaste
emocional
e
fonte
de
sofrimento
psíquico para o agente. (JARDIM e LANCMAN, 2009).
Vasconcelos e Faria (2008, p.455) destacam os transtornos mentais e do
comportamento mais comuns relacionados ao trabalho de acordo com dados do
Ministério da Saúde:
25
Entre os contextos geradores estão: (a) a falta de trabalho ou a ameaça de
perda de emprego; (b) o trabalho desprovido de significação, sem suporte
social, não reconhecido; (c) situações de fracassos, acidente de trabalho ou
mudança na posição hierárquica; (d) ambientes que impossibilitam a
comunicação espontânea, manifestação de insatisfações e sugestões dos
trabalhadores em relação à organização; (e) fatores relacionados ao tempo,
o ritmo e o turno de trabalho; (f) jornadas longas de trabalho, ritmos intensos
ou monótonos, submissão do trabalhador ao ritmo das máquinas; (g)
pressão por produtividade; (h) níveis altos de concentração somada com o
nível de pressão exercido pela organização do trabalho e (i) a vivencia de
acidentes de trabalho traumáticos.
Percebe- se, portanto, que as causas que podem gerar sofrimento no sujeito são
diversificadas e apresentam formas singulares; englobam a ausência ou receio de
perder a ocupação, trabalho sem sentido para o trabalhador, conflitos no ambiente
laboral, excesso de carga horária, metas exigidas pela organização, as quais os
trabalhadores devem cumprir, entre outros.
Neste mesmo conteúdo, Ferreira (2007) ressalta que os avanços da gestão de
processos e as novas tecnologias vigentes no universo do trabalho contemporâneo
estão saturados de condições que conduzem à precarização do trabalho e causam
efeitos maléficos para os seus trabalhadores, como sofrimento subjetivo,
individualismo e adoecimento. O autor ainda destaca que os estudos apontados pela
Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização Internacional do Trabalho
(OIT) são pessimistas quanto ao impacto destas novas políticas de gestão do
trabalho para a saúde mental dos trabalhadores e sinalizam danos psíquicos para os
mesmos, tais como estresse, angústias, depressões, entre outras psicopatologias.
De acordo com os autores citados, percebe-se que o universo de trabalho atual
contém características maléficas à saúde mental dos trabalhadores, chamando
atenção dos órgãos de saúde e do trabalho sobre as novas políticas trabalhistas de
gestão.
Jacques (2007) ressalta que os transtornos mentais têm origem em inúmeras causas
com interação de fatores complexos. Segundo terminologia utilizada pelo Ministério
da Saúde (2001) os transtornos mentais e do comportamento podem ser
classificados nos grupos I, II e III, exemplificados no QUADRO 1.
26
QUADRO 1 – Doenças relacionadas ao trabalho
Grupo
I
II
III
Classificação
Relação com o trabalho Patologias associadas
Exposição
a Trabalho como causa Demência, delirium, transtorno
substâncias tóxicas/ necessária.
cognitivo leve, transtorno mental
químicas e/ou fatores
orgânico, episódios depressivos,
inerentes.
síndrome da fadiga relacionada
ao trabalho, estado de estresse
pós-traumático e transtorno do
ciclo vigília sono (atividades em
turnos alterados e/ou trabalho
noturno).
Evidências
crônico,
outros
Trabalho como fator Alcoolismo
epidemiológicas com contributivo, mas não transtornos
neuróticos,
excesso
de necessário.
síndrome
de
esgotamento
prevalência
em
profissional,
episódios
grupos ocupacionais.
depressivos e síndrome de
fadiga relacionada ao trabalho.
Atividade
laboral Trabalho
como Alcoolismo
crônico,
outros
como
causa
não provocador
de
um transtornos
neuróticos,
favorável.
distúrbio latente ou síndrome
de
esgotamento
agravador de doença já profissional,
episódios
estabelecida.
depressivos e síndrome de
fadiga relacionada ao trabalho.
Fonte: Extraído de Jacques (2007).
Analisando
este
primordialmente
quadro,
físicas
verifica-se
e
que
fisiológicas,
no
grupo
podendo,
I,
as
doenças
conteúdo
são
determinar
transtornos mentais como estados depressivos, estresse e alterações do sono.
No grupo II, as doenças epidemiológicas que atribuem o trabalho como fator
contributivo,
mas
não
necessário
podem
levar
a
transtornos
mentais
como manifestações neuróticas, episódios depressivos e síndrome de fadiga.
O grupo III por sua vez se refere ao trabalho como provocador de um
distúrbio latente ou provocador de uma doença já estabelecida. Assim, como no
grupo II, as patologias associadas a este grupo incluem o alcoolismo crônico,
os transtornos neuróticos, estados depressivos e fadiga.
27
Tanto no grupo II como no grupo III são necessários laudos técnicos para
comprovar os nexos causais entre o trabalho e a doença mental, já que ambas
as patologias não podem ser consideradas como derivadas do trabalho,
porém, podem ser motivadas pelas atividades laborais. Sendo assim, há a
necessidade de uma apuração diagnóstica precisa, e buscar compreender “as
relações entre condições de vida e de trabalho e o surgimento, a frequência ou
a gravidade dos distúrbios mentais” (JACQUES, 2007, p.116).
Araújo (2005), nos seus estudos sobre as repercussões do trabalho no adoecimento
mental, ilustra o caso de uma servidora da UFMG, afastada algumas vezes do
trabalho devido às crises constantes e foi diagnosticada como portadora
de Transtorno Afetivo Bipolar. Esta pesquisa teve como objetivo identificar
as características patogênicas do trabalho e de relacionar os dados com a história
de vida do sujeito pesquisado. Através de entrevistas biográficas, merecem
destaques as características peculiares na forma da organização do trabalho que
se mostraram significativas para as descompensações da entrevistada. São elas:
Falta de afinidade e desconhecimento das tarefas a serem
descompensadas, aliadas a falta de treinamento; falta de tranquilidade para
a realização das atividades, somando-se ao acumulo de tarefas, gerando
angústia e ansiedade diante da possibilidade de não se conseguir concluir o
trabalho dentro do horário determinado; tratamento diferenciado entre os
professores e os funcionários técnicos administrativos da instituição (...);
pouca possibilidade de interferir no próprio trabalho (falta de autonomia),
somando-se a falta de organização e condições inadequadas de trabalho
gerando desprazer; conteúdo empobrecido das tarefas (monotonia);
trabalho desprovido de significação e sem reconhecimento; falta de preparo
das chefias para lidar com os funcionários; individualismo e falta de
solidariedade por parte de alguns funcionários; competição entre
funcionários e desonestidade no trabalho; ociosidade; sentimento de
impotência diante das ordens das chefias que se mostravam em desacordo
com os objetivos do trabalho (ARAÚJO, 2005, p.35-36).
Nas considerações finais da pesquisa mencionada, Araújo (2005) concluiu que
os coeficientes intrínsecos da organização aliados com as características
pessoais, familiares e comportamentais da servidora, favoreceram para o
agravamento do seu adoecimento mental.
Nota-se que todas as queixas são de caráter peculiar e subjetivo. Sendo assim, o
sofrimento ocasionado pelo trabalho manifesta-se de diversas formas, porém, de
28
maneira única para cada sujeito. Torna-se essencial, portanto, levar sempre em
consideração a subjetividade do trabalhador aliando-a a sua história de vida.
Retomando os estudos de Dejours, que evoluiram da Psicopatologia para a
Psicodinâmica do Trabalho, verifica-se que os fatores relacionados ao trabalho
combinam-se aos fatores de personalidade dos sujeitos e é esta combinação que
explica o sofrimento experimentado pelo trabalhador, bem como seu provável
adoecimento.
A parte empírica deste trabalho confirmará esta premissa exposta por Dejours em
suas pesquisas sobre o assunto.
29
2.2 Contextualização da Psicopatologia e Psicodinâmica do Trabalho
A partir de 1945, logo após o final da Segunda Guerra Mundial, surgiu na França um
movimento denominado Psiquiatria Social, do qual participaram alguns teóricos, que
contribuíram para a construção do campo da Saúde Mental e Trabalho naquele país.
Entre eles, destacam-se os nomes de Paul Sivadon, François Tosquelles,
SvenFollin, LucienBonnafé, Claude Veil e Louis Le Guillant (LIMA, 2006).
Cada um desses teóricos construiu sua trajetória de forma singular e não há um
consenso entre eles. O que eles possuíam em comum era a rejeição à Psiquiatria
praticada na época e o desejo de compreender os impactos nefastos do processo de
trabalho sobre a saúde mental dos trabalhadores. É oportuno lembrar que uma vez
terminado o período de guerra, as cidades afetadas pela destruição se dedicaram a
restaurar as construções e os hospitais em geral e, especialmente os psiquiátricos,
estavam repletos de pacientes com transtornos mentais e sem condições de
assumirem o trabalho de modo produtivo.
Clot (2006) considerou as doenças que proliferavam na França na fase pós-guerra
de “doenças da produtividade” e os autores citados, admitindo o fracasso das
práticas tradicionais da Psiquiatria, construíram os pilares da transformação que
ganhou adeptos em outras partes do mundo. Além disso, como definiu Billiard
(2001), eles não se limitaram a propor a revisão das práticas de assistência aos
pacientes no âmbito do hospital ou a criação de instituições extra-hospitalares. Eles
encaminharam uma reflexão sobre o lugar do psiquiatra na sociedade, agindo na
prevenção dos transtornos mentais em todos os lugares nos quais eles se
manifestam e investiram num esforço junto à população, visando reduzir as atitudes
de rejeição que sugeriam o isolamento dos doentes mentais (LIMA, 2006).
De acordo com Clot (2006), na França, uma primeira fundação da Psicologia do
Trabalho, estudada por Isabelle Billiard (2001), com a contribuição de Le Guillant
entre outros especialistas e em controvérsia com eles (Sivadon, Tosquelles e Veil),
foi seguida pela obra de Dejours, que culminou na proposição do campo de estudos
30
que se denomina Psicodinâmica do Trabalho. É oportuno realçar que a proposta de
Dejours rompe de forma nítida com a Psicopatologia do Trabalho e com a herança
da década de 1950, adotando como sua principal referência a Psicanálise.
Nos próximos subitens, são colocados os pontos de vista desses três autores:
Sivadon, Le Guillant e Dejours.
2.2.1 Psicopatologia do trabalho
Este tópico aborda a origem da Psicopatologia do trabalho na França e busca
ressaltar os autores principais que contribuíram para o seu desenvolvimento.
Após a II Guerra, mudanças ocorreram no conceito de trabalho. Vale destacar a
readaptação ao sistema produtivo e o início de questionamentos a respeito de saúde
mental e trabalho. Na tentativa de compreender a relação entre adoecimento mental
e trabalho, alguns pesquisadores intensificaram seus estudos nesta área, os quais
merecem destaque da psiquiatria social francesa, Paul Sivadon e Louis Le
Guillant (LIMA, 1998).
Na França, no final da década de 1940, a Psiquiatria Social iniciou uma reflexão
sobre o papel da Psiquiatria na sociedade, despertando um olhar diferenciado para
os trabalhadores que regressaram dos hospitais psiquiátricos e sua inserção na
sociedade e no mundo do trabalho. O movimento aproximou-se da sociedade e dos
campos teóricos na área da saúde e trabalho. Os psiquiatras buscavam aprofundar
conhecimentos e intervir nas condições que supostamente poderiam acarretar ou
intensificar doenças mentais (BILLIARD, 2001 citado por SOUZA e ATHAYDE,
2006).
Os teóricos franceses organizaram o corpo de conhecimentos que foi denominado
Psicopatologia do Trabalho, e, desde a sua origem foi marcado por correntes
científicas bem distintas sendo que, todas têm como única característica tentar
definir a complexidade do campo saúde mental e trabalho.
31
Souza e Athayde (2006) destacam que os textos publicados na França por Paul
Sivadon e Louis Le Guillant são considerados como fundadores da Psicopatologia do
Trabalho. Em destaque, Louis Le Guillant, em 1951, fez uma interposição no
Symposium de Bonneval, com a publicação de “PsychologieduTravail” e, em 1954,
publicou “Introduction á une PsychologieSociale” e o
psiquiatra
Paul
Sivadon
publicou em 1952, o artigo “Psycho- pathologieduTravail” trabalho no qual ressalta a
teoria da Ergoterapia – readaptação dos pacientes psiquiátricos ao ambiente de
trabalho.
Segundo Lima (1998), Paul Sivadon considera que o trabalho deve ser reconhecido
pelo seu valor de integração social, apesar de admitir também que algumas formas de
organização
do
trabalho
contêm
características
patogênicas.
O
termo
“Psicopatologia do Trabalho” foi empregado pela primeira vez por este autor, que
defende a dicotomia do trabalho, que tanto pode ser visto como fonte de evolução da
psique humana como também fonte que possibilita o surgimento de doenças
mentais no trabalhador.
Nassif (2005) ressalta que em concordância com Sivadon, Le Guillant concluiu que o
trabalho pode conter características patogênicas, porém, adotou uma corrente
teórica bem diferente. Louis Le Guillant considera a história de vida do sujeito e suas
condições de trabalho.
Para Lima (1998, p.13) Louis Le Guillant, contemporâneo de Paul Sivadon defende
“uma abordagem psicossociológica da doença mental, na qual o trabalho estaria no
centro da realidade social”. Ou seja, para uma compreensão do surgimento da
doença mental no trabalho devem ser analisadas conjuntamente as condições de
vida e de trabalho do sujeito. Para afirmar a relação causal entre transtorno mental e
trabalho deve ser feita uma análise do sujeito numa esfera bio-psico-social, ou seja, o
autor defende a integração complexa entre os fatores orgânicos, psíquicos, sociais e
organizacionais (NASSIF, 2005).
Souza e Athayde (2006) corroboram com os autores Lima (1998) e Nassif (2005) ao
ressaltarem que Louis Le Guillant se afastou dos conceitos que buscavam as
questões patogênicas do trabalho e tentou enfatizar as incoerências e os conflitos
32
que tais situações empunham ao trabalhador. Dessa maneira, adota a perspectiva
sociogenética das patologias mentais. Buscou-se estabelecer o vínculo entre os
problemas psicopatológicos, as condições de existência e as situações vividas pelo
sujeito no ambiente de trabalho.
Assunção e Francisco (2004) afirmam que Louis Le Guillant também defende que
sob certas condições o trabalho pode conter aspectos insalubres e estudou as
categorias
profissionais
das
telefonistas
que
apresentavam
quadros
psicopatológicos graves associados às condições de trabalho impostas para estas
trabalhadoras.
Nassif (2005) destaca que na pesquisa realizada com as telefonistas, Louis Le
Guillant primeiramente agrupou os sintomas psicopatológicos frequentes nestas
profissionais, que são alterações de humor, distúrbios do sono e alterações
somáticas, e posteriormente, elaborou um questionário no qual os seus resultados
deveriam ser analisados juntamente com os exames clínicos. Vale ressaltar que
Louis Le Guillant na sua pesquisa evidenciou as condições de vida econômica, social e
histórico familiar das entrevistadas.
Santos e Galery (2011) concluíram que o ritmo acelerado e a exigência de rigor e de
cautela, ou seja, a realidade concreta do trabalho eram o que determinava a
neurose destas profissionais. Le Guillant defende que um ambiente de trabalho com
condições salubres, sem exigências de controle da organização do trabalho não
provocaria adoecimento mental nos seus colaboradores, independente do sujeito
que realizasse a função.
Percebe-se que nas suas análises de sofrimento mental ocasionado pelo trabalho,
Louis Le Guillantnão singulariza o indivíduo apenas a um aspecto biologizante e
nem psicologizante, mas adota uma visão do sujeito como um todo e leva em
consideração todas as suas esferas - físicas, emocionais, sociais, econômica para,
posteriormente, inter-relacionar com suas atividades laborais.
Os autores Sivadon e Le Guillant representam o marco inaugural da Psicopatologia do
Trabalho, definida por Dejours (1990, p.120) como:
Podemos propor a seguinte definição de Psicopatologia do trabalho: é a
análise dinâmica dos processos psíquicos mobilizados pela confrontação do
33
sujeito com a realidade do trabalho. (...) O termo Psicopatologia foi
conservado porque possui duas vantagens: 1) contém a raiz pathos, que
remete ao sofrimento e não só à doença ou à loucura. Neste sentido, o
termo Psicopatologia designará o estudo dos “mecanismos e processos
psíquicos mobilizados pelo sofrimento”, sem pressupor seu caráter mórbido ou
não mórbido; 2) o termo psicopatologia(...), não é evocado aqui, de forma
fortuita, mas a título de referência explícita à teoria psicanalítica do
funcionamento psíquico.
Percebe-se que, o termo Psicopatologia está voltado para o aspecto de sofrimento
e/ou doença vinculadas ao trabalho. Evidencia-se que não somente Dejours, como os
autores, Paul Sivadon e Louis Le Guillant nas suas pesquisas iniciais buscavam
comprovar as psicopatologias causadas pelo trabalho.
De acordo com o modelo causalista e a relação trabalho- saúde mental, uma das
primeiras pesquisas realizadas por Dejours com o objetivo de demonstrar as
evidências de doenças mentais especificas do trabalho, estavam destinadas aos
operários semiqualificados submetidos ao trabalho repetitivo, pressão do tempo e
condições de exploração. Porém, não foram encontrados os
resultados de
caracterização da doença mental. A partir deste momento, Dejours adota um novo
modelo teórico, renuncia ao modelo causalista e inicia seus estudos para comprovar o
sofrimento no trabalho e as defesas que o trabalhador utiliza contra o adoecimento
mental. Além da discordância referente ao patológico e não patológico surgiu à
incongruência entre o social e o privado, as pressões no trabalho ou outra
característica patogênica presente na organização do trabalho são incapazes de
aflorar, por exemplo, uma psicopatologia de massa. Tal fato se justifica que entre as
contingências do trabalho e a doença mental, encontra-se o indivíduo, que se torna
capaz de reagir e defender-se de acordo com a sua subjetividade, histórico familiar e da
estrutura de personalidade (DEJOURS, 1990).
Lima, Assunção e Francisco (2004) afirmam que Christophe Dejours adota uma
visão teórica bem diferente de Sivadon e Le Guillant. A partir dos resultados obtidos
nas suas pesquisas iniciais, Dejours (1992) nega a existência de transtornos mentais
ocasionados exclusivamente pelo trabalho e considera que o trabalho pode ser
considerado como um elemento que provoca a descompensação do indivíduo, mas
jamais
como
terminante.
Ele
acrescenta
que
as
pessoas,
antes
de
ingressarem numa organização, já têm sua estrutura de personalidade formada,
embutidas de descompensações neuróticas ou psicóticas.
34
Dejours (1992) ressalta ainda que a condição na qual o sofrimento é revestido varia de
acordo com o tipo de organização. Como por exemplo, o trabalho repetitivo gera
insatisfação ao trabalhador e as tarefas perigosas executadas coletivamente,
originam medos específicos, tais modelos são considerados como uma porta de
entrada para as doenças psicopatológicas. Porém, de acordo com o autor, contra a
angústia e o sofrimento os trabalhadores criam estratégias defensivas coletivas para se
protegerem psicologicamente.
O autor citado acima considera ainda que a relação entre o aparelho mental e a
organização do trabalho é ambígua, pois há situações em que o trabalho é favorável ao
equilíbrio mental do sujeito. Quando a organização do trabalho é positiva, ao invés
de ser conflituosa, pelo menos uma, das duas condições a seguir é realizada: as
exigências intelectuais, motoras ou psicossensoriais da atividade laboral estão em
conformidade com as necessidades do trabalhador ou quando o mesmo pode
transformar a organização de seu trabalho (conteúdo, ritmo e modo operatório) de
acordo com o seu desejo ou suas conveniências.
Após a publicação de seu primeiro livro (Travail, usure mentale, 1980), Dejours
continuou realizando suas pesquisas como psiquiatra e professor da Faculdade de
Medicina de Paris e renunciou ao enfoque sobre as doenças mentais, transferindo
suas pesquisas para os mecanismos de defesa que os indivíduos utilizam contra o
sofrimento no trabalho. O texto do livro Psicodinâmica do Trabalho, publicado com
Elizabeth Abdoucheli e Christian Jayet, mostra esta nova postura de Dejours. Lima,
Assunção e Francisco (2004) ressaltam que os teóricos franceses foram os
fundadores do campo da Saúde Mental e Trabalho.
Apesar
das divergências
teóricas entre eles, todos tinham em comum o objetivo de esclarecer e comprovar as
relações entre certas formas de organização do trabalho e certos transtornos
mentais.
Portanto, as teorias referentes ao campo da saúde mental e trabalho estão distantes
de entrarem em um consenso. A seguir, apresenta-se o contexto da Psicodinâmica do
trabalho, área que trata a questão segundo nova perspectiva.
35
2.2.2 Psicodinâmica do Trabalho
Neste tópico são apresentados os princípios teóricos da Psicodinâmica do Trabalho,
seu objeto de estudo e propósito. A temática foi desenvolvida por Christophe
Dejours, na França, nos anos de 1990. Inicialmente, com referenciais teóricos da
Psicopatologia e, atualmente, com forte influência de conceitos da Psicanálise
(MENDES, 2007).
Numa perspectiva de abordagem diferente dentro do mesmo contexto, Christophe
Dejours adota não as doenças mentais como objeto de estudo e, sim, a normalidade. O
foco
das pesquisas de
Dejours
se
direciona
para as
estratégias
que
os
trabalhadores adotam para enfrentar mentalmente as disfunções no trabalho
(BRANT e MINAYO - GOMEZ, 2004).
Dejours (1992) defende que o trabalho não é o fator determinante para adoecimento
mental do trabalhador, e, enfatiza que cientificamente nunca foi comprovada “(...) a
existência de uma patologia mental decorrente do trabalho” (DEJOURS, 1992,
p.122).
Diante da mudança do enigma da Psicopatologia do Trabalho, que representa o
deslocamento do foco da doença para normalidade, Dejours propõe a mudança de
nome para Psicodinâmica do Trabalho:
(...) Segundo Dejours o grande enigma para a Psicopatologia do Trabalho não
é a doença mental e sim a normalidade, isto é, o que importa realmente é
compreender as estratégias defensivas (individuais e/ou coletivas)
adotadas pelos trabalhadores com a finalidade de evitar a doença e
preservar ainda que precariamente seu equilíbrio psíquico. A partir dessa
constatação, ele propõe a mudança do nome da disciplina para
“Psicodinâmica do Trabalho” argumentando que não foi possível
estabelecer uma relação causal entre certos distúrbios psíquicos e certas
formas de organização do trabalho. Além disso, considera esta segunda
denominação mais adequada na medida em que amplia o campo de
investigação, permitindo um olhar para o sofrimento, mas também para o
prazer no trabalho. Em suma, Dejours não admite que o trabalho seria
causador de doenças mentais, podendo no máximo desencadeá-las e,
ainda assim, sob certas circunstancias bastante específicas (...). (LIMA,
2006, p. 13-14).
36
Dejours (2008) define como finalidade da Psicodinâmica do Trabalho analisar o
trabalho enquanto atividade humana, na qual se busca interpretar clinicamente o
porquê e como o mesmo trabalho, dependendo da forma como é organizado, tanto
pode causar destruição, como também, ser construtor de saúde.
Na perspectiva epistemológica, a pesquisadora Mendes (2007, p.32) define a
Psicodinâmica como “(...) uma teoria crítica do trabalho, que envolve dimensões da
construção – reconstrução das relações entre sujeitos-trabalhadores e realidade
concreta do trabalho”.
Na
tentativa
de
definição
da
Psicodinâmica
do
Trabalho,
percebe-se
o
distanciamento de autores que buscam focar apenas o lado negativo do trabalho. A
adequada definição supõe uma compreensão da complexa relação entre o
sofrimento e a manutenção da saúde mental equilibrada dos trabalhadores no
ambiente laboral.
De acordo com Mendes (2007), o sofrimento no trabalho, segundo a teoria
dejouriana, assume uma dualidade entre a saúde e a patologia. Quando o
trabalhador consegue enfrentar estas situações de desconforto no trabalho, que
causam a instabilidade psicológica, o sofrimento cede lugar ao prazer. A patologia
ocorre quando são instauradas falhas neste enfrentamento e o desejo da produção
fica sobreposto ao do trabalhador. Em conformidade com Mendes (2007), os autores
Brant e Minayo - Gomez (2004, p.219) destacam que “(...) o adoecimento pode
acontecer devido a uma retenção de energia pulsional por uma situação de trabalho
que impede a descarga adequada da carga psíquica”.
O sofrimento está presente nas atividades laborais, pois trabalhar inclui enfrentar o
real – regras e as incidências que ocorrem diante das previsões. Contudo, o ato de
trabalhar presume a superação dos obstáculos e a busca por soluções. Deduz-se
que o trabalho apresenta possibilidades de transformar este sofrimento e depende,
portanto, da subjetividade do sujeito: quando vence a resistência do real, transforma-se
a si mesmo, ou seja, de algum modo torna-se mais confiante e inteligente para
enfrentar novas dificuldades, porém, quando não há o enfrentamento ou superação
deste sofrimento, eventualmente pode desencadear uma doença psicopatológica
(DEJOURS, 2008).
37
Athayde
(2005,
p.988)
corrobora
com
Dejours
(2004)
e
ressalta
“(...)
os
trabalhadores não se mostram passivos em face das (...) pressões organizacionais, e,
sim, capazes de se proteger dos efeitos nefastos à saúde mental. Eles sofriam, mas
sua liberdade se exercia (...) na construção de sistemas defensivos (...)”.
Dentre os conceitos elaborados por Dejours (1992), compreende-se por estratégias
defensivas regras de condutas coletivas elaboradas pelos próprios trabalhadores
com o intuito de suportar e minimizar o sofrimento. São marcadas pela criatividade,
específicas
de
cada
categoria
profissional
e
mantidas
para
lidar
com
as
contingências do trabalho.
Nota-se, portanto que os trabalhadores criam modelos de defesa para lidar com as
adversidades presentes no contexto laboral. E, que nem sempre, o trabalhador que
está com algum tipo de sofrimento no trabalho obrigatoriamente torna-se um sujeito
doente. Tanto o sofrimento quanto as estratégias defensivas são importantes para a
manutenção da saúde dos trabalhadores.
Mais adiante, Dejours caracteriza o trabalho como fonte de prazer e de sofrimento.
Segundo o autor, o sofrimento instiga o trabalhador para que o mesmo encontre
uma saída para o seu desajuste psíquico. E a fonte de prazer remete ao conceito de
mobilização
subjetiva,
na
qual
o
trabalhador,
através
do
coletivo,
da
sua
subjetividade e do seu saber fazer, tenta dar um novo sentido ao trabalho, ou seja,
subvertendo o significado do sofrimento (MENDES, 2007).
Com o intuito de elucidar as informações sobre a Psicodinâmica do Trabalho, serão
abordadas as suas principais características, visando compreender como os
