Estudos recentes nos diversos campos de conhecimento buscam

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Saúde Mental e Trabalho:
Breves considerações
Juliana Moretti1
Ana Lúcia Murta2
Introdução
O trabalho vem sendo reconhecido como importante instância na patogenia, no
desencadeamento e na evolução dos distúrbios psíquicos.
O campo de pesquisa na área da saúde mental e trabalho é essencialmente
interdisciplinar. Sociologia, medicina, psicologia, ergonomia, engenharia, direito, entre
outras se encontram na tentativa de produzir uma resposta a crescente demanda, por parte
dos trabalhadores, a respeito dos diversos quadros de adoecimento
encontrados nos
diferentes setores produtivos.
Antes de especificarmos os principais quadros clínicos encontrados na categoria dos
trabalhadores em teleatendimento, citaremos três autores. A produção teórica deles aponta
para o trabalho como fator importante no processo de adoecimento e de sofrimento nos
trabalhadores.
Contexto
Estudos recentes nos diversos campos teóricos buscam estabelecer uma conexão
entre trabalho e adoecimento. Lima( 1998) em seu artigo “A Psicopatologia do Trabalho”3,
fez um breve histórico do campo da saúde mental e trabalho resgatando as idéias centrais
dos principais autores da área. Podemos destacar: Paul Sivadon que empregou pela
primeira vez o termo ‘Psicopatologia do trabalho’, Louis Le Guillant conhecido por seus
trabalhos sobre as empregadas domésticas e as telefonistas, e mais recentemente, Dejours
que fundou a ‘Psicodinâmica do trabalho’.
“O movimento liderado por alguns psiquiatras franceses e que adquiriu maior
importância nos anos 50, no período efervescente do pós-guerra, teve alguns antecedentes
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Psicóloga do Departamento de Saúde do SINTTEL-MG
Médica do Trabalho, assessora técnica da Diretoria da Saúde do SINTTEL-MG
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LIMA, Maria Elizabeth Antunes. A Psicopatologia do Trabalho, Revista: Psicologia, Ciência e Profissão,
1998, 18(2) 10-15
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importantes: a modernização crescente da industria francesa ( baseada nas tentativas de
racionalização e de aumento da produtividade) desde a I Guerra Mundial, a criação de
políticas de prevenção no campo da saúde e de um conjunto de medidas destinadas à
promoção de uma higiene social, a consolidação do trabalho como um campo de estudo a
partir da contribuição de uma vasta gama de disciplinas : a sociologia empírica, a
sociologia das organizações, as ciências de gestão, a psicotécnica, a psicofisiologia do
trabalho, a psicologia do trabalho, a medicina do trabalho, a ergonomia, etc. É importante
assinalar também a transformação da psiquiatria no período entre as duas grandes
guerras, após o seu encontro com a Psicanálise, dividindo-se entre aqueles que aderiam os
que criticaram a incorporação da teoria freudiana à prática psiquiátrica.”4
Paul Sivadon( 1952) voltou seus estudos para a importância do trabalho como fator
de integração social. Fundador da ergoterapia, percorreu “todo o caminho que vai do
trabalho como fonte de crescimento e evolução do psiquismo humano até certas formas
perversas de organização da atividade laboral, gerando pressões e conflitos insuperáveis e
possibilitando a emergência da doença mental.5” Sua perspectiva teórica tinha como
principal eixo a tentativa de conciliar concepções organicista e dinâmica da doença mental.
Porém o caracter abstrato de suas explicações mostraram que ele não foi bem sucedido
nessa tentativa.
