saúde pública os reflexos da lei de improbidade

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Universidade de Brasília
Faculdade de Direito
Curso de Especialização à distância em Direito Sanitário para
Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal
Monografia Final de Curso
SAÚDE PÚBLICA
OS REFLEXOS DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
NA SAÚDE PÚBLICA
CELIA OLIVEIRA BOAVENTURA
Tutor: Mariana Carvalho de Cerqueira
Diretor da Faculdade de Direito: Prof. José Geraldo de Souza Júnior
Coordenadora de Pós-Graduação: Profa. Loussia Musse Felix
Coordenadores do Curso: Prof. José Geraldo de Sousa Júnior e Prof. Márcio Iorio Aranha
Consultora de Saúde: Dra. Conceição Aparecida Pereira Rezende
Consultor Jurídico: Prof. Sebastião Botto de Barros Tojal
Consultora de Ensino a Distância: Profa. Maria de Fátima Guerra de Souza
Consultora de Metodologia e Monografia Final de Curso: Profa. Loussia Musse Felix
Brasília, 17 de fevereiro de 2003
2
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................... 04
1. RELAÇÃO ENTRE SAÚDE PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA PROBIDADE ADMINISTRATIVA . 06
1.1 Proteção Jurídica da Saúde Pública Contra a Prática de Improbidade Administrativa06 ................. 06
2. ESTRUTURA LEGAL DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: AS COMPETÊNCIAS DAS TRÊS
ESFERAS DE GOVERNO ................................................................................................................... 08
2.1 A Competência da União ................................................................................................................. 08
2.1.1. Competência Privativa ..................................................................................................... 09
2.1.2 Competência Comum........................................................................................................ 09
2.1.3 Competência Concorrente ................................................................................................. 09
2.1.4 Outras Diretivas: Promoção do Bem-Estar ....................................................................... 10
3. PRINCÍPIO DA SEGURIDADE SOCIAL ............................................................................................ 10
3.1 O Controle Social ............................................................................................................................ 12
3.1.1. Conselho de Saúde ........................................................................................................... 13
3.1.2. Dificuldade de Atuação do Conselho .............................................................................. 15
3.1.3. Os Instrumentos de Gestão do Sistema Único de Saúde ................................................. 16
3.1.4. Fiscalização, Controle e Avaliação .................................................................................. 20
4. CRIAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE ................................................................................... 21
4.1 Princípios de Atenção à Saúde ........................................................................................................ 22
4.1.1 A Saúde como Direito....................................................................................................... 22
4.1.2 A Unicidade do Sistema de Saúde .................................................................................... 23
4.1.3 A Universalidade .............................................................................................................. 23
4.1.4 A Integralidade de Assistência.......................................................................................... 23
4.1.5 A Igualdade
................................................................................................................. 24
4.1.6 A Preservação da Autonomia ........................................................................................... 24
4.1.7 O Direito à Informação ..................................................................................................... 24
4.1.8 A Descentralização ........................................................................................................... 25
4.1.9 A Regionalização e a Hierarquização ............................................................................... 25
4.1.10 A Resolubilidade............................................................................................................. 25
4.1.11 A humanização do Atendimento ..................................................................................... 26
4.1.12 A Intersetorialidade......................................................................................................... 26
4.1.13 A Participação da Comunidade ....................................................................................... 26
4.2 São Princípios de Gestão do SUS: .................................................................................................. 27
4.2.1 A Descentralização com Direção Única ........................................................................... 27
4.2.2 A Regionalização .............................................................................................................. 27
4.2.3 O Financiamento Solidário ............................................................................................... 27
4.2.4 A Aplicação Mínima de Recursos .................................................................................... 27
5. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA VINCULAÇÃO DOS RECURSOS PARA A SAÚDE ....... 27
5.1 Resolução 316 de 04 de abril de 2000 ............................................................................................ 27
5.2 Financiamento .................................................................................................................................. 34
6. SISTEMA DE SAÚDE ABERTO À INICIATIVA PRIVADA NO ASPECTO COMPLEMENTAR . 36
7. A AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE COMPLEMENTAR – ANS .................................................. 36
8. ATRIBUIÇÕES DO SUS ....................................................................................................................... 36
9. O SUS E A COMPETÊNCIA FEDERAL ............................................................................................. 37
10. RELEVÂNCIA PÚBLICA DAS AÇÕES REFERENTES AO DIREITO À SAÚDE ........................ 39
10.1 O Papel Reservado ao Ministério Público na Defesa da Cidadania e da Probidade Administrativa
10.2. O Ministério Público e a Política Pública Social de Saúde .......................................................... 44
3
11. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ............................................................................................... 49
11.1 Conceito ........................................................................................................................................ 50
12. A IMPROBIDADE NAS TRÊS ESFERAS DE PODER..................................................................... 51
12.1 Improbidade Legislativa................................................................................................................ 52
12.2 Improbidade Judicial .................................................................................................................... 52
13. OS SUJEITOS DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ............................................................... 53
13.1 Hospitais particulares conveniados ao SUS .................................................................................. 53
14. HIPÓTESES QUE PODEM CARACTERIZAR A REALIZAÇÃO DE ATOS DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA ............................................................................................................................ 55
14.1 Os atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito ............................ 55
14.2. Os atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário ....................................... 61
14.3. Os atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração
pública ........................................................................................................................................ 67
15. SANÇÕES DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ................................................ 73
15.1. Sanções Graduadas ...................................................................................................................... 74
15.2. Sanções Fixas ............................................................................................................................... 74
15.3. Natureza Jurídica dessas Sanções ................................................................................................ 74
16. O FORO PRIVILEGIADO - INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 10.628/02 ............................. 76
17.1 Jurisprudência ............................................................................................................................ 80
CONCLUSÕES.................................................................................................................................. 84
4
INTRODUCÃO
A questão acerca da moralidade e improbidade, no âmbito
administrativo, vem sendo bastante discutida nos últimos tempos. Isto porque há, hoje
em dia, uma maior preocupação em salientar e fazer cumprir certas determinações
constitucionais, não somente porque a lei o exige, mas também porque o
comportamento social está começando a exigir as atitudes tomadas por aqueles que
ocupam e exercem uma função eminentemente pública sejam morais, na acepção
popular da palavra, para que não recaia sobre eles as sanções impostas pela Lei
8.429/92, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa.
Neste norte, objetiva este trabalho sintonizar as questões oriundas dos
atos de improbidade administrativa com a figura do Administrador/Gestor de Saúde,
objetivando demonstrar que esse segmento poderá ser punido com base na Lei 8.429/92,
criada que foi pelo legislador ordinário, para viabilizar o comando constitucional
previsto no art. 37 § 4º, na hipótese de vir a praticar alguma ação ou omissão que
afronte o princípio da probidade administrativa.
Ressalte-se, ainda, que o próprio cidadão está munido de garantias
constitucionais, afim de preservar a correta conduta dos administradores frente ao erário
público.
A Constituição Federal de 1988, consagrou o princípio que concebe a
saúde como direito e qualificou o direito à saúde incluindo-o no conjunto dos Direitos
Sociais
Neste contexto, o papel e as responsabilidades do Estado com relação
à Saúde Pública, estão expressos na Carta Política, e em especial na legislação que
instituiu o Sistema Único de Saúde. A Constituição Federal de 1988 estabelece que a
“saúde é direito de todos e dever do Estado” cujas ações e serviços de saúde declara de
relevância pública. A Lei Orgânica da Saúde adotou o princípio da universalidade de
acesso.
Atualmente não hesitamos em afirmar, que a saúde é um direito
humano e que, como os demais direitos humanos, exige o envolvimento do Estado, ora
para preservar os direitos fundamentais, principalmente por meio da eficiente atuação
do Poder Judiciário, ora para eliminar progressivamente as desigualdades,
especialmente planejando e implementando políticas públicas. Trata-se, então, da
reivindicação do direito á saúde.
Contudo, a saúde não tem apenas o aspecto individual, e, portanto,
não basta que sejam colocados à disposição das pessoas todos os meios para a
promoção, proteção e recuperação da saúde para que o Estado responda
satisfatoriamente à obrigação de garantir a saúde do povo. Hoje os Estados são, em sua
maioria, forçados por disposição constitucional a proteger a saúde contra todos os
perigos. Até mesmo contra a irresponsabilidade de seus próprios cidadãos. A saúde
“publica” tem um caráter coletivo
Com efeito, o Estado contemporâneo controla o comportamento dos
indivíduos no intuito de impedir-lhes qualquer ação nociva à saúde de todo o povo. E o
faz por meio de leis. É a própria sociedade, por decorrência lógica, que define quais são
esses comportamentos nocivos e determina que eles sejam evitados, que seja punido o
infrator e qual a pena que deve ser-lhe aplicada. Tal atividade social é expressa em leis
5
que a administração pública deve cumprir e fazer cumprir. São também, textos, legais
que orientam a ação do Estado para a realização do desenvolvimento sócio-econômico e
cultural.
Assim, à Administração cumpre um papel bem mais complexo que o
simples desempenho eficaz da prevenção de doenças físicas. A saúde pública
representa um verdadeiro problema a ser enfrentado pelo gestor da coisa pública.
Isto significa, para a administração pública, a responsabilidade de
elaborar programas operacionais que garantam que a atenção à saúde de toda a
população habitante na área de abrangência de sua competência esteja assegurada,
conforme suas atribuições constitucionais e legais. Para a população, significa a
possibilidade de exigir, individual e coletivamente, a consecução desse direito junto ao
Poder Judiciário e ao Ministério Público, sempre que ele for negado.
Impõe-se, portanto, que a administração pública adote instrumentos
técnicos de planejamento, de tal modo que seja realizado um diagnóstico situacional e
apresentadas propostas concretas de solução dos problemas existentes em cada
comunidade. O planejamento é uma obrigação de cada administrador/gestor público.
O Gestor de Saúde, tem função importantíssima, dentre o conjunto de
gestores que compõem os governos (da União, dos Estados e dos Municípios), porque
detém informações privilegiadas sobre as condições de vida e saúde da população. Por
isto, tem a obrigação de divulgá-las e discuti-las com o conjunto da administração
pública. Deve influenciar os Governos na implementação de políticas que melhorem os
indicadores básicos de qualidade de vida e da saúde das pessoas, com prioridade.
Porém, se não devemos reduzir os problemas da Administração à
gestão da saúde pública, há que se reconhecer a sua crescente importância e exigir do
Administrador o mínimo, que seria o respeito aos ditames constitucionais e legais da
disciplina da saúde, pois, os reflexos de uma má administração refletirão na saúde da
população.
É possível operar um bom acompanhamento do Sistema Nacional de
Saúde e de seus subsistemas Estaduais e Municipais, a partir da verificação do respeito,
pelos governantes, dos princípios e diretrizes do SUS, estabelecidos na Constituição
brasileira e na Lei Orgânica da Saúde.
A participação da população, por meio dos Conselhos de Saúde,
permite sua intervenção na gestão da saúde: é o controle social. Desta forma, os
próprios cidadãos podem discutir e direcionar os serviços públicos para atender os seus
interesses. É tarefa dos Conselhos de Saúde exigir a sua elaboração, opinar sobre as
propostas e aprovar o Plano Municipal de Saúde.
Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
destinados às ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União para a
mesma finalidade, serão aplicados por meio de Fundo de Saúde e será acompanhado e
fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do disposto no artigo 74 do ADCT.
Quando os Promotores de Justiça acompanham o funcionamento do
sistema de saúde, fica fácil identificar as falhas para exigir a correção de rumos, antes
da população ser obrigada a exigir, na Justiça, os seus direitos individuais sobre o
acesso aos serviços de saúde.
1. RELAÇÃO ENTRE SAÚDE PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA PROBIDADE
ADMINISTRATIVA
6
O assunto foi objeto de pesquisa realizada por José Marcelo Menezes
Vigliar1, Promotor de Justiça do Estado de São Paulo, a partir de estudos acadêmicos
variados sobre a Saúde Pública no Brasil, complementada com a obra de Carlos Bertolli
Filho, estudioso de problemas médico-sanitários, partindo de sua disciplina
constitucional e subconstitucional, para em seguida abordar a responsabilidade dos
agentes públicos que a administram, considerando a sua importância para o legislador,
visando demonstrar a estreita ligação entre a atividade da administração e os problemas
de saúde pública.
O autor se socorre da idéia de Carlos Bertolli Filho para dar uma
abordagem ao tema sob um enfoque político, bem como se vale do conceito oficial de
saúde, conforme a Organização Mundial de Saúde “a saúde é um estado de completo
bem-estar físico, mental, social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”,
enfatizando que, a saúde não depende exclusivamente do funcionamento físico do
corpo. Antes, a saúde do indivíduo engloba aspectos mais extensos de que a idéia
primária de que ela constitua apenas a momentânea ausência de uma doença. Da
definição oficial de saúde, conforme a OMS, há de se concluir não existir saúde, v.g., na
ausência do trato dos rios, que recebem grandiosa carga de esgoto doméstico e resíduos
industriais sem tratamento; na ausência de um correto tratamento de água que
abastecerá as residências; onde não se verifiquem as condições mínimas para que se
desfrute de uma saúde social e mental, além daquela mais destacada que é a saúde
física. Mais que isso: não haverá saúde, onde a Administração local não proporcione
aos indivíduos a existência da oferta de empregos e salários suficientes para a moradia,
a alimentação, a assistência médica e o lazer. (cfr. Saúde - Coleção Temas Transversais.
São Paulo: Ícone, 2000, p. 27)
A questão da saúde do indivíduo está intimamente relacionada à
questão ambiental. Não podemos separar o indivíduo, a pessoa, do ambiente em que
vive, do qual é parte integrante. Não podemos separar, portanto, a saúde do indivíduo da
saúde do ambiente. Assim, saúde e ambiente compõem um todo constituído de
elementos indissociáveis, na complexa vida do Planeta.
O modelo de desenvolvimento em curso na nossa sociedade vem
demonstrando cabalmente, ao longo do tempo, que tem se agravado o quadro geral da
qualidade de vida de milhões de pessoas, reaparecendo inclusive, doenças que há
tempos estavam praticamente controladas e ou reduzidas a números mínimos, como a
cólera, a dengue, a hanseníase, etc. Isto demonstra que a saúde do indivíduo não é
consequência apenas do seu estilo de vida pessoal quanto aos chamados hábitos
saudáveis, mas sim quanto ao seu modo de vida, ou seja, das condições gerais do
modelo de desenvolvimento econômico e social adotados no país.
1.1. Proteção Jurídica da Saúde Pública Contra a Prática de Atos
de Improbidade Administrativa
________________
1
VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Saúde Pública e Improbidade Administrativa. Curso de
Especialização em Direito Sanitário para membros do Ministério Público e da Magistratura Federal, UnB.
Núcleo de Estudos em Saúde Pública da UnB/CEAM, p. 421/424.
A partir da peculiar forma de tutela constitucional da saúde, adiante
destacada, o legislador infraconstitucional complementou essa tutela, reforçando - na
7
maioria das vezes - aspectos que tratam das formas de preservar a saúde pública de
atividades que venham afrontá-la.
A caracterização da saúde como direito fundamental ocorre pela
primeira vez na historia constitucional brasileira. A saúde consta como um dos direitos
sociais reconhecidos no art. 6.º, quando dispõe que são direitos sociais a educação, a
saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, etc., sendo de comentar brevemente que a Emenda
n.º 26/2000 introduziu o direito a moradia antes não expressamente referido. Notese, então, que na ordem de precedência, a saúde é mencionada logo após a educação.
Mesmo que não fosse expressamente previsto como direito social, a saúde é, sem
dúvida, um direito fundamental, pois intimamente vinculada ao direito à vida (art. 5º) e
princípio fundamental, pois integra o conceito de “dignidade humana”, princípio
fundante da República (art. 1.º, III, CF/88). A dignidade da pessoa humana é elevada
como o valor “saúde”. O § 1º. do art. 5º. inscreve como sendo de aplicação imediata as
normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais e, por sua vez, o art. 60, § 4.º,
IV, da Constituição Federal de 1988, proíbe emenda tendente a abolir os direitos e
garantias individuais, não havendo, como visto, dificuldade maior para sustentar o
direito à saúde como um direito fundamental, além de ser reconhecido expressamente
como direito social. Conotilho2 admite que sejam direitos subjetivos, mesmo sem a
criação das condições materiais para a sua fruição. Barroso3 defende uma interpretação
progressiva na linha de Robert Alexy, dizendo que representam “mandados de
otimização que devem ser densificados”, o seu cumprimento poderia ser negado
temporariamente em virtude de impossibilidade material comprovável. Em sendo um
direito de todos, “a saúde” se apresenta como um direito difuso, metaindividual e cujos
titulares são indetermináveis.
A saúde, na sua dimensão de direito social, vê-se incluída no valor do
salário mínimo (art. 7.º, IV) que o constituinte imaginou como suficiente para, além de
outras, atender também às necessidades vitais atinentes à saúde. Garantiu, também, a
Constituição Federal de 1988, no art. 7.º, XXII, a redução dos agravos à saúde por
ocasião do trabalho, bem como assegurou que o exercício de atividades laborativas
em locais insalutíferos fossem remunerados com um adicional (art. 7.º, XXIII). Em
função da proteção da saúde, restam proibidos o trabalho de menores em período
noturno, atividades perigosas e insalubres por se entender que os menores mais
sentiriam os prejuízos à saúde decorrentes de atividades em ambientes e situações de
risco (art. 7.º, XXXIII, CF/88)
Com maior importância que os demais dispositivos mencionados até
aqui, Vigliar ressalta a importância dos artigos 196 e 200 da Constituição Federal que
coroam a disciplina constitucional do tema, deixando claro que a saúde é um direito de
todos e, ainda, um dever do Estado, que a garantirá mediante políticas sociais e
econômicas, não só para a redução do risco de doenças, como promovendo o acesso
universal e igualitário a serviços que possibilitem a proteção e a recuperação de
portadores de doenças.
4
Em especial, para a abordagem que a nossa Carta Política dá ao art.
197, quando dispõe que “são de relevância pública as ações e serviços de saúde,
cabendo
________________
2
CANOTILHO, José J. Gomes.A Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Coimbra, 1882.
3
4
BARROSO,Luis Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas, 3ª ed. Renovar, p.60
VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Obra Citada, p. 421/424.
8
ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre a sua regulamentação, fiscalização e
controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também
por pessoa física ou jurídica de direito privado”.
Nesse aspecto, o autor destaca alguns aspectos: a) o art. 197, ao tratar
da fiscalização e controle das ações e serviços de saúde, deixa muito claro, que não
somente as atitudes comissivas serão punidas, caso contrariem a importância que a
Constituição empresta às ações e serviços de saúde; também as omissões do Poder
Público merecem o mesmo rigor, seja para fiscalizar o desempenho de quem
venha realizando as referidas ações e/ou serviços de saúde (o Estado diretamente, ou
por terceiros, mesmo que pessoa física ou jurídica de direito privado), seja para
controlá-la e viabilizá-la na forma desejada pela Constituição, que reconheceu esta
obrigação que é do Estado; b) cabe ao Poder Público executar as ações e serviços, caso
não possa, eventualmente, contar com a participação de terceiros, o que equivale a
afirmar que as ações de saúde serão realizadas e os serviços mantidos, por integrarem o
rol dos direitos dos cidadãos; c) finalmente, mas com uma importância extrema, que
refletirá em vários outros aspectos jurídicos, como v.g., a justificativa da fiscalização
conjunta pelo Ministério Público das ações e serviços de saúde, o reconhecimento de
que tais ações e serviços são de relevância pública.
Apenas para exemplificar, somente a omissão do poder público em
relação aos serviços que deveriam ser prestados e não são, ou os que são prestados de
forma absolutamente irregular e/ou deficitária, levaria a uma aproximação entre a
disciplina legal de combate aos atos de improbidade administrativa, mas principalmente
aqueles bem mais evidentes em que se logra constatar o desvio de finalidade dos
serviços de saúde, o desvio de recursos para a área de saúde e os gastos ilegais
envolvendo não só as hipóteses de malversação dos recursos públicos, como a sua
aplicação em outras atividades, sem a observância da vinculação que a Constituição
deseja.
Sustenta o citado autor, que a aproximação entre os temas restará
ainda mais evidente, se considerarmos que o art. 37 da Constituição afirma de forma
clara, que a Administração deve agir de forma a obedecer e preservar os princípios da
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Assim, o Estado ou
terceiro não prestarão qualquer serviço ou ação de saúde, considerando que se trata de
uma obrigação do Estado, que não se desenvolvam de forma a garantir os princípios
acima mencionados, mediante a sua estrita observância.
Ao concluir a pesquisa referente ao estreitamento entre os temas saúde
pública e o princípio da probidade administrativa, Vigliar verificou que, v. g., a gestão
de recursos públicos para a saúde pública, o cumprimento de normas voltadas a
disciplinar o funcionamento de programas de saúde pública, a necessidade de se ofertar,
na forma legislada, o competente e eficaz serviço público de saúde, a não omissão das
políticas públicas em relação a epidemias e outros eventos que colocam a população em
risco, sobretudo dos programas de educação para a saúde, a necessidade de se
proporcionar igualdade entre os cidadãos também no que tange a saúde que o Estado
deve ofertar, são temas afetos ao campo prestigiado pela Lei 8.429/92.
2. ESTRUTURA LEGAL DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: COMPETÊNCIAS
DAS TRÊS ESFERAS DE GOVERNO
2.1 Competência da União
9
2.1.1 Competência Privativa
O Sistema Único de Saúde - SUS é um modelo de ação social
integrada e descentralizada de matiz constitucional. Seu conceito é obtido na legislação
ordinária como sendo “o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e
instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta
e das fundações mantidas pelo Poder Público” (Lei 8.080/90, art. 4º).
A União tem inscrita na sua competência privativa (artigo 21, IX) a
elaboração e execução de planos nacionais e regionais de ordenação do território e de
desenvolvimento econômico e social. No social, justamente, inscreve-se a atuação em
iniciativas em prol da saúde individual e coletiva. Prosseguindo, no item XVIII do
mesmo artigo 21, verificamos que é da União a competência para planejar e promover a
defesa permanente contra as calamidades públicas, estão incluídas nesse tópico, sem
dúvida, as doenças, muito embora o artigo apenas destaque com a nota da especialidade
as “secas e as inundações”. No item XX, vemos que é da União a competência para
instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive o saneamento básico,
condição elementar para a construção da saúde pública. Novamente, com a nota no
vetor da saúde, a competência federal na atividade nuclear (XXIII) na inspeção do
trabalho (XXIV) e o exercício da garimpagem (XXV), atividade que muitíssimo
compromete a saúde humana. Concluindo o exame deste longo artigo, vemos que
apenas por lei complementar poderá ser autorizada aos Estados a expedição de
legislação sobre as matérias que acima elencamos.
2.1.2 Competência comum
Passando à competência comum da União, dos Estados e dos
Municípios, o artigo 23, inciso II, prevê que a atividade de cuidar da saúde e assistência
pública inscreve-se na competência comum. Todos os entes da Federação tem o dever
de cuidar da saúde pública. No item IX, há a menção aos cuidados e à promoção de
programas de saneamento básico, vetor da saúde pública. No item X, ao dizer do
combate às causas da pobreza também a nota do valor saúde, pois só com condições
básicas de garantia da saúde se combate a pobreza.
2.1.3 Competência concorrente
A competência concorrente dispõe sobre temas de legislação que
tocam aos Estados-membros, Distrito Federal e União simultaneamente, contudo em
níveis diferenciados de tratamento, quais sejam aqueles que determinam a formulação
de normas gerais e normas suplementares. Aos Estados-membros e Distrito Federal
cabe a competência para elaboração de normas sobre as matérias elencadas no artigo 24,
que será plena na inexistência de normas gerais, cuja competência para edição é da
União. A título de exemplo, o artigo 24, VI, da Constituição Federal de 1988 abre a
possibilidade de legislar sobre o controle da poluição ambiental e este aspecto tem
decisiva importância para a saúde da população.
2.1.4 Outras diretivas: Promoção do bem-estar
10
Prosseguindo-se no romaneio da Carta Política em busca de linhas
mestras definidoras deste direito e também deste dever em relação à saúde, passamos a
o artigo 193 da Constituição Federal de 1988, onde vemos que a ordem social tem como
base o trabalho e como objetivo o bem-estar. Ora, aí novamente podemos identificar o
valor saúde. O bem-estar, em última ratio, é a ausência de mal-estar, ausência de
agravos ao corpo e à mente.
3. PRINCÍPIOS DA SEGURIDADE SOCIAL
A ordem constitucional brasileira, instituída em 1988, inova, ao
definir a saúde como dever do Estado e direito de todos e ao dar tratamento sistemático
à matéria, situando-o no âmbito da Seguridade Social e definindo os objetivos e
critérios que a norteiam.
A Constituição conceitua Seguridade Social como o conjunto de ações
de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos
relativos à saúde, à previdência e à assistência social (art. 194).
O dever de organizar a seguridade social é do Poder Público, com
base em vários objetivos definidos na própria Constituição, dentre os quais os que visam
garantir o pleno exercício do direito à saúde: a universalidade da cobertura e do
atendimento; a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações
urbanas e rurais; a seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
a irredutibilidade do valor dos benefícios; a equidade na forma de participação no
custeio; a diversidade da base de financiamento; e o caráter democrático da gestão
administrativa, com a participação da comunidade, mediante gestão quadripartite, com
participação dos trabalhadores, dos empregados, empresários e aposentados. Estes são
os princípios gerais.
A análise detalhada de cada objetivo revela a estrutura concebida para
a saúde (art. 196).
A Constituição institui o princípio da universalidade da cobertura e
do atendimento (art. 194, Parágrafo único - I), para determinar a dimensão do dever
estatal, de sorte a compreender o atendimento a brasileiros e a estrangeiros que estejam
no país, aos nascituros e aos nascidos, crianças, jovens e velhos5 Acrescenta, como
essencial, que o acesso às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da
saúde deve ser universal e igualitário, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e outros agravos (art. 196).
A universalidade da cobertura é dever sem par, pois significa que o
atendimento deve ser integral e, segundo a Constituição, com prioridade para as
atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais, sempre que necessário.
Assim, as ações e serviços de saúde devem ser concebidas tanto para
propiciar cobertura e atendimento universais como para ensejar acesso universal e
igualitário a toda a população. A universalidade constitucional compreende, portanto,
a
_________________
5
DODGE, Raquel Elias Ferreira. www.crm.org.br
11
cobertura, o atendimento e o acesso ao Sistema Único de Saúde - SUS, a expressar que
o Estado tem o dever de prestar atendimento nos grandes centros urbanos, nos pequenos
e também para as populações isoladas, os ribeirinhos, os indígenas, as minorias, os
prisioneiros, os excluídos sociais.
Com efeito, a uniformidade e equivalência dos serviços às populações
urbanas e rurais é o segundo objetivo elencado pela Constituição para implementação
pelo Sistema Único de Saúde. É outra expressão do princípio constitucional da
igualdade, na acepção específica a ser compreendida pelas ações e serviços de saúde.
O princípio constitucional da equidade na forma de participação no
custeio do Sistema Único de Saúde enseja a contribuição justa, a permitir o acesso de
todos e a garantir a universalidade da cobertura e do atendimento.
Este princípio é complementado por regras constitucionais
específicas, que cuidam de regulamentar o financiamento do Sistema Único de Saúde,
ao determinar que “a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma
direta ou indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos
da União, dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes
contribuições sociais: dos empregadores, incidente sobre a folha dos salários, o
faturamento e o lucro; dos trabalhadores; sobre a receita de concursos de
prognósticos”; além de outras fontes instituídas por lei (art. 195, incisos I a III e § 4º).
A norma é reforçada por outra, da própria Constituição, pela qual “o
Sistema Único de Saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do
orçamento da seguridade social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, além de outras fontes” (art. 198 - Parágrafo único).
Logo, para que não faltassem recursos indispensáveis à realização do
comando constitucional de universalidade da cobertura e do atendimento, a
Constituição indicou as fontes e os contribuintes e convocou toda a sociedade a custear
o Sistema Único de Saúde.
Também obrigou não só a União, mas também os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, com receitas que lhes são inerentes e não só com as que são
repassadas pela União, a contribuir com o financiamento da seguridade social, mediante
dotações orçamentárias (art. 195-caput e § 1º; art. 198 - Parágrafo Único).
Mais que isto, deixou claro que o financiamento do Sistema Único de
Saúde não deveria ser feito apenas pelo orçamento da seguridade social, mas também
pelo orçamento fiscal da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
A existência de várias fontes de recursos vocacionados a financiar o
Sistema Único de Saúde - como de resto de toda a seguridade social - é resultado do
princípio constitucional da diversidade da base de financiamento (art. 194-V) e
resultado da determinação constitucional preventiva da possibilidade da escassez de
recursos que propiciassem efetividade na cobertura e no atendimento universais.
O derradeiro objetivo constitucional para a seguridade social - dentro
dela o SUS - é o caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a
participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados.
12
3.1 O Controle Social
Até a Constituição de 1988, o principal modo da população fazer o
Controle Social e influenciar nas decisões do governo, era pressão pelo voto. Esta
pressão era uma das formas de assegurar a melhoria dos serviços, e que a política dos
governos fosse comprometida com os interesses da maioria da população e não com
outros interesses.
A partir da Nova Constituição, além do voto, foram criados espaços
de participação direta nas decisões dos governos, os Conselhos Nacionais, Estaduais e
Municipais. Seja na área da Saúde, da Educação, da Assistência Social, dos Direito da
Criança e do Adolescente ou outras áreas sociais, passou a ser possível aos cidadãos e
cidadãs tomarem parte nas decisões do governo.
O Controle Social pode ser feito individualmente, por qualquer pessoa
através de denúncia e ações, ou por um grupo de pessoas. O Conselho é uma forma de
fazer o Controle Social através de representantes de entidades e organizações da
sociedade em paridade, isto é, em número igual, com representantes do governo.
A Lei 8.142/90 é o diploma legislativo para regular o princípio
constitucional de participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde.
Assim, a referida lei, buscou concretizar nesse âmbito a democracia participativa, que
consiste em uma série de mecanismos que permitem aos cidadãos participar
diretamente, ou por meio de associações representativas, no processo de tomada de
decisões políticas.
A participação da comunidade, significa dizer, a saúde oficialmente
inaugura a reforma do Estado abrindo espaço para que se cumpra o princípio
constitucional de que o cidadão exerce o poder diretamente ou por pessoas eleitas por
ele. A saúde oficializa isto na prática criando os conselhos de saúde e as conferências de
saúde.
Vale lembrar que a Carta Magna, como declarado logo no parágrafo
único do art. 1º, conformou um sistema de democracia mista, no qual as instituições da
democracia representativa, como eleições periódicas, livres e imparciais para os cargos
públicos, são complementados pelos mecanismos da democracia participativa (Maués,
1999). Esse princípio foi especialmente desenvolvido no âmbito da Ordem Social, o que
inclui as políticas de saúde. Desenvolvendo a Constituição, a Lei 8.142/90 criou dois
mecanismos de participação comunitária na gestão do sistema: Conferência de Saúde e
Conselho de Saúde.
Nas Conferências, reúnem-se os representantes da sociedade (que são
usuários do SUS), do governo, dos profissionais de saúde, dos prestadores de serviços,
parlamentares e outros para “avaliar a situação da saúde e propor as diretrizes para a
formulação da política de saúde” nos municípios, nos estados e no país.
Foi o relatório final da 8ª Conferência Nacional de Saúde de 1986 que
serviu de base para a elaboração do capítulo da saúde da nossa Constituição Federal de
1988, quando foi criado o Sistema Único de Saúde.
De quatro em quatro anos deve acontecer a Conferência Nacional de
Saúde, após a realização das Conferências estaduais e municipais, onde são apontados
os rumos para o aperfeiçoamento do SUS.
13
Os Conselhos de Saúde são os órgãos de controle do SUS pela
sociedade nos níveis municipal, estadual e federal. Eles foram criados para permitir que
a população possa interferir na gestão da saúde, defendendo os interesses da
coletividade para que estes sejam atendidos pelas ações governamentais.
3.1.1. Conselho de Saúde: natureza jurídica do órgão e de suas funções
A instituição de Conselhos de Saúde é outra novidade no contexto
jurídico do país, desde o advento da Lei n° 8.080/90, que lhes delineia o perfil de modo
assistemático, mas perfeitamente de acordo com a Constituição Federal vigente. De
fato, a natureza jurídica e as atribuições que lhes são próprias não estão dispostas de
modo claro e coordenado entre si, de forma a permitir imediata compreensão de todas as
características destas entidades.
Na visão de Raquel Elias Dodge6 as principais dificuldades para o
exercício das atribuições dos Conselhos de Saúde estão ligadas não só à sua própria
instalação, mas ao desconhecimento da extensão e da natureza de suas atribuições, bem
como das conseqüências de sua atuação, em cada caso.
É preciso ter presente que desde a Constituição de 1988 a observância
do princípio constitucional da legalidade é imperativo inafastável.
Prevalece o entendimento de que a Constituição deve nortear a
interpretação legal e de que a norma infralegal não pode inovar o ordenamento jurídico,
sobretudo ao estabelecer restrições a direitos; mas apenas complementá-lo e explicá-lo.
Portanto, as atribuições dos Conselhos de Saúde, para serem válidas
perante a Constituição, devem estar definidas em lei e não em decretos, resoluções ou
qualquer outro tipo de regulamento.
Considerando-se, pois, que o "caráter democrático e descentralizado
da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial dos
trabalhadores, empresários e aposentados" (Constituição Federal, art.194-VII) é uma
determinação constitucional para o Sistema Único de Saúde, verifica-se que o controle
social por intermédio de Conselhos de Saúde, em qualquer de seus aspectos, é uma
exigência lógica imprescindível.
A importância do controle social também é realçada pelo fato de a
Constituição considerar que as ações e serviços de saúde são de relevância pública,
conforme regulamentado em lei (art. 197).
Os Conselhos de Saúde são órgãos do SUS, pelo que não têm
personalidade jurídica própria, nem capacidade de estar em juízo. Integram a União, o
estado ou o município, a depender da esfera em que se situem.
São instituições permanentes, na perspectiva de que devem ser
instalados e ter atuação regular, não esporádica ou eventual.
Têm função deliberativa (art. 26) quando sua atribuição for diretiva
