VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: UMA VISÃO CRÍTICA

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Revista de Direito
Vol. XII, Nº. 15, Ano 2009
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: UMA VISÃO CRÍTICA
RESUMO
Arthur Cordenuzzi Neto
Rede de Ensino LFG
[email protected]
Este estudo trata de um dos temas polêmicos na atual conjuntura
brasileira: a violência doméstica contra a mulher. Primeiramente
traz uma reflexão dos problemas sociais que assolam os cidadãos,
como o controle da natalidade, educação brasileira, e criminalidade. Em seguida, aborda a falta de preparo dos governantes para o
enfrentamento desta problemática, e também debate a compreensão dos Direitos Humanos no Brasil. Por fim, busca dimensionar
os fatores que podem gerar violência, os aspectos negativos da
banalização do Direito Penal, e a falta de competência dos legisladores brasileiros no tocante ao não uso de políticas criminais para
solução de conflitos e suas repercussões. Partindo da análise da
Lei 11.340/06, e de todo o contexto histórico brasileiro, concluímos
que somente novos diplomas jurídicos não respondem satisfatoriamente os anseios da sociedade, pois após dezesseis anos da promulgação de nossa Carta Magna, as mudanças foram mínimas
diante do aumento da miséria e pobreza, dos índices de criminalidade e das desigualdades sociais, os quais jamais alcançaram índices tão significativos.
Palavras-Chave: Violência doméstica; Direitos Humanos; Políticas Criminais.
ABSTRACT
Anhanguera Educacional S.A.
Correspondência/Contato
Alameda Maria Tereza, 2000
Valinhos, São Paulo
CEP. 13.278-181
[email protected]
Coordenação
Instituto de Pesquisas Aplicadas e
Desenvolvimento Educacional - IPADE
This study it deals with one the controversial subjects in the
current Brazilian conjuncture: the domestic violence. First it brings
a reflection the social problems that devastate the citizens, as the
control of natality, Brazilian education, and crime. After that, it
approaches the lack of preparation the governing for
confrontation this problematic one, and also it has debated the
understanding of Human Rights in Brazil. Finally, it searches to
the factors that can generate violence, the negative aspects the
Criminal Law, and the lack of ability the Brazilian legislators in
regards to not the use of criminal politics for solution conflicts and
its repercussions. Leaving of the analysis of Law 11.340/06, and
all the Brazilian historical context, we after conclude that only new
legal diplomas satisfactorily do not answer the yearnings of the
society, therefore sixteen years of the promulgation of our Great
Letter, the changes had been minimum ahead of the increase of
the misery and poverty, the indices of crime and the social
inequalities, which had never reached so significant indices.
Keywords: Domestic Violence; Human Rights; Criminal Politics.
Informe Técnico
Recebido em: 26/03/2009
Avaliado em: 14/07/2009
Publicação: 11 de agosto de 2009
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Violência doméstica: uma visão crítica
1.
INTRODUÇÃO
A sociedade brasileira está inserida no grupo das sociedades mais violentas do mundo,
uma vez que os índices de violência são alarmantes e faz da insegurança uma experiência amplamente compartilhada, tornando-se inevitável, por parte do governo, o aumento de políticas públicas relacionadas ao tema.
Tal situação remete ao seguinte questionamento: a criação de novas legislações por parte dos governantes tem alcançado o resultado pretendido? Será que buscam realmente algum resultado? O número crescente e desordenado de decretos, leis,
medidas provisórias e emendas constitucionais resultam numa sensação de impunidade na sociedade, ao passo que os mecanismos para cumprimento de tais legislações são
ineficazes frente a um aparato Estatal deficiente.
Considerando que a legislação brasileira não respondia de forma satisfatória à
realidade por não oferecer proteção necessária às mulheres, tampouco punia o agressor
adequadamente, fez-se necessária a criação de novos aparatos para enfrentamento a
esse tipo de violência.
Para tratar do tema – Violência Doméstica – dentre as tantas questões que se
apresentam, abordaremos a violência doméstica contra a mulher, trazendo algumas reflexões acerca do por que do aumento dos índices de violência nos últimos anos, e onde
estaria a raiz do problema?
2.
A VIOLÊNCIA E SUAS REPERCUSSÕES SOCIAIS
A sociedade brasileira encontra-se diante de uma crise exacerbada. O modelo de desenvolvimento econômico adotado historicamente reproduz as desigualdades e na atual conjuntura vem se aprofundando cada vez mais.