trabalhadores conseguem manter o equilíbrio psíquico, mesmo diante de condições de
trabalho
que
oferecem
características
patogênicas.
Esta
abordagem
visa
o
coletivo e não os sujeitos individualmente. Ela deve ser compreendida como uma
teoria crítica do trabalho e ao mesmo tempo, como uma clínica, que utiliza como
bases epistemológicas a Psicanálise e a Sociologia Crítica. Seu uso é traçado nas
discrepâncias e na dinâmica que envolve as relações intersubjetivas: o sujeito, o
trabalho, o sofrimento, a doença e a normalidade. Por meio da fala, as pesquisas
realizadas pela Psicodinâmica do Trabalho destinam-se a compreender o sofrimento
expressado pelos trabalhadores participantes. A pesquisa é composta de três etapas:
a primeira é caracterizada pela interpretação da demanda; a segunda, refere-se ao
38
momento em que são discutidas em grupo as relações entre a organização do
trabalho e as vivências de prazer e sofrimento dos trabalhadores e, por último,
tem-se a validação dos resultados (DEJOURS, 2004; MERLO e MENDES, 2009).
De acordo com o que foi abordado, o trabalho constitui papel fundamental na
dualidade do processo saúde–adoecimento. Cabe a cada sujeito trabalhador
encontrar
maneiras
subjetivas
de
transformar
o
sofrimento
em
prazer
e,
principalmente, buscar maneiras para dar sentido ao trabalho que realiza.
Uma análise da produção científica sobre Psicopatologia do Trabalho e Psicodinâmica
aponta a evolução de pontos de vista dos autores, especialmente de Paul Sivadon, Le
Guillant e Christophe Dejours. O quadro 02, construído pela autora deste trabalho,
aponta as divergências e os pontos de encontro desses trabalhos.
É oportuno lembrar, antes de se proceder à leitura do quadro 02, que vários estudiosos
brasileiros da questão sofrimento/adoecimento no trabalho realizaram suas pesquisas
em universidade francesa em diferentes momentos e que seus trabalhos refletem a
orientação dominante em cada momento.
39
QUADRO 2 - Conceitos e evolução da Psicopatologia e Psicodinâmica do Trabalho
Psicopatologia
do Trabalho
Autor
Paul Sivadon
Período
Publicações
1956
“Neurose
das
Telefonistas”
Sociogenética
Sofrimento/
doença
no
trabalho
O
trabalho Certas formas de
provoca
organização
do
distúrbios
trabalho provocam
mentais.
distúrbios mentais.
Ergoterapia
Abordagem
Psicossociológica.
Christophe Dejours
1952
“Psicopatologia
do Trabalho”
Perspectiva
Organicista
Objeto
de Sofrimento/doe
estudo
nça no trabalho
1980
“A
loucura
do
Trabalho”.
Causalista
Sofrimento/ doença
no trabalho
Ponto central
As
pressões
do
trabalho
podem
provocar
doenças
psicopatológicas.
Não é possível provar
uma patologia mental
decorrente
do
trabalho.
Christophe Dejours
(3ª Fase)
Contribuições
Psicodinâmica
do Trabalho
Louis Le Guillant
Autor
Período
Publicações
Christophe
Dejours
(1ª
Fase)
1980
“A loucura do
trabalho”.
Perspectiva
Causalista
do
Objeto
de Origem
sofrimento no
estudo
confronto
sujeitotrabalhador
com
a
organização do
trabalho.
Ponto central
Identificar
as
síndromes ou
as
doenças
mentais
caracterizadas
pelo trabalho.
Contribuições
Christophe
Dejours
(2ª Fase)
1990
“Da Psicopatologia
à
Psicodinâmica
do trabalho”.
Psicanalítica
Enfoca
as
vivências
de
prazer
–
sofrimento
inerentes
ao
contexto
do
trabalho.
Psicanalítica
Como
os
trabalhadores
subjetivam
as
vivências de prazersofrimento
no
trabalho.
Identificar a maneira
como os modos de
subjetivação
dos
trabalhadores
são
construídos,
tendo
como
base
o
sofrimento
e
as
estratégias de ação
perante as novas
formas
de
organização
do
trabalho.
Compreender o Foco
a As relações sociais e
sofrimento dos normalidade
e a
produção
de
trabalhadores
não, o sofrimento sentido no trabalho.
no trabalho.
do trabalhador.
Fonte: Elaborado pela autora da pesquisa (2015)
Identificar
as
estratégias
(individuais/coletiv
as) usadas pelos
trabalhadores para
manter a saúde e
evitar
o
adoecimento
mental.
1990 até atualidade
“A banalização da
injustiça social”.
40
O próximo subitem apresenta a produção científica sobre o adoecimento mental no
trabalho, fenômeno abordado tanto na perspectiva da Psicopatologia, quanto da
Psicodinâmica nos trabalhos que foram identificados na literatura.
2.3 Produção científica sobre o adoecimento mental no trabalho
Utilizando-se as palavras-chave - sofrimento no trabalho, adoecimento mental,
adoecimento no trabalho, saúde do trabalhador - foram consultadas as bases de
dados Scielo, Capes, Google acadêmico, Portal Capes e foram levantadas
algumas pesquisas referentes às psicopatologias mais comuns decorrentes do
trabalho e, também, as consequências advindas das doenças laborais tanto
para o sujeito quanto para a organização nos últimos 10 anos.
Pesquisadores na área de Saúde Mental e Trabalho apontam dificuldades em
estabelecer a correlação entre os transtornos mentais e o trabalho. Também
ressaltam a dificuldade de identificar quais são as atividades decorrentes do trabalho
que favorecem o surgimento de transtornos mentais (SILVA et al., 2009).
Frente à globalização, as organizações contemporâneas estão em crescentes
transformações com o objetivo de adaptar às exigências do mercado de trabalho
vigente. Estas mudanças também influenciam o trabalhador pelos seguintes fatores:
sobrecarga de trabalho para cumprir metas, carga horária intensa, conflitos
interpessoais, medo da demissão, entre outros. Dentre as características do mundo
do trabalho atual, os pesquisadores Bevian e Assmann (2012) realçam que:
(...) os trabalhadores encontram-se nesta condição, sendo extremamente
controlados, submetidos a regime de trabalho extenuantes, com metas
exorbitantes às suas limitações físicas e mentais; com fins de sua
manutenção no emprego, em termos de globalização, com mão de obra
excedente e ainda com baixo poder aquisitivo, acabam se sujeitando a este
sistema, sem resistências e resultando, muitas vezes, adoecidos .
(BEVIAN; ASSMANN, 2012, p. 12)
Muitos trabalhadores, por medo da demissão, pela sua baixa autoestima, por falta
de estudo ou qualificações profissionais e condições socioeconômicas limitadas,
ficam estagnados no ambiente de trabalho, que contêm características patológicas e
podem ocasionar, ao longo do tempo, doenças físicas e psíquicas.
41
Além disso, quando há contradição entre os desejos do sujeito a respeito do seu
trabalho e a forma como este é organizado, podem ocorrer conflitos entre colegas e
chefias, determinados pelo individualismo e competição. Submetido a essas
condições do universo do trabalho, o sujeito torna-se suscetível às doenças
ocupacionais, como os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho
(DORT), a Lesão por Esforços Repetitivos (LER), a depressão, a síndrome de
Burnout, entre outras (BEVIAN e ASSMANN, 2012).
Esses autores ressaltam que quando, a iniciativa e criatividade do trabalhador são
bloqueadas pelo modo de organização do trabalho, o sujeito nega a sua
subjetividade nas atividades laborais, gerando intenso sofrimento psíquico para si
mesmo.
Os autores Braga, Carvalho e Blinder (2010), por sua vez, apontam que os
Transtornos Mentais Comuns (TMC) são definidos como queixas somáticas, as
quais acarretam prejuízos ao funcionamento normal do sujeito. Essas queixas
compõem o quadro de problemas de saúde pública e ocasionam elevados índices
de absenteísmos no trabalho.
Com o intuito de se adaptarem às novas formas de organização do trabalho, os
trabalhadores ficam suscetíveis a um grande desgaste mental. Dentro dessa
premissa, os autores, Souza et al. (2010) realizaram uma pesquisa para identificar
os aspectos psicossociais do trabalho e transtornos mentais comuns em
eletricitários e concluíram que, nervosismo e insônia são queixas frequentes deste
grupo de trabalhadores advindas de situações de tensão em suas atividades
laborais.
Um estudo elaborado por Jodas e Haddad (2009) relata o alto risco para a
manifestação da Síndrome de Burnout (definida como resposta do estresse laboral
crônico) em trabalhadores da área de enfermagem. Dentre os motivos apontados
para este elevado índice, merecem notoriedade as dificuldades em balizar os
diferentes papéis da profissão, falta de reconhecimento profissional, além da auto
cobrança do profissional de trabalhar com “vidas em risco”.
Os autores Kirchhof et al. (2009) corroborando com Jodas e Haddad (2009)
acrescentam que os trabalhadores da área da saúde, especialmente em ambiente
42
hospitalar, lidam com diversos fatores desgastantes no dia-a-dia de trabalho.
Pesquisas apontam a profissão de enfermagem como uma das categorias com alto
risco de desgaste e adoecimento. Entre as questões que contribuem para esta
estatística vale destacar: “(...) dupla jornada de trabalho, a desvalorização do
trabalho feminino e a hegemonia do discurso médico em relação aos demais
profissionais da área (...)” (KIRCHHOF et al. 2009, p.216).
Lancman et al. (2009), em sua pesquisa sobre as repercussões da violência na
saúde mental de trabalhadores do Programa Saúde da Família, ressaltam que os
profissionais que trabalham nesta área ficam mais expostos às situações de
violências por estarem alocados em áreas de maior risco social. Esses profissionais
têm contato direto com a população atendida além de, muitas vezes, o atendimento
ser realizado na residência do usuário ou em grande parte, em ambientes abertos.
Portanto, a organização do trabalho do Programa expõe os empregados a
sentimentos de impotência perante os problemas sociais que presenciam, além de
causar-lhes medo do risco da exposição e receio de retaliação.
O ambiente de trabalho citado é vivenciado pela autora desta pesquisa, que destaca
também a dificuldade que os trabalhadores encontram em distanciar o aspecto
pessoal do profissional. Em sua maioria, as Agentes Comunitárias de Saúde
(ACS´s) testemunham situações de risco e criam vínculos direto com os pacientes,
o que proporciona sentimento de ineficácia frente à complexidade das questões
que, muitas vezes, é de difícil solução. Tais condições contribuem para desestabilizar
a estrutura emocional do servidor público envolvida.
Nesta mesma premissa, o estudo científico elaborado por Braga, Carvalho e Blinder
(2010),
sobre
condições
de
trabalho
e
transtornos
mentais
comuns
em
trabalhadores da rede básica de saúde de Botucatu (SP) revela que a maioria dos
trabalhadores enquadrou-se em situações de trabalho que requer elevada
demanda psicológica.
Outro aspecto relevante nesta pesquisa é que as categorias profissionais com
baixos salários, pertencentes a escalões hierárquicos inferiores e que recebem altas
cobranças com relação ao cumprimento de horários, apresentaram elevados índices
de Transtornos Mentais Comuns (TMCs).
43
Ainda no contexto de saúde pública, Trindade et al. (2007), na pesquisa sobre
cargas de trabalho entre os agentes comunitários de saúde, destacam como
gravames psíquicos da profissão o risco das ACS´s serem agredidas nas visitas
domiciliares. Além disso, esses profissionais experimentam desgastes emocionais
por lidarem com pessoas que residem no seu bairro, por desenvolverem trabalho
monótono e repetitivo e pela falta de recursos individuais e institucionais para
enfrentarem as demandas da profissão. Falta-lhes, ainda, liberdade para tomar
iniciativas e para organizar o trabalho. Tais fatores contribuem para o desgaste físico
e determinam doenças somáticas desses profissionais, acarretando insatisfação,
desânimo, fadiga, desmotivação no trabalho e intenso sofrimento psíquico.
Silva et al. (2009) ressaltam que a forma de organização do trabalho pode acarretar
ao trabalhador disfunções biológicas e psicológicas, o que impacta a saúde física e
mental do mesmo. Dentre as condições que podem expor o trabalhador à situações
de sofrimento no trabalho valem destacar produtividade elevada, jornadas extensas
de trabalho, horários de turno, pressões de chefias para cumprir metas, entre outros.
Percebe-se, portanto, que algumas categorias profissionais, devido à forma de
organização do trabalho na qual estão inseridas, ficam mais suscetíveis ao
adoecimento mental. Logo, as cobranças intensas exigidas pelas organizações
podem gerar sobrecargas nos trabalhadores, e acarretar sérios danos para sua
saúde física e mental. Em consequência do desequilíbrio mental decorrente desta
sobrecarga, o trabalhador não realiza bem suas atividades laborais.
Souza et al. (2010) corroboram com Silva et al. (2009) ao apontarem que fatores
presentes na organização do trabalho como exigência excessiva e baixo apoio social
aumentam a vulnerabilidade às enfermidades dos trabalhadores. Baseado nesta
premissa, Jardim (2011, p.88) concluiu que: “os métodos de dominação atual na
organização do trabalho para a qualidade total tendem a destruir o mundo social e
aponta para o absurdo de hoje em dia, o envolvimento demasiado com o trabalho
representar um verdadeiro perigo”.
Nesta mesma premissa, Dejours (2008) destaca a avaliação individualizada e a
qualidade total presentes nas empresas contemporâneas como uma forma de
pressão que pode ser considerada como fonte ou causa do agravamento de
doenças psicopatológicas no trabalho.
44
Observa-se, então, que para o trabalhador conseguir suprir às cobranças impostas
pela empresa, se doam intensamente às atividades laborais. Em consequência
disso, ficam sobrecarregados emocionalmente e tornam-se mais vulneráveis às
doenças psicopatológicas.
A pesquisa realizada pelos autores Bevian e Assmann (2012) sobre o adoecimento
do trabalho revela que, segundo dados do IBGE, 10% dos trabalhadores com
emprego formal na cidade de Blumenau (SC), são afastados do trabalho todos os
anos, devido à incapacidade para o trabalho.
Os autores Kirchhof et al. (2009) afirmam que sintomas de fadiga, insônia,
irritabilidade, diminuição da concentração, ansiedade entre tantos outros, são os
mais citados por trabalhadores com diagnóstico de Distúrbios Psiquiátricos Menores
(DPMs). Tais fatores ocasionam incapacidade laboral igual ou maior do que quadros
crônicos de Transtornos Mentais.
O adoecimento mental decorrente do trabalho ocasiona grandes perdas, não
somente para o trabalhador, como também, para a organização. De acordo com
dados da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social
(DATAPREV), em 2009, os Transtornos Mentais e do Comportamento segundo
a Classificação Internacional de Doenças (CID-10) ocupam o terceiro lugar em
número de auxílios-doença concedidos pelo Instituto Nacional de Seguro Social
(INSS) (JARDIM, 2011).
Na pesquisa realizada sobre estresse ocupacional e Burnout, os autores Souza et
al. (2009) salientam que a pessoa exposta ao estresse no ambiente de trabalho
pode desenvolver ou não a Síndrome de Burnout. Em relação às diferenças entre
estas duas patologias, os autores ressaltam que o estresse se desenvolve a
partir de episódios específicos, enquanto a Síndrome de Burnout resulta de um
longo período de tentativas frustradas de lidar com o estresse ocupacional
cumulativo, que acaba provocando exaustão emocional, o sentimento de não se
reconhecer em suas ações – despersonalização e ausência de realização pessoal.
Os autores ainda ressaltam que a Síndrome de Burnout afeta de forma
substancial a saúde do trabalhador e está diretamente relacionada com o
desempenho no trabalho, com a qualidade de vida
psicológico
e
traz
nocivas
consequências
para
e
com
o
bem-estar
o trabalhador, tanto nas
45
relações interpessoais quanto profissionais. Esta variação irá depender da
capacidade individual de enfrentamento das ocorrências problemáticas dentro do
contexto laboral. Em outras palavras, não é somente vivenciar os problemas
no trabalho que causa o adoecimento mental e sim, a maneira como o sujeito
enfrenta as situações-problema.
De acordo com Jodas e Haddad (2009), a Síndrome de Burnout pode ser evitada,
desde que a organização invista em atividades preventivas, com atuação
multidisciplinar no qual permita ao trabalhador resgatar as características afetivas
dentro do contexto do trabalho. Mediante esta e em outras pesquisas, as
organizações devem se aprimorar em programas sociais e de prevenção de
adoecimento mental dos seus trabalhadores.
Infere-se que apesar da Síndrome de Burnout ter sua origem relacionada às
atividades laborais, ela afeta de maneira significativa as esferas íntima, coletiva e
profissional do sujeito. Conclui-se, também, uma grande influência dos aspectos
subjetivos, como traços da personalidade, estrutura psíquica e recursos de
confrontação do trabalhador como determinantes ou não de adoecimento mental
decorrente das atividades do trabalho.
Pesquisas apontam que os transtornos mentais constituem a principal causa de
afastamento de funcionários do trabalho. A Organização Mundial de Saúde
(OMS) divulgou que a depressão foi a quarta causa de perda de dias de atividades
laborais (JARDIM, 2011). Atualmente, a depressão tornou-se um transtorno mental
bem comum; entretanto, ainda se tem dúvida com relação aos seus sintomas:
O quadro sintomatológico para este transtorno configura-se como uma
tristeza de maior intensidade e frequência que uma tristeza cotidiana
comum. Indivíduos acometidos com o transtorno apresentam baixa
responsividade em relação aos elementos do meio, incluindo o trabalho,
como sintomas como redução no nível de motivação, retardo psicomotor,
lentidão do pensamento, pessimismo extremo, baixa auto-estima e
sentimentos de desvalorização. Aparecem também pensamentos intrusivos,
idealizações suicidas, sintomas e manifestações de ordem somática, além
de alterações e perturbações como perda de apetite, alterações do ciclo
sono-vigília e perda do interesse sexual. Entretanto, ressalta-se que é
preciso uma alteração significativa desses elementos para caracterizar-se a
depressão (SILVA et al., 2009, p.84).
Vale ressaltar que todo sujeito apresenta alterações psíquicas no seu estado mental,
46
ou seja, naturalmente ocorrem oscilações no humor, nos sentimentos, nas formas de
reagir a momentos difíceis. Porém, para serem caracterizados como patologia, estes
sintomas devem permanecer por um período prolongado, com certa intensidade e
ocasionando prejuízos para o sujeito na esfera social, conjugal e laboral.
Souza (2010) ressalta o silêncio como um sintoma que acomete muitos depressivos.
Devido a esta dificuldade de expressar seus sentimentos, muitas vezes ocorre à
demora em encontrar o diagnóstico correto e o trabalhador fica paralisado diante dos
sofrimentos acometidos pela doença.
Na pesquisa a respeito das considerações sobre o transtorno depressivo, os autores
Silva et al. (2009, p.34) apresentam uma lista de 12 transtornos mentais e do
comportamento relacionados às atividades laborais, de acordo com a portaria do
Ministério da Saúde, nº 1.339, de 18 de novembro de 1999:
a) demência em outras doenças específicas classificadas em outros locais;
b) delirium, não sobreposto à demência, como descrita; c) transtorno
cognitivo leve; d) transtorno orgânico de personalidade; e) transtorno mental
orgânico ou sintomático não especificado; f) alcoolismo crônico; g) episódios
depressivos; h) estado de estresse pós-traumático; i) neurastenia; j) outros
transtornos neuróticos especificados; k) transtorno do ciclo vigília-sono
devido a fatores não orgânicos; l) síndrome de Burnout ou
esgotamento profissional.
Vale destacar que, no universo do trabalho contemporâneo, estão embutidos fatores
que expõem o trabalhador ao adoecimento físico e mental. Porém, ainda há uma
dificuldade de estabelecer a causalidade entre estes transtornos mentais e o
trabalho desempenhado pelo sujeito.
Mendes (2007) observa que de acordo com a teoria de Dejours (2004) em seus
estudos recentes, destaca-se a existência de três patologias sociais associadas ao
trabalho. A primeira é denominada de sobrecarga que é instaurada na relação entre
a contrariedade e liberdade da organização com o trabalhador, ou seja, surge
quando a liberdade é limitada pelas imposições do trabalho e o sujeito encontra-se
vinculado a uma auto exigência em excesso. A segunda utiliza o conceito
de servidão voluntária que demonstra os extremos exigidos pela organização
aos trabalhadores
através
dos
fundamentos
de
racionalidade
econômica,
47
flexibilização do capital, submissão consentida e banalização do sofrimento com a
finalidade de garantir a produtividade da organização do trabalho. E, por fim, tem-se
a patologia da violência caracterizada ações destrutivas contra si mesmo, contra
o patrimônio e contra os outros, estas relações ocorrem quando há a ruptura
entre na junções subjetivas com o trabalho, no qual o mesmo perde o sentido e o
sofrimento acomete também a vida social e familiar do sujeito.
Nota-se que particularmente todas as três patologias sociais citadas são
prescritas pela organização do trabalho, que impõe ao trabalhador processos
elaborados pela própria instituição e que ultrapassam o limite de defesas mentais do
sujeito. Dessa maneira, rompe-se a vinculação saudável entre empresa e
trabalhador e, como consequência, surgem às doenças psicopatológicas.
Diante da profundidade dos sintomas da depressão, torna-se viável que as
organizações invistam em programas de acompanhamento psicológico para seus
trabalhadores, para que os mesmos tenham espaço para falar dos seus conflitos
internos, do trabalho, familiares, entre outros. Desta maneira, o local de trabalho não
ocuparia apenas um espaço penoso, e, sim, um ambiente saudável e prazeroso
para o sujeito.
48
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Este capítulo apresenta a caracterização da pesquisa realizada, os instrumentos de
coleta de dados, a unidade de análise e os sujeitos de pesquisa e a técnica utilizada
para a interpretação dos resultados.
3.1 Caracterização da pesquisa
O objetivo central desta pesquisa é analisar fatores determinantes de adoecimento
mental de profissionais que trabalham numa Secretaria Municipal de Saúde. Como
se trata do estudo de aspectos subjetivos relacionados à saúde desses profissionais,
a autora optou pela abordagem qualitativa. O campo de estudo em saúde mental é
amplo e contêm características intrínsecas à história de vida do sujeito e à sua
personalidade, itens fundamentais para entender o processo de adoecimento
mental. Para Fraser e Gondim (2004, p.141):
(...)a abordagem qualitativa ou ideográfica parte da premissa de que a ação
humana tem sempre um significado (subjetivo ou intersubjetivo) que não
pode ser apreendido somente do ponto de vista quantitativo e objetivo (aqui
entendido como independente do percebedor e do contexto da percepção).
O significado subjetivo diz respeito ao que se passa na mente consciente ou
inconsciente da pessoa (individualismo metodológico – o nível de análise é
a pessoa) e o significado intersubjetivo se refere ao conjunto de regras e
normas que favorecem o compartilhamento de crenças por grupo de
pessoas inseridas em determinado contexto sociocultural (...).
Percebe-se, portanto, que a interpretação subjetiva dos entrevistados sobre o tema
a ser investigado tem relevância fundamental na pesquisa qualitativa. Godoy (1995)
corrobora com os autores já citados e acrescenta que o pesquisador vai a campo
coletar e analisar dados com o objetivo de entender o objeto de estudo a partir da
dinâmica e perspectiva das pessoas que estão envolvidas no processo.
Quanto aos fins, a presente pesquisa é descritiva. Goulart (2002, p.7) define que
“as pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a descrição das
características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de
relações entre variáveis”. Portanto, o estudo irá analisar, de acordo com a percepção
dos servidores públicos estudados, quais são as relações entre o adoecimento
mental e as atividades do trabalho.
49
Segundo Vergara (2011, p. 42), as pesquisas descritivas “não têm compromisso de
explicar os fenômenos que descrevem, embora sirvam de base para tal explicação”.
Em contrapartida, podem estabelecer correlações entre variáveis e definir sua
natureza.
Quanto aos meios, a pesquisa constitui um estudo de caso. Trata-se de uma
técnica muito utilizada nos estudos sociais, como meio de investigação. Como
definição de estudo de caso, Godoy (1995, p.25) afirma que “se caracteriza como
um tipo de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa profundamente”.
De acordo com Yin (2010), o estudo de caso é uma forma de se fazer pesquisa
empírica que investiga fenômenos contemporâneos, buscando responder como e
por que eles acontecem dentro de seu contexto real. Godoy (1995) acrescenta que o
estudo de caso pode ser considerado também como uma técnica de ensino, na qual
há uma estreita relação entre prática e teoria, porque objetivamente proporciona
uma análise, discussão e reflexão de um problema advindo da vida real.
Segundo os autores Godoy (1995); Gil, (1999) e Yin (2010), o pesquisador
quando opta pela técnica de estudo de caso deve estar disponível para novas
descobertas, porque são abordadas realidades complexas vividas dentro de um
mesmo contexto social.
3.2. Unidade de análise e Sujeitos da pesquisa
Esta
pesquisa
foi
realizada
na
Secretaria
Municipal
de
Saúde, em um
município do estado de Minas Gerais, que, à época da coleta de dados, contava
com uma população de estimada de 229.887 habitantes, segundo dados do IBGE
(2010). Na unidade estudada, trabalham servidores efetivos que ingressaram na
Secretaria por concursos públicos e contratados, mediante processos seletivos
conduzidos pelo setor de Gestão de Pessoas e que desempenham diferentes
funções.
A população da presente pesquisa é constituída por servidores públicos da
Secretaria Municipal de Saúde que experimentaram adoecimento no período ao qual
se refere a presente pesquisa. Tendo como referência aqueles que buscaram
atendimento psiquiátrico ou psicológico, a amostra foi constituída por aqueles que
50
aceitaram submeter-se a entrevista realizada pela autora desta pesquisa. De
acordo com a especificidade do assunto, a seleção da amostra foi intencional,
não-probabilística, por
acessibilidade.
Não
se
trata,
portanto,
de
uma
amostra que representa numericamente a população estudada, mas trata-se de
uma seleção de sujeitos que experimentaram
percepções
de
realidade
servidores. Esses
públicos
que
oito
podem
sujeitos
apresentam
como
o
adoecimento
ser representativas
de
do
e
cujas
universo
de
pesquisa selecionados são servidores
características
o
fato
de,
no
período
compreendido entre janeiro de 2013 a maio de 2015, apresentarem sintomas
depressivos, estressados, insatisfeitos com o trabalho e/ou poli queixosos. Esses
trabalhadores
desempenham
funções
de
agentes
comunitários
de
saúde,
enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares de serviços gerais e nutricionistas.
Não
houve
critério
de
seleção
referente
à
idade,
sexo,
estado
civil,
escolaridade e exercício de algum cargo.
A caracterização desses sujeitos de pesquisa é a seguinte:

Uma – Agente Comunitária de Saúde (ACS) da Estratégia de Saúde A.

Uma – Agente Comunitária de Saúde (ACS) da Estratégia de Saúde B.

Uma enfermeira – Coordenadora da Estratégia de Saúde C.

Uma enfermeira – Coordenadora da Estratégia de Saúde D.

Uma enfermeira – Coordenadora da Estratégia de Saúde E.

Uma técnica de enfermagem da Estratégia de Saúde F.

Uma auxiliar de Serviços Gerais da Estratégia de Saúde G

 Uma nutricionista – que atuava no Núcleo de Apoio à Saúde da
Família (NASF).
Para evitar a identificação desses funcionários, os mesmos foram citados na análise
de resultados mediante a designação Servidor, seguida de um numeral de 1 a 8.
(Servidor 1, Servidor 2, etc.).
51
3.3 Instrumentos de coleta de dados
Na presente pesquisa, como instrumento de coleta de dados foi utilizada a
entrevista, que segundo Gil (1999) é
A técnica em que o investigador se apresenta frente ao investigado e lhe
formula perguntas, com o objetivo de obtenção dos dados que interessam à
investigação. A entrevista é, portanto, uma forma de interação social. Mais
especificamente, é uma forma de diálogo assimétrico, em que uma das
partes busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de
informação. (GIL, 1999, p. 117)
Na pesquisa cientifica, a entrevista é comumente utilizada como fonte de coleta de
dados. Na pesquisa qualitativa, os autores Fraser e Gondim (2004) definem suas
vantagens de utilização:
A entrevista na pesquisa qualitativa, ao privilegiar a fala dos atores sociais,
permite atingir um nível de compreensão da realidade humana que se torna
acessível por meio de discursos, sendo apropriada para investigações cujo
objetivo é conhecer como as pessoas percebem o mundo. Em outras
palavras, a forma específica de conversação que se estabelece em uma
entrevista para fins de pesquisa favorece o acesso direto ou indireto às
opiniões, às crenças, aos valores e aos significados que as pessoam
atribuem a si, aos outros e ao mundo circundante (...).(FRASER;
GONDIM, 2004, p. 140)
Godoy (1995) completa o ponto de vista dos autores já citados ao reforçar que
frequentemente se faz a combinação da técnica da observação com a entrevista. A
observação pode ser de caráter não participante – quando o pesquisador atua como
espectador atento e, participante – quando o pesquisador procura não somente
ver como registrar o máximo de ocorrências importantes para o estudo. Nessa
pesquisa, foi
utilizado
o
tipo
de
observação
participante,
porque
a
pesquisadora também trabalha na Secretaria de Saúde da Prefeitura.
A autora da presente pesquisa optou pelo modelo semi-estruturado, pelo contato
próximo que tem com os sujeitos a serem pesquisados, o que favorece um clima de
confiança, liberdade e espontaneidade entre os entrevistados e a pesquisadora:
Podemos entender por entrevista semi-estruturada, em geral, aquela que
parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses,
que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de
interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se
recebem as respostas dos informantes (TRIVIÑOS, 1987, p. 146).
52
A opção pela entrevista semi-estruturada possibilita a coleta de relatos subjetivos
dos entrevistados, com base em roteiro previamente formulado. Não há necessidade
de imposição de uma ordem rígida de questões, mas as perguntas fundamentais
devem estar relativamente estruturadas para que se obtenha mais precisão nos
dados coletados (GODOY, 1995). O pesquisador tem autonomia para modificar ou
acrescentar perguntas pertinentes ao tema de estudo caso verifique necessidade.
No roteiro de entrevista, as questões foram construídas visando alcançar os
objetivos específicos da pesquisa e são subdivididas em:
 Significado do trabalho.
 Manifestações do processo de adoecimento mental associado ao trabalho.
 Fatores determinantes do adoecimento mental (relacionados ao trabalho).
 Implicações do Atendimento psicológico e/ou psiquiátrico.
As entrevistas foram realizadas individualmente no próprio ambiente de trabalho.
Inicialmente, foi feita pela autora uma breve exposição sobre o tema a ser
pesquisado e estabelecido um rapport, para que os entrevistados se sentissem à
vontade. As entrevistas foram gravadas, com vista a garantir a fidelidade das
respostas. Posteriormente, as entrevistas foram transcritas e validadas com cada
sujeito entrevistado. A pesquisadora teve o cuidado de assegurar aos entrevistados
o sigilo com relação à sua identidade.
3.4Técnica de interpretação dos resultados
As entrevistas coletadas foram submetidas à análise de conteúdo conforme o
modelo proposto por Bardin (2007), segundo a qual a análise de conteúdo é:
Um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos, a descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis
inferidas) destas mensagens. (BARDIN, 2007, p.42)
A realização da análise de conteúdo implica na observação das seguintes fases:

Fase da pré-análise: Inclui uma leitura flutuante do material, para se
tomar conhecimento do assunto; a escolha dos documentos que serão
53
utilizados e o preparo do material a ser analisado.

Fase de exploração do material: Nesta fase, têm lugar as operações de
codificação, enumeração em função de regras previamente formuladas e
categorização.
A codificação é uma transformação dos dados brutos do texto, segundo regras
precisas. Esta transformação é feita por recorte, agregação e enumeração e permite
atingir uma representação do conteúdo ou da sua expressão, capaz de esclarecer
características do entrevistado.
A categorização é uma classificação dos elementos constitutivos de um conteúdo e
geralmente se baseia nos objetivos específicos do trabalho e no referencial teórico
que fundamenta a análise dos resultados.
Quando as categorias não são definidas previamente, a leitura das entrevistas pode
direcionar a escolha das categorias e mesmo das subcategorias. Neste caso,
podem-se inferir os temas que estão presentes em todas ou quase todas as
entrevistas. No presente caso, as categorias foram pré-definidas, pois serviram
de referência para elaboração roteiro de entrevista que foi adotado para a coleta de
dados. Estas categorias estão apresentadas no Quadro 03, colocado ao final deste
ítem; incluem-se no quadro também as subcategorias que foram identificadas
quando se fez a análise das entrevistas realizadas.