Le Guillant( 1956) foi integrante da psiquiatria social francesa. Ele propôs em seus
trabalhos “um esboço de uma psicopatologia social, isto é, tenta verificar o papel do meio
no surgimento e no desaparecimento dos distúrbios mentais. Em outras palavras, apesar
de não negar a presença de fatores orgânicos e psíquicos no adoecimento, ele busca nas
transformações sócio-históricas os elementos essenciais para compreender a gênese das
doenças mentais.6” O método de pesquisa adotado por Le Guillant era um constante ir e vir
entre dados qualitativos e quantitativos, entre a história de vida do sujeito e os dados
empíricos sobre a situação do trabalho, incluindo o contexto social. Desta forma, esse autor
procurou estabelecer uma abordagem mais ampla do processo de adoecimento mental,
considerando todas as variáveis que pudessem estar envolvidas. “Ele admite a relação
entre certos distúrbios psíquicos e certas situações de trabalho, apesar de constatar a
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Idem
Idem
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grande dificuldade de se compreender concretamente como se dá a passagem entre um
situação vivida e uma desordem de espírito.7” Cabe ressaltar a atualidade e pertinência de
muitos de seus trabalhos, mesmo passados mais de quarenta anos da data de publicação de
algumas de suas obras.
Dejours começou suas atividades na França em meados de 68 e continua
produzindo até hoje. Suas duas principais obras são : A loucura do trabalho – estudo de
psicopatologia do trabalho ( 1992) e Psicodinâmica do Trabalho – contribuições da escola
Dejouriana à análise da Relação Prazer, sofrimento e Trabalho. “Para esse autor, o objeto
de estudo da Psicopatologia do Trabalho é, acima de tudo, o sofrimento (....) mas trata-se
também de realizar uma análise que abrirá possibilidades de transformação dessa
realidade.(...) Segundo Dejours, o grande enigma para a Psicopatologia do Trabalho não é
a doença mental e sim a normalidade, isto é, o que importa realmente é compreender as
estratégias defensivas ( individuais e/ou coletivas) adotas pelos trabalhadores com a
finalidade de evitar a doença e preservar ainda que precariamente seu equilíbrio
psíquico.8” O principal instrumento metodológico adotado por ele é a analise do discurso
dos trabalhadores sobre a realidade do trabalho. A mudança se processa na medida que o
trabalhador encontra novas formas de significar o trabalho.
Outra corrente importante nesse campo é a teoria sobre o stress. O referencial básico
vinculado a este modelo provem das formulações de Selye ( 1936), endocrinologista
canadense. Diversos desenvolvimentos originaram modelos mais complexos do que
originalmente formulado dentro dessa corrente: estresse fisiológico, o “ esgotamento
mental” ( burn-out), o estresse sociológico e o estresse psicológico de enfoque cognitivista.
Lazarus & Folkman ( 1984) definem o estresse como uma relação particular entre a pessoa
e o ambiente, que é avaliada pela pessoa como sobrecarregando ou excedendo seus recursos
e ameaçando seu bem-estar. Uma das críticas apresentadas a este modelo é a de que grande
partes dos estudos efetuados se vincula a uma concepção de normalidade em que os
parâmetros para um “comportamento desejável” – e portanto designado como normalrepresentam em verdade interesses dos donos do poder e da produção. Assim, também as
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Idem
LIMA, Maria Elizabeth Antunes. A Psicopatologia do Trabalho, Revista: Psicologia, Ciência e Profissão,
1998, 18(2) 10-15
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práticas clínicas vinculadas à aceitação deste modelo, seriam terapias voltadas para adaptar
os indivíduos a um trabalho inadequado à condição humana.
Fica evidente que campo teórico e prático da saúde mental possui várias vertentes
metodológicas. Porém todas elas convergem, na medida que consideram o trabalho como
categoria principal na análise do adoecimento mental e do sofrimento dos trabalhadores.
No dia a dia do departamento de saúde do SINTTEL-MG recebemos um grande
número de trabalhadores apresentando diversos quadros de adoecimento, tanto físico como
mental, resultado da organização do trabalho a qual eles estão expostos . Nesse sentido
preferimos considerar que o indivíduo deve ser entendido na sua totalidade ( psico-fisicosocial). Assim concordamos com Le Guillant e sua metodologia de pesquisa que leva em
conta todos os dados presentes, e que busca integra-los na tentativa de produzir uma saber
mais coerente e abrangente.
Dados Estatísticos
Barreto ( 2001) fez um levantamento epidemiológico e constatou que no período de
1986 a 1997, 37% das aposentadorias por invalidez na Telemig referiam-se a doenças
mentais ( psicose, neurose e alcoolismo). Neste mesmo período forma afastados 1.931
empregados por licenças psiquiátricas: neurose e psicose, sendo que as telefonistas ( 20%)
ficaram em primeiro lugar e os atendentes em segundo lugar9.
