MEDICALIZAÇÃO – UMA EXPRESSÃO DA “QUESTÃO SOCIAL

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MEDICALIZAÇÃO – UMA EXPRESSÃO DA “QUESTÃO SOCIAL”
SILENCIADA E REDUZIDA À NORMAS, DISCIPLINA E CONTROLE
Alcione Alves1
Camila Fernanda Daniel Koeche2
RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar a medicalização infantil como forma de
camuflar uma das expressões da “questão social”, ou seja, a patologização como forma de
contraposição ao que tem origem nas condições de (re)produção social ou numa sociedade
que é regida por padrões de normalidade impostos de modo hegemônico. A construção do
referencial teórico se dará a partir da pesquisa bibliográfica e documental, de modo a
referenciar brevemente a construção histórica da Política de Educação, Saúde, Reforma
Sanitária, que se compõem através de lutas que resultam em conquistas e garantia de seus
direitos, primando a igualdade de classe.
PALAVRAS-CHAVE: Medicalização; política social; questão social; educação.
INTRODUÇÃO
Há uma latente inquietação de pais, professores e educadores na busca por uma
definição ou diagnóstico para crianças tidas com alguma espécie de “disfunção” ou
“desencaixe”, no entanto, é notável nesta sociedade que há algumas condutas normativas
que são preconizadas, e entre elas a procura pela sensação de estar encaixado no todo,
respondendo as expectativas geradas, e o não pertencimento a esta gera preocupação e
insatisfação. Então, se estabelece a procura por algum padrão no qual o sujeito se encaixe,
justifique sua conduta a determinada patologia, sendo que esta desvia o olhar para o
sistema e foca na condição do indivíduo.
Vivemos em uma sociedade onde predomina a desigualdade, e onde esta predomina,
entende-se que quem detém a riqueza detém também o poder de julgar, classificar e sentenciar
os demais. A manutenção de um sistema fundado em desigualdade é possível, entre outras
coisas, graças a um discurso que tenta explicar as diferenças entre os indivíduos – e as próprias
desigualdades, produzidas pelo sistema – a partir de um padrão rígido e único de normalidade.
A essência deste discurso consiste em naturalizar as desigualdades socialmente produzidas e
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Acadêmica do 4º ano do curso de
[email protected], (45) 99553810
Acadêmica do 4º ano do curso de
[email protected], (45) 99168087
Serviço
Social
da
Unioeste/campus
Toledo/Pr,
Serviço
Social
da
Unioeste/campus
Toledo/Pr,
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considerar que sua origem está naquilo que é exclusivamente de cada indivíduo. Sem levar em
conta o movimento histórico e as disputas sociais, assim sendo, esta retórica busca, na
rotulagem, biologização, explicação para as desigualdades sociais, como se fossem causa e
conseqüência, e não inerentes ao sistema capitalista.
Quando esta percepção se aplica a escola percebe-se que as crianças que não tem
um bom desempenho se encaixam em um padrão em que são responsabilizadas por tal
situação, no entanto, é necessário se analisar o contexto social ao qual esta se insere para
poder buscar por uma avaliação que possa determinar uma resultante que possibilite uma
intervenção, que não esteja focado no fator isolado, mas que busque apreender a
conjuntura com um todo.
EDUCAÇÃO, “QUESTÃO SOCIAL” E EXCLUSÃO
A Educação é um dos pilares no qual se assenta uma sociedade, porém, no país esta
sempre esteve ligada ao conceito de higiene3 e de boas maneiras, que primasse por atender
ao padrão de moral e ordem burguês, e para que estes padrões se efetivassem havia a
comunhão com a medicina, “nesse sentido, educação e saúde se uniram como elementos
inseparáveis na implantação de um programa de normalização e moralização, que visava
manter forte pilar social – a ordem – pelos bons hábitos.” (LUENGO, 2010, p. 45).
