Universidade de Brasília Faculdade de Direito Curso de Especialização à distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final de Curso SAÚDE PÚBLICA OS REFLEXOS DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NA SAÚDE PÚBLICA CELIA OLIVEIRA BOAVENTURA Tutor: Mariana Carvalho de Cerqueira Diretor da Faculdade de Direito: Prof. José Geraldo de Souza Júnior Coordenadora de Pós-Graduação: Profa. Loussia Musse Felix Coordenadores do Curso: Prof. José Geraldo de Sousa Júnior e Prof. Márcio Iorio Aranha Consultora de Saúde: Dra. Conceição Aparecida Pereira Rezende Consultor Jurídico: Prof. Sebastião Botto de Barros Tojal Consultora de Ensino a Distância: Profa. Maria de Fátima Guerra de Souza Consultora de Metodologia e Monografia Final de Curso: Profa. Loussia Musse Felix Brasília, 17 de fevereiro de 2003 2 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................... 04 1. RELAÇÃO ENTRE SAÚDE PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA PROBIDADE ADMINISTRATIVA . 06 1.1 Proteção Jurídica da Saúde Pública Contra a Prática de Improbidade Administrativa06 ................. 06 2. ESTRUTURA LEGAL DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: AS COMPETÊNCIAS DAS TRÊS ESFERAS DE GOVERNO ................................................................................................................... 08 2.1 A Competência da União ................................................................................................................. 08 2.1.1. Competência Privativa ..................................................................................................... 09 2.1.2 Competência Comum........................................................................................................ 09 2.1.3 Competência Concorrente ................................................................................................. 09 2.1.4 Outras Diretivas: Promoção do Bem-Estar ....................................................................... 10 3. PRINCÍPIO DA SEGURIDADE SOCIAL ............................................................................................ 10 3.1 O Controle Social ............................................................................................................................ 12 3.1.1. Conselho de Saúde ........................................................................................................... 13 3.1.2. Dificuldade de Atuação do Conselho .............................................................................. 15 3.1.3. Os Instrumentos de Gestão do Sistema Único de Saúde ................................................. 16 3.1.4. Fiscalização, Controle e Avaliação .................................................................................. 20 4. CRIAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE ................................................................................... 21 4.1 Princípios de Atenção à Saúde ........................................................................................................ 22 4.1.1 A Saúde como Direito....................................................................................................... 22 4.1.2 A Unicidade do Sistema de Saúde .................................................................................... 23 4.1.3 A Universalidade .............................................................................................................. 23 4.1.4 A Integralidade de Assistência.......................................................................................... 23 4.1.5 A Igualdade ................................................................................................................. 24 4.1.6 A Preservação da Autonomia ........................................................................................... 24 4.1.7 O Direito à Informação ..................................................................................................... 24 4.1.8 A Descentralização ........................................................................................................... 25 4.1.9 A Regionalização e a Hierarquização ............................................................................... 25 4.1.10 A Resolubilidade............................................................................................................. 25 4.1.11 A humanização do Atendimento ..................................................................................... 26 4.1.12 A Intersetorialidade......................................................................................................... 26 4.1.13 A Participação da Comunidade ....................................................................................... 26 4.2 São Princípios de Gestão do SUS: .................................................................................................. 27 4.2.1 A Descentralização com Direção Única ........................................................................... 27 4.2.2 A Regionalização .............................................................................................................. 27 4.2.3 O Financiamento Solidário ............................................................................................... 27 4.2.4 A Aplicação Mínima de Recursos .................................................................................... 27 5. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA VINCULAÇÃO DOS RECURSOS PARA A SAÚDE ....... 27 5.1 Resolução 316 de 04 de abril de 2000 ............................................................................................ 27 5.2 Financiamento .................................................................................................................................. 34 6. SISTEMA DE SAÚDE ABERTO À INICIATIVA PRIVADA NO ASPECTO COMPLEMENTAR . 36 7. A AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE COMPLEMENTAR – ANS .................................................. 36 8. ATRIBUIÇÕES DO SUS ....................................................................................................................... 36 9. O SUS E A COMPETÊNCIA FEDERAL ............................................................................................. 37 10. RELEVÂNCIA PÚBLICA DAS AÇÕES REFERENTES AO DIREITO À SAÚDE ........................ 39 10.1 O Papel Reservado ao Ministério Público na Defesa da Cidadania e da Probidade Administrativa 10.2. O Ministério Público e a Política Pública Social de Saúde .......................................................... 44 3 11. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ............................................................................................... 49 11.1 Conceito ........................................................................................................................................ 50 12. A IMPROBIDADE NAS TRÊS ESFERAS DE PODER..................................................................... 51 12.1 Improbidade Legislativa................................................................................................................ 52 12.2 Improbidade Judicial .................................................................................................................... 52 13. OS SUJEITOS DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ............................................................... 53 13.1 Hospitais particulares conveniados ao SUS .................................................................................. 53 14. HIPÓTESES QUE PODEM CARACTERIZAR A REALIZAÇÃO DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ............................................................................................................................ 55 14.1 Os atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito ............................ 55 14.2. Os atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário ....................................... 61 14.3. Os atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública ........................................................................................................................................ 67 15. SANÇÕES DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ................................................ 73 15.1. Sanções Graduadas ...................................................................................................................... 74 15.2. Sanções Fixas ............................................................................................................................... 74 15.3. Natureza Jurídica dessas Sanções ................................................................................................ 74 16. O FORO PRIVILEGIADO - INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 10.628/02 ............................. 76 17.1 Jurisprudência ............................................................................................................................ 80 CONCLUSÕES.................................................................................................................................. 