(Lei n° 8.080/90, art. 37), mas não sempre, pois a depender da matéria sua função será
_________________
14
6
DODGE, Raquel Elias Ferreira. www.crm.org.br
ora consultiva ora meramente fiscalizatória (art. 33), segundo o que for determinado em
lei. Tudo o que for estabelecido em legislação infra-constitucional como atribuição de
Conselho de Saúde só é válido se for compatível com a lei ordinária e a Constituição.
Todas estas atribuições situam-se, no entanto, no contexto do controle social que se
exerce no âmbito do SUS.
Os Conselhos de Saúde, no âmbito de sua respectiva esfera de
atuação, atuam como órgão deliberativo sobre:
- a elaboração da proposta orçamentária em cada nível de governo (Constituição
Federal, art.195-§ 2° e Lei n° 8.080/90, art. 36);
- a formulação de estratégias da política de saúde (Lei n° 8.080/90, art. 36; Lei n°
8.142/90, art.1º, § 2º e Decreto n° 99.438/90, art. 1º- I);
- diretrizes a serem observadas na elaboração dos planos de saúde, em função das
características epidemiológicas e da organização dos serviços em cada jurisdição
administrativa (Lei n° 8.080/90, art. 37 e Decreto n° 99.438/90, art. 1º-II);
- cronograma de transferência de recursos financeiros aos estados, Distrito Federal e
municípios, consignados ao SUS (Lei n° 8.142/90, art. 1º-§ 2º e Decreto n° 99.438/90,
art. 1º-III);
- critérios e valores para remuneração de serviços e os parâmetros de cobertura
assistencial, a serem estabelecidos pela direção nacional do SUS (Lei n° 8.080/90, art.
26 e Decreto 99.438/90, art. 1º-IV);
- convocar extraordinariamente a Conferência de Saúde para avaliar a situação de saúde
e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis correspondentes
(Lei n° 8.142/90, art. 1º-§ 1º);
- no caso do Conselho Nacional de Saúde, ao administrar as comissões intersetoriais de
âmbito nacional, integradas pelos Ministérios e órgãos competentes e por entidades
representativas da sociedade civil, com a finalidade de articular políticas e programas de
interesse para a saúde cuja execução envolva áreas não compreendidas no âmbito do
SUS (Lei n° 8.080/90, art. 12 e Parágrafo único).
Os Conselhos de Saúde atuam como órgãos consultivos:
- ao assistir a autoridade local ou federal no processo de planejamento do SUS (Lei n°
8.080/90, art. 36);
- ao propor critérios para a definição de padrões e parâmetros assistenciais (Decreto n°
99.438/90, art. 1º-V);
- ao administrar a Comissão Nacional instituída com a finalidade de regulamentar as
especializações na forma de treinamento em serviço sob supervisão (Lei n° 8.080/90,
art. 30);
- ao acompanhar o processo de desenvolvimento e incorporação científica e tecnológica
na área de saúde, visando a observação de padrões éticos compatíveis com o
desenvolvimento socio-cultural do país (Decreto n° 99.438/90, art. 1º-VII);
15
- na criação de novos cursos de ensino superior na área de saúde (Decreto n° 99.438/90,
art. 1º-VIII).
Os Conselhos de Saúde atuam como órgãos de fiscalização quanto à:
- movimentação, em si, dos recursos financeiros do SUS no âmbito de sua respectiva
atuação (Lei n° 8.080/90, art. 33);
- aplicação dos critérios estabelecidos no artigo 35 da Lei n° 8.080/90, relativos à
fixação de valores a serem transferidos a Estados, DF e Municípios;
- execução da política de saúde da instância correspondente, inclusive nos aspectos
econômicos e financeiros. (Lei n° 8.142/90, art. 1º-§ 2º);
- acompanhamento e controle da atuação do setor privado da área da saúde, credenciado
mediante contrato ou convênio (Decreto n° 99.438/90, art. 1º-VI).
Estas referências não esgotam as atribuições, mas são exemplificativas
da sua diversidade.
As conseqüências decorrentes da natureza de tais funções são
diferentes. A atuação de caráter deliberativo importa, por exemplo, em que suas
decisões devam ser homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada
esfera de governo, visto ser esta a autoridade com poder hierárquico sobre os demais
funcionários da instituição e, portanto, quem lhes determina a execução das decisões
tomadas pelo Conselho (Lei n° 8.142/90, art. 1º- § 2º).
A função fiscalizadora gera para o Conselho o dever de apurar ilícitos
e irregularidades e de levar tais fatos ao conhecimento da autoridade administrativa, do
sistema de auditoria, do sistema de controle interno, do Tribunal de Contas ou do
Ministério Público, conforme o caso, para as providências cabíveis.
A função consultiva resume-se a externar a posição do Conselho
quanto ao objeto da consulta, mas tem importância decorrente da legitimidade que a
Constituição lhe dá, por ser órgão cuja composição deve ser representativa da
comunidade.
Os Conselhos não são órgãos executivos porque a direção do SUS é
exercida, em cada esfera de governo, pelo Ministério da Saúde ou pela secretaria de
saúde estadual ou municipal, ou órgão equivalente (Lei n° 8.080/90, art. 9º). Não são
substitutos dos órgãos de controle interno ou dos Tribunais de Contas.
Assim, os Conselhos de Saúde manifestam-se por meio de resoluções,
quando sua atribuição for deliberativa; por meio de recomendações ou moções, quando
sua função for consultiva; por meio de comunicação ou representação, quando sua
função for fiscalizadora - sendo-lhes facultado solicitar informações a entidades
públicas e privadas para o desempenho de qualquer destas atribuições.
3.1.2. Dificuldades de Atuação do Conselho
 Conselheiros não possuem informações para decidir ou deliberar sobre temas
trazidos à discussão. Há aí duas questões. Uma se relaciona ao fato de que as
informações vinda de âmbito governamental são retidas total ou parcialmente,
16
restringindo a atuação do conselho. A outra, ao fato de que o conselheiro não
está suficientemente instrumentalizado para discutir e propor sobre as questões
pertinentes à sua função.
 O espaço do poder dos conselhos oscila entre práticas democráticas e
autocráticas, momentos deliberativos e consultivos, em que, dependendo da
clareza dos participantes, há tendências que podem ser vitoriosas Tais
momentos podem gerar uma tensão tal cuja imagem evocada é a de um cabo
de guerra em que cada um segmento “puxa para um lado” expressando-se,
assim, nossa dificuldade de lidar com as diferentes perspectivas e com o
conflito, inerente às práticas participativas.
 De modo geral os conselheiros usuários se pronunciam pouco, delegando sua
fala alguns representantes que passam a ser porta-vozes deste segmento. Uma
das razões para que tal fato se perpetue é o uso de uma linguagem cifrada,
utilizada principalmente pelo segmento governamental e dos profissionais de
saúde, que acaba por silenciar a fala dos leigos.
 Há desarticulação dentro dos segmentos, principalmente dos usuários, que
parecem não se organizar em torno de suas reivindicações. Considerando que
possuem 50% dos votos dentro do conselho, este poder legal não se consolida,
muitas vezes pela falta de discussão prévia com seus pares.
 Há uma ambiguidade do governo que institui a participação via conselhos mas
não respeita suas deliberações, de modo que muitas vezes todo tempo perdido
em discussões e deliberações torna-se improdutivo, deixando uma sensação de
impotência e de esforço inútil.
 Existem muitas formas de manipulação presentes nas práticas dos conselhos,
dentre elas a má condução das reuniões, tornando-as tão ritualísticas que não
há possibilidade de mudar o rumo imposto pela presidência do conselho, na
maioria das vezes o secretário de saúde. Há ainda, a manipulação pela não
programação prévia de pautas para as reuniões, assim como o imediatismo
para a aprovação de matérias importantes, principalmente nas questões
orçamentárias.
3.1.3. Dos Instrumentos de Gestão do Sistema Único de Saúde
A saúde é um bem, de interesse social e coletivo7. A sua prestação tem
como sujeito ativo todos os cidadãos brasileiros e como sujeito passivo o Poder Público.
Além disso, é de interesse público, secundário, a sua administração.
A política de saúde compõe-se por um conjunto de ações que, embora
perpetradas com grande heterogeneidade, são identificadas como práticas de saúde
pública e são constituídas por uma associação simultânea de ações típicas do campo da
assistência, de outras típicas do campo das intervenções ambientais, como são as
atividades de vigilância em saúde, assim chamadas as ações de vigilância
epidemiológica e vigilância sanitária, e, ainda, de outras típicas da gestão do sistema.
_________________
7
REZENDE Conceição Aparecida Pereira. Manual de Atuação Jurídica em Saúde Pública.
17
A Gestão do Sistema de Saúde é a atividade advinda da
responsabilidade de comandar, coordenar ou dirigir um sistema de saúde municipal
(Secretário Municipal de Saúde), estadual (Secretário de Estado de saúde) ou nacional
(Ministro da Saúde). É da competência exclusiva do poder público. Implica o exercício
das funções de formulação, coordenação, articulação, negociação, planejamento,
implementação, acompanhamento, regulação, controle, avaliação, auditoria e prestação
de contas.
A atividade de gestão do sistema de saúde das três esferas de governo
é caracterizada pelo exercício de função essencialmente pública, por ocupante de
cargo público, pois trata-se de efetivo cumprimento de dever do Estado, pelo
provimento de ações e serviços de interesse e relevância pública, que é o direito à saúde
do cidadão.
As ações e serviços, desenvolvidos por unidades de saúde estatais
(municipais, estaduais e federais) ou privadas (contratadas ou conveniadas), devem
estar organizadas e coordenadas num sistema de saúde, de tal modo que os gestores
municipais possam assegurar às respectivas populações o acesso aos serviços e
disponibilidade das ações e dos meios para a garantia do atendimento integral conforme
as necessidade das pessoas e da comunidade. As relações entre os prestadores de
serviços de saúde SUS, ainda que estes constituam referência de atendimento para
outros municípios, devem ser dar com o gestor local do sistema respeitadas as
atribuições do Conselho de Saúde e de outras instâncias do Poder Público.
Para implementar-se a Gestão de um Sistema de Saúde, conforme
previsto na legislação brasileira, são necessárias algumas condições políticoinstitucionais mínimas, assim como algumas condições técnico-político-administrativas
por parte do gestor.
São condições político-institucionais mínimas:
- o entendimento do governante, assim como dos gestores de outros setores
governamentais, de que a saúde não se limita às ações setoriais, exclusivas do gestor do
SUS;
- o entendimento de que a saúde é um direito fundamental da pessoa humana e que o
grau de prioridade estabelecido para a política de saúde, deve ser assumido pelo
conjunto do governo, e não somente pelo gestor do SUS; o volume de recursos
destinados à política de saúde, compatível com as necessidades da população da
respectiva esfera de governo, pactuado com o conjunto dos membros/órgãos do
governo, aprovado pelo respectivo conselho de saúde, pactuado com os gestores das
outras esferas de gestão do SUS, nas comissões intergestoras bipartites (CIB, na esfera
estadual) e tripartites (CIT, na esfera federal), e nunca ser em valor inferior ao que
determina a Constituição Federal;
- ter os instrumentos de gestão do SUS implementados
São condições técnico-político-administrativas do gestor:
- ter conhecimento da realidade onde irá atuar, ser capaz de descrevê-la, analisá-la e
propor soluções para os problemas localizados;
- ter noções e saber utilizar métodos de planejamento;
- ter capacidade de conduzir um plano de ação;
18
- ter capacidade de alocar recursos orçamentários e financeiros específicos para o setor
saúde junto ao próprio governo e às outras esferas de governo;
- ter capacidade para administrar a máquina pública do setor saúde;
- ter capacidade de negociação com todos os atores sociais que interferem positiva ou
negativamente na implementação do SUS.
Das condições político-institucionais, o volume de recursos destinado
à política de saúde, compatibilizado vis-a-vis com as necessidades da população da
respectiva esfera de governo, é condição para a garantia da promoção da equidade da
atenção à saúde durante o processo de execução orçamentária e implementação do
Plano de Saúde. Quando isto não é feito e o atendimento à população é realizado
exclusivamente pelo atendimento da demanda espontânea dos usuários, certamente que
o sistema não estará promovendo saúde e corre-se o risco do não atendimento aos que
mais necessitam. O atendimento à demanda deve estar incluído num conjunto
indivisível de ações e serviços integrados num plano de promoção, proteção e
recuperação da saúde de toda a comunidade. Não feito isto, corre-se o risco também de
se complicar uma situação de simples resolução caso fosse resolvida ao tempo
adequado.
Na elaboração dos Planos Municipais de Saúde, o volume de recursos
destinados ao setor, sem sempre, corresponde à realização das ações propostas.
Verifica-se que, no dia-a-dia, muitas vezes, na execução financeira,
prioriza-se o atendimento da demanda. Atende-se às “urgências” dos cidadãos como
“emergências”, reforçando a forma de organizar as ações e serviços de saúde centradas
nos procedimentos médicos mais caros, na utilização de equipamentos sofisticados e
medicamentos de marca e de última geração, e nos estabelecimentos de maior
complexidade (hospitais) da rede local de serviços ou do sistema de saúde.
Para os órgãos de controle da administração pública, e, neste caso,
para os setores responsáveis pelo controle das ações do Estado sobre a política de saúde,
como o Ministério Público, o Poder Legislativo e os Conselhos de Saúde, existem
alguns instrumentos de gestão que devem ser acessados e analisados com o objetivo de
entender os problemas existentes, tanto na prestação dos serviços públicos de saúde,
como na gestão do sistema, tais como: os Planos de Saúde; o Plano Plurianual - PPA;
as Leis de Diretrizes Orçamentárias – LDO; a Lei Orçamentária Anual - LOA; os
Planos de Aplicação.
Os instrumentos de gestão que comprovam a efetiva execução
orçamentária e a aplicação financeira dos recursos são: a Contabilidade (análise de
documentos contábeis); o Sistema de Informação sobre Orçamentos Públicos em Saúde
- SIOPS; Relatórios de Gestão; outros documentos de prestação de contas.
Existem ainda outros instrumentos de gestão do SUS que devem ser
observados: a Estrutura Gestora Única da Política de Saúde, de cada esfera de Governo,
compatível com o Plano de Saúde.
A estrutura gestora compreende também o quadro de pessoal
necessário ao desempenho das ações e serviços; os fluxos de material e insumos; a
constituição de sistemas, tais como, de produção de informação, de comunicação, a
definição de protocolos de ação, entre outros.
19
Para a gestão municipal, a estrutura gestora deve compor-se por
profissionais, ou equipes profissionais, ou órgãos, que funcionam de modo sistêmico e
integrado, garantindo e assegurando o funcionamento do sistema.
O Fundo de Saúde tem por finalidade operacionalizar a gestão dos
recursos financeiros do SUS em cada esfera de governo, entendidos como todos os
recursos destinados ao setor de saúde, cujo montante e utilização devem ter visibilidade
pública e controle social. Seus recursos são depositados em conta bancária especial,
com denominação específica.
Deve contar com estrutura que garanta a autonomia de funcionamento
do setor saúde com relação aos outros setores do governo e com autonomia do gestor
para gerir todas os recursos disponíveis no setor. O gestor de saúde elabora a proposta
orçamentária do setor, submete-a ao respectivo Conselho de Saúde e é o ordenador de
despesas do Fundo de Saúde.
O Plano de Saúde deve explicitar a proposta de um determinado
governo para a gestão do sistema de saúde e para a organização da atenção à saúde.
Deve ser apresentado, debatido, negociado e pactuado com os atores sociais que atuam
diretamente no SUS (especialmente os usuários e trabalhadores do sistema de saúde Conselhos de Saúde - em sua área de atuação) e, com os gestores do SUS, das outras
esferas de governo, de preferência, nas Comissões Intergestoras.
O Plano de Saúde é um instrumento pelo qual o governo apresenta o
seu plano de ação (anual e plurianual-quinqenal), com definição das ações e serviços
(oferta, demanda e análise e cobertura das necessidades) com demarcação das
prioridades, com proposta de hierarquização do sistema, com definição de metas a
serem atingidas, prazos e responsáveis pela sua execução, entre outros.
No planejamento das ações e serviços de saúde para uma determinada
área de abrangência definido em Programação própria, devem constar as ações que
serão realizadas no próprio território (no Município) e as que serão realizadas por
referência (encaminhamento a outro subsistema de saúde) da mesma forma que se deve
constar as ações e serviços que serão ofertados a usuários de outras áreas geográficas
que buscam os serviços).
A Programação Pactuada Integrada - PPI deve traduzir a
responsabilidade sanitária e solidária de cada município com o acesso da população às
ações e serviços de saúde pela oferta existente no nível local ou pelo encaminhamento a
outros municípios, bem como o atendimento de outras áreas de influência de
subsistemas que não oferecem atendimentos de maior complexidade, por meio de
negociações entre os gestores municipais, em processo ascendente, coordenadas e
intermediadas pelo gestor estadual, respeitando-se a autonomia de cada gestor. Os
resultados da PPI deve traduzir o conjunto de ações e serviços de saúde necessários às
populações de todos os municípios, dos Estados e do Brasil e a alocação dos respectivos
recursos, independente da vinculação institucional ao órgão responsável pela sua
execução.
Os Planos de Saúde devem ser concebidos e entendidos como o
resultado de um Planejamento Estratégico Nacional, elaborado em processo ascendente,
para a operacionalização dos subsistemas Municipais e Estaduais de saúde que
constituiriam o Sistema nacional de Saúde.
20
No entanto, muitas vezes, todo esse processo é inexistente e são feitas
planilhas e mais planilhas, a partir dos gabinetes dos órgãos de gestão centrais, sem
contato com as mais diversas realidades para as quais se está planejando, assim como
sem a participação dos atores mais interessados na solução dos problemas. Na execução
vem os cortes e mais cortes de recursos, de procedimentos, de ações, de investimentos,
de remanejamentos.....
A implementação do Plano de Saúde inclui a possibilidade de sua
revisão permanente, com correção de rumos, inclusão ou exclusão de ações e serviços,
redefinição de prioridades e o estabelecimento de sistemas e mecanismos de
comunicação eficazes entre todos os atores envolvidos, especialmente para os usuários.
Os Promotores de Justiça, os Juízes e os Conselheiros de Saúde, ao
analisarem um Plano de Saúde, devem verificar qual foi a base de informações utilizada
sobre a situação de saúde no respectivo território; se na programação, as ações e
serviços foram identificados adequadamente, de acordo com a realidade e com a
capacidade operacional do sistema.
É preciso verificar se os objetivos e as metas foram definidos a partir
de indicadores básicos sanitários, tais como, mortalidade (infantil, adulta, materna, por
violência) morbidade (problemas de saúde que levam as pessoas aos serviços de saúde)
problemas nos ambientes de vida e trabalho; se foi levado em conta a área de influência
do sistema de saúde para as populações que não tem, em seus territórios, acesso
assegurado à integralidade das ações necessárias à atenção de sua saúde; se foi realizada
a Programação Pactuada Integrada - PPI entre os respectivos gestores e ainda, se a
programação previu apenas a realização de procedimentos profissionais (consultas,
internações, etc.) sem prever a realização de serviço de apoio diagnóstico (exames
laboratoriais, de radioimagem, entre outros), tratamento e reabilitação e se existe
organização de Consórcio Intermunicipal de Saúde em microrregiões.
3.1.4 Fiscalização, Controle e Avaliação
O controle e qualidade das ações e serviços de saúde e demais
atividades exercidas no âmbito do SUS, não é atribuição exclusiva do Conselho de
Saúde, que exerce sua competência administrativa no contexto de outros instrumentos
jurídicos de controle social na visão de Raquel Elias Ferreira Dodge8.
Ademais, sob os pressupostos de relevância pública e do caráter
democrático e descentralizado da gestão administrativa do SUS, estabelecidos na
Constituição e na Lei Orgânica de Saúde, verifica-se que o controle social das ações e
serviços de saúde, bem como da gestão do SUS, pode ser exercido tanto prévia quanto
posteriormente à atuação administrativa.
O controle prévio ocorre em especial na elaboração da proposta
orçamentária, na formulação de estratégias da política de saúde, na definição de
diretrizes a serem observadas na elaboração dos planos de saúde, na definição do
cronograma de transferências de recursos financeiros no âmbito do SUS e de critérios e
valores para remuneração de serviços e os parâmetros de cobertura assistencial, tarefa
entregue por excelência aos Conselhos.
______________
21
8.
DODGE, Raquel Elias Ferreira. www.crm.org.br
O controle posterior ocorre no exercício da função fiscalizadora,
quando já praticado o ato lesivo aos objetivos do SUS, e exerce-se por meio de
atividade auditoria, de repressão penal, de correção administrativa, dentre outras.
Neste contexto, verifica-se que a fiscalização do SUS pode ser
exercida de diversos modos e diferentes instituições e pessoas.
Será extrajudicial, se exercida pelos Conselhos de Saúde, pelo Sistema
Nacional de Auditoria do SUS; pelos Sistemas de Controle Interno; pelos Tribunais de
Contas, ou pelo Ministério Público Federal, Estadual ou do Distrito Federal.
A fiscalização não-institucional pode ser feita por qualquer cidadão,
por usuários do sistema de modo geral, por associações ou entidades de classe, ou por
organizações não-governamentais.
O controle pode ser feito pela via judicial, quando terá como
legitimado o usuário lesado, o cidadão, as associações civis, o Ministério Público.
Os instrumentos jurídicos para exercício desse controle poderão ser
extrajudiciais, como as manifestações em geral dos Conselhos de Saúde e, em especial
as resoluções (Lei 8.142/90, art. 1º, § 2º); os afetos às atividades de fiscalização ou
auditoria: tomadas de contas, inspeção ou atos decorrentes; os próprios da atividade
administrativa: sindicância, inquéritos administrativos; as notificações e recomendações
do Ministério Público; a instauração de inquérito policial, pelo Ministério Público ou
pela autoridade policial; e as sanções da competência dos Tribunais de Contas
(Constituição Federal, art. 71, incisos IX e X).
Os instrumentos judiciais são a ação popular, a ação civil pública, a
ação civil por ato de improbidade administrativa, a ação penal, as ações ordinárias (em
caso de lesão a direito individual) e o mandado de segurança individual e coletivo.
É de se registrar, que através dos instrumentos jurídicos para exercício
do controle extrajudicial, consubstanciados em sindicâncias, inquéritos administrativos
instaurados nas três esferas da administração pública, bem como de sanções da
competência dos Tribunais de Contas, tem o Ministério Público encontrado elementos
para propor sanções civis aos agentes públicos com base na Lei 8.429/92
4. CRIAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS
Para assegurar o direito do cidadão brasileiro à saúde, considerada
uma das questões sociais prioritárias do país, a Constituição Federal de 1988,
introduziu o SUS – Sistema Único de Saúde, que integra todas as ações dos serviços
públicos federais, estaduais e municipais de saúde.
O Sistema Único de Saúde - SUS - foi regulamentado pela Lei
Orgânica da Saúde n.º 8.080/90 com a finalidade de alterar a situação de desigualdade
na assistência à Saúde da população, tornando obrigatório o atendimento público a
qualquer cidadão, sendo proibidas cobranças de dinheiro sob qualquer pretexto.
Do Sistema Único de Saúde fazem parte os centros e postos de saúde,
hospitais - incluindo os universitários, laboratórios hemocentros (bancos de sangue),
além de fundações e institutos de pesquisa, como a FIOCRUZ e o Instituto Vital Brazil.
22
Através do Sistema Único de Saúde, todos os cidadãos tem o direito a
consultas, exames, internações e tratamentos nas Unidades de Saúde vinculadas ao
SUS, sejam públicas (na esfera municipal, estadual e federal) quanto as privadas,
contratadas pelo Gestor público de Saúde.
O SUS é destinado a todos os cidadãos e é financiado com recursos
arrecadados através de impostos e contribuições sociais pagos pela população e
compõem os recursos do governo federal, estadual e municipal.
O Sistema Único de Saúde tem como meta tornar-se um importante
mecanismo de promoção da equidade no atendimento das necessidades de saúde da
população, ofertando serviços com qualidade adequados às necessidades, independente
do poder aquisitivo do cidadão.
As diretrizes que regem o SUS estão relacionados no artigo 198.
Conceição Aparecida Pereira Rezende9 sustenta que os “princípios” são um conjunto
de proposições que alicerçam ou embasam um sistema e lhe confere legitimidade.
Traduzem uma concepção, apontam para a ação, norteiam a operacionalização e a
implementação de ações no serviço público e nos privados de relevância pública.
Definem o fazer da administração pública. Direcionam os atos administrativos. São
ponto de partida e referência para o controle social do Sistema Único de Saúde.
A Constituição Federal, em seu art. 37, preceitua que a Administração
Pública tanto a direta como a indireta, de qualquer dos Poderes da União, EstadosMembros, do Distrito Federal e dos Municípios, obedeça aos princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. De forma direta, aplicam-se estes
princípios aos SUS, já que o setor saúde possui certa autonomia de gestão diante do
conjunto da administração da respectiva esfera de governo. Além deles, existem outros,
específicos para o Sistema Único de Saúde segundo as seguintes diretrizes:
descentralização com direção única em cada esfera de governo, atendimento integral,
com prioridade para as atividades preventivas, participação da comunidade. (art. 198,
incisos I, II, e III). No caput do artigo, estão princípios não registrados explicitamente
como tais. São eles: a saúde como direito de todos e dever do Estado; a regionalização e
a hierarquização das ações e serviços de saúde; e, a unicidade do sistema de saúde.
Estes princípios foram explicitados, posteriormente na Lei Orgânica da Saúde - Lei
8.080.90.
4.1. Princípios de Atenção a Saúde no SUS:
4.1.1 A Saúde Como Direito:
“a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado
prover as condições indispensáveis ao pleno exercício, por meio de
políticas sociais e econômicas que visem a redução de riscos de
doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que
assegurem acesso universal e igualitário às ações e serviços para a
promoção, proteção e recuperação da saúde individual e coletiva”.
Brasileira
Direitos
de
Além do princípio que concebe a saúde como direito, a Constituição
1988, qualificou o direito à saúde incluindo-o no conjunto dos
23
_________________
9.
REZENDE Conceição Aparecida Pereira. Manual de Atuação Jurídica em Saúde Pública.
Sociais. Mesmo que não fosse expressamente um direito social, a saúde é sem dúvida
um direito fundamental, pois intimamente vinculado ao direito à vida (art. 5.º) e
princípio fundamental, pois, integra o conceito de “dignidade humana”, princípio
fundante da República, (art. 1°, III, CF). A dignidade da pessoa humana é elevado como
o valor “saúde”.
O que significa isto? Para administração pública, a responsabilidade
de elaborar programas operacionais que garantam que a atenção à saúde de toda a
população habitante na área de abrangência de sua competência esteja assegurada,
conforme suas atribuições constitucionais e legais. Para a população, significa a
possibilidade de exigir, individual e coletivamente, a consecução desse direito junto ao
Poder Judiciário e ao Ministério Público, sempre que ele for negado.
4.1.2. A Unicidade do Sistema de Saúde:
“as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada”, com “organização dos serviços
públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins
idênticos”.
Numa contraposição ao modelo de saúde vigente até 1988, a
legislação estabeleceu, como princípio, a unicidade do sistema. Como pode ser
verificado, mesmo com a unificação dos IAPs, em 1966, as ações e serviços de saúde no
Brasil, continuaram sendo operadas por uma multiplicidade muito grande de órgãos, a
exemplo da Secretaria Nacional de Saúde, SUCAM, INAN, etc. Este modelo de
organização de ações e serviços de saúde não funcionou, trazendo inúmeros prejuízos
econômicos, sociais, organizativos e tecnológicos. Daí, no processo de reforma
sanitária, a grande mobilização pela unicidade do sistema.
4.1.3. A Universalidade:
“a saúde é direito de todos e dever do Estado”. Todos os
brasileiros e estrangeiros que vivem no Brasil, devem ter acesso
aos serviços de saúde, em todos os níveis de assistência”, sem
preconceitos
ou
privilégios
de
qualquer
espécie,
independentemente de vínculo previdenciário ou qualquer tipo
de seguro-saúde.
Este princípio está diretamente ligado ao princípio da SAÚDE
COMO DIREITO e suas conseqüências institucionais e jurídicas são idênticas.
4.1.4. Integralidade de Assistência:
“entendida como um conjunto articulado e contínuo de ações e
serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos,
exigidos para cada caso, em todos os níveis de complexidade do
sistema. O SUS deve garantir ao cidadão o direito de atenção à
saúde, desde as ações de promoção da saúde, prevenção de
doenças até os tratamentos especializados e de recuperação,
quando exposto a qualquer tipo de doença ou agravo.
24
Antes da Constituição Federal de 1988, como já se viu, as ações
e serviços de saúde oferecidos pela Previdência Social eram reduzidos, praticamente, a
alguns procedimentos médicos e odontológicos, ambulatoriais e hospitalares, com a
distribuição de alguns medicamentos aos “mais carentes”. A integralidade da assistência
significa que o cidadão tem o direito de ser atendido e assistido sempre que necessitar,
em qualquer situação de risco ou agravo (doença), utilizando ou não insumos,
medicamentos, equipamentos, entre outros. Ou seja, o que define o atendimento deve
ser a necessidade das pessoas.
4.1.5. A Igualdade:
“da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer
espécie. O poder público deve oferecer condição de atendimento
igual para todos. O que deve determinar o tipo de atendimento á a
necessidade das pessoas, por demanda própria ou identificadas pelo
sistema de saúde, e o grau de complexidade da doença ou agravo, e
não a condição sócio-econômica dos usuários, ou outros critérios
particulares.
Este princípio é de extrema importância na saúde porque trata da
essência da dignidade da pessoa humana. A história da saúde pública no Brasil mostra
que o cidadão brasileiro, que não podia financiar o seu “tratamento de saúde”, durante
séculos, foi tratado como indigente. Quando algum benefício previdenciário era
concedido, as autoridades políticas o tomavam com “favor pessoal”.
É tarefa do gestor do sistema de saúde providenciar as condições,
não só para a prestação de serviços de saúde, mas também, condições que ofereçam
dignidade aos seus usuários. Estas condições vão desde a garantia de acesso, até o modo
pelo qual os serviços de saúde acolhem aos seus usuários.
4.1.6 A “Preservação da Autonomia das pessoas na defesa de sua integridade
física e moral”.
A ética dos serviços de saúde deve ser a de proteger e cuidar de seus
usuários contra todas as diversidades, enquanto freqüentam os serviços de saúde. Além
disto, atendê-los, curá-los e fortalecê-los para a vida. Alguns dos objetivos dos serviços
de saúde são a sua reabilitação física, para que retomem a sua capacidade de mobilizarse, auto-cuidar-se, conviver, produzir, amar, divertir-se, viver e ser feliz”
4.1.7. O Direito à Informação às pessoas assistidas sobre sua saúde.
Os usuários do sistema de saúde tem o dever de ser informarem
sobre tudo que está ocorrendo com sua saúde, quando estiverem em situação de
atendimento ou tratamento. Além disso, a qualquer tempo, podem ter acesso aos
registros de seu prontuário de atendimento, tem portanto, o direito de se informarem
sobre as hipóteses diagnósticas de seus males. Direito a informação sobre diagnóstico,
tratamento e prognóstico. Tem direito ainda de serem orientados e esclarecidos sobre os
benefícios e os riscos de todos os procedimentos diagnósticos e terapêuticos possíveis
de serem adotados nas diferentes situações.
4.1.8. “A Descentralização dos serviços para os municípios”.
25
“Compete aos municípios.....organizar e prestar, diretamente ou
sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de
interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter
essencial;.....prestar com a cooperação técnica e financeira da
União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da
população”.
A descentralização da atenção à saúde, além de significar a
possibilidade de se elaborarem projetos mais reais e compatíveis com cada realidade, é
a probabilidade efetiva da comunidade interferir na concepção do sistema, na sua
implementação, em seu funcionamento, na aplicação dos recursos, na avaliação de seus
resultados e nos destinos da administração pública.
4.1.9. A “Regionalização e Hierarquização na rede de serviços de saúde” e
“As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede
REGIONALIZADA e HIERARQUIZADA e constituem um SISTEMA ÚNICO,
organizado....
“As ações e serviços de saúde, executados pelo Sistema Único de
Saúde (SUS), seja diretamente ou mediante participação
complementar da iniciativa privada, serão organizados de forma
REGIONALIZADA e HIERARQUIZADA em níveis de complexidade
crescente”.
A organização da rede de ações e serviços de saúde, descentralizada,
regionalizada e hierarquizada, distribuída geograficamente, deve considerar, pelo
menos, a distribuição da população nas regiões, a realidade epidemiológica e social de
cada uma, e os meios de locomoção e transporte existentes, para que seja garantido o
acesso da população a todos os níveis de complexidade dos serviços.
Este princípio contrapõe-se ao modelo anterior de centralização dos
serviços de saúde da União e dos Estados, em sua maior parte, nas grandes capitais e
uma grande concentração de tecnologia em uma mesmo estabelecimento. A
hierarquização dos serviços ocorria dentro do mesmo estabelecimento, quase sempre
fechado hermeticamente para o sistema local.
4.1.10. A Resolubilidade:
“capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de
assistência”.
Este princípio aponta para que o sistema de saúde, que deve ser
composto por uma rede de ações e serviços organizados de forma hierarquizada, seja
resolutivo. Que seja ordenado de tal maneira que as suas equipes de trabalho, bem como
os seus usuários, sejam capazes de identificar a sua utilidade prática e a sua missão
institucional no sistema, e que, se acaso uma determinada unidade da rede não tiver
condições de solucionar uma dada situação, ela saiba exatamente onde resolver e seja
capaz de entrar em contato, encaminhar, viabilizar o acesso do usuário, ter resposta
satisfatória por parte do usuário a tê-lo de volta reencaminhado ao território de
referência com seu problema solucionado.
4.1.11. A Humanização do Atendimento
26
É a responsabilização mútua entre os serviços de saúde e a
comunidade com o estabelecimento de vínculo entre as equipes de saúde e a população.
Consiste no atendimento das pessoas que buscam um determinado serviço de saúde,
com a decisão de acolher, escutar e dar resposta positiva na solução dos seus problemas
de saúde. Implica o compromisso de todos os atores envolvidos no sistema: gestores,
trabalhadores, prestadores de serviço e dos próprios usuários. Essencialmente, a
humanização do atendimento expressa-se por relações estabelecidas sob parâmetros
humanitários, de solidariedade e responsabilidade, que terminam por produzir satisfação
pela qualidade dos serviços realizados.
4.1.12 A Intersetorialidade:
“INTEGRAÇÃO, em nível executivo, das ações de saúde, meio
ambiente e saneamento básico, com organização dos serviços
públicos de modo a EVITAR PUBLICIDADE de meios para fins
idênticos”
O direito de todos à saúde deve ser garantido por meio de políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos à
saúde. A Lei Orgânica da Saúde define como fatores determinantes e condicionantes da
saúde, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o
trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer, o acesso aos bens e serviços
essenciais e as ações que se destinam a garantir às pessoas e à coletividade as condições
de bem estar físico, mental e social.
Estas ações são planejadas e executadas pelo conjunto de órgãos do
governo, com a colaboração do setor saúde, mas com recursos específicos e são
consideradas “ações intersetoriais de saúde”
A participação do Gestor do Sistema de Saúde no Planejamento de
outras políticas públicas não pode ser casuística, com o fim de incluir com gastos com
saúde despesas próprias de orçamento de outros setores da administração pública. Para
fins orçamentários, as despesas com ações intersetoriais de saúde não podem ser
incluídas nas gastos com saúde.
4.1.13 A Participação da Comunidade.
Democratização do conhecimento do processo saúde/doença e dos
serviços, estimulando a organização e a participação da comunidade nas ações de
promoção da saúde e promoção de doenças, com orientações para o efetivo
autocuidado, para a incorporação de hábitos saudáveis e para a proteção do ambiente.
A participação popular enquanto princípio constitucional é aquela
participação do cidadão sem interesse individual imediato, tendo como interesse o bem
comum, ou seja, é o direito de participação política, de decidir junto, de compartilhara
administração, opinar sobre as prioridades e fiscalizar a aplicação dos recursos públicos.
4.2 São Princípios de Gestão do SUS:
27
4.2.1 A “Descentralização, com Direção Única em cada esfera de governo” e a
DESCENTRALIZAÇÃO político-administrativa, com DIREÇÃO ÚNICA em
cada esfera de governo.
4.2.2 A Regionalização: “As ações e serviços de saúde, executados pelo SUS,
seja diretamente ou mediante participação complementar da iniciativa
privada, serão organizadas de forma REGIONALIZADA e HIERARQUIZADA
em níveis de complexidade crescente.
4.2.3 O Financiamento Solidário. “A seguridade social será financiada por
toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante
recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios e de contribuições sociais (art. 195, da CF).
4.2.4 A Aplicação Mínima dos Recursos. “União não intervirá nos Estados
nem no distrito Federal, exceto para assegurar a observação dos seguintes
princípios constitucionais.....”
5. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA VINCULAÇÃO DE RECURSOS
PARA A SAÚDE.
O constituinte, pela Emenda n.º 29/2000, preocupou-se em determinar
a efetiva aplicação em ações e serviços públicos de saúde dos recursos mínimos (§ 3º,
art. 198) que deverão ser, no ano de 2000, no caso da União, o montante empenhado em
ações e serviços públicos de saúde no exercício financeiro de 1999, acrescido de no
mínimo 5% (cinco por cento) e do ano de 2001 ao 2004 o valor apurado ao ano de 2000,
corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto (art. 77, inciso I, do
ADCT).Os Estados deverão direcionar o produto da arrecadação dos impostos previstos
nos artigos 155, 157 e 159, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos
Municípios. No caso dos Municípios também há vinculação com gastos na saúde pelo
inciso III do artigo 198, também em percentuais extraídos da arrecadação dos impostos
previstos no artigo 156, e dos recursos previstos na Constituição Federal (artigos 157 e
159, inciso I, alínea b, e $ 3.º).
Para garantir a aplicação dos percentuais mínimos O Conselho
Nacional de Saúde, expediu a Resolução 316, de 04 de abril de 2000, conforme o
estabelecido no art. 77, § 3º. Do ADCT.
5.1 Conselho Nacional de Saúde
RESOLUÇÃO Nº 316, de 04 de abril de 2002
O Plenário do Conselho Nacional de Saúde, em sua Centésima
Décima Oitava Reunião Ordinária, realizada nos dias 03 e 04 de abril de 2002, no uso
de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei n° 8.080, de 19 de
28
setembro de 1990, e pela Lei n° 8.142, de 28 de dezembro de 1990 e conforme
estabelecido no artigo 77, § 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias –
ADCT, Considerando:
 a promulgação da Emenda Constitucional nº 29, em 13 de
setembro de 2000, vinculando os recursos orçamentários da União, Estados, Distrito
Federal e Municípios a serem aplicados obrigatoriamente em ações e serviços públicos
de saúde;