Fase da análise e interpretação dos dados: Nesta fase, o pesquisador procura
tornar significativos e válidos os resultados obtidos. Na presente da pesquisa
foram coletadas as falas dos sujeitos e no momento da interpretação foram as
mesmas submetidas a uma análise qualitativa.
54
QUADRO 3- Categorias temáticas e Subcategorias correspondentes à análise das
entrevistas
Categorias
4.1. Significado do trabalho
Subcategorias
4.2. Manifestações do processo
adoecimento
mental
associado
trabalho
4.3.
Fatores
relacionados
adoecimento mental no trabalho
Subcategorias
- Importância/ identificação com o trabalho
- Reconhecimento no trabalho
- Relação trabalho x Saúde
de - Sintomas de adoecimento mental
ao
ao - Privação dos direitos trabalhistas
- Falta de transparência da gestão
- Protecionismo com servidores efetivos
-Insegurança/ambiente de trabalho
inadequado
- Desvalorização do funcionário público
- Falta de recursos/incentivos
- Pressão/sobrecarga no trabalho
4.4.
Implicações do Atendimento
- Ajuda especializada
Psicológico e/ou Psiquiátrico
- Diagnóstico/ medicação
- Afastamento das atividades laborais
4.5. Ambiente de trabalho saudável para a - Garantia de direitos trabalhistas
saúde mental dos trabalhadores
- Remuneração
- Apoio da gestão
Fonte: Elaborado pela autora da pesquisa (2015)
3.5 Submissão ao Comitê de Ética
A pesquisa realizada foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo
Seres Humanos designados pela Plataforma Brasil. Os procedimentos adotados
nesta pesquisa obedecem aos Critérios da Ética em Pesquisa com Seres Humanos
conforme Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, no qual assegura
os direitos e deveres que dizem respeito à comunidade científica e aos sujeitos da
pesquisa, sendo aprovado em 7 de abril de 2015, com número do Parecer
1.141.262.
Com o objetivo de respaldar e elucidar os direitos dos sujeitos participantes da
pesquisa encontram-se no Apêndice A e B desta pesquisa os Termos
de Consentimento Livre e Esclarecido assinado por todas as servidoras públicas
que foram entrevistadas. No anexo A, pode ser visualizada a carta de aprovação
do Comitê de Ética em Pesquisa para a realização desta dissertação.
55
4 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS
Como foi mencionado no capítulo anterior, foram identificadas cinco categorias
temáticas, as quais serviram para a construção do roteiro de entrevista aplicado:
Significado do trabalho, Manifestações do processo de adoecimento mental
associado ao trabalho, Fatores determinantes do adoecimento mental relacionado
ao trabalho, Implicações do atendimento psicológico e/ou psiquiátrico e por
último, Ambiente de trabalho saudável para a saúde mental dos trabalhadores. Após
a leitura das entrevistas, foi possível identificar subcategorias, as quais constam
também do quadro 03.
A primeira categoria engloba o significado do trabalho. Busca-se compreender a
importância, a identificação, o reconhecimento e a relação do trabalho com a saúde
de acordo com a percepção dos servidores públicos participantes desta pesquisa.
A segunda categoria refere-se aos sintomas de adoecimento mental apresentados
pelos servidores públicos envolvidos associados ás atividades laborais dos mesmos.
A terceira categoria relaciona de acordo com a vivência no trabalho dos sujeitos
pesquisados, quais fatores podem ser considerados como determinantes do
adoecimento mental associados ao dia-a-dia no trabalho.
A
penúltima
categoria
busca
definir
se
houve
procura
por
profissionais
especializados na área de saúde mental, identificar o diagnóstico, o uso de
medicamentos e afastamentos das atividades laborais decorrentes do adoecimento
mental do trabalhador.
Na última categoria pretende- se identificar na perspectiva dos sujeitos analisados
quais fatores é necessário para a garantia de um ambiente de trabalho saudável
para a saúde mental.
Com o propósito de tornar mais perceptível a clareza da análise dos dados, foi
utilizada fragmentos das entrevistas realizadas.
56
4.1 Categoria 1: Significado do Trabalho
Esta categoria diz respeito ao conceito que os servidores públicos têm sobre o
significado do trabalho. Assimilar essas concepções pode auxiliar no entendimento
da representatividade que o trabalho tem de acordo com a subjetividade de cada
servidor que trabalha nessa Secretaria Municipal de Saúde.
Não se pode negar a importância que o trabalho representa para o ser humano.
Ávila e Barcelos (2011) ressaltam que o trabalho é o meio que propicia ao sujeito a
realização de si. Os depoimentos a seguir demonstram a importância e a
identificação positiva de trabalhar na área de Saúde Pública.
“Pra mim, este trabalho é tudo. Me faz sentir útil ne? (..) e eu dei sorte por
estar na área pública, que é uma área que eu gosto também. Então eu
gosto do que eu faço, apesar de estar cansada, (...) gosto do dia a
dia”.(Servidora 04).
“O Nasf sempre foi uma área que eu quis trabalhar, que é a área de saúde
pública, desde a faculdade e foi a oportunidade que eu tive de crescer como
profissional e também de relação interpessoal. Lidar com os pacientes de
todas as classes, lidar com todos os casos possíveis e impossíveis, com as
adversidades, limites de prefeitura e de burocracia, enfim, um pouco de tudo
a gente vivencia e de todos os empregos que eu tive até hoje foi o que mais
me marcou, o que me deu mais bagagem profissional e também pessoal.
Grandes amizades também, mas de uma forma geral, todos se unem muito
pela proposta do SUS, pelas dificuldades que a gente tem e eu acho que
isso é bem importante”.(Servidora 08)
O primeiro comentário ressalta a concepção do trabalho como categoria
fundamental na vida desta servidora, sendo que ela realça seu gosto pela atividade.
O segundo depoimento enfatiza, principalmente, a oportunidade do relacionamento
social que advém do exercício profissional.
Os autores Jardim e Lacman (2009) ressaltam o trabalho com um fator fundamental
na formação de redes sociais, nas trocas afetivas e econômicas, no fato de
pertencer a um grupo e afirmam também que o trabalho tem a função psíquica de
ser a base para constituição do sujeito. Percebe-se que em ambos os relatos, as
servidoras citam as dificuldades de atuação profissional no serviço público, porém,
os benefícios, o crescimento pessoal e profissional, a satisfação de trabalhar com o
que atividades das quais se gosta e o trabalho em equipe se sobressaem quanto
aos aspectos negativos.
57
É importante também destacar o reconhecimento no trabalho. Para que o sujeito
sinta-se motivado no trabalho, é necessário que o mesmo seja reconhecido. E este
reconhecimento somente é possível após uma experiência compartilhada, que é o
resultado colaborativo. Logo, o reconhecimento acontece após o julgamento
avaliativo do trabalho realizado. Os julgamentos podem ser identificados como
sendo de utilidade – realizada pelos gestores, subordinados ou clientes (linha
vertical) ou de estética ou de beleza – realizados pelos colegas de trabalho (linha
horizontal). Conclui-se, portanto, que para a efetivação do reconhecimento no
trabalho, é preciso que ocorra anteriormente uma análise dos julgamentos
(DEJOURS, 2008).
O reconhecimento proporciona ao trabalhador visibilidade sobre a maneira pela qual
seus colegas de trabalho e chefia à qual está subordinado o percebem e o
valorizam. Tal processo contribui de maneira positiva para a construção da sua
identidade no trabalho; o sujeito se sente realizado e consequentemente saudável
no âmbito psíquico. (ROSSI et al., 2009). O relato a seguir exemplifica este
processo.
“Nossa! o meu trabalho é muito importante porque (...) eu fiz prova e tudo,
consegui entrar por mérito meu ne? Ai eu fui ACS (Agente Comunitária de
Saúde) por dois anos e depois eu fui para a portaria, como atendente de
portaria eu tenho um reconhecimento enorme aqui no posto, isso me deixa
muito feliz, não que eu queira mandar ou desmandar, mas a enfermeira
confia em mim, o médico confia em mim (...). O trabalho é importante para
mim por causa do reconhecimento. (...) Porque o salário é pouco, mas, este
reconhecimento da minha chefa, do médico, de pessoas de grau de nível
superior, isto é importante. Muitas vezes eu penso em sair daqui, mas eu
fico presa não ao salário ne? Mas a isso (...)”.(Servidora 05).
Percebe- se a motivação e a satisfação da servidora pelo fato do seu trabalho ser
reconhecido pelo julgamento de utilidade, representado pela observação feita por
sua gestora imediata e seus colegas com níveis superiores hierárquicos. Importante
registrar que ainda que o salário seja considerado insatisfatório, a servidora
considera que o reconhecimento supera esta falta.
Buscando a teoria que explique esta avaliação, encontra-se em Jardim e Lancman
(2009) que é a partir do olhar do outro que o ser humano se constitui como sujeito;
na relação com o próximo é que se estabelece o processo de semelhanças,
diferenças e reconhecimentos, e o trabalho aparece como mediador da
58
constituição psíquica e da identidade.
Dejours (2004) afirma que a identidade pode ser considerada como uma proteção
psíquica que o sujeito tem contra os desafios que são impostos pela organização de
trabalho, e produz para o sujeito sentimentos de estabilidade, integração e
continuidade. Entretanto, o que intermedia esta proteção é o olhar do outro, então, a
produção de saúde torna-se intersubjetiva, ou seja, depende da estrutura de
personalidade do sujeito aliado ao vínculo estabelecido pelo mesmo no ambiente de
trabalho.
O trabalho em si apresenta dualidades – da mesma forma que pode gerar
sofrimento, pode ser responsável pela criação de oportunidade de crescimento
psicossocial para o sujeito. Isto significa que o trabalho tanto pode ocasionar
sofrimento/adoecimento, como também pode ser considerado fonte de prazer e de
desenvolvimento humano do sujeito (JARDIM e LANCMAN, 2009). Ademais, vale
destacar também que a ausência de trabalho na vida do sujeito pode causar
desajustes emocionais.
“Para mim o trabalho me ajudou demais, até porque quando eu arrumei este
serviço, eu tinha acabado de fazer um transplante (eu tive aplasia de
medula- falta dos glóbulos vermelhos) e pra mim foi a melhor coisa que
aconteceu na minha vida. (...) Na minha cabeça e para minha família,
aconteceu isso comigo porque eu estava desempregada na época, e eu
fiquei louca e ficava imaginando quem é que ia pagar as minhas coisas, eu
fiquei preocupada porque desde os meus 10 anos eu trabalho. Eu estava
desempregada e sem dinheiro, ai veio a doença. (...) O trabalho me ajudou
a recuperar porque eu conheci várias pessoas, cada uma com os seus
problemas ne? E isso me ajudou demais. E todo mundo que reclamava
alguma coisa comigo, eu contava o que tinha acontecido comigo pra eles e
isso me ajudou demais”.(Servidora 02).
Nota-se que a pessoa pesquisada atribuiu seu adoecimento ao fato de ter estado
desempregada, evidenciando que o vínculo criado com o trabalho não é apenas
financeiro, mas também, psicossocial. Nesta mesma premissa, os autores Campos e
David (2011) ressaltam que o trabalho é considerado muito além de apenas ganhos
e serviços, é visto também como um recurso para determinar valores e adquirir
identidade.
Percebe-se que o universo do trabalho aliado ao meio humano está embutido um
espaço de múltiplas subjetividades. No próximo item será exposto como iniciou o
59
processo de surgimento de sintomas psíquicos associados às atividades laborais
das servidoras públicas pesquisadas.
4.2 Categoria 2: Manifestações do processo de adoecimento mental associado
ao trabalho
Esta categoria busca identificar as manifestações do processo de adoecimento
mental dos servidores da Secretaria Municipal de Saúde quando associado às suas
atividades laborais. Verificar como surgem esses sintomas e o que ocasionam pode
auxiliar a instituição a investir em medidas corretivas e/ou preventivas no seu modo
de organização do trabalho, com a finalidade de manter equilibrada a saúde mental
dos servidores públicos.
Campos e David (2011) corroboram com Jardim e Lancman (2009) ao
reconhecerem o trabalho como fonte causadora de prazer e sofrimento. Quando os
trabalhadores conseguem transformar as situações que causam desgastes
emocionais e geram sofrimento, este enfrentamento torna-se saudável. A patologia
emerge quando o sujeito não consegue contornar este sofrimento, ou seja, quando o
trabalhador já utilizou todos os investimentos intelectuais e psicoafetivos para
atender às exigências impostas pela organização. Os autores ainda ressaltam que
os trabalhadores não são sujeitos passivos diante das dificuldades enfrentadas no
trabalho; buscam proteger-se dos efeitos maléficos, utilizando práticas de defesas
psíquicas, tais como: cooperação e inteligência.
Quando falta ao trabalhador reconhecimento no seu trabalho, nas oportunidades em
que não consegue utilizar sua inteligência e criatividade para contrapor às situações
não saudáveis impostas pela organização de trabalho, existe uma tendência ao
surgimento de sintomas psicopatológicos (DEJOURS, 2004).
As servidoras públicas relatam sintomas como crises de enxaqueca, ansiedade,
alterações no sono, estresse e iniciam o uso de medicação ansiolítica e depressiva
para conseguir enfrentar os transtornos causados pelo trabalho.
“(...) O primeiro episódio que eu tive foi uma faringite, fiquei totalmente
afônica, e consultei com o médico no SUS que me deu o diagnóstico de que
era Estresse. Um tempo depois eu comecei a apresentar um quadro de
60
ansiedade que evoluiu para um quadro de enxaqueca, e eu fui obrigada a
continuar trabalhando com enxaqueca, sofri um acidente de carro. Tive que
continuar trabalhando com enxaqueca, minha crise de enxaqueca durou 35
dias, sendo que, os especialistas falam que qualquer crise que passam dos
cinco dias já não é normal, tive que tomar muita medicação intravenosa,
inclusive para dormir porque eu ficava cinco a seis horas sem dormir, sem
efeito nenhum, eu acho que os quadros mais gritantes foram estes e fiz uso
de ansiolíticos e antidepressivos, fiz uso até de anti-convulsivos para tentar
controlar este quadro de enxaqueca e de ansiedade e o fato é que desde
que eu sai da secretaria de saúde não faço mais uso de nenhum destes
medicamentos”. (Servidora 08).
“ (...) Eu chegava em casa e tinha crises de choro, me perguntavam porque
eu estava chorando e você não sabe explicar o porque e nem pra que. Sua
cabeça, parecia que tinha um buraco que você sacudia e parecia que
estava puro ar (...)”. (Servidora 04).
Estes danos estão relacionados com o nível de estresse das servidoras públicas e
são ligados ao trabalho. Segundo as narrativas, os sintomas inicialmente aparecem
como físicos, tais como, faringite, enxaqueca e falta de atenção concentrada,
porém, todas estas patologias dentro do contexto estudado são da esfera
emocional. Outro fato a ser destacado é que as queixas dos sintomas
psicopatológicos
são semelhantes entre pessoas com profissões diferentes,
mas dentro do mesmo ambiente laboral.
Com o intuito de esclarecer e associar os relatos dos sujeitos obtidos nas
entrevistas com o contexto desta pesquisa é oportuno expor o que é preconizado
pelo Ministério Público da Saúde a respeito das atribuições da Estratégia Saúde da
Família (ESF).
A ESF é designada como a porta de entrada do usuário no Sistema Único de Saúde
(SUS), que prescreve o direito à saúde e a equidade no cuidado hierarquizado e
regionalizado. O principal pressuposto da ESF é levar para mais próximo das
famílias a saúde e melhorar a qualidade de vida da população assistida. A equipe da
ESF é composta por no mínimo um médico da família, uma enfermeira, uma auxiliar
de enfermagem, as agentes comunitárias de saúde e, em algumas unidades,
podem conter dentista, auxiliar em saúde bucal, técnico em saúde bucal,
além dos profissionais do Núcleo de Atenção à Saúde da Família (NASF).
Cada ESF fica responsável por acompanhar no máximo quatro mil pessoas de um
território, e tem a corresponsabilidade no cuidado da saúde, na oferta de atenção
61
integral, permanente e de qualidade aos membros pertencentes à área. A
atuação das equipes ocorre dentro da unidade, na residência e nos espaços
comunitários (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010).
A
Agente
Comunitária
de
Saúde
(ACS)
trabalha
em
um
território
geograficamente delimitado, e cada ACS fica responsável por um micro área de
aproximadamente 450 a 750 usuários. As ACS´s representam a ligação entre a
comunidade e os demais profissionais da equipe de saúde, pelo fato de
realizarem diariamente as visitas domiciliares aos usuários. Como norma do
Ministério da Saúde a ACS deve residir e trabalhar na mesma região (JARDIM e
LANCMAN, 2009).
Dentre
as
atividades
realizadas pelas ACS´s,
estão:
realizar
visitas
domiciliares periódicas; entregar exames, atuar juntamente com os profissionais do
NASF nos grupos oferecidos para a população, entre outros. De acordo com o
Ministério da Saúde (2010), o objetivo do NASF é apoiar, ampliar, aperfeiçoar a
atenção e a gestão da saúde na Saúde da Família. Dentre os profissionais que
podem atuar no NASF
Fisioterapeuta,
estão Psicólogo,
Fonoaudiólogo,
Médico
Assistente
Social,
Farmacêutico,
(Ginecologista,
Homeopata,
Acupunturista, Pediatra e Psiquiatra), Educador Físico, Nutricionista e Terapeuta
Ocupacional. Cada equipe de NASF pode estar vinculada a no mínimo oito e no
máximo 20 equipes de Saúde da Família. Os profissionais do NASF atuam em
territórios específicos e devem priorizar atendimento compartilhado e interdisciplinar,
troca de saberes, atuação em grupos, projetos terapêuticos, entre outros.
Na Secretaria Municipal de Saúde estudada, cinco equipes de NASF oferecem
suporte para as ESF´s. A pesquisadora até o momento deste estudo atua como
Psicóloga do NASF em sete ESF´s, do qual fazem parte também as servidoras
públicas selecionadas para participar da pesquisa. O nível de proximidade com as
entrevistadas propiciou um ambiente de liberdade e espontaneidade para abordar as
questões de adoecimento mental no trabalho.
Com relação às atividades profissionais executadas pelas ACS´s, vale destacar as
situações imprecisas que estas servidoras enfrentam na sua rotina de trabalho.
62
“Com relação às visitas domiciliares, tem um ano e meio que faço isso e
ainda não aprendi, mas acho que é o meu jeito mesmo. Eu fico muito
emotiva, esses dias eu tive que parar por causa disso, eu não estava
conseguindo, se os pacientes me falavam dos seus problemas, eu chorava
junto com eles. Mas muita coisa também, foi coisa daqui de dentro que foi
me abalando, abalando, ai foi a gota d´água, ai eu chorava com os
assistidos. Então, eu estava levando daqui pra lá, daqui pra casa e de lá pra
cá. Eu chego aqui contando para Y(gestora), passando as visitas pra ela e
começava a chorar, agora até que não é muito mais não (...). Nos dias que
eu estava em crise, ai a doutora me passou uns remédios, eu notei que
estava diferente, aqui dentro mesmo, com os assistidos, eu começava a
chorar e também não ficava conversando, se perguntasse alguma coisa, ai
eu só chorava, então, isso me atingiu bem. Hoje eu não estou boa para falar
não (choro intenso)”. (Servidora 01).
“Eu não tinha problemas de pressão alta, eu não tomava remédio, hoje em
dia, eu tenho problema de pressão alta por causa do estresse ne? O que
aconteceu aqui na unidade, tenho que tomar os meus remédios controlados
e até o tratamento psiquiátrico constante ne?”. (Servidora 07).
Dentre as condições adversas que dificultam a efetivação das atividades
profissionais das ACS´s estão à dificuldade de distanciar o envolvimento pessoal e
profissional ocasiona esgotamento emocional para o trabalhador. Baseado nesta
premissa, os autores Jardim e Lancman (2009) salientam que as funções atípicas de
trabalho dessas agentes causam sentimentos de insegurança, receio de entrar
nos domicílios e na vida privada dos pacientes, demasiado envolvimento
com a população assistida, lidar com as impossibilidades de ação, além dos
limites encontrados na área de saúde pública.
Diante dos fatos expostos, são notórios os sentimentos ambivalentes de prazer