84 4 INTRODUCÃO A questão acerca da moralidade e improbidade, no âmbito administrativo, vem sendo bastante discutida nos últimos tempos. Isto porque há, hoje em dia, uma maior preocupação em salientar e fazer cumprir certas determinações constitucionais, não somente porque a lei o exige, mas também porque o comportamento social está começando a exigir as atitudes tomadas por aqueles que ocupam e exercem uma função eminentemente pública sejam morais, na acepção popular da palavra, para que não recaia sobre eles as sanções impostas pela Lei 8.429/92, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa. Neste norte, objetiva este trabalho sintonizar as questões oriundas dos atos de improbidade administrativa com a figura do Administrador/Gestor de Saúde, objetivando demonstrar que esse segmento poderá ser punido com base na Lei 8.429/92, criada que foi pelo legislador ordinário, para viabilizar o comando constitucional previsto no art. 37 § 4º, na hipótese de vir a praticar alguma ação ou omissão que afronte o princípio da probidade administrativa. Ressalte-se, ainda, que o próprio cidadão está munido de garantias constitucionais, afim de preservar a correta conduta dos administradores frente ao erário público. A Constituição Federal de 1988, consagrou o princípio que concebe a saúde como direito e qualificou o direito à saúde incluindo-o no conjunto dos Direitos Sociais Neste contexto, o papel e as responsabilidades do Estado com relação à Saúde Pública, estão expressos na Carta Política, e em especial na legislação que instituiu o Sistema Único de Saúde. A Constituição Federal de 1988 estabelece que a “saúde é direito de todos e dever do Estado” cujas ações e serviços de saúde declara de relevância pública. A Lei Orgânica da Saúde adotou o princípio da universalidade de acesso. Atualmente não hesitamos em afirmar, que a saúde é um direito humano e que, como os demais direitos humanos, exige o envolvimento do Estado, ora para preservar os direitos fundamentais, principalmente por meio da eficiente atuação do Poder Judiciário, ora para eliminar progressivamente as desigualdades, especialmente planejando e implementando políticas públicas. Trata-se, então, da reivindicação do direito á saúde. Contudo, a saúde não tem apenas o aspecto individual, e, portanto, não basta que sejam colocados à disposição das pessoas todos os meios para a promoção, proteção e recuperação da saúde para que o Estado responda satisfatoriamente à obrigação de garantir a saúde do povo. Hoje os Estados são, em sua maioria, forçados por disposição constitucional a proteger a saúde contra todos os perigos. Até mesmo contra a irresponsabilidade de seus próprios cidadãos. A saúde “publica” tem um caráter coletivo Com efeito, o Estado contemporâneo controla o comportamento dos indivíduos no intuito de impedir-lhes qualquer ação nociva à saúde de todo o povo. E o faz por meio de leis. É a própria sociedade, por decorrência lógica, que define quais são esses comportamentos nocivos e determina que eles sejam evitados, que seja punido o infrator e qual a pena que deve ser-lhe aplicada. Tal atividade social é expressa em leis 5 que a administração pública deve cumprir e fazer cumprir. São também, textos, legais que orientam a ação do Estado para a realização do desenvolvimento sócio-econômico e cultural. Assim, à Administração cumpre um papel bem mais complexo que o simples desempenho eficaz da prevenção de doenças físicas. A saúde pública representa um verdadeiro problema a ser enfrentado pelo gestor da coisa pública. Isto significa, para a administração pública, a responsabilidade de elaborar programas operacionais que garantam que a atenção à saúde de toda a população habitante na área de abrangência de sua competência esteja assegurada, conforme suas atribuições constitucionais e legais. Para a população, significa a possibilidade de exigir, individual e coletivamente, a consecução desse direito junto ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, sempre que ele for negado. Impõe-se, portanto, que a administração pública adote instrumentos técnicos de planejamento, de tal modo que seja realizado um diagnóstico situacional e apresentadas propostas concretas de solução dos problemas existentes em cada comunidade. O planejamento é uma obrigação de cada administrador/gestor público. O Gestor de Saúde, tem função importantíssima, dentre o conjunto de gestores que compõem os governos (da União, dos Estados e dos Municípios), porque detém informações privilegiadas sobre as condições de vida e saúde da população. Por isto, tem a obrigação de divulgá-las e discuti-las com o conjunto da administração pública. Deve influenciar os Governos na implementação de políticas que melhorem os indicadores básicos de qualidade de vida e da saúde das pessoas, com prioridade. Porém, se não devemos reduzir os problemas da Administração à gestão da saúde pública, há que se reconhecer a sua crescente importância e exigir do Administrador o mínimo, que seria o respeito aos ditames constitucionais e legais da disciplina da saúde, pois, os reflexos de uma má administração refletirão na saúde da população. É possível operar um bom acompanhamento do Sistema Nacional de Saúde e de seus subsistemas Estaduais e Municipais, a partir da verificação do respeito, pelos governantes, dos princípios e diretrizes do SUS, estabelecidos na Constituição brasileira e na Lei Orgânica da Saúde. A participação da população, por meio dos Conselhos de Saúde, permite sua intervenção na gestão da saúde: é o controle social. Desta forma, os próprios cidadãos podem discutir e direcionar os serviços públicos para atender os seus interesses. É tarefa dos Conselhos de Saúde exigir a sua elaboração, opinar sobre as propostas e aprovar o Plano Municipal de Saúde. Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinados às ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União para a mesma finalidade, serão aplicados por meio de Fundo de Saúde e será acompanhado e fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do disposto no artigo 74 do ADCT. Quando os Promotores de Justiça acompanham o funcionamento do sistema de saúde, fica fácil identificar as falhas para exigir a correção de rumos, antes da população ser obrigada a exigir, na Justiça, os seus direitos individuais sobre o acesso aos serviços de saúde. 1. RELAÇÃO ENTRE SAÚDE PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA PROBIDADE ADMINISTRATIVA 6 O assunto foi objeto de pesquisa realizada por José Marcelo Menezes Vigliar1, Promotor de Justiça do Estado de São Paulo, a partir de estudos acadêmicos variados sobre a Saúde Pública no Brasil, complementada com a obra de Carlos Bertolli Filho, estudioso de problemas médico-sanitários, partindo de sua disciplina constitucional e subconstitucional, para em seguida abordar a responsabilidade dos agentes públicos que a administram, considerando a sua importância para o legislador, visando demonstrar a estreita ligação entre a atividade da administração e os problemas de saúde pública. O autor se socorre da idéia de Carlos Bertolli Filho para dar uma abordagem ao tema sob um enfoque político, bem como se vale do conceito oficial de saúde, conforme a Organização Mundial de Saúde “a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental, social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”, enfatizando que, a saúde não depende exclusivamente do funcionamento físico do corpo. Antes, a saúde do indivíduo engloba aspectos mais extensos de que a idéia primária de que ela constitua apenas a momentânea ausência de uma doença. Da definição oficial de saúde, conforme a OMS, há de se concluir não existir saúde, v.g., na ausência do trato dos rios, que recebem grandiosa carga de esgoto doméstico e resíduos industriais sem tratamento; na ausência de um correto tratamento de água que abastecerá as residências; onde não se verifiquem as condições mínimas para que se desfrute de uma saúde social e mental, além daquela mais destacada que é a saúde física. Mais que isso: não haverá saúde, onde a Administração local não proporcione aos indivíduos a existência da oferta de empregos e salários suficientes para a moradia, a alimentação, a assistência médica e o lazer. (cfr. Saúde - Coleção Temas Transversais. São Paulo: Ícone, 2000, p. 27) A questão da saúde do indivíduo está intimamente relacionada à questão ambiental. Não podemos separar o indivíduo, a pessoa, do ambiente em que vive, do qual é parte integrante. Não podemos separar, portanto, a saúde do indivíduo da saúde do ambiente. Assim, saúde e ambiente compõem um todo constituído de elementos indissociáveis, na complexa vida do Planeta. O modelo de desenvolvimento em curso na nossa sociedade vem demonstrando cabalmente, ao longo do tempo, que tem se agravado o quadro geral da qualidade de vida de milhões de pessoas, reaparecendo inclusive, doenças que há tempos estavam praticamente controladas e ou reduzidas a números mínimos, como a cólera, a dengue, a hanseníase, etc. Isto demonstra que a saúde do indivíduo não é consequência apenas do seu estilo de vida pessoal quanto aos chamados hábitos saudáveis, mas sim quanto ao seu modo de vida, ou seja, das condições gerais do modelo de desenvolvimento econômico e social adotados no país. 1.1. Proteção Jurídica da Saúde Pública Contra a Prática de Atos de Improbidade Administrativa ________________ 1 VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Saúde Pública e Improbidade Administrativa. Curso de Especialização em Direito Sanitário para membros do Ministério Público e da Magistratura Federal, UnB. Núcleo de Estudos em Saúde Pública da UnB/CEAM, p. 421/424. A partir da peculiar forma de tutela constitucional da saúde, adiante destacada, o legislador infraconstitucional complementou essa tutela, reforçando - na 7 maioria das vezes - aspectos que tratam das formas de preservar a saúde pública de atividades que venham afrontá-la. A caracterização da saúde como direito fundamental ocorre pela primeira vez na historia constitucional brasileira. A saúde consta como um dos direitos sociais reconhecidos no art. 6.º, quando dispõe que são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, etc., sendo de comentar brevemente que a Emenda n.º 26/2000 introduziu o direito a moradia antes não expressamente referido. Notese, então, que na ordem de precedência, a saúde é mencionada logo após a educação. Mesmo que não fosse expressamente previsto como direito social, a saúde é, sem dúvida, um direito fundamental, pois intimamente vinculada ao direito à vida (art. 5º) e princípio fundamental, pois integra o conceito de “dignidade humana”, princípio fundante da República (art. 1.º, III, CF/88). A dignidade da pessoa humana é elevada como o valor “saúde”. O § 1º. do art. 5º. inscreve como sendo de aplicação imediata as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais e, por sua vez, o art. 60, § 4.