serem os dispositivos da Emenda Constitucional nº 29 auto -
aplicáveis;
 a necessidade de esclarecimento conceitual e operacional do texto
constitucional, de modo a lhe garantir eficácia e viabilizar sua perfeita aplicação pelos
agentes públicos até a aprovação da Lei Complementar a que se refere o § 3º do artigo
198 da Constituição Federal;
 a necessidade de haver ampla discussão pública para a elaboração
da Lei Complementar prevista no § 3º do artigo 198 da Constituição Federal, de forma a
disciplinar os dispositivos da Emenda Constitucional nº 29;
 os esforços envidados pelos gestores do SUS, com a realização de
amplas discussões e debates sobre a implementação da Emenda Constitucional nº 29,
com o intuito de promover a aplicação uniforme e harmônica dos ditames
constitucionais;
 as discussões realizadas pelo grupo técnico formado por
representantes do Ministério da Saúde, do Ministério Público Federal, do Conselho
Nacional de Saúde - CNS, do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde CONASS, do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde - CONASEMS,
da Comissão de Seguridade Social da Câmara dos Deputados, da Comissão de Assuntos
Sociais do Senado e da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas – ATRICON,
resultando na elaboração do documento “Parâmetros Consensuais Sobre a
Implementação e Regulamentação da Emenda Constitucional 29”; e
 os subsídios colhidos nos seminários sobre a “Operacionalização
da Emenda Constitucional 29”, realizados em setembro e dezembro de 2001, com a
participação de representantes dos Tribunais de Contas dos Estados, dos Municípios e
da União, do Ministério da Saúde, do Conselho Nacional de Saúde e do Conselho
Nacional de Secretários Municipais de Saúde – CONASEMS.
RESOLVE:
Aprovar as seguintes diretrizes acerca da aplicação da Emenda
Constitucional nº 29, de 13 de setembro de 2000:
DA BASE DE CÁLCULO PARA DEFINIÇÃO DOS RECURSOS
MÍNIMOS A SEREM APLICADOS EM SAÚDE
Primeira Diretriz: A apuração dos valores mínimos a serem aplicados
em ações e serviços públicos de saúde, de que tratam o art. 198, § 2º da Constituição
Federal e o Art. 77 do ADCT, dar-se-á a partir das seguintes bases de cálculo:
29
I – Para a União, até o ano de 2004, o montante efetivamente
empenhado em ações e serviços públicos de saúde no ano imediatamente anterior ao da
apuração da nova base de cálculo.
II – Para os Estados:

Total das receitas de impostos de natureza estadual:
ICMS, IPVA, ITCMD

(+) Receitas de transferências da União:
Quota-Parte do FPE
Cota-Parte do IPI Exportação
Transferências da Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir)

(+) Imposto de Renda Retido na Fonte IRRF

(+) Outras receitas correntes:
Receita da Dívida Ativa Tributária de Impostos, Multas, Juros de
Mora e Correção Monetária.

(-) Transferências financeiras constitucionais e legais a
Municípios:
ICMS (25%),
IPVA (50%),
IPI Exportação (25%),
(=) Base de Cálculo Estadual
III Para os Municípios:

Total das receitas de impostos municipais:
ISS, IPTU, ITBI

(+) Receitas de transferências da União:
Quota-Parte do FPM
Quota-Parte do ITR
Quota-Parte da Lei Complementar n º 87/96 (Lei Kandir)

(+) Imposto de Renda Retido na Fonte IRRF

(+) Receitas de transferências do Estado:
Quota-Parte do ICMS
Quota-Parte do IPVA
Quota-Parte do IPI Exportação

