SABERES E PRÁTICAS DE PROFESSORES DE GEOGRAFIA REFERENTES AO CONTEÚDO CIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR Izabella Peracini Bento/UFG [email protected] Lana de Souza Cavalcanti/UFG [email protected] CONSIDERAÇÕES INICIAIS Esta pesquisa é decorrente de interesses relacionados a estudos e trabalhos que venho realizando nos últimos anos. Trata-se de um estudo que busca uma maior compreensão sobre a questão dos saberes e práticas docentes do professor de Geografia ao trabalhar com a Geografia Urbana escolar. Busca-se, aqui, produzir uma reflexão sobre a constituição de saberes geográficos (espaciais) referentes ao conteúdo cidade e seu papel na formação da identidade profissional do professor, bem como, compreender de que modo os saberes contribuem para a formação e prática da cidadania e analisar a constituição dos saberes no decorrer da prática docente do professor de Geografia. O estudo do lugar tem se configurado em um desafio para as aulas de Geografia. É, nesse sentido, que se entende a cidade como um conteúdo que está inserido numa compreensão dialética do lugar, categoria que representa a articulação entre o global e o local, representando o entendimento de movimentos que são contraditórios e desiguais, ampliando a capacidade de compreensão de mundo dos alunos. Estudar uma cidade pressupõe conhecer o lugar, saber o que existe nele e sua relação com algo maior, como o próprio espaço geográfico. Nesse aspecto, cabe à Geografia escolar cumprir efetivamente sua tarefa de formar cidadãos, cientes de que o direito à cidade é um direito de todos. Para tanto, não se pode perder de vista a formação do próprio professor, pois o exercício da cidadania está intimamente vinculado aos saberes do professor, enquanto sujeito que exerce a cidadania e entende o que envolve a formação e a prática de se fazer cidadão e, em particular, aos saberes relacionados à concepção de cidade que fundamentam a prática de ensino do professor de Geografia. Em razão disso, é importante verificar qual a concepção que esse professor tem de cidade e em que base teórica apóia seus saberes sobre a cidade. Nessa pesquisa, dá-se especial atenção a saberes específicos, como os elementos que constituem a complexidade do espaço, do lugar, da cidade. Sendo assim, algumas questões são representativas: Qual a importância de se fazer um recorte envolvendo o conteúdo cidade? O que o estudo do lugar, do espaço vivido, do cotidiano representa? Tendo claro o que significa esta pesquisa, ressalta-se que o estudo tem por principal objetivo traçar caminhos que contribuam com o conhecimento sobre a temática Geografia Urbana escolar e os saberes e práticas docentes do professor de Geografia no cotidiano escolar. Assim, procurou-se investigar como o professor de Geografia da Rede Pública de Goiânia, a partir de seus saberes docentes, considerando a sua subjetividade e identidade profissional, sistematiza os conteúdos referentes à cidade e como os dispõe em sua prática profissional cotidiana. A fim de tecer um panorama geral sobre a metodologia abordada nesse trabalho, vale ressaltar que, pelo fato de ser um estudo que objetiva analisar os saberes que um grupo de professores de Geografia da Rede Pública possui sobre a cidade, esta pesquisa se integra em um estudo de caso, o qual será realizado mediante o uso da abordagem qualitativa. Sendo assim, utilizo como métodos de coleta de dados a observação direta de aulas, a análise de documentos da escola e dos professores observados, a entrevista semi-estruturada e a aplicação de questionário. De acordo com a natureza do objeto e das considerações metodológicas discutidas acima, propus-me a trabalhar em seis escolas da Rede Pública de Ensino com um grupo constituído por seis professores, que ministravam aulas no 7° e 8° anos na Rede Estadual ou no ciclo três da Rede Municipal, nas 6ª e 7ª séries. A escolha das escolas e dos professores foi feitas de forma aleatória, não houve critérios para selecionar um determinado grupo a partir de algum tipo de semelhança ou diferença, a escolha foi livre de parâmetros pré-selecionados. Estes professores possuem formação em Licenciatura em Geografia, trabalham com a disciplina, no mínimo, há cinco anos. São professores que aceitaram participar da pesquisa, dispondo-se a fornecerem informações sobre seu trabalho e seus saberes. A pesquisa empírica foi desenvolvida durante todo o primeiro semestre letivo de 2008, somando a uma média de 20 a 30 aulas observadas com cada professor, bem como a observação e análise dos documentos fornecidos pelas escolas e professores que foram estudados fora do ambiente escolar. Nesse sentido, de acordo com os autores trabalhados, parte-se do pressuposto de que a percepção dos professores sobre os seus saberes muda com o passar dos anos, assim como a relação que eles têm com sua carreira, suas capacidades e habilidades, que vão se configurando de acordo com o tempo de