Sendo assim, uma das condições necessárias para que se possa compreender a
dimensão educativa é a análise da realidade educacional brasileira, o modo como a escola
cumpre ou deixa de cumprir sua função social, produz reflexos na sociedade que emergem
através de demandas para o Serviço Social. Estas refrações, advindas da “questão social”4
se tornam perceptíveis nas mais diversas áreas que abrangem o campo de atuação
3
4
A medicina social, através de sua política higiênica, reduziu a família a este estado dependência [...]
pretextando salvar os indivíduos do caos em que se encontravam que a higiene insinuou-se na intimidade
de suas vidas. Valendo-se dos altos índices de mortalidade infantil e das precárias condições de saúde dos
adultos, a higiene conseguiu impor a família uma educação física, moral, intelectual e sexual, inspirada
nos preceitos sanitários da época. Esta educação, dirigida sobretudo as crianças, deveria revolucionar os
costumes familiares. A higiene, enquanto alterava o perfil sanitário da família, modificou também sua
feição social. (COSTA, 2004, p.12)
A expressão “questão social” permanece entre aspas devido: “[...] uma das resultantes de 1948 foi a
passagem, em nível histórico-universal, do proletariado da condição de classe em si a classe para si. As
vanguardas trabalhadoras acenderam, no seu processo de luta, a consciência política de que a “questão
social” está necessariamente colada à sociedade burguesa: somente supressão deste conduz à supressão
daquela. A partir daí, o pensamento revolucionário passou a identificar, na própria expressão “questão
social”, uma tergiversação conservadora, e a só empregá-la indicando este traço mistificador” (NETTO,
2001, p. 44-45).
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profissional, sejam nas próprias escolas, em instituições de contra turno social ou escolar,
nos serviços públicos, na saúde ou na assistência social.
De acordo com Iamamotto (2011) e Netto (2010), a “questão social” é o resultado do
antagonismo de classe, da contradição entre capital e trabalho, onde o processo de acumulação
do capital rebate diretamente na configuração social e expressões da desigualdade vivenciadas
pelo conjunto da classe trabalhadora, oprimidas pela disputa de interesses, gerando impactos
na conjuntura, isto é, na realidade histórica. A “questão social”, que tem sua gênese no
capitalismo, tem como característica explicativa, na perspectiva do modo de produção
capitalista e Estado neoliberal, a naturalização das suas expressões, sendo vinculadas tão
somente ao indivíduo, dissociando-o do contexto histórico.
Para se entender a “questão social” e suas expressões, é necessário uma
contextualização histórica no país, considerando que esta não é linear, a-temporal, sem
movimento e abstrata. A história assim como a “questão social” se dá sob perspectiva dialética,
na realidade concreta, onde a interação entre os indivíduos sociais e o movimento histórico,
bem como, a relação sujeito e objeto não são naturais, mas construídas (BULLA, 2003, p. 3-4).
Sendo assim, a partir da década de 1930, no Brasil, se intensifica a industrialização,
a imigração europeia e a saída do homem do campo para as cidades, a “questão social”
torna-se mais evidente, bem como suas expressões: a urbanização desenfreada, a miséria, o
desemprego, a violência, a desigualdade social dentre outras, ficando clara um progressiva
elevação da miséria relativa à acumulação do capital.
A exclusão no sistema educacional brasileiro tem uma longa história, que tem seu
auge entre o final do século XIX e início do século XX, na criação das escolas como
instrumento regulador para os pobres, que tinham como intuito o recolhimento de crianças
abandonadas e combater em consequência disto, a mortalidade infantil.
Deste modo, conforme Costa (2004), a escola nasce destinada a receber o povo
abandonado, ou seja, os mestiços advindos de relações extraconjugais e afins, e os que
fossem tidos como “degenerados” sociais, aqueles que não tinham a convicção da
importância da manutenção da saúde, do bem-estar e do progresso da população, fazendo
assim necessário a estatização dos mesmos para que absorvessem através do processo
educacional tal concepção. Deste modo, as técnicas disciplinares saem do ostracismo
colonial e se destacam como primeiro plano da cena política urbana no país.
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Assim, as crianças pertencentes às classes que detinham maiores condições
econômicas eram mantidas em seus lares, onde recebiam o conhecimento de modo mais
abrangente, gerando uma classe intelectual, que devia perpetuar a ordem social, e para,
além disto, a distinção entre classes, ou seja, “superiores” e “inferiores”.
Esta mesma divisão se perpetua aos dias atuais, de modo mais sutil, e que se
expressa na falta de oportunidades de acesso à escola pública e de qualidade, nos elevados
níveis de evasão escolar e na permanência das crianças e adolescentes por toda esta fase de
suas vidas nas escolas, e, no entanto, sem se apropriarem de fato dos conteúdos escolares.
O ambiente escolar, conforme Luengo (2010) tem como intuito garantir a apropriação do
saber, e deveria possibilitar também o desenvolvimento de formas mais elaboradas de
compreender o meio social. Para tanto, esse processo não deve ocorrer de forma passiva e
mecânica, este se constrói nas relações do homem com o contexto social e, ao mesmo tempo, é
determinado pela singularidade de cada indivíduo e do respeito a esta singularidade.
