SAÚDE MENTAL: UMA ANÁLISE DOS DIREITOS HUMANOS Oliveira, Jeferson Hugo1 Pereira, Rosangela Aparecida 2 Eixo 03: Eficiência e eficácia de políticas sociais. RESUMO: O presente escrito tem por finalidade versar sobre os principais aspectos de discrepâncias existentes entre o oque se refere ao usuário de Saúde Mental na garantia de seus direitos em relação ao que preconiza os Direitos Humanos fundamentado pela Organização das Nações Unidas, cabendo ainda ter como referência outros dispositivos legais como, por exemplo, leis que regem especificamente o setor Saúde Mental em relação aos seus usuários. Dessa forma, também se fez necessário um ligeiro apanhado histórico a cerca do que é loucura, para que a partir de tal entendimento possa ser possível ter uma compreensão sobre os pontos de convergências e de discrepâncias no que se refere em Direitos Humanos versus Saúde Mental e seus usuários. Assim sendo, como nossa contemporaneidade é caracterizada por serem predominantemente capitalista, bem como permeada pelo mundo do trabalho, faz necessário o seguinte questionamento: como o usuário de saúde mental pode ser reinserido socialmente frete a uma sociedade capitalista que preconiza o consumismo e comercialização de mão de obra especializada? Dessa maneira, é perceptível que de fato o paciente de Saúde Mental, na prática, acaba sendo excluído do mundo do trabalho e consequentemente ficando as margens da sociedade. PALAVRAS-CHAVE: Direitos Humanos, Saúde Mental, Exclusão Social. INTRODUÇÃO A necessidade de compreender a dinâmica da garantia de direitos humanos em saúde mental fez-se necessário o estudo bibliográfico para as 1 Acadêmico de Psicologia 5º período na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR,Toledo). Contatos: Fone (45) 98017209, e-mail: [email protected]. 2 Assistente Social pela Faculdade ITECNE Cascavel (2013) Aluna especial do Programa de Pós Graduação strictu sensu em Serviço Social, nível mestrado da UNIOESTE campus Toledo. Pós-Graduanda em Gestão Social: Abordagem técnico-operativa para o trabalho social, pela Faculdades ITECNE Cascavel. Atua na área de Saúde Mental do Município de Toledo- PR, junto ao Centro de Atenção Psicossocial- CAPS II Contato: [email protected], Fone (45) 99344182. 2 respostas imediatas da garantia, acessibilidade do sujeito portador de transtorno mental na sociedade que durante séculos vem perdurando a exclusão da loucura em naus de loucos, “naus” ideológicas, assim eximindo o direito a cidadania, ou seja, o direito humano de ser socialmente aceito em sociedade e na gênese familiar, mas a realidade segue o viés da exclusão social do desconhecimento da doença do medo, perfazendo um campo de não acesso, ou uma barreira latente por desconhecer o processo saúde-doença que ocorre simultaneamente na sociedade e no orgânico, como Caigawa (2003, p.56) relata que: O indivíduo ao adoecer está sempre sob a influência de vários aspectos de ordem emocional, psíquica, social e até mesmo espiritual. A peculiar combinação e atuação destes fatores sobre a saúde é e sempre será uma manifestação única e individual, o que significa que o organismo de cada indivíduo reagirá de forma exclusiva diante dos estímulos ou impactos relativamente iguais para cada um destes aspectos. Dessa maneira, o ser social é circundado de fatores estressores pré disponentes para desencadear o transtorno mental, ressaltando a acessibilidade aos direitos humanos e a sociabilidade uma vez, que “o ser humano é um ser social. A necessidade de coesão social, ou melhor, a necessidade de relações sociais afetuosas, asseguradores e empáticas é o que permite ao indivíduo sentir-se apoiado e estimulado a afirmar sua individualidade” (CAIGAWA, 2003, p.56), ou seja, sendo assistido na sua particularidade social e de adoecimento com informações e o acesso à rede de atendimento para assim ser reinserido e minimizar as lacunas da exclusão social. 