º, IV, da Constituição Federal de 1988, proíbe emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais, não havendo, como visto, dificuldade maior para sustentar o direito à saúde como um direito fundamental, além de ser reconhecido expressamente como direito social. Conotilho2 admite que sejam direitos subjetivos, mesmo sem a criação das condições materiais para a sua fruição. Barroso3 defende uma interpretação progressiva na linha de Robert Alexy, dizendo que representam “mandados de otimização que devem ser densificados”, o seu cumprimento poderia ser negado temporariamente em virtude de impossibilidade material comprovável. Em sendo um direito de todos, “a saúde” se apresenta como um direito difuso, metaindividual e cujos titulares são indetermináveis. A saúde, na sua dimensão de direito social, vê-se incluída no valor do salário mínimo (art. 7.º, IV) que o constituinte imaginou como suficiente para, além de outras, atender também às necessidades vitais atinentes à saúde. Garantiu, também, a Constituição Federal de 1988, no art. 7.º, XXII, a redução dos agravos à saúde por ocasião do trabalho, bem como assegurou que o exercício de atividades laborativas em locais insalutíferos fossem remunerados com um adicional (art. 7.º, XXIII). Em função da proteção da saúde, restam proibidos o trabalho de menores em período noturno, atividades perigosas e insalubres por se entender que os menores mais sentiriam os prejuízos à saúde decorrentes de atividades em ambientes e situações de risco (art. 7.º, XXXIII, CF/88) Com maior importância que os demais dispositivos mencionados até aqui, Vigliar ressalta a importância dos artigos 196 e 200 da Constituição Federal que coroam a disciplina constitucional do tema, deixando claro que a saúde é um direito de todos e, ainda, um dever do Estado, que a garantirá mediante políticas sociais e econômicas, não só para a redução do risco de doenças, como promovendo o acesso universal e igualitário a serviços que possibilitem a proteção e a recuperação de portadores de doenças. 4 Em especial, para a abordagem que a nossa Carta Política dá ao art. 197, quando dispõe que “são de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ________________ 2 CANOTILHO, José J. Gomes.A Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Coimbra, 1882. 3 4 BARROSO,Luis Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas, 3ª ed. Renovar, p.60 VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Obra Citada, p. 421/424. 8 ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre a sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também por pessoa física ou jurídica de direito privado”. Nesse aspecto, o autor destaca alguns aspectos: a) o art. 197, ao tratar da fiscalização e controle das ações e serviços de saúde, deixa muito claro, que não somente as atitudes comissivas serão punidas, caso contrariem a importância que a Constituição empresta às ações e serviços de saúde; também as omissões do Poder Público merecem o mesmo rigor, seja para fiscalizar o desempenho de quem venha realizando as referidas ações e/ou serviços de saúde (o Estado diretamente, ou por terceiros, mesmo que pessoa física ou jurídica de direito privado), seja para controlá-la e viabilizá-la na forma desejada pela Constituição, que reconheceu esta obrigação que é do Estado; b) cabe ao Poder Público executar as ações e serviços, caso não possa, eventualmente, contar com a participação de terceiros, o que equivale a afirmar que as ações de saúde serão realizadas e os serviços mantidos, por integrarem o rol dos direitos dos cidadãos; c) finalmente, mas com uma importância extrema, que refletirá em vários outros aspectos jurídicos, como v.g., a justificativa da fiscalização conjunta pelo Ministério Público das ações e serviços de saúde, o reconhecimento de que tais ações e serviços são de relevância pública. Apenas para exemplificar, somente a omissão do poder público em relação aos serviços que deveriam ser prestados e não são, ou os que são prestados de forma absolutamente irregular e/ou deficitária, levaria a uma aproximação entre a disciplina legal de combate aos atos de improbidade administrativa, mas principalmente aqueles bem mais evidentes em que se logra constatar o desvio de finalidade dos serviços de saúde, o desvio de recursos para a área de saúde e os gastos ilegais envolvendo não só as hipóteses de malversação dos recursos públicos, como a sua aplicação em outras atividades, sem a observância da vinculação que a Constituição deseja. Sustenta o citado autor, que a aproximação entre os temas restará ainda mais evidente, se considerarmos que o art. 37 da Constituição afirma de forma clara, que a Administração deve agir de forma a obedecer e preservar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Assim, o Estado ou terceiro não prestarão qualquer serviço ou ação de saúde, considerando que se trata de uma obrigação do Estado, que não se desenvolvam de forma a garantir os princípios acima mencionados, mediante a sua estrita observância. Ao concluir a pesquisa referente ao estreitamento entre os temas saúde pública e o princípio da probidade administrativa, Vigliar verificou que, v. g., a gestão de recursos públicos para a saúde pública, o cumprimento de normas voltadas a disciplinar o funcionamento de programas de saúde pública, a necessidade de se ofertar, na forma legislada, o competente e eficaz serviço público de saúde, a não omissão das políticas públicas em relação a epidemias e outros eventos que colocam a população em risco, sobretudo dos programas de educação para a saúde, a necessidade de se proporcionar igualdade entre os cidadãos também no que tange a saúde que o Estado deve ofertar, são temas afetos ao campo prestigiado pela Lei 8.429/92. 2. ESTRUTURA LEGAL DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: COMPETÊNCIAS DAS TRÊS ESFERAS DE GOVERNO 2.1 Competência da União 9 2.1.1 Competência Privativa O Sistema Único de Saúde - SUS é um modelo de ação social integrada e descentralizada de matiz constitucional. Seu conceito é obtido na legislação ordinária como sendo “o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público” (Lei 8.080/90, art. 4º). A União tem inscrita na sua competência privativa (artigo 21, IX) a elaboração e execução de planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social. No social, justamente, inscreve-se a atuação em iniciativas em prol da saúde individual e coletiva. Prosseguindo, no item XVIII do mesmo artigo 21, verificamos que é da União a competência para planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, estão incluídas nesse tópico, sem dúvida, as doenças, muito embora o artigo apenas destaque com a nota da especialidade as “secas e as inundações”. No item XX, vemos que é da União a competência para instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive o saneamento básico, condição elementar para a construção da saúde pública. Novamente, com a nota no vetor da saúde, a competência federal na atividade nuclear (XXIII) na inspeção do trabalho (XXIV) e o exercício da garimpagem (XXV), atividade que muitíssimo compromete a saúde humana. Concluindo o exame deste longo artigo, vemos que apenas por lei complementar poderá ser autorizada aos Estados a expedição de legislação sobre as matérias que acima elencamos. 2.1.2 Competência comum Passando à competência comum da União, dos Estados e dos Municípios, o artigo 23, inciso II, prevê que a atividade de cuidar da saúde e assistência pública inscreve-se na competência comum. Todos os entes da Federação tem o dever de cuidar da saúde pública. No item IX, há a menção aos cuidados e à promoção de programas de saneamento básico, vetor da saúde pública. No item X, ao dizer do combate às causas da pobreza também a nota do valor saúde, pois só com condições básicas de garantia da saúde se combate a pobreza. 2.1.3 Competência concorrente A competência concorrente dispõe sobre temas de legislação que tocam aos Estados-membros, Distrito Federal e União simultaneamente, contudo em níveis diferenciados de tratamento, quais sejam aqueles que determinam a formulação de normas gerais e normas suplementares. Aos Estados-membros e Distrito Federal cabe a competência para elaboração de normas sobre as matérias elencadas no artigo 24, que será plena na inexistência de normas gerais, cuja competência para edição é da União. A título de exemplo, o artigo 24, VI, da Constituição Federal de 1988 abre a possibilidade de legislar sobre o controle da poluição ambiental e este aspecto tem decisiva importância para a saúde da população. 2.1.4 Outras diretivas: Promoção do bem-estar 10 Prosseguindo-se no romaneio da Carta Política em busca de linhas mestras definidoras deste direito e também deste dever em relação à saúde, passamos a o artigo 193 da Constituição Federal de 1988, onde vemos que a ordem social tem como base o trabalho e como objetivo o bem-estar. Ora, aí novamente podemos identificar o valor saúde. O bem-estar, em última ratio, é a ausência de mal-estar, ausência de agravos ao corpo e à mente. 3. PRINCÍPIOS DA SEGURIDADE SOCIAL A ordem constitucional brasileira, instituída em 1988, inova, ao definir a saúde como dever do Estado e direito de todos e ao dar tratamento sistemático à matéria, situando-o no âmbito da Seguridade Social e definindo os objetivos e critérios que a norteiam. A Constituição conceitua Seguridade Social como o conjunto de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (art. 194). O dever de organizar a seguridade social é do Poder Público, com base em vários objetivos definidos na própria Constituição, dentre os quais os que visam garantir o pleno exercício do direito à saúde: a universalidade da cobertura e do atendimento; a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; a seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; a irredutibilidade do valor dos benefícios; a equidade na forma de participação no custeio; a diversidade da base de financiamento; e o caráter democrático da gestão administrativa, com a participação da comunidade, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregados, empresários e aposentados. Estes são os princípios gerais. A análise detalhada de cada objetivo revela a estrutura concebida para a saúde (art. 196). A Constituição institui o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento (art. 194, Parágrafo único - I), para determinar a dimensão do dever estatal, de sorte a compreender o atendimento a brasileiros e a estrangeiros que estejam no país, aos nascituros e aos nascidos, crianças, jovens e velhos5 Acrescenta, como essencial, que o acesso às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde deve ser universal e igualitário, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e outros agravos (art. 196). A universalidade da cobertura é dever sem par, pois significa que o atendimento deve ser integral e, segundo a Constituição, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais, sempre que necessário. Assim, as ações e serviços de saúde devem ser concebidas tanto para propiciar cobertura e atendimento universais como para ensejar acesso universal e igualitário a toda a população. A universalidade constitucional compreende, portanto, a _________________ 5 DODGE, Raquel Elias Ferreira. www.crm.org.br 11 cobertura, o atendimento e o acesso ao Sistema Único de Saúde - SUS, a expressar que o Estado tem o dever de prestar atendimento nos grandes centros urbanos, nos pequenos e também para as populações isoladas, os ribeirinhos, os indígenas, as minorias, os prisioneiros, os excluídos sociais. Com efeito, a uniformidade e equivalência dos serviços às populações urbanas e rurais é o segundo objetivo elencado pela Constituição para implementação pelo Sistema Único de Saúde. É outra expressão do princípio constitucional da igualdade, na acepção específica a ser compreendida pelas ações e serviços de saúde. O princípio constitucional da equidade na forma de participação no custeio do Sistema Único de Saúde enseja a contribuição justa, a permitir o acesso de todos e a garantir a universalidade da cobertura e do atendimento. Este princípio é complementado por regras constitucionais específicas, que cuidam de regulamentar o financiamento do Sistema Único de Saúde, ao determinar que “a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta ou indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: dos empregadores, incidente sobre a folha dos salários, o faturamento e o lucro; dos trabalhadores; sobre a receita de concursos de prognósticos”; além de outras fontes instituídas por lei (art. 195, incisos I a III e § 4º). A norma é reforçada por outra, da própria Constituição, pela qual “o Sistema Único de Saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes” (art. 198 - Parágrafo único). Logo, para que não faltassem recursos indispensáveis à realização do comando constitucional de universalidade da cobertura e do atendimento, a Constituição indicou as fontes e os contribuintes e convocou toda a sociedade a custear o Sistema Único de Saúde. Também obrigou não só a União, mas também os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, com receitas que lhes são inerentes e não só com as que são repassadas pela União, a contribuir com o financiamento da seguridade social, mediante dotações orçamentárias (art. 195-caput e § 1º; art. 198 - Parágrafo Único). Mais que isto, deixou claro que o financiamento do Sistema Único de Saúde não deveria ser feito apenas pelo orçamento da seguridade social, mas também pelo orçamento fiscal da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A existência de várias fontes de recursos vocacionados a financiar o Sistema Único de Saúde - como de resto de toda a seguridade social - é resultado do princípio constitucional da diversidade da base de financiamento (art. 194-V) e resultado da determinação constitucional preventiva da possibilidade da escassez de recursos que propiciassem efetividade na cobertura e no atendimento universais. O derradeiro objetivo constitucional para a seguridade social - dentro dela o SUS - é o caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados. 12 3.1 O Controle Social Até a Constituição de 1988, o principal modo da população fazer o Controle Social e influenciar nas decisões do governo, era pressão pelo voto. Esta pressão era uma das formas de assegurar a melhoria dos serviços, e que a política dos governos fosse comprometida com os interesses da maioria da população e não com outros interesses. A partir da Nova Constituição, além do voto, foram criados espaços de participação direta nas decisões dos governos, os Conselhos Nacionais, Estaduais e Municipais. Seja na área da Saúde, da Educação, da Assistência Social, dos Direito da Criança e do Adolescente ou outras áreas sociais, passou a ser possível aos cidadãos e cidadãs tomarem parte nas decisões do governo. O Controle Social pode ser feito individualmente, por qualquer pessoa através de denúncia e ações, ou por um grupo de pessoas. O Conselho é uma forma de fazer o Controle Social através de representantes de entidades e organizações da sociedade em paridade, isto é, em número igual, com representantes do governo. A Lei 8.142/90 é o diploma legislativo para regular o princípio constitucional de participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde. Assim, a referida lei, buscou concretizar nesse âmbito a democracia participativa, que consiste em uma série de mecanismos que permitem aos cidadãos participar diretamente, ou por meio de associações representativas, no processo de tomada de decisões políticas. A participação da comunidade, significa dizer, a saúde oficialmente inaugura a reforma do Estado abrindo espaço para que se cumpra o princípio constitucional de que o cidadão exerce o poder diretamente ou por pessoas eleitas por ele. A saúde oficializa isto na prática criando os conselhos de saúde e as conferências de saúde. Vale lembrar que a Carta Magna, como declarado logo no parágrafo único do art. 1º, conformou um sistema de democracia mista, no qual as instituições da democracia representativa, como eleições periódicas, livres e imparciais para os cargos públicos, são complementados pelos mecanismos da democracia participativa (Maués, 1999). Esse princípio foi especialmente desenvolvido no âmbito da Ordem Social, o que inclui as políticas de saúde. Desenvolvendo a Constituição, a Lei 8.142/90 criou dois mecanismos de participação comunitária na gestão do sistema: Conferência de Saúde e Conselho de Saúde. Nas Conferências, reúnem-se os representantes da sociedade (que são usuários do SUS), do governo, dos profissionais de saúde, dos prestadores de serviços, parlamentares e outros para “avaliar a situação da saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde” nos municípios, nos estados e no país. Foi o relatório final da 8ª Conferência Nacional de Saúde de 1986 que serviu de base para a elaboração do capítulo da saúde da nossa Constituição Federal de 1988, quando foi criado o Sistema Único de Saúde. De quatro em quatro anos deve acontecer a Conferência Nacional de Saúde, após a realização das Conferências estaduais e municipais, onde são apontados os rumos para o aperfeiçoamento do SUS. 13 Os Conselhos de Saúde são os órgãos de controle do SUS pela sociedade nos níveis municipal, estadual e federal. Eles foram criados para permitir que a população possa interferir na gestão da saúde, defendendo os interesses da coletividade para que estes sejam atendidos pelas ações governamentais. 3.1.1. Conselho de Saúde: natureza jurídica do órgão e de suas funções A instituição de Conselhos de Saúde é outra novidade no contexto jurídico do país, desde o advento da Lei n° 8.080/90, que lhes delineia o perfil de modo assistemático, mas perfeitamente de acordo com a Constituição Federal vigente. De fato, a natureza jurídica e as atribuições que lhes são próprias não estão dispostas de modo claro e coordenado entre si, de forma a permitir imediata compreensão de todas as características destas entidades. Na visão de Raquel Elias Dodge6 as principais dificuldades para o exercício das atribuições dos Conselhos de Saúde estão ligadas não só à sua própria instalação, mas ao desconhecimento da extensão e da natureza de suas atribuições, bem como das conseqüências de sua atuação, em cada caso. É preciso ter presente que desde a Constituição de 1988 a observância do princípio constitucional da legalidade é imperativo inafastável. Prevalece o entendimento de que a Constituição deve nortear a interpretação legal e de que a norma infralegal não pode inovar o ordenamento jurídico, sobretudo ao estabelecer restrições a direitos; mas apenas complementá-lo e explicá-lo. Portanto, as atribuições dos Conselhos de Saúde, para serem válidas perante a Constituição, devem estar definidas em lei e não em decretos, resoluções ou qualquer outro tipo de regulamento. Considerando-se, pois, que o "caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial dos trabalhadores, empresários e aposentados" (Constituição Federal, art.194-VII) é uma determinação constitucional para o Sistema Único de Saúde, verifica-se que o controle social por intermédio de Conselhos de Saúde, em qualquer de seus aspectos, é uma exigência lógica imprescindível. A importância do controle social também é realçada pelo fato de a Constituição considerar que as ações e serviços de saúde são de relevância pública, conforme regulamentado em lei (art. 197). Os Conselhos de Saúde são órgãos do SUS, pelo que não têm personalidade jurídica própria, nem capacidade de estar em juízo. Integram a União, o estado ou o município, a depender da esfera em que se situem. São instituições permanentes, na perspectiva de que devem ser instalados e ter atuação regular, não esporádica ou eventual. Têm função deliberativa (art. 26) quando sua atribuição for diretiva (Lei n° 8.080/90, art. 37), mas não sempre, pois a depender da matéria sua função será _________________ 14 6 DODGE, Raquel Elias Ferreira. www.crm.org.br ora consultiva ora meramente fiscalizatória (art. 33), segundo o que for determinado em lei. Tudo o que for estabelecido em legislação infra-constitucional como atribuição de Conselho de Saúde só é válido se for compatível com a lei ordinária e a Constituição. Todas estas atribuições situam-se, no entanto, no contexto do controle social que se exerce no âmbito do SUS. Os Conselhos de Saúde, no âmbito de sua respectiva esfera de atuação, atuam como órgão deliberativo sobre: - a elaboração da proposta orçamentária em cada nível de governo (Constituição Federal, art.195-§ 2° e Lei n° 8.080/90, art. 36); - a formulação de estratégias da política de saúde (Lei n° 8.080/90, art. 36; Lei n° 8.142/90, art.1º, § 2º e Decreto n° 99.438/90, art. 1º- I); - diretrizes a serem observadas na elaboração dos planos de saúde, em função das características epidemiológicas e da organização dos serviços