prática na atividade docente. Acredito que o tempo estipulado de cinco anos na carreira docente, em estreita relação com a disciplina que trabalha, permitiu a esses professores condições de construírem os saberes docentes necessários à prática educativa, sabendo que esses saberes continuam sendo construídos por todo o percurso docente desse indivíduo. Os saberes na formação de professores Há pouco mais de dez anos, ganharam força nos meios acadêmicos brasileiros, os estudos sobre o saber docente, pelo artigo de Tardif, Lessard e Lahaye, de 1991. Desde então, esse tema passou a ser assunto de debates freqüentes na comunidade educacional, como um campo de estudos relevante. Todavia, essa temática se insere em um contexto maior, no qual, há aproximadamente duas décadas, vem se constituindo na base das reformas educacionais implementadas em muitos países na América do Norte e na Europa, bem como em um rico campo de estudos fundamentado em diferentes abordagens teórico-metodológicas da literatura educacional. A exemplo disso, podem-se destacar outras relevantes contribuições de autores envolvidos na área da educação como Tardif e Raymond (2000); Tardif (2001, 2002); Ariza e Toscano (2000), entre outros. No Brasil, a discussão acerca dos saberes docentes se constitui em objeto de interesse de educadores como, por exemplo, Libâneo (1998), Pimenta (1997), Santos (2000), Monteiro (2000), a partir de meados da década de 1990. Na Geografia brasileira são poucos os estudos que abordam a temática dos saberes docentes, particularmente no que se refere ao estudo da cidade. Nessa perspectiva, Cavalcanti (2002), tomando por referência as contribuições de Tardif, Lessard e Lahaye (1991), Forquin (1993), entre outros, atribuí especial atenção aos saberes oriundos da experiência, ou seja, aos saberes que os professores constroem no exercício de sua prática docente, por meio das experiências vivenciadas no ambiente escolar e dos saberes inerentes à cultura escolar. Com base na discussão tecida por Tardif (1991, 2000, 2001, 2002), concepção em que se baseia essa pesquisa, pode-se afirmar que seu entendimento vai ao encontro daquele que percebe o saber docente enquanto saber plural, formado de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais. Porém, é válido ressaltar, no que envolve o entendimento do autor, que os saberes das disciplinas e os saberes curriculares que os professores possuem e transmitem não são seus. O professor não controla o processo de definição e seleção dos saberes sociais que são transformados em saberes escolares através das categorias, programas, matérias e disciplinas que a instituição escolar gera e impõe como modelo. Daí, os saberes disciplinares e curriculares acabam situando-se numa posição de exterioridade em relação à prática docente e é nesse sentido que Tardif dá especial atenção aos saberes da experiência, produzidos pelo próprio indivíduo. É nessa perspectiva que esses saberes da experiência são importantes para o professor na sua prática docente. Na impossibilidade de controlar os saberes disciplinares, curriculares e de formação profissional, o professor produz ou tenta produzir conhecimentos através dos quais ele compreende e domina outros saberes, adquiridos com base na experiência profissional, que constituem os fundamentos de sua competência. Isso não quer dizer que os outros tipos de saberes sejam menos importantes perante a atividade docente. Tardif deixa clara a atenção especial dada aos saberes da experiência. No entanto, em momento algum desconsidera os outros saberes, pelo contrário, acredita na validade de cada um, mas afirma que o professor tem uma maior autonomia em relação ao saber da experiência, por este ser produzido pelo próprio indivíduo. Ampliando o raciocínio, Gauthier (1998, p. 24) coloca a dificuldade de definir os saberes envolvidos no exercício da docência, afirmando que para o profissional não basta conhecer o conteúdo, tampouco julgar a profissão como uma questão de talento. Da mesma forma, não se pode reduzir o trabalho docente à intuição ou ao bom senso, seria reduzi-lo demais ou até mesmo negá-lo. A discussão do autor remete a perguntas, como: “Basta ter experiência?”, “A base do ensino é a cultura?”