Assim, segundo Constantino (2000), é impossível compreender o sentido subjetivo
e pessoal do ser, sem situá-lo na trama complexa das relações sociais. Isso significa que
embora cada sujeito possa atribuir significados à sua vida e ao mundo, a individualidade e
a subjetividade continuam ligadas à objetividade, ou seja, ao contexto sócio histórico.
Observa-se, que a própria origem da palavra sujeito nos leva a questionar sua
intenção, ou seja, sua raiz que está na sujeição, domesticação, subordinação, obediência,
seja da mente ou do corpo no seu modo físico ou espiritual.
Para que o atual sistema se perpetue há a necessidade de que as relações se
constituam através de valores morais apreendidos como verdade, que não permite o seu
questionamento e que derivam da incorporação de um conformismo que impede os
indivíduos de exercerem sua capacidade crítica e de escolha. Estes conceitos, adquiridos
através da valoração moral e que são sintetizados como naturais à sociedade, vão sendo
absorvidos, de forma que o ser os adota como caráter integrador, de forma subjetiva, que se
concretiza a partir dos vínculos sociais que se estabelecem nos meio de (re)produção da
vida social (MÉSZARÓS, 2010).
Assim, partindo de um modelo ideal de comportamento, discorre Luengo (2010), os
indivíduos que não seguem o caráter normatizante, são considerados como não pertencentes ao
padrão tido como ideal, sendo que a ânsia pela produtividade desenfreada, própria da
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sociedade capitalista advinda de uma cultura globalizada, a liquidez das relações, somada a
conquistas científicas e tecnológicas, fez por conceber o homem como um ser que necessita
estar apto, a adequar-se a um mundo nas diversas situações que passa a enfrentar, e aquele que
por algum motivo não acompanha o todo é visto como o diferente, o incompleto, o
desajustado, o imperfeito que necessita de ajuda para justapor-se aos anseios sociais.
MEDICALIZAÇÃO E CONTROLE
Para Foulcault (1987), o que determina a sujeição humana é o medo, a coação, a
vergonha pelo “não pertencimento”, e estes são administrados através da ordem, a qual o
indivíduo é submetido, e da naturalização desta através das normas, valores e significados
produzidos e reproduzidos na esfera social e que é progressivamente materializada no
campo real,
[...] significa uma adaptação e harmonia dos instrumentos que se encarregam de
vigiar o comportamento cotidiano das pessoas, sua identidade, atividade, gestos
aparentemente sem importância; significa uma outra política a respeito dessa
multiplicidade de corpos e forças que uma população representa.
(FOULCAULT, 1987, p. 72-73)
Esta influência surge a partir da época clássica (meados do século XVI até finais
do século XVIII), onde o corpo é descoberto como objeto e alvo de poder.
Deste modo, o indivíduo capaz torna-se o indivíduo sadio, que detinha controle
tanto de sua saúde física quanto de uma boa conduta moral. Assim, o ser considerado
leproso, louco, bêbado, gera a estigmatização e rotulagem de um estado de anormalidade,
de degeneração, que reforça os padrões ideais que a classe tida como “normal” deve seguir
para não se tornar alvo de segregação, daí, o sentido de pertencimento a determinada classe
que vai se dividindo entre os aptos e inaptos, ou seja, os que trabalham e os que por algum
motivo não tem condições para exercê-lo.
Neste sentido, a sociedade ao moldar, controlar e punir, priva o ser de sua essência,
a liberdade. Liberdade de expressão, liberdade de pensar, de procurar seus próprios
interesses, de socializar, de reivindicar, de errar, enfim, de ser ele mesmo, pois ao
expressar esta essência o ser humano retorna ao seu estado original (FOULCAULT, 1987).
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Ao ser tolhido o exercício desta capacidade, o ser social vai perdendo seus sentidos
originais. Deste modo, até mesmo a linguagem corporal lhe é cerceada, ou seja, se o
indivíduo não pode mais manifestar as dores e os sabores por meio do corpo ou da fala
enquadra-se ao sistema que a rejeita, ele passa a internalizar a disciplina e aceitar o que lhe
é imposto (LUENGO, 2010).