em cada jurisdição administrativa (Lei n° 8.080/90, art. 37 e Decreto n° 99.438/90, art. 1º-II); - cronograma de transferência de recursos financeiros aos estados, Distrito Federal e municípios, consignados ao SUS (Lei n° 8.142/90, art. 1º-§ 2º e Decreto n° 99.438/90, art. 1º-III); - critérios e valores para remuneração de serviços e os parâmetros de cobertura assistencial, a serem estabelecidos pela direção nacional do SUS (Lei n° 8.080/90, art. 26 e Decreto 99.438/90, art. 1º-IV); - convocar extraordinariamente a Conferência de Saúde para avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis correspondentes (Lei n° 8.142/90, art. 1º-§ 1º); - no caso do Conselho Nacional de Saúde, ao administrar as comissões intersetoriais de âmbito nacional, integradas pelos Ministérios e órgãos competentes e por entidades representativas da sociedade civil, com a finalidade de articular políticas e programas de interesse para a saúde cuja execução envolva áreas não compreendidas no âmbito do SUS (Lei n° 8.080/90, art. 12 e Parágrafo único). Os Conselhos de Saúde atuam como órgãos consultivos: - ao assistir a autoridade local ou federal no processo de planejamento do SUS (Lei n° 8.080/90, art. 36); - ao propor critérios para a definição de padrões e parâmetros assistenciais (Decreto n° 99.438/90, art. 1º-V); - ao administrar a Comissão Nacional instituída com a finalidade de regulamentar as especializações na forma de treinamento em serviço sob supervisão (Lei n° 8.080/90, art. 30); - ao acompanhar o processo de desenvolvimento e incorporação científica e tecnológica na área de saúde, visando a observação de padrões éticos compatíveis com o desenvolvimento socio-cultural do país (Decreto n° 99.438/90, art. 1º-VII); 15 - na criação de novos cursos de ensino superior na área de saúde (Decreto n° 99.438/90, art. 1º-VIII). Os Conselhos de Saúde atuam como órgãos de fiscalização quanto à: - movimentação, em si, dos recursos financeiros do SUS no âmbito de sua respectiva atuação (Lei n° 8.080/90, art. 33); - aplicação dos critérios estabelecidos no artigo 35 da Lei n° 8.080/90, relativos à fixação de valores a serem transferidos a Estados, DF e Municípios; - execução da política de saúde da instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros. (Lei n° 8.142/90, art. 1º-§ 2º); - acompanhamento e controle da atuação do setor privado da área da saúde, credenciado mediante contrato ou convênio (Decreto n° 99.438/90, art. 1º-VI). Estas referências não esgotam as atribuições, mas são exemplificativas da sua diversidade. As conseqüências decorrentes da natureza de tais funções são diferentes. A atuação de caráter deliberativo importa, por exemplo, em que suas decisões devam ser homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera de governo, visto ser esta a autoridade com poder hierárquico sobre os demais funcionários da instituição e, portanto, quem lhes determina a execução das decisões tomadas pelo Conselho (Lei n° 8.142/90, art. 1º- § 2º). A função fiscalizadora gera para o Conselho o dever de apurar ilícitos e irregularidades e de levar tais fatos ao conhecimento da autoridade administrativa, do sistema de auditoria, do sistema de controle interno, do Tribunal de Contas ou do Ministério Público, conforme o caso, para as providências cabíveis. A função consultiva resume-se a externar a posição do Conselho quanto ao objeto da consulta, mas tem importância decorrente da legitimidade que a Constituição lhe dá, por ser órgão cuja composição deve ser representativa da comunidade. Os Conselhos não são órgãos executivos porque a direção do SUS é exercida, em cada esfera de governo, pelo Ministério da Saúde ou pela secretaria de saúde estadual ou municipal, ou órgão equivalente (Lei n° 8.080/90, art. 9º). Não são substitutos dos órgãos de controle interno ou dos Tribunais de Contas. Assim, os Conselhos de Saúde manifestam-se por meio de resoluções, quando sua atribuição for deliberativa; por meio de recomendações ou moções, quando sua função for consultiva; por meio de comunicação ou representação, quando sua função for fiscalizadora - sendo-lhes facultado solicitar informações a entidades públicas e privadas para o desempenho de qualquer destas atribuições. 3.1.2. Dificuldades de Atuação do Conselho Conselheiros não possuem informações para decidir ou deliberar sobre temas trazidos à discussão. Há aí duas questões. Uma se relaciona ao fato de que as informações vinda de âmbito governamental são retidas total ou parcialmente, 16 restringindo a atuação do conselho. A outra, ao fato de que o conselheiro não está suficientemente instrumentalizado para discutir e propor sobre as questões pertinentes à sua função. O espaço do poder dos conselhos oscila entre práticas democráticas e autocráticas, momentos deliberativos e consultivos, em que, dependendo da clareza dos participantes, há tendências que podem ser vitoriosas Tais momentos podem gerar uma tensão tal cuja imagem evocada é a de um cabo de guerra em que cada um segmento “puxa para um lado” expressando-se, assim, nossa dificuldade de lidar com as diferentes perspectivas e com o conflito, inerente às práticas participativas. De modo geral os conselheiros usuários se pronunciam pouco, delegando sua fala alguns representantes que passam a ser porta-vozes deste segmento. Uma das razões para que tal fato se perpetue é o uso de uma linguagem cifrada, utilizada principalmente pelo segmento governamental e dos profissionais de saúde, que acaba por silenciar a fala dos leigos. Há desarticulação dentro dos segmentos, principalmente dos usuários, que parecem não se organizar em torno de suas reivindicações. Considerando que possuem 50% dos votos dentro do conselho, este poder legal não se consolida, muitas vezes pela falta de discussão prévia com seus pares. Há uma ambiguidade do governo que institui a participação via conselhos mas não respeita suas deliberações, de modo que muitas vezes todo tempo perdido em discussões e deliberações torna-se improdutivo, deixando uma sensação de impotência e de esforço inútil. Existem muitas formas de manipulação presentes nas práticas dos conselhos, dentre elas a má condução das reuniões, tornando-as tão ritualísticas que não há possibilidade de mudar o rumo imposto pela presidência do conselho, na maioria das vezes o secretário de saúde. Há ainda, a manipulação pela não programação prévia de pautas para as reuniões, assim como o imediatismo para a aprovação de matérias importantes, principalmente nas questões orçamentárias. 3.1.3. Dos Instrumentos de Gestão do Sistema Único de Saúde A saúde é um bem, de interesse social e coletivo7. A sua prestação tem como sujeito ativo todos os cidadãos brasileiros e como sujeito passivo o Poder Público. Além disso, é de interesse público, secundário, a sua administração. A política de saúde compõe-se por um conjunto de ações que, embora perpetradas com grande heterogeneidade, são identificadas como práticas de saúde pública e são constituídas por uma associação simultânea de ações típicas do campo da assistência, de outras típicas do campo das intervenções ambientais, como são as atividades de vigilância em saúde, assim chamadas as ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, e, ainda, de outras típicas da gestão do sistema. _________________ 7 REZENDE Conceição Aparecida Pereira. Manual de Atuação Jurídica em Saúde Pública. 17 A Gestão do Sistema de Saúde é a atividade advinda da responsabilidade de comandar, coordenar ou dirigir um sistema de saúde municipal (Secretário Municipal de Saúde), estadual (Secretário de Estado de saúde) ou nacional (Ministro da Saúde). É da competência exclusiva do poder público. Implica o exercício das funções de formulação, coordenação, articulação, negociação, planejamento, implementação, acompanhamento, regulação, controle, avaliação, auditoria e prestação de contas. A atividade de gestão do sistema de saúde das três esferas de governo é caracterizada pelo exercício de função essencialmente pública, por ocupante de cargo público, pois trata-se de efetivo cumprimento de dever do Estado, pelo provimento de ações e serviços de interesse e relevância pública, que é o direito à saúde do cidadão. As ações e serviços, desenvolvidos por unidades de saúde estatais (municipais, estaduais e federais) ou privadas (contratadas ou conveniadas), devem estar organizadas e coordenadas num sistema de saúde, de tal modo que os gestores municipais possam assegurar às respectivas populações o acesso aos serviços e disponibilidade das ações e dos meios para a garantia do atendimento integral conforme as necessidade das pessoas e da comunidade. As relações entre os prestadores de serviços de saúde SUS, ainda que estes constituam referência de atendimento para outros municípios, devem ser dar com o gestor local do sistema respeitadas as atribuições do Conselho de Saúde e de outras instâncias do Poder Público. Para implementar-se a Gestão de um Sistema de Saúde, conforme previsto na legislação brasileira, são necessárias algumas condições políticoinstitucionais mínimas, assim como algumas condições técnico-político-administrativas por parte do gestor. São condições político-institucionais mínimas: - o entendimento do governante, assim como dos gestores de outros setores governamentais, de que a saúde não se limita às ações setoriais, exclusivas do gestor do SUS; - o entendimento de que a saúde é um direito fundamental da pessoa humana e que o grau de prioridade estabelecido para a política de saúde, deve ser assumido pelo conjunto do governo, e não somente pelo gestor do SUS; o volume de recursos destinados à política de saúde, compatível com as necessidades da população da respectiva esfera de governo, pactuado com o conjunto dos membros/órgãos do governo, aprovado pelo respectivo conselho de saúde, pactuado com os gestores das outras esferas de gestão do SUS, nas comissões intergestoras bipartites (CIB, na esfera estadual) e tripartites (CIT, na esfera federal), e nunca ser em valor inferior ao que determina a Constituição Federal; - ter os instrumentos de gestão do SUS implementados São condições técnico-político-administrativas do gestor: - ter conhecimento da realidade onde irá atuar, ser capaz de descrevê-la, analisá-la e propor soluções para os problemas