Rossato et al. (2006) em sua obra As bases da sociologia, acredita que o Brasil está profundamente marcado por contrastes econômicos, culturais, políticos de forma
que ainda se questiona se constituímos uma civilização ou se somos um agregado social, sem laços estruturantes que estabeleçam uma determinada ordem. Complementa
que as desigualdades sociais históricas não foram superadas configurando ainda uma
sociedade que não conseguiu inserir-se nos padrões das modernas superando as grandes distâncias que marcam os grupos sociais que as compõem.
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Somada a esta realidade, a população brasileira ainda enfrenta o desemprego,
um salário mínimo que não garante o mínimo para sobrevivência e sobretudo, uma política de segurança pública que, com seus métodos violentos e discricionários, instaura
medo e insegurança.
Neste sentido, a violência acaba por não se restringir aos crimes mais falados
na sociedade: homicídio, latrocínio, assalto, tráfico de drogas – pois esta é a sua face
mais aparente, mais contundente. Trata-se de um fenômeno social que se ancora e se
reproduz subjetivamente, expressando-se em condutas também violentas.
Rosa (2001) enfatiza que:
O crime é a face mais descarada da violência. Acaba se constituindo numa cortina de
fumaça, desviando a atenção da opinião pública de suas determinações [...] Vivemos
num clima social que produz e potencializa a violência. (ROSA, 2001, p. 182).
Sob a ótica de Gomes (2006), durante muitos anos acreditou-se na relação quase direta entre a miséria e a violência, entretanto, está tornando-se cada vez mais evidente que a relação é outra: urbanização desordenada, somada a miséria e ao desemprego, entre outros, sendo os componentes que determinam a violência.
Para Trezzi (2007) a chave do crime está na desigualdade social, não na pobreza. Repetida como um mantra entre cientistas sociais, esta premissa ajuda a explicar o
mapa da violência esboçado nas cidades com baixa criminalidade perfiladas, têm muitas coisas em comum, pois quase todas ficam na metade sul do Estado, a mais estagnada economicamente. Alguém poderia supor que a pobreza que grassa entre os sulinos
fosse motivo para a violência, mas isso parece que não está acontecendo. Assim como
no sul do Rio Grande, na Índia e, para não ficar longe, na maioria dos Estados do nordeste brasileiro, a pobreza é grande, e a criminalidade é baixa. O que parece comprovar
a tese de que o crime cresce mesmo é diante da desigualdade social.
Embora não sejam suficientemente explicativos, esses fatores, somados a tantos outros contribuem significativamente para compreendermos a atual estrutura da
sociedade contemporânea brasileira.
3.
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER
A violência doméstica e de Gênero é um problema complexo, que possui profundas raízes na organização social, nas estruturas econômicas e de poder na sociedade. Enfrentá-la exige o desenvolvimento de políticas públicas em diversas áreas em que haja mo-
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bilização e conscientização da sociedade, engajamento dos governos e dos mais amplos
setores sociais. (Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, BRASIL, 2003).
A emergência da violência doméstica como problema público, nos anos
1970/1980, no Brasil, colocou em discussão formas de conceber e enfrentar a questão
que se embasava no pressuposto de que as relações familiares pertencem à denominada esfera da vida privada, não cabendo, portanto, a interferência de terceiros, nem do
Estado, pois dizem respeito apenas aos sujeitos nela envolvidos (ROCHA, 2001).
Para Kowalski (2007) os indivíduos, em suas relações familiares e nas contradições cotidianas, põem em evidência os seus conflitos que acabam desembocando no
Poder Judiciário como forma de resolução. Entretanto, os mecanismos de resolução
condizem com a regulação de leis, legitimando o poder de instituições públicas.
Torna-se relevante elucidarmos o que dispõe o art. 226, § 8º da Constituição
Federal de 1988: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 8° O
Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”
Neste contexto, as Delegacias acabam servindo como primeiro recurso para
solução de problemas decorrentes dos conflitos entre os membros da família, pois foram implantadas devido à ausência de outros serviços para o atendimento às demandas nas situações de violência doméstica. O conflito entre a expectativa elevada de parte da sociedade e dos movimentos sociais organizados colocou as Delegacias de atendimento à Mulher frente a importantes impasses uma vez que muitos foram os papéis
a elas atribuídos. Estes papéis nem sempre se adequaram aos objetivos para os quais
foram preconizadas e estavam equipadas.
