INFLUÊNCIA DE COMPONENTES DO MEIO DE CULTIVO NA PRODUÇÃO DE ÁCIDOS ORGÂNICOS PORYarrowia lipolytica G. C. LEAL, L. V. da SILVA e P.F. F. AMARAL Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Tecnologia, Escola de Química, Departamento de Engenharia Bioquímica E-mail para contato: [email protected] RESUMO – Yarrowia lipolytica possui a capacidade de produzir ácidos cítrico e isocítrico.Neste presente estudo, verificou-se a influência das concentrações iniciais de glicerol PA, extrato de lêvedo e de células na produção destes dois ácidos pela cepa Y. lipolytica IMUFRJ 50682, utilizando planejamento experimental. Nestas condições obteve-se elevada produção de ácido isocítrico em condições experimentais realizados em elevada concentração celular inicial, extrato de lêvedo e glicerol. A concentração de ácido cítrico obtida foi significativamente menor, sendo a maior produção 12,68 g/L no experimento realizado com menor concentração celular e extrato de lêvedo e em maior concentração de glicerol. 1. INTRODUÇÃO Industrialmente, o ácido cítrico é produzido por fermentação submersa por cepas do fungo filamentoso Aspergillus niger, tendo sacarose como fonte de carbono (Rymowicz et al., 2008; Da Silva et al., 2009). A crescente demanda por ácido cítrico tem gerado interesse em estudos de processos alternativos de cultivo envolvendo cepas de levedura. (Rymowicz et al., 2006). Yarrowia lipolytica possui a habilidade de produzir uma grande variedade de ácidos orgânicos tais como ácido cítrico e ácido isocítrico (Rymowicz et al., 2008) utilizando fontes renováveis ou materiais residuais como fonte de carbono, como glicerol, que vem sendo considerado como fonte de carbono para novas fermentações industriais (Da Silva et al., 2009). Atualmente a produção de ácido isocítrico não é tão significativa quanto à do ácido cítrico, devido às dificuldades em seu processo de síntese. Geralmente a produção de ácido isocítrico se dá a partir de vias químicas ou extração de tecidos de plantas. Adicionalmente há um crescente interesse na produção de ácido isocítrico devido a seu papel como aditivo nas indústrias de bebida, farmacêutica, cosmética e de detergentes. (Kamzolova et al., 2008 Herestch et al., 2008). Y. lipolytica, produz concomitantemente ácidos cítrico eisocítrico, este podendo atingir níveis acima de 50% do total de ácido produzido (Rymowicz et al., 2006). Esta produção é influenciada pelo tipo de micro-organismo, fonte de carbono e concentração dos micronutrientes acessíveis à levedura (Rywińska et al., 2010). Portanto, o objetivo deste estudo foi avaliar a influência da presença de componentes de meio de cultivo e concentração celular inicial na produção de ácidos cítrico e isocítrico por Y. lipolytica em meio de cultivo contendo glicerol PA como fonte de carbono, utilizando um planejamento experimental. 2. MATERIAIS E MÉTODOS 2.1. Micro-organismo e Inóculo Utilizou-se a cepa selvagem Yarrowia lipolytica IMUFRJ 50682 isolada de um estuário no Rio de Janeiro, Brasil (Hagler & Mendonça, 1981).As células foram conservadas por repiques regulares em meio YPD (% p/v): extrato de lêvedo 1%, peptona 2%, glicose 2% e solidificado com ágar 3 %, sob refrigeração a 4 ºC. A partir dos tubos contendo as células preservadas em meio sólido YPD, foi realizado o inóculo, de forma estéril, de 200 mL de meio de cultivo YPD em frascos de Erlenmeyers de 500 mL. Após crescimento por 72 horas em incubador rotatório a 28 ºC e 160 rpm, as células eram centrifugadas de forma estéril a 1258 g por 5 minutos e ressuspensas, servindo de inóculo para os experimentos que serão descritos no item2.2. 2.2. Planejamento Experimental (2k) para Produção de Ácido Orgânicos Para selecionar a melhor composição do meio de cultivo e concentração celular inicial para a produção de ácidos cítrico e isocítrico, foi aplicado o método do planejamento fatorial completo 2k, com k = 3, com o uso do programa Statística versão 7.0. Os fatores fixados e adotados como variáveis independentes foram concentração de glicerol PA, concentração de extrato de lêvedo e concentração celular inicial (Tabela 1). A variável de resposta utilizada para a seleção das melhores condições foi a máxima concentração de ácido cítrico e a concentração de ácido isocítrico. Os experimentos foram realizados em frascos de Erlenmeyer de 1000 mL contendo 400 mL de meio de cultivo, a 28 ºC (BARTH & GAILLARDIN, 1997) e 250 rpm em incubador rotatório (shaker) por 170 horas com amostragem diária de crescimento celular, pH, dosagens de glicerol, ácido cítrico e isocítrico. O meio de cultivo foi preparado em meio mineral tamponado, constituído de (em g/L): KH2PO4: 12; Na2HPO4 .7H2O: 22,66; MgSO4.7 H2O: 1,5; CaCl2.2H2O: 0,2; FeCl3. 