. E ele mesmo responde que o saber experiencial não representa a totalidade do saber docente, ele precisa ser alimentado, orientado por um conhecimento formal, o docente não pode adquirir tudo por experiência, é preciso possuir corpus de conhecimento fazendo uma relação direta entre teoria e prática. Ainda buscando aportes teóricos para responder a essas questões, pode-se destacar as idéias de Shulman (apud BORGES, 2004) que distinguiu em suas investigações três tipos de saberes dos professores: o primeiro diz respeito ao conhecimento do conteúdo da matéria ensinada; o segundo concerne ao conhecimento pedagógico do conteúdo e o terceiro ao conhecimento curricular. Dentre esses saberes, os que se referem ao conhecimento do conteúdo da matéria ensinada e ao conhecimento pedagógico do conteúdo são especialmente interessantes para a formação do professor de Geografia, isso porque o primeiro refere-se aos conteúdos da ciência geográfica e o segundo a “transmutação” pedagógico-didática dos saberes adquiridos pelo professor em conteúdos de ensino necessários à formação de cidadãos. Discutindo também a temática, Ariza e Toscano (2000) consideram que o conhecimento profissional é constituído por dois tipos de saberes: o saber acadêmico e disciplinar e o saber-fazer. O saber acadêmico e disciplinar corresponde ao conhecimento consciente, racional, calcado na lógica da disciplina, embasado nos elementos da ciência, vinculado à atividade acadêmica. O saber-fazer seria um conhecimento concreto e irreflexível, baseado na lógica do pensamento cotidiano e na realidade vinculada aos contextos escolares concretos, ou seja, aos processos mais ou menos intuitivos de ensaios e erros durante o trabalho em sala de aula. Segundo os autores, é imprescindível a articulação entre o saber profissional e o saber-fazer, por meio da organização de esquemas de conhecimento teórico-práticos de caráter integrado. Conforme argumentam, comumente, o saber profissional se estrutura em torno das várias disciplinas, ao passo que os saberes relacionados à atividade docente são secundarizados. Não obstante a isso, todos os professores acabam desenvolvendo um conhecimento implícito referente aos processos de ensino-aprendizagem, o que os direciona e os orienta em sala de aula. No Brasil, a discussão acerca dos saberes docentes se constitui em objeto de interesse de educadores como, por exemplo, Libâneo (2000), Pimenta (1997), Santos (2000), Monteiro (2000), Guimarães (2004), a partir de meados da década de 1990. Libâneo (2000), ao comentar sobre a produção de saberes na escola, esclarece que o estudo desse tema pode referir-se ao aluno e aos processos de aprendizagem, ao professor que produz saberes sobre sua disciplina, sua profissão e sua experiência, e, também, a uma multiplicidade de saberes que intervêm e circulam na vida escolar. Esse autor, ao comentar acerca da fragmentação dos saberes na escola, argumenta que boa parte dos professores desconhece a necessidade de suas disciplinas se converterem em saberes pedagógicos ou se nega a isso. Conseqüentemente, os conteúdos de ensino permanecem desconectados dos objetivos a serem alcançados na prática educativa escolar, isto porque se encontram destituídos de uma reflexão que articule o campo conceitual da pedagogia, da didática e, no nosso caso, da geografia. Por sua vez, Pimenta (1997) considera fundamental articular, na construção do processo identitário do ser professor, três tipos de saberes: 1) o saber da matéria, ou seja, o conhecimento que o professor possui sobre a disciplina que ensina; 2) o saber pedagógico, que diz respeito ao conhecimento que resulta da reflexão confrontada entre o saber da matéria e os saberes da educação e da didática; 3) o saber da experiência, construído a partir das experiências vivenciadas pelo professor e pelo aluno, pelas representações sociais da escola e da prática de professores. Nessa linha, tomando por referencia as contribuições desses autores, a docência pode ser entendida enquanto uma profissão que envolve saberes diversos, porém específicos, aqueles adquiridos diante da nossa história de vida, da formação inicial, mais tarde, adquiridos na realidade do trabalho docente, o que envolve uma relação teoria e prática posta, didática e pedagogicamente, na realidade da sala de aula. Esse entendimento coloca a importância dos saberes em diferentes escalas, próprias de cada conteúdo, como é o caso da Geografia. Na Geografia brasileira são poucos os estudos que abordam a temática dos saberes docentes, particularmente no que se refere ao estudo da cidade. Nessa perspectiva, Cavalcanti (2002), com base nos estudos de Tardif (1991), Forquin (1993), e outros autores, atribui especial atenção aos saberes advindos da experiência, aos saberes que os professores constroem, no exercício de sua prática docente, por meio de suas vivências no ambiente escolar, e aos saberes inerentes à cultura escolar que são confrontados pelos conhecimentos acadêmicos. A autora esclarece, ainda, que os saberes docentes não estão prontamente formados no período de formação inicial. Os primeiros anos de atividade profissional são decisivos para a constituição desses saberes, uma vez que são construídos com muita identidade na prática cotidiana. Callai (2006, p. 147), discutindo sobre a temática, argumenta que os saberes que os professores possuem não foram necessariamente construídos e organizados deliberadamente. “São os conhecimentos advindos do mundo da vida, organizados enquanto vivem”, alguns sistematizados nos cursos que, junto ao senso comum e às exigências cotidianas da prática, fazem a sua compreensão. A relação