Tem-se notado grande maioria das mulheres que procuram as DEAM’s muitas
vezes carrega consigo a esperança de que a polícia irá resolver o seu problema familiar.
Um grande número destas entende que as delegacias de polícia para a mulher devam
achar a solução para o seu casamento, ou melhor, na maioria dos casos (de lesões do
tipo vias de fato, ou pequenas ameaças) “darem um susto” nos maridos para que parem de beber e lhes importunar, o que intrinsecamente dá a entender que querem somente ter uma relação feliz com os companheiros.
A precariedade das instalações e equipamentos dos órgãos da Polícia brasileira não permite às autoridades policiais cumprir com tão avançado programa de assistência e proteção à mulher. O trabalho policial, assim como o da segurança pública co-
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mo um todo, tem limites: ele isoladamente não dará conta dos problemas de segurança,
que são complexos, móveis e dependentes de fatores sociais, culturais e pessoais que
transcendem as práticas das corporações de segurança pública.
Ligada a esta problemática, a operacionalidade do sistema penal vem demonstrando-se insuficiente ao enfrentamento da questão do conflito e violência de gênero e
família, um fato que não pode ser atribuído exclusivamente ao ordenamento jurídico,
pois fazem parte de nosso cotidiano leis que não são cumpridas e políticas públicas esquizofrênicas.
Um dos problemas freqüentes nas políticas públicas deve-se à descontinuidade em função das mudanças de governo e ao fato de as características das ações nesta
área estarem vinculadas às iniciativas individuais (SOUZA; ADESSE, 2005)
Para efetivarem-se ações de prevenção, redução da violência contra as mulheres e suas repercussões sobre as famílias e sociedade é necessária a reunião de recursos
públicos, comunitários, envolvimento do Estado e da sociedade em seu conjunto, o que
requer compromisso efetivo destes na implementação de políticas públicas frente aos
prejuízos pessoais e sociais que atingem as mulheres em situação de violência.
Nesta perspectiva, segundo pesquisa realizada pelo IPAS (2006), o Brasil é conhecido como o país que mais sofre com a violência doméstica, perdendo cerca de
10,5% do seu PIB em decorrência desse grave problema.
Entretanto, muitos avanços em termos de direitos das mulheres foram conquistados no passar dos anos. Podemos lembrar, que ainda no inicio da década de 60,
tinha-se a mulher como relativamente capaz, o que foi sepultado com a Lei n° 4121/62
(Estatuto Civil da Mulher Casada), onde a mulher passa a ser considerada companheira e colaboradora do marido.
Em 07 de agosto de 2006 foi aprovada a Lei 11.340 - Lei Maria da Penha - que
veio saldar os compromissos do Estado brasileiro com as mulheres e com a comunidade internacional. Antes da nova lei, os crimes de violência contra as mulheres, cujas
penas não ultrapassavam dois anos, eram considerados “delitos de menor potencial ofensivo” e julgados pela Lei 9099/95 (Leis dos Juizados Cíveis e Criminais - JECrims).
Até a nova Lei, constava-se no Brasil a vigência de dois instrumentos legais contraditórios no que se refere à violência contra a mulher – a Convenção de Belém do Pará, instrumentos internacional e nacional de Direitos Humanos, que destaca a gravidade des-
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sa violência, e a Lei 9.099/95, que o incluía essa violência no rol dos crimes de menor
potencial ofensivo.
Trata-se de lei extensa e repleta de boas intenções em seus 46 artigos, acrescidos de parágrafos e incisos. Seu texto é marcado por um grande número de normas
programáticas, entre elas a que determina que o poder público desenvolva políticas
que visem garantir os Direitos Humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Acreditava-se que em função da vigência nova Lei 11.340/06, as mulheres
passariam a efetuar mais registros de violência sofrida, pois a sensação é de que a “coisa” mudou mesmo. Portanto, não será fácil cumprir todas as suas normas que prescrevem ações governamentais verdadeiramente transformadoras da realidade socioeconômica brasileira.
Para refletirmos sobre a violência em seu âmbito familiar, é necessário acreditar que as mulheres podem tornar-se sujeitos de suas próprias vidas e superar as relações de subordinação e opressão que dão origem à violência.