1. BREVE HISTÓRICO DA SAÚDE MENTAL: DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA A loucura vem sendo tratada a séculos com descriminação, repressão, esquecimentos e afastamento da sociedade, pois de acordo com Foulcault 3 (1987,p.31) “[...] pensar que velhas crenças, ou apreensões próprias do mundo burguês, fecham os alienados numa definição de loucura que os assimila confusamente aos criminosos ou a toda classe misturada dos a-sociais”. Dessa maneira, os séculos de exclusão/ocultamento da loucura pela sociedade e familiares em hospícios, porões, ruas e navios de loucos reforçam a separação da sociedade sã, dos insanos e criminosos. Contudo, perdura-se séculos para a “volta para casa” dos doentes mentais, com a Reforma Psiquiátrica e a desospitalização, devolveu a cidadania para o sujeito de estar na sua gênese, donde é “[...] eregido à condição de um dos mais altos valores da sociedade” (MARTINEZ, 1996, p.6). Porém, os familiares e o meio social estão encarcerados pelo pré-conceito diante do transtorno mental que amedronta e causa repulsa tanto familiar quanto pelas diferentes atitudes do ser social em sofrimento mental, essas atitudes encapsuladas na sociedade capitalista “sã” “[...] diminuem as condições de cidadania, produzindo resultados concretos na forma de desemprego, trabalhos mais penosos e degradantes, salários mais baixos, e menos oportunidades de ascenção social” (MARTINEZ,1996, p.55). Pois cabe salientar que, a experiência de forma imediata se dá através da vivência grupal, assim sendo Lapassade (1989, p.35) teoriza que tal entendimento ocorre da seguinte maneira: [...] família, a classe, os amigos. No trabalho, o horizonte imediato da experiência é sempre constituído por grupos: é a equipe na empresa, é o grupo sindical. Mas logo, nessas organizações, aparece rapidamente um novo elemento; o grupo é aprisionado em um sistema institucional: a organização da Empresa, da Universidade. Nesse nível, distancia-se a possibilidade de ação direta sobre as decisões: tenho subitamente o sentimento de uma impotência, e parece-me que as decisões são, com frequência, tomadas em outro lugar, sem que eu seja consultado [...] Assim que uma sociedade se organiza – e ela deve, necessariamente, organizar-se – os homens deixam de participar das decisões essenciais, e descobrem que estão separados dos diferentes sistemas de poder. Diante disso, as desigualdades sociais aparecem na esfera socioeconômico, na acessibilidade a seus direitos o desconhecimento do “ser” em sociedade de maneira coletiva e singular, uma vez que o individuo social é 4 ao mesmo tempo enquanto ser social, um ser genérico e uma expressão singular, ocorrendo a “[...] reprodução da totalidade racial se faz de modo que o indivíduo reproduza a si mesmo como singularidade” (BARROCO, 2010, p.32). Assim sendo, o papel das unidades alternativas (Centro de Atenção Psicossocial) é o de reinserção social pautado no indivíduo e sociedade ressalvando que o ser social é parte integrante da sociedade/família em todos os seus contextos de historicidade e a desinstitucionalização realmente teve como enfoque a ressocialização, mas a realidade encontrada foi a de exclusão social por desconhecer o sofrimento psíquico como sendo transitório de crises e inércias do quadro clínico. Mas, como inserir o portador de transtorno mental perante o que preconiza os Direitos Humano? 2. DIREITOS HUMANOS: E SOCIABILIDADE Quando se fala em direitos humanos, crê-se em um direito alheio dos preconizados, no entanto perpassam os direitos fundamentais e sociais de acesso à sociedade e seus direitos enquanto ser social e coletivo. Partindo desse pressuposto, Carvalho (1998, p.47), postula que: Dizem-se humanos os direitos que o indivíduo é titular só pela razão básica de pertencer ao gênero humano. Esses direitos referem-se a faculdades naturais [...] considerando o ser humano indiscriminável, sob qualquer consideração. Esses direitos são imprescindíveis à sua segurança pessoal servindo ao seu sadio desenvolvimento no meio social em que vive [...] na valoração dos direitos humanos, não é lícito cogitar-se de condicionamento algum (raça, cor, sexo, idade, religião, cultura, classe social etc.) Ao Estado cabe [...] cuidar e defender esses direitos que são respeitados em qualquer regime estatal onde impere a liberdade democrática representativa. Dessa forma, não há diferenciação entre o ser social saudável mentalmente do acometido de sofrimento mental, porém o que se nota é a exclusão oficializada, a dificuldade de acesso a seus direitos por não ter uma “doença aparente” perceptível no corpo anatômico, e sim intrínseca a psique humana. 