SAÚDE O MOSQUITO AEDES AEGYPTI COMEÇA A ESPALHAR, ALÉM DA DENGUE, DOENÇAS AINDA MAIS GRAVES retrato 9 5> dobrasil www.retratodobrasil.com.br | r$ 11,00 | nO 95 | JUNHO de 2015 9 771980 37900 4 CONHEÇA MARIANA MAZZUCATO E o que ela diz da presidente Dilma Rousseff LIVRO EM ORDEM MUNDIAL, KISSINGER TRAZ MUITAS DÚVIDAS E POUCAS RESPOSTAS SOBRE O FUTURO capaRB95.indd 1 15/06/15 16:04 RB95pv.indd 2 15/06/15 16:08 RB95pv.indd 3 15/06/15 16:08 retrato doBRASIL WWW.RETRATODOBRASIL.COM.BR | N O 95 | JUNHO DE 2015 5 Ponto de Vista A PReSIDenTe PeDALA MAIS eSSA O ajuste econômico feito pelo governo é bom para os credores e ruim para o País. Mas ajuda Dilma Rousseff a manter-se no cargo 8 ”VocÊS TÊM SoRTe!” Mariana Mazzucato, especialista em processos de desenvolvimento tecnológico, visita o Palácio do Planalto e elogia a presidente Dilma [Antônio Carlos Queiroz e Raimundo Rodrigues Pereira] 20 AeDeS, o TeRRÍVeL Dado como erradicado, o mosquito que transmite o vírus da dengue voltou a espalhar a doença. E traz com ele outras moléstias [Téia Magalhães] 28 o PIoR DoS MUnDoS A União Europeia propõe resolver o problema dos migrantes que arriscam suas vidas atravessando o Mediterrâneo com a força militar [Sônia Mesquita] [email protected] 32 UM cLUBe ULTRARReSTRITo e conSeRVADoR A Sociedade Interamericana de Imprensa foi criada como entidade democrática. Hoje, opõe-se a governos minimamente progressistas [Eduardo Meditsch] Entre em contato com a redação de Retrato do Brasil. Dê sua sugestão, critique, opine. Reservamo-nos o direito de editar as mensagens recebidas para adequá-las ao espaço disponível ou para facilitar a compreensão. 34 DeBATe SeM fUMAÇA A trajetória da maconha no Brasil, narrada em livro por professor da Unesp, expõe o desenvolvimento dos argumentos pró e contra a Cannabis [João Peres] fALe conoSco: www.retratodobrasil.com.br ATenDIMenTo Ao ASSInAnTe [email protected] retrato doBRASIL Retrato do BRASIL é uma publicação mensal da Editora Manifesto S.A. eDIToRA MAnIfeSTo S.A. PRESIDENTE Roberto Davis DIRETOR VICE-PRESIDENTE Armando Sartori DIRETOR EDITORIAL Raimundo Rodrigues Pereira 26 A DeSconTInUAÇÃo DoS AfeToS Elos familiares baseiam-se no amor ou na biologia? É o que se discute no Judiciário quando pais querem se desvincular de filhos não biológicos [João Peres, Moriti Neto e Thiago Domenici] 36 A ReALIDADe ocULTA DA MATeMÁTIcA Edward Frenkel, russo radicado nos EUA, declara sua paixão pela disciplina e relembra os percalços de sua vida acadêmica na antiga URSS [Nelson dos Santos] 38 UMA (DeS)oRDeM MUnDIAL Em sua obra mais recente, Henry Kissinger apresenta muitas dúvidas e poucas certezas sobre a situação internacional [Carlos Azevedo] eXPeDIenTe SUPERVISÃO EDITORIAL Raimundo Rodrigues Pereira EDIÇÃO Armando Sartori EDIÇÃO DE ARTE Pedro Ivo Sartori REVISÃO Silvio Lourenço [OK Linguística] COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Antônio Carlos Queiroz • Carlos Azevedo Eduardo Meditsch • João Peres Moriti Neto • Nelson dos Santos Sônia Mesquita • Téia Magalhães Thiago Domenici FOTO DA CAPA Roberto Stuckert Filho/PR REPRESENTANTE EM BRASÍLIA Joaquim Barroncas 4 RB95pv.indd 4 | retratodoBRASIL JUNHO/2015 15/06/15 16:08 AE Ponto de Vista om.br TE .br ão e. ar el o. ão vedo A presidente pedala mais essa O “ajuste” da economia, ruim para o Brasil e bom para seus credores, ajuda a manter Dilma Rousseff no governo Os representantes dos investidores estrangeiros no País, cuja opinião pode ser lida, sem muito erro, a partir das posições editoriais da grande mídia brasileira, consideram que a nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda é um dos sinais de que as críticas há tempos feitas por eles às políticas da pasta e do Banco Central (BC) durante o primeiro governo da presidente Dilma Rousseff começaram a ser atendidas. O aumento de juros, pelo BC, é outro dos sinais que consideram bons. E para o Brasil? Isso é bom ou ruim? Comecemos pelo aumento dos juros. Desde o final do ano passado, nas reuniões que realiza praticamente a cada dois meses, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC vem elevando regularmente a meta de taxa de juros que pratica em operações de curto prazo. Na reunião de 3 de setembro passado, essa taxa, a chamada Selic, foi mantida em 11%, como nas quatro reuniões anteriores, correspondentes ao