Portella (2004) entende que de maneira geral, a violência precisa de legitimidade para ser exercida, e esta é o que irá determinar o maior ou menor grau de permissividade ou licença social para a violência. Contextos democráticos e mais igualitários
são, teoricamente, menos permissivos com a violência, estimulando as formas negociadas e institucionalmente mediadas para a resolução de conflitos.
Acredita que, afirmar que todas as mulheres estão expostas à violência não é o
mesmo que dizer que todas as mulheres estão expostas à mesma violência ou à mesma
intensidade e severidade das agressões. Hoje sabemos que há determinantes diferenciados, fatores de risco e fatores de proteção e contextos mais e menos vulneráveis à violência, porque as relações de gênero que fundam a violência não existem no vazio, mas,
sim, em contextos históricos e sócio-culturais específicos que conferem características
diferenciadas à violência.
A violência doméstica está muitas vezes associada a vários outros problemas
psicológicos e sociais, como a dependência de álcool e outras drogas, a pobreza, o estresse e a exclusão social, embora não seja uma decorrência direta desses fatores.
Quando a vítima encontra apoio para vencer a situação de violência doméstica, ela está
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ao mesmo tempo ampliando suas perspectivas como cidadã, tornando-se consciente de
seus direitos e dotando-se dos recursos para conquistá-los.
As causas e os efeitos da violência doméstica são complexos e variados. Por isso, as vítimas apresentam múltiplas demandas durante o processo em que tentam se
libertar da situação de violência, requerendo atendimento contínuo e diversificado.
Deve ficar claro que conflito conjugal e violência doméstica contra a mulher, não são a
mesma coisa.
A mera prisão dos agressores não produz resultados eficientes no sentido de
reduzir a violência de gênero e preservar a segurança das vítimas, embora ela seja inevitável quando se trata de agressões graves. Reconheça-se que o sistema prisional vive
uma de suas mais dramáticas crises, com superlotação ostensiva na absoluta maioria
das cadeias do País.
Apostar simplesmente na criminalização e no encarceramento, sobretudo se
este vem desacompanhado de processos reeducativos, significa investir na mesma lógica de que se alimenta a violência. Sem intervenção, as situações de violência doméstica tendem a se tornar cada vez mais freqüentes e severas. Embora nem sempre seja fácil para vítimas e agressores perceber exatamente quando a relação se tornou irremediavelmente violenta, é importante intervir o quanto antes para evitar que as agressões se
tornem mais e mais severas.
O tratamento ressocializador enquanto ideologia que sustenta o sistema penal
revelou-se em uma crise severa de legitimidade, principalmente a partir da constatação
de que a prisão (principal instrumento do sistema penal vigente) como forma de reabilitação do delinqüente torna a promessa ideológica irrealizável.
Devemos deixar claro, que não estamos tratando aqui dos delitos mais graves
(Estupro, atentado violento ao pudor, cárcere privado, seqüestro etc.). O que queremos
mostrar é que o Direito Penal não tem mais lugar para resolver problemas de relacionamento familiar, que poderiam ser resolvidos em âmbito cível. No nosso entendimento, a polícia é muitas vezes “usada” pela população para não ter que ir até uma Vara
especializada em família e entrar com o processo de separação, o que requer custos ou
muitas vezes demora no deslinde da questão. Dessa forma, é elogiável a criação de
mais uma norma jurídica no ano de 2006, a qual prevê a separação consensual que poderá ser feita nos cartórios de registros públicos, mudando assim um panorama de burocracia exacerbada para com o cidadão.
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O Direito Penal, na perspectiva do penalista alemão Claus Roxin apud Robaldo
(2006) "deve garantir os pressupostos de uma convivência pacífica, livre e igualitária
entre os homens, na medida em que isso não seja possível através de outras medidas
de controle sócio-políticas menos gravosas".
Nessa dimensão, portanto, o uso do Direito Penal só se justifica para a proteção subsidiariamente de bens jurídicos essenciais, na medida em que pune ou impede a
prática de determinadas infrações e desperta, conseqüentemente, a consciência jurídica
da população. Quando se procura, por exemplo, por meio da norma penal, proteger a
vida, a liberdade, o patrimônio, dentre outros bens jurídicos relevantes, está-se procurando sedimentar na população o respeito por esses valores, justamente porque os
mesmos são imprescindíveis para uma convivência pacífica. E a sua busca implica na
abdicação de determinados direitos individuais. O homem, no ideário iluminista, abre
mão de certas regalias pessoais (direitos individuais) em função da paz social e individual, caracterizando-se aquilo que se convencionou denominar-se de pacto social.