Para tanto, compreender as tramas sociais que corrompem e desumanizam o ser
desde a infância, através do processo educacional, revela o mundo como um sistema
fechado de conceitos e que reduz o outro a um molde dentro do qual se pretende
enquadrar, que destrói o aspecto crítico e questionador inerente ao ser, ou seja,
A análise do fracasso escolar tem como um de seus principais argumentos, o fato de
que os problemas de aprendizagem incidem maciçamente sobre as crianças das
classes populares e é sobre elas que durante décadas recaem as explicações a
respeito dos chamados problemas de aprendizagem: ou porque apresentam
problemas psicológicos, ou biológicos, ou orgânicos ou mais recentemente, sócios
culturais; bem como analisando o caráter ideológico e repleto de equívocos
presentes nessas explicações, resultado de concepções preconceituosas a respeito do
pobre e da pobreza no Brasil (SOUZA, 2010, p. 59).
No panorama atual, nota-se que cotidianamente muitos alunos são rotulados como
difíceis, desequilibrados, depressivos, maníacos, bipolares, agressivos, introvertidos, e
muitos passam a engrossar a fila de espera para atendimento em serviços públicos de saúde
em todo o país.
Deste modo, para Luengo (2010), essas práticas que pretensamente visam identificar e
tratar alunos com problemas emocionais na verdade fazem parte de um processo de
enquadramento dos desviantes do tipo psicológico ordinário, alimentado por valores
excludentes e preconceituosos. Assim é notável que os primeiros “diagnósticos” em relação a
alguma dificuldade social da criança parte da escola, que identifica e analisa o ser a partir de
manifestações comportamentais e não sob o viés da realidade concreta na qual este ser se
encontra, pois, como já visto, há uma estrita ligação histórica entre a educação e a medicina.
A medicalização da infância veio como conseqüência da higienização e, nesse
sentido, educação e saúde se uniram como elementos inseparáveis na
implantação de um programa de normalização e moralização, que visava manter
um forte pilar social – a ordem – pelos bons hábitos. (...) Ao longo da história,
foram vários os nomes dados aos distúrbios de aprendizagem, e sempre sob
influência da literatura norte-americana, que contribui para o crescimento
desenfreado da indústria fármaco-psicotrópica. (LUENGO, 2010, p. 45 – 68)
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Neste contexto, a escola passa a ser o lugar propício para a construção do ser para resultar
no adulto do porvir, ou seja, a escola passa a ser o local mais apropriado para que a medicina
influenciasse principalmente no que tange o comportamento de cada ser, conferindo neste
espaço, o seu poder disciplinador, “visto que a família estaria distante daquelas ações e ainda
seria diretamente “beneficiada” com a modificação das condutas infantis [...], em vez de castigar
os cidadãos, deveriam prevenir pensando nos adultos de amanhã” (LUENGO, 2010, p. 31). Este
adulto de amanhã deveria se constituir num ser sujeitável e submisso, “dócil” a ideologia
empregada e a disciplina imposta, o cidadão ideal. Assim, a medicina passa a atuar de modo
mais próximo das pessoas, a partir de uma prática filantrópico-assistencialista que passa intervir
na vida privada sem que isto fosse notado como tomada territorial.
Conforme Luengo (2010), a escola foi concebida como local pertinente para a
continuidade da ordem social, ou seja, onde a ética e os valores burgueses regem as condutas do
convívio social que modelam o indivíduo para que tanto sua vida privada quanto social ou
familiar sigam atreladas aos anseios políticos desta classe, e não sob a perspectiva de valorização
do ser e de suas singularidades que compõem o todo numa interação contínua. Deste modo, a
educação passa a ser atribuída a um ambiente controlador e disciplinador, que não corresponde
ao caráter livre, criativo e comunicativo, característicos da infância.
A patologização escolar conforme Collares e Moysés (1985, p. 10) “consiste na
busca de causas e soluções médicas, a nível organicista e individual, para problemas de
origem eminentemente social”. É evidente que não se pode realizar qualquer trabalho
pedagógico sem uma rotina escolar, entretanto, esta deve ser construída cotidianamente
com a finalidade de se colocar a serviço da função social da escola, ou seja, socializar
conhecimentos e desenvolver o potencial crítico e questionador inerente ao ser.
No entanto, nos ambientes escolares está sempre em cheque normas e critérios adotados
de modo genérico, que não levam em consideração o aspecto singular do ser, e, por outro, a
atitude passiva dos professores que esperam que, ao entrar na escola, os alunos rompam de
maneira imediata com as formas de comportamento cotidianas, e que venham a se adaptar
instantaneamente a estas, e os que têm alguma dificuldade nesta adaptação tem de ser
normatizados ou silenciados. Assim, conforme Foucault, “O emprego da psicofarmacologia e de
diversos <<desligadores>> fisiológicos, ainda que provisório, corresponde perfeitamente ao
sentido dessa penalidade <<incorpórea>>.” (FOUCAULT, 1987, p. 17, grifo do autor).