Desde 1998 o SINTTEL-MG não vem recebendo dados estatísticos sobre licenças
médicas das empresas filiadas. Porém, entre 1993 e 1997, o quadro clínico depressão foi,
sistematicamente, o principal motivo das licenças superiores a 15 dias, concedidas aos
funcionários da antiga Telemig. A vasta literatura presente nesse campo junto com os casos
atendidos pelo Departamento de Saúde do SINTTEL-MG, nos levou a considerar as
categorias que serão citadas do CID-10( Classificação estatística Internacional de Doenças
e Problemas relacionados à saúde e Classificação de transtornos Mentais e de
comportamento)
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como mais freqüentes nos trabalhadores de teleatendimento. Cabe
BARRETO, F.L O sofrimento psíquico e o Processo de produção no setor de telefonia: tentativa de
compreensão de uma atividade com caracter patogênico. Tese de mestrado. UFMG, Belo Horizonte,2001
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ressaltar que o CID-10
como instrumento de padronização e
de classificação dos
transtornos mentais e de comportamento , reconhecido internacionalmente, apresenta uma
desvantagem: desconsidera todos os estudos já realizados no campo da saúde mental e
trabalho. Ele não considera o trabalho como categoria de análise fundamental no processo
de adoecimento. Porém qualquer classificação “ é um modo de ver o mundo de um ponto
no tempo. Não há dúvida de que o progresso científico e a experiência com o uso dessas
diretrizes( CID-10) irão requer suas revisões e atualizações.”10
Já a Previdência Social no decreto nº 3.048 de 06 de maio de 1999 coloca no anexo
II dos agentes patogênicos causadores de doenças profissionais ou do trabalho, conforma
previsto no art.20 da lei nº8.213, de 1991, na parte Transtornos mentais e do
comportamento relacionados com trabalho ( grupo V da CID-10) no item X: Outros
transtornos neuróticos especificados, inclui a “neurose profissional” citando como um dos
agentes : Ameaça de perda de emprego( Z56.2); Ritmo de trabalho penoso; Desacordo com
patrão e colegas de trabalho ( condições difíceis de trabalho)( Z56.5); outras dificuldades
físicas e mentais relacionadas com o trabalho ( Z56.6)
O INSS/ DATAPREV reúne dados estatísticos específicos das empresas de Call
Center. Torna-se urgente, diante da precariedade dos dados disponíveis,
que essas
informações sejam de fácil e livre acesso, especificando categoria, empresa, tempo de
afastamento, agente causador entre outros. Apenas desta forma, a realidade sobre a saúde
dos trabalhadores será revelada, permitindo que ações de fiscalização e prevenção sejam
efetuadas de forma rápida e efetiva. O mistério do Trabalho e do Emprego e a Delegacia
Regional do Trabalho (DRT) mantém relatórios ( laudos de fiscalização), em seu poder, de
algumas fiscalizações em locais de trabalho. Esse material é útil no apontamento das
condições físicas e da organização do trabalho, que tem levado ao adoecimento dos
trabalhadores em teleatendimento.
10
Prefácio, pág. XIII, CID-10 Classificação de Transtornos Mentais e de comportamento. Descrições clínicas
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Principais quadros de adoecimento( CID-10) observados nos trabalhadores de
teleatendimento:
F32- Episódios depressivos
F32.0 Episódio depressivo leve
F32.1 Episódio depressivo moderado
F32.2 Episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos
F41.0 Transtorno de Pânico
F41.2 Transtorno misto de ansiedade e depressão
F43.0 Reação aguda a estresse
F54 Fatores psicológicos e de comportamento associados a transtorno ou doenças
classificadas em outros locais ( fatores psicológicos afetando condições físicas)
M53.1 Síndrome cervicobraquial
M54.2 Cervicalgia
K29 Gastrite
M65 Tendinite
M25.5 Dor articular
e diretrizes diagnósticas, , Porto Alegre ,Artmed, 1993
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