É necessário que fique bem claro à população que leis penais, conquanto importante para a tranqüilidade social, não são suficientes para tal. Se a lei penal, por si
só, resolvesse os problemas cruciais de segurança pública, a solução para essas questões já teriam surgido há tempo. O Direito Penal nesse contexto é importante, porém,
insuficiente.
Imagina-se que ninguém de sã consciência esteja totalmente satisfeito com a
legislação penal que temos, salvo os criminosos. Exigem-se alguns reparos a lei penal,
sobretudo no que diz respeito aos crimes organizados. Tratamento diferenciado para
os criminosos perigosos, os "Marcolas da vida", é uma exigência premente. Nesse contexto, cremos que até mesmo a mitigação de certos direitos fundamentais se justifica.
Contudo, deve-se tomar cuidado para não cair na tentação do simbolismo, do faz de
conta de um lado e do arbítrio de outro.
Hermann (2002), ao citar Foucault, menciona que:
A prisão institucionalizou-se à luz do Direito Canônico, com um caráter penitente, e
pretendeu progredir para um enfoque reeducativo, propalando, modernamente, o
discurso do tratamento ressocializador do agente. Mas esse discurso oficial é amplamente descumprido, e a ideologia do tratamento ressocializador mostrou-se inviável
em termos de operacionalização, sendo que a prisão só subsiste como pena porque,
como diz Foucault, não se sabe o que por em seu lugar. [...] Na verdade, a crítica coerente deve passar pelo reconhecimento de que a prisão não é instrumento hábil para
promover a ressocialização de ninguém, na medida em que reflete as desigualdades
sociais e segrega os indivíduos excluídos pela própria sociedade. O fato é que o clamor levantado contra a prisão redundou, a partir dos anos sessenta deste século, em
diversos movimentos de crítica ao sistema penal contemporâneo e de reforma penal,
entre eles o minimalismo penal e o abolicionismo (os dois maiores). Paulatinamente e
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dialeticamente, vem se instalando a convicção de que a postulação abstrata da ressocialização não é viável, e – principalmente – que a prisão não é o lugar adequado para sua realização. (HERMANN, 2002, p. 46-48).
Na análise de Robaldo (2006):
[...] o simbolismo do Direito Penal está justamente no fato da sua utilização, não como meio de contribuição efetiva para uma convivência pacífica, e sim, como uma
forma enganosa dessa proteção, própria do político que se apresenta como "salvador
da pátria". Na realidade, ele não está preocupado com o bem estar social ou individual da população, mas sim, com sua eleição ou reeleição. (ROBALDO, 2006, p. 02)
Hoje alguns doutrinadores mencionam que o número desordenado de legislações mais atrapalha do que ajuda a manter a sociedade num padrão aceitável de crimes
e, em nosso entendimento a punição, na forma de pena, deveria ter a função de ressocialização do indivíduo, tal como uma forma de o Estado punir restringindo um dos
maiores direitos do cidadão: Liberdade.
Nas lições de Giuseppe Bettiol, “a força real da pena está realmente, em sua
justiça, ou seja, em sua proporcionalidade”. A gama de finalidades da pena é extensa e
dentre os conceitos mais conhecidos estão o que já previa as Escolas Positiva: “o crime
é um fenômeno natural e social, e a pena meio de defesa social”; Escola Clássica: “a pena é um mal imposto ao indivíduo a que merece um castigo em vista de uma falta considerada crime, que voluntária e conscientemente cometeu”.
O caráter retributivo da pena, pra não dizer que nunca, dificilmente é alcançado dentro do sistema processual brasileiro, onde a justiça é muitas vezes tardia e ineficiente. Quando se fala que a pena tem como fim fazer justiça, e nada mais, revela-se o
princípio da proporcionalidade, há muito esquecido pelo operador do direito. A progressão de regime é vista, muitas vezes, como um malefício para a sociedade. Se for
pensado na finalidade da pena em repressão ao crime, fica evidente a falência do sistema. Enquanto não houver políticas mais contundentes de inclusão social e diminuição das desigualdades pelos governantes, a tendência e só o aumento gradativo da
criminalidade e a conseqüente enxurrada de leis penais para endurecimento do Direito
Penal em relação ao delinqüente.