(+) Outras Receitas Correntes:
Receita da Dívida Ativa Tributária de Impostos, Multas, Juros de
Mora e Correção Monetária
(=) Base de Cálculo Municipal
30
IV – Para o Distrito Federal:
Base de Cálculo Estadual
ICMS (75%)
IPVA (50%)
ITCD
Simples
Imposto de Renda Retido na Fonte
Quota-parte FPE
Quota-parte IPI - exportação (75%)
Transferência LC 87/96 – Lei Ka (75%)
Divida Ativa Tributária de impostos Multa,
juros de mora e correção monetária
Base de Cálculo Municipal
ICMS (25%)
IPVA (50%)
IPTU
ISS
ITBI
Quota-parte FPM
Quota-parte IPI - exportação (25%)
Quota-parte ITR
Transferência LC 87/96 – Lei Ka (25%)
Divida Ativa Tributária de impostos
Multa, juros de mora e correção monetária
DOS RECURSOS MÍNIMOS A SEREM APLICADOS EM SAÚDE
Segunda Diretriz: Para a União, a aplicação dos recursos mínimos
em ações e serviços públicos de saúde, no período do ano de 2001 até 2004, a que se
refere o art. 77, II, b, do ADCT, deverá ser observado o seguinte:
I - a expressão “o valor apurado no ano anterior”, previsto no Art. 77,
II, b, do ADCT, é o montante efetivamente empenhado pela União em ações e
serviços públicos de saúde no ano imediatamente anterior, desde que garantido o
mínimo assegurado pela Emenda Constitucional, para o ano anterior;
II - em cada ano, até 2004, o valor apurado deverá ser corrigido pela variação
nominal do Produto Interno Bruto – PIB do ano em que se elabora a proposta orçamentária (a ser
identificada no ano em que se executa o orçamento).
Terceira Diretriz: Para os Estados e os Municípios, até o exercício
financeiro de 2004, deverá ser observada a regra de evolução progressiva de aplicação
dos percentuais mínimos de vinculação, prevista no Art. 77, do ADCT.
§ 1º Os entes federados cujo percentual aplicado em 2000 tiver sido
não superior a sete por cento deverão aumentá-lo de modo a atingir o mínimo previsto
para os anos subseqüentes, conforme o quadro abaixo.
Ano
2000
2001
2002
2003
2004
Percentuais Mínimos de Vinculação
Estados
Municípios
7%
7%
8%
8,6%
9%
10,2%
10%
11,8%
12%
15%
§ 2º Os entes federados que em 2000 já aplicavam percentuais
superiores a sete por cento não poderão reduzi-lo, retornando aos sete por cento. A
diferença entre o efetivamente aplicado e o percentual final estipulado no texto
constitucional deverá ser abatida na razão mínima de um quinto ao ano, até 2003, sendo
que em 2004 deverá ser, no mínimo, o previsto no art. 77 do ADCT.
Quarta Diretriz: O montante mínimo de recursos a serem aplicados
em saúde pelo Distrito Federal deverá ser definido pelo somatório (i) do percentual de
31
vinculação correspondente aos estados aplicado sobre a base estadual definida na
primeira diretriz com (ii) o percentual de vinculação correspondente aos municípios
aplicado sobre a base municipal definida na primeira diretriz, seguindo a regra de
progressão prevista no artigo 77 da ADCT, conforme abaixo demonstrado:
Ano
Montante Mínimo de Vinculação
2000
0,07 x Base Estadual + 0,070
x Base Municipal
2001
0,08 x Base Estadual + 0,086
x Base Municipal
2002
0,09 x Base Estadual + 0,102
x Base Municipal
2003
0,10 x Base Estadual + 0,118
x Base Municipal
2004
0,12 x Base Estadual + 0,150
x Base Municipal
Parágrafo Único: Aplica-se ao Distrito Federal o disposto no § 2º da
Terceira Diretriz.
DAS AÇÕES E SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE
Quinta Diretriz: Para efeito da aplicação da Emenda Constitucional
nº 29, consideram-se despesas com ações e serviços públicos de saúde aquelas com
pessoal ativo e outras despesas de custeio e de capital, financiadas pelas três esferas de
governo, conforme o disposto nos artigos 196 e 198, § 2º, da Constituição Federal e na
Lei n? 8080/90, relacionadas a programas finalísticos e de apoio, inclusive
administrativos, que atendam, simultaneamente, aos seguintes critérios:
I - sejam destinadas às ações e serviços de acesso universal,
igualitário e gratuito;
II - estejam em conformidade com objetivos e metas explicitados nos
Planos de Saúde de cada ente federativo;
III – sejam de responsabilidade específica do setor de saúde, não se
confundindo com despesas relacionadas a outras políticas públicas que atuam sobre
determinantes sociais e econômicos, ainda que com reflexos sobre as condições de
saúde.
§ Único – Além de atender aos critérios estabelecidos no caput, as
despesas com ações e serviços de saúde, realizadas pelos Estados, Distrito Federal e
Municípios deverão ser financiadas com recursos alocados por meio dos respectivos
Fundos de Saúde, nos termos do Art. 77, § 3º do ADCT.
Sexta Diretriz: Atendido ao disposto na Lei 8.080/90, aos critérios da
Quinta Diretriz e para efeito da aplicação da EC 29, consideram-se despesas com ações
e serviços públicos de saúde as relativas à promoção, proteção, recuperação e
reabilitação da saúde, incluindo:
I - vigilância epidemiológica e controle de doenças;
II - vigilância sanitária;
III - vigilância nutricional, controle de deficiências nutricionais,
orientação alimentar, e a segurança alimentar promovida no âmbito do SUS;
IV - educação para a saúde;
32
V - saúde do trabalhador;
VI - assistência à saúde em todos os níveis de complexidade;
VII - assistência farmacêutica;
VIII - atenção à saúde dos povos indígenas;
IX - capacitação de recursos humanos do SUS;
X - pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico em saúde,
promovidos por entidades do SUS;
XI - produção, aquisição e distribuição de insumos setoriais
específicos, tais como medicamentos, imunobiológicos, sangue e hemoderivados, e
equipamentos;
XII - saneamento básico e do meio ambiente, desde que associado
diretamente ao controle de vetores, a ações próprias de pequenas comunidades ou em
nível domiciliar, ou aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), e outras ações
de saneamento a critério do Conselho Nacional de Saúde;
XIII - serviços de saúde penitenciários, desde que firmado Termo de
Cooperação específico entre os órgãos de saúde e os órgãos responsáveis pela prestação
dos referidos serviços.
XIV – atenção especial aos portadores de deficiência.
XV – ações administrativas realizadas pelos órgãos de saúde no
âmbito do SUS e indispensáveis para a execução das ações indicadas nos itens
anteriores;
§ 1º No caso da União, excepcionalmente, as despesas com ações e
serviços públicos de saúde da União financiadas com receitas oriundas de operações de
crédito contratadas para essa finalidade poderão integrar o montante considerado para o
cálculo do percentual mínimo constitucionalmente exigido, no exercício em que
ocorrerem.
§ 2º No caso dos Estados, Distrito Federal e Municípios, os
pagamentos de juros e amortizações decorrentes de operações de crédito contratadas a
partir de 1º.01.2000 para custear ações e serviços públicos de saúde, excepcionalmente,
poderão integrar o montante considerado para o cálculo do percentual mínimo
constitucionalmente exigido.
Sétima Diretriz: Em conformidade com o disposto na Lei 8.080/90,
com os critérios da Quinta Diretriz e para efeito da aplicação da EC nº 29, não são
consideradas como despesas com ações e serviços públicos de saúde as relativas a:
I – pagamento de aposentadorias e pensões;
II - assistência à saúde que não atenda ao princípio da universalidade
(clientela fechada);
III - merenda escolar;
IV - saneamento básico, mesmo o previsto no inciso XII da Sexta
Diretriz, realizado com recursos provenientes de taxas ou tarifas e do Fundo de
Combate e Erradicação da Pobreza, ainda que excepcionalmente executado pelo
Ministério da Saúde, pela Secretaria de Saúde ou por entes a ela vinculados;
33
V - limpeza urbana e remoção de resíduos sólidos (lixo);
VI - preservação e correção do meio ambiente, realizadas pelos órgãos
de meio ambiente dos entes federativos e por entidades não governamentais;
VII – ações de assistência social não vinculadas diretamente a
execução das ações e serviços referidos na Sexta Diretriz e não promovidas pelos
órgãos de Saúde do SUS;
VIII – ações e serviços públicos de saúde custeadas com recursos que
não os especificados na base de cálculo definida na primeira diretriz.
§ 1º No caso da União, os pagamentos de juros e amortizações
decorrentes de operações de crédito, contratadas para custear ações e serviços públicos
de saúde, não integrarão o montante considerado para o cálculo do percentual mínimo
constitucionalmente exigido.
§ 2º No caso dos Estados, Distrito Federal e Municípios, as despesas
com ações e serviços públicos de saúde financiadas com receitas oriundas de operações
de crédito contratadas para essa finalidade não integrarão o montante considerado para
o cálculo do percentual mínimo constitucionalmente exigido, no exercício em que
ocorrerem.
DOS INSTRUMENTOS DE ACOMPANHAMENTO, FISCALIZAÇÃO E
CONTROLE
Oitava Diretriz: Os dados constantes no Sistema de Informações
sobre Orçamentos Públicos em Saúde do Ministério da Saúde – SIOPS serão utilizados
como referência para o acompanhamento, a fiscalização e o controle da aplicação dos
recursos vinculados em ações e serviços públicos de saúde.
Parágrafo Único: Os Tribunais de Contas, no exercício de suas
atribuições constitucionais, poderão, a qualquer tempo, solicitar, aos órgãos
responsáveis pela alimentação do sistema, retificações nos dados registrados pelo
SIOPS.
Nona Diretriz: O Sistema de Informação Sobre Orçamentos Públicos
em Saúde – SIOPS, criado pela Portaria Interministerial nº 1.163, de outubro de 2000,
do Ministério da Saúde e da Procuradoria Geral da República, divulgará as informações
relativas ao cumprimento da Emenda Constitucional nº 29 aos demais órgãos de
fiscalização e controle, tais como o Conselho Nacional de Saúde, os Conselhos
Estaduais e Municipais de Saúde, o Ministério Público Federal e Estadual, os Tribunais
de Contas da União, dos Estados e Municípios, o Senado Federal, a Câmara dos
Deputados, as Assembléias Legislativas, a Câmara Legislativa do Distrito Federal e as
Câmaras Municipais.
Décima Diretriz: Na hipótese de descumprimento da EC nº 29, a
definição dos valores do exercício seguinte não será afetada; ou seja, os valores
mínimos serão definidos tomando-se como referência os valores que teriam assegurado
o pleno cumprimento da EC nº 29 no exercício anterior. Além disso, deverá haver uma
suplementação orçamentária no exercício seguinte, para compensar a perda identificada,
sem prejuízo das sanções previstas na Constituição e na legislação.
Resolução aprovada, por unanimidade, pelo Plenário do CNS na 118ª
Reunião Ordinária, em 04 de abril de 2002, com as alterações sugeridas
e incorporadas na 120ª Reunião Ordinária, em 06 de junho de 2002.
34
Presentemente, duas Ações Direta de Inconstitucionalidade – ADINs,
encontram-se pendente de julgamento no STF, para que seja dirimida controvérsia
jurídica quanto aos valores mínimos10 que a União deve aplicar em ações e serviços
públicos de saúde.
O Parecer da Advocacia-Geral da União em ambas ações requeridas
tem a seguinte. EMENTA: Piso a ser aplicado pela União para o custeio de ações e
serviços públicos de saúde. A melhor exgese do art. 77, inciso I, alínea b, do Ato das
Disposições Transitórias da Constituição de 1988, acrescentado pela Emenda
Constitucional n.º 29/2000. A melhor interpretação do dispositivo constitucional da
alínea b, do inciso I, do art. 77 do ADCT da CF é aquela dada pela Procuradoria da
Fazenda Nacional no sentido de que, nos exercícios posteriores ao exercício de 2000, do
ano de 2001, ao ano de 2004, a União aplicará, a título de piso, ou seja, no mínimo,
nada impedindo, obviamente, que aplique mais, de acordo com as necessidades e a
disponibilidade do Tesouro, o equivalente ao valor apurado no ano anterior, vale dizer,
o valor apurado no ano de 2000, isto é, o montante empenhado nessas ações e nesses
serviços públicos no exercício de 1999, acrescido de, no mínimo cinco por cento,
corrigido, ainda, sucessiva e cumulativamente pela variação nominal do Produto Interno
Bruto PIB.
No caso de ser adotado outro entendimento acerca da controvérsia
jurídica quanto ao “valor mínimo” que a União deve aplicar em ações e serviços de
públicos de saúde, os investimentos nesta área sofrerão uma enorme redução, que
inviabilizará completamente a saúde pública no Brasil, o que é inconstitucional, devido
ao tratamento dado pela Constituição para as ações e serviços de saúde.
5.2 Financiamento
O Sistema Único de Saúde será financiado, nos termos do art. 195,
com recursos da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, além de outras fontes.
A Lei n.º 8.080/90, prevê somatória de outras fontes ao orçamento da
saúde como aquelas provenientes de doações, alienações patrimoniais, taxas e
emolumentos na área de saúde e serviços que possam ser prestados, contanto que não
interfiram na área fim do SUS (art. 32).
A Emenda Constitucional 29/2000 também introduziu modificações
que repercutem na elaboração dos orçamentos da saúde nas três esferas federativas na
obrigatoriedade da observância de percentuais vinculados à saúde, inclusive, que o
orçamento da seguridade conta na área de saúde com receita vinculada de impostos,
além de contribuição social específica no nível federal (CPMF).
_________________________
10
Proc. n.º 00400.00916/2000-08 requerido pelos Partidos Políticos PCdoB, PL, PPS e PT - CF - 103,
VIII; Proc. n.º 004900.002916/2000-08, requerido pela Associação Médica Brasileira - CF art. 103, IX.
A regularidade no fluxo das verbas públicas destinadas ao
financiamento do SUS é a única alternativa compatível com a Constituição para realizar
ações e serviços que, por sua natureza, devem ser prestados diuturnamente, sem
interrupção, com a qualidade e eficiência necessárias para preservar a vida e saúde do
ser humano, pois estes são os bens fundamentais, dos que decorremos demais 11.
35
Tal fluxo de verbas é presidido por alguns princípios legais básicos
que norteiam o sistema: o primeiro, que deve ser suficiente; o segundo, de que deve ser
oportuno, ou seja, regular e automático; o terceiro, de que deve ser acompanhado da
correção monetária, em caso de atraso; e o quarto, de que deve ser proporcional à
despesa prevista em cada área constante no orçamento da Seguridade Social.
A Lei Orgânica da Saúde - Lei n.º 8.080/90, determina que os recursos
financeiros do SUS sejam depositados em conta especial, em cada esfera de sua
atuação, e movimentados sob fiscalização dos respectivos Conselhos de Saúde; e que na
esfera federal os recursos financeiros, originários do orçamento da Seguridade Social,
de outros orçamentos da União, além de outras fontes, sejam administrados pelo
Ministério da Saúde, por meio do Fundo Nacional de Saúde (art. 33).
Assim, a suficiência dos recursos deve ser decorrência da definição
inicial do valor necessário estipulado pelo Conselho Nacional de Saúde, de acordo com
a Lei de Diretrizes Orçamentárias, conforme venha a ser votado no Congresso Nacional,
de sorte a constituir o orçamento da Seguridade Social, integrado por fontes criadas
especialmente para este fim, com a participação eqüitativa de toda a sociedade. Em caso
de necessidade ou falta, deverá ser complementado com recursos adicionais do
orçamento fiscal, nas três entidades federativas.
O repasse das verbas deve ser feito de modo regular e automático em
dois momentos distintos: o primeiro, entre o órgão arrecadador e o Fundo Nacional de
Saúde; e o segundo, entre o Fundo Nacional de Saúde e os entes federativos.
Quanto ao primeiro momento, deve ser observado o prazo, a
proporção e a atualização monetária das verbas repassadas.
Sobre o prazo, há três diferentes diplomas legais a determinar que a
transferência de recursos do órgão arrecadador e o Fundo Nacional de Saúde deve ser
feita de modo automático e coincidente coma distribuição dos Fundos de Participação
dos estados e Municípios, sempre a reforçar os objetivos constitucionais. (art. 34 da Lei
8.080/90; art. 19, §1º, da Lei 8.142/90 e art. 87 do Código Tributário Nacional).
Repasse automático é aquele feito no exato instante em que se tem
conhecimento da quantia disponível em favor da União.
Quanto ao segundo momento, verifica-se que os recursos do Fundo
Nacional de Saúde para Municípios, Estados e Distrito Federal devem ser repassados
demodo não só automático, mas também regular. (art. 3º, §§1º e 2º; art. 4º, incisos I a
VI, e Parágrafo Único, da Lei 8.142/90).
Assim, qualquer outro procedimento administrativo diferente da
transferência regular e automática de recursos para os Estados, Distrito Federal e
Municípios, significa ofensa a tais princípios legais.
_________________________
11
DODGE. Raquel Elias Ferreira. www.crm.org.br.revista
A correção monetária das verbas destinadas à saúde é decorrência do
princípio geral de direito de que o acessório segue o principal. Portanto, a lei autoriza a
aplicação financeira de verbas públicas destinadas à saúde para que o valor real da
moeda seja preservado para atender ao dever do Estado. Por isso, o rendimento da
aplicação financeira daquelas verbas deve ser destinadas à saúde.
36
6. SISTEMA DE SAÚDE ABERTO À INICIATIVA PRIVADA NO ASPECTO
COMPLEMENTAR
No artigo 199, vemos que a assistência à saúde não é monopólio do
Estado, pois ali se previu o acesso da iniciativa privada ao ramo da prestação de
serviços em saúde. Sinalize-se e que esta participação se dará de forma complementar
ao SUS e segundo as diretrizes do SUS. A forma pela qual se abriu à iniciativa privada
a participação nos serviços de saúde e, repise-se, de forma complementar, vinculação
por regras publicistas ou conveniais, ou seja, nesta esfera, não impera a liberdade total.
A atuação do segmento privado está sujeita aos preceitos constitucionais fundamentais
doartigo 1.º, III, isto é, a dignidade da pessoa humana, e aos limites impostos pela lei,
isto é, a atividade suplementar também tem deveres relacionados ao “direito à saúde”.
Para a vinculação dará preferência às entidades filantrópicas ou às sem fins lucrativos.
Então, há sinalização de que o serviço complementar de preferência não será puramente
mercantil com objetivo tão-só de lucro. Prosseguimos, e vê-se no § 2º que está vedada a
destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às entidades com fins
lucrativos, e no § 3.º houve a vedação da participação direta ou indireta das empresas ou
capitais estrangeiros na assistência à saúde, salvo expressa previsão legal em contrário.
7. A AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR - ANS
A atividade suplementar está regulada pela Lei 9.661/2000 para
promover a defesa do interesses público na assistência suplementar à saúde, regulando
as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e
consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País.
Dentre suas finalidades institucionais encontra-se a proposição de
políticas e diretrizes gerais ao Conselho Nacional de Saúde Suplementar - CONSU para
a regulação do setor de saúde suplementar, o estabelecimento das características gerais
dos instrumentos contratuais utilizados na atividade das operadoras, a fixação de
critérios para os procedimentos de credenciamento e descredenciamento de prestadores
de serviço às operadoras, o estabelecimento de parâmetros e indicadores de qualidade e
de cobertura em assistência à saúde para os serviços próprios e de terceiros oferecidos
pelas operadoras, de normas para ressarcimento ao Sistema Único de Saúde e relativas à
adoção e utilização, pelas operadoras de planos de assistência à saúde, de mecanismos
de regulação do uso dos serviços de saúde.
8. ATRIBUIÇÕES DO SUS
O artigo 200 vem dizer da competência do SUS e definir as suas
múltiplas atribuições. A Lei n.º 8.080, de 19.09.90, e a Lei 8.142, de 28.12.90, foram já
editadas atendendo ao comando do artigo 200, disciplinando e estruturando o SUS. São
de competência do SUS a execução das ações de vigilância sanitária e epidemiológica;
o controle e fiscalização de procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a
saúde, produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, homoderivados e
outros insumos; ordenação e a formação de recursos humanos para atuar na saúde;
participação da formulação da política e ações de saneamento básico, incrementador do
37
desenvolvimento científico e tecnológico; fiscalizador e inspecionador de alimentos
para verificar o teor nutricional, bebidas e águas para consumo humano; o SUS deverá,
ainda, participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização
de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos, finalmente atuará na
proteção do meio ambiente, aí compreendendo o meio ambiente do trabalho.
Vê-se, assim, que é uma competência vastíssima que se atribuiu ao
SUS, onde atuará cumprindo o seu dever para com a saúde; dever que há de ser
cumprido, e bem cumprido segundo vetores do Decreto n.º 3.507, de 13.06.2000, que
estabeleceu os padrões de qualidade do atendimento prestado aos cidadãos pelos órgãos
e entidades da administração pública federal, entre outros, os do artigo 3.º, atenção,
respeito e cortesia, verificação de prioridades, tempo de espera, limpeza, conforto das
dependências, além de controle e avaliação periódicas. Vê-se que já há sinalização dos
critérios para que qualquer atendimento ou serviço seja avaliado. Nesta avaliação, devese atender ao princípio da razoabilidade e levar em conta a inconclusão do modelo que
está sendo construído.
9. O SUS E A COMPETÊNCIA FEDERAL
A nota que caracteriza e firma a competência da União e a impõe é a
presença da competência concorrente como antes exposto, e a supervisão na aplicação
dos recursos, aí o interesse federal.
O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre a competência
federal em algumas oportunidades e mesmo sendo referente a uma questão criminal a
mais extensamente fundamentada12 sinaliza para a linha a seguir. Deve ser mencionado
que há precedente mais antigo que fixa competência estadual para a matéria.13 O
Ministro Néri da Silveira oferece fundamentos para a fixação da competência federal
em três precedentes há o precedente relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence com
decisiva fundamentação, que sinaliza a competência federal, sendo que o raciocínio
_______________
12
Acórdão unânime em sessão plenária de 20/02/1997, ao apreciar o Recurso Extraordinário n.º 196.9822 (Paraná), tendo com relator o Ministro Néri da Silveira, Publicado no DJ em 26/07/1997, cuja Ementa é
a seguinte: “ Recurso Extraordinário. 2. Ação Penal. Crime de peculato, em face de desvio, no âmbito
estadual, de dotações provenientes do orçamento da União Federal, mediante convênio, e destinadas ao
Sistema Único de Saúde – SUS. 3. A competência originária para o processo e julgamento de crime
resultante de desvio, em Repartição estadual, de recursos oriundos do Sistema Único de Saúde – SUS, é
da Justiça Federal, a teor do Art. 109, IV, da Constituição. Além do inequívoco interesse da União
Federal, na espécie, em se cogitando de recursos repassados ao Estado, os crimes n caso, são também em
detrimento de serviços federais, pois a estes incumbe não só a distribuição dos recursos, mais ainda a
supervisão de sua regular aplicação, inclusive com auditorias no plano dos Estados. 5. Constituição
Federal de 1988, arts. 198, parágrafo único, e 71, e Lei Federal n.º 8.080/90, arts. 4º, 31, 32, § 4º. 6.
Recurso Extraordinário conhecido e provido, para reconhecer a competência do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região, pelo envolvimento de ex-Secretário estadual de Saúde”
13
RE n º 207970/RS, Ministro Moreira Alves indica a competência estadual, Secretaria da Saúde, para
questão envolvendo internação em hospital pelo SUS.
utilizado pelo voto ministerial se afigura aplicável às causas cíveis, pois o custeio do
SUS é incumbência da União.
Como antes visto, inobstante já firmada a competência federal para
ações de interesse do SUS, dúvidas de ordem jurídica, têm sido suscitada pelos
Promotores de Justiça, à respeito da competência para o processamento e julgamento de
eventual ação civil pública, quando trata-se de convênio firmado com recursos
38
repassados pela União Federal, especialmente aos Municípios, ora através dos órgãos de
sua administração direta, ora através de suas autarquias e fundações14. É o que ocorre
com FUNDEF (Fundo de Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), com o
FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento de Educação), com a SUDENE
(Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste) etc.
Na seara da improbidade administrativa, como não poderia deixar de
ser, até pela natureza sancionatória, embora civil, da Lei 8.429/92, também se aplicam
as decisões dos Tribunais Superiores concernentes à competência do ramo do Poder
Judiciário comum (Federal ou Estadual) para julgar os crimes decorrentes da má
aplicação pelas autoridades municipais ou estaduais dos recursos repassados pelo
Governo Federal aos Municípios e suas respectivas autarquias e fundações,
especialmente os oriundos de convênios.
A matéria já está sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça, que em
linhas gerais assim disciplinou a polêmica:
a) através da Súmula 209, foi estabelecido o seguinte: “compete à
Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e
incorporada ao patrimônio municipal.”
Como podemos perceber, o STJ estabeleceu como regra geral que a
verba transferida pela União, uma vez incorporada ao Município, passa a integrar o seu
patrimônio, municipalizando-se e, portanto, deixando de ser federal, fato que implica a
competência do Poder Judiciário estadual para processar e julgar os fatos ilícitos
decorrentes de sua aplicação indevida;
b) contudo, essa regra sofre exceção, conforme estabelece a Súmula
n.º 208, se os recursos repassados estiverem sujeitos à prestação de contas perante órgão
federal, não necessariamente perante o TCU - Tribunal de Contas da União, posto que o
convênio pode estabelecer que a prestação de contas se faça perante o órgão federal
remetente da verba, como ocorre com alguns convênios firmados pela SUDENE.
Eis a Súmula n.º 208 na íntegra: “Compete à Justiça Federal
processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita à prestação de contas
perante órgão federal”.
Portanto, caberá ao Ministério Público, antes da instauração do
procedimento administrativo preparatório ou inquérito civil, e à pessoa jurídica
interessada, antes da propositura da ação verificar cuidadosamente o que consta das
cláusulas do convênio sobre o órgão perante o qual as contas relativas às verbas
________________________
14
SANTOS, Carlos Frederico Brito dos. Improbidade Administrativa. Reflexões sobre a Lei 8.429/92,
Forense, 2002, p.132.
repassadas serão prestadas, se ao Tribunal de Contas local, se ao Tribunal de Contas da
União ou se ao próprio órgão autor do repasse.
No caso do FUNDEF, quando as contas forem prestadas perante o
próprio TCU, por força do quanto dispõe a Súmula n.º 208, a competência para o
processamento e julgamento pela pratica de crime ou de ato de improbidade
administrativa, na aplicação de seus recursos será da Justiça Federal comum - como,
aliás, já decidiu repetidamente o STJ.
39
Pela competência da Justiça Federal, embora não baseie o seu
entendimento nos preceitos sumulares do STJ, sustenta MARIA ISABEL GALLOTTI,15
em linhas gerais, e lastreada no próprio sentido da Federação, que a solução do
problema reside na “verificação do interesse imediato lesado”, concluindo por tal
critério que a competência será sempre da Justiça Federal (CF, art. 109, IV) quando
houver “ofensa a interesse definido na Constituição como federal ou nacional (mesmo
que de forma concorrente com as competências estaduais e Municipais), como p. ex., a
SAÚDE (CF, art. 198, Parágrafo Único) e a EDUCAÇÃO (CF, art. 211, § 1.º)”.
Quanto ao desvio de dotações provenientes do orçamento da União
Federal, mediante convênio, e destinadas ao Sistema Único de Saúde - SUS, o Supremo
Tribunal Federal já decidiu pela competência da Justiça Federal para o processo e
julgamento de crime de peculato, a teor do art. 109, IV, da Constituição, com
indiscutível repercussão na seara da improbidade administrativa.
Como as aludidas súmulas se referem ao “desvio de verbas”, de
forma ampla, tal conduta poderá ser enquadrada em qualquer dos três tipos de atos
ímprobos, inclusive na violação de princípios, desde quando o desvio não importe
enriquecimento ilícito ou em prejuízo ao erário, como ocorre no seguinte exemplo: em
vez de construir uma UTI, conforme o objeto do convênio celebrado com o Ministério
da Saúde, resolve o gestor de saúde construir, com os mesmos recursos, mais leitos no
hospital, rompendo destarte, cláusulas específicas do ajuste, e, portanto, deixando de
praticar, indevidamente ato de ofício (art. 11, II, da Lei 8.429/92), uma vez que tinha o
dever jurídico de , como gestor, cumprir rigorosamente os convênios que celebrou, na
administração de recursos públicos vinculados. Porém, há quem vislumbre, na conduta
exemplificada, acompanhando HUGO NIGRO MAZZILLI16 prejuízo presumido ao
erário, sob o argumento de que, devido ao desvio ilícito do gestor, o dinheiro público,
por não ter atingido a destinação específica para a qual foi legalmente dotado, se
perdeu, devendo o seu responsável, em decorrência, ressarcir a verba correspondente ao
órgão de origem.
10. RELEVÂNCIA PÚBLICA DAS AÇÕES REFERENTES AO DIREITO À
SAÚDE
Na Seção II, no artigo 196, são traçados os lineamentos fundamentais
do direito a saúde, direito de todos e dever do Estado. È proclamada no art. 197 a
relevância pública das ações e serviços de saúde, prevendo-se ações para a
promoção,
______________
15
Parecer lançado no Procedimento Administrativo Criminal n.º 08128.000102/98-13, no âmbito da
Procuradoria Geral da República da 1ª Região.
16
MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo - Meio Ambiente, Consumidor e
Outros Interesses Difusos e Coletivos, 13ª edição, revista, ampliada e atualizada, cit. 162.
proteção e recuperação. A execução dessas ações poderá ser feita diretamente pelo
poder público ou por terceiros 17 e se submete fortemente a modalidades interventivas
estatais, tais como a fiscalização e a regulação.
10.1. O Papel Reservado ao Ministério Público na Defesa da Cidadania e da
Probidade Administrativa
40
O Ministério Público é uma instituição permanente, cuja função é
defender e fiscalizar a aplicação das leis, representando os interesses da sociedade; zelar