saberes e práticas docentes Assim como os saberes docentes, a prática docente é um elemento fundamental de análise da formação e ação do professor. Nessa perspectiva, recorro às contribuições de Perrenoud (1993), ao afirmar que em muitas situações a ação do professor não é a concretização da teoria, não é uma representação consciente do que é pertinente fazer em diferentes situações, até por que o professor não é provido de receitas na memória que ditem o que ele deve fazer no momento desejado. Essa ausência de “receitas” muitas vezes acontece quando o professor se encontra numa situação nova ou muito habitual, que pode ser resolvida sem nenhuma regra. Entretanto, a ação pedagógica, mesmo tendo um caráter improvisador, não permite que o professor chegue à sala de aula sem preparação. O professor necessita de um fio condutor para suas aulas, de um planejamento pré-estabelecido. Enfim, o autor remete-nos a pensar sobre a prática, afirmando que pensar a prática não é somente refletir a atitude pedagógica em sala de aula, nem tampouco a questão da didática. Seria pensar também sobre a profissão, a carreira, as condições de trabalho, as organizações escolares, o que se refere à responsabilidade e autonomia dos professores. A prática, por sua vez, é considerada por Sacristán (1999) como a cristalização coletiva da experiência histórica das ações, é o resultado da consolidação de padrões de ação sedimentados em tradições e formas visíveis de desenvolver a atividade. Assim, mesmo considerando a ação como enraizada em práticas preexistentes, não há como negar a autonomia dos sujeitos; há casualidade no que fazem, há liberdade, criatividade e também necessidade de se basear na tradição acumulada. A prática da educação se constitui pelo diálogo entre as ações presentes e passadas dos indivíduos, do mesmo modo que é constituído o conhecimento sobre essas práticas. O habitus é uma questão importante nessa perspectiva da prática educativa, como afirma Bourdieu (1972 apud SACRISTÁN, 1999), o habitus, bem como toda arte de inventar, permite que se produza um número infinito de práticas, relativamente imprevisíveis, e tende a inventar todas as condutas “razoáveis” ou de “senso comum” possíveis, dentro dos limites das regularidades. Neste estudo a prática docente é compreendida, como prática intencional de ensino e aprendizagem, não reduzida à didática ou às metodologias de estudar, mas articulada à educação com a prática social e ao conhecimento com a produção histórica, datada e situada, numa relação dialética entre prática-teoria, conteúdo-forma. Pensando a prática docente no ensino de Geografia, Cavalcanti (1998, p. 21) diz que pensar esse ensino, os saberes e práticas dos professores, através das mudanças ocorridas na dinâmica da sociedade contemporânea, de fato, é um elemento importante, pois o ensino, a educação são reflexos da sociedade, da economia, da política, da cultura, enfim, de todo esse conjunto. A autora remete-nos a pensar em uma outra questão interessante, imprescindível para a qualidade do ensino, que se refere às propostas de ensino de Geografia quanto aos aspectos pedagógico-didáticos, em que “persiste a crença, explícita ou não, de que para ensinar bem basta o conhecimento do conteúdo da matéria enfocado criticamente”. Felizmente, embora esta seja uma crença dominante, são muitos os autores que têm se preocupado com a questão pedagógica no ensino de Geografia. Nesse sentido, a autora afirma que a finalidade de se ensinar Geografia para crianças e jovens deve ser a de auxiliá-los a formar raciocínios e concepções mais amplos e críticos acerca da categoria espaço, dentro de uma didática crítico-social, em que o ensino torna-se um processo de conhecimento pelo aluno, mediado pelo professor e pelo conteúdo da matéria ensinada. Não se pode deixar de pensar que o ensino da Geografia, assim como o ensino de qualquer matéria, supõe um determinado conteúdo e certos métodos. Sobretudo, é preciso que se considere a aprendizagem como um processo do aluno e, sendo assim, as ações que se sucedem devem ser dirigidas à construção do conhecimento por esse sujeito ativo. Um breve perfil dos professores sujeitos da pesquisa Os seis professores pesquisados possuem licenciatura em Geografia, sendo que, apenas dois deles, além da licenciatura, possuem o bacharelado em Geografia. Quatro desses professores se formaram na década de 1990, sendo que cinco deles vieram da mesma Universidade, a Federal de Goiás. Essas características os aproximam, uma vez que provieram de uma mesma Instituição de Ensino, dentro de um período em comum, que constitui a década de 1990. A formação continuada é uma característica dos professores sujeitos da pesquisa, pois quatro deles possuem especialização. Mesmo que considerem difícil administrar o tempo que possuem, eles parecem preocupados em investir em sua formação, como demonstra o fato de três professores falarem da possibilidade, em