5 Portanto, o direito de ser livre recai sobre a desconfiança familiar e o medo societário que exime os diferentes e solidifica a aparência do “correto” sem doença e produzindo socialmente, pois essa concepção de homem saudável e feliz vai de encontro ao que postula Sanchez (2002, p.159): [...] numa sociedade na qual domina a propriedade privada e na qual o homem vale, antes de tudo, não pelo que é, mas pelo que possui, a felicidade se resume na posse de bens materiais e, particularmente, na aquisição daquilo que tem o poder de adquirir todos os objetos e de emprestar a seu possuidor um verdadeiro ser, ou seja: o dinheiro. Numa sociedade assim, constituída, a felicidade se resume, portanto, na satisfação do “espírito de posse”, na propriedade do dinheiro, e nela o homem rico, em sentido material, será feliz, ao passo que o pobre, o que não tem posses, será infeliz. Nesse sentido, a existência do indivíduo em quanto ser social é perpassada pelo mundo do trabalho em que segundo Fialho (2006, p.31) [...] “o trabalho é a atividade do homem que propicia o seu desenvolvimento através dos tempo”, assim efetiva-se a coesão social do doente mental frente a escassez de trabalho (exército de reserva) e valores burgueses de dignidade (trabalho). Essa dicotomia remete-se a questão de uma vez adoecido por crises severas e afastado do trabalho o sujeito enquanto ser social perde parte de sua existência, pois não colabora com a manutenção de um sistema socioeconômico que visa a produção de bens através da força de trabalho, bem como ao consumismo que refuta segundo Lindstron (2009, p.101) a sensação de consumir trás a percepção de “[...] pertencimento influência profundamente nosso comportamento”, propiciando o bem estar social e o pertencimento ao núcleo de capital que todos estão inseridos, mas o sujeito “não se restringe à instância econômica” (BISNETO, 2009, p.68), porém quando esbarra no adoecimento mental são várias as lacunas enfrentadas pela condição de ser social acometido de anormalidades e em fase de ressocialização consigo e com o meio. Também torna-se interessante ressaltar que, a concepção de normal e anormal é algo constituído historicamente , pois ao lançar um olhar sob o passado da humanidade será possível de verificar que muitas formas de ser e 6 de agir eram considerados não saudáveis tendo em vista o meio social circundante e o momento histórico no qual o indivíduo desvelava seu comportamento (FOUCALT, 2002). Assim o estigma intrínseco no adoecimento mental acarreta a “perda da cidadania” do auto reconhecimento de si, pois, O estigma a que está sujeito o portadores de sofrimentos mentais é uma alienação social; a sociedade burguesa se aproveita dos problemas mentais para criar uma ‘indústria da loucura’; a saúde é desapropriada dos sujeitos, pois é reificada em valor de troca: o pobre vende a sua boa disposição física e mental pelo salário, enquanto o rico a desfruta como valor de uso (BISNETO, 2009, p.169-170). Assim sendo, a relação homem e sociedade está aos poucos se esvaindo na não cidadania, que Martinez (1996, p.52), ressalta que, “os valores da cidadania que hoje se consideram desrespeitados e até mesmo amaçados possuem, em geral, raízes muito profundas na formação histórica da sociedade brasileira” culminando no ocultamento social dos sujeitos através da exclusão social, assim os direitos humanos perpassam pela cidadania que de acordo com Martinez (1996, p.24) não é a nível de “eu” mas de coletivo, portanto o adoecimento mental não pode ser o empecilho para a participação cidadã, uma vez que a cidadania, não pode ser entendida como uma condição estática, definitiva e acabada, pois ela só se realiza na dinâmica, no processo contínuo de conquista e defesa, construção e expansão, tanto no campo do direito quanto no das condições concretas de existência, no plano ético e cultural, no interesse individual e no coletivo. Portanto, a cidadania se efetiva pala participação(que supõe o dever de contribuir para o bem comum), além do usufruto de direitos individuais e sociais. Contudo, o adoecimento psíquico frente à sociedade leva ao desconhecimento de si, ou seja, “ a subjetividade do homem cria um mundo objetivo, e é a objetividade que permite a condição humana de existência” (FIALHO, 2006, p.24), assim, a subjetividade é a mola propulsora da efetivação dos direitos humanos do objetivo para o subjetivo que transcende “[..] uma 7 necessidade artificial criada pela condição humana” (idem, p.25), que permeia a construção social com vistas “a participação ativa dos cidadãos nos processos políticos, sociais e comunitários configura-se numa participação cidadã e tem como objetivo influenciar, as decisões que comtemplem os interesses sociais e o exercício da