pelo respeito aos direitos constitucionais por parte dos poderes públicos e pela garantia
dos serviços de relevância pública garantidos na Constituição.18
A Constituição Federal de 1988 garantiu direitos sociais para todos os
residentes em nosso País, brasileiros e estrangeiros. O artigo 6º define estes direitos:
educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à
maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Legislações posteriores, como
a do Sistema Único de Saúde (Lei n.º 8.080/90 e 8.142/90), da Assistência Social (Lei
n.º 8.742/93), dentre outras, decorreram das diretrizes obrigatórias da Constituição e
asseguraram a todos as políticas públicas sociais.
Apesar deste respaldo constitucional e legal, estes direitos nem
sempre são plenamente atendidos. É direito dos cidadãos exigir a implementação de
políticas que efetivem estes direitos. Mas os cidadãos não constituem um bloco
homogêneo de reivindicações. Com tantos interesses de grupos e classes sociais em
jogo nem sempre é tarefa fácil para o administrador saber qual a melhor política a ser
adotada. Dada a complexidade das demandas, bem como a necessidade de se verificar
se a administração pública está de fato atuando em conformidade com a Constituição e
com as leis, foi preciso criar instituições que fiscalizassem e controlassem sua atuação.
Para que houvesse o aprofundamento da democracia, além de órgãos de fiscalização,
foram criados também mecanismos de comunicação mais permanentes entre os
cidadãos e a administração pública.
O Ministério Público, por exemplo, que originalmente atuava como
braço do Estado, ao longo da última década passou a defender interesses coletivos, ou
seja, interesses de um grupo, categoria ou classe e não de um indivíduo isolado, como
por exemplo, o direito de um grupo de moradores afetados por uma desapropriação de
terras para a construção de uma barragem; interesses difusos, ou seja, interesses que não
são específicos de uma pessoa ou grupo de indivíduos mas, de toda a sociedade,
como por exemplo, o direito de todos respirarem ar puro; e interesses individuais
homogêneos, ou seja, quando diferentes indivíduos têm em comum uma identidade de
direitos, como o direito de consumidores lesados de uma mesma maneira, por exemplo.
Em conjunto com outras instituições, o Ministério Público fiscaliza a administração
pública, funciona como um canal de expressão dos direitos da população e, quando
estes não são atendidos, atua como um advogado da sociedade.
______________
17
18
VIGLIAR. José Marcelo Menezes.Obra Citada, p. 432
TEXEIRA.Ana Cláudia Chaves.www.polis.org.br
Poucas vezes na história do Brasil uma instituição ganhou tanta
importância no cenário público em tão pouco tempo. Por um lado, o Ministério Público
tem publicizado inúmeros casos de corrupção, desvio de dinheiro público e abuso de
poder por parte de administradores públicos, que tiveram que responder pelos seus atos.
Por outro lado, tem sido um grande aliado dos administradores públicos que buscam
cumprir melhor a sua função e aprofundar a democracia. O Ministério tem contribuído,
assim, para distinguir entre os bons e os maus governantes, principalmente no que se
refere à garantia dos direitos sociais e ao uso dos recursos público
41
Com um leque tão ampliado de atribuições, o Ministério Público pode
agir tanto junto quanto fora do Judiciário. Por exemplo, se em determinada cidade não
existe o Conselho de Saúde determinado por lei, o Ministério pode investigar junto ao
prefeito, vereadores e associações locais o motivo da não existência do Conselho,
procurando resolver o problema sem acionar o Judiciário. Caso isto não surta efeito, o
Ministério pode propor uma ação contra aqueles que tinham a obrigação de criar o
Conselho e não o fizeram. Neste caso, estará agindo junto ao Judiciário. Isso também
pode acontecer quando a lei municipal não atende as diretrizes da Constituição ou da lei
federal respectiva.
As políticas públicas relativas aos direitos sociais estão reguladas pela
Constituição Federal e outras leis, que visam tornar a cidadania uma realidade para
todos. Os Conselhos Gestores de Políticas Públicas também estão previstos nas leis
orgânicas dos Municípios ou em leis federais como as do SUS – Sistema Único de
Saúde e da LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social. Cabe ao Ministério Público
zelar pela efetiva implementação e funcionamento dos Conselhos.
É função dos Conselhos atuar na fiscalização dos gastos de verbas
públicas destinadas aos municípios. As leis prevêem que os recursos só podem ser
repassados se os conselhos e os fundos existirem, e se os municípios tiverem planos
municipais de políticas públicas em cada área. O Ministério Público pode verificar e
apurar denúncias sobre o mau uso de verbas públicas, pois ele, assim como os
conselhos, também deve defender o patrimônio público.
Atualmente, grande parte das verbas públicas relativas às políticas
públicas sociais são repassadas pelos Estados ou pela União Federal para os Municípios
no sistema chamado “fundo a fundo”, ou seja, são verbas “carimbadas”, destinadas para
um uso específico. Por isso o papel dos conselhos é fundamental, pois tendo acesso ás
contas correntes dos fundos, eles podem detectar irregularidades e acionar o Ministério
Público.
Também é papel dos conselhos verificar se as entidades (públicas e
privadas), que estão recebendo verbas públicas, estão, de fato, aplicando-as do jeito que
estava previsto em seus planos de trabalho (aprovados anteriormente pelos órgãos da
administração).
O Ministério Público pode utilizar-se de dois instrumentos de ação: a
ação civil pública e a ação de improbidade administrativa.
A ação civil pública é a forma do Ministério Público propor uma ação
contra aqueles que causam danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de
valor estético, histórico, turístico e paisagístico, patrimônio público e qualquer outro
interesse difuso ou coletivo, e ainda por infração da ordem econômica e da economia
popular.
A Constituição Federal estabelece ser função do Ministério Público
promover o inquérito civil público e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, bem como
outras funções, que forem conferidas por lei.
Por exemplo, se o Conselho de Saúde souber que o hospital público da
cidade está cobrando “por fora” um serviço que era para ser gratuito, ou ainda que está
recebendo recursos mas, não aplica estes recursos como deveria, ele podem acionar o
Ministério Público, caso o gestor de saúde não queira tomar nenhuma providência.
42
A Ação de Improbidade visa punir os administradores dos patrimônios
e dos bens públicos quando cometem atos que prejudicam a receita da União, Estados e
Município ou quando se enriquecem burlando as leis. O mau uso de verbas públicas
pode caracterizar ato de improbidade (Lei n.º 8.429/92).
Por exemplo, se o conselho apurar que a governo municipal ou
Estadual está desviando recursos, podem e devem recorrer ao Ministério Público.
A Ação civil por ato de improbidade não pode ser movida por
associações e, portanto, as denúncias precisam ser necessariamente encaminhadas ao
Ministério Público ou aos próprios órgãos de fiscalização e controle da administração,
dependendo da área de atuação do conselho, como os Ministérios e Secretárias de
Saúde, entre outros.
O Ministério Público foi legitimado concorrentemente com a pessoa
jurídica interessada para a tutela da probidade administrativa, visando a atender aos
ditames do constituinte de 1988, que criou um novo Ministério Público, cujas funções,
previstas no art. 127 daquele texto, são absolutamente compatíveis com o previsto no
art. 37 da Carta Política.
Ao se referir à pessoa jurídica interessada, quis o legislador
estabelecer a legitimidade ativa, ao lado do Ministério Público, das próprias entidades
públicas dotadas de personalidade jurídica prejudicadas e de algumas empresas privadas
pelo ato de improbidade administrativa, vale dizer que a União, os Estados, o Distrito
Federal, os Territórios, a autarquia, a fundação, empresa incorporada ao patrimônio
público e ou entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra
com mais de 50% (cinqüenta por cento), se com menos de 50% (cinqüenta por cento),
bem como para a hipótese da entidade receber subvenção, benefício ou incentivo - fiscal
ou creditício - de órgão público a sanção patrimonial se limitará à repercussão do ilícito
sobre a contribuição dos cofres públicos, estão legitimadas à propositura da ação civil
pública por ato de improbidade administrativa, desde que a vítima da ação ou omissão
do agente ímprobo e de terceiros por induzimento, concorrência ou beneficiamento19.
Os motivos que levaram o legislador a legitimar também o Ministério
Público para a Lei 8.429/92, foram eminentemente políticos; a) não deixar ao exclusivo
encargo dos interessados, detentores da legitimidade ordinária, a iniciativa das
demandas que tenham por objeto a defesa, em juízo, de interesses socialmente
relevantes ou que, além desta característica, ainda que sejam indisponíveis; b)
proporcionar, uma mais efetiva possibilidade de não deixar esses interesses à margem
do Judiciário, que pertencem, por definição, a toda a sociedade ou a ela são muito caros;
c) as garantias
_________________
19
SANTOS. Carlos Frederico Brito dos. Improbidade Administrativa. Foremse:2002, p. 3
pessoais de que gozam os membros do Ministério Público para o exercício de todas as
suas funções institucionais, previstas na Constituição para a defesa dos interesses da
sociedade 20.
È fato que o cidadão é o mais prejudicado pela prática de atos de
improbidade, porém, não foi ele contemplado com a legitimação para o combate à
improbidade administrativa. Contudo, a Administração detém uma legitimação especial:
e decorre da obrigação de combater a improbidade e decorre da necessidade de curar o
ato realizado pelo agente público que toma decisões que, contrárias ao previsto na lei,
43
comprometem seu patrimônio, imagem, etc. Assim, até mesmo para dar o exemplo aos
demais legitimados e porque a própria Lei 8.429/92 previu como modalidade de ato de
improbidade administrativa a omissão que tenda a retardar ou se abster de praticar ato
de ofício (art. 11, II), é que caberia prioritariamente à Administração combater
improbidade, para atender ao princípio da eficiência 21
Para o citado autor, o agente público hierarquicamente superior ao que
realizou o ato de improbidade deve incentivar o seu combate, referindo-se aos Prefeitos,
Governadores e mesmo ao Presidente da República.
Nesse diapasão, a legitimação do Ministério Público no combate a
improbidade administrativa é absolutamente necessária, pois tanto o patrimônio
público, quanto a probidade administrativa, constituem modalidade de interesses
transindividuais.
Em todos os municípios há pelo menos um representante do
Ministério Público, com boa parte da atuação focada na investigação de ações de
improbidade administrativa, denúncia de desvio de dinheiro público e encaminhamento
de processos para o Poder Judiciário, também há muitas ações do Ministério Público de
aproximação com a população, exercendo o papel de uma espécie de “ouvidor público”.
Nestes casos, a atuação do Ministério Público é extrajudicial,
complementar à ação da administração pública. As recomendações feitas pelo
Ministério Público podem ajudar o gestor a perceber quais áreas da sua administração
não estão cumprindo as determinações constitucionais e legais e, assim, percebendo as
falhas, pode-se buscar corrigir os rumos da gestão.
Além disso, muitas vezes os interesses dos diferentes grupos da
população são conflitantes entre si. Nestes casos, o Ministério Público tem assumido o
papel de defensor de direitos coletivos, especialmente de grupos mais vulneráveis. Em
algumas áreas específicas, a atuação do Ministério Público auxilia o administrador a
tomar atitudes que enfrentam resistência por parte de setores da sociedade,
especialmente por falta de esclarecimento e informação.
São exemplos deste tipo de atuação, que vem ao encontro dos
interesses de uma administração democrática: a inclusão das crianças e adolescentes
portadores de deficiência na rede regular de ensino; o problema dos lixões nos
municípios, agregado à presença de crianças que trabalham nos lixões; o trabalho
infantil nos municípios; a efetividade da municipalização dos serviços de saúde e a
preservação do patrimônio histórico, cultural e ambiental. Há também questões
ambientais como loteamentos irregulares perto de áreas de manancial, prevenção de
poluição de rios, etc.
_______________
20.
21.
VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Obra citada p. 432.
VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Obra citada p. 435 e 436
Todos esses são problemas cotidianos que, quando respaldados pelo
Ministério Público, podem ser mais facilmente enfrentados pelas administrações
democráticas que buscam desenvolver seu município de forma integrada e autosustentável.
10.2. O Ministério Público e a Política Pública Social de Saúde
44
Uma política pública é o conjunto de objetivos, ações e recursos
destinados a tratar dos problemas e das potencialidades de uma área de governo. E, mais
importante, uma política pública é a concretização de um ou mais direitos humanos
fundamentais como saúde, educação, saneamento, assistência, direito de ir e vir, etc.,
por intermédio do poder governamental do Estado e, de preferência, com a ativa
participação da cidadania.22
Políticas Públicas são programas de ação governamental visando
coordenar os meios à disposição do Estado e das atividades privadas, para a realização
de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados23.
Cada vez mais o tema das políticas públicas vai se infiltrando entre as
preocupações do jurista, tendo merecido, no entanto, pouco trabalho sistemático, nessa
área. Não obstante, numa época em que o universo jurídico se alarga - em que os
direitos sociais e transindividuais deixam se ser meras declarações retóricas e passam a
ser direitos positivados em constituições e leis, em busca de efetividade -, não seriam as
políticas públicas um foco de interesse juridicamente pertinente, como “esquema de
agregação de interesses e institucionalização dos conflitos?
Adotar a concepção das políticas públicas em direito consiste em
aceitar um grau maior de interpenetração entre as esferas jurídica e política ou, em
outras palavras, assumir a comunicação que há entre os dois subsistemas, reconhecendo
e tornando públicos os processos dessa comunicação na estrutura burocrática do poder,
Estado e Administração Pública. E isso ocorre seja atribuindo-se ao direito critérios de
qualificação jurídica das decisões políticas, seja adotando-se no direito uma postura
crescentemente substantiva e, portanto, mais informada por elementos da política.
No caso da política pública de saúde a interseção entre as esferas
jurídica e política, decorre do próprio texto constitucional (artigos 197 e 129, II) “cabe
ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre a regulamentação, fiscalização e
controle das ações e serviços de saúde, considerando-se a sua relevância pública....”.
O texto constitucional afirma que a ação “ações e serviços de saúde
são de relevância pública” (art. 197). A mesma constituição disse ser função
institucional do Ministério Público “zelar pelo efetivo respeito aos poderes públicos e
dos serviços de relevância pública a aos direitos assegurados nesta constituição,
promovendo as medidas necessárias à sua garantia” (art. 129, inciso II).
A literalidade do texto constitucional impõe ao ministério público o
cuidado com o sistema de saúde. Todavia, é da essência do ministério público a sua
atuação dentro do sistema único de saúde.
_____________________
22.
Política Municipal para a Pessoa Portadora de Deficiência. vol. 3, CORDE, 1998
HUGO Assman, “Carta a Santo Agostinho” in O Estado de São Paulo, caderno Cultura, 28.10.1995, p.
D-8.
23.
A tarefa de defender a ordem jurídica determina que o Ministério
Público exija o integral respeito à Lei 8.080/90 e da Lei 8.142/90.
A incumbência de defender o regime democrático não se restringe,
para o ministério público, na tarefa de fiscalizar as leis. O controle social, em especial
na saúde onde há sérias competências para os conselhos, é materialização e exercício do
regime democrático. Não é possível ser defensor do regime democrático sem voltar sua
atenção a existência, ao funcionamento e a efetividade das instâncias do controle social.
45
No que diz respeito à missão ministerial junto aos interesses sociais, o
envolvimento do ministério público se deve não apenas por força dos reclamos da
sociedade em favor da saúde, mas pela impossibilidade de termos o direito à saúde para
algumas pessoas concedido e a outros negado. Ou toda a sociedade é saudável, ou não
há saúde. Impossível a criação de ilhas individuais de saúde. Ou se assegura a todos o
direito à saúde, ou inexiste saúde. Essa indivisibilidade da saúde impõe ao ministério
público a defesa do sistema criado para proteção do direito da cidadania à saúde.
Esses imperativos constitucionais levaram os membros do Ministério
Público a crescentemente se envolverem em questões do Sistema único de Saúde, ao
mesmo tempo que a sociedade passou a buscar no Ministério Público solução para
alguns dos seus anseios não respondidos pela administração do Sistema Único. O
Ministério Público tem o instrumento da ação civil pública através da tutela específica
para compelir o Gestor de Saúde a melhorar ou ampliar os serviços de saúde. A ação
civil por ato de improbidade administrativa é mais adequada para responsabilizar os
maus gestores por desvio de verba nos serviços de saúde pública.
A Décima Conferência Nacional de Saúde destinou em um dos seus
capítulos do relatório final uma seção inteira ao Ministério Público, dirigindo-lhes
postulações. Entre outras deliberaram por: “defender que o Ministério Público seja o
tutor da legislação da Saúde, da Assistência Social e do Estatuto da Criança e do
Adolescente, fiscalizando sua implantação e a sua execução nos setores públicos e
privados, e tomando as providências cabíveis no caso de descumprimento do texto
legal”.
O Conselho Nacional de Procuradores de Justiça do Brasil, na reunião
realizada em Palmas, Estado do Tocantins, de 07 a 08 de agosto de 1998, após longas e
produtivas discussões votou e aprovou a CARTA DE PALMAS EM DEFESA DA SAÚDE.
Dentre as conclusões aprovadas, as seguintes:
Ações Imediatas do Conselho Nacional de Procuradores Gerais de Justiça
- Instituir a “Comissão Permanente de Defesa da Saúde”, no âmbito do Conselho
Nacional, integrada por Procuradores Gerais de Justiça, Procuradores de Justiça,
Promotores de Justiça e Procuradores da República convidados, visando assegurar a
atuação do Ministério Público na tutela das relações da saúde.
Organização Institucional
- Ao Ministério Público dos Estados que assim ainda não procederam, recomendar:
a) Ao Ministério Público dos Estados a instituição de Promotorias de Defesa da Saúde
ou outro órgão com atribuições equivalentes, nos moldes sugeridos pela X
Conferência Nacional de Saúde.
Portanto, a competência federal atribuída nas causas de interesse do
Sistema Único de Saúde, não é pacífica, inclusive alguns Estados da Federação já
criaram as Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde, a exemplo do Rio Grande Sul,
Paraná, Minas Gerais e Distrito Federal.
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios criou e definiu
as atribuições da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde – PROSUS, a qual poderá
46
utilizar-se das medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis para assegurar sua atuação,
como a propositura de Ação Civil Pública e outras medidas que entender pertinentes.
Exemplos de Atuações da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde
Dentre outras atribuições, incumbe à PROSUS fiscalizar, no âmbito do cumprimento da
Lei n° 8080/90, a regularidade, necessidade e execução dos convênios e contratos
firmados entre o Sistema Único de Saúde - SUS e entidades sem fins lucrativos e
filantrópicos, além daquelas entidades de iniciativa privada e profissionais liberais
voltados à promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como o cumprimento do
disposto no art. 38 da lei acima indicada.
l) Assim, na busca de verificar a legalidade dos contratos administrativos entre o SUS e
as pessoas jurídicas de direito privado, visando o respeito ao princípio legal da
complementariedade do Serviço Público de caráter temporário, a PROSUS entrou em
contato com a Secretaria de Saúde de Brasília - DF, e através das informações obtidas,
inclusive com a análise de um Procedimento Administrativo para Credenciamento de
Hospital Privado, resolveu tomar, dentre outras, as providências abaixo declinadas:
Determinou a abertura de Inquérito Civil, e após estudo acurado do caso que ainda
encontra-se em trâmite, verificou-se várias irregularidades no processo do
credenciamento dos hospitais privados, bem como flagrante inexistência do
indispensável contrato administrativo de todos os prestadores de serviço público de
caráter privado, ou seja, hospitais privados credenciados para prestar serviço público
sem o devido processo legal de contratação.
Portanto, após o estudo do caso que resultou no Parecer n° 003/98-PROSUS, foi
expedida RECOMENDAÇÃO à Secretaria de Saúde do DF, subscrita pelo ProcuradorGeral de Justiça e pelos Promotores de Justiça da PROSUS, para que, no prazo
estipulado, cumprisse as determinações legais, realizando os contratos administrativos
com os prestadores de serviços de saúde privados. Obtivemos informação de que a
SES/DF está regularizando a situação dos hospitais credenciados, conforme
determinação ministerial, no que pertine à especialidade de hemodiálise, devendo
regularizar a situação com outros prestadores de serviço.
2) Outra atribuição da PROSUS é fiscalizar as execuções das atividades de vigilância
sanitária e epidemiológica, de saúde do trabalhador, de assistência terapêutica e
farmacêutica. Assim, com base nesta atribuição, estamos sempre em contato com os
agentes de Fiscalização Sanitária que nos informam da existência de irregularidades
neste âmbito. A primeira atuação da PROSUS nessa área foi a realização de inspeção e
de Termo de Ajustamento de Conduta, com multa pecuniária pelo descumprimento,
com a empresa Viação Planalto Ltda - VIPLAN, empresa de transporte urbano, que por
diversas vezes foi autuada por desrespeitar as normas sanitárias, trazendo risco à saúde
da população por manter depósito de sucatas a céu aberto, sem respeitar as
determinações do Serviço de Vigilância Sanitária e da Fundação Nacional de Saúde FNS, propiciando a proliferação do mosquito transmissor da Dengue.
Os agentes da Fiscalização de Saúde informaram o problema à PROSUS e em audiência
realizada com o Representante da Empresa, os Agentes de Fiscalização de Saúde e os
Agentes da FNS foi assinado TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA, em que a
empresa se obrigou a cumprir as determinações dos agentes no prazo de trinta dias, sob
pena de pagamento de multa diária pelo descumprimento do acordo.
47
3) Incumbe a PROSUS fiscalizar o respeito aos princípios constitucionais da
GRATUIDADE, INTEGRALIDADE e UNIVERSALIDADE das ações e serviços de
saúde nos setores públicos e privados. Isto significa dizer que é obrigação institucional
do Ministério Público zelar pela garantia da gratuidade dos serviços públicos e dos
serviços credenciados junto ao SUS /DF, devendo esclarecer a sociedade através de
programas de incentivos à participação nos Conselhos de Saúde, atuando judicial ou
extrajudicialmente para preservar esse direito.
Incumbe, ainda, fiscalizar a formação e o funcionamento dos Conselhos de Saúde, bem
como os repasses dos recursos ao Fundo de Saúde existente.
A Constituição Federal institucionalizou o Ministério Público como Órgão de Controle
Social na preservação dos direitos fundamentais. Nesta ordem, incumbe ao Ministério
Público fiscalizar a formação paritária dos membros do Conselho de Saúde, evitando
possíveis ilegalidades, velando pelo cumprimento das decisões, sempre de acordo com a
Constituição e as leis ordinárias que regem a matéria.
4) Como fiscal da lei, o Ministério Público deve velar pelo respeito aos princípios que
regem a Lei 8.l12/90, verificando o cumprimento da determinação de abertura de
processo de sindicância e/ou administrativo para apurar as responsabilidades, quando se
vislumbre a possibilidade de ter havido erro ou negligência por parte dos profissionais
da área da saúde. Desta forma, a PROSUS, através da Abertura de Procedimento de
Investigação Preliminar originado de um caso em que uma paciente de um hospital
público sofreu lesões corporais decorrentes, em tese, da atuação do médico, foi apurada
a inexistência da abertura do devido Processo Administrativo (Sindicância), mesmo
tendo a parte interessada e diretamente prejudicada manifestado o interesse, afrontando
determinação expressa da lei.
Após o parecer n° 004/98-Prosus, a PROSUS resolveu RECOMENDAR ao Diretor
Executivo da Fundação Hospitalar do Distrito Federal que determinasse a todos os
diretores de hospitais públicos o cumprimento da lei, no que toca à abertura do Processo
Administrativo Disciplinar para apurar os casos de erros praticados nos procedimentos
na área da saúde, sob pena de responderem pela omissão.
5) Nesse mesmo caminho de velar pelo fiel cumprimento da Lei n° 8.112/90, a
PROSUS, após analisar os fatos apresentados por autoridades da Fundação Hospitalar
do Distrito Federal, ofereceu denúncia contra um médico anestesiologista que faltou
injustificadamente ao seu plantão, colocando em risco vidas que necessitavam de
intervenção cirúrgica urgente e buscavam socorro nos hospitais do GDF. A ação está
tramitando na Vara Criminal de Sobradinho.
Este fato deu origem à Recomendação n° 003 /98-PROSUS, e foi determinado aos
dirigentes de instituições hospitalares que afixassem, diariamente, em local de fácil
acesso ao público, as escalas de plantão dos profissionais da área de saúde e do pessoal
de apoio que efetivamente estarão de plantão naquele dia.
6) A PROSUS tem atribuição também para zelar pelo efetivo respeito às normas
sanitárias relativas ao denominado "lixo hospitalar" (que são os resíduos sólidos dos
estabelecimentos de saúde - RSS), fiscalizando a forma de manejo, coleta, transporte,
armazenamento e destino final, dentro dos critérios de segurança que visem a minorar
não só o impacto ambiental, mas assegurar a saúde do pessoal que maneja direta ou
indiretamente os resíduos hospitalares.
48
Para esse fim foi instaurado Inquérito Civil para apurar a real situação do tratamento
global do lixo hospitalar no DF e tomar as medidas legais e administrativas cabíveis.
7) Ainda usando suas atribuições, a PROSUS, após receber a informação de ocorrência
de irregularidade, realizou investigações e apurou a existência de funcionários que,
residindo fora do Distrito Federal, aqui vinham no final de cada mês, assinavam seus
pontos retroativamente e recebiam os salários indevidamente, pagando parte dos
salários recebidos para outros funcionários substituí-los, prejudicando o serviço público
e caracterizando possível venda de plantões, o que significa dizer, a ocorrência de
improbidade administrativa. A PROSUS ajuizou Ação Cautelar visando a quebra de
sigilo bancário para que esses profissionais sejam obrigados a ressarcir a União dos
valores que receberam indevidamente, sem prejuízo de outras sanções. A ação tramita
na Vara Cível de Planaltina.
8) Após receber várias reclamações, a PROSUS vem investigando o caso dos
anteconcepcionais Microvilar e Ciclo 21 fornecidos pela Fundação Hospitalar no
período de junho a dezembro/1998 que estavam com defeito.
9) Cabe, ainda, à PROSUS fiscalizar o exercício dos profissionais de saúde, verificando,
entre outras situações, se os mesmos estão habilitados para exercer as atividades a que
se propõem. Assim é que, investigando denúncia apresentada à Promotoria e
vislumbrando indícios de exercício ilegal da medicina, a PROSUS ingressou em juízo
com um Mandado de Busca e Apreensão contra um técnico em ótica que estava
exercendo, ilegalmente, atividades de médico oftalmologista, o que não é permitido pela
legislação brasileira. A ação está tramitando e o caso foi amplamente divulgado pela
imprensa local
10) Chegou ao conhecimento da PROSUS o fato de que à anos algumas crianças que
sofrem de problemas oftalmológicos estão em tratamento no Hospital de Base do DF e
estão aguardando uma intervenção cirúrgica para correção do problema. No uso de suas
atribuições, a PROSUS, após posicionar-se sobre o assunto no Parecer n° 008/99PROSUS, recomendou ao Diretor do HBDF que, considerando o Estatuto da Criança e
do Adolescente, desse prioridade de atendimento às crianças. No início deste ano, as
crianças foram operadas.
11) Alguns pacientes da Fundação Hospitalar do DF têm enfrentado dificuldades para
marcarem data para se submeterem a cirurgias indicadas por médicos da própria FHDF
e, quando conseguem, muitas vezes as datas são remarcadas. Em casos emergenciais a
PROSUS, no uso de suas atribuições, tem recomendado aos Diretores dos Hospitais
Regionais que procedam ao encaminhamento dos pacientes e realizem a cirurgia
solicitada, o que vem produzindo efeitos favoráveis e satisfatórios. Muitas pessoas têm
retornado para dizer que foram atendidas e foram submetidas à cirurgia de que
necessitavam.
O Ministério Público vem atuando preventivamente em situações que poderão trazer
algum prejuízo à sociedade ou que, de fato, estão há muito esquecidas pelas autoridades
responsáveis. É o caso do extenso trabalho que tem sido feito com vistas a incrementar
as políticas de saúde mental no DF, resgatando, assim, a cidadania daquele que se
julgava exclusivamente como "doente mental", tratando-o como um verdadeiro ser de
direitos sociais e respeitando a sua dignidade humana, deixando de excluí-lo do
convívio social e implementando obrigações do Poder Público de engajá-lo na
coletividade e em especial, a situação dos detentos portadores de deficiência mental.
49
Outras circunstâncias em que se pode verificar trabalhos do Ministério Público no
sentido de prevenir são:

nas fiscalizações locais feitas nas clínicas médicas e hospitais públicos;

nas fiscalizações feitas em conjunto com a Secretaria de Vigilância Sanitária em
locais onde se verificar a prática de irregularidades, bem como a inobservância
das normas sanitárias legais, como clínicas odontológicas, laboratórios de
exames, farmácias, objetivando que os usuários dos serviços de saúde no
Distrito Federal tenham uma boa assistência médico-hospitalar;

no acompanhamento de ações para que não faltem medicamentos nos Hospitais
Regionais para tratamento de determinadas doenças tais como câncer, aids,
tuberculose;

na elaboração de normas educativas e regulamentadoras na área de saúde, com
a finalidade de orientar e evitar intercorrências que gerem reclamações, sendo
exemplo mais recente a participação da PROSUS na elaboração da "Norma
Brasileira para Comercialização do Alimento para Lactentes e sua fiscalização.
Existe uma tarefa de qualificarmos todos – sociedade e estado- para o
desafio da realização da constituição. A democracia vai sendo internalizada em nossa
cultura. A cada dia cidadãos, ministério público e gestores aprendem mais uns com os
outros. Esses atores do sistema único de saúde vão se aperfeiçoando em seus papéis,
conhecendo-se, aproximando-se e dialogando em um estado democrático de direito.
11. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Alexandre de Moraes24 sustenta que o Direito Constitucional
Administrativo assenta-se em dois grandes pilares: a probidade e transparência na
gerência da “res pública” e a “eficiência na prestação de serviços públicos”. A
finalidade do combate constitucional à improbidade administrativa é evitar que os
agentes públicos atuem em detrimento do Estado, pois, como já salientava Platão, a
punição e o afastamento da vida pública dos agentes corruptos pretende fixar uma regra
proibitiva de que os servidores públicos não se deixem “induzir por preço nenhum a
agir em detrimento dos interesses do Estado” (República).
_________________
24
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional Administrativo. Ed. Atlas. 2002.
A previsão constitucional de combate à improbidade administrativa,
portanto, zela pela manutenção da retidão e da honestidade na conduta dos negócios
públicos, pois, como afirmado por Cícero, “fazem muito mal à República os políticos
corruptos, pois não apenas se impregnam de vícios eles mesmos, mas os infundem na
sociedade, e não apenas a prejudicam por se corromperem, mas também porque a
corrompem, e são mais nocivos pelo exemplo do que pelo crime” ( As leis, III.XIV, 32).
11.1 Conceito de Improbidade
O conceito de improbidade é o contrário de probidade, que vem do
latim probitas, cujo radical significa crescer retilíneo, era aplicada às plantas. Em
sentido moral significa a atitude de respeito total aos bens alheios e constitui o ponto
50
essencial para a integridade do caráter. “O homem probo, define Fernando Bastos de
Ávila25: “é firme nas promessas que faz, é sincero com os outros, incapaz de se
aproveitar da ignorância ou fraqueza alheia. No campo administrativo ou em sentido
profissional, traduz a idéia de honestidade e competência no exercício de uma função
social”.
De conduta inversa do que acima foi dito, temos improbidade
administrativa cujo sujeito ativo será, portanto, aquele que estiver investido de função
pública, seja qual for a forma que a ela tiver sido guindado, a condição da qual se
revista, em caráter temporário ou efetivo e que importe no gerenciamento, na destinação
ou aplicação dos valores, bens e serviços cuja gestão tenha por finalidade, o público.
Admite co-autoria que por sua vez independe da qualidade de quem a tanto se prestar.
26
Alexandre de Moraes elucida:
“O ato de improbidade administrativa exige para sua consumação um
desvio de conduta do agente público, que no exercício indevido de
suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais da Sociedade,
pretendendo obter vantagens materiais indevidas ou gerar prejuízos
ao patrimônio público, mesmo que não obtenha sucesso em suas
intenções, como ocorre nas condutas tipificadas no art. 11 da
presente lei”.
27
Conforme o magistério de Marino Pazzaglini Filho:
“A improbidade administrativa significa o exercício de função, cargo,
mandato ou emprego público, sem a observância dos princípios
administrativos da legalidade, da impessoalidade, da publicidade, da
moralidade e da eficiência. È o desvirtuamento do exercício público,
que tem como fonte a má-fé”.
Estas características acima elencadas encontram-se nos arts. 9º, 10 e
11 da referida lei com a finalidade de fazer valer o interesse coletivo e sobrepujá-lo ao
individual.
É comum confundir ato de improbidade administrativa com ato ilegal
e lesivo ao patrimônio público, pressuposto básico da ação popular. O conceito de
_________________
25
ÁVILA, Fernando Bastos de. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo
MORAES, Alexandre de. Obra citada, pág. 320
27
PAZZAGLINI FILHO, Marino, Lei de Improbidade Administrativa Comentada, p.‟‟
26
improbidade é bem mais amplo28. É o contrário de probidade, que vem do latim
probitas, cujo radical probus significa crescer reto. No sentido moral significa
qualidade de probo, integridade de caráter, honradez. Logo, improbidade é o mesmo
que desonestidade, mau caratismo, falta de pundonor, ato contrário à moral.
Entretanto, em termos de direito positivo, conforme se pode verificar
do texto constitucional e dos dispositivos de lei específica adiante mencionados, a
moralidade não se confunde com probidade. Há entre eles relação do gênero para a
espécie. A primeira compreende o conjunto de valores inerentes à criatura humana que
devem reger, em geral, a vida em sociedade. A segunda pressupõe essa retidão de
conduta no desempenho de uma atribuição determinada, mas, com zelo e competência.
Por isso, improbidade administrativa pode significar má qualidade de uma
51
administração não envolvendo, necessariamente, falta de honradez no trato da coisa
pública. Aliás, improbidade vem do latim “improbitas”, que significa má qualidade de
determinada coisa. Não é por outra razão que a Constituição impõe a observância do
princípio da eficiência no serviço público, isto é a diligência funcional do agente
público para atingir o resultado máximo com o mínimo de tempo dispendido. Assim,
improbidade administrativa é gênero de que é espécie a moralidade administrativa 29.
Do exposto, podemos conceituar o ato de improbidade administrativa
não só como sendo aquele praticado por agente público, contrário às normas da moral, à
lei e aos bons costumes, ou seja, aquele ato que indica falta de honradez e de retidão de
conduta de modo a proceder perante a Administração Pública direta, indireta ou
fundacional, nas três esferas políticas, como também, aquele ato timbrado pela má
qualidade administrativa.
Ora, se o agente administrativo não conduzir sua ação para o bem
comum ele, fatalmente, descumprirá a conduta disciplinada, cometendo a improbidade
administrativa, regulada pela Lei 8.429/92.
12. IMPROBIDADE NAS TRÊS ESFERAS DE PODER
Convém lembrar que a Administração Pública não se limita ao Poder
Executivo. O Poder Executivo é aquele incumbido da tarefa de preponderantemente,
executar as leis e administrar os negócios públicos, isto é governar. O executivo não
interfere na atividade jurisdicional, mas, cabe-lhe à nomeação de ministros de tribunais
superiores, sob o controle do Senado Federal (art. 84, XIV, CF). Cabe-lhe, ainda, a
faculdade de elaborar e enviar ao Legislativo o projeto de lei, bem como, o poder
sancionar ou vetar a propositura legislativa aprovada pelo Poder Legislativo, ressalvada
a este último Poder a faculdade de derrubar o veto por deliberação da maioria absoluta
de seus membros (art. 84, III, IV, V, CF). É nessa esfera de Poder, que se encontra a
Gestão do Sistema de Saúde nas três esferas de governo, federal (Ministro da Saúde),
estadual (Secretário de Estado da Saúde) e municipal (Secretário Municipal de Saúde),
inclusive, onde os atos caracterizadores de improbidade administrativa, encontram seu
campo mais fértil para disseminarem-se.
_________________
28
DAHER, Marlusse Pestana. Improbidade Administrativa. In Direito na WEB.adv.br.2001
HARADA Kiyoshi.www.uj.com.br/publicações/doutrina
29
O Poder Legislativo, preponderantemente, exerce a função de criar
normas jurídicas gerais e abstratas para regular a vida em sociedade, mas, nesse
processo legislativo participa o Executivo como vimos.
O Poder Judiciário é aquele voltado, fundamentalmente, para a
administração da justiça mediante a aplicação das leis às hipóteses de conflitos de
interesses, objetivando sua composição. Não participa do processo legislativo, porém,
cabe-lhe a prerrogativa de declarar a inconstitucionalidade das leis, não as aplicando
nesse caso. A jurisdição, assim entendida como o poder estatal de aplicar a lei ao caso
concreto nas relações entre indivíduos, ou entre os indivíduos e a sociedade, com o fito
de promover a justiça, é monopólio do Poder Judiciário. Ela é inafastável por força do
art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal.
52
A exemplo do Executivo, os Poderes Legislativo e Judiciário, também
exercem atividades que extrapolam de suas atribuições próprias, quando promovem
certame licitatório para a aquisição de bens ou execução de obras, quando efetuam o
pagamento da folha, quando instauram sindicâncias ou inquéritos administrativos para
apuração de faltas disciplinares de seus servidores etc.
12.1 Improbidade legislativa
Como já se disse, a improbidade administrativa grassa nas três esferas
do Poder, porque todos eles praticam atos de administração. A incidência dos atos de
improbidade no âmbito do Poder Executivo é maior, porque é o Poder vocacionado para
governar, abrindo um vasto campo de atuação dos agentes públicos, propiciando
condições favoráveis à atuação de agentes inescrupulosos.
Mas não é só. Os legisladores, também, podem cometer ato de
improbidade no exercício da função típica. Assim, os próprios atos legislativos podem
abrigar atos de improbidade. Uma lei que, de um lado, previsse demissão em massa de
servidores públicos e, de outro lado, a contratação de outros tantos, configuraria um ato
de improbidade. Da mesma forma, qualquer instrumento normativo de caráter concreto,
que beneficie um indivíduo ou um grupo de pessoas em detrimento do interesse público
seria um ato de improbidade.
12.2 Improbidade judicial
O Poder Judiciário, igualmente, não é imune à prática de atos de
improbidade no exercício da atividade jurisdicional. Seus membros, no exercício da
função típica podem incorrer em atos de improbidade. Eventual decisão judicial, que
implicasse inovação legislativa, para beneficiar ou agravar alguém, em tese,
caracterizaria ato de improbidade.
Outrossim, a prestação jurisdicional é um serviço público essencial,
insuprimível e indelegável, constituindo-se em monopólio do Poder Judiciário. Assim, a
prestação desse serviço, sem zelo e competência, comprometendo o princípio
constitucional da eficiência, constitui ato de improbidade que, nem sempre envolve
enriquecimento ilícito do agente público ou prejuízo ao erário.
53
13. OS SUJEITOS DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
O Art. 1º da Lei 8.429/92 enumera os órgãos ou entidades que podem
ser vítimas de improbidade administrativa praticada por agentes públicos, servidores e
empregados que integram seu quadro de pessoal.
O traço semelhante entre eles reside em suas atribuições de gestões de
verbas públicas e de exercício de atividades públicas ou privadas de interesse público 30.
Os sujeitos da improbidade administrativa na visão de Carlos
Frederico Brito dos Santos31 podem ser classificados como ativos (aqueles que praticam
o ato) e passivos (as pessoas jurídicas que sofrem as conseqüências éticas ou materiais
da ação dos agentes ímprobos), ambos podendo ser subdivididos em próprios e
impróprios.
Os sujeitos ativos próprios estão definidos no Art. 2º da LIA e são
todos aqueles que exercem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por
eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou
vínculo,
mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no art. 1º, caput e
parágrafo único, e que englobam qualquer órgão da administração direta, indireta ou
fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos
Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade
para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50%
(cinqüenta por cento) do patrimônio ou da receita anual, bem como em entidade que
receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem
como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com
menos de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da receita anual.
Os sujeitos ativos impróprios, estão definidos no art. 3º da LIA, e são
aqueles que, mesmo não sendo agente público, induzem ou concorrem para a prática do
ato de improbidade administrativa ou dele se beneficiam sob qualquer forma direta ou
indireta.
Os sujeitos passivos próprios são as entidades estatais, como a União,
os Estados, o Distrito Federal, os Territórios, os Municípios, envolvendo a sua
administração direta e suas autarquias e fundações. Os sujeitos passivos impróprios,
asempresas incorporadas ao patrimônio público, as entidades para cuja criação ou
custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% (cinqüenta por cento) do
patrimônio ou da receita anual, bem como as entidades que recebam subvenção,
benefício ou incentivo fiscal ou creditício, de órgão público bem como aquelas para
cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de 50%
(cinqüenta por cento) do patrimônio ou da receita anual, casos em que a sanção
patrimonial se limitará à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres
públicos..
13.1 Hospitais particulares conveniados ao SUS também são considerados
agentes públicos.
Os hospitais particulares que venham a exercer função pública
delegada, conveniando-se ao Sistema Único de Saúde - SUS, também são
considerados
54
_________________
30
31
PAZZAGLINI Filho , Marino . Lei de Improbidade Administrativa Comentada , pág. 20
SANTOS . Carlos Frederico Brito dos . Obra Citada . Pág. 7 , 2002.
agentes públicos e por isso são sujeitos as penalidades referentes ao crime de
improbidade administrativa. A questão foi debatida e julgada pela Primeira Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao conceder o pedido do Ministério Público Federal
para que os administradores do Hospital Tacchini fossem submetidos às punições
previstas na Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa).
“A denominação “agentes públicos”32 refere-se genérica e
indistintamente a todos os sujeitos que servem ao Poder Público, considerando-se um
“gênero” do qual são espécies os agentes políticos, administrativos, honoríficos e
delegados (....) o que faz com que os sujeitos ativos dos atos de improbidade
administrativa não sejam apenas os servidores públicos, mas, também, quaisquer outras
pessoas que estejam de algum modo vinculadas ao Poder Público”, explicou o relator do
processo, o ministro Luiz Fux.
A partir do ano de 1995, passaram a ser noticiados problemas
envolvendo o SUS no município de Bento Gonçalves (RS). O Ministério Público
descobriu algumas omissões e cobranças de valores no atendimento da população
carente. Depois de várias reuniões entre entidades públicas e privadas, profissionais
da
área biomédica e demais prestadores de serviço da área de saúde, foi instaurado um
inquérito civil para apurar essa irregularidades.
Durante o Processo, constatou-se que a Sociedade Dr. Bartholomeu
Tacchini, que mantinha o hospital envolvido, havia instituído um plano de saúde,
intitulado “Tacchimed”, o qual não possuia personalidade jurídica própria. O prejuízo
do SUS ficou avaliado em R$ 576.042,85. “O SUS suportou despesas médicohospitalares de pacientes que constam na listagem de associados ao plano de saúde
Tacchimed”, afirmou a denúncia do Ministério Público.
Diante da confirmação da duplicidade de cobranças, o Ministério
Público ingressou com uma ação cautelar requerendo a indisponibilidade de todos os
bens dos acusados, com o intuito de garantir a eficácia da tutela jurisdicional buscada na
ação civil pública por ato de improbidade administrativa e de reparação de danos
movida contra os mesmos. O juiz da vara Federal de Caxias do Sul concedeu o pedido.
Inconformados com a sentença, alguns dos acusados por ocupar as
funções administrativas no Hospital Tacchini, interporam um recurso (agravo de
instrumento) no Tribunal Regional da 4ª Região, alegando, entre outras coisas, que não
se enquadravam como agentes públicos e que não existiam provas suficientes que
comprovassem os atos de improbidade.
O Tribunal atendeu ao recurso dos médicos, sustentando que “a
indisponibilidade der bens não é medida que decorre ipso jure. Está sujeita a ação
judicial pelo procedimento cautelar comum dos artigos. 788 e seguintes do CPC, que
tratam das medidas cautelares inominadas e que tem como pressuposto para
deferimento a presença da relevância do direito e do risco de dano”.
No STJ, o Ministério Público interpôs um recurso contra a decisão do
TRF. Por unanimidade, os ministros concederam o pedido. “As entidades privadas de
assistência à saúde, podem participar, de forma complementar, por meio de celebração
55
de contrato de direito público ou convênio, do Sistema Único de Saúde. Em função
da
_________________
32
STJ, 1ª Turma do Recurso. Relator Ministro Luiz Fux
referida parceria, essas entidades hospitalares passam a receber verbas do Poder Público
e, portanto, ficam subordinadas aos princípios regedores da Administração Pública, o
que as torna passíveis de serem considerados „sujeitos ativos dos atos de improbidade”
afirmou o relator.
14. HIPÓTESES QUE PODEM CARACTERIZAR A REALIZAÇÃO DE ATOS
DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Diversamente das legislações infraconstitucionais anteriores (Leis n.º
3.164/57 e n.º 3.502/58) que somente se ocuparam do enriquecimento ilícito do agente
público, a Lei 8.429/92 reprime três modalidades de atos de improbidade
administrativa: aqueles que levam ao enriquecimento ilícito (art. 9.º), os que geram
prejuízo ao erário (art. 10) os que violam princípios administrativos (art. 11) .
Em cada um dos artigos a lei preocupou-se em definir a conduta
característica da violação, arrolando exemplificativamente33, certas situações que a
caracterizam.
Esses atos implicarão na suspensão dos direitos políticos, na perda da
função pública, na indisponibilidade dos bens e no ressarcimento ao erário, de
conformidade com a forma de gradação legal. Essa lei tem, segundo o § 4º do citado art.
37, sanções próprias que não excluem as penas criminais (art. 12, da Lei 8.429/92).
Após o advento da Lei de Improbidade Administrativa, o exercício da
discricionariedade pelos agentes públicos, passa a ser redobrada, uma vez que basta o
descaso aos princípios que regem a Administração Pública para que aqueles estejam
sujeitos às sanções trazidas pela Lei, independentemente do enriquecimento ilícito que
venham auferir ou do prejuízo que causem ao erário, conforme veremos.
14.1. Do enriquecimento ilícito
O núcleo central do tipo vem expresso no caput do artigo,
caracterizado pela obtenção “de qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida no
exercício do cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas
no art. 1º”.
Marcelo Figueiredo 34 comentando a Lei de improbidade refere-se à
de se delimitar a expressão “vantagem patrimonial indevida”,
importância
concluindo
_________________
33
Os artigos 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92 utilizam o termo notadamente, significando que além das
hipóteses elencadas nos artigos outros poderão existir. Este é o posicionamento amplamente dominante
na doutrina, conforme podemos verificar com Figueiredo Marcelo (Cf. Probidade Administrativa –
Comentários à Lei 8.429/92 e Legislação Complementar, São Paulo: Malheiros, 2000, p.69), Melo Ari
Cláudio (Cf. Improbidade Administrativa - Considerações Sobre a Lei 8.429/92 - Revista do Ministério
Público do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Revista dos Tribunais, n. 36, 1995, p. 17),
Pazzaglini, Marino Filho, (Cf. Improbidade Administrativa - Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio
Público, São Paulo: Atlas, 1998, p. 60). Em sentido contrário, ou seja, entendendo que as hipóteses
56
presentes nos artigos 9º, 10 e 11 são taxativas, podemos citar Dinamarco, Pedro da Silva (Cf. Requesitos
Para a Procedência das Ações por Improbidade Administrativa in Improbidade Administrativa - Questões
Polêmicas e Atuais. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 332.
34
FIGUEIREDO Marcelo. Probidade Administrativa – Comentários à Lei 8.429/92 e Legislação
Complementar, São Paulo: Malheiros, 2000, p.68.
pelo sentido amplo da expressão. Assim, considera a obtenção, o recebimento, direta ou
indiretamente, de qualquer “interesse” que afronte o padrão jurídico de probidade
administrativa, como suficiente para a incidência do referido dispositivo. A aceitação de
hospedagem ou transporte gratuitos ou pagos por terceiros, por exemplo, pode
caracterizar uma vantagem patrimonial. Desta maneira, não se faz necessário que a
vantagem econômica seja obtida mediante prestação positiva, pode nada acrescentar,
diretamente, à fortuna do agente ímprobo, correspondendo à poupança de despesas, ou
seja, evita uma diminuição dos bens ou valores existentes no patrimônio do agente.
A vantagem indevida é fruto de utilização imprópria da função
pública, voltada para a busca de benefícios privados, que se constituem em valor,
presente ou futuro, monetário ou não 35. Assim, todo o enriquecimento que esteja
relacionado ao exercício da atividade pública e que não corresponda à contraprestação
paga ao agente por determinação legal, constitui vantagem indevida. Note-se, inclusive,
que, na maioria dos casos do art. 9º, a vantagem patrimonial conferida ao agente público
não provém dos cofres públicos, mas sim de terceiros.
Não é necessário que a vantagem indevida seja solicitada, basta que
seja aceita, pouco importando se adveio de oferta, solicitação ou exigência 36
Dificuldade na ocorrência das hipóteses de enriquecimento ilícito diz
respeito à prova. O administrador público desonesto, corrupto, normalmente se utiliza
de terceira pessoa e raramente deixa vestígio que possa ser facilmente seguido. No
entanto, é indispensável a prova do enriquecimento ilícito, uma vez que a presunção de
inocência é garantia constitucional, inexistindo dispositivo legal que permita a inversão
do ônus da prova neste caso.Outro ponto que não podemos deixar de abordar é o
referente ao aspecto subjetivo do tipo, Para incidência do art. 9º da Lei 8.429/92 é
necessário que o agente público tenha agido com dolo37. Nenhuma das modalidades
deste artigo admite a forma culposa.
A incidência do art. 9º da lei independe da ocorrência de prejuízo ao
erário ou ao patrimônio das demais entidades do art. 1º, bastando a efetivação da
vantagem indevida. Observe-se que as hipóteses constantes do art. 9º demonstram
preocupação primordial como enriquecimento ilícito, sendo o prejuízo ao erário, em
alguns casos, mera conseqüência do ato.
Doze incisos compõem o artigo 9º, não sendo um rol taxativo. O que
se verifica pela uso da expressão “notadamente”, que na lei significa “principalmente”,
“sobretudo”, abrindo espaço para apresentação de hipóteses exemplificativas.
Passaremos então a análise dos incisos do art. 9.º. que possam ocorrer
com mais frequência pelo agente público de saúde.
O art. 9º, I, refere-se ao recebimento de vantagem econômica de
qualquer natureza pelo agente público, a título de comissão, percentagem, gratificação
ou presente, dado por terceiro que tenha interesse passível de ser atingido ou amparado
por ação ou omissão decorrente das atribuições daquele agente agraciado. Constitui
um
_________________
57
35
BARACHO, José Alfredo de oliveira. O Enriquecimento ilícito Como Princípio Geral do Direito
Administrativo. Revista Forense. Rio de Janeiro. Revista Forense n. 347, jul/set, 1999, p.170.
36
MARTINS, Júnior, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. São Paulo: Saraiva 2001, p.186
37
Segundo MIRANDA, Pontes de. “dolo é a direção da vontade para contrariar o direito” (Cf. Tratado de
Direito Privado. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, Parte Geral, Tomo II, p..248
caso típico de enriquecimento ilícito que, para a sua configuração, basta o recebimento
da vantagem econômica, não sendo necessária a atuação comissiva ou omissiva do
agente público em prol do doador.
A obtenção de vantagem patrimonial indevida, feita pelo agente
público da saúde, em razão do exercício de cargo, mandato, função, etc., como deseja o
art. 9º, da mesma Lei, levaria à caracterização de ato de improbidade administrativa,
desde que o prejudicado tenha sido o erário38.
O art. 9.º, II reporta-se ao recebimento de vantagem econômica pelo
agente público para prática de ato específico, qual seja, facilitar a aquisição, permuta ou
locação de bem móvel ou imóvel ou a contratação de serviços pelas entidades referidas
no art. 1.º por preço superior do mercado (contratos super valorizados com
empreiteiras). Note-se que as condutas visadas são reguladas pela Lei 8.666/93, que
trata das normas gerais sobre licitações e contratos. Todos os procedimentos previstos
neste inciso exigem processos licitatórios, com exceção da permuta que requer
autorizativa e avaliação prévia dos bens.
Caso ao administrador público em razão da vantagem econômica
recebida determine a aquisição, troca, locação ou contratação de serviços com preços
superiores ao praticado no mercado, ocorrerá além das hipóteses em questão, aquela
prevista no art. 10, VIII, referente ao prejuízo ao erário em decorrência de fraude à
licitação.
Nesta hipótese verifica-se, além da violação ao princípio da
moralidade e eficiência, afronta ao princípio da legalidade, uma vez que desatende às
disposições contidas na Lei de Licitações que determinam a escolha da proposta mais
vantajosa para a Administração Pública, na aquisição de medicamentos, por exemplo.
No art. 9.º, III, o agente público recebe vantagem econômica para
facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço
por ente estatal por preço inferior ao valor do mercado. Aqui, ao invés da
Administração comprar, trocar, locar ou contratar serviço com superfaturamento, como
ocorre na hipótese do inciso II, há o superfaturamento do que a Administração aliena,
troca ou fornece, ocorrendo, também o prejuízo ao erário.
As regras referentes à alienação de bens da Administração Pública
estão dispostas no art. 17 da Lei 8.666/93, que também aborda a permuta. Deve-se,
ainda, atentar para o disposto no art. 23, § 3º e 24, X, da Lei de Licitações.
No âmbito da Administração Pública é prosaico o agente público
dispor da coisa pública como se fosse um bem do acervo patrimonial. Não visualiza o
prejuízo à coletividade decorrente da realização de negociatas, estando mais
preocupados em beneficiar pessoas determinadas.
O art. 9º, IV, aborda a modalidade de improbidade administrativa
mais comuns nos quadros da Administração Pública brasileira que é a utilização
particular de veículos, máquinas, equipamentos ou materiais de qualquer natureza, de
propriedade ou de que estejam à disposição de qualquer das entidades mencionadas no
58
art. 1º, bem como a utilização de servidores públicos, empregados ou terceiros,
contratados por essas entidades.
_____________________
38
VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Saúde Pública e Improbidade Administrativa, p.427
A avaliação do enriquecimento ilícito, neste caso, será feita mediante
a apuração do valor dos materiais empregados na obra ou serviço, bem como o do
aluguel e depreciação dos veículos, máquinas e equipamentos empregados. Havendo
utilização de material humano será apurado o valor dos vencimentos e salários dos
servidores públicos, empregados e operários, em razão do tempo de utilização dos seus
serviços.
Esta conduta traduz o estilo patrimonialista de se governar no Brasil e
a sua aceitação pela sociedade de um modo geral. Quantas vezes flagramos carros
oficiais destilando em shooping center, nos portões das escolas, em supermercados e
quantas vezes denunciamos tais fatos? Quantos serviços particulares são prestados a
prefeitos por funcionários da prefeitura, e o que é pior, em horário de expediente?
Apesar de considerarmos todas essa condutas enquadradas no art. 9º,
IV, este dispositivo deve ser analisado com ressalvas. Assim, a utilização do telefone da
repartição pública para ligações particulares, pequenos favores prestados por
subordinados como: pagar uma conta bancária, comprar um lanche, sem prejuízo da
função pública, a utilização de canetas da repartição para anotações particulares, dentre
outras condutas, não podem ser consideradas como improbidade administrativa, pois
tais desvio são compreensíveis, não podendo ser avaliados como formas de
enriquecimento ilícito, nem, tão pouco, condutas capazes de ocasionar prejuízos ao
setor público.
O art. 9º V, trata da tolerância para exploração ou prática de jogos de
azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra
atividade ilícita, mediante o recebimento de qualquer vantagem econômica.
Observe-se que a aceitação da vantagem econômica indevida se faz
suficiente para a configuração do ato de improbidade, não sendo necessária a efetiva
tolerância que, ocorrendo, seria o exaurimento da conduta.
O art. 9º, VI, trata do recebimento de vantagem econômica para fazer
declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro
serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias
ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º da lei.
Essa forma de enriquecimento ilícito também é bastante comum no
cenário da Administração Pública brasileira. Muitas vezes, visando ganhar concorrência
o proponente, em conluio com agente público, oferece preço inferior ao custo da obra
ou serviço, que, posteriormente, será compensado por meio de fraude nas medições,
referente ao seu volume ou a natureza do material utilizado.
As falsas declarações em medições de obras de pavimentação de
estradas, por exemplo, são responsáveis por fabulosos desfalques na economia pública e
enriquecimento acelerado de muitos empreiteiros e agentes públicos responsáveis pela
fiscalização de tais obras.
Pela leitura deste inciso, depreende-se que o agente público ímprobo,
neste caso, deverá possuir qualificação técnica para realização de perícias avaliatórias.
59
O art. 9º, VII, por sua vez, reporta-se àquele agente público que,
apesar de ter como fonte exclusiva de rendimento os vencimentos ou subsídios do
cargo, não tendo sido agraciado com nenhuma herança ou prêmio lotérico, apresenta
“milagrosamente” uma invejável evolução patrimonial. Assim, não se identificando a
origem da evolução patrimonial do agente público, este poderá ser enquadrado na
hipótese deste inciso.
A lei 8.429/92 no art. 13, condiciona a posse ao exercício do cargo do
agente público à apresentação da declaração de bens e valores que compõem o seu
patrimônio privado, atualizando-a anualmente.
Entendemos que a evolução patrimonial injustificada do agente
público autoriza a propositura da ação de improbidade. Note-se que a comprovação do
ato de improbidade é feita em fase investigatória com a instauração de inquérito civil,
ou outro procedimento administrativo, presidido pelo Ministério Público ou autoridade
administrativa competente 39. Ora, é óbvio que em se tratando da hipótese do inciso VII,
do art. 9º, sendo lícita a origem da evolução patrimonial esta, provavelmente, restará
comprovada naquela fase. No entanto, não se conseguindo detectar a origem daquela
evolução, nada impede a propositura da ação cabível, com fundamento no referido
dispositivo legal. Assim, nesse ponto, concordamos com Emerson Garcia e Rogério
Pacheco Alves40 quando afirmam que é desnecessário que o autor da ação demonstre
qual o ato praticado pelo agente que ensejou uma evolução patrimonial incompatível
com os seus rendimentos.
Na hipótese do art. 9º, VIII, o agente público aceita emprego,
comissão ou exerce atividade de consultoria para pessoa física ou jurídica que tenha
interesse passível de ser atingido, ou amparado por ação ou omissão decorrente das
atribuições do agente, durante a atividade. Não se faz necessário para a caracterização
desta hipótese que haja relação empregatícia formal, bastando pagamento de comissão,
ou assessoramento informal. Satisfaz a lei a simples aceitação do emprego, comissão, o
que já constituiria o recebimento de vantagem indevida. No que concerne ao exercício
de atividade de consultoria, este terá de ser efetivo. Não é necessário que o interesse
privado seja satisfeito, sendo suficiente que as atribuições do agente público tenham a
potencialidade de amparar os interesses da pessoa física ou jurídica. Obviamente que,
cessado o vínculo do agente público com a Administração, nada impede que ele aceite o
emprego, comissão ou exerça atividade de consultoria para pessoa privada.41
Segundo Marcelo Figueiredo, o fundamento maior deste dispositivo
está relacionado ao princípio da impessoalidade. Afirma o autor que “a Administração
deve ser imparcial; sendo assim, não pode haver relação de dependência ou hierarquia
entre agentes públicos e particulares, ausente o princípio da legalidade em situações
dessa jaez.42
O art. 9º, IX, trata do recebimento de vantagem econômica para a
intermediação da liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza.
Verba pública de qualquer natureza abrange todo tipo de pagamento
efetuado pela Administração Pública, designa toda importância em dinheiro que a lei
orçamentária destina à satisfação de um serviço ou utilidade 43. A conduta constitui o
conhecido “tráfico de influência” ou lobby.
_________________
39
Neste sentido, observar os arts. 14 e 15 da Lei 8.429/92
GARCIA. Emerson e Alves, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Lumens
Júris, 2002, p, 270.
40
60
41
Cumpre esclarecer que no caso das Agências Reguladoras, a Lei 9.986/98 determina expressamente no
seu art. 8º o impedimento imposto ao ex-dirigente da Agência de atuar no setor por esta regulado, por um
período de quatro meses, contados da exoneração ou do término do mandato.
42
FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade Administrativa – Comentários à Lei 8.429/92 e Legislação
Complementar, São Paulo, Malheiros, 2000, p.77.
43
PAZZAGLINI Filho, Marino, – Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio Público. São Paulo: Atlas,
1998, p.71.
É bastante corriqueira no cenário nacional o patrocínio de interesses
privados junto aos órgãos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como
das demais entidades mencionadas no art. 1º e seu parágrafo único, exercido em razão
da influência funcional, em troca de vantagens materiais.
O que a lei veda é a intermediação remunerada do agente público.
Desta forma, pouco importa que haja ou não a liberação ou a aplicação pretendida, ou
que estas sejam lícitas ou ilícitas.
O Administrador Público que determina ao encarregado do empenho
que dê preferência ao pagamento de determinada obra ou serviço público, em
desconformidade com a finalidade de destinação da verba, visando favorecer terceiro
que lhe concedeu uma vantagem patrimonial indevida, será enquadrado neste
dispositivo.
O art 9º X, prevê a hipótese do agente público que recebe vantagem
econômica, de qualquer natureza, para omitir ato de ofício, providência ou declaração.
O ato de recebimento da vantagem é suficiente para caracterização da conduta,
independente da efetiva omissão.
O agente público não poderá omitir-se em seus deveres, salvo para
eximir-se de cumprir ordem manifestamente ilegal.
Tal hipótese guarda semelhança com o crime de prevaricação,
previsto no art. 319 do Código Penal, distanciando-se deste por exigir o recebimento de
vantagem econômica.
O art. 9º XI, refere-se ao agente público que incorpora por qualquer
forma, ao seu patrimônio bens, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das
entidades mencionadas no art. 1º da lei.
A conduta prevista neste inciso abrange o assenhoramento, a
apropriação, ou seja, a transferência de bens, verbas e valores do patrimônio público
para o acervo particular, não se confundindo com o uso, abordado nos incisos IV e IX.
Vale salientar que o administrador público ímprobo, normalmente não
incorpora diretamente ao seu patrimônio bens, verbas ou valores públicos, preferindo
utilizar-se de terceiro como “testa de ferro”, realizando todos os tipos de manobras para
encobrir a incorporação. Talvez seja essa a razão da expressão “incorporar, por
qualquer forma”, constante no inciso XI.
Nesta última hipótese exemplificava de enriquecimento ilícito,
prevista no art. 9º, XII, o legislador condena o uso, em proveito próprio, de bens,
rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas
no art. 1º da lei.
O uso da máquina administrativa para campanha político-partidária é
apenas uma das formas de utilização do acervo público para fins privados. Outra prática
61
comum é aplicação de dinheiro público em determinada instituição financeira
particular,
em troca de elevado limite de crédito à conta pessoal ou à obtenção de empréstimo
pessoal à custa de saldo médio da empresa. Também o agente que emprega o dinheiro
público em propaganda que lhe garantirá a promoção pessoal esta nitidamente
utilizando em proveito próprio verba pertencente ao ente ao qual presta serviços.
O que difere esta conduta daquela descrita no inciso XI é que aqui a
intenção do agente é o uso do patrimônio público, não a sua apropriação.
14.2. Do prejuízo ao erário
O art. 10, da Lei de n.º 8.429/92 trata dos atos de improbidade
administrativa que causam lesões ao erário. Em verdade, o referido diploma legal não
poderia deixar de fora a administração desastrosa do agente público, normalmente
envolto na visão de a coisa pública é de ninguém.
Da mesma forma que o artigo 9º, o artigo 10 traz no caput o núcleo da
conduta e mais treze incisos, enunciados exemplificativamente.
O caput do artigo se refere a “lesão ao erário”, surgindo daí, a
primeira indagação. Por que a lei utiliza neste artigo a expressão “erário” e não
“patrimônio público” como nos demais?
O erário é o fisco, a fazenda pública, o tesouro, refere-se ao aspecto
econômico-financeiro. O patrimônio público é mais abrangente, pois abarca os bens de
valor histórico, estético, cultural, artístico e turístico. A lei que regula a ação popular Lei 4.717/65 - e a Lei de Improbidade Administrativa gizam o conceito de patrimônio
público.44
O prejuízo ao patrimônio público previsto no art. 10, poderá ser
decorrente da ação ou omissão do agente público. Observe-se que a omissão dentro da
Administração Pública, diferentemente da esfera privada, pode não significar apenas um
não-fazer, mas um comportamento em desacordo com a exigência legal de agir45.
Neste dispositivo, o legislador infraconstitucional, provavelmente em
atenção ao princípio da eficiência que norteia a Administração Pública, considerando
como dever jurídico de realizar a atividade administrativa visando a extração do número
maior de efeitos positivos para o administrado e administração, pune a lesão ao erário
decorrente da ação ou omissão dolosa ou culposa.46
Desta forma, tanto incidirá na hipótese do artigo 10 o agente público
que causou, conscientemente, prejuízo ao erário em razão de sua conduta, como aquele
outro que, mesmo não tendo previsto o dano o erário, agiu de forma imprudente ou
negligente. A distinção entre a conduta dolosa e culposa aproveita, apenas, para fins de
aplicação das penas 47, incidindo para o segundo caso sanções menos severas, dentre as
arroladas no art. 12, II, observando, também, o seu parágrafo único.
Pela análise dos incisos do art. 10, depreende-se que, diferentemente
do art. 9º, existe aqui, normalmente, concessão indevida de vantagem a terceiro, alheio
ao quadro administrativo, em detrimento da Administração Publica. Porém, nada
impede que ocorra prejuízo ao erário sem consequente enriquecimento de quem quer
que seja. Seria, por exemplo, a hipótese do agir negligentemente na conservação de
patrimônio público (art. 10,X).
62
_________________
44
SZKIAROWSKY, Leon Frejda. www.ambito jurídico. com br
FAZZIO Júnior. Waldo. Improbidade Administrativa e Crimes de Prefeito. São Paulo: Atlas, 2000,
p.115.
46
Neste ponto, vale esclarecer que as noções de dolo e culpa não são exclusivas do direito penal. Assim,
no nosso sistema jurídico estão constitucionalizadas as expressões dolo e culpa e superam os limites
penais, na medida em que o agente público que o agente público que causa dano à Administração Pública
pode ser responsabilizado, desde que agindo pelo menos com culpa (art. 37, § 6º, da Constituição
Federal).
47.
Apesar do parágrafo único do art. 12 se referir apenas à extensão do dano e o proveito patrimonial para
a fixação da pena, pensamos que o aspecto psicológico da conduta deve também ser considerado.
45
Da mesma forma, muitas das condutas elencadas no art. 9º além do
enriquecimento ilícito do agente, acaretam prejuízo ao erário. Ocorre que, como as
sanções do art. 9º são mais severas, este absorve o art. 10.
O prejuízo ao erário, característico deste artigo, se revela pela perda,
desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação.
Vejamos agora a análise das hipóteses exemplicativas expostas no
artigo 10, da Lei 8.429/92.