um futuro próximo, de fazerem um mestrado na Universidade Federal de Goiás. Pode-se considerar que a trajetória docente dos professores envolvidos na pesquisa seja extensa, seu percurso profissional varia entre 10 e 30 anos de carreira, Além disso, possuem experiências com o ensino no município, no estado e na rede privada. Dentro dessa perspectiva, escolhendo um de seus locais de trabalho, pude fazer uma média de observações que variaram de 20 a 35 aulas em um semestre, apesar dos obstáculos enfrentados para a concretização das observações. Foram observadas turmas de 7ª e 8ª séries do ensino fundamental na Rede Estadual e turmas de 6ª e 7ª séries do Ciclo III da Rede Municipal, foi feito tal recorte pela temática proposta nesse trabalho, os saberes docentes referentes à Geografia Urbana escolar, mais especificamente o estudo de cidade, sabendo que pode ser bem representado nas séries observadas. É válido ressaltar que foram dois os livros didáticos mais utilizados, sendo eles Geografia Crítica: o espaço social e o espaço brasileiro de José William Vesentini e Vânia Vlach e Construindo a Geografia: a América e o mundo de Regina Araújo, Raul Borges Guimarães e Wagner Costa Ribeiro. Vivenciando a Escola O ambiente escolar é parte integrante do entendimento acerca de saberes e práticas de professores, uma vez que é o palco da atuação desse profissional no processo de ensino. Não menos importante é analisar e entender o seu funcionamento e dinâmica interna, sabendo que a escola é uma instituição portadora de cultura e regras próprias. É nesse sentido que se busca um maior entendimento acerca dos processos relacionais e burocráticos da “instituição escolar”. A escola é um lugar de encontro de saberes produzidos por culturas urbanas, rurais e de saberes construídos ao longo da história da humanidade, que são passados de gerações para gerações. A cultura se faz presente nos diversos ambientes escolares como, por exemplo, na sala de aula, no recreio, na direção, na burocracia da instituição escolar. Pode-se falar da cultura da escola, da cultura dos alunos, da cultura dos professores etc. Segundo Cavalcanti (2005, p. 72), “a Geografia Escolar é uma das mediações através das quais esse encontro e confronto se dão. A Geografia Escolar [...] é, no espaço escolar, um lugar de culturas”. Assim, professores e alunos podem ser considerados portadores de um conjunto de crenças, valores e vivências bem diferenciados. São pessoas de distintos meios sociais, que se encontram em um mesmo ambiente, misturando todas as características culturais na construção de saberes. Tendo como referência as observações diretas de aula, os relatos de professores e da direção da escola, assim como os documentos analisados, podem-se destacar alguns aspectos comuns, sendo eles econômicos, sociais e geográficos, existentes na Rede Pública de Ensino de Goiânia. As escolas pesquisadas estão localizadas em regiões periféricas da cidade de Goiânia. A maioria dos alunos matriculados possui uma história com a escola, estão lá desde a alfabetização, o restante vem de outras escolas municipais ou estaduais e uma quantidade ínfima é proveniente da rede privada. Os alunos, em sua maioria, são filhos de famílias de classe média baixa à classe baixa, o que tende a acentuar o processo de exclusão e marginalização social de que essas escolas, muitas vezes, são vítimas. Existem muitos casos de alunos que vivem sob a responsabilidade de tios e/ou avós, em decorrência da reestruturação familiar que presenciamos na atualidade, essa é uma característica cada vez mais considerada nos objetivos da escola para a formação de seus alunos. A separação dos pais, o abando por parte dos mesmos, a migração, acabam sendo fatores que influenciam imensamente no comportamento de alunos que são atendidos por essas escolas. Por estarem em faixa etária de produção econômica, muitos são os alunos que trabalham na economia informal, com serviços de baixa remuneração, para auxiliar na complementação da renda familiar. As famílias, em sua maioria, são moradoras dos bairros onde se localizam as escolas em que seus filhos estão matriculados ou, no máximo, provêm de bairros circunvizinhos. O processo educativo está diretamente ligado a outros campos de influência da sociedade contemporânea e, por isso, não se pode deixar de considerar os problemas existentes no cotidiano escolar, como o uso de drogas, a violência, a prostituição, o consumismo, o individualismo, o abandono, o desemprego, a marginalização dos meios de produção e dos bens consumíveis, fatores que muitas vezes perpassam a vida dos alunos e acabam agindo no processo educativo de forma direta, passando a ser objeto de preocupação para as escolas e professores. Grande parte dos alunos enfrenta uma realidade de sobrevivência cotidiana, precisa lidar com a restrição alimentar, a falta de moradia, de vestuário. São alunos que convivem com a falta de acesso aos