localizados; - ter noções e saber utilizar métodos de planejamento; - ter capacidade de conduzir um plano de ação; 18 - ter capacidade de alocar recursos orçamentários e financeiros específicos para o setor saúde junto ao próprio governo e às outras esferas de governo; - ter capacidade para administrar a máquina pública do setor saúde; - ter capacidade de negociação com todos os atores sociais que interferem positiva ou negativamente na implementação do SUS. Das condições político-institucionais, o volume de recursos destinado à política de saúde, compatibilizado vis-a-vis com as necessidades da população da respectiva esfera de governo, é condição para a garantia da promoção da equidade da atenção à saúde durante o processo de execução orçamentária e implementação do Plano de Saúde. Quando isto não é feito e o atendimento à população é realizado exclusivamente pelo atendimento da demanda espontânea dos usuários, certamente que o sistema não estará promovendo saúde e corre-se o risco do não atendimento aos que mais necessitam. O atendimento à demanda deve estar incluído num conjunto indivisível de ações e serviços integrados num plano de promoção, proteção e recuperação da saúde de toda a comunidade. Não feito isto, corre-se o risco também de se complicar uma situação de simples resolução caso fosse resolvida ao tempo adequado. Na elaboração dos Planos Municipais de Saúde, o volume de recursos destinados ao setor, sem sempre, corresponde à realização das ações propostas. Verifica-se que, no dia-a-dia, muitas vezes, na execução financeira, prioriza-se o atendimento da demanda. Atende-se às “urgências” dos cidadãos como “emergências”, reforçando a forma de organizar as ações e serviços de saúde centradas nos procedimentos médicos mais caros, na utilização de equipamentos sofisticados e medicamentos de marca e de última geração, e nos estabelecimentos de maior complexidade (hospitais) da rede local de serviços ou do sistema de saúde. Para os órgãos de controle da administração pública, e, neste caso, para os setores responsáveis pelo controle das ações do Estado sobre a política de saúde, como o Ministério Público, o Poder Legislativo e os Conselhos de Saúde, existem alguns instrumentos de gestão que devem ser acessados e analisados com o objetivo de entender os problemas existentes, tanto na prestação dos serviços públicos de saúde, como na gestão do sistema, tais como: os Planos de Saúde; o Plano Plurianual - PPA; as Leis de Diretrizes Orçamentárias – LDO; a Lei Orçamentária Anual - LOA; os Planos de Aplicação. Os instrumentos de gestão que comprovam a efetiva execução orçamentária e a aplicação financeira dos recursos são: a Contabilidade (análise de documentos contábeis); o Sistema de Informação sobre Orçamentos Públicos em Saúde - SIOPS; Relatórios de Gestão; outros documentos de prestação de contas. Existem ainda outros instrumentos de gestão do SUS que devem ser observados: a Estrutura Gestora Única da Política de Saúde, de cada esfera de Governo, compatível com o Plano de Saúde. A estrutura gestora compreende também o quadro de pessoal necessário ao desempenho das ações e serviços; os fluxos de material e insumos; a constituição de sistemas, tais como, de produção de informação, de comunicação, a definição de protocolos de ação, entre outros. 19 Para a gestão municipal, a estrutura gestora deve compor-se por profissionais, ou equipes profissionais, ou órgãos, que funcionam de modo sistêmico e integrado, garantindo e assegurando o funcionamento do sistema. O Fundo de Saúde tem por finalidade operacionalizar a gestão dos recursos financeiros do SUS em cada esfera de governo, entendidos como todos os recursos destinados ao setor de saúde, cujo montante e utilização devem ter visibilidade pública e controle social. Seus recursos são depositados em conta bancária especial, com denominação específica. Deve contar com estrutura que garanta a autonomia de funcionamento do setor saúde com relação aos outros setores do governo e com autonomia do gestor para gerir todas os recursos disponíveis no setor. O gestor de saúde elabora a proposta orçamentária do setor, submete-a ao respectivo Conselho de Saúde e é o ordenador de despesas do Fundo de Saúde. O Plano de Saúde deve explicitar a proposta de um determinado governo para a gestão do sistema de saúde e para a organização da atenção à saúde. Deve ser apresentado, debatido, negociado e pactuado com os atores sociais que atuam diretamente no SUS (especialmente os usuários e trabalhadores do sistema de saúde Conselhos de Saúde - em sua área de atuação) e, com os gestores do SUS, das outras esferas de governo, de preferência, nas Comissões Intergestoras. O Plano de Saúde é um instrumento pelo qual o governo apresenta o seu plano de ação (anual e plurianual-quinqenal), com definição das ações e serviços (oferta, demanda e análise e cobertura das necessidades) com demarcação das prioridades, com proposta de hierarquização do sistema, com definição de metas a serem atingidas, prazos e responsáveis pela sua execução, entre outros. No planejamento das ações e serviços de saúde para uma determinada área de abrangência definido em Programação própria, devem constar as ações que serão realizadas no próprio território (no Município) e as que serão realizadas por referência (encaminhamento a outro subsistema de saúde) da mesma forma que se deve constar as ações e serviços que serão ofertados a usuários de outras áreas geográficas que buscam os serviços). A Programação Pactuada Integrada - PPI deve traduzir a responsabilidade sanitária e solidária de cada município com o acesso da população às ações e serviços de saúde pela oferta existente no nível local ou pelo encaminhamento a outros municípios, bem como o atendimento de outras áreas de influência de subsistemas que não oferecem atendimentos de maior complexidade, por meio de negociações entre os gestores municipais, em processo ascendente, coordenadas e intermediadas pelo gestor estadual, respeitando-se a autonomia de cada gestor. Os resultados da PPI deve traduzir o conjunto de ações e serviços de saúde necessários às populações de todos os municípios, dos Estados e do Brasil e a alocação dos respectivos recursos, independente da vinculação institucional ao órgão responsável pela sua execução. Os Planos de Saúde devem ser concebidos e entendidos como o resultado de um Planejamento Estratégico Nacional, elaborado em processo ascendente, para a operacionalização dos subsistemas Municipais e Estaduais de saúde que constituiriam o Sistema nacional de Saúde. 20 No entanto, muitas vezes, todo esse processo é inexistente e são feitas planilhas e mais planilhas, a partir dos gabinetes dos órgãos de gestão centrais, sem contato com as mais diversas realidades para as quais se está planejando, assim como sem a participação dos atores mais interessados na solução dos problemas. Na execução vem os cortes e mais cortes de recursos, de procedimentos, de ações, de investimentos, de remanejamentos..... A implementação do Plano de Saúde inclui a possibilidade de sua revisão permanente, com correção de rumos, inclusão ou exclusão de ações e serviços, redefinição de prioridades e o estabelecimento de sistemas e mecanismos de comunicação eficazes entre todos os atores envolvidos, especialmente para os usuários. Os Promotores de Justiça, os Juízes e os Conselheiros de Saúde, ao analisarem um Plano de Saúde, devem verificar qual foi a base de informações utilizada sobre a situação de saúde no respectivo território; se na programação, as ações e serviços foram identificados adequadamente, de acordo com a realidade e com a capacidade operacional do sistema. É preciso verificar se os objetivos e as metas foram definidos a partir de indicadores básicos sanitários, tais como, mortalidade (infantil, adulta, materna, por violência) morbidade (problemas de saúde que levam as pessoas aos serviços de saúde) problemas nos ambientes de vida e trabalho; se foi levado em conta a área de influência do sistema de saúde para as populações que não tem, em seus territórios, acesso assegurado à integralidade das ações necessárias à atenção de sua saúde; se foi realizada a Programação Pactuada Integrada - PPI entre os respectivos gestores e ainda, se a programação previu apenas a realização de procedimentos profissionais (consultas, internações, etc.) sem prever a realização de serviço de apoio diagnóstico (exames laboratoriais, de radioimagem, entre outros), tratamento e reabilitação e se existe organização de Consórcio Intermunicipal de Saúde em microrregiões. 3.1.4 Fiscalização, Controle e Avaliação O controle e qualidade das ações e serviços de saúde e demais atividades exercidas no âmbito do SUS, não é atribuição exclusiva do Conselho de Saúde, que exerce sua competência administrativa no contexto de outros instrumentos jurídicos de controle social na visão de Raquel Elias Ferreira Dodge8. Ademais, sob os pressupostos de relevância pública e do caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa do SUS, estabelecidos na Constituição e na Lei Orgânica de Saúde, verifica-se que o controle social das ações e serviços de saúde, bem como da gestão do SUS, pode ser exercido tanto prévia quanto posteriormente à atuação administrativa. O controle prévio ocorre em especial na elaboração da proposta orçamentária, na formulação de estratégias da política de saúde, na definição de diretrizes a serem observadas na elaboração dos planos de saúde, na definição do cronograma de transferências de recursos financeiros no âmbito do SUS e de critérios e valores para remuneração de serviços e os parâmetros de cobertura assistencial, tarefa entregue por excelência aos Conselhos. ______________ 21 8. DODGE, Raquel Elias Ferreira. www.crm.org.br O controle posterior ocorre no exercício da função fiscalizadora, quando já praticado o ato lesivo aos objetivos do SUS, e exerce-se por meio de atividade auditoria, de repressão penal, de correção administrativa, dentre outras. Neste contexto, verifica-se que a fiscalização do SUS pode ser exercida de diversos modos e diferentes instituições e pessoas. Será extrajudicial, se exercida pelos Conselhos de Saúde, pelo Sistema Nacional de Auditoria do SUS; pelos Sistemas de Controle Interno; pelos Tribunais de