e sofrimento que as servidoras públicas vivenciam no ambiente de trabalho. De
forma específica, nota-se também que a maneira como o trabalho das ACS´s é
organizado pode ser considerada como uma fonte de sofrimento psíquico para elas.
No próximo item serão analisados os fatores que podem ser considerados
determinantes de adoecimento psíquico relacionado às atividades laborais
especificamente no caso dos servidores da organização analisada.
4.3 Categoria 3: Fatores determinantes do adoecimento mental relacionado ao
trabalho
A análise das entrevistas permitiu identificar os fatores de adoecimento dos sujeitos
de pesquisa na situação de trabalho na Secretaria Municipal de Saúde. Nesta
63
categoria são apresentados esses fatores, segundo o ponto de vista das servidoras
públicas pesquisadas. As funcionárias entrevistadas evidenciam quais elementos
referentes às atividades laborais realizadas nas ESF´s podem promover sofrimento
mental e, em alguns casos, resultar em manifestações patológicas, tais como,
depressão, ansiedade, estresse, dentre outras.
A sobrecarga e a pressão no trabalho foram queixas frequentes, conforme
demonstram os relatos a seguir:
“Dor de cabeça com frequência, eu não tinha isso, nunca fui de ter dor de
cabeça por qualquer outro motivo, e de um ano á um ano e meio pra cá,
todos os dias estou sentindo dor de cabeça e ela está se intensificando
cada vez mais. E um sono que não me sustenta, eu posso dormir a noite
inteira que eu acordo com uma sensação de que eu não dormi. E às vezes
quando eu estou mais sobrecarregada, é mais desgastante este sono, e isto
está relacionado com a sobrecarga do trabalho”. (Servidora 06).
“Teve uma vez que eu tive um estresse por causa de pressão de serviço,
metas a serem cumpridas porque a gente tem muita meta, se não cumprir, é
chamada a atenção, a gente não tem descanso, o descanso é só final de
semana, igual já tinha falado, não tem férias, e ai teve uma vez que eu me
estressei mesmo com o trabalho porque já tinha muito tempo que não tinha
um descanso, cheguei a bater meu carro por causa disso, no horário de
serviço e ai foi isso que aconteceu.” (Servidora 03).
Em relação às exigências da organização do trabalho, percebe-se um desgaste
físico e mental das funcionárias para o cumprimento de metas, ausência de
descanso e tensão no trabalho. Tais fatores interferem não somente nas atividades
realizadas no trabalho, como também, causam alterações no sono e desconforto
físico, manifesto como dor de cabeça e fadiga frequentes.
Mendes e Araújo (2007) alegam que a sobrecarga no trabalho em níveis moderados
torna-se, algumas vezes, necessária para promover possíveis ajustamentos às
situações laborais. Porém, quando apresentada em grande intensidade, a
sobrecarga pode ocasionar efeitos maléficos na saúde dos trabalhadores,
interferindo nas relações sociais, gerando hiperaceleração e, até mesmo,
paralisias subjetivas e físicas.
Neste mesmo contexto, merece destaque as atribuições das enfermeiras nas ESF´s,
as quais realizam a gestão dos serviços administrativos, técnicos, operacionais, de
pessoal e também são corresponsáveis pelo trabalho que a equipe do NASF exerce
64
na unidade. O excesso de responsabilidades, o cansaço e a sobrecarga de trabalho
são contestados por estas profissionais.
“Aqui na unidade tudo é a enfermeira, todo mundo depende de mim, ainda
mais agora que a unidade é nova, acho que as pessoas dependem mais de
mim. Muito trabalho administrativo que a gente tem, muita responsabilidade
com todos os pacientes que eu tenho de cada um, todo mundo vem aqui é
me procurar. Então, as atividades que eu faço todas tem muita
responsabilidade e eu tenho que resolver tudo.” (Servidora 03).
“ Eu gosto do que eu faço, mas, este trabalho aqui é muito estressante, pela
responsabilidade que a gente tem de tudo, uma população de mais ou
menos 3.500 pessoas de sua responsabilidade e você ainda não ter férias?
E atrasa pagamento? Tudo isso pode ser determinante para o adoecimento
mental”. (Servidora 03).
Associado às questões de sofrimento no trabalho, as servidoras ainda enfrentam
odescumprimento de benefícios legais trabalhistas por parte da instituição. Além
de terem que lidar com os fatores internos negativos na organização do
trabalho, também sofrem com as cobranças externas do público que utiliza os
serviços de saúde do SUS.
“E outra coisa, a gente lida com todo tipo de paciente, então, se você não
tiver muito jogo de cintura, não souber lidar com eles. Porque tem paciente
que as vezes querem as coisas para ontem, e em lugar nenhum, nem ela
pagando (...) Uma paciente queria que eu marcasse uma consulta com o
clínica na mesma hora, eu (...) expliquei que as consultas são marcadas
antecipadamente, e que não tinha como marcar a consulta do jeito que ela
queria, ai não contentando com o que eu falei, ela veio aqui no posto e ficou
batendo boca comigo, aí, eu falei que não ia ficar discutindo porque ela
estava muito nervosa e que iria marcar a consulta, mas não para agora, que
não tinha jeito e eu achei que este dia ela iria bater na minha cara. Porque
acontece muitas vezes de paciente achar que nós, acs´s é que vamos
resolver tudo para eles e não é assim, entendeu? (...) E eles acham que a
gente resolve tudo, eu até explico, o que a gente pode fazer, a gente faz,
mas, tem coisa que não depende da gente, (...). E os pacientes pressionam
muito a gente, tanto é que, se você for na casa dele umas dez vezes, as
dez vezes eles perguntam pelo exame que foi mandado para a central de
marcação e que não voltou (...) ai eles cobram as coisas da gente, tanto é
que este mês eu falei que não vou fazer visita agora no princípio do mês,
vou entregar o que tiver de entregar e visita mesmo, vou deixar mais para o
final do mês, que ai já está perto do mês seguinte e tem como eu já marcar
para inicio do outro mês para não ter tanta cobrança”. (Servidora 02).
Este depoimento enfatiza a situação enfrentada pelas ACSs, que sofrem a
agressão das pessoas, que descarregam sobre elas o mal-estar criado por situações
pelas quais não são responsáveis. O contato com os pacientes passa a ser tão
ameaçador que a entrevistada expressa sua intenção de não mais realizar a visita,
65
evitando sofrer situação constrangedora como a que experimentou.
Essas servidoras públicas lidam cotidianamente com situações desfavoráveis,
como a impossibilidade de atender a toda demanda existente, incluindo as
urgências dos usuários. Além disso, há dificuldade de conseguir agendar
consultas com especialistas, bem como exames de alta complexidade. Esses
obstáculos sobrecarregam as ACS´s pelo contato direto e frequente com os
usuários que, muitas vezes, não compreendem que a precariedade do serviço
de saúde não é culpa da própria servidora. Situações como as expostas
acarretam desgaste e sofrimento para as agentes, que se sentem responsáveis
pela solução dos pedidos solicitados pelos pacientes (JARDIM e LANCMAN, 2009).
Devido à complexidade das tarefas realizadas pelas ACS´s no trabalho, constata-se
que estas servidoras acabam criando artifícios de autodefesa para manter a
estabilidade física e mental no trabalho. Dejours (1992) ressalta que os
trabalhadores, para enfrentarem o sofrimento advindo das atividades relacionadas
ao trabalho,
elaboram
estratégias
defensivas,
ou seja, criam modos de agir
individualmente ou coletivamente, visando a atenuar o sofrimento.
Essas
estratégias de defesa são necessárias para a saúde do trabalhador, pois
minimizam o sofrimento e contribuem para manter o equilíbrio psíquico.
As servidoras participantes desta pesquisa destacaram as exigências
da
organização como prejudiciais para a saúde, como se depreende do relato:
“(...) A pressão é muito grande, a cobrança é muito grande, e o salário muito
pouco. Então, às vezes você tem que se desdobrar por causa deste
trabalho aqui, você tem cobrança do seu chefe, tem cobrança do público
ne? Porque o público cobra demais e no final das contas, nem vale a pena.
Ai você carrega muitos problemas, porque você ganha pouco e está sendo
muito cobrada”. (Servidora 05).
Em relação às cobranças sentidas pelos servidores públicos, percebe-se que elas
não provêm apenas dos usuários mas também da instituição e uma das queixas
evidencia a defasagem entre o salário e as exigências impostas ao servidor público.
Existem vários estudos científicos relacionados à sobrecarga e à desvalorização
do profissional de enfermagem. Traesel e Merlo (2009) destacam que os
enfermeiros,
na
sua
atuação
profissional,
têm
elevados
índices
de
66
responsabilidade,
fazem doações
ilimitadas
para
os
pacientes,
além
de
sofrerem com a ansiedade e o excesso da auto cobrança de atender a todas as
demandas. Outro fato destacado é a ausência de reconhecimento do trabalho,
tanto por parte da organização, quanto pelos pacientes, o que ocasiona para
estes trabalhadores sofrimento e esgotamento profissional.
Neste mesmo cenário, Campos e David (2011) alegam que as pesquisas
desenvolvidas sobre a saúde dos trabalhadores de enfermagem, na grande maioria,
destacam apenas os riscos ocupacionais da profissão, sendo necessário, portanto,
intensificar os estudos a respeito das causas de insalubridade dos enfermeiros que
sejam associadas ao ambiente de trabalho.
Durante as entrevistas realizadas, foram presenciadas queixas das servidoras com
relação à falta de recursos e incentivos financeiros na área de saúde pública. Foram
destacados o local de trabalho, bem como os materiais que são disponibilizados
para a execução das atividades laborais.
“Eu acho que a gente precisava mais de ajuda, da Secretaria, às vezes,
a gente gasta do dinheiro nosso para estar comprando as coisas, igual
grupo, por exemplo, muitos brindes que nós damos para os pacientes,
somos nós ACS´s que compramos. A Secretaria podia fornecer material de
trabalho pra gente, isso já ajudava demais. Falta incentivo financeiro.”
(Servidora 02).
Constata-se, nesse depoimento, que a falta de recurso financeiro e de materiais
necessários ao trabalho gera uma indignação por parte da servidora. Verificou-se
que as ACS´s se dispõem a utilizar meios particulares para desenvolver um bom
trabalho, visando a suprir a falta de materiais e a má organização do trabalho.
Esta avaliação é peculiar às instituições públicas da área de saúde, em existem
frequentemente faltas de instrumentos de trabalho, os equipamentos são precários
para realização de tarefas e os materiais de consumo são fornecidos em escala
menor do que a demanda laboral exige. Percebe-se, portanto, um descaso com os
servidores públicos que ficam submetidos às condições materiais e estruturais
precárias de trabalho o que favorece sofrimento e a falta de motivação no ambiente
de trabalho (CAMPOS e DAVID, 2011).
Além da escassez de recursos materiais e financeiros, as servidoras públicas lidam
com o trabalho desgastante de atendimento a um número elevado de pacientes,
67
quando o quadro de funcionários é pequeno, como se nota no presente no relato:
“Teve uma época que estava trabalhando em outra unidade que eu já não
estava produzindo mais, cabeça muito cansada (...). Eu perdia o raciocínio
muito fácil. Ai foi nessa época que eu cheguei, conversei com o gerente,
que eu já estava um bom tempo já sem médico e estava muito cansada,
fisicamente e mentalmente, aí foi quando eu pedi transferência. Demorou
um pouco pra essa transferência sair, mas, saiu. Trabalhei na outra unidade
quase dois anos, mas, sem médico lá eu fiquei um ano e seis meses. Então,
eu fiquei muito sobrecarregada, muito cansada, os pacientes cobrando
demais e, infelizmente, eu preciso do profissional médico para poder
me ajudar. Eu não consigo fazer tudo sozinha e foi ai que tudo começou,
foi ai que comecei a fazer o tratamento psiquiátrico”.(Servidora 04).
Nesse relato, percebe-se o sofrimento e o desgaste emocional da servidora por
trabalhar sem contar com um profissional médico na equipe. Apesar da ausência
deste profissional, a organização de trabalho exige que a funcionária execute suas
tarefas laborais, mas não oferece o recurso necessário para realização das mesmas.
A servidora responsável pelas ESF exerce a função de Enfermeira e registra seu
incômodo com as exigências que lhe é feita na área de saúde pública.
Traesel e Merlo (2011) em uma pesquisa realizada com os trabalhadores de
enfermagem no contexto hospitalar, destacam características prejudiciais à saúde
destes profissionais, tais como, doação intensa ao trabalho, procura pela
perfeição nas
equipe
atividades
laborais,
falta
de
relacionamento
efetivo
da
com predominância da técnica e das prescrições realizadas no trabalho,
limitação nos espaços de convivência, discussão e ainda restrição de tempo e
espaço
para diálogo e cuidado. Dentro do mesmo contexto de recursos
financeiros e quadro de funcionários reduzido, ainda foi ressaltada a escassez
de recursos motivacionais para os servidores públicos.
“Ter um incentivo, acho que todo profissional precisa de um incentivo, de
uma forma ou de outra, seja ele psicológico, seja ele com qualquer coisa
financeira, alguma coisa de final de ano, ou no dia do aniversário, uma
folga, qualquer coisa que estimule o profissional, que dar um ânimo, fatores
para motivar um funcionário, não tem nenhum, não tem comemoração de
nada, nenhuma férias, não tem nenhum trabalho voltado para que a gente
tenha estimulo para trabalhar, não é questão de salário não, o salário da
gente é aquele e a gente já entrou sabendo, é alguma outra coisa que
possa estimular. Eu gosto muito do que faço, só que eu estou cansada
ne?”.(Servidora 06).
68
“Precisa de mais reconhecimento no trabalho que a gente faz a gente não
tem reconhecimento nenhum, só é cobrado, é muita cobrança, é muita meta
a ser cumprida”.(Servidora 03).
Verifica-se a insatisfação da servidora com a Secretaria Municipal de Saúde em
razão da ausência de estímulos motivacionais. Observa-se que além de a
remuneração ser considerada insuficiente, não existe por parte da instituição outro
incentivo não financeiro.
As servidoras reclamam sobre a necessidade de uma
valorização oferecida pela organização, para que se sintam recompensadas pelo
trabalho. Ávila e Barcelos (2009) acentuam que o sujeito carece que o seu trabalho
seja reconhecido para conservar-se motivado e satisfeito no exercício de sua
atividade profissional.
Dejours (2008) afirma que o trabalho gera sofrimento, porém, o reconhecimento do
outro pode converter este sofrimento em prazer. Portanto, os trabalhadores
necessitam de reconhecimento, quando é negado ou não transmitido ao sujeito, a
relação com o trabalho perde o sentido, ocasionando para o trabalhador sofrimento,
até chegar ao ponto de desencadear doenças psicopatológicas. Este processo de
transformação do sofrimento em prazer é denominado por Dejours de sublimação.
Dentre as condições adversas que as entrevistadas citaram com relação à
organização do trabalho merece destaque a desvalorização do funcionário público.
“Eu acho assim que o profissional, eu não sei exatamente em outros
lugares, mas aqui (...) o serviço de funcionário público não tem muito valor.
Trabalhar sem férias, sem garantia de nada, isto te estressa, te cansa
muito. Você sabe que se você adoecer hoje, você adoece, eles te pagam
aquilo que é de responsabilidade deles, mas quando você volta, você não
tem mais garantia do seu serviço. Então, é estressante, eu acho que você
não tem valor como profissional”.(Servidora 04).
Compreende-se que as servidoras públicas se sentem desvalorizadas pela
instituição pelo fato do não se registrar o reconhecimento pelo trabalho realizado;
além disso, convivem com a ausência de férias, o excesso de cobranças e a falta de
estabilidade no emprego. Mendes e Araújo (2007) consideram que as novas formas
de organização se baseiam em três dimensões: exigências, desestabilização e
ameaça. A primeira se refere às demandas do trabalho, a segunda diz respeito à
falta de respeito à individualidade e a acentuada competição nas relações de
69
trabalho, e a última dimensão está ligada ao relato da servidora 04 e inclui o medo
de errar, a insegurança, a precarização das condições de trabalho e os riscos de
perder o emprego. Os autores acrescentam que essas dimensões se vinculam às
três bases estruturais do sofrimento que são a insegurança, a angústia e o medo.
Dentro do mesmo contexto, algumas servidoras públicas relatam que a Secretaria
Municipal de Saúde adota procedimentos administrativos diversificados para
servidores efetivos e contratados, havendo geralmente privilégio para os primeiros e
desconsideração com os demais.
“O primeiro ponto a ser melhorado é o respeito ao colaborador, não importa
se ele é efetivo ou contratado. Independente de ter ou não carteira
assinada, de ser contrato, é fato, é conhecimento de que de acordo com a
Constituição Federal que rege mesmo estes empregos seria a CLT que, a
gente é totalmente lesado neste quesito (...) Mas o princípio básico é
respeitar o profissional, respeitar aquela pessoa que está prestando o
serviço, antes de mais nada, ela é um individuo. Se eles esperam que o
SUS cresça e respeite a individualidade tal como o contexto das diretrizes
do SUS, isto tem que começar pelo profissional. Um profissional doente,
um profissional insatisfeito, ele não produz, e a gente percebe isso
pelos próprios efetivos, se os efetivos estivessem satisfeitos e num
ambiente saudável, não teria tanta necessidade de funcionários
contratados. Então, o princípio básico é respeitar o próximo, e respeitar o
profissional que eles tem ali, respeitar pela formação e como ser humano
e proporcionar a ele uma condição de trabalho digna, pelo menos, não
com um ambiente de ostentação, mas com um ambiente minimamente
saudável e digno porque a gente trabalha sem dignidade”. (Servidora 08).
Esta exposição feita pela funcionária evidencia sua repulsa pela maneira como são
tratados os funcionários pela organização, registrando uma queixa de todos os que
foram
entrevistados: a
desigualdade
entre
servidores
públicos
efetivos
e
contratados. Todos realçaram as condições de trabalho inadequadas e o não
cumprimento de benefícios legais regidos pela Constituição Federal.
A privação dos direitos trabalhistas gera nas servidoras entrevistadas indignação e
aversão à Secretaria Municipal de Saúde, como se pode inferir dos relatos
apresentados a seguir:
“(...) Porque a gente por ser funcionário contratado, não tem férias,
principalmente esta questão de férias que eu acho que mais estressa a
gente, o pagamento atrasado todo mês, então, tudo isso gera só estresse
para todo mundo, uma das piores coisas da SMS é a falta de férias. Tem
dois anos que não tiro férias”.(Servidora 07).
70
“Podia tanto fazer direito ne? Nós que somos contratados poderíamos ter os
nossos direitos iguais a todos os funcionários de carteira assinada tem ne?
A gente poderia ter direito a férias, porque eu penso assim: se eles
melhorarem esta questão, dessem férias pra nós, ia ajudar muito, não ia ter
tanto funcionário doente, tanta gente estressada, tanta gente doente de
depressão e de alguma coisa assim ne? Porque a gente trabalhando na
área da saúde tem que estar bem ne? Porque senão ... As férias eu acho
que é a melhor coisa que eles poderiam fazer que poderia melhorar pra
nós”. (Servidora 07).
“Eles te privam de férias, você é ameaçado quando pega atestado, você
sofre acidentes de trabalho, batem no seu carro, você não tem direito a
licença, se uma servidora engravida, ela não sabe se vai voltar, você assina
um contrato que você sabe que não consta que você tem direito a 13º, fala
que você tem direito a uma bonificação natalina, então, o funcionário já
começa a trabalhar sob pressão e exerce sua função sendo lesado nos
seus direitos básicos que é preconizado, que é defendido, que é lei pela
Constituição.” (Servidora 08).
“Eu, muitas vezes fico estressada demais porque a gente trabalha cansada,
não tem férias, e trabalha direto mexendo com pessoas, é muito difícil e
desgastante demais. Tem dia que eu não gosto nem de conversar, eu fico
no meu canto, não gosto nem de conversa, porque você lidar com o povo e