O art. 10, I, aborda a hipótese do agente público que facilita ou
concorre para que a pessoa física ou jurídica incorpore ao se patrimônio bens, verbas ou
valores integrantes ao acervo patrimonial das entidades mencionadas no artigo 1º, desta
lei.
A inobservância das formalidades previstas no art. 17, da Lei
8.666/9348 - autorização legislativa (em se tratando de bens imóveis), avaliação e
licitação - constitui uma das maneiras de facilitar a incorporação de bens da
Administração Pública.
Como ato de improbidade desta natureza, com prejuízo ao patrimônio
público, considerado na sua ampla noção, temos o caso do guarda florestal que permite
que caçadores capturem animais em extinção.
Observe-se que esta conduta difere daquela prevista no art. 9º, XI, em
razão do benficiário. No dispositivo em análise, o benificiário não é mais o agente
público e sim o terceiro.
No art. 10, II, O agente público que permite ou concorre para que
pessoa física ou jurídica utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo
patrimonial das entidades mencionadas no artigo 1º, sem observância das formalidades
legais ou regulamentares aplicáveis à espécie.
Neste inciso, o núcleo da conduta é exposto pelos verbos permitir e
concorrer, cujos significados não se distanciam daqueles trazidos no inciso I. No
entanto, a conduta reprovada é o uso e não mais a apropriação.
O art. 10 III, faz referência à doação de bens, verbas, rendas ou
valores do patrimônio público à pessoa física, jurídica ou ente personalidade, mesmo
que de fins educativos ou assistenciais, sem observância das formalidades legais ou
regulamentares cabíveis à espécie.
A doação de bens públicos, como forma de alienação, terá sempre
caráter causístico, devendo ser expressa pelo legislador nos seus pressupostos condições
e facilidades.
Em se tratando de bem imóvel à pessoa física, jurídica ou ente
despersonalizado, esta dependerá de autorização legislativa indicando o bem a ser
63
alienado e os limites a serem observados na alienação, caso o bem pertença à
Administração Pública direta e entidades autárquicas ou fundacionais. 49 Também,
exige_________________
48.
Tal dispositivo trata da alienação de bens da Administração Pública;
A regra constante do art 17, inciso I, alínea b, impõe a vedação de qualquer doação para particulares teve sua
vigência suspensa por decisão cautelar proferida pelo Supremo tribunal Federal em Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 927-3/RS, promovida pelo Governador do estado do Rio Grande do Sul. Tal decisão,
abrangeu também as disposições contidas na alínea c,do mesmo inciso I, a alínea b, do inciso II e o disposto no § 1º,
do art. 17.
49
se para doação de bens imóveis pertencentes à Administração Pública em geral, a
avaliação prévia e licitação na modalidade de concorrência.
Em se tratando de bem móvel dependerá de avaliação prévia e de
licitação, dispensada esta em se tratando de doação para fins e uso de interesse social,
após a avaliação de sua conveniência e oportunidade sócio-econômica sobre as demais
formas de alienação.
O art. 10, IV, o agente público permite ou facilita a alienação,
permuta ou locação de bem integrante do patrimônio das entidades mencionadas no art.
1º da lei ou ainda a prestação de serviço por parte delas a terceiros, por preço inferior ao
do mercado.
Sabe-se que o agente público tem o dever de zelar pela boa
administração do patrimônio público. A este é vedado permitir e facilitar a realização de
maus negócios para a Administração Pública, aceitando preços subfaturados.
Pela leitura do art. 17 da Lei 8.666/93, observa-se que a alienação e
permuta devem ser precedidas de avaliação. Da mesma forma, a locação de bens
públicos deverá seguir o preço praticado no mercado. Assim, concluímos que para a
prática de tal conduta necessária se faz a participação do agente público responsável
pela avaliação do bem.
Caso, conduta descrita neste inciso, decorra vantagem econômica para
o agente público responsável, incidirá o art. 9º, III. Por outro lado, havendo apenas a
permissão ou facilitação das operações contidas no dispositivo, sem o subfaturamento,
poderá incidir o art. 11, caput, da lei.
Para incidência do art. 10, V, o agente permite ou facilita a aquisição,
permita ou locação, por parte das entidades mencionadas no artigo 1º, de bem ou
serviço por preço superior ao do mercado.
Infelizmente, é comum no âmbito da Administração Pública brasileira
a realização de contratos superfaturados. Contratos estes que, na maioria das vezes,
possuem uma aparência de total legalidade, precedidos de avaliação e licitação, como
exige a lei. Porém, sob esta “aparência” de legalidade, esconde-se uma série de
negociatas, envolvendo, além de agentes públicos, empresas privadas que participam do
certame licitatório.
A Lei 8.666/93 traz uma série de dispositivos visando garantir o preço
justo nos contratos formados pela Administração 50. O art. 25 § 2º da referida lei, em
repúdio ao dano causado à Fazenda Pública, decorrente do superfaturamento na
aquisição direta, prevê a responsabilidade solidária do agente público e do licitante, que
participaram do processo. Trata-se de reparação de desfalque patrimonial infligido ao
erário.
64
O superfaturamento nem sempre é de fácil demonstração, exigindo a
realização de pesquisas de preços praticados à época do certame licitatório.
O art. 10 VI, cuida da realização de operação financeira sem
observância das normas legais e regulamentares ou aceitação de garantia insuficiente ou
inidônea.
_________________
50
Art. 7º, § 2º, II; art. 15, III, §§ 1º a 6º; art. 17, art. 24, VIII e IX; 40, X; 43, IV; 48, II, dentre outros
dispositivos contidos na Lei
Realizar operação financeira significa comprometer o patrimônio
público, através da realização de empréstimos, emissão de títulos de dívida ou, ainda,
obrigar-se por títulos de crédito 51
As normas que regem as atividades das instituições financeiras
públicas estão estabelecidas na Lei Federal n.º 4.595/64 e em regulamentos.
A Lei de Responsabilidade Fiscal n.º 100, de 4 de maio de 2000,
também estabelece diversas exigências para destinação dos recursos públicos ao setor
privado.
A segunda hipótese, prevista no dispositivo em análise, diz respeito à
aceitação de garantia insuficiente ou inidônea na realização de operação financeira.
Obviamente que, havendo garantia insuficiente ou inidônea, a operação financeira
estará em risco, uma vez que em condições normais a operação não seria realizada.
O art. 10, VII, prevê como ato de improbidade administrativa a
concessão de benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades
legais ou regulamentares.
Assim, os benefícios fiscais como isenção de impostos, perdão de
dívida, anistia fiscal e remissão, somente podem ser deferidos através de lei, devendo
abranger uma faixa de contribuintes, ligados pela mesma relação fática 52, Deve-se,
ainda, atentar para o princípio da isonomia tributária, que não admite discriminação.
Inobservados os requesitos legais e regulamentares aplicáveis à
concessão de benefício desta natureza haverá prejuízo ao erário, na medida em que ou o
poder público gastou o que não devia ou deixou de receber o que lhe cabia.
Assim, caso haja autorização legislativa irregular, pensamos que os
membros do legislativo, responsáveis pela mesma, poderão também, ser alcançados pela
ação de improbidade administrativa com fundamento no artigo 10, VII 53.
O art. 10, VIII, prevê a conduta do agente público que frustrar a
licitude de processo licitatório ou dispensá-lo, indevidamente
Este inciso também estão intimamente entrelaçados com a Lei n.º
8.666/93. As licitações e contratações, que ocupam lugar de destaque no cotidiano da
Administração Pública, pretendem ser instrumentos de democratização do acesso aos
negócios públicos e de controle interno e externo de sua moralidade, legitimidade,
eficiência, impessoalidade e economicidade 54. Não se pode desconhecer que a licitação
é
_________________
51
FAZZIO Júnior. Waldo. Improbidade Administrativa e Crimes de Prefeito. São Paulo: Atlas, 2000, p.
122.
52
MACHADO, Hugo de Brito ao abordar a exclusão do crédito tributário, trata da isenção, anistia e
remissão. Assim, segundo o autor, isenção é a exceção à regra de tributação feita por lei, que especifica
as condições e requesitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo o caso, a sua
65
duração. Anistia é a extinção da punibilidade do sujeito passivo infrator da legislação tributária,
impedindo a constituição do crédito. Remissão é a forma de extinção do crédito tributário, quer
decorrente de penalidade ou de tributo (CF. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2000, p.
178-183)
53
A lei que concede benefícios fiscais é classificada como lei de efeitos concretos, pois apesar de ser
considerada lei no aspecto formal, do ponto de vista material atua como ato administrativo (Cf. Medina,
Fábio Osório. Improbidade Administrativa - Observações sobre a Lei 8429/92. Porto Alegre: Síntese.
1998, p.107.
54
PEREIRA Júnior, Jesse Torres. Comentários à Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública.
Rio de Janeiro: Renovar, 1997, nota do autor à 4ª edição.
instrumento eficaz de moralização da Administração Pública que mesmo não evitando
inteiramente possíveis abusos, pelo menos os coíbe de forma eficaz.
A primeira situação prevista no predito dispositivo, refere-se à
frustração da licitude do processo licitatório. Assim, frustra a licitude do procedimento
licitatório o agente público que introduz no edital cláusula incompatível com a Lei
8.666/93, tais como: Exigência de bens de determinada marca; requisição de
documentos não previstos nos arts. 27 a 31, etc.
Outra conduta que leva à incidência do art. 10, VIII é a indevida
dispensa do processo licitatório. Tal dispensa consiste em não promover a licitação sem
causa legal que derrogue a regra de sua obrigatoriedade 55. Visa coibir o indevido
alargamento das hipóteses em que não é exigida a licitação, razão pela qual abriga tanto
a dispensa como a inexigibilidade indevida.
O art. 10, IX constitui ato de improbidade administrativa ordenar ou
permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento.
Despesa pública é todo emprego ou dispêndio de dinheiro para
aquisição de alguma coisa ou prestação de algum serviço, decorrente da escolha política
do governante 56. O pagamento de despesa somente será ordenado e efetivado após
regularmente processada sua liquidação, que consiste na verificação de liquidez do
crédito, mediante o exame dos títulos e documentos comprobatórios pertinentes 57.
Deve-se atentar que qualquer conduta administrativa visando a expansão das despesas
deverá ser acompanhada da estimativa de seus custos no triênio e da declaração do
ordenador de despesas atestando a existência de dotação orçamentaria suficiente e
compatibilidade das despesas com o plano plurianual e com a lei de diretrizes
orçamentárias.
O art. 15 da Lei de Responsabilidade Fiscal traz, ainda, um dos
requesitos da despesa pública orçamentária que seria a legalidade 58. Assim, para que a
despesa possa figurar na Lei de Diretrizes Orçamentárias e desta para a Lei
Orçamentária
Anual, há necessidade de devida autorização legislativa, seja por lei específica ou que
admita a abertura de crédito adicional 59
Para Vigliar60 condutas como a malversação culposa ou dolosa, o
descaso com o controle dos gastos e o desperdício de recursos ao erário, levariam à
conclusão de que um ato de improbidade teria sido realizado. Aqui, teríamos as
condutas previstas no art. 10 da Lei 8.429/92, que por vontade expressa do legislador,
atendendo ao comando constitucional do § 4º do art. 37, também poderia ser omissiva.
Destaca exemplos dos incisos VIII e IX do Art. 10. As condutas ali previstas.
(frustar ou
66
______________________
55.
FAZZIO Júnior, Waldo. Improbidade Administrativa e Crimes de Prefeito. São Paulo: Atlas, 2000, p.
132.
56
NASCIMENTO, Carlos Valder do. Comentários ã Lei de Responsabilidade Fiscal. Organizadores:
MARTINS, Ives Gandra da Silva e Nascimento. CARLOS Valder do. São Paulo: Saraiva, 2001,p. 107
57
FAZZIO Júnior, Waldo. Improbidade Administrativa e Crimes de Prefeito. São Paulo: Atlas, 2000, p.
108.
58
A Lei de Responsabilidade Fiscal (n.º 101/2000) diploma legal que trouxe limitações e maior rigidez ao
dispêndio público, estabelece no art. 15 que “são consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao
patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts.
16 e 17”
59
BARROS, Luis Celso de. Responsabilidade Fiscal e Criminal. São Paulo: Edipro, 2001, p. 76.
60
VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Obra Cit. p. 427
dispensar indevidamente o processo licitatório e ordenar ou permitir a realização de
despesas não autorizadas em lei ou regulamento) revelam conduta tendente ao
malbaratamento ou dilapidação dos bens que integram o patrimônio público.
O art. 10, X prevê duas condutas culposas. Assim, agir
negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como na conservação do
patrimônio público, constituem atos de improbidade administrativa.
O agente público responsável, seja qual for a razão, não poderá omitirse na cobrança da dívida ativa, sob pena de praticar ato de improbidade administrativa.
Obviamente que a aplicação deste dispositivo pressupõe a efetiva ocorrência de dano ao
erário, o qual se efetivará com o decurso in albis do prazo decadencial para realização
do lançamento tributário ou do prazo prescricional para a cobrança do tributo ou da
receita devida.
A segunda hipótese de improbidade administrativa prevista no inciso
X, do art. 10 trata da conservação dos bens públicos. Desta maneira, a deterioração dos
bens públicos, causada por desleixo ou abandono, constitui lesão ao patrimônio Público,
levando a incidência desta hipótese.
No nosso país, é comum nos depararmos com escolas abandonadas,
hospitais sucateados, materiais adquiridos para distribuição desperdiçados, igrejas
desmoronando, enfim todo tipo de cenário que retrata a total negligência do Poder
Público.
O administrador público, tem o dever de zelar pela conservação do
patrimônio público, adotando as providências no sentido de evitar a perda, perecimento
ou dilapidação do acervo patrimonial que pertence a toda uma coletividade
O art. 10, XI traz, também duas situações. Primeiro dispõe sobre a
liberação de verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes. Segundo
trata da influência para aplicação irregular de verba pública.
No que concerne à liberação de verba, não interessa o destino dado à
mesma. Para caracterizar a conduta ímproba, basta que a caracterização de verba não
tenha observado os preceitos legais aplicados à espécie. Assim, a realização de despesas
que excedam os créditos orçamentários ou adicionais, a concessão de subvenção social
à entidade privada que não tenha prestado contas 61, a realização de despesas sem
empenho, são alguns exemplos que podem perfazer a improbidade administrativa.
O art. 26 da Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece requesitos para
liberação de recursos destinados a atender às necessidades de pessoas físicas ou
jurídicas. Com efeito além da autorização legislativa, deverá atender às condições
67
estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias e estar prevista no orçamento ou em
seus créditos adicionais.
Influir para aplicação de verba pública em finalidade estranha
daquela explicitada na lei ou regulamento, também caracteriza a improbidade
administrativa.
O conteúdo do art.10, XII é bastante amplo, podendo-se afirmar
que engloba todas as demais modalidades previstas nesse artigo. Assim, o agente
público que permite, facilita ou concorre para que terceiro enriqueça ilicitamente,
pratica ato de improbidade administrativa.
_______________
61
MARTINS Júnior, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 221
Para incidência deste dispositivo é necessário que o terceiro tenha
experimentado um acréscimo patrimonial ilícito em detrimento dos cofres públicos.
Parece que o terceiro nesta hipótese legal, é alguém estranho aos quadros da
administração pública. No entanto, nada impede que o agente público seja acionado
judicialmente pela prática de ato de improbidade administrativa, na modalidade do art.
10, caput, por ter concorrido para o enriquecimento ilícito de outro agente público, com
prejuízo ao erário.
Entendemos que, sendo a preocupação da lei o agente público
ímprobo, o terceiro que enriquece ilicitamente com a permissão, facilitação ou
concorrência do agente público, será enquadrado também no art. 10, XII e não no art. 9º
que aborda o enriquecimento ilícito, uma vez que a tipificação legal é estabelecida a
partir da conduta do agente público. Observe-se, inclusive, que dentre as cominações
previstas no art. 12, II, aplicado nas hipóteses do art. 10, consta a perda de bens ou
valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio. Ora, tal previsão tem em vista o terceiro,
uma vez que o agente público que tem bens ou valores acrescidos ilicitamente ao
patrimônio será enquadrado no art. 9º da Lei 8.429/92.
Na Administração Pública não são poucos os casos de pessoas
físicas e jurídicas, que são constantemente agraciadas em detrimento do erário. Predita
situação é o reflexo da visão patrimonialista comum no âmbito da Administração
Pública, principalmente entre os Chefes do poder Executivo, que costumam prestar
favores em busca de prestígio político às custas do patrimônio público, ou melhor, a
expensas do trabalho de toda uma coletividade.
Segundo o art. 10, XIII causa prejuízo ao erário o agente público
que permite que terceiro utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas,
equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição da
Administração Pública, como também do servidor público, empregados ou terceiros por
ela contratados. Observe-se que o art. 9º, IV faz referência à mesma conduta quando o
beneficiário ou utilização é o próprio agente público.
Bastante comum, principalmente nos municípios mais pobres e
distantes, onde a própria população aceita que o prefeito se comporte como dono e
senhor do acervo municipal, que as pessoas ligadas àquele utilizem bens públicos para
proveito pessoal. Desta forma, obras são realizadas em propriedades privadas com a
utilização do maquinário e trabalhadores do município, carros oficiais costumam levar
familiares do prefeito para compromissos pessoais em outras localidades, festas
particulares contam com a colaboração de diversos servidores, utilizados como garçons,
dentre outras hipóteses.
68
14.3 Da violação dos princípios administrativos
Dentre as modalidades de improbidade administrativa, o art. 11 é a
grande novidade, pois possibilita a imposição de sanções ao agente público que viola os
princípios que regem a Administração Pública, independentemente do enriquecimento
ilícito ou prejuízo ao erário.
69
A obrigação dos agentes públicos de velar pelos princípios
administrativos vem expressa no art. 4º da Lei 8.429/92 62 e procura tutelar valores que
devem inspirar a gestão da coisa pública. Assim, toda a conduta do administrador
público deve obediência aos princípios administrativos, sejam eles explícitos ou
implícitos.
O caput, do art. 11 da lei de improbidade se refere à ação ou omissão
que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às
instituições. Esses deveres são arrolados exemplificativamente, a eles se pode
acrescentar a boa-fé, a impessoalidade, igualdade, proporcionalidade, dentre outros
contidos nos princípios que norteiam a atividade administrativa.
Com efeito, aplicam-se de forma direta esses princípios ao Sistema
Único de Saúde – SUS, já que o setor de saúde possui certa autonomia de gestão diante
do conjunto da administração da respectiva esfera de governo.
Desta forma, infringem o art. 11, da Lei 8.429/92, aqueles violam os
princípios de atenção à saúde e de gestão de do Sistema Único de Saúde, implícitos ou
explícitos na Constituição Federal e Lei Orgânica da Saúde nº 8.080/90.
Exige-se assim, a conduta ética do agente público. Pune-se a gestão
desastrosa, atos que implique desonestidade, incompetência, pessoalidades. Enfim,
condutas violadoras dos princípios que regem a Administração Pública.
A inobservância dos princípios administrativos, implícitos ou
explícitos, levará a incidência desse dispositivo legal, caso o agente público responsável
tenha agido com dolo. Como veremos a seguir.
Apesar do caput do artigo considerar ato de improbidade
administrativa a violação do dever de legalidade, há que entenda que precisa estar
associado à imoralidade para caracterizar a improbidade administrativa 63. Então além
da necessidade de se provar a ilegalidade, deverá estar provado que o ato foi fruto da
desonestidade, má-fé ou intolerável incompetência do agente público, reveladora do
descaso no trato da coisa pública. Em consequência, para quem sustenta tal
posicionamento, a violação dos princípios administrativos deverá sempre contar com
um plus que seria a má-fé, essência da moralidade.
Pensamos que a ilegalidade no âmbito da Administração Pública é
intolerável e dificilmente haverá a violação autônoma do princípio da legalidade, ou
seja, normalmente a ilegalidade está vinculada à imoralidade. Assim, considerando o
Município de Salvador, por exemplo, onde o prefeito é assessorado por procuradores
municipais concursados, bacharéis em direito, que presume-se conhecem bem as
disposições legais e regulamentares, a violação do princípio da legalidade dificilmente
ocorrerá de boa-fé, fruto de uma administração diligente.
O artigo em comento é considerado residual em relação aos arts. 9º e
10, o que significa que sempre que ocorra a improbidade por enriquecimento ilícito
ou
_________________
62
“Art. 4º Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita
observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade nos trato dos
assuntos que lhes são afetos”. Observe-se que tal dispositivo repete o núcleo do art. 37, caput, da
Constituição Federal, cuja emenda 19, de 4/6/1998, introduziu o princípio da eficiência.
63
FAZZIO Júnior, Waldo. Improbidade Administrativa e Crimes de Prefeito. São Paulo: Atlas 2000, p.
177.
70
prejuízo ao erário, haverá violação aos princípios administrativos. Desta forma, quando
não for possível enquadrar o ato de improbidade administrativa naquelas duas primeiras
modalidades, utiliza-se o art. 11 como regra de reserva. Em outra palavras, qualquer que
seja o ato ímprobo perpetrado, haverá violação aos princípios administrativos.
A primeira hipótese exemplificativa de improbidade administrativa
por violação de princípios que regem a Administração Pública esta no art. 11, I que
cuida da pratica de ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou daquele previsto
na regra de competência. O caput, do art. 11 da lei de improbidade se refere à ação ou
omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às
instituições. Esses deveres são arrolados exemplificativamente, a eles se pode
acrescentar a boa-fé, a impessoalidade, igualdade, proporcionalidade, dentre outros
contidos nos princípios que norteiam a atividade administrativa.
O administrativista gaúcho, Rui Cirne Lima64 afirma que na
Administração Pública o bem não está vinculado à vontade ou personalidade do
administrador, e sim à finalidade impessoal a que essa vontade deve seguir.
Assim, o gestor de saúde que, por força de convênio firmado com o
Governo do Estado, recebe verba especificamente destinada à construção de um
hospital e decide construir um posto de saúde, está atuando com desvio de poder, uma
vez que utilizou o numerário para finalidade diversa daquela estabelecida no
instrumento de convênio 65.
Para que se verifique o desvio de poder é preciso que exista ânimo
predeterminado de atender a outros interesses distintos daqueles previstos em lei 66,
sendo suficiente para sua caracterização que se demonstre que o administrador público
agiu conscientemente apartado do fim previsto na norma, não se fazendo necessário
apontar o fim efetivamente visado 67.
O art. 11, II refere-se ao agente público que, indevidamente, retarda
ou deixa de praticar ato de ofício.
O agente público que retarda a prática de ato de ofício não realiza o
ato inerente a sua função no prazo legalmente estabelecido ou deixa fluir prazo
temporal relevante para sua prática, ocorrendo uma procrastinação do ato de ofício. Por
outro lado, aquele que deixa de praticar ato de ofício, queda-se inerte, com o propósito
de não o realizar. O não cumprimento de ato, em qualquer das duas formas omissivas,
deve se dar de forma indevida, ou seja, sem que haja nenhuma causa justificadora.
Sabe-se que na Administração Pública a atuação de seus agentes é
pautada em normas legais e regulamentares, sendo-lhes conferidos deveres destinados
ao atendimento de finalidades públicas. Assim, a omissão ou delonga injustificada na
prática de ato constitui violação aos princípios da moralidade e eficiência uma vez que
agride a
_______________
64
RUI Cirne Lima. Princípios de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p.22.
A jurisprudência também traz decisões que reconhecem a improbidade decorrente de desvio de
finalidade. Assim vejamos: “Apelação cível - ato de improbidade administrativa configurado - desvio de
finalidade de verba destinada a fim específico - Falta de autorização da Câmara Municipal - alegada
inexistência de prejuízos aos cofres públicos - constatada violação dos princípios da Administração
Pública” (Ap. Cível nº 0107857900, Tribunal de Justiça do Paraná, Terceira Câmara Cível, rel. Des. Ruy
Fernando de Oliveira, julgamento em 09/04/2002).
66
MARIN, Carmen Chinchilla. La Desviacion de Poder. Madri: Civitas, 1999, p.120
67
MARIN, Carmen Chinchilla. Obra Cit, pág. 125
65
71
obrigação de lisura e observância da finalidade legal, bem como contraria o dever da
boa administração 68.
O referido dispositivo legal possui ampla aplicação. Com efeito, o
descumprimento de ordem judicial ou o não atendimento às requisições do Ministério
Público bem como o Delegado de Polícia que deixa de instaurar inquérito policial
requisitado pelo Promotor de Justiça constitui improbidade desta natureza. Da mesma
maneira, pratica ato de improbidade administrativa, o médico que deixa de atender um
paciente alegando falta de vagas na instituição.
Vigliar69 exemplifica como hipótese do inciso II do art. 11, o do
agente público que deixa de realizar um ato que, de ofício, deveria ser praticado, uma
determinada epidemia, cujos indicadores de saúde apontavam como muito provável,
considerando algumas condições que, uma vez presentes, levariam à sua eclosão, com a
conseqüência de prejudicar a saúde pública. A regularidade das condições para tal
epidemia tornavam o evento epidêmico certo. Enfatiza que suas conseqüências
poderiam e deveriam ser evitadas e/ou minimizadas e controladas, para revelar respeito
à saúde, ou para evitar gastos futuros e necessários ao combate da epidemia, ou no
tratamento daqueles que foram acometidos pela doença.
A omissão do agente público de saúde, no exemplo citado, acabou por
expor indevidamente a saúde da população e, redundará na conclusão de que não fora
observado o princípio da publicidade, fato que gera a caracterização de improbidade
administrativa. Assevera que a informação tempestiva das condições epidêmicas
apresentadas pelos indicadores de saúde, faria cumprir as funções próprias do princípio
da publicidade que são a informação, a educação e a orientação 70. A publicidade,
inclusive das medidas preventivas, proporcionaria a redução do impacto da epidemia.
O art. 11, III prevê como ato de improbidade administrativa a
revelação de fato ou circunstância que deva permanecer em segredo e de que se tenha
conhecimento em razão das atribuições. Pune-se a violação do dever de lealdade para
com a Administração Pública.
Sabe-se que na Administração Pública prevalece o princípio da
publicidade ou máxima transparência 71, segundo o qual à Administração deve agir sem
nada ocultar, traduzindo-se na comunicação transparente à sociedade dos atos, contratos
e procedimentos administrativos.
No entanto, existem situações em que a divulgação prévia pode
eliminar a viabilidade de medidas justificáveis, com prejuízo do interesse público. Com
efeito a divulgação de fato que deve permanecer em segredo porque a sua revelação
pode prejudicar ou pôr em perigo a realização dos fins perseguidos pelo Estado,
constitui ato de improbidade administrativa 72.
_____________
68
FAZZIO Júnior, Waldo. Improbidade Administrativa e Crimes de Prefeito. São Paulo: Atlas 2000, p.
177.
69
VIGLIAR, José Marcelo Menezes, Obra Citada, pág. 427
70
MARTINS, Junior Wallace Paiva. (cfr. Probidade Administrativa. São Paulo: Saraiva, 2001, p.82-830
71
FREITAS, Juarez, O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais. São Paulo:
Malheiros, 1999, p. 70
72
Segundo dispõe o art. 5º, XXXIII da Constituição Federal, “todos tem o direito a receber dos órgãos
públicos informações do seu interesse particular, de interesse coletivo em geral, que serão prestadas no
prazo de lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado (grifo nosso).
72
Para incidência deste dispositivo, é preciso que o agente público tome
conhecimento do fato que deva permanecer em segredo, em virtude do exercício da
função inerente ao cargo que ocupa. Assim a conduta do agente que revela fato sigiloso
que teve conhecimento ao folhear documentos na mesa de um colega, não se amolda a
esta hipótese legal 73, podendo, no entanto, caracterizar a violação de princípios com
fundamento no caput do art. 11.
A revelação para caracterizar a improbidade administrativa deve ser
direta, ou seja, o próprio agente público revela o fato sigiloso a terceiro, bastando a
comunicação a uma só pessoa.
Com efeito, pratica ato de improbidade administrativa prevista neste
inciso, por exemplo, o prefeito que revela relação de imóveis que estão sujeitos à
desapropriação ou que divulga, precipitadamente, a eclosão de doença epidêmica, sem
efetiva comprovação desta circunstância 74. Da mesma forma, comete esta espécie de ato
de improbidade, o agente público que, nomeado para elaborar as provas de concurso
público, quebra o sigilo de tais provas, entregando as questões e respostas para
determinado candidato.
Refere-se o art. 11, IV a negativa de publicidade aos atos oficiais.
Diante da importância atribuída à necessidade de transparência na
Administração Pública, foi conferida expressão constitucional ao princípio da
publicidade, no sistema jurídico brasileiro.
Os Chefes dos Executivo que descumprem o art. 162 da Carta
Constitucional 75 poderão ser enquadrados no art. 11, IV, da mesma forma aqueles que
deixarem de publicar relatório resumido da execução orçamentária, até trinta dias após
o encerramento de cada bimestre 76
Dispondo sobre a publicidade de atos, programas, obras, serviços e
campanhas da Administração Pública, a Constituição Federal determina que esta deverá
ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, vedada a promoção pessoal
de autoridades ou servidores púbicos, através de nomes, símbolos ou imagens 77.
A propagação de atos, programas, serviços, obras e campanhas é uma
forma de publicidade especial, através da qual se pretende oferecer ao público uma
explicação do objeto veiculado 78. Deve-se estar bem atento a esta prorrogativa
constitucional, muitas vezes utilizada para atender a interesses privados de agentes que
buscam promoção pessoal. Assim, o prefeito que insere sua foto em panfletos de obras
sociais ou em propagandas no município veiculadas em televisão, viola os
princípios
______________
73
PRADO, Luis Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 4, 2001, p.
483
74
75
FAZZIO Júnior, Waldo. Improbidade Administrativa e Crimes de Prefeito. São Paulo. Atlas: 2000, p. 187
“Art. 162 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios divulgarão, até o último dia do mês
subsequente ao da arrecadação, os montantes de cada um dos tributos arrecadados, os recursos recebidos,
os valores de origem tributária entregues e a entregar e a expressão numérica dos critérios de rateio”
76
Art. 165, § 3º da Constituição Federal
ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, vedada a promoção pessoal
de autoridades ou servidores públicos, através de nomes, símbolos ou imagens
77
Art. 37, § 1º da Constituição
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes.Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo
Horizonte: Del Rey, 1994, p. 244.
78
73
administrativos constitucionais da legalidade, impessoalidade e moralidade, estando tal
conduta enquadrada no art. 9º, XII, da lei de improbidade79
Segundo o art. 11, V constitui ato de improbidade administrativa
frustrar a licitude de concursos público.
O dispositivo legal cuida da hipótese em que ocorre a frustração da
licitude do concurso público, ou seja, a norma legal tem por escopo preservar a
legalidade, legitimidade e moralidade do concurso público. Desta forma, exige-se a
observância dos princípios regentes da atividade estatal no decorrer de todo o
procedimento de seleção dos candidatos. Assim, constitui ato de improbidade por
frustração da licitude do concurso público a injustificável imposição de cláusula
incompatível com o cargo que se quer preencher, a existência de vínculo de parentesco
entre o examinador e o candidato, a abertura de concurso público para fins eleitoreiros,
quando inexiste necessidade para o serviço. Tais situações não se confundem coma
inobservância da regra do concurso público que, também, caracteriza a improbidade
administrativa, com fundamento no caput do art. 11, por violação aos princípios da
legalidade, moralidade e impessoalidade 80.
Art. 169 da Constituição Federal estabelece que a despesa com
pessoal ativo e inativo da União, Estados, Distrito Federal e dos Municípios não poderá
ultrapassar os limites estabelecidos em lei complementar. Estes limites foram fixados
pelos artigos 19 e 20 da Lei Complementar 101/2000 81.
O art. 11, VI reporta-se a violação do dever de prestar contas 82.
A obrigatoriedade de prestar contas está prevista no art. 70, parágrafo
único da Constituição Federal, aplicado a toda pessoa física ou jurídica, pública ou
privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores
públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações
de natureza pecuniária.
A obrigatoriedade de prestar contas está prevista no art. 70, parágrafo
único da Constituição Federal, aplicado a toda pessoa física ou jurídica, pública ou
privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores
públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações
de natureza pecuniária.
________________
79
Este também é o posicionamento exposto por Carlos Frederico Brito dos santos, uma vez que o agente
público se aproveita da publicidade oficial, custeada pelo erário para tirar proveito pessoal ilegal,
deixando de pagar de seu bolso pela autopromoção (CF. Improbidade Administrativa - Reflexões sobre a
Lei n.º 8.429/92. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 62)
80
Segundo SANTOS, Carlos Frederico Brito dos,. a contratação sem concurso público poderá ser
também enquadrada no art. 10 caput da Lei de Improbidade, uma vez provado que as contratações foram
desnecessárias ou houver superestimação remuneratória ( Cf. Improbidade Administração - Reflexões
sobre a Lei n.º 8.429/92. Rio de Janeiro: Forense, 2002. P. 57)
81
O art. 167 da Constituição proíbe o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária
anual. A Lei 8.666 impede a contratação sem previsão de recursos orçamentários que assegurem o
pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços ao serem executados no exercício financeiro
em curso. A Lei Complementar 101/2000 registra que a lei orçamentária não consignará dotação de
investimento com duração superior a um exercício financeiro que não esteja previsto no plano plurianual
ou em lei que autorize a sua inclusão, consoante o disposto no § 1º do art. 167 citado.
82
Decisões jurisprudenciais vem reconhecendo a pratica desta espécie de ato administrativo. Ap. Cível nº
71163930TJ/RS, Quarta Câmara Cível, Rel. Des. Vasco Della Giustina, julgamento em 13/09/2000.
74
Caracteriza a improbidade administrativa do art. 11, VI não somente a
omissão do dever de prestar contas, mas também a prestação de contas realizada fora do
prazo legal.
Vigliar 83 destaca dois exemplos que aparecem no referido dispositivo:
a omissão na prestação de contas, quando o agente público encontre-se obrigado a tanto
(inciso VI) e a omissão na realização de publicidade dos atos oficiais (inciso IV).
Acrescenta, que o agente público da área de saúde que vier a realizar atos que se
subsumam a uma ou mais dessas categorias, obviamente realizará ato punível a partir da
Lei 8.429/92, suportando as sanções previstas no seu art. 12.
Constitui ato de improbidade administrativa por violação aos
princípios administrativos, previsto no art. 11, VII, revelar ou permitir que cheque ao
conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política
ou econômica capaz de afetar o preço da mercadoria, bem ou serviço. Trata-se de
violação ao princípio da impessoalidade e, via de consequência, à moralidade
administrativa.
Já vimos que no artigo 11, III, que a Lei de Improbidade reprime a
conduta consistente na revelação de segredo funcional, seja qual for o seu teor,
independentemente dos motivos da revelação e suas consequências. O art. 11, VII, mais
específico que aquele, trata da revelação de medida política ou econômica que possa
afetar o preço de mercadorias, bens e serviços, ou seja, medidas que possam causar
impacto no mercado. Não se faz necessário que os preços sejam efetivamente afetados,
bastando, para caracterizar a conduta, a possibilidade de afetação.
O dispositivo reprime tanto a revelação direta como a indireta. No
primeiro caso, o próprio agente revela a medida a terceiro. No segundo, limita-se a
facilitar o acesso de terceiro às informações econômicas ou políticas.
Com efeito, o princípio da moralidade, poderá ser violado com a
prática de qualquer dos atos previstos no elenco meramente enunciativo constante
dos incisos do art. 11 da Lei 8.429/92, o que exigirá a análise casuística das situações
submetidas a apreciação.
15. AS SANÇÕES DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E A
NATUREZA DESSAS SANÇÕES
O art. 37 § 4.º, da Constituição, passa a considerar a necessidade de
punição de determinados atos que venham, justamente, ferir aqueles princípios
consagrados em seu caput, determinando sua punição por intermédio da suspensão de
direitos políticos, perda da função pública, e quando for o caso, indisponibilidade dos
bens e ressarcimento ao Erário. A própria Constituição Federal, os qualifica como atos
de improbidade administrativa, deixando ao legislador ordinário o encargo de classificálos e dizer da gradação e forma das punições 84.
_________________
83
VIGLIAR, José Marcelo Menezes, Obra cit. P. 427.
84
AZZAGLINI Filho Marino, Lei de Improbidade Administrativa Comentada, págs. 114
“Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos
direitos públicos, a perda da função pública, a indisponibilidade de
75
bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação prevista em
lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
Essa norma Constitucional foi regulada no art. 12 da LIA, que as
dividiu em sanções graduadas segundo a gravidade do ato de improbidade praticado e
fixas. Ademais, como as indicadas no art. 37, § 4º, da CF, não são as únicas medidas
punitivas, em numerus clausus, aplicáveis na espécie, o art. 12 da LIA, completou seu
elenco .
15.1 Sanções Graduadas:
O art. 12 da LIA instituiu três espécies de sanções graduadas: a)
suspensão dos direitos políticos; b) multa civil; c) proibição de contratar com o Poder
Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
De acordo com a classificação do ato de improbidade administrativa
objeto da persecução civil, a intensidade dessas sanções é diferenciada: maior nos atos
de improbidade que importam enriquecimento ilícito (art. 9.º da LIA), média nos atos
de improbidade administrativa que causam lesão ao Erário (art. 10º), e menor nos atos
de improbidade administrativa que atentem contra os princípios da Administração
Pública (art. 11 da LIA).
Na fixação dessas punições, entre o mínimo e o máximo, o juiz levará
em conta, nos termos do parágrafo único do art. 12, a extensão do dano causado, assim
como o proveito patrimonial obtido pelo agente público ímprobo condenado.
15.2 Sanções Fixas
O art. 12 da LIA estabeleceu três tipos de sanções aplicáveis sem
graduação: a) a perda da função pública; b) ressarcimento integral do dano; c) perda dos
bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio (cabível na hipótese do art. 9º).
15.3. Natureza Jurídica das Sanções:
A LIA atendeu ao quanto fora determinado pela Constituição Federal.
Assim, veiculou a incidência de sanções diversas, deixando claro que a realização do
ato de improbidade administrativa não excluiria a incidência de sanção de natureza
penal, caso o ato realizado também guardasse os elementos necessários para que fosse
considerado um delito. E o caput do art. 12 da LIA, enfatiza:
“Independentemente das sanções penais, civis e administrativas,
previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de
improbidade sujeito às seguintes cominações:”
As medidas punitivas arroladas na norma citada são de natureza
política, político-administrativa, administrativa e civil, conforme o pensamento de
Marino Pazzaglini Filho 85