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Deste modo, na sociedade ocidental vem crescendo a transferência de expressões
resultantes das relações de (re)produção social para a área médica, ou seja, a transformação
de questões de origem coletiva, de ordem social, econômica e política serem reduzidas a
questões individuais e biológicas, ou seja, conforme Collares e Moysés (2010), este modo
de definição “[...] iguala o mundo da vida ao mundo da natureza. Isentam-se de
responsabilidade todas as instâncias de poder, em cujas entranhas são gerados e
perpetuados tais problemas.” (COLLARES E MOYSÉS, 2010, p. 72).
Ou seja, as expressões da questão social, são transformadas por meio de operações
discursivas, em algo com origem e solução no campo médico, sendo que este processo se
mantém inalterado em todos os campos científicos dela derivados, não podendo se deixar
de lado que “a medicalização naturaliza a vida, todos os processos e relações socialmente
constituídos e, em decorrência, desconstrói direitos humanos, uma construção histórica do
mundo da vida.” (COLLARES E MOYSÉS, 2010, p. 72).
Segundo Collares e Moysés (1994), o TDAH5 (Transtorno de Déficit de Atenção e
Hiperatividade), concomitante ao uso do metilfenidato6, no âmbito escolar surge como
justificativa para a repetência e o atraso, ou seja, crianças que apresentam comportamentos
que não correspondem ao esperado ou desejado, são tidos como portadores do transtorno, e
os pais, influenciados pelas queixas dos educadores, passam a procurar ajuda médica e
psicológica no intuito de apaziguar tais comportamentos tidos como desviantes.
Deste modo, a medicalização7 na infância vem como consequência da junção entre
saúde e educação, como elementos interligados na implantação de um programa de
normalização e moralização, visando a geração e manutenção de um forte pilar social, ou
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TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade - pelo DSM-IV (Manual de Diagnóstico e
Estatística dos Transtornos Mentais, American Psychiatric Association) ou Transtornos Hipercibernéticos
é segundo a CID -10 (Classificação Internacional de Doenças, Organização Mundial de Saúde – 1993), na
atualidade, o transtorno com maior frequência de encaminhamentos de crianças a centros especializados
de neurologia pediátrica. Também é considerado pelos especialistas como um transtorno mental crônico,
o qual evolui ao longo da vida e que, segundo eles, a criança manifesta logo na educação infantil.
(LUENGO, 2010, p. 19)
Metilfenidato – medicação utilizada para tratar “Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade”,
segundo classificação do CID 10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
relacionados a Saúde – 10ª Revisão. Organização Mundial da Saúde)
Termo criado por Ivan IIlich (1996-2002), empregado e utilizado por Michel Foulcault (1926-1984)
difundido no Brasil pelo movimento coletivo de psicólogos membros do Grupo Interestadual Queixa
Esolar (GIQE), o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP SP) e o Sindicato dos Psicólogos
de São Paulo (SinPsi), que se explicita num manifesto de repúdio ao Projeto de Lei 0086/2006, de autoria
do vereador Juscelino Gadelha, que dispõe sobre um Programa de apoio ao aluno portador de distúrbios
de aprendizagem diagnosticado como dislexia.
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seja, a ordem advinda dos bons hábitos, que faz com que a educação se torne alvo do poder
médico.
Para Collares e Moysés (1994), o conceito de medicalização é similar ao de
patologização, ou seja, se refere ao processo de conferir uma aparência de problema de
saúde ao que tange outras questões, que geralmente estão ligadas à natureza social. Assim,
Angelucci e Souza (2010, p. 9), reforçam que este termo está fortemente presente na
tendência a fazer com que a produção social e institucional das dificuldades de
escolarização seja artificialmente transformada (e ocultada) por meio da atribuição destas a
um suposto distúrbio orgânico dos alunos.
A exclusão através da patologização dos indivíduos é parte da legitimação sutil do
processo de produção e reprodução inerente ao sistema capitalista, e por isto, exige
profissionais que possam fazer uso de um trabalho intelectual crítico, que propicie rupturas
epistemológicas e que prime por desenvolver novos posicionamentos em relação a
sociedade e a educação, sendo esta um dos pilares, senão o mais importante, e que pode
viabilizar, partindo deste pressuposto, o despertar de uma nova consciência política, social
e econômica.