trabalhar sem férias, você não ter direito nem as férias? Tanto que eu já
conversei pra vê se me dá pelo menos uma semana, pra vê se alivia um
tiquinho, porque já tem três anos que eu estou trabalhando sem férias
nenhuma, tem as folgas de vez em quando de feriados, mas isso, não
ajuda”. (Servidora 02).
Os relatos das servidoras são unânimes ao mencionar o mal-estar causado pelo
comportamento da instituição que não garante seus direitos legais trabalhistas,
sendo essas trabalhadoras privadas do direito às férias, não autorizando seu
afastamento por motivo de doenças, mesmo quando dispõem de atestado médico.
Acresce a tudo isto a instabilidade no emprego do funcionário contratado e ainda o
atraso no pagamento do salário, além de irregularidades presentes no contrato de
trabalho.
Tais fatores potencializam o sofrimento das servidoras no trabalho. De acordo com
Campos e David (2011) quando a organização de trabalho permite ao trabalhador
expressar sua individualidade e criatividade é possível vivenciar o prazer no
trabalho. Porém, quando a instituição apresenta rigidez no modo de organização do
trabalho e inibem os trabalhadores de construírem estratégias de interposição para
harmonizar o trabalho prescrito e o real, podem eclodir sofrimento e doenças
psicopatológicas.
Os mesmos autores ainda destacam que quanto mais rígida for à organização do
trabalho, mais perceptível se torna sua divisão. Em consequência disso, o conteúdo
71
do
trabalho
torna-se
pouco
significativo
para
o
servidor
e
aumenta
proporcionalmente o seu sofrimento. Isto indica que há uma falta de resolutividade
de conflito entre o sujeito portador de uma história singular e a organização de
trabalho.
Dentre as atividades executadas pelas Agentes Comunitárias de Saúde, verificase que, ao entrarem em contato direto com as famílias da comunidade, elas lidam
com grande diversidade de situações de pobreza, problemas de saúde e
financeiros, e devido à necessidade de manterem sigilo profissional, vão
acumulando tais situações até chegarem ao ponto de se fragilizarem diante das
situações precárias, como já haviam apontado Jardim e Lancman (2009). Segundo
esses autores, o fato de trabalhar com serviços de saúde na mesma comunidade
onde se mora dificulta o distanciamento entre os pacientes assistidos e o
profissional. Assim, as relações com as famílias ficam misturadas com a vida do
agente, vizinho, amigo, confidente, pois muitas vezes essas pessoas frequentam os
mesmos espaços sociais que os usuários. A multiplicidade de relações causa
transtornos e sofrimento para os agentes que, muitas vezes, ficam sem saber como
reagir. Acresce a essas circunstâncias que as servidoras públicas ainda lidam com a
falta de transparência da gestão administrada pela Secretaria Municipal de Saúde.
“Outro ponto é que falta transparência da Secretaria, então, a gente tem
aí uma gestão que desconta o INSS e quando os funcionários vão
aposentar o que não é mistério para ninguém, os funcionários tem que
apresentar todos os contracheques porque sempre tem um erro. Falta
transparência na gestão, existe um excesso de protecionismos, acho que
todos estes pontos diminuem os outros profissionais, fere as pessoas
nos seus direitos, são desiguais nos direitos e a questão da falta de
transparência é uma coisa que me incomoda muito, (...), a gente não sabe
para onde vai a verba que o salário que atrasa todo mês, a verba vem
para o Ministério da Saúde e porque ela não é repassada para os
funcionários? O que aconteceu com esta verba para justificar o atraso?”.
(Servidora 08).
Outro
aspecto
seguidamente
denunciado
é
referente
ao
desrespeito
às
oportunidades de descanso que um trabalhador precisa ter, assim como aos
benefícios que deveriam ser garantidos e não o são porque essas pessoas não têm
um vínculo empregatício adequado com a SMS.
“ (...) Um fator é a falta de férias, um profissional trabalhar dois, três e quatro
anos sem férias é muito desgastante. A SMS tira benefícios que a gente
tem sem dar uma explicação, vai lá e corta sem dar uma explicação prévia
72
pra quem está trabalhando, então, isso também é desgastante. Primeiro
cortou o vale, aquele cartão de alimentação, então, não avisou que ia cortar,
então a gente contava com aquilo no mês e chega no mês, não, não tem
mais e mês que vem volta e ninguém da uma explicação definitiva. Ai
depois veio a insalubridade, cortou de uma vez e não fala assim talvez não
vai ter mais, não avisa e corta. Eu tenho quatro anos que estou sem férias,
pelo fato de eu ter mudado de profissão, antes era Agente Comunitária
de Saúde e, depois passei para técnica de enfermagem, eu perdi uma
férias, mas por direito são três anos, três anos seguidos sem férias. Eu
acho que todos esses motivos, pode causar adoecimento mental porque a
gente fica esperando as férias para descansar, para passear, e não da
para planejar nada, ai você fica naquela expectativa. Não tem uma
explicação do porque não tem férias, questões administrativas mesmo”.
(Servidora 06).
Constata-se que a falta de clareza da instituição causa indignação nos servidores
públicos. O primeiro relato expõe irregularidades ligados á aposentadoria dos
funcionários, atraso de pagamentos, ausência de clareza de atitudes e ainda
protecionismo entre contratados e efetivos. Semelhante à primeira narração, a
segunda destaca que o servidor não pode se organizar contando com um
benefício que ao mesmo tempo que é oferecido, também é cortado sem
explicações prévias, como acontece com as férias e o cartão de alimentação.
Tais irregularidades da organização causam repulsa nos servidores que exercem
suas funções laborais estressados, cansados, desmotivados,
profissionalmente
e
inconformados
por
desvalorizados
direitos trabalhistas não assumidos
legalmente pela Secretaria Municipal de Saúde.
No próximo item serão abordados os desajustes emocionais ou até mesmo as
psicopatologias ocasionadas pelas atividades laborais entre as servidoras públicas
entrevistadas, que as levaram a procurar atendimento de especialistas na área de
Saúde Mental.
4.4 Categoria 4: Implicações do Atendimento Psicológico e/ou Psiquiátrico
Esta categoria aborda os casos das servidoras públicas participantes desta pesquisa
que optaram por procurar atendimentos Psicológicos e/ou Psiquiátricos para
atenuarem o sofrimento ou até mesmo o adoecimento mental causado pelas
atividades laborais.
Foram relatados sintomas de irritabilidade, esgotamento profissional, estresse, entre
73
outros decorrentes das atividades laborais. Ávila e Barcelos (2011) reforçam que
quanto mais os sujeitos se individualizam e evitam colaborar com os colegas de
trabalho, mais estes sintomas se tornam competitivos. Desta maneira, o trabalho vai
se distanciando do lugar de segurança e felicidade que o servidor deve compartilhar
com seus colegas e familiares. Em decorrência desse processo, surge o
adoecimento psíquico.
Mendes e Araújo (2007) destacam que a organização do trabalho tanto provoca e
intensifica o sofrimento, como também oferece condições aos funcionários para
enfrentarem as adversidades, por meio das estratégias defensivas. Diante do
sofrimento, são possíveis dois trajetos – a mobilização subjetiva, na qual o
trabalhador utiliza
sua
inteligência
prática
e
de
cooperação,
através
do
reconhecimento e do espaço público da fala tenta dar um novo significado a este
sofrimento, superando-o e visando manter estável sua saúde mental. Outro
trajeto ocorre quando a organização do trabalho não oferece recursos para esta
transformação do sofrimento; o trabalhador pode utilizar as estratégias defensivas,
que têm a função de negar ou distorcer os riscos oferecidos pelo trabalho e
desempenham uma dualidade de papel: o de negação ou alienação. Portanto,
quando o sofrimento é muito intenso, as estratégias defensivas se esgotam e as
defesas não conseguem exercer o seu papel de proteção; consequentemente,
ocorrem os comportamentos psicopatológicos associados ao trabalho.
Dejours (1992) define que o sofrimento representa um estado de confronto do sujeito
contra a rigidez da organização do trabalho, que pode induzir o trabalhador á doença
mental. O relato seguinte exemplifica o que motivou a servidora pública a procurar
ajuda especializada de profissionais da área de saúde mental.
“Então, foi quando eu comecei a fazer um tratamento psicológico, comecei
a tomar remédio e fui melhorando, melhorei bastante, mas assim, eu falo
que eu aprendi muito lá também, porque eu absorvia demais o problema
dos outros, então, eu acho que foi uma coisa que a própria Psicóloga, a
própria Psiquiatria me ajudou muito a barrar um pouco isso, a reconhecer
que eu realmente estava exagerando.” (Servidora 04).
A servidora relata, desse modo, que após ter iniciado o tratamento psicológico e
psiquiátrico, sentiu-se mais segura para enfrentar as dificuldades impostas pelo seu
trabalho, como por exemplo, manter o distanciamento entre as vivências
74
profissionais e as experiências pessoais, não absorvendo os problemas dos seus
pacientes.
Em alguns casos específicos, ocorre a necessidade do uso de medicação para
manter a estabilidade do quadro de saúde mental. Uchida (2007) ressalta que
quando as estratégias de defesa começam a falhar e os sintomas recorrentes de
irritabilidade, tendinite, tensões e crise de angústia se intensificam, muitos
trabalhadores recorrem ao uso de medicações psicofarmacológicas que são os
antidepressivos e ansiolíticos. Algumas narrações exemplificam que muitas
servidoras públicas entrevistadas utilizaram tais recursos:
“ Estresse. Eu continuo fazendo o tratamento psiquiátrico, psicológico não.
Hoje eu tomo Sertralina. Meu sono é muito leve, sou péssima para dormir,
eu acordo a noite inteira, eu tenho insônia, ai ela optou por eu tomar o
medicamento de manhã e tem dado uma boa resposta. Eu chego em casa,
custo a pegar no sono, mas quando eu durmo, eu durmo a noite inteira e
acordo só de manhã para poder vir trabalhar”. (Servidora 04).
“Estresse. Fluoxetina e Clonazepan porque eu não durmo sem o remédio
mais. E se eu ficar sem o Fluoxetina também não consigo sair para
trabalhar, ter animo, então, realmente o remédio me dá ânimo (...)”.
(Servidora 07).
Estes relatos mostram que as três servidoras foram diagnosticadas com Estresse e
fazem o uso de ansiolíticos e antidepressivos para auxiliar no sono e, até
mesmo, para ter ânimo para trabalhar. É perceptível também na fala de algumas
funcionárias a dependência do uso de tais medicamentos. Neste mesmo
cenário, merece destaque o relato da servidora que se recusou a fazer o uso da
medicação, mesmo com a prescrição médica.
“Estresse. O médico prescreveu Fluoxetina e Amitriptilina também, mas, eu
não fiz o uso da medicação não”. (Servidora 03).
Percebe-se uma resistência da servidora pública para utilizar o medicamento
prescrito pelo médico. De acordo com Brant e Minayo – Gomez (2004),
alguns trabalhadores tentam resistir à questão de se tornarem doentes mentais e,
por isto, evitam fazer o uso de medicamentos. Os autores consideram que tal
comportamento se justifica pelo fato do médico ignorar o sofrimento e reconhecer
apenas a doença do sujeito. Frequentemente, alguns funcionários omitem o uso
do medicamento ou também alegam durante a consulta evoluções dos quadros
75
sintomatológicos para evitarem o aumento da dose medicamentosa.
Segundo esses mesmos autores, a saúde e a doença, não podem ser
renomadas apenas pela ausência ou presença de certos sintomas. Não pode ser
reducionista, pois além das manifestações de uma doença existe uma bagagem
histórica, cultural, política e subjetiva que não pode ser reduzida apenas a uma
fórmula numérica ou dado estatístico.
A seguir, são apresentadas narrações de servidoras públicas que fazem o uso
abusivo de medicamentos, sem nem mesmo ter a certeza do diagnóstico correto.
“Depressão e Enxaqueca. Procurei um psiquiatra, fiz um acompanhamento
durante alguns meses e eu tomei Turval, Venlafexina, Clorazepam, Cefálio,
Ibuprofeno, posteriormente fiz o uso de Escitalopram, cheguei a fazer o uso
de Diazepam com Plazil e Dipirona para controlar um quadro mais agudo
sem resposta e usei Clonazepam num espaço de 08 meses.” (Servidora
08).
“Depressão, estresse relacionado ao trabalho. Procurei ajuda psiquiátrica e
eu ainda estou fazendo o tratamento com ele. Estou tomando muito remédio
com ele ainda, uso o medicamento Fluoxetina e Bupopriona.” (Servidora
01).
A servidora 08 relata o uso de muitos medicamentos para tentar encontrar um
diagnóstico preciso dos seus sintomas de enxaqueca. Em contrapartida, a servidora
01 apresenta o diagnóstico de depressão relacionada ao trabalho e expressa
insatisfação por considerar o uso abusivo de medicação.
Em alguns casos, a intervenção medicamentosa ou psicoterapêutica torna-se
insuficiente para a evolução do quadro de saúde mental do funcionário, sendo
necessário o afastamento das atividades laborais.
“Eu fiquei poucos dias, quando eu comecei a fazer o uso do remédio, eu
passei muito mal, o remédio estava me dando muita reação, eu estava
tendo muito enjoo, vomito e tive que trocar o remédio. Ai eu acho que fiquei
10 dias afastada, foi quando ela trocou a medicação para eu poder adaptar,
porque eu não fiquei bem”. (Servidora 04).
“Eu fiquei sete dias afastada, foi após este episódio, eu comecei a fazer um
tratamento, ai o Psiquiatra viu que eu estava muito nervosa, muito
estressada e que precisava ficar afastada, ai eu fiquei mais dez dias
afastada”. (Servidora 07).
Deduz-se que em ambos os relatos, as servidoras públicas buscam se justificar pelo
fato de terem sido afastadas do trabalho por motivo de doenças mentais. Pode-se
76
inferir que culturalmente, no Brasil, a doença é, muitas vezes, vista como invalidez
e, no âmbito de saúde mental, existe preconceito vinculado ás questões de
insanidade e/ou loucura. Além das servidoras lidarem com estas circunstâncias
pessoais, ainda lidam com as opressões da organização de trabalho.
“Fiquei afastada, o médico me deu 10 dias de atestado, daí, com o medo
que eu fiquei de ser demitida, porque a gente não pode ter nem atestado,
eu voltei a trabalhar antes do tempo”. (Servidora 03).
“Eu fui afastada por 15 dias, diagnóstico de enxaqueca e depressão.
Quando eu passei na perícia, eles me obrigaram a voltar com dez dias,
alegando que o médico do SUS não poderia me afastar por mais de dez
dias, tive que voltar a trabalhar mesmo de atestado que foi contestado pelo
médico responsável e não foi o primeiro afastamento. Eu afastei umas três
vezes em decorrência da enxaqueca, mas quando eu estava de faringite,
eu tive que trabalhar mesmo sem voz porque houve uma certa coação de
que se eu não trabalhasse poderia encontrar outra pessoa no meu lugar
quando eu voltasse”. (Servidora 08).
Em ambas as narrações, percebe-se um desabafo das servidoras públicas sobre a
intimidação sofrida pelo fato de pegarem atestado. Nota-se a insegurança e o medo
que elas demonstram de perder o emprego caso os afastamentos ocorram com
certa frequência.
Neste contexto, Bevian e Assman (2012) ressaltam que existem médicos que têm
resistência em aceitar doenças advindas do trabalho e tentam associar as doenças
laborais a outros motivos, como causas degenerativas ou congênitas. Ainda com
relação as perícias, tanto no INSS quanto nos casos que envolvem mérito jurídico,
há resistência na confirmação do nexo causal técnico entre o trabalho e problemas
de saúde mental.
Percebe-se, portanto que, existem muitas divergências entre a associação do
complexo campo de saúde metal e o mundo do trabalho. Na próxima categoria, será
demonstrado de acordo com a percepção das servidoras públicas quais itens são
necessários que o ambiente de trabalho tenha para manter uma estabilidade mental
dos seus trabalhadores.
77
4.5 Categoria 5: Ambiente saudável para a saúde mental dos trabalhadores
Esta categoria visa identificar, na perspectiva das servidoras públicas entrevistadas,
quais são os elementos fundamentais que devem existir no ambiente de trabalho
para que haja equilíbrio da saúde mental dos trabalhadores.
Com o intuito de elucidar as tarefas realizadas pelos sujeitos participantes da
pesquisa e que manifestaram sintomas ou adoecimento mental relacionado às
atividades laborais da Secretaria Municipal de Saúde, foi elaborado o quadro 04,
apresentado a seguir.
É notório que, com exceção das profissionais Agente Comunitária de Saúde (ACS´s)
e as Enfermeiras que foram no total duas entrevistadas, as demais realizam
atividades de trabalho diferenciadas umas das outras. Referente a como a
organização age sobre o trabalhador, Dejours (1992) ressalta que a instituição
determina o conteúdo da atividade através da divisão do trabalho, porém, não
somente conteúdo significativo, mas também o ergonômico que representa os
gestos, a postura e o ambiente físico que de certo modo, apontam a estrutura do
corpo do trabalhador em situação de trabalho. O autor ainda destaca que, quando o
sujeito não consegue encontrar uma resolução mental para um determinado
desajuste no trabalho, suscita no corpo do trabalhador desordenamentos endócrinometabólicos, ponto inicial de uma doença somática. A esse processo, Dejours
chama somatização.
78
QUADRO 04: Atividades realizadas no trabalho pelas servidoras da SMS
Profissão
Quantidade
Atividades realizadas
Agente
Comunitário
de Saúde
(ACS)
Atendente de
Portaria
2
1
Auxiliar de
Serviços
Gerais
1
Enfermeiras
2
Nutricionista
1
Técnica de
enfermagem
1
“Eu faço visita domiciliar, visitas com o médico, visitas
aos acamados, entrega de exames para os pacientes,
grupos com os profissionais do NASF”.
“(...) Entregar os exames, tenho que estar em dia com
eles e as visitas domiciliares mensais: os diabéticos, os
hipertensos, as gestantes”.
“Eu faço tanta coisa, marcação de consulta,
atendimento direto ao público, envio de documentos
para a central de marcação, atendimento telefônico, de
certa forma, você acaba sendo um pouco de secretária
de todo mundo. Eu estou sempre disposta para ajudar,
o médico, a enfermeira, eu sou a porta de entrada da
unidade e acaba que faço um pouquinho de cada coisa
e acaba que você ajuda todo mundo ne¿ A dentista
chega do consultório e fala alguma coisa comigo,
protocola isso daqui pra mim, ai eu protocolo e eu
acabo ajudando todo mundo”.
“Eu chego de manhã e limpo a unidade ne¿ Faço um
café de manhã, lavo os banheiros, lavo a área de
serviço, ai eu limpo toda a unidade”.
“Tudo. Desde a gerência até a assistência. Eu gerencio
uma equipe, a responsabilidade de toda a equipe é
minha, todos os erros que são acontecidos dentro da
equipe por mais que as meninas sejam punidas, sou eu
que respondo. É atender paciente, tudo. Desde um
curativo simples até um ferimento mais invasivo, mais
específico, eu tenho que estar avaliando, apesar de ter
a técnica pra me ajudar, mas eu tenho que estar
sempre supervisionando, tudo”.
“Eu faço consulta, visita, todo o administrativo da
unidade sou eu que tenho que fazer, além de ter que
fazer consulta, demanda de todos os dias, todos os
pacientes que chegam que não estão agendados com
a médica, faço os preventivos que são agendados, prénatal e visita domiciliar dependendo da demanda”.
“Atendimento individual, atendimento a grupos, visita
domiciliar, avaliação de dieta, reuniões de capacitações
dos protocolos de feridas, capacitações estratégia
amamenta e alimenta pelo Ministério da Saúde”.
“Aferir pressão, curativo, glicose, visita domiciliar e
acolhimento de pacientes”.
Fonte: Elaborado pela autora da pesquisa (2015)
De acordo com os relatos das servidoras públicas citadas anteriormente, percebemse sinais de somatização em algumas, inclusive em manifestações psicopatológicas
para as quais os clínicos iniciaram a medicação sem um diagnóstico preciso.
79
Associadas a estes fatores, as funcionárias também relatam contrariedade com
relação aos seus direitos trabalhistas, uma vez que consideram que são lesados
pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS).
“Atraso de pagamento deixa a gente desvalorizado, desmotivado, então eu
acho que tem que colocar em dia isso. Férias também porque a gente fica
muito desgastada, até pelo contato que a gente tem com paciente todo dia,