O Direito Penal deve ser usado como bem define parte da doutrina como última ratio, e não como primeiro mecanismo de combate ao crescimento do crime, pois existe para servir vários propósitos. O estabelecimento de uma anarquia punitiva dentro
de uma sociedade de valores, demonstra seu caráter simbólico, na medida em que é
aceito pela sociedade como um mal necessário.
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Não poderíamos falar das mazelas brasileiras sem deixar de citar o excessivo
número de normas legislativas emanadas pelos poderes públicos desde a promulgação
da CF/88, mas é claro que não podemos dizer que há uma ligação direta entre a violência atual e a avalanche legislativa.
4.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não há dúvida de que é preciso eliminar a violência doméstica contra a mulher em seu
âmbito familiar, e quanto a isto, não há divergências uma vez que seu fundamento político jurídico é admirável e difícil de ser contestado.
A nova lei certamente é propulsora de muita polêmica, sendo fonte de merecidas críticas uma vez que muitas das restrições e sanções previstas apresentam-se na
contramão do processo histórico-cultural que envolve e conduz o Direito como instrumento de controle social e solução de conflitos individuais e interpessoais.
Nesta direção acredita-se que não se deve diminuir ou menosprezar a gravidade da violência que se pratica contra a mulher no interior dos lares e seus efeitos negativos, que atingem não só a dignidade da mulher como também a formação dos filhos, culminando na desestruturação das relações intra-familiares.
A lei isolada é um instrumento limitadíssimo à transformação pessoal, cultural
e de condutas. A experiência internacional demonstra que nenhuma iniciativa isolada é
capaz de fazer face à violência intra-familiar por tratar-se de um problema de enorme
complexidade resultante de uma conjunção de fatores sociais, culturais e psicológicos,
capaz de gerar um leque de conseqüências igualmente complexas e diversificadas. Somente quando articuladas, as polícias, as unidades de atendimento, a justiça e as redes
sociais de apoio ganham capacidade de ação e amplificam os efeitos de suas respectivas intervenções.
A realidade brasileira está voltada ao Direito Penal de emergência, ou em uma
expressão conotativa “Direito Penal bombeiro”, pois muitas leis são editadas conforme
o clamor público da mídia, sendo algumas elaboradas muitas vezes para satisfação de
uma pretensão populacional, em caráter urgente. O sentimento de impunidade aflige
grande parte da população diante de representantes mal intencionados, onde só o que
importa é angariar votos a qualquer custo.
A sociedade brasileira usufrui de um sistema prisional completamente falido,
ao mesmo tempo em que não se ouve falar em políticas de prevenção ao crime organi-
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zado, e, diante de um aparato policial deficiente, já não há mais tempo para conversas
sem objetivos. O que o país necessita é de mais ações concretas e menos teorias infundadas onde somente o estudo dos fatores ligados à criminalidade não são o cerne da
questão, mas o agir, em prol da população com políticas de desenvolvimento mais adequadas à nossa realidade.
A violência hoje se tornou mais um sintoma social do que doença social, e requer distinção e análise sistemáticas dos meios mais adequados e eficientes de solucionar o problema. Para tanto a vontade política dos governantes e operadores do direito
deve ser muito bem observada a fim de que não transformem leis em cartilhas inúteis,
como já aconteceu a tantas outras.
A construção de uma rede de assistência e parcerias pode ser uma das medidas possíveis para estancar o avanço e manter um controle social maior sobre a violência. O desenvolvimento de mais políticas públicas voltadas à educação e direcionadas
como base para um desenvolvimento econômico são de fundamental importância para
elevar o ensino, seja em qualquer de seus níveis, ao lugar que deveria ocupar dentro
das prioridades de governo.
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Arthur Cordenuzzi Neto
Graduado em Direito pela UNICRUZ-RS. Pós Graduado em
Ciências Criminais pela UNAMA/UVB e em Segurança
Pública e Direitos Humanos pela FADISMA. Linha de pesquisa: violência de gênero e políticas públicas voltadas à
mulher e ao idoso.
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