período da campanha eleitoral. Na primeira reunião após o segundo turno da eleição presidencial, começaram os aumentos: foram seis e, com o de 3 de junho, a taxa ficou em 13,75% ao ano. A Selic é a taxa básica de juros da economia. Não é a única: existe, por exemplo, a taxa de juros de longo prazo (TJLP), utilizada em empréstimos especiais feitos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), atualmente a 6% ao ano. A Selic não é a taxa básica por ser a menor, portanto. Ela é básica por ser a taxa que regula a chamada liquidez da economia. O BC regula a quantidade de dinheiro em circulação negociando títulos federais, papéis de dívida da União. Se acha que há muito dinheiro em circulação, inflação alta, enxuga a liquidez: compra papéis que tinha vendido ao mercado, oferecendo juros mais altos do que os rendimentos desses papéis no seu lançamento, como está fazendo agora. Quem paga esses juros maiores é a União. Se vai pagar mais juros, tem de economizar mais, aumentar o superávit primário, isto é, a diferença entre suas receitas e despesas correntes, usada exatamente para pagar juros e impedir que a díviEDIÇÃO 95 retratodoBRASIL RB95pv.indd 5 | 5 15/06/15 16:08 da cresça demais e assuste os credores. Evidentemente, esse tipo de ajuste é um aperto sobre a grande maioria dos consumidores e produtores – pequenos e médios –, que não têm recursos sobrando para, enquanto a conjuntura não melhora, aplicar no mercado financeiro e se beneficiar dos juros mais altos. A elevação continuada dos juros por mais de sete meses já tem resultados visíveis. Eles são de dois tipos: 1. A economia entrou em marcha à ré. Quem tinha dúvidas em investir desistiu; caíram o emprego e a renda; aumentou a quantidade de trabalhadores empregados sem carteira assinada; foram reduzidas as contribuições para a Previdência Social; aumentou o déficit do governo na prestação desses serviços; e a necessidade de economizar mais para pagar os juros da dívida federal também se elevou – para se ter uma ideia desse custo, o governo está pagando o equivalente a cerca de 1 bilhão de reais por dia nessa rubrica. 2. Quem tem dinheiro para aplicar tira proveito dessa situação – os aplicadores externos, por exemplo. Eles acreditam que o Brasil aguenta um tempo razoável nesse tipo de aperto. Acham que nosso país não é a Grécia, para citar um exemplo corrente. O governo grego, no início deste mês, aproveitando uma brecha nos regulamentos do Fundo Monetário Internacional (FMI), jogou para o fim do mês tanto uma parcela já vencida de sua dívida renegociada com a chamada troica (FMI, União Europeia e Banco Central Europeu), como mais três parcelas por vencer neste mês, num total de 1,6 bilhão de euros. Com isso, deixou no ar a suspeita: pagará ou decretará uma suspensão unilateral de pagamentos? Aqui não se fará isso, os credores sabem. O governo federal brasileiro, mesmo sendo do PT, que em épocas remotas tinha como bandeira a suspensão dos pagamentos e uma auditoria nas dívidas do País, honrará religiosamente os compromissos, cada um na data precisa de seu vencimento, como tem feito desde que subiu ao poder, em 1º de janeiro de 2003. Nossos credores foram os grandes apoiadores do Plano Real, a política de estabilização da moeda brasileira baseada na atração dos capitais de fora. Como se sabe, essa política começou no governo do presidente Fernando Collor de Mello, quando uma trinca de ases da economia global, treinada em Wall Stre6 RB95pv.indd 6 et – Marcílio Marques Moreira, ministro da Fazenda, Francisco Gros, presidente do BC, e Armínio Fraga, diretor da Área Externa do banco –, elevou as taxas de juros de curto prazo no Brasil aos níveis mais altos do mundo, para atrair capitais. Com base nesses juros altos pagos no dia a dia, houve uma expressiva entrada de dólares no Brasil. Esses dólares foram comprados pelo BC para a formação de reservas, que tinham chegado a praticamente zero. Com base nisso – num certo acúmulo de reservas e na manutenção de taxas de juros de curto prazo muito altas –, foi feito o Plano Real. O objetivo: estabilizar a moeda brasileira, derrubar a inflação e, em seguida, permitir que os juros de curto prazo caíssem para níveis normais. A ideia tem um precedente poderoso. Os americanos fizeram isso, a partir do final dos anos 1970, quando a inflação no A presidente