REFORMA SANITÁRIA E A POLÍTICA SOCIAL
Segundo Robaina (2010), a psiquiatria surge na França com Pinel entre o século
XVIII e XIX, porém, durante a Revolução Francesa que constitui uma nova ordem social,
que se centra no homem, que passa a ser regida pelos preceitos de liberdade, igualdade e
fraternidade, emerge uma inquietude sobre as condições hospitalares e asilares nas quais
loucos e desviantes sociais eram submetidos.
Contudo, a autora ressalta que as correntes organicistas da medicina vêm imprimir
esforços para contrapor as teorias de Pinel (de isolamento do sujeito), buscando encontrar
causas anatomopatológicas para a doença mental, dando início ao Movimento Higienista
na Psiquiatria. Com base na doutrina das degenerações, que consistia em identificar em
determinadas raças a degenerescência hereditária, sustentava com força de ciência a
supremacia de uma raça sobre as outras, não aleatoriamente dos europeus sobre os
colonizados, surge então a eugenia na psiquiatria (ROBAINA, 2010).
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A partir dos anos de 1920, inicia-se a expansão das instituições psiquiátricas nos
principais centros urbanos brasileiros. A instituição psiquiátrica busca legitimar-se como
uma das instancias reguladoras do espaço social, extrapolando os limites do asilo clássico,
construindo um espaço que se vincula ao surgimento da psiquiatria infantil.
Deste modo, a psiquiatria vem disfarçada de higiene mental, que objetiva por ser
considerada como fundamental, moldar o sujeito do amanhã, ou seja, as crianças, fazendo
com esta intervenção o surgimento de uma geração higienizada. Sendo que o olhar sobre a
criança justifica e sanciona a intervenção e controle sobre os pais, cabendo assim a higiene
mental o papel de orientação científica das famílias.
Segundo Schechtman (2005), este período é de forte presença da questão
educacional no cenário brasileiro, assim um dos mecanismos estratégicos para a
intervenção psiquiátrica sobre a criança era a que ocorria devido a atuação dos médicos na
assistência escolar, pelos serviços de higiene e saúde escolar. Deste modo, a atividade
desenvolvida pela medicina desempenhava caráter duplo, pois, além de detectar possíveis
distúrbios degenerativos, serviria também para classificar e separar as crianças conforme
sua evolução psicológica individual.
Em 1961, Franco Basaglia, nomeado diretor do Hospital Psiquiátrico de Goriza,
trouxe diversas transformações nas condições do cuidado com o paciente psiquiátrico, e
afirmava a necessidade de transformações no modelo de assistência e na representação
social da loucura, mudanças estas que escapam ao alcance da Psiquiatria. Como explicita
Robaina (2010) para Basaglia, a reforma psiquiátrica preconizava o louco como um ser de
direitos, um cidadão que não poderia estar à mercê de um sistema de tratamento excludente
- mesmo que não desprezasse a necessidade do tratamento clínico - movimentou-se para o
rompimento como o modelo hospitalocêntrico.
Algumas visitas de Franco Basaglia ao país possibilitaram que se viabilizasse a
Reforma Sanitária, estas discussões se iniciam na década de 1970. Este movimento se dá
devido a questionamentos sobre o modelo de assistência psiquiátrica que se centra nos
hospitais e os movimentos sociais em prol da efetivação dos direitos humanos. A Reforma
Sanitária no país pode ser compreendida como um complexo processo político e social
disseminado nas várias esferas governamentais com o apoio de diversos agentes
(AMARANTE, 1994).
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Estes movimentos divulgavam, através de denúncia, como se dava o atendimento
psiquiátrico, a violência nos manicômios, a supremacia psiquiátrica no atendimento, os fins de
consumo presentes nos atendimentos e a concentração do atendimento em redes privadas.
Assim, em 1987, ocorre o II Congresso do MTSM (Movimento dos Trabalhadores
em Saúde Mental) e a I Conferência Nacional de Saúde Mental, no Rio de Janeiro, que foi
realizada no contexto da VIII Conferência Nacional de Saúde sendo que esta, configurouse num marco no Sistema Único de Saúde (SUS). Este evento direciona para a necessidade
de mudança no modelo de assistência oferecida nos manicômios com base na supremacia
do saber psiquiátrico (BRASIL, 2005).