Contas, ou pelo Ministério Público Federal, Estadual ou do Distrito Federal. A fiscalização não-institucional pode ser feita por qualquer cidadão, por usuários do sistema de modo geral, por associações ou entidades de classe, ou por organizações não-governamentais. O controle pode ser feito pela via judicial, quando terá como legitimado o usuário lesado, o cidadão, as associações civis, o Ministério Público. Os instrumentos jurídicos para exercício desse controle poderão ser extrajudiciais, como as manifestações em geral dos Conselhos de Saúde e, em especial as resoluções (Lei 8.142/90, art. 1º, § 2º); os afetos às atividades de fiscalização ou auditoria: tomadas de contas, inspeção ou atos decorrentes; os próprios da atividade administrativa: sindicância, inquéritos administrativos; as notificações e recomendações do Ministério Público; a instauração de inquérito policial, pelo Ministério Público ou pela autoridade policial; e as sanções da competência dos Tribunais de Contas (Constituição Federal, art. 71, incisos IX e X). Os instrumentos judiciais são a ação popular, a ação civil pública, a ação civil por ato de improbidade administrativa, a ação penal, as ações ordinárias (em caso de lesão a direito individual) e o mandado de segurança individual e coletivo. É de se registrar, que através dos instrumentos jurídicos para exercício do controle extrajudicial, consubstanciados em sindicâncias, inquéritos administrativos instaurados nas três esferas da administração pública, bem como de sanções da competência dos Tribunais de Contas, tem o Ministério Público encontrado elementos para propor sanções civis aos agentes públicos com base na Lei 8.429/92 4. CRIAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS Para assegurar o direito do cidadão brasileiro à saúde, considerada uma das questões sociais prioritárias do país, a Constituição Federal de 1988, introduziu o SUS – Sistema Único de Saúde, que integra todas as ações dos serviços públicos federais, estaduais e municipais de saúde. O Sistema Único de Saúde - SUS - foi regulamentado pela Lei Orgânica da Saúde n.º 8.080/90 com a finalidade de alterar a situação de desigualdade na assistência à Saúde da população, tornando obrigatório o atendimento público a qualquer cidadão, sendo proibidas cobranças de dinheiro sob qualquer pretexto. Do Sistema Único de Saúde fazem parte os centros e postos de saúde, hospitais - incluindo os universitários, laboratórios hemocentros (bancos de sangue), além de fundações e institutos de pesquisa, como a FIOCRUZ e o Instituto Vital Brazil. 22 Através do Sistema Único de Saúde, todos os cidadãos tem o direito a consultas, exames, internações e tratamentos nas Unidades de Saúde vinculadas ao SUS, sejam públicas (na esfera municipal, estadual e federal) quanto as privadas, contratadas pelo Gestor público de Saúde. O SUS é destinado a todos os cidadãos e é financiado com recursos arrecadados através de impostos e contribuições sociais pagos pela população e compõem os recursos do governo federal, estadual e municipal. O Sistema Único de Saúde tem como meta tornar-se um importante mecanismo de promoção da equidade no atendimento das necessidades de saúde da população, ofertando serviços com qualidade adequados às necessidades, independente do poder aquisitivo do cidadão. As diretrizes que regem o SUS estão relacionados no artigo 198. Conceição Aparecida Pereira Rezende9 sustenta que os “princípios” são um conjunto de proposições que alicerçam ou embasam um sistema e lhe confere legitimidade. Traduzem uma concepção, apontam para a ação, norteiam a operacionalização e a implementação de ações no serviço público e nos privados de relevância pública. Definem o fazer da administração pública. Direcionam os atos administrativos. São ponto de partida e referência para o controle social do Sistema Único de Saúde. A Constituição Federal, em seu art. 37, preceitua que a Administração Pública tanto a direta como a indireta, de qualquer dos Poderes da União, EstadosMembros, do Distrito Federal e dos Municípios, obedeça aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. De forma direta, aplicam-se estes princípios aos SUS, já que o setor saúde possui certa autonomia de gestão diante do conjunto da administração da respectiva esfera de governo. Além deles, existem outros, específicos para o Sistema Único de Saúde segundo as seguintes diretrizes: descentralização com direção única em cada esfera de governo, atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, participação da comunidade. (art. 198, incisos I, II, e III). No caput do artigo, estão princípios não registrados explicitamente como tais. São eles: a saúde como direito de todos e dever do Estado; a regionalização e a hierarquização das ações e serviços de saúde; e, a unicidade do sistema de saúde. Estes princípios foram explicitados, posteriormente na Lei Orgânica da Saúde - Lei 8.080.90. 4.1. Princípios de Atenção a Saúde no SUS: 4.1.1 A Saúde Como Direito: “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao pleno exercício, por meio de políticas sociais e econômicas que visem a redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde individual e coletiva”. Brasileira Direitos de Além do princípio que concebe a saúde como direito, a Constituição 1988, qualificou o direito à saúde incluindo-o no conjunto dos 23 _________________ 9. REZENDE Conceição Aparecida Pereira. Manual de Atuação Jurídica em Saúde Pública. Sociais. Mesmo que não fosse expressamente um direito social, a saúde é sem dúvida um direito fundamental, pois intimamente vinculado ao direito à vida (art. 5.º) e princípio fundamental, pois, integra o conceito de “dignidade humana”, princípio fundante da República, (art. 1°, III, CF). A dignidade da pessoa humana é elevado como o valor “saúde”. O que significa isto? Para administração pública, a responsabilidade de elaborar programas operacionais que garantam que a atenção à saúde de toda a população habitante na área de abrangência de sua competência esteja assegurada, conforme suas atribuições constitucionais e legais. Para a população, significa a possibilidade de exigir, individual e coletivamente, a consecução desse direito junto ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, sempre que ele for negado. 4.1.2. A Unicidade do Sistema de Saúde: “as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada”, com “organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos”. Numa contraposição ao modelo de saúde vigente até 1988, a legislação estabeleceu, como princípio, a unicidade do sistema. Como pode ser verificado, mesmo com a unificação dos IAPs, em 1966, as ações e serviços de saúde no Brasil, continuaram sendo operadas por uma multiplicidade muito grande de órgãos, a exemplo da Secretaria Nacional de Saúde, SUCAM, INAN, etc. Este modelo de organização de ações e serviços de saúde não funcionou, trazendo inúmeros prejuízos econômicos, sociais, organizativos e tecnológicos. Daí, no processo de reforma sanitária, a grande mobilização pela unicidade do sistema. 4.1.3. A Universalidade: “a saúde é direito de todos e dever do Estado”. Todos os brasileiros e estrangeiros que vivem no Brasil, devem ter acesso aos serviços de saúde, em todos os níveis de assistência”, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie, independentemente de vínculo previdenciário ou qualquer tipo de seguro-saúde. Este princípio está diretamente ligado ao princípio da SAÚDE COMO DIREITO e suas conseqüências institucionais e jurídicas são idênticas. 4.1.4. Integralidade de Assistência: “entendida como um conjunto articulado e contínuo de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso, em todos os níveis de complexidade do sistema. O SUS deve garantir ao cidadão o direito de atenção à saúde, desde as ações de promoção da saúde, prevenção de doenças até os tratamentos especializados e de recuperação, quando exposto a qualquer tipo de doença ou agravo. 24 Antes da Constituição Federal de 1988, como já se viu, as ações e serviços de saúde oferecidos pela Previdência Social eram reduzidos, praticamente, a alguns procedimentos médicos e odontológicos, ambulatoriais e hospitalares, com a distribuição de alguns medicamentos aos “mais carentes”. A integralidade da assistência significa que o cidadão tem o direito de ser atendido e assistido sempre que necessitar, em qualquer situação de risco ou agravo (doença), utilizando ou não insumos, medicamentos, equipamentos, entre outros. Ou seja, o que define o atendimento deve ser a necessidade das pessoas. 4.1.5. A Igualdade: “da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie. O poder público deve oferecer condição de atendimento igual para todos. O que deve determinar o tipo de atendimento á a necessidade das pessoas, por demanda própria ou identificadas pelo sistema de saúde, e o grau de complexidade da doença ou agravo, e não a condição sócio-econômica dos usuários, ou outros critérios particulares. Este princípio é de extrema importância na saúde porque trata da essência da dignidade da pessoa humana. A história da saúde pública no Brasil mostra que o cidadão brasileiro, que não podia financiar o seu “tratamento de saúde”, durante séculos, foi tratado como indigente. Quando algum benefício previdenciário era concedido, as autoridades políticas o tomavam com “favor pessoal”. É tarefa do gestor do sistema de saúde providenciar as condições, não só para a prestação de serviços de saúde, mas também, condições que ofereçam dignidade aos seus usuários. Estas condições vão desde a garantia de acesso, até o modo pelo qual os serviços de saúde acolhem aos seus usuários. 4.1.6 A “Preservação da Autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral”. A ética dos serviços de saúde deve ser a de proteger e cuidar de seus usuários contra todas as diversidades, enquanto freqüentam os serviços de saúde. Além disto, atendê-los, curá-los e fortalecê-los para a vida. Alguns dos objetivos dos serviços de saúde são a sua reabilitação física, para que retomem a sua capacidade de mobilizarse, auto-cuidar-se, conviver, produzir, amar, divertir-se, viver e ser feliz” 4.1.7. O Direito à Informação às pessoas assistidas sobre sua saúde. Os usuários do sistema de saúde tem o dever de ser informarem sobre tudo que está ocorrendo com sua saúde, quando estiverem em situação de atendimento ou tratamento. Além disso, a qualquer tempo, podem ter acesso aos registros de seu prontuário de atendimento, tem portanto, o direito de se informarem sobre as hipóteses diagnósticas de seus males. Direito a informação sobre diagnóstico, tratamento e prognóstico. Tem direito ainda de serem orientados e esclarecidos sobre os benefícios e os riscos de todos os procedimentos diagnósticos e terapêuticos possíveis de serem adotados nas diferentes situações. 