desistiu das pedaladas que deu por atalhos para enfrentar a crise da nossa dependência, como as do esforço de 2011–2013 para baixar os juros. Agora, pedala por sua conta país disparou para a casa dos dois dígitos. Lá, como em todos os países capitalistas avançados, a taxa de juros de curto prazo é muito baixa, quando comparada com a de longo prazo. A aplicação em um título do Tesouro americano de dez anos rendia para o aplicador, por ano, digamos, cerca de dez vezes mais do que uma aplicação de igual montante que o investidor fizesse todos os dias, de um dia para outro, no overnight do Federal Reserve (Fed), durante todos os 252 dias úteis que o ano tem em média. Para debelar o surto inflacionário, o Fed inverteu a política: passou os juros de curto prazo para acima dos de longo prazo. E fez-se o milagre: em dois anos, a inflação embicou para baixo, para a faixa histórica de 2% a 4% ao ano, e os juros voltaram ao normal, com os de longo prazo acima dos de curto prazo. Mas o Brasil não é os EUA, a despeito do que muitos desejam. O milagre aqui não deu certo. O BC fornece na internet uma tabela com as taxas de juros, tanto as definidas em todas as suas 191 reuniões, desde a primeira, a 26 de junho de 1996, como as praticadas de fato, entre uma reunião e outra (a diferença entre as duas é sempre muito pequena e consideraremos, a seguir, apenas a das metas fixadas). Há 21 anos as taxas de curto prazo nunca caíram abaixo das taxas de longo prazo. E, nas 79 reuniões dos anos do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, as metas da Selic nunca foram fixadas abaixo de 15%: 19 vezes estiveram entre 15% e 20%; 41 vezes entre 20% e 30%; 14 entre 30% e 40%; e cinco acima de 40%. Nos governos petistas, a Selic caiu: no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003–2006), ficou entre 13% e 26%; no segundo (2007–2010), entre 9% e 14%. Foi durante o primeiro governo Dilma (2011–2014) que o BC mais puxou os juros para baixo. Não foi um movimento linear. Nas cinco primeiras reuniões, os juros definidos pelo Copom subiram: dos 10,75%, fixados na última reunião do segundo mandato de Lula, passaram, em cinco saltos, para 12,50%. A partir daí, começou a redução realizada ao longo de dez reuniões seguidas, de 31 de agosto de 2011 a 10 de dezembro de 2012; mais de um ano, portanto. Nesse período, a Selic caiu de 12,50% para 7,25%, nível no qual se manteve por mais três reuniões, até 6 de março de 2013. Em seguida, a partir de abril daquele ano, começou uma política de aumento que durou um ano, de abril de 2013 a abril do ano passado, elevando a Selic de 7,25% para 11%, nível em que permaneceu por todo o período eleitoral recente. Como dissemos, os representantes do capital estrangeiro no País começaram a atacar as políticas econômicas e financeiras do governo Dilma no final de 2013; portanto, bem depois de os juros terem iniciado um ciclo de alta. Ou, vendo tal fato a partir de outro ângulo, não são apenas juros altos o que eles desejam. Para entender seus interesses é necessária uma digressão. O capital estrangeiro não vem para cá para se naturalizar, virar brasileiro. E, muito menos, porque quer nos ajudar. Vem, como todo capital, porque quer ter lucros e enviá-los de volta para o país-sede de suas matrizes. Assim, para agradá-lo, não basta que as taxas | retratodoBRASIL JUNHO/2015 15/06/15 16:08 Presidência de juros no Brasil sejam altas. Quando esse capital entra, na forma de dólar, é obrigado a uma metamorfose: é trocado por real no BC. E, para sair, tem de ir ao BC novamente para se transformar em dólar. Ou seja, não carrega diretamente os juros da Selic; tem de passar por outra taxa, a de câmbio. E, nesse vir e voltar, muitas vezes o mundo muda e nem tudo ocorre como os investidores planejam, como se pode ver, com relativa facilidade, num exemplo. Tomemos um investidor que, logo após o Plano Real, ingressou no Brasil com 100 dólares. Àquela altura, a então nova moeda brasileira era fortíssima, valendo pouco mais de um dólar. O governo garantiu a paridade de um real por dólar até o final de 1995, quando FHC, o pai do Real, já era presidente. E, embora a paridade oficial não mais existisse a partir de 1996, ele procurou manter o câmbio próximo dessa situação até o final do seu primeiro mandato (1995–1998). Mas, com se diz, aí veio a roda-viva… O