6H2O: 0,15; ZnSO4.7 H2O: 0,02; MnSO4.H2O: 0,06. Tabela 1 - Fatores e níveis utilizados no planejamento experimental 2k, com k=3. Nível Variáveis independentes Concentração de glicerol (g/L) Concentração de extrato de lêvedo (g/L) Concentração celular (g/L) -1 30,0 0,1705 1,0 0 70,0 0,5853 10,5 1 110,0 1,0 20,0 2.3. Métodos Analíticos Quantificação do crescimento celular: Medidas de densidade óptica a 570 nm e os valores foram convertidos para mg p.s/mL usando-se um fator de conversão previamente determinado pela curva de peso seco. Determinação da concentração de ácidos orgânicos: Foram determinadas por HPLC (Waters 1525) em uma coluna de ácidos orgânicos constituída de polímero de octadecilsilano (YMC-Pack ODS-AQ, S-5 μm, 12nm) acoplada a um detector ultravioleta a 214 nm. A coluna foi eluída com 20 mM de KH2PO4, pH = 2,45 e metanol 70% à 35ºC, utilizando uma vazão de 0,5 mL/min. Determinação da concentração de glicerol: por cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC, Shimadzu), utilizando coluna Aminex HPX-87H, 300 x 7,8mm (Bio-RadLaboratoriesLtd) e detector de índice de refração (Shimadzu RID-10). A fase móvel utilizada foi ácido sulfúrico 0,005 M (0,80 mL/min) e a temperatura da coluna mantida a 60 ºC. 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES Com o objetivo de investigar o efeito das concentrações de glicerol, extrato de lêvedoe de concentração celular inicial na produção de ácido cítrico e isocítrico por Yarrowia lipolytica, foi realizado um planejamento experimental, conforme Tabela 2. Tabela 2- Planejamento experimental e respectivos resultados para o planejamento experimental 2k, k = 3 Extrato de Concentração PAC QAC PAIC QAIC Glicerol Lêvedo Celular (g/L) (g/L) (g/L.h) (g/L) (g/L.h) (g/L) Inicial (g/L) 30 (-1) 0,1705 (-1) 1,00 (-1) 8,00 0,04 8,61 0,18 110 (+1) 0,1705 (-1) 1,00 (-1) 12,68 0,07 16,03 0,09 30 (-1) 1,00 (+1) 1,00 (-1) 9,25 0,10 14,78 0,15 110 (+1) 1,00 (+1) 1,00 (-1) 2,25 0,02 42,20 0,25 30 (-1) 0,1705 (-1) 20,00 (+1) 1,02 0,01 15,50 0,60 110 (+1) 0,1705 (-1) 20,00 (+1) 4,24 0,02 31,58 0,33 30 (-1) 1,00 (+1) 20,00 (+1) 7,06 0,04 13,11 0,08 110 (+1) 1,00 (+1) 20,00 (+1) 3,33 0,02 39,86 0,83 70 (0) 0,583 (0) 10,5 (0) 1,7 0,01 37,82 0,51 70 (0) 0,583 (0) 10,5 (0) 1,9 0,01 37,72 0,51 70 (0) 0,583 (0) 10,5 (0) 1,45 0,01 39,0 0,54 Analisando a tabela 2, observou-se que em todas as 11 condições experimentais os valores obtidos de produção ácido isocítrico superaram a produção de ácido cítrico. Comparando os níveis mínimo e máximo para a variável glicerol e fixando as variáveis extrato de lêvedo e concentração celular inicial, observou-se que a concentração de ácido isocítrico produzida foi maior quando o glicerol foi utilizado no nível máximo. Analisando a variável extrato de lêvedo nos níveis mínimo e máximo e fixando as demais, observou-se que a concentração de ácido isocítrico obtida foi maior no nível máximo de extrato de lêvedo. Como apresentado na tabela 2, a maioria dos ensaios realizados no nível máximo de concentração celular inicialpromoveu as melhores concentrações de ácido isocítrico produzidas, porém a condição experimental realizadano nível mínimo de concentração celular inicial e níveis máximos de glicerol e extrato de lêvedo gerou 42,20 g/L em 170 horas de fermentação, sendo a maior concentração de ácido isocítrico obtida. Nesta condição experimental a elevada concentração de extrato de lêvedo favoreceu a cinética de crescimento celular como pode ser observado na figura 1, alcançando 9,5 g/L de concentração celularem 48 horas de fermentação. O aumento na biomassa consequentemente aumentou o consumo de glicerol, ao final da fermentação foi possível observar que mesmo a condição experimental tendo se iniciado