política:
76



- suspensão dos direitos políticos;
político-adminsitrativa:
- perda da função pública;
administrativa:
- proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos
fiscais ou creditícios;
civil:
- multa civil;
- ressarcimento integral do dano;
- perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio.
Duas dessas sanções são absolutamente imprescindíveis: a perda da
função pública e a necessidade de ressarcir o erário, de forma integral, quando for o
caso. A perda da função pública, e a suspensão dos direitos políticos, é aplicada no juízo
cível, estadual ou federal, onde foi proferida a decisão que, dando pela procedência da
ação civil de improbidade administrativa, impôs essa medida sancionatória, que passa a
vigorar com seu trânsito em julgado.
Que essa sanção não incide apenas sobre a função pública exercida
pelo agente público condenado à época em que praticou o ato de improbidade
administrativa reconhecido na sentença judicial, mas sobre a função pública que ele
esteja exercendo ao tempo da condenação irrecorrível.
Além disso, se nessa ocasião, já ocorrera a aposentadoria do agente
público condenado (inativo), é facultado ao magistrado anular a aposentadoria e
decretar a perda da função pública.
Na esteira de pensamento do autor acima citado, não são aplicadas as
sanções de perda da função pública e de suspensão de direitos políticos às autoridades
que ao Senado Federal compete privativamente julgar por crime de responsabilidade, ou
seja, o Presidente da República; Vice-Presidente da República, bem como os Ministros
de Estado; Comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica (nos crimes da
mesma
natureza conexos com ele); Ministros do Supremo Tribunal Federal; Procurador-geral
da República; e Advogado-geral da União.
Vê-se, por outro lado, que não só Presidente da República, mas,
também, as demais autoridades poderão responder por ação civil de improbidade
administrativa. E, na hipótese de serem condenados, descabe a imposição das sanções
de perda da função pública e de suspensão dos direitos políticos, devendo o decreto
condenatório limitar-se às demais penas previstas na lei, posto que cabe ao Senado
Federal a aplicação das sanções político-administrativas (arts. 52, I e parágrafo único,
da CF).
________________
85
PAZZAGLINI Filho, Marino. Obra citada, pág. 116/118
Descabe, também, em decorrência de ação instaurada contra Senador,
Deputado Federal e Deputado Estadual por improbidade administrativa, a imposição, na
sentença que a julgar procedente, da medida punitiva de perda de mandato. No entanto,
não estão essas autoridades imunes à suspensão temporária de direitos políticos, o que
poderá acarretar a perda do mandato.
77
Finalmente, no tocante aos Governadores e Prefeitos, uma vez que a
Carta Magna não os incluiu nas hipóteses de perda de cargo por decisão do Senado
Federal, é aplicável a eles tanto essa medida punitiva, quanto a de suspensão dos
direitos políticos
16 O FORO PRIVILEGIADO
Os maiorais da República que nunca aceitaram a autonomia do
Ministério Público, pois ela assegura que todos os prevaricadores sejam punidos, se
empenharam para dar foro privilegiado para autoridades no exercício de função,
mandato ou para ex-ocupantes de cargos públicos, como Presidente da República,
ministros, governadores, senadores, deputados, prefeitos e magistrados.
O privilégio para julgar corruptos foi repudiado pela sociedade
brasileira inclusive, renomados juristas se manifestaram através de artigos publicados
em jornais e revistas, a respeito da inconstitucionalidade da Lei 10.628/02, a exemplo e
Hugo Nigro Mazzilli.
O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO E A LEI N. 10.628/02
A Constituição e as leis estabelecem, em diversas hipóteses, foro por
prerrogativa de função: a) em matéria penal (v. g., crimes comuns e de responsabilidade
praticados por algumas autoridades); b) em matéria civil (v. g., mandados de segurança
e de injunção). 86
Por muitos anos, o também chamado privilégio de foro em matéria
penal foi estendido por via jurisprudencial para os crimes cometidos durante o exercício
funcional, ainda que o inquérito ou a ação penal viessem a ser iniciados após a cessação
daquele exercício: essa foi a orientação do Supremo Tribunal Federal (STF), por meio
de sua Súmula n. 394, editada em 1964.
Basicamente, dois foram os argumentos que levaram à edição da
Súmula n. 394, ambos supostamente voltados para melhor proteção do exercício da
função pública: a) o julgamento dos mais altos tribunais seria mais imparcial ou isento
do que o dos juízes de primeiro grau; b) a prorrogação da competência dos tribunais
superiores, mesmo depois de cessado o exercício funcional, não deixava de ser uma
maneira de proteger o próprio exercício da função pública.
Façamos a análise crítica do primeiro argumento.
Na ocasião da edição da Súmula n. 394, prevaleceu o entendimento de
que, nas palavras do Min. Vítor Nunes Leal, a competência por prerrogativa de função
________________
86
MAZZILLI, Hugo Nigro. O Foro por Prerrogativa de Função e a Lei n. 10628/02. São Paulo:
Complexo Jurídico Damásio de Jesus, jan. 2003.
realmente devia ser instituída não no interesse pessoal do ocupante do cargo, mas no
interesse público do seu bom exercício, isto é, do seu exercício com o alto grau de
independência que resulta da certeza de que seus atos venham a ser julgados com plenas
garantias e completa imparcialidade. Isso porque presumia o legislador que os tribunais
de maior categoria teriam mais isenção para julgar os ocupantes de determinadas
funções públicas, por sua capacidade de resistir, seja à eventual influência do próprio
78
acusado, seja às influências que atuassem contra ele. A presumida independência do
tribunal de superior hierarquia seria, pois, uma garantia bilateral, garantia contra e a
favor do acusado.
Forçoso é reconhecer, entretanto, que essa argumentação parte de uma
tese que está muito longe de ser demonstrada (de que os tribunais superiores são mais
imparciais que os juízes singulares, já que estes últimos são nomeados por concurso
público de provas e títulos, enquanto o Procurador-Geral da República e os Ministros
dos maiores tribunais são nomeados livremente pelos próprios administradores e
políticos cuja impunidade eles podem assegurar)…
Passemos à análise do segundo argumento.
Sustentou-se que a Súmula n. 394, ao menos de forma indireta,
também protegia o exercício do cargo ou do mandato, se durante ele o delito fosse
praticado e o acusado não mais os exercesse. É inegável que essa argumentação, pelo
menos durante algum tempo, pareceu relevante ao STF, pois foi ela que justificou a
manutenção da súmula durante várias décadas, mesmo com a troca de tantos ministros.
Entretanto, após o advento da Constituição de 1988, os tempos
mudaram. O regime democrático renasceu. As ações penais e de improbidade contra os
políticos e administradores, que antes eram verdadeira raridade, passaram a ser mais
comuns. Não que os administradores atuais tivessem passado a ser menos honestos do
que os de antigamente, mas é que o Ministério Público ganhou maior independência
com a Constituição de 1988 e as investigações e ações começaram a virar rotina, o que
num país democrático não deveria, aliás, causar maior perplexidade…
Assim, e por força dos novos tempos, em 1999 finalmente o STF
resolveu cancelar a Súmula n. 394, por entender que o art. 102, I, b, da CF – que
estabelece a competência dessa Corte para processar e julgar originariamente, nas
infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do
Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República – não
alcança aquelas pessoas que não mais exerçam mandato ou cargo.
Em suma, ao revogar sua Súmula n. 394, o STF corretamente passou a
entender que “a prerrogativa de foro visa a garantir o exercício do cargo ou do mandato,
e não a proteger quem o exerce. Menos ainda quem deixa de exercê-lo. Também pesou
o fato de que a prerrogativa de foro perante a Corte Suprema, como expressa na
Constituição brasileira, mesmo para os que se encontrem no exercício do cargo ou
mandato, não é encontradiça no Direito Constitucional comparado. Menos, ainda, para
ex-exercentes de cargos ou mandatos. Ademais, as prerrogativas de foro, pelo
privilégio, que, de certa forma, conferem, não devem ser interpretadas ampliativamente,
numa Constituição que pretende tratar igualmente os cidadãos comuns, como são,
também, os ex-exercentes de tais cargos ou mandatos”.
Revogada a Súmula n. 394, o Presidente da República, os
parlamentares se sentiram como na história do rei que fica nu… Antes protegidos por
uma regra de foro por prerrogativa de função, que concentrava o poder de investigá-los
e processá-los nas mãos do Procurador-Geral da República e dos altos tribunais (cujos
integrantes são nomeados pelo Presidente da República e aprovados pelo Senado,
podendo o Procurador-Geral ser reconduzido indefinidamente), de uma hora para outra
essas autoridades passaram a tornar-se, de forma inédita, meros cidadãos comuns… Que
acinte!
79
O foro especial por prerrogativa de função deixaria de existir, só
porque tinham deixado de existir as funções…
Então, por que não buscar por novas vias jurisprudenciais ou até por
alteração legislativa aquilo que o STF lhes tinha dado por meio da Súmula n. 394, e
depois, infelizmente, negado, quando revogada a referida súmula?
Nessa linha, duas providências foram seguidas pelos interessados em
beneficiar-se com o foro por prerrogativa de função: a) apresentaram reclamação ao
STF, pedindo reconhecesse que as ações de improbidade, fundadas na Lei n. 8.429/92,
envolviam autêntico crime de responsabilidade, sendo, assim, de competência originária
dos tribunais pertinentes; b) apresentaram proposta de alteração legislativa para ampliar
o foro por prerrogativa de função (mudanças na redação do art. 84 do Código de
Processo Penal).
O primeiro caminho foi cursado por meio da Recl n. 2.138-6-DF,
apresentada ao STF (caso do Min. Ronaldo Sardenberg, ainda não julgado, mas que, no
momento presente, já conta com 5 votos favoráveis ao foro por prerrogativa de função
nas ações da Lei n. 8.429/92).
A esse propósito, já anotamos que, de fato, nada impede que as ações
cíveis de improbidade sejam propostas perante qualquer juiz singular, contra quaisquer
autoridades, salvo se envolverem pedido de perda de cargo ou função pública, ou se
envolverem pedido de suspensão de direitos políticos, pois nestes casos as autoridades
que têm forma própria de investidura e destituição só podem ser assim sancionadas pelo
procedimento instituído na própria Constituição, como é o caso do impeachment, e
então o foro originário será mesmo o mais alto.
O segundo caminho (alteração legislativa do art. 84 do CPP) foi
urdido com a urgência própria de fim de mandato, com o objetivo de que o foro por
prerrogativa de função ficasse assegurado aos exercentes de funções públicas, mesmo
depois de cessada a investidura… E, num assomo de criatividade, os parlamentares
ainda acrescentaram, et pour cause, que o foro por prerrogativa de função (e agora, a
novidade esdrúxula do foro por prerrogativa de ex-função) se estenderia não só à
matéria criminal, mas até para quaisquer infrações cíveis previstas na lei de
improbidade administrativa (Lei n. 8.429/92).
Com isso, foi editada, e sancionada no dia de se trocarem presentes de
Natal, a Lei n. 10.628, de 24 de dezembro de 2002, publicada no DOU de 26.12.2002.
Por força dela, assim ficou redigido o art. 84 do CPP:
“Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo
Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e
Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que
devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.
§ 1.º. A competência especial por prerrogativa de função, relativa a
atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam
iniciados após a cessação do exercício da função pública.
§ 2.º. A ação de improbidade, de que trata a Lei n. 8.429, de 2 de
junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar
criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão
do exercício de função pública, observado o disposto no § 1.º.”
80
Não obstante o advento da Lei n. 10.628/02, resta dizer que, em
matéria de ação civil pública ou coletiva, assim como também já ocorre no tocante às
ações populares, a competência originária para conhecê-las e julgá-las (ressalvada
apenas a hipótese de pedido para perda do cargo ou suspensão de direitos políticos) não
é dos tribunais e sim dos juízes singulares mesmo quando movidas contra o Presidente
da República, Presidente do Senado, da Câmara, do STF, ministros, deputados,
senadores, governadores, procuradores-gerais, desembargadores ou qualquer outra
autoridade que goze de foro por prerrogativa de função na área penal ou em mandado de
segurança. Assim, como já decidiu a maior Corte, “a competência do STF é de direito
estrito e decorre da Constituição, que a restringe aos casos enumerados no art. 102 e
incisos. A circunstância de o Presidente da República estar sujeito à jurisdição da Corte,
para os feitos criminais e mandados de segurança, não desloca para esta o exercício da
competência originária em relação às demais ações propostas contra ato da referida
autoridade”. Com efeito, as ações civis públicas ou coletivas, que tenham como rés
autoridades com foro por prerrogativa de função na área penal ou em mandados de
segurança, correrão perante o juiz singular comum, com competência cível, e não
perante os tribunais. Teve toda a razão, pois, o STF, ao proclamar que lhe falece
competência para julgar ações civis públicas contra autoridades a ele diretamente
submetidas no foro penal .
Segundo cremos, esse posicionamento não deve mudar, mesmo com o
advento da Lei n. 10.628/02, ressalvada apenas a competência originária dos tribunais
para as ações de improbidade que visem à perda da função pública ou suspensão de
direitos políticos, caso em que somente os tribunais a quem caiba julgar crimes de
responsabilidade podem impor essas sanções.
Em suma, a Lei n. 10.628/02 é apenas mais uma atitude própria da
cultura de privilégios que infelizmente tem sido freqüente em nosso país, pois os
administradores e parlamentares não se conformam em ser processados, mesmo na área
cível e ainda que depois de terem deixado os cargos, perante os mesmo juízes que
julgam os demais brasileiros. Em suma, quiseram o administrador e os parlamentares
repristinar a Súmula n. 394-STF, aliás, com tardança revogada, a qual permitia que o
foro penal por prerrogativa de função continuasse a existir… mesmo que não mais
existisse função alguma… E quiseram ainda mais, ou seja, estabelecer agora também
foro cível por prerrogativa de função, ainda que também não exista função alguma…
A Lei n. 10.628/02, porém, descurou estes óbices: a) a competência do
STF e do STJ é definida tão-somente pela própria Constituição, de forma que é
inconstitucional ampliar a competência dessas Cortes por meio de mera alteração ao
CPP; b) o foro por prerrogativa de função existe para resguardar o exercício da função,
não para resguardar a pessoa em si, fora do exercício da função, o que é
inequivocamente o objeto da referida alteração legislativa; c) se houve razões pelas
quais a Lei Maior assegurou foro por prerrogativa de função para alguns exercentes de
cargo público, essas mesmas razões deixam de existir quando cesse o exercício da
função; assim, em vista da violação ao princípio da igualdade, é também por isso
inconstitucional prever foro por prerrogativa de função para quem não tem função
pública…
Em nosso entender, estas são as conclusões a extrair de tudo quanto se
disse até aqui:
a) nas ações de improbidade fundadas na Lei n. 8.429/92, em que o
pedido envolva perda da função pública ou suspensão de direitos políticos, se a
81
autoridade requerida estiver entre aquelas para as quais haja forma própria de
investidura e destituição prevista na Constituição, o foro será o da ação por crime de
responsabilidade ;
b) para as ações de improbidade fundadas na Lei n. 8.429/92, em que
o pedido envolva apenas e tão-somente a defesa do erário, a competência em primeiro
grau de jurisdição será de juizes singulares, da mesma forma que já ocorre com as ações
populares com o mesmo objeto;
c) nas ações penais ou civis públicas, em que haja foro por
prerrogativa de função, uma vez cessado o exercício desta, não prevalece o foro do STF
ou do STJ, apesar do que vem disposto na Lei n. 10.628/02, pois não pode uma lei
ordinária ampliar a competência constitucional dessas Cortes.
Essa questão pende de julgamento do STF na Recl n. 2.138-6-DF.
JURISPRUDÊNCIA - FORO PRIVILEGIADO
A Lei n. 10.628, de 24 de dezembro de 2002, publicada no Diário
Oficial de 26.12, alterou o caput do art. 84 do Código de Processo Penal e acrescentoulhe dois parágrafos. O § 1.º revigora a prorrogação do foro especial após a cessação do
exercício da função pública, que havia sido extinta pelo Colendo Supremo Tribunal
Federal, ao revogar o enunciado da Súmula 394. O § 2.º, por sua vez, tem a seguinte
redação: "A ação de improbidade, de que trata a Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992,
será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o
funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de
função pública, observado o disposto no § 1o."
Tal dispositivo padece, data venia, de evidente inconstitucionalidade,
e por mais de um fundamento.
Em primeiro lugar, a Constituição deixa bem claro, no art. 37, § 4o.,
que a ação de improbidade administrativa não tem natureza penal, o que foi reconhecido
pela melhor doutrina (FABIO KONDER COMPARATO, "Ação de Improbidade: Lei
8.429/92. Competência do Juízo de primeiro grau." - Boletim dos Procuradores da
República, n. 9, 1999; WALLACE PAIVA MARTINS JR., "Probidade
Administrativa", Saraiva, 2001, pp. 298-299 e 318-321; FÁBIO MEDINA OSÓRIO,
"Improbidade Administrativa", pp. 145-151; MARINO PAZZAGLINI, MARCIO
ELIAS ROSA e WALDO FAZZIO JR., "Improbidade Administrativa", Atlas, 1996, p.
122; FRANCISCO DE ALMEIDA PRADO, "Improbidade Administrativa", Malheiros,
2001, p. 20). Assim também foi proclamado pelo Superior Tribunal de Justiça:
"Improbidade administrativa. (...) 3. Conquanto caiba ao STJ
processar, nos crimes comuns e de responsabilidade, os membros do
TRT (Constituição, art. 105, I, 'a'), não lhe compete, porém
explicitamente, processá-los e julgá-los por atos de improbidade
administrativa. Implicitamente, sequer, admite-se tal conseqüência,
porquanto, aqui, trata-se de ação civil, em virtude de investigação de
natureza civil. Competência, portanto, do juiz de primeiro grau." (STJ,
Reclamação 591-SP, rel. Min. Nilson Naves, j. 1.12.99, m.v.).
JOSÉ GUILHERME GIACOMUZZI informa que a Assembléia
Nacional Constituinte rejeitou emenda que, pretendendo alterar o § 4.º, do art. 37 da
Constituição, tratava os atos de improbidade administrativa como "crimes
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inafiançáveis". O ato de improbidade é ilícito civil, e será punido na forma da lei, "sem
prejuízo da ação penal". O mesmo autor salienta que as conseqüências dessa distinção
são "enormes", inclusive quanto à adoção do rito processual, que será o civil, "com
todas as conseqüências de prazo, formas de oitiva de partes, testemunhas, colheita de
provas, elaboração de perícia, intervenção de terceiros etc. - , impossibilitando a
decretação de prisões cautelares e refletindo-se, ao final de tudo, na forma de aplicação
da sanção jurídica" ("A Moralidade Administrativa e a Boa-fé da Administração
Pública", Malheiros, 2002, pp. 291-293). Não pode o legislador ordinário, portanto,
violando o espírito e a letra do que foi decidido pelo constituinte, equiparar atos de
improbidade administrativa a crimes comuns, chegando ao ponto de disciplinar a
competência para ações de improbidade no Código de Processo Penal!
Igualmente grave é o alargamento de competência de tribunais por meio de simples lei
ordinária.
"A competência do STF é de direito estrito e decorre da
Constituição, que a restringe aos casos enumerados no
art. 102 e incisos. A circunstância de o Presidente da
República estar sujeito à jurisdição da Corte, para os
feitos criminais e mandados de segurança, não desloca
para esta o exercício da competência originária em
relação às demais ações propostas contra ato da referida
autoridade" (STF, Pleno, RTJ 159/28, rel. Min. Ilmar
Galvão).
O mesmo raciocínio vale para os demais Tribunais
Superiores (com a única exceção do TST - CF, art. 111,
§ 3o., o que obviamente não interfere no raciocínio aqui
exposto, dada a absoluta especificidade da jurisdição
trabalhista). Nesse contexto, o STF julgou
inconstitucional artigo do Código Eleitoral (lei
ordinária) que pretendia atribuir competência ao TSE
para conhecer de mandado de segurança contra ato do
Presidente da República, em matéria eleitoral (RTJ
109/909).
Também os Tribunais Regionais Federais (e bem assim
os próprios juizes federais) têm prevista na
Constituição, de forma taxativa, a sua competência, que
"somente pode ser ampliada ou reduzida por emenda
constitucional, contra ela não prevalecendo dispositivo
legal hierarquicamente inferior" (RSTJ 92/157).
Quanto aos Tribunais de Justiça, é também expressa a
Constituição Federal, ao estatuir que sua competência
"será definida na Constituição do Estado" (art. 125, §
1o.). Não pode esta ser ampliada pelo legislador
ordinário. Tanto é assim que o STF considerou
revogados os dispositivos da Lei Orgânica da
Magistratura que dispunham sobre competência dos
tribunais estaduais (HC 77.583-1-PR, rel. Min.
Sepúlveda Pertence, DJU 18.9.98, p.7).
Um terceiro e importante aspecto cabe ressaltar. É da
sistemática e da tradição de nosso direito que as
hipóteses de foro privilegiado somente podem ser
disciplinadas na Constituição Federal ou, quando muito,
nas Constituições Estaduais (STF, RTJ 152/548), não
comportando ampliação por norma de estatura inferior.
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Bem sintetiza ALEXANDRE DE MORAES:
"A Constituição Federal de 1988 não incluiu o julgamento das ações
por ato de improbidade administrativa na esfera de atribuições jurisdicionais originárias
do STF, STJ, TRF ou quaisquer outros tribunais "(...) a Constituição Federal,
consagrando o princípio do Juiz Natural (art. 5.º, incisos XXXVII e LIII), não permite
alterações de foro por conveniências ou analogias políticas. O legislador constituinte foi
claro ao direcionar os foros especiais em função da dignidade da função somente para o
processo penal - bastando, por exemplo, a leitura do art. 102, I, a -; excluindo-se,
portanto, de forma peremptória o processo e julgamento das ações civis por ato de
improbidade administrativa originariamente nos Tribunais" ("Constituição do Brasil
Interpretada", p. 2645; v. tb. nota ao art. 102, p. 1379).
A matéria foi bem analisada pelo eminente Ministro CELSO DE
MELLO, ao relatar o Agravo Regimental na Reclamação 1110-1-DF (DJU 07-12-1999,
p.58):
- O Supremo Tribunal Federal - mesmo tratando-se de pessoas ou
autoridades que dispõem, em razão do ofício, de prerrogativa de foro, nos casos estritos
de crimes comuns - não tem competência originária para processar e julgar ações civis
públicas que contra elas possam ser ajuizadas. Precedentes.
A competência originária do Supremo Tribunal Federal, por qualificar-se como um
complexo de atribuições jurisdicionais de extração essencialmente constitucional - e
ante o regime de direito estrito a que se acha submetida - não comporta a possibilidade
de ser estendida a situações que extravasem os rígidos limites fixados, em numerus
clausus, pelo rol exaustivo inscrito no art. 102, I, da Constituição da República.
Precedentes.
(....)
Com efeito, não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que a competência
originária do Supremo Tribunal Federal, por qualificar-se como um complexo de
atribuições jurisdicionais de extração essencialmente constitucional - e ante o regime de
direito estrito a que se acha submetida - não comporta a possibilidade de ser estendida a
situações que extravasem os rígidos limites fixados, em numerus clausus, pelo rol
exaustivo inscrito no art. 102, I, da Carta Política, consoante adverte a doutrina
(MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, "Comentários à Constituição Brasileira
de 1988", vol. 2/217, 1992, Saraiva) e proclama a jurisprudência desta própria Corte
(RTJ 43/129 - RTJ 44/563 - RTJ 50/72 - RTJ 53/776):
"A COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - CUJOS
FUNDAMENTOS REPOUSAM NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA SUBMETE-SE A REGIME DE DIREITO ESTRITO.
(...)
O regime de direito estrito, a que se submete a definição dessa competência
institucional, tem levado o Supremo Tribunal Federal, por efeito da taxatividade do rol
constante da Carta Política, a afastar, do âmbito de suas atribuições jurisdicionais
originárias, o processo e o julgamento de causas de natureza civil que não se acham
inscritas no texto constitucional (ações populares, ações civis públicas, ações cautelares,
ações ordinárias, ações declaratórias e medidas cautelares), mesmo que instauradas
contra o Presidente da República ou contra qualquer das autoridades, que, em matéria
penal (CF, art. 102, I, b e c), dispõem de prerrogativa de foro perante a Corte Suprema
ou que, em sede de mandado de segurança, estão sujeitas à jurisdição imediata do
Tribunal (CF, art. 102, I, d). Precedentes."
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(Pet 1.738-MG (AgRg), Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, em sucessivas decisões, firmou
entendimento jurisprudencial no sentido de que não possui competência originária para
processar e julgar determinadas causas - tais como ações populares (RTJ 121/17, Rel.
Min. MOREIRA ALVES - RTJ 141/344, Rel. Min. CELSO DE MELLO - Pet 352-DF,
Rel. Min. SYDNEY SANCHES - Pet 431-SP, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - Pet
487-DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - Pet 1.641-DF, Rel. Min. CELSO DE
MELLO), ações civis públicas (RTJ 159/28, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - Pet 240DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA) ou ações cautelares, ações ordinárias, ações
declaratórias e medidas cautelares (RTJ 94/471, Rel. Min. DJACI FALCÃO - Pet 240DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA) - não obstante promovidas contra o Presidente da
República, ou contra o Presidente da Câmara dos Deputados, ou, ainda, contra qualquer
dos agentes políticos ou autoridades, que, em matéria penal (CF, art. 102, I, b e c),
dispõem de prerrogativa de foro perante esta Corte ou que, em sede de mandado de
segurança, estão sujeitos à jurisdição imediata deste Tribunal.
Essa orientação jurisprudencial reflete-se na opinião de autorizados doutrinadores
(ALEXANDRE DE MORAES, "Direito Constitucional", p. 180, item n. 7.8, 6ª ed.,
1999, Atlas; RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, "Ação Popular", p. 129/130,
1994, RT; HELY LOPES MEIRELLES, "Mandado de Segurança, Ação Civil Pública,
Mandado de Injunção, 'Habeas Data'", p. 122, 19ª ed., atualizada por Arnoldo Wald,
1998, Malheiros; HUGO NIGRO MAZZILLI, "O Inquérito Civil", p. 83/84, 1999,
Saraiva; MARCELO FIGUEIREDO, "Probidade Administrativa", p. 91, 3ª ed., 1998,
Malheiros, v.g.), cujo magistério também assinala não se incluir, na esfera de
competência originária do Supremo Tribunal Federal, o poder de processar e julgar
causas de natureza civil não referidas no texto da Constituição, ainda que promovidas
contra agentes estatais a quem se outorgou, ratione muneris, prerrogativa de foro em
sede de persecução penal, ou ajuizadas contra autoridades públicas, que, em sede de
mandado de segurança, estão sujeitas à jurisdição imediata do Supremo Tribunal
Federal.
A ratio subjacente a esse entendimento, que acentua o caráter absolutamente estrito da
competência constitucional do Supremo Tribunal Federal, vincula-se à necessidade de
inibir indevidas ampliações descaracterizadoras da esfera de atribuições institucionais
desta Suprema Corte, conforme ressaltou, a propósito do tema em questão, em voto
vencedor, o saudoso Ministro ADALÍCIO NOGUEIRA (RTJ 39/56-59, 57).
Na verdade, inexistindo - como ocorre no presente caso - qualquer indicação de ato
suscetível de definir, para os fins a que se refere a Constituição, e dentro dos limites por
esta taxativamente previstos, a competência originária da Suprema Corte, torna-se
inviável pretender que se instaure, perante o Supremo Tribunal Federal, inquérito civil
destinado a aparelhar futuro ajuizamento de ação civil pública, ainda quando referente a
membros do Congresso Nacional ou, até mesmo, ao próprio Presidente da República
(RTJ 94/471, Rel. Min. DJACI FALCÃO - Pet 240-DF (AgRg), Rel. Min. NÉRI DA
SILVEIRA, v.g.)."
Por todos os ângulos de análise, a conclusão a que se chega é
cristalina: a instituição de foro privilegiado não pode ser feita por lei ordinária.
CONCLUSÃO
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Ao concluir este trabalho, observo que a Lei 8.429/92, é um poderoso
instrumento de que dispõe concorrentemente a pessoa jurídica interessada e o
Ministério Público para o combate a atos de improbidade administrativa e garantir a
saúde como um direito, na dimensão de um dever do Estado, na dimensão de um dever
do Administrador/Gestor de Saúde em respeitar os princípios da administração pública,
e por via de conseqüência, os princípios do Sistema Único de Saúde - SUS
É fato que, a Carta Política de 1988, incumbiu ao Ministério Público a
tutela constitucional da saúde. Contudo, a reconhecida competência federal aplicável às
causas de interesse do Sistema Único de Saúde, como antes visto, bem como o número
limitado de membros do Ministério Público federal, constitui-se, em dois grandes
óbices ao Programa de Aperfeiçoamento e Fortalecimento ao Controle Social do
Sistema Único de Saúde.
Sabemos que em cada município brasileiro existe um Promotor de
Justiça integrante do Ministério Público estadual, que a todo momento é instado a
manifestar-se a respeito de corrupção administrativa, desvio de recursos públicos e
abuso do poder econômico, praticadas pelo Gestor de Saúde. Contudo, dependendo da
causuística, o órgão ministerial vê-se impedido de atuar, em razão da competência
federal.
Registre-se que, em alguns Estados da federação, a atuação do
Ministério Público estadual nas causas de interesse do SUS, é restrita à fase
investigatória, a título de cooperação com o Ministério Público federal, através de
convênios, permeada com algumas questões administrativas envolvendo o Conselho de
Saúde municipal principalmente, cabendo, àquele, o desencadeamento da ação civil por
ato de improbidade administrativa.
Presentemente, a competência federal atribuída às causas de interesse
do SUS, impõe um novo posicionamento por parte da mais Alta Corte de Justiça do
país, no sentido de reconhecer legitimidade concorrente ao Ministério Público estadual
para o combate aos atos de improbidade administrativa praticado pelo
Administrador/Gestor de Saúde, levando em conta não só a competência concorrente
das três esferas para a atividade de cuidar da saúde e assistência pública, bem como a
proximidade deste Órgão com os Gestores e Conselhos de Saúde, sob pena de se
decretar a falência total do Sistema Unido de Saúde, atribuída a agentes públicos
desonestos.
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Com relação à instituição do foro privilegiado, pensamos como Dalmo
de Abreu Dallari 87 é um privilégio antidemocrático. A Constituição brasileira define o
Brasil como Estado Democrático de Direito. Essa definição tem muitas consequências
práticas, em grande parte já refletidas no corpo da própria Constituição, quando fixa
regras para situações concretas, mas deve estar sempre na lembrança de todos,
especialmente dos membros do Legislativo e do Judiciário quando elaboram leis ou
cuidam de sua aplicação. Uma dessa consequências é a afirmação da igualdade como
princípio fundamental, não se admitindo a existência de cidadãos de primeira e de
segunda classe, não havendo lugar para privilégios legislativos ou judiciários em favor
de algumas pessoas. Todos são iguais perante a lei, a lei é igual para todos, todos são
juridicamente responsáveis por seus atos e todos tem o mesmo direito de defesa e as
mesmas garantias, consagrados na Constituição. A afirmação desses princípios,
abolindo aos privilégios da nobreza, foi uma grande conquista da humanidade e é uma
das características do Estado Democrático de Direito.
Obviamente, que o que se pretende com a criação desta lei é um
privilégio para cidadãos comuns, uma “prerrogativa de ex-funcionários”, criando-se
uma cidadania de primeira classe. Além de ser ilógico e injusto o estabelecimento desse
privilégio só pelo fato de que alguém exerceu uma função pública, a lei já é
inconstitucional, porque a Constituição estabelece expressamente a competência dos
tribunais superiores e só por meio de emenda constitucional isso poderá ser modificado.
Assim, por exemplo, no artigo 102 está disposto que o Supremo Tribunal Federal é
competente para julgar o Presidente da República e os Ministros de Estado nas
infrações penais comuns, não se falando em ex-Presidente e ex-Ministro. Uma lei e não
uma emenda constitucional alterando esse dispositivo é claramente inconstitucional e
deve ser rejeitado.
A par dessa evidente inconstitucionalidade, o privilegio que se quer
conceder a certas pessoas, pelo fato de terem exercido funções públicas, contraria
também o artigo 5.º da Constituição, onde se estabelece que “todos são iguais perante a
lei”, o que é coerente com o Estado Democrático de Direito. Nem se diga que o fato de
ter exercido uma função pública importante justifica o privilégio porque o exercício da
função acarreta inimigos e aquele que passa à condição de cidadão comum ficaria muito
vulnerável. Basta ver que todos os que exerceram a presidência da República no Brasil
e que ainda estão vivos tem atividades absolutamente normais e intensas e nunca se
ouviu de nenhum deles uma queixa por não ter foro privilegiado.
A implantação de um absurdo na ordem jurídica brasileira seria o
restabelecimento de um privilégio da nobreza, incompatível com os princípios
democráticos e com uma Constituição democrática. É da essência da democracia a
igualdade de direitos e deveres dos cidadãos. No Brasil de hoje todos os que tiverem
exercido função pública e que forem chamados a se defender de acusações numa ação
judicial tem assegurada a plenitude do direito de defesa, como também tem a garantia
de que serão julgados por um juiz independente e imparcial. Deste 1889, com a
proclamação da República, foram abolidos no Brasil os privilégios da nobreza e
nenhuma razão respeitável justifica sua restauração, que seria inconstitucional, imoral e
injusta”.
Vimos que inobstante a lei instituidora do SUS - Lei 8.080/90 – tenha
trazido em seu bojo as diretrizes de um sistema único de saúde satisfatório para as
necessidades da população brasileira, onde estão inseridos princípios de grande
alcance
87
_________________
87
DALLARI, Dalmo de Abreu. Privilégios Antidemocráticos. Pub. originalmente no Correio Brasilienze.
Edição nº 1, Revista CONAMP, 2002.
social, como o da “universalidade e integralidade”, não raro, os gestores municipais
manipulam o dinheiro da saúde de maneira irresponsável e criminosa, com real e sério
prejuízo aos munícipes, que ficam privados dos mais elementares atendimentos de
saúde pública.
É fato que, a saúde pública deve ser sustentada por recursos da União,
dos Estados e dos Municípios, depositados obrigatoriamente, na conta bancária do
Fundo Municipal de Saúde, isto no âmbito de cada município, cujos recursos devem ser
aplicados, exclusivamente, no serviço de saúde, com acompanhamento da comunidade,
através de seus representantes, no Conselho Municipal de Saúde. Mas, por falta de
consciência política dos gestores municipais e dos conselheiros, que ainda não
assimilaram o princípio democrático da participação popular na política municipal de
saúde, na prática, a excelência da teoria legal não se realiza, e o prefeito municipal,
criminosamente, lança mão do dinheiro da saúde para outros fins, deixando os seus
municípios em total desassistência.
Um outro fator muito contribui para a não participação popular no
controle das aplicações dos recursos da saúde nos municípios, é, sem dúvida, a
dependência política, econômica, administrativa e financeira, existente entre os
Conselheiros e os Prefeitos Municipais, embora a composição do Conselho seja
paritária. Na verdade, direta ou indiretamente, em municípios onde o maior empregador
é o Governo Municipal, existe essa relação de dependência do cidadão comum ao
Prefeito do Município.
Por essa razão, entendemos que nas Comarcas do Interior, o Promotor
de Justiça, às vezes, se constitui no único e último órgão de defesa da cidadania ao
direito à saúde pública, ora fiscalizando e controlando a aplicação dos recursos dos SUS
pelos gestores municipais, e ora defendendo a participação dos Conselheiros Municipais
de Saúde, na gestão de saúde pública de seu município, principalmente quando a
Câmara Municipal, por questões de natureza político-partidária é omissa também nesse
controle e nessa fiscalização.
É necessário por outro lado, buscar propostas para efetivar o controle
social no SUS:
 Capacitação dos conselheiros.
 Formação de conselhos locais.
 Simplificação da linguagem utilizada nas reuniões dos conselhos,
evitando-se o uso de siglas como PPA, PPI, NOAS etc.
 Criar cargo eletivo para presidente do conselho
 Fornecimento de material de legislação em saúde aos conselheiros
para uso constante na sua atuação.
 Conscientização imediata de futuros conselheiros quanto ao seu
papel.
 Indicação do Gerente do Fundo Municipal de Saúde pelo conselho.
 Abertura de rubrica no Fundo Municipal de Saúde para as
atividades do Conselho Municipal de Saúde.
88
 Garantia de liberação do conselheiro de seu trabalho para participar
do Conselho de Saúde de preferência no horário comercial, para
que sua participação não seja tão cansativa.
 Programa de pauta da reunião com antecedência e divulgação
prévia para os conselheiros.
 Criação de homepage dos conselhos de saúde
 Reivindicação de espaço adequado e definido para as reuniões.
Conselhos fortes 88 e eficientes significam um controle social eficaz e
capaz de, por seus próprios esforços, fazer cumprir a lei e a constituição. Nos espaços
de controle social a cidadania ganha mais corpo e consciência da dimensão do seu papel
histórico de fazer verdade todos os sonhos sociais inscritos no texto da constituição.
A cidadania da saúde progride quando descobre que além do direito à
saúde existe o direito à participação nos foros de controle social do sistema único de
saúde. Esse direito significa que os cidadãos podem e devem, entre outras
competências, controlar a formulação das políticas; avaliar a adequação dessas políticas
e nelas influir; fiscalizar a ações de execução; zelar pelos recursos públicos; apreciar as
prestações e demonstrações de cumprimento das metas pelos gestores; e, quando o caso,
acionarem as instâncias reguladoras e sancionatórias.
Além da participação nos foros de controle social no SUS, o Conselho
Municipal de Saúde pode traçar estratégias para racionalizar, humanizar e implementar
a qualidade das condições de atenção à saúde, podendo ser citados como:
1. Melhor organização dos serviços ambulatoriais e hospitalares, com
capacitação dos recursos humanos, para atenção mais humanizada,
materiais e medicamentos básicos;
2. Organização da referência e contra-referência entre os serviços de
saúde dos diversos níveis, priorizando:
a) Central de Vagas para o parto, no município ou na microregião;
b) Casa de Apoio da Gestante, destinado às gestantes de alto risco ou
que moram distantes da maternidade, para que no último mês de
gestação possam aguardar tranquilas o momento do parto, além de
aprenderem mais sobre os cuidados coma família, as crianças e
consigo mesmas;
c) Incentivo ao Programa Parto Seguro, para a melhoria da qualidade
da atenção ao parto e das crianças recém-nascidas;
d) Implementação do Programa Hospital Amigo da Criança, para
incentivo ao aleitamento materno, humanização e melhoria técnica
na atenção às crianças que necessitam do internamento hospitalar;
e) Disponibilidade de medicamentos básicos, com sistema de controle
de estoque informatizado e em rede, para evitar que faltem nos
ambulatórios e hospitais/maternidades públicos e conveniados;
_________________
88
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MEDEIROS, Humberto Jaques www.conselho.saude.gov.br
89
f) A articulação inter-setorial na área de saneamento ambiental,
priorizando a disponibilidade de água potável, de áreas de lazer, de
esgoto, arborização, bem como a alfabetização de jovens e adultos,
de ensino da saúde nas escolas, a educação para o trabalho e outros
que influem drasticamente no nível de vida e de saúde da
população, especialmente a mais pobre.
Na tarefa de exigir respeito à Lei 8.080 e 8.142, o ministério público é
um entusiasta do exercício pleno das competências dos conselhos de saúde. O
Ministério Público, para o sistema de saúde, é um potencializador do controle social e
um reforço da cidadania É nesses foros que a cidadania ganha voz para influir nos
rumos da administração do Estado.
Esse fenômeno faz com que, presentemente, os poderes dos
governantes, dos empresários, dos proprietários, dos fornecedores de bens, dos pais, dos
governos estrangeiros, das instituições e de quem quer que detenha qualquer parcela de
poder sejam objeto de processos sociais, formais e informais, de controle. A
redemocratização no Brasil passou pela aquisição da consciência de que todo aquele
que possui algum poder deve aproximar-se dos destinatários de suas decisões, deve
ouvi-los e legitimar-se com eles, vez que não possui liberdade plena e irrestrita quanto
ao conteúdo de suas decisões.
A cidadania da saúde começa na descoberta de que as ações e serviços
de saúde não são um favor ou ato de caridade, mas sim um direito constitucionalmente
exigível e para cujas ações todos colaboram por intermédio de tributos denominados
contribuições sociais.
Em outras palavras, à saúde é um direito de todos, e assim está
expresso em nossa Carta Política, e como tal, incumbe ao Ministério Público a defesa
desse direito no âmbito de sua competência “ratione materiae e ratione locci”, Por isso,
entendemos que o Promotor de Justiça não deve ficar tímido para agir na defesa desse
direito da comunidade, instaurando procedimentos administrativos, inquéritos civis,
ações civis públicas, não só para responsabilizar os maus gestores municipais, por
desvio de verba da saúde, nos termos da Lei de Improbidade Administrativa, como
também para compeli-los, através da tutela específica, a ampliaram as verbas da saúde,
exclusivamente, nos serviços de saúde pública municipal, com depósito obrigatório, na
conta bancária do Fundo Municipal de Saúde, especificamente aberta para a
movimentação da receita e despesa da saúde pública do município, bem como a
respeitar a participação da comunidade, através do Conselho municipal de Saúde na
política de planejamento, análise, avaliação, acompanhamento, fiscalização e controle
interno do uso e aplicação adequada dos recursos da saúde, bem como, opinar sobre
qualquer projeto público ou privado que implique na política de saúde do município,
toda vez que chegar ao seu conhecimento quaisquer irregularidades no âmbito da saúde
pública municipal, pois agindo assim, o Promotor de Justiça, longe estará de imiscuir-se
em assuntos de outras instituições fiscalizadoras, como a Câmara municipal e Tribunais
de Contas.
O que quer se evitar é um ministério público extremamente atuante, e
uma cidadania ausente, inoperante e dependente. Cidadãos devidamente organizados
não dependem do ministério público para a plena defesa dos seus direitos. O ministério
público é um parceiro da sociedade, não o seu intérprete, o seu tutor.
90
Esses pequenos exemplos prestam-se a reafirmar que os direitos
existem porque se encontram escritos em normas, porque há remédios jurídicos para sua
exigência e porque a cidadania os conhece, os afirma, e os exige.
Há, porém, uma distância que separa o funcionamento do sistema
único de saúde e a punição dos faltosos. As mais fortes sanções judiciárias - ação
criminal e ação de improbidade - passam inegavelmente pela iniciativa do ministério
público.
Porém, muito mais produtivo que gastar toda a energia na punição dos
fraudadores é investir na instalação do sistema preconizado na constituição e nas leis
orgânicas da saúde, cujo modelo é muito menos suscetível de atentados ao patrimônio
público por conta da proximidade e visibilidade com a cidadania.
A questão passa pelo desafio da construção de uma nova cidadania.
Não apenas a que sabe ter direito à saúde e o direito a participação no conselho do
sistema de saúde; mas também a cidadania que descobre que possui um dever de cuidar
de sua própria saúde e o dever de agir conseqüente e responsavelmente dentro das
instâncias de controle social.
A sociedade brasileira começa a se conscientizar que possui direito
público subjetivo a uma administração respaldada na lei, honesta, transparente,
impessoal, eficiente, ou seja, subordinada a todos os princípios consagrados no Direito
Administrativo. Não mais se aceitam, no âmbito da Administração Pública, atuações
inquestionáveis.
91
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Saúde Pública e Improbidade Administrativa. Curso
de Especialização em Direito Sanitário para membros do Ministério Público e da
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de Estudos em Saúde Pública da UnB/CEAM.
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GARCIA Emerson e Rogério Pacheco Alves. Improbidade Administrativa. Rio de
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