cidadania” (AMORIM, 2006, p.46), cidadania essa tolhida pelo adoecimento mental que dificulta o acesso aos direitos sociais preconizado pela Constituição Federal de 1988 no artigo 6º como sendo “[...] direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a seguranças, a previdência social a proteção maternidade e à infância, assistência aos desamparados,[...]” (BRASIL, 2008, p.22), porém pouco acessado pela população empobrecida com transtorno mental. Em contraponto a lei 10.216 de 2001 preconiza o acesso à saúde mental de forma integral e socialmente reconhecido pela sociedade e família o artigo 2º dispõe o direito ao atendimento integral dos casos graves em sofrimento psíquico em seu paragrafo único salienta, São direitos da pessoa portadora de transtorno mental: I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades; II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade; III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração; IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas; V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária; VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis; VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento; VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis; IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental. (BRASIL, 2001, p.1) Face essas garantias de direitos, decorre da ideologia de garantir, mas a ideologia advém segundo Cunha (2009, p. 236) de “[...] um discurso racional de uma parte da sociedade defendendo uma forma de organização para todo o social”, de acordo com a UNESCO o direito humano é o “[...] reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus 8 direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo” (BRASIL, 1998, p.2), dessa maneira as filas exacerbadas de espera por atendimentos terapêuticos perfazem a realidade de muitas unidades alternativas de saúde mental, no entanto as renques são “[...] limites sociais impostos pela sociedade burguesa [...]” (BISNETO, 2009, p.170) que remetem as margens sociais os empobrecidos em sofrimento psíquico com o mínimo de acesso para o equilíbrio da doença, oficializando a exclusão social , de certo que os centros de atenção psicossocial vem ao encontro da ressocialização advindo a “[...] necessidade de que os usuários vivam na comunidade, no território como qualquer cidadão, [...] ‘reabilitação psicossocial’ ou ‘inclusão social’ como meta do cuidado para os portadores de sofrimento mental” (RABELO, 2006, p.4) recai a perspectiva de reabilitar o ser social, mas a sociedade também tem de se readequar as diferenças sociais existentes na cotidianidade, mas a finalidade de reabilitar recai ao “[...] capitalismo tardio também tenta desvalorizar socialmente, num processo de desabilitação versus resistência, tanto o portador de transtornos mentais quanto os profissionais”(BISNETO, 2009, p.186-187) Diante desse paradoxo, a ressocialização perfaz a identificação do ser social como integrante da sociedade e do “eu” no reconhecimento de seus direitos e acessibilidade a qualquer momento de acordo com Sassaki (1997, p.40) “para incluir todas as pessoas, a sociedade deve ser modificada a partir do entendimento de que ela é que precisa ser capaz de entender as necessidades de seus membros” que cotidianamente acessam as portas da saúde, assistência social, previdência social entre outros, sendo cidadãos como qualquer outrem como garante a Declaração Universal dos direitos Humanos em seu artigo III “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (BRASIL, 2000, p.4). CONSIDERAÇÕES FINAIS Destarte, evidencia-se a dificuldade em acessar os direitos humanos em uma sociedade capitalista excludente que faz a separação social e o desconhecendo como “[...] resultado da integração do corpo físico/ biológico, mental, emocional e espiritual, bem como fruto das relações de troca 9 estabelecidas com seu meio ambiente familiar e social” (CAIGAWA, 2003, p.56), assim a exclusão social oficializada pelo desconhecimento do ser social acometido de transtorno mental resposta as naus ideológicas de separação e inacessibilidade aos direitos humanos e sociais rechaçando a cidadania a uma reinserção utópica de inserir por inserir, não de efetivar a cidadania intrínseca em estar em sociedade e exercendo atividades como cidadão adoecido mentalmente. REFERÊNCIAS AMORIM, Maria Salete Souza de. 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