bens culturais, ao lazer e, muitas vezes, a falta de convivência e orientação familiar, ou seja, existe uma deficiência em princípios e valores adquiridos a partir da experiência com a família. Este é, de forma geral, o perfil dos alunos que estão na Rede Pública de Ensino de Goiânia e é a partir daí que se pode pensar na forma adequada de suprir as demandas impostas pela sociedade contemporânea e as reais possibilidades de trabalho do professor em sua prática docente. As práticas docentes no cotidiano escolar A prática do professor de Geografia precisa estar direcionada para questões que desenvolvam nos alunos a construção de conhecimentos conscientes e críticos. O ensino precisa estar voltado para elementos como os discutidos anteriormente, uma vez que se acredita aqui, que sejam questões que desenvolvam nos alunos uma série de capacidades de trato com os problemas cotidianos de sua vivência, em profunda relação com os saberes científicos. Como já mencionado, anteriormente, tem-se desenvolvido um estudo/trabalho direcionado à preocupação de temas indispensáveis à Geografia urbana escolar, quais sejam: o lugar como importante escala de análise, o lugar enquanto campo de estudo que dá vazão à vida cotidiana, a articulação global-local – “entender o lugar para compreender o mundo”, formação de conceitos geográficos a partir de saberes científicos e saberes provenientes do conhecimento cotidiano, além da inclusão de temas emergentes para a compreensão da espacialidade moderna. Tomando por referência as observações feitas no decorrer dessa pesquisa, podese dizer que a reafirmação do lugar como dimensão espacial, enquanto o lugar da vida cotidiana, do sentido e do vivido, não é configurado em sua plenitude pelos professores, como uma referência necessária, enquanto escala de análise, mesmo que seja feita uma distinção ao se trabalhar com o espaço vivido do aluno. Os professores, muitas vezes, não possuem clareza para trabalhar com seus alunos uma compreensão de interdependência dialética entre o local e o global, acabam fazendo distinções entre as escalas, esquecendo o imprescindível entendimento dos fenômenos da relação parte/todo, o que, muitas vezes, impede ou dificulta o trabalho com a Geografia Urbana escolar. Afinal, dessa maneira, corre-se o risco de não estar se fazendo uma mediação para a formação de conceitos por parte dos alunos, conceitos que precisam ser estabelecidos a partir do confronto entre aqueles que estão dentro de uma dimensão cotidiana e aqueles provenientes dos saberes científicos. Os sujeitos na escola: diferentes relações interpessoais Pensando as categorias que norteiam esse trabalho, faço referência à relação professor-aluno, elemento importante no processo ensino-aprendizagem. Tento aqui romper com a idéia de que o professor seja o centro do processo ensino-aprendizagem e que é dele que emanam os conhecimentos válidos a serem sistematizados pelos alunos. Nesse sentido, é importante o entendimento por parte dos professores e da escola que, ao considerarem as experiências trazidas pelos alunos, e os conhecimentos já, até então, acumulados, estão contribuindo para a formação de sua autonomia e construindo um conhecimento cognitivo no processo de ensino. A partir da caracterização feita durante a pesquisa, no que envolve a prática docente do professor de Geografia, torna-se possível afirmarmos que, em sua maioria, os professores se enquadram naquele estilo denominado: transmissor de conteúdo, por mais que acumulem outras características de outros estilos, este é predominante em sua prática e sistematizado em seus saberes, que são aplicados sempre com o auxílio do livro didático, desencadeando a transmissão verbal do conteúdo, a partir de aulas expositivas, na maioria das vezes, sempre iguais. Como dito anteriormente, nessa prática ficam claras três etapas usuais: 1) passar a matéria, 2) dar exercícios e, depois, 3) cobrar o conteúdo nas provas. Essas características foram se constituindo no decorrer do primeiro semestre letivo de 2008 de forma muito clara, repetindo-se dia após dia. De acordo com os dados observados e analisados, no que envolve a prática docente cotidiana dos professores pesquisados, tento fazer uma relação direta dessas práticas com os saberes docentes. Nesse sentido, pude constatar, nas observações, que existe um saber que orienta a prática docente de todos os professores estudados que é o saber proveniente de programas de manuais escolares, bem como os conhecimentos oriundos da experiência de trabalho. Outros saberes também constituem o trabalho docente desses indivíduos, porém em menor escala, utilizam-se, também os saberes oriundos da vida pessoal e aqueles saberes provenientes da formação profissional. É interessante observar que a prática docente desses professores, mesmo sendo sujeitos em realidades tão diferentes, em muitos pontos se assemelha, como: referência ao espaço de vivência dos alunos. É