com 110 g/L de glicerol no meio de cultivo, ao final da fermentação havia somente 3,5 g/L de glicerol presente no meio. O aumento na geração de biomassa favoreceu a produção de ácido isocítrico alcançando ao final da fermentação 42,2 g/L de ácido isocítrico produzido, resultados similares aos obtidos nos ensaios realizados com concentração celular inicial de 10,5 g/L indicando relação de elevadas concentrações celulares na produção de ácido isocítrico pela levedura. Figura 1- Cinética de Concentração celular, consumo de glicerol e concentração de ácido isocítrico na condição experimental com 110 g/L de glicerol, 1 g/L de extrato de lêvedo e 1 g/L de concentração celular inicial Apesar do melhor resultado, em termos de concentração de ácido isocítrico, ter sido obtido na condição experimental de níveis máximos para glicerol e extrato de lêvedo e no nível mínimo para concentração celular, observou-se que as melhores produtividades (QAIC) foram obtidas pelos experimentos realizados no nível máximo e no ponto central da variável concentração celular. A maior produtividade foi obtida pela condição experimental realizada nos níveis máximos das três variáveis independentes estudadas, obtendo 0,83 g/L.h e 39,86 g/L de ácido isocítrico. Nestas condições, a produção já se demonstrou elevada em tempos iniciais devido à elevada concentração celular inicial. Em 24 horas de fermentação houve produção de 20,1 g/L de ácido isocítrico, dobrando esta produção em 48 horas, mantendo esta faixa de ácido isocítrico até decair ao final da fermentação, como está apresentado na figura 2. Comparando com o experimento realizado com mesmo meio de cultivo, porém com menor concentração celular inicial, percebeu-se a influência quea concentração celular possui em relação à produção de ácido isocítrico, quando associado com elevadas concentrações de glicerol e extrato de lêvedo. Figura 2- Cinética de concentração celular, consumo de glicerol e concentração de ácido isocítrico na condição experimental com 110 g/L de glicerol, 1 g/L de extrato de lêvedo e 20 g/L de concentração celular inicial. Os dados de produção de ácido cítrico foram menores que de isocítrico e o melhor resultado sendo obtido principalmente em condições experimentais com menor concentração celular, como apresentado na tabela 2. A melhor produção foi obtida em condição experimental com 110 g/L de glicerol, 0,1705 g/L de extrato de lêvedo e 1 g/L de concentração celular inicial, obtendo 12,68 g/L e 0,07 g/L.h de ácido cítrico em 170 horas de fermentação. A figura 3 apresenta o diagrama de Pareto do planejamento experimental calculado considerando diferentes tipos de interação entre as variáveis independentes e a variável dependente concentração de ácido isocítrico. Analisando o diagrama foi observado que a variável glicerol foi a que apresentou um maior efeito significativo sobre a variável de resposta (α = 95%), seguido pela concentração de extrato de lêvedo. Todas as variáveis sendo significativas estatisticamente com influência positiva na produção de ácido isocítrico. A interação extrato de lêvedo/concentração celular apresentou um efeito estatisticamente negativo sobre a concentração de ácido isocítrico, porém a interação glicerol/extrato de lêvedo possui influência positiva na concentração de ácido isocítrico. Além disso, a interação glicerol/concentração celular não influenciaram significativamente o valor da resposta na faixa de concentração estudada. Figura 3 – Diagrama de Pareto para concentração de ácido isocítrico Através dos resultados obtidos foi possível obter os coeficientes de regressão do modelo de 1ª ordem para a concentração de ácido isocítrico em função das variáveis com valores reais e verificar sua validade através da análise de variância (Tabela 3). Os parâmetros estatisticamente não significativos foram eliminados do modelo e adicionados aos resíduos. Tabela 3- ANOVA para concentração de ácido isocítrico. Fonte de Variação Soma dos Quadrados Grau de liberdade Quadrado Médio F calculado 1184,26 5 236,852 467,1637 Regressão 541,1 3 180,367 355,7535 Lackof Fit 1,014 2 0,507 Erro Puro 1726,374 10 Total Ácido Isocítrico(g/L): F5;2;0,05=19,30; Ácido Isocítrico (g/L): F3;2;0,05=19,16; Coeficiente