é muito desgaste que a gente tem, então, eu acho que, pelo menos férias, a
gente tinha que ter, isso é o mínimo”. (Servidora 03).
“(...) Eu acho que deveria mudar mais a parte administrativa talvez da
própria secretaria. Eu acho assim que se já garantisse os direitos que a
gente tem já era um bom começo ne? Por exemplo, preservar as férias dos
funcionários (...)”. (Servidora 04).
A partir das narrações feitas pelas servidoras públicas, percebem-se a contrariedade
das mesmas por se sentirem desvalorizadas, sobrecarregadas com a rotina do
trabalho, e desmotivadas com a organização. Acresce que lidar com a ausência de
férias regulamentar espara o descanso apropriado do trabalhador, conforme regem
as leis trabalhistas, amplia este sentimento de desvalorização.
Barros (2007) ressalta que um contexto produtivo insalubre é representado pelas
precárias condições de trabalho, exploração do funcionário, elevada rotatividade de
pessoal, falta de segurança, sistema de contratação irregular, entre outros. O
pesquisador ainda destaca que a negligência referente aos direitos legais do
trabalhador, como pagamento das férias e do 13º salário geram periculosidade ao
trabalhador, ocasionando o sofrimento. Desse modo, o autor afirma que as
características da instituição e das condições de trabalho que são oferecidas aos
trabalhadores influenciam a saúde física e psíquica dos mesmos, os riscos
aumentam de acordo com a falta de flexibilidade e condições inapropriadas do
trabalho.
Além da ausência de férias, as servidoras públicas reivindicam a remuneração
vigente na instituição:
“ (...) A questão do salário que eu acho que é um pouco defasado, eu não
falo nem pelo curso superior só, mas o nível médio é muito defasado, eu
fico vendo minha técnica mesmo, não é que a gente está menosprezando a
função de uma e outra, mas ela recebe o mesmo valor que o salario
mínimo, que é a mesma coisa que as ACS´s recebem, então, ela estudou,
80
ela pagou por este curso e não tem reconhecimento. Então, se começasse
por ai eu acho que já começaria com uma boa resposta e apoio também
ne?”. (Servidora 04).
“Eu acho que todo trabalhador merece ter um descanso, incentivo
financeiro, porque pelo que a gente faz e pelas coisas que a gente tem que
aguentar dos pacientes, acho que o salário da gente é muito pouco, aliás, já
foi aumentado, só que nós não recebemos até hoje, por lei, desde o ano
passado que eu fiquei sabendo e até hoje nós não recebemos, falaram que
vai ter uma prova, para fazer este aumento de salário, mas acho que tudo
isso é política, ainda mais que ano que vem vai ser ano político, ai eles
aumentam para fazer de conta que aprovou recente, mas a gente já sabe, a
gente assiste tv, tem até lugares aí que eles já estão recebendo o novo
salário e a gente nada”. (Servidora 02).
Na primeira narração, a servidora expõe a desvalorização com os profissionais de
nível técnico, o que demonstra uma defasagem administrativa da SMS em relação
ao plano de cargos e salários dos seus funcionários. Em concordância com o
primeiro, o segundo relato, evidencia a repulsa da servidora pública ao saber que
por lei o salário não é o adequado e por questões políticas a organização se
compromete a cumprir a legislação trabalhista, mas não executa o prometido da
maneira correta.
Dejours (2004) destaca que as pessoas executam suas atividades no trabalho, se
envolvem com a tarefa da organização de trabalho, mas, em troca, esperam uma
retribuição que pode ser, de forma material que representa o salário, as férias, as
gratificações, mas também pode assumir formas simbólicas, que representam o
reconhecimento no trabalho. O autor ainda destaca que, apesar da importância das
duas dimensões estarem alinhadas, a simbólica é considerada inestimável em
relação a material.
Em concordância com o exposto por Dejours (2004), os relatos a seguir expõem a
importância da retribuição simbólica no ambiente de trabalho:
“Eu acho que de apoio, eu não posso reclamar do meu gerente, porque
graças a Deus ele entende muito o nosso lado, mas a gente sabe que nem
sempre é assim, então se a gente tivesse uma gestão que trabalhasse com
a gente mesmo e caminharmos juntos ia dar mais resposta”.(Servidora 03).
“Os gerentes tentam fazer o máximo que podem para tentar ajudar a gente,
incentivando e tal, só que o administrativo lá em cima é que deixa a
desejar”. (Servidora 04).
81
As servidoras públicas descrevem como se sentem seguras e valorizadas pelo fato
de terem o apoio do gestor imediato, e ambas consideram a gestão administrativa
vigente da SMS ineficaz, o que interfere de maneira negativa nas atividades de
trabalho que são executadas pelas mesmas.
O trabalho representa uma relação com o outro, portanto, torna-se fundamental o
conceito de cooperação, no nível horizontal inclui o auxílio com os colegas e com a
equipe e o nível vertical são representados pelos superiores e subordinados. Nos
dois níveis, a cooperação é uma construção, na qual as pessoas envolvidas se
comprometem com o desempenho coletivo, na adaptação e no respeito às regras do
trabalho que exige dos trabalhadores demandas nos debates coletivos e exposição
ao olhar crítico dos outros. (DEJOURS, 2004). Barros (2007) corrobora com Dejours
(2004) e destaca que as relações sociais se tornam adequadas quando há
cooperação entre os trabalhadores e que a união do grupo concede superação de
bloqueios pessoais e no trabalho.
Neste mesmo contexto, Mendes (2007) baseada na teoria da Psicodinâmica do
Trabalho afirma que se torna possível para os trabalhadores vivenciar o prazer em
contextos laborais precários, desde que a instituição disponibilize aos seus
funcionários desenvolver três ações que são: a mobilização da inteligência prática, a
fala e a cooperação. A mobilização da inteligência prática funciona como um corte
entre o trabalho prescrito e o real; representa a ruptura das regras, e os
trabalhadores utilizam este recurso para minimizar o sofrimento e transformá-lo em
prazer. A segunda ação é representada pela fala, e ocorre no espaço público que é
construído pelos trabalhadores, no qual os mesmos podem expressar suas opiniões
contraditórias, crenças, desejos e experiências técnicas dentro do contexto laboral.
A última é nomeada de cooperação e caracteriza-se pela valorização e
reconhecimento de cada trabalhador na construção em equipe de um serviço ou
produto baseado na confiança e solidariedade entre os envolvidos.
Conclui-se que os itens necessários que as servidoras públicas consideram
essenciais para a garantia de uma saúde mental estabilizada são os aspectos que
lhes são assegurados pela legislação: a garantia dos direitos trabalhistas, tais
como, estabilidade e segurança no emprego, férias, 13º salário, a remuneração
condizente com o nível de estudo e das atividades executadas no trabalho e
82
o apoio da organização e dos gestores.
Dejours (1992) ressalta que os efeitos patogênicos das condições de trabalho
inadequadas são potencializados na medida em que ocorre o conflito entre a
estrutura psicossomática dos trabalhadores e a organização do trabalho. Este
bloqueio é considerado pelo autor uma das causas principais da doença somática.
Pode-se afirmar também, que ao identificar as atividades desenvolvidas pelos
sujeitos da pesquisa, não há nenhuma ligação entre os sintomas psíquicos de
sofrimento ou adoecimento mental citado pelas entrevistadas com as funções que as
mesmas exercem no trabalho, já que possuem cargos diferentes umas das outras.
83
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O
trabalho
desempenha
um
papel importante
na
vida
das pessoas e,
atualmente, tem-se consciência de que ele representa um conflito entre o mundo
objetivo e o mundo interno do trabalhador. Enquanto o mundo objetivo impõe
regras e desafios aos quais o trabalhador deve responder, o mundo interno do
trabalhador se refere às questões relacionadas à subjetividade humana, sua
singularidade e valores. Este confronto
pessoas
representa,
de
um
entre
lado,
o
mundo
oportunidade
do
trabalho
e
as
de
crescimento
e
desenvolvimento psicossocial do trabalhador e, de outro, a possibilidade de
ocorrer sofrimento, que pode culminar no adoecimento psíquico.
Logo, as
relações entre o trabalho e o sujeito representam um ambiente de multiplicidade
subjetiva e social.
Levando-se em conta a importância do trabalho na vida do homem e sua
contribuição para a construção da realidade psíquica, emocional e cognitiva, esta
dissertação analisa a influência das atividades laborais na constituição da
subjetividade humana. Nesse sentido, pode-se retomar Jardim e Lancman (2009)
que realçam o papel do trabalho na vida do homem, na medida em que contribui
para a construção da identidade, para a estruturação das relações sociais, para
definir o pertencimento a um grupo, e, sobretudo para a composição do sujeito.
Decorre desta importância do trabalho na vida humana o fato de que algumas vezes
as condições sob as quais o trabalho se realiza ou as relações que se estabelecem
no ambiente do trabalho podem constituir fatores capazes de causar sofrimento
ou até mesmo de adoecimento. O presente texto buscou identificar esses fatores e
relacioná-los a casos de adoecimento mental de profissionais que trabalhavam
numa secretaria municipal de saúde do estado de Minas Gerais no período de 2013
a 2015. Levou em conta, ainda, as características de personalidade
desses trabalhadores que foram sujeitos da pesquisa.
A perspectiva teórica adotada leva em consideração que só se pode obter
uma compreensão do sofrimento psíquico e, até mesmo, do adoecimento psíquico
do trabalhador mediante análise de sua história ocupacional, levando em
84
consideração suas particularidades, no âmbito psíquico, econômico e social.
Torna-se necessário, portanto, entender como o trabalho é organizado, de
que forma se estabelecem as relações interpessoais e o significado que o
trabalho tem para o sujeito, sem perder de vista as características da estrutura de
personalidade do trabalhador. Por este motivo, a abordagem teórica priorizada
neste estudo é a da Psicodinâmica do Trabalho, especialmente, a partir das
considerações feitas a partir de Christophe Dejours.
A pesquisa realizada para fundamentar a elaboração desta dissertação consistiu
num estudo de abordagem qualitativa, de caráter descritivo, constituído do estudo de
casos de adoecimento mental de trabalhadores que desenvolvem suas atividades
numa secretaria municipal de saúde de uma cidade do interior de Minas Gerais.
Embora a coleta de dados, feita a partir da realização de entrevistas individuais
busque na Psicologia fundamentos da abordagem e da interpretação das falas, a
análise dos resultados obtidos se apresenta como uma contribuição aos gestores,
especialmente aqueles que atuam em órgãos do serviço público. Esta justificativa
aponta a adequação do estudo feito às exigências de um Mestrado Profissional em
Administração, em que as pesquisas devem estar relacionadas ao mercado
de trabalho, onde ocorrem as questões
relacionadas ao trabalho
e ao
trabalhador e buscam sua inspiração nas ciências que oferecem suporte à
administração.
Os objetivos específicos definidos para a pesquisa foram os seguintes:
 Identificar as tarefas realizadas pelos sujeitos que têm manifestado adoecimento
mental.
 Caracterizar o processo de adoecimento desses profissionais, de acordo com o
prontuário dos mesmos.
 Identificar os fatores determinantes de adoecimento mental dos sujeitos
pesquisados, de acordo com a percepção deles.
Para o alcance do primeiro objetivo específico, foram identificadas, através das
entrevistas, as tarefas realizadas pelas servidoras públicas que manifestaram
sintomas psicopatológicos. Verificou-se que as queixas de sofrimento mental
registradas pelas servidoras não estão correlacionadas às tarefas laborais que
85
realizam na SMS, e sim às características da organização do trabalho na Secretaria.
Assim, mesmo as servidoras que exercem diferentes funções apresentam queixas
comuns relacionadas à organização do trabalho.
Através do relato das servidoras públicas e levando em conta o prontuário de cada
uma, ficou comprovado que nem todos os que apresentaram sintomas de sofrimento
psíquico podem ser considerados portadores de doenças mentais. Na verdade, o
adoecimento parece estar relacionado não apenas às condições laborais, mas
também à subjetividade de cada servidor.
Foram relatados sofrimentos, somatizações, insatisfações com a organização do
trabalho, sintomas psicopatológicos e até mesmo diagnósticos precisos que
sugeriram afastamento das atividades laborais em razão de adoecimento mental.
Percebe-se, contudo, que algumas servidoras, devido às suas características da
personalidade e à elaboração de sistemas defensivos eficazes, conseguem
transformar o sofrimento no trabalho em prazer, conforme foi exposto na teoria
dejouriana. Tal fato foi comprovado através do relato das oito servidoras públicas
entrevistadas, pois nem todas
adoeceram
mentalmente,
apesar
de
queixas
psicopatológicas estarem presentes em todos os relatos; muitas demonstraram
estar satisfeitas e realizadas com o trabalho. Isso justifica a ambivalência do
trabalho, que ao mesmo tempo em que pode ser promotor de saúde física e mental,
também pode causar adoecimentos e somatizações.
Vale
destacar
predomínio
de
que
os
resultados
sofrimento,
apesar
das
de
entrevistas
alguns
realizadas apontam
indicativos
de
o
prazer
relacionados ao fato de trabalharem na Secretaria Municipal de Saúde. A literatura
que justifica tal fato encontra-se em Dejours (1990, p.128) ao afirmar que “prazer e
sofrimento são vivências subjetivas, que implicam um ser de carne e um corpo onde
ele se exprime e experimenta (...), de forma que não pode ser, em nenhum caso, a
mesma de um sujeito para o outro”.
Para alcance do terceiro objetivo, foram identificados com unanimidade os aspectos
do trabalho que são relacionados ao adoecimento mental dos sujeitos pesquisados,
de acordo com a percepção deles. As causas de sofrimento e/ou adoecimento
mental estão correlacionadas ao que a organização de trabalho oferece e/ou deixa
86
de oferecer aos seus funcionários. Portanto, depende da organização do trabalho
disponibilizar aos seus trabalhadores um ambiente propício para a saúde mental
estável. Dentre os itens que as servidoras consideram essenciais, vale ressaltar a
garantia dos direitos trabalhistas, estabilidade e segurança no emprego, férias, 13º
salário, a remuneração adequada, amparo da organização e dos gestores e
principalmente o reconhecimento.
Até o momento da realização desta pesquisa, o ambiente de trabalho era
experimentado pela autora, que considera que apesar das características insalubres
que a organização de trabalho oferece aos seus servidores, muitos deles
conseguem evitar o adoecimento mental, devido ao reconhecimento que têm do seu
trabalho não por parte da organização, mas sim, pelos pacientes aos quais são
ofertados os serviços de saúde pública. Este reconhecimento contribui para dar
sentido ao trabalho que é realizado e favorece a motivação que impele o sujeito a
continuar exercendo um serviço de boa qualidade. Dessa maneira, o servidor
público sente-se valorizado e reconhecido pelo trabalho que realiza, mesmo que
este reconhecimento não seja originário da Secretaria Municipal de Saúde,
mas dos usuários do sistema de saúde.
Portanto, pode-se afirmar que o objetivo geral foi alcançado, tendo-se conseguido
realizar uma análise dos fatores determinantes de adoecimento mental de
profissionais que trabalham numa Secretaria Municipal de Saúde do estado de
Minas Gerais no período de 2013 a 2015.
Dentre os motivos que causam o adoecimento mental por parte das servidoras
públicas entrevistadas vale destacar a organização de trabalho, a falta de
reconhecimento da organização, a privação dos direitos trabalhistas, a falta de
transparência da organização que, privilegia os servidores efetivos em relação
aos contratados acresce a tudo isto a insegurança no trabalho, já que a indicação
dos servidores é pautada em indicações políticas e resulta num contrato de
trabalho com duração de um ano. O ambiente de trabalho apresenta, ainda,
características
insalubres,
além
da
falta
de
recursos
e
de incentivos,
pressão e sobrecarga no trabalho e retaliação aos trabalhadores que ficam de
licença ou pegam atestados por motivos de adoecimento mental.
87
Algumas servidoras expressaram a satisfação de trabalhar na área de saúde
pública, realçaram o apoio oferecido por alguns gerentes, o relacionamento
interpessoal satisfatório, o sentimento de utilidade derivado da avaliação feita pelos
colegas de trabalho e ainda o reconhecimento por parte dos usuários do sistema de
saúde oferecido SUS. Esses aspectos são pontos positivos percebidos pelos
sujeitos de pesquisa.
Vale destacar alguns aspectos perceptíveis além dos previstos nos objetivos geral
e específicos, como o que foi notado nos relatos das servidoras que comentaram
que ainda hoje prevalece o preconceito sobre o adoecimento mental. Nesse caso, o
afastamento de funcionários por este motivo constitui oportunidade para críticas,
comentários maldosos, ironia. Dejours (1992) afirma que apenas o sofrimento físico
é reconhecido, enquanto o mental, particularmente a ansiedade, não pode ser
elucidado no local de trabalho. Várias servidoras entrevistadas relataram o medo de
seguir o tratamento ou até mesmo de pegar os atestados médicos referentes a
doenças psicopatológicas.
A limitação principal desta pesquisa está relacionada ao fato de se tratar de um
estudo de alguns casos, baseado na análise de prontuários, de entrevistas e de
observação feita pela pesquisadora e tais técnicas impedem generalizações amplas.
Como pesquisas sugeridas, devem ser lembrados temas relacionados à gestão de
pessoal dentro das organizações públicas, visando ao bem-estar físico e emocional
de seus trabalhadores. Outra sugestão deve ser investigar a maneira de se evitar o
adoecimento mental dos trabalhadores, identificando técnicas que se adequem à
subjetividade do trabalhador, para evitar e/ou amenizar o sofrimento no ambiente de
trabalho. Também deve-se desenvolver pesquisas aplicadas, visando o uso da
Psicodinâmica do Trabalho nas organizações, com o objetivo de prevenir as
doenças mentais vinculadas ao trabalho, privilegiando a fala do trabalhador
mediante criação de espaço para sua expressão.
Conclui-se, portanto, a dualidade do trabalho; ao mesmo tempo em que pode ser
considerado como fonte de prazer, nele podem estar embutidas características que
causam sofrimento e/ou adoecimento nos trabalhadores. Frente aos resultados
obtidos desta pesquisa ficou claro que entre a organização do trabalho e o sujeito
88
existe uma multiplicidade de fatores que determinam a satisfação ou não no
ambiente laboral.
Para que o trabalho não se torne uma fonte geradora de sofrimento mental, o
mesmo deve representar para o sujeito possibilidades de realização profissional e
pessoal. A partir do momento em que o trabalho perde essas significações, quando
o trabalhador não visualiza um sentido para o trabalho, o mesmo compromete a
integridade da sua saúde física e mental. (DEJOURS,1992).
89
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(Orgs) et al. UCHIDA, Seiji. Organização do trabalho: Vivências de sofrimento e
prazer. In: MENDES, Ana Magnólia. Diálogos em psicodinâmica do trabalho.
Brasília: Paralelo 15, 2007. p.105-118.
VASCONCELOS, Amanda; FARIA, José Henrique de. Saúde mental no trabalho:
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2008.
VERGARA, Sylvia Constant. Projetos e relatórios de pesquisa em administração.
13. ed. São Paulo: Atlas, 2011.
YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 4. ed. Porto Alegre:
Bookman, 2010.
94
6 PRODUTO TÉCNICO
ORIENTAÇÕES PARA GESTÃO DE SETORES
DE ATENDIMENTO À SAÚDE
A partir dos resultados obtidos na pesquisa realizada sobre Adoecimento mental no
trabalho: Estudo de caso numa Secretaria de Saúde de Minas Gerais, foram
identificadas ações que podem prevenir adoecimento de profissionais que
trabalham no atendimento à saúde:

Apresentar um quadro definido de pessoal, de modo que as funções sejam
claramente definidas e informem ao funcionário os seus deveres e os seus
direitos no exercício de suas atividades.

Adotar um processo de seleção e admissão de pessoal marcado pela justiça
e pelo mérito e que evite a influência de indicações políticas.

Resguardar os direitos trabalhistas dos funcionários, mediante respeito à
legislação pertinente e sem o recurso de coações indevidas.

Evitar a transitoriedade no exercício dos cargos, o que tende a gerar
insegurança e falta de estabilidade.

Investir em treinamentos/ capacitações aos gerentes para que possam ser
adotadas medidas próprias de uma gestão mais humanizada;

Proporcionar atendimento médico e psicológico aos funcionários sempre que
solicitado por eles.

Acompanhamento frequente dos servidores, mediante criação do "espaço da
fala" na organização, para a expressão do sentimento de mal estar no
trabalho, sobrecarga, conflitos e insatisfações em geral.

Expressar a valorização do servidor público, proporcionando benefícios não
ligados diretamente à remuneração: divulgação de datas significativas como
aniversários, nascimento de filhos, casamento de familiares próximos e,
sempre que possível, associar tais eventos a dispensa de atividades laborais.

Criar oportunidade de expressar o reconhecimento da organização em
função das metas definidas e alcançadas.
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APÊNDICES
APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA
Dados de identificação do entrevistado
Sujeito no.
Idade:
Sexo:
Escolaridade:
Cargo ocupado:
Tempo de trabalho na organização:
Perguntas
1. Qual a importância que este trabalho tem para você?
2. Procure me falar sobre sua atividade no trabalho que faz.
3. Me conte um pouco sobre a sua trajetória e desafios enfrentados aqui na SMS.
4. Como você percebeu alterações no seu estado de saúde decorrente de atividades
realizadas no trabalho? O que aconteceu?
5. O que aconteceu no trabalho que te levou ao adoecimento mental?
6. Você se lembra de qual foi o diagnóstico quando foi afastado (a)? Como foi
tratado (a)? Procurou ajuda especializada? (Clínica, psicológica ou psiquiátrica)
Tomou remédios? Quais?
7. Como a rotina de trabalho pode influenciar no adoecimento do funcionário?
8. Você tem sugestões para tornar o trabalho aqui na SMS mais agradável? Para
evitar o adoecimento dos funcionários?
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APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Prezada participante,
Você está sendo convidada para participar da pesquisa sobre Adoecimento Mental
no Trabalho: Estudo de casos. Desenvolvida por Lísia Marina Magalhães Macedo,
discente de Mestrado Profissional em Administração do Centro Universitário UNA
sob orientação da professora Dra. Íris Barbosa Goulart.
O objetivo central do estudo é analisar fatores determinantes de adoecimento mental
de profissionais contratados para uma Secretaria Municipal de Saúde. Para sua
realização serão feitas entrevistas com oito servidores públicos da Secretaria
Municipal de Saúde que se encontram estressados, insatisfeitos com o trabalho e
apresentam características depressivas ou de outras patologias de saúde mental
decorrente das atividades laborais.
Sua participação não é obrigatória e você tem plena autonomia para decidir se quer
ou não participar, bem como retirar sua participação a qualquer momento, sem
penalizações. Sempre que quiser poderá pedir mais informações sobre a pesquisa
através do telefone da pesquisadora do projeto e, se necessário através do telefone
do Comitê de Ética em Pesquisa.
A sua participação consistirá em responder perguntas de um roteiro de entrevista à
pesquisadora do projeto. A entrevista somente será gravada se houver autorização
da entrevistada. O tempo de duração da entrevista é de aproximadamente trinta
minutos. As entrevistas serão transcritas e armazenadas, em arquivos digitais, mas
somente terão acesso às mesmas a pesquisadora e sua orientadora.
A participação nesta pesquisa não traz complicações legais. Em casos de
constrangimentos durante a entrevista, como, por exemplo, alterações do estado
emocional da entrevistada, a pesquisadora irá adotar medidas através do diálogo
para minimizar os danos e, caso verifique a necessidade, a entrevistada será
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encaminhada para acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico no Centro de
Saúde de Referência. Serão garantidas a confidencialidade e a privacidade das
informações prestadas. Os procedimentos adotados nesta pesquisa obedecem aos
Critérios da Ética em Pesquisa com Seres Humanos conforme Resolução no.
466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.
Ao participar desta pesquisa, você não terá nenhum benefício direto. Entretanto,
acredito que este estudo irá contribuir para que sejam adotadas medidas de
prevenção e manutenção da saúde mental equilibrada dos servidores públicos. Os
resultados obtidos serão divulgados.
Você não terá nenhum tipo de despesa para participar desta pesquisa, bem como
nada será pago por sua participação.
Após estes esclarecimentos, solicito o seu consentimento de forma livre para
participar desta pesquisa. Portanto preencha, por favor, os itens que seguem.
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Consentimento Livre e Esclarecido
Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, de forma livre e esclarecida,
manifesto meu consentimento em participar da pesquisa. Declaro que recebi cópia
deste termo de consentimento, e autorizo a realização da pesquisa e a divulgação
dos dados obtidos neste estudo.
________________________________________________________________
Nome e assinatura do Participante da Pesquisa
________________________________________________________________
Assinatura da Pesquisadora
________________________________________________________________
Assinatura da Orientadora
Dados da pesquisadora:
Lísia Marina Magalhães Macedo
Rua Avelino Macedo, 559 – São Geraldo - Sete Lagoas – MG. CEP: 35700-202
(31) 9905- 3439
[email protected]
Centro Universitário UNA
Comitê de Ética em Pesquisa– CEP
Rua dos Guajajaras, 175 – 4º andar – Centro – Belo Horizonte/MG. CEP: 30180-100
(031) 3508 – 9136
[email protected]
Adaptado pelos modelos de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido disponível
em:
http://www.una.br/images_anima/pdf/doc6.doc
http://www.ensp.fiocruz.br/etica
http://www.fumec.br/anexos/pesquisa/roteiro_basico_TCLE.pdf
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ANEXO
ANEXO A- Carta de aprovação do projeto de pesquisa, emitida pelo Comitê de
Ética
CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA / MG
PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP
DADOS DO PROJETO DE PESQUISA
Título da Pesquisa: ADOE CI MENT O MENT AL NO T RAB ALHO: EST UDOS DE CASOS
NUMA SECRET ARI A DE SAÚDE DE MINAS GERAI S
Pesquisador: Lísia Marina Magalhães Macedo
Área Temática:
Versão: 1
CAAE: 46505015.8.0000.5098
Instituição Proponente: Centro Universitário UNA
Patrocinador Principal: Financiamento Próprio
DADOS DO PARECER
Número do Parecer: 1.141.262
Data da Relatoria: 07/07/2015
Apresentação do Projeto:
O propósito da pesquisa é analisar os fatores determinantes de adoecimento mental de profissionais
contratados para uma Secretaria Municipal de Saúde. Será realizado uma entrevista semiestruturada com 8
servidores públicos contratados pela Secretaria Municipal de Saúde que apresentam como características o
fato de serem depressivos, estressados, insatisfeitos com o trabalho e/ou poli- queixosos. A pesquisadora
atua como psicóloga em oito ESF´s – Estratégia de Saúde da Família e selecionou esses colegas de
trabalho porque além de representarem as características citadas, trabalham em postos de saúde de áreas
divergentes. Não houve nenhum critério de seleção referente à idade, sexo, estado civil, escolaridade e
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exercício de algum cargo. As entrevistas serão realizadas individualmente no próprio ambiente de
trabalho. Inicialmente, será feita pela autora uma breve exposição sobre o tema a ser pesquisado e
estabelecido um rapport, para que os entrevistados se sintam mais à vontade. A coleta de dados por
entrevista será gravada, com vista a garantir a fidelidade das respostas. Posteriormente, as entrevistas serão
transcritas e validadas com cada sujeito entrevistado. Será assegurado aos entrevistados o sigilo com
relação à sua identidade. Trata-se de pesquisa qualitativa que pretende utilizar o Estudo de Caso.
Endereço: Rua dos Guajajaras, 175
Bairro: Centro
UF: MG
CEP: 30.180-100 Município: BELO HORIZONTE
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