comum, no decorrer da aula e no desenvolvimento dos conteúdos, os professores fazerem referência à realidade vivida por seus alunos, em muitos momentos, a cidade, o bairro da escola, o bairro dos alunos e até a sua casa foram usados como exemplos de uma realidade maior, chamando os alunos a serem elementos ativos no processo de ensino-aprendizagem. A constituição de saberes e práticas docentes em Geografia Busca-se estender um olhar à identidade espacial/geográfica (lugar), à identidade pessoal e à identidade profissional. É nesse universo de significações entre identidades e identificações que procurar-se-á, também, entender como a identidade espacial influencia na identidade profissional, na escolha de caminhos didáticos, que servirão de norte para o professor na realização do trabalho com o conteúdo associado ao lugar, em suas diferentes abordagens, como: o campo, a cidade ou o bairro. As entrevistas semi-estruturadas foram uma das principais técnicas de trabalho utilizadas na metodologia desta pesquisa. Foi através delas que pude esclarecer e adaptar as informações que necessitava obter. Foram-me reveladas questões, que estava buscando compreender, relacionadas à descrição e à importância da formação dos saberes dos professores sobre sua prática docente, ao trabalharem conteúdos que envolvem o urbano. Observei, ainda, se existe algum aspecto de sua trajetória de vida e profissional que influenciaram na construção de seus saberes docentes, se existe uma relação consciente entre as estratégias adotadas e sua utilização como meio de construção de saberes. Entre outros elementos que julguei importante trabalhar, ativeme, também, à questão da prática docente, à concepção pedagógica, ao ensino de Geografia, à ciência geográfica e à Geografia escolar, à formação inicial, ao trabalho com os temas da cidade, no que envolve os desafios, os conteúdos mais importantes e os métodos de ensino utilizados ao se abordar estes temas. Ao falar com os professores, pude constatar que quando o assunto envolve a prática pedagógica, eles, de uma forma ou de outra, consideram, em maior ou menor intensidade, que praticam um ensino mais voltado para uma concepção tradicional. Por mais que intitulem com outros nomes, julgam-se conteudistas, muito presos ao livro didático. A maneira de realizarem suas aulas, na maioria das vezes, segue o mesmo padrão, o que vem confirmar o estilo de professores transmissores de conteúdo em que foram analisados anteriormente. Entretanto, fica claro que acreditam estarem, muitas vezes, buscando uma prática mais inovadora. Contudo, tem que se analisar o que representaria para eles essa prática mais inovadora, talvez, consigam realizá-la sem conseguir sair de uma concepção tradicional de ensino. Todos os professores consideram a importância do ensino de Geografia, o valor da ciência geográfica e a responsabilidade para com a Geografia escolar. São unânimes em dizer que, da época em que estudaram para hoje em dia, houve muitas melhoras no que envolve a Geografia, mesmo sabendo que são muitas as coisas que precisam ser feitas em prol de uma maior representatividade enquanto disciplina escolar. Cinco dos seis professores pesquisados se graduaram pela Universidade Federal de Goiás e apenas um pela Universidade Estadual de Goiás. Pode-se afirmar que em sua maioria os professores consideram que tiveram uma boa formação, revelam admiração pelos professores encarregados por sua formação na Universidade. Em suas entrevistas, deixam transparecer que na Universidade Federal existe uma forte ruptura entre Geografia física e humana, uma ruptura que pode ter marcado a relação dos mesmos com a ciência geográfica. Existem questões subjetivas que envolvem os saberes pessoais, advindos da experiência e refletidos muitas vezes na trajetória de vida do sujeito, que ditam suas escolhas profissionais, causam influências e revelam opções. Elementos como estes foram investigados, com isso, conclui-se que a influência familiar e de professores na vida das pessoas realmente é muitas vezes decisiva. No caso dos professores, sujeitos dessa pesquisa, isso foi revelado, como sendo esses os dois principais motivos pela escolha da Geografia como atividade profissional. A Geografia foi uma segunda opção para quatro dos seis professores pesquisados, apenas dois tinham planos de trabalhar com a ciência ao prestarem o vestibular, o restante foi sendo direcionado a partir de escolhas equivocadas. Quando abordamos o trabalho do professor com os temas da cidade, eles são categóricos ao dizerem da necessidade de se trabalhar em loco, numa perspectiva de que a Geografia da cidade precisa ser vista e vivida, dando ênfase na importância do próprio espaço do aluno e das experiências que estes trazem do espaço em que vivem. Fala-se também de uma tentativa de focalizar a cidade de Goiânia e o bairro dos alunos, já que esta é uma realidade mais próxima, porque é comum que eles não