País quebrou, foi obrigado a internar-se no FMI e, em 1º de fevereiro de 1999, começou uma nova política cambial, de flutuação livre do dólar. Que aconteceu, então, com nosso investidor estrangeiro que trouxe 100 dólares ao Brasil? Suponha que ele tivesse vindo para aproveitar a valorização das ações na bolsa brasileira, que atraiu e tem atraído enormes volumes de divisas estrangeiras (havia 27 bilhões de dólares nessas aplicações no final de 2002, quando terminou o segundo governo FHC; no final do ano passado, tal montante havia quase decuplicado, para 260 bilhões de dólares). O que ele levou de volta não dependeu apenas da valorização das ações, por sua vez dependente do tipo de negócio no qual ele aplicou seu dinheiro. Dependeu também da taxa de câmbio na sua chegada e na sua saída, por sua vez dependente da conjuntura mais geral da economia brasileira. Fixemos algumas dessas condições. Suponhamos que ele tivesse vindo no início do governo Lula, aplicado seu dinheiro em ações da Petrobras e saído em meados de 2008 com o dinheiro da venda desses papéis. Quando chegou, uma ação custava cerca de 5 reais e o dólar valia aproximadamente 3,50 reais. Seus 100 dólares valiam 350 reais, com os quais comprou 70 ações da Petrobras. Quando saiu, a ação valia cerca de 50 reais. Na venda delas, obteve 3,5 mil reais. E, melhor ainda, o real se Dilma e Levy: para porta-vozes dos investidores externos, a nomeação dele é um bom sinal valorizou. Antes – na chegada, quando o dólar valia muito, 3,50 reais –, um real, cuja cotação evoluiu no sentido inverso, valia pouco, comprava apenas 0,30 dólar, um terço de dólar. Agora, na saída, o real valia mais, 0,50 dólar, meio dólar. Com os 3,5 mil reais apurados na venda das 70 ações a 50 reais, obteve 1.750 dólares. Um grande negócio para quem entrou com 100 dólares. Passemos para outra conjuntura, do governo Lula para o governo Dilma. Suponhamos, então, que o tal investidor tivesse ficado até o início deste ano. O valor da ação da Petrobras caiu muito, para 10 reais, e o real se desvalorizou bastante – voltou a comprar apenas 0,30 dólar. Assim, ao vender suas 70 ações, ele obteve 700 reais, com os quais comprou 210 dólares. Entrou com 100 dólares e saiu com 210: ainda um bom negócio, mesmo envolvendo ações da Petrobras, algo que hoje a chamada opinião pública, criada pelos meios de comunicação de massa conservadores, considera um horror. O resultado desse exemplo, determinado pelas políticas adotadas pelo Ministério da Fazenda e pelo BC durante o governo Dilma, ajuda a compreender por que, no final das contas, mesmo tendo sido terrivelmente contrários à presidente e estimulado uma campanha de ódio contra ela, nossos credores estão razoavelmente satisfeitos. O que ela tentou, com a redução dos juros, entre setembro de 2011 e março de 2013, foi estabilizar o câmbio na faixa de um dólar por dois reais, um objetivo, de certo modo, igual ao de FHC, embora este agisse de forma mais ambiciosa e absurda, ao garantir a paridade do real com o dólar. Dilma fracassou, é certo. Hoje cada dólar vale três reais, mas comparemos o governo Dilma com o de Lula. Entre a parte final do primeiro e o começo do segundo governo Lula, o dólar também caiu da taxa de 3,50 reais para perto da de dois reais. Não por mérito de Lula, mas em função da conjuntura global. Nessa época – 2005 a 2008 –, o Brasil exportava commodities a preços incríveis e tinha um saldo comercial entre 40 bilhões e 50 bilhões de dólares anuais, suficiente para cobrir o enorme buraco de nossas contas com o exterior. O governo Dilma não teve essa bonança. Foi devido a esse rombo que nossos credores começaram a reclamar, no final de 2013. O saldo da balança comercial desapareceu e o buraco das transações correntes cresceu para perto de 80 bilhões de dólares, aproximadamente 4% do PIB, nível que fez soar o alarme, para os credores, de que a capacidade de pagamento das contas externas do País estava no limite. Com o chamado ajuste, Dilma, no fundo, desistiu das fracassadas pedaladas que deu ao tentar achar atalhos espertos para se livrar do problema maior: o da dependência da economia brasileira. Agora, pedala para uso próprio, para se manter na presidência. E pode ter o apoio de nossos credores para esse exercício. EDIÇÃO 95 retratodoBRASIL RB95pv.indd 7 | 7 15/06/15 16:08