Portanto, com a aprovação da criação do SUS em 1988, ocorre no ano seguinte o
Projeto de Lei nº 3657, proposto pelo deputado petista Paulo Delgado de Minas Gerais, que
tem como princípio a regulamentação dos direitos dos pacientes com transtorno mental e a
extinção dos manicômios. Deste modo, com a assinatura da Declaração de Caracas, em 1990 e
com a realização, em 1992, da II Conferência Nacional de Saúde Mental, o Projeto de Lei
3657/89, vai sendo implementado, através da reinvindicação dos movimentos sociais, que
geram a subsequente aprovação das legislações no que tange a viabilização de uma rede de
atendimento de atenção à saúde mental por diversos estados da Federação (ALVES, 2009).
Porém, somente em 2001 é que o Projeto de Lei de Paulo Delgado é sancionado – com
alterações ao que se refere ao texto original – resultando na lei 10.216, que afirma o atendimento
preferencialmente em base comunitária e pela rede de atenção, da proteção dos direitos dos
sujeitos com transtorno mental e a progressiva extinção dos manicômios (BRASIL, 2005).
É importante ressaltar que a política social - em qualquer área que se vincule, seja
saúde, educação, habitação, entre outras - é fruto de uma conquista advinda de um
processo histórico contraditório, da luta de classes e embates políticos.
Conforme Behring e Boschetti (2008), a evolução das políticas sociais, é num
primeiro momento, considerada como caráter punitivo e repressivo, pontual e fragmentada,
tendo como primeiras legislações as leis inglesas, desenvolvidas no período que antecede a
Revolução Industrial, “[...] tinham alguns fundamentos comuns: estabelecer o imperativo
do trabalho a todos que dependiam de sua força de trabalho para sobreviver, obrigar o
pobre a aceitar qualquer trabalho que lhe fosse oferecido; regular a remuneração do
trabalho[...]”(BEHRING e BOSCHETTI, 2008, p.48).
11
Com este aspecto repressivo e intuito de induzir os indivíduos ao trabalho, as políticas
sociais são um produto do desenvolvimento capitalista, onde o maior interesse desse modelo de
sistema é a exploração através do trabalho para gerar a acumulação. Essas políticas atendem
parte das necessidades da classe dos trabalhadores, pois são fragmentadas sendo somente o
mínimo possível para manter uma ordem, pois tem como maior função a de regulação do
mercado, atuando na reprodução social onde o objetivo é manter a lógica do capital – produção e
reprodução, exploração, acumulação, centralização e contradição (IAMAMOTO, 2010).
No Brasil atrasos acontecem durante toda história, um exemplo, ocorreu na
Ditadura Militar, momento de repressão e proibição da leitura e publicação na área da
Educação como em muitas outras.
Enquanto política social, a Educação vem assumindo novas formas principalmente
a partir dos anos 1990 com a alavancada das políticas neoliberais e a ocorrência de
mudanças no que tange o campo cultural, social, político e econômico. As políticas sociais
em sua totalidade sofrem com reduções, os recursos destinados a elas são limitados,
privatizados, e em consequência deste quadro, as responsabilidades do Estado são
minimizadas, resultando no aumento da exclusão e do agravamento das expressões da
“questão social”, que se refletem na Educação e nas demais políticas sociais, porém, este é
um momento em que o país vive a abertura para a democracia (SILVA, 2012).
A Educação é um processo de constituição da vida social, é um alicerce para o
desenvolvimento social e deve ser um instrumento de concretização para cidadania,
contribuindo com o processo de luta pela democracia, pois um indivíduo apropriado de
conhecimento e de capacidade crítica tem possibilidades de provocar transformações, ou seja,
a Educação “deve ser compreendida como um processo político, exatamente por traduzirem
objetivos e interesses de grupo social economicamente diferente.” (GADOTTI, 1983, p. 45).
Portanto, com a modificação das relações sociais, mudanças no panorama
econômico e a necessidade por profissionais qualificados, a Educação trava lutas no intuito
de se colocar frente à sociedade como direito e para que seja estendido e garantido a todos.
No entanto, somente a partir Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, da
Declaração de Salamanca, em 1994, e efetivação com a Constituição Federal de 1988, é
que a Educação adquire novos contornos, passando a ser um direito, embasado em leis,
devendo ser garantida pelo Estado, por meio de diferentes políticas.