de correlação R2 = 69% De acordo com os dados da Tabela 3, observou-se que o valor do teste F calculado para a concentração de ácido isocítrico foi cerca de 24 vezes maior do que o valor tabelado para a regressão e 19 vezes maior do que o valor tabelado para Lackoffit. O coeficiente de correlação para a concentração de ácido isocítrico foi igual a 69 % indicando que o modelo de 1ª ordem obtido é estatisticamente significativo e preditivo para as variáveis estudadas. Dessa forma a concentração de ácido isocítrico pode ser predita em função das concentrações de glicerol, extrato de lêvedo e concentração celular através da equação (1). Ácido Isocítrico (g/L) = 4,96 + 0,11X1 + 4,16 X2+ 0,73X3 + 0,23 X1X2 - 0,84 X2X3 Sendo: X1: Concentração de Glicerol (g/L) X2: Concentração de Extrato de Lêvedo (g/L) X3: Concentração Celular (g/L) (1) Portanto, o modelo foi considerado adequado para descrever as superfícies de resposta para analisar as melhores condições da concentração de glicerol, extrato de lêvedo e concentração celular que levam aos maiores valores de concentração de ácido isocítrico. As superfícies de resposta estão apresentadas nas Figuras 4 e 5. A partir dos dados apresentados na Figura 4, percebe-se a que ambas as variáveis estudadas foram estatisticamente significativas e favorecendo a produção de ácido isocítrico em concentrações elevadas (nível +1). A interação entre estes fatores é positiva indicando a necessidade de aumentar a concentração de ambas ao mesmo tempo para favorecer a produção de ácido isocítrico. Figura 4 - Superfície de resposta da concentração de ácido isocítrico em relação à concentração de extrato de lêvedo e a concentração de glicerol PA. A figura 5 mostra o perfil da concentração de ácido isocítrico em relação às variáveisextrato de lêvedo e concentração celular no ponto central, com glicerol fixado em 70 g/L. Esta figura mostra que o aumento de ambas as variáveis aumenta a produção de ácido isocítrico. Indicando que a utilização de baixas concentrações (nível -1) conduz a baixos valores de finais de produção, não sendo indicados para otimizar o processo. Figura 5 - Superfície de resposta da concentração de ácido isocítrico em relação à concentração celular e a concentração de extrato de lêvedo. 4. CONCLUSÃO A partir de análise estatística foi possível determinar que todas as variáveis possuem influência positiva na produção e em elevadas concentrações favorecem a produção de ácido isocítrico. A produtividade de ácido isocítrico está diretamente relacionada à concentração celular e glicerol obtendo produtividade acima de 0,83 g/L.h no ensaio realizado em elevada concentração celular e glicerol, corroborando a influência desta interação na produtividade de ácido isocítrico. Em relação à produção de ácido cítrico, Y. lipolytica demonstrou melhor produção de ácido cítrico em baixas concentrações celular e de extrato de lêvedo e máxima concentração de glicerol. 5. REFERÊNCIAS BARTH, G. & GAILLARDIN, C. Physiology and genetics of the dimorphic fungus Yarrowia lipolytica.FEMS Microbiology Reviews, v. 19, p. 21-237, 1997. DA SILVA, G. P.; MACK, M.; CONTIERO, J. Glycerol: A promising and abundant carbon source for industrial microbiology. Biotechnology Advances, v. 27, p. 30– 39, 2009. HERETSCH P, THOMAS F, AURICH A, KRAUTSCHEID H, SICKER D, GIANNIS A (2008) Syntheses with a chiral building block from the citric acid cycle: (2R,3S)-isocitric acid by fermentation of sunflower oil. Angew Chem Int Ed Engl 47:1958–1960 KAMZOLOVA SV, FINOGENOVA TV, MORGUNOV IG (2008) Microbial production of citric and isocitric acids from sunflower oil. Food Technol Biotechnol 46:51–59 RYMOWICZ, W.; RYWINSKA, A.; AROWSKA, B.; JUSZCZYK, P. Citric Acid Production from Raw Glycerol by Acetate Mutants of Yarrowia lipolytica.Chem. Pap., v. 60 (5), p. 391-394, 2006. RYMOWICZ, W.; RYWINSKA, A.; GLADKOWSKI, W. Simultaneous production of citric acid and erythritol from crude glycerol by Yarrowia lipolytica Wratislavia K1. Chemical Papers, v. 62, n. 3, p. 239–246, 2008. RYWIŃSKA, A.; RYMOWICZ, W.; MARCINKIEWICZ, M. Valorization of raw glycerol for citric acid production by Yarrowia lipolytica yeast. Electronic Journal of Biotechnology, v. 13, n. 4, 2010.