conheçam a sua cidade por completo. Nesse sentido, muitos são os desafios enfrentados pelos professores no trabalho com essa temática. Eles trazem para a discussão, como principal problema, a dificuldade de realização de trabalhos de campo na Rede Pública, onde falta estrutura, materiais e recursos financeiros. Queixam-se, ainda, do desinteresse dos alunos, da falta de dedicação exclusiva por parte do professor que não tem tempo para planejar suas aulas, e é desse modo que lidam com a dificuldade de aproximar os alunos da realidade. A fim de diminuir a distância entre o aluno e o conteúdo, é necessária a utilização de métodos que tentem aproximá-los, os professores pesquisados, em sua maioria, tentam, na medida do possível, desenvolver com os alunos trabalhos de campo, sendo esta a maneira mais eficaz de fazer com que conheçam a realidade de sua cidade. Entretanto, como sabemos, esses trabalhos dispõem de recursos e tempo, elementos não muito freqüentes na Rede Pública de Ensino, então, tenta-se trabalhar com os meios de comunicação a favor da informação, utilizam também textos, fotos, imagens, vídeos, mapeamentos, localização e o próprio livro didático. Considerações Finais Esse estudo leva-nos à reflexão de que, embora cada lugar tenha suas representações e traços próprios, ele está aberto a diferenças, a mutações, assim como os sujeitos que o habitam. Tive, na construção desse trabalho, uma experiência singular, pois além de poder conhecer a prática no cotidiano escolar da Rede Pública de Ensino, foi uma oportunidade de conhecer o universo dos sujeitos que freqüentam a escola, o que é importante a todo pesquisador que atua na Educação, com o ensino da Geografia. E como olhar a aplicação do conhecimento em Geografia sem estender o olhar para os sujeitos que vivem a escola, que produzem na escola e que se transformam a partir da escola? Podemos, assim, entender a fundamental importância de oferecer situações de aprendizagem que de fato dialoguem com as experiências concretas do aluno com o espaço vivido. A reafirmação do lugar como dimensão espacial, enquanto o lugar da vida cotidiana, do sentido e do vivido não é configurada, em sua plenitude, pelos professores, como uma referência necessária, uma escala de análise, mesmo que seja feita uma distinção ao se trabalhar com o espaço vivido do aluno. As escolas são compostas por realidades próprias, que envolvem as dimensões física e interpessoal. A escola é um espaço que de fato merece ser vivido, afinal sua dinâmica acontece dentro de toda uma cultura escolar própria desse ambiente. Pode-se considerar que a inserção no ambiente escolar faz muita diferença na constituição dos saberes e da prática do professor. Conforme afirmam teóricos que trabalham com essa questão, eu diria que, em muitos momentos, esse cotidiano é determinante para nortear a prática docente e a constante formulação de saberes. Pela observação, pode-se afirmar que as escolas públicas de Goiânia têm, de forma geral, as mesmas características, em menor ou maior intensidade. Ao se adentrar no ambiente escolar, percebe-se a simplicidade deste espaço, dos alunos, os dias transcorrem de acordo com as possibilidades de cada situação. Não há como estabelecer regras e normas fixas numa escola pública. Afinal, cada dia é único e muitas vezes é a escola que precisa se adaptar às necessidades e aos problemas de cada aluno e, assim, seguem-se os dias, os meses. Busca-se, aqui, compreender as relações existentes entre a cidade e a escola/sala de aula. Uma das formas de se compreender essas relações é buscar entender como a instituição escolar se insere nas teias das relações urbanas e como o urbano se insere no ambiente escolar. Parte-se, assim, do pressuposto de que a escola é uma forma de representar o urbano, pois muitos dos elementos que o constituem estão também representados na escola. Esta é a realidade sentida e vivida por todo e qualquer profissional da educação que se dispõe a trabalhar em um ambiente escolar, principalmente, em se tratando daqueles que estão inseridos na Rede Pública de Ensino existente nas periferias da cidade. Nesse espaço, não há como camuflar ou impor uma ordem que vá contra a realidade urbana vivida por seus alunos, que nada mais são do que o reflexo dessa realidade. Essa pesquisa se constitui em um caminho que merece continuar sendo traçado, uma vez que deixa indagações, questionamentos importantes que podem ser mais aprofundados e desenvolvidos em estudos futuros. São questões que envolvem as diferentes formas de o professor lidar com o conteúdo, na constante busca de compreender onde está o segredo, de que forma podemos analisar a nossa própria prática. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARIZA, R. P.; TOSCANO, J. M. El saber práctico de los profesores especialistas: aportaciones desde las didácticas específicas. In: MOROSINI, M. C. (Org.). 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