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Assim, a Educação no Brasil se orienta pela Constituição da República Federativa de
1988, que do Artigo 205 ao 214, estabelece os direitos sociais dos quais a educação passa a ser
incluída, sendo direito de todos e responsabilidade do Estado e da família promovê-la e
incentivá-la, com a colaboração da sociedade visando o pleno desenvolvimento do sujeito, o
preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho. Cabe destacar que é a
Constituição de 1988, em seu Artigo 208, que insere o princípio da universalização do acesso à
educação pública, gratuita e de qualidade que prime pelo desenvolvimento do potencial
humano em suas especificidades. A educação é regida também por demais legislações como a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (1996), o Plano Nacional de Educação
– PNE (2011-2020), Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE (2007), Estatuto da
Criança e Adolescente – ECA (1990), assim,
As normas básicas de regulamentação e funcionamento do sistema educacional
estão sob responsabilidade da União, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional e no PNE, traduzidas e especificadas pelas medidas estabelecidas no
âmbito do Conselho Nacional de Educação – CNE. Os estados poderão expedir
legislação complementar, adequando as normas gerais e particularidades locais.
(SAVIANI, 2010, p. 279)
Deste modo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (1996)
abrange a Educação aos processos formativos no que tange a vida familiar, a convivência
humana, o trabalho, as instituições de ensino, e pesquisa se estendendo aos movimentos
sociais e organizações da sociedade civil e manifestações culturais.
Assim, a partir da formulação dos documentos legais frente a Política de Educação,
há a possibilidade de uma educação mais igualitária e não excludente, passa-se a incluir
todas as pessoas, de todas as classes, indiferente de raça, gênero, religião e outros aspectos,
no ambiente regular de ensino onde serão preparados para exercer sua cidadania,
ampliando assim o horizonte de possibilidades, fazendo com que o direito à Educação seja
efetivamente garantido a todos.
Do mesmo modo que a Política de Educação foi construída historicamente, a Política
da Saúde também tem como base para sua implementação a Constituição Federal de 1988, no
artigo 196 do direito à Saúde. Este artigo é complementado pela LOS – Lei Orgânica da Saúde
n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção
e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá
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outras providências. Inclusive dispõe sobre o SUS – Sistema Único de Saúde, tais como
atribuições, objetivos, princípios, diretrizes, gestão e outros. Assim,
[...] as modificações da década de 80, que culminam com a promulgação da
Constituição de 1988, que inaugura um novo sistema de proteção social pautado
na concepção de Seguridade Social, que universaliza os direitos sociais,
concebendo, a Saúde, a Assistência Social e a Previdência como questão
pública, de responsabilidade do Estado. (BRAVO, 2006, p.88)
Ou seja, as mudanças políticas e econômicas ocorridas na década de 1980, determinaram
o esgotamento do modelo médico assistencial privatista hegemônico. O processo de
redemocratização do Brasil estabeleceu novos rumos às políticas e fez surgir novos atores sociais
que propunham um novo modelo de atenção à saúde. Sobre este momento, destaca Bravo, a
“Saúde deixa de ser interesse apenas dos técnicos para assumir uma dimensão política, estando
estreitamente vinculada à democracia.” (BRAVO, 2006, p. 95).
A implantação do SUS, advém de uma manifestação nacional e anti-manicomial
conhecida como Reforma Sanitária, que teve seu início nos anos 1970, e levantava
questionamentos em relação ao modelo de assistência psiquiátrica.
CONCLUSÕES
Com a implementação da Política de Educação e Saúde o país rompe com uma
longa tradição de exclusão educacional, que passa de algo com caráter assistencialista e de
controle social para algo que engloba a todos, sem distinção de classe, cor, raça e etnia. No
entanto há desafios a serem superados para que a educação possa promover a liberdade
como veículo na direção da cidadania plena, e da liberdade que é inerente ao ser e a própria
sociedade, uma delas é a medicalização, que vem imputar ao indivíduo algo que tem raiz
na lógica excludente do sistema capitalista, que descola o sujeito da realidade social na
qual se encontra inserido e lhe atribui características de um ser a-histórico, não levando em
conta a singularidade e a subjetividade peculiares de cada ser.
É importante analisar que para construção de uma nova ordem societária,
democracia, cidadania, direitos sociais, políticos e humanos não devem se dissociar, pois
são elementos interligados, dependendo um do outro para que mudanças concretas
ocorram, sendo assim, a realidade na qual nos encontramos a deriva é construída dentro de
um processo de transformações históricas, de mudanças sociais, culturais, políticas e
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econômicas. Consequentemente, tendo em vista este contexto, é importante buscar por
alternativas que busquem romper com a lógica excludente do capital.
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