4.1.8. “A Descentralização dos serviços para os municípios”. 25 “Compete aos municípios.....organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;.....prestar com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população”. A descentralização da atenção à saúde, além de significar a possibilidade de se elaborarem projetos mais reais e compatíveis com cada realidade, é a probabilidade efetiva da comunidade interferir na concepção do sistema, na sua implementação, em seu funcionamento, na aplicação dos recursos, na avaliação de seus resultados e nos destinos da administração pública. 4.1.9. A “Regionalização e Hierarquização na rede de serviços de saúde” e “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede REGIONALIZADA e HIERARQUIZADA e constituem um SISTEMA ÚNICO, organizado.... “As ações e serviços de saúde, executados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), seja diretamente ou mediante participação complementar da iniciativa privada, serão organizados de forma REGIONALIZADA e HIERARQUIZADA em níveis de complexidade crescente”. A organização da rede de ações e serviços de saúde, descentralizada, regionalizada e hierarquizada, distribuída geograficamente, deve considerar, pelo menos, a distribuição da população nas regiões, a realidade epidemiológica e social de cada uma, e os meios de locomoção e transporte existentes, para que seja garantido o acesso da população a todos os níveis de complexidade dos serviços. Este princípio contrapõe-se ao modelo anterior de centralização dos serviços de saúde da União e dos Estados, em sua maior parte, nas grandes capitais e uma grande concentração de tecnologia em uma mesmo estabelecimento. A hierarquização dos serviços ocorria dentro do mesmo estabelecimento, quase sempre fechado hermeticamente para o sistema local. 4.1.10. A Resolubilidade: “capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência”. Este princípio aponta para que o sistema de saúde, que deve ser composto por uma rede de ações e serviços organizados de forma hierarquizada, seja resolutivo. Que seja ordenado de tal maneira que as suas equipes de trabalho, bem como os seus usuários, sejam capazes de identificar a sua utilidade prática e a sua missão institucional no sistema, e que, se acaso uma determinada unidade da rede não tiver condições de solucionar uma dada situação, ela saiba exatamente onde resolver e seja capaz de entrar em contato, encaminhar, viabilizar o acesso do usuário, ter resposta satisfatória por parte do usuário a tê-lo de volta reencaminhado ao território de referência com seu problema solucionado. 4.1.11. A Humanização do Atendimento 26 É a responsabilização mútua entre os serviços de saúde e a comunidade com o estabelecimento de vínculo entre as equipes de saúde e a população. Consiste no atendimento das pessoas que buscam um determinado serviço de saúde, com a decisão de acolher, escutar e dar resposta positiva na solução dos seus problemas de saúde. Implica o compromisso de todos os atores envolvidos no sistema: gestores, trabalhadores, prestadores de serviço e dos próprios usuários. Essencialmente, a humanização do atendimento expressa-se por relações estabelecidas sob parâmetros humanitários, de solidariedade e responsabilidade, que terminam por produzir satisfação pela qualidade dos serviços realizados. 4.1.12 A Intersetorialidade: “INTEGRAÇÃO, em nível executivo, das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico, com organização dos serviços públicos de modo a EVITAR PUBLICIDADE de meios para fins idênticos” O direito de todos à saúde deve ser garantido por meio de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos à saúde. A Lei Orgânica da Saúde define como fatores determinantes e condicionantes da saúde, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer, o acesso aos bens e serviços essenciais e as ações que se destinam a garantir às pessoas e à coletividade as condições de bem estar físico, mental e social. Estas ações são planejadas e executadas pelo conjunto de órgãos do governo, com a colaboração do setor saúde, mas com recursos específicos e são consideradas “ações intersetoriais de saúde” A participação do Gestor do Sistema de Saúde no Planejamento de outras políticas públicas não pode ser casuística, com o fim de incluir com gastos com saúde despesas próprias de orçamento de outros setores da administração pública. Para fins orçamentários, as despesas com ações intersetoriais de saúde não podem ser incluídas nas gastos com saúde. 4.1.13 A Participação da Comunidade. Democratização do conhecimento do processo saúde/doença e dos serviços, estimulando a organização e a participação da comunidade nas ações de promoção da saúde e promoção de doenças, com orientações para o efetivo autocuidado, para a incorporação de hábitos saudáveis e para a proteção do ambiente. A participação popular enquanto princípio constitucional é aquela participação do cidadão sem interesse individual imediato, tendo como interesse o bem comum, ou seja, é o direito de participação política, de decidir junto, de compartilhara administração, opinar sobre as prioridades e fiscalizar a aplicação dos recursos públicos. 4.2 São Princípios de Gestão do SUS: 27 4.2.1 A “Descentralização, com Direção Única em cada esfera de governo” e a DESCENTRALIZAÇÃO político-administrativa, com DIREÇÃO ÚNICA em cada esfera de governo. 4.2.2 A Regionalização: “As ações e serviços de saúde, executados pelo SUS, seja diretamente ou mediante participação complementar da iniciativa privada, serão organizadas de forma REGIONALIZADA e HIERARQUIZADA em níveis de complexidade crescente. 4.2.3 O Financiamento Solidário. “A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de contribuições sociais (art. 195, da CF). 4.2.4 A Aplicação Mínima dos Recursos. “União não intervirá nos Estados nem no distrito Federal, exceto para assegurar a observação dos seguintes princípios constitucionais.....” 5. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA VINCULAÇÃO DE RECURSOS PARA A SAÚDE. O constituinte, pela Emenda n.º 29/2000, preocupou-se em determinar a efetiva aplicação em ações e serviços públicos de saúde dos recursos mínimos (§ 3º, art. 198) que deverão ser, no ano de 2000, no caso da União, o montante empenhado em ações e serviços públicos de saúde no exercício financeiro de 1999, acrescido de no mínimo 5% (cinco por cento) e do ano de 2001 ao 2004 o valor apurado ao ano de 2000, corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto (art. 77, inciso I, do ADCT).Os Estados deverão direcionar o produto da arrecadação dos impostos previstos nos artigos 155, 157 e 159, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos Municípios. No caso dos Municípios também há vinculação com gastos na saúde pelo inciso III do artigo 198, também em percentuais extraídos da arrecadação dos impostos previstos no artigo 156, e dos recursos previstos na Constituição Federal (artigos 157 e 159, inciso I, alínea b, e $ 3.º). Para garantir a aplicação dos percentuais mínimos O Conselho Nacional de Saúde, expediu a Resolução 316, de 04 de abril de 2000, conforme o estabelecido no art. 77, § 3º. Do ADCT. 5.1 Conselho Nacional de Saúde RESOLUÇÃO Nº 316, de 04 de abril de 2002 O Plenário do Conselho Nacional de Saúde, em sua Centésima Décima Oitava Reunião Ordinária, realizada nos dias 03 e 04 de abril de 2002, no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei n° 8.080, de 19 de 28 setembro de 1990, e pela Lei n° 8.142, de 28 de dezembro de 1990 e conforme estabelecido no artigo 77, § 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, Considerando: a promulgação da Emenda Constitucional nº 29, em 13 de setembro de 2000, vinculando os recursos orçamentários da União, Estados, Distrito Federal e Municípios a serem aplicados obrigatoriamente em ações e serviços públicos de saúde; serem os dispositivos da Emenda Constitucional nº 29 auto - aplicáveis; a necessidade de esclarecimento conceitual e operacional do texto constitucional, de modo a lhe garantir eficácia e viabilizar sua perfeita aplicação pelos agentes públicos até a aprovação da Lei Complementar a que se refere o § 3º do artigo 198 da Constituição Federal; a necessidade de haver ampla discussão pública para a elaboração da Lei Complementar prevista no § 3º do artigo 198 da Constituição Federal, de forma a disciplinar os dispositivos da Emenda Constitucional nº 29; os esforços envidados pelos gestores do SUS, com a realização de amplas discussões e debates sobre a implementação da Emenda Constitucional nº 29, com o intuito de promover a aplicação uniforme e harmônica dos ditames constitucionais; as discussões realizadas pelo grupo técnico formado por representantes do Ministério da Saúde, do Ministério Público Federal, do Conselho Nacional de Saúde - CNS, do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde CONASS, do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde - CONASEMS, da Comissão de Seguridade Social da Câmara dos Deputados, da Comissão de Assuntos Sociais do Senado e da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas – ATRICON, resultando na elaboração do documento “Parâmetros Consensuais Sobre a Implementação e Regulamentação da Emenda Constitucional 29”; e os subsídios colhidos nos seminários sobre a “Operacionalização da Emenda Constitucional 29”, realizados em setembro e dezembro de 2001, com a participação de representantes dos Tribunais de Contas dos Estados, dos Municípios e da União, do Ministério da Saúde, do Conselho Nacional de Saúde e do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde – CONASEMS. RESOLVE: Aprovar as seguintes diretrizes acerca da aplicação da Emenda Constitucional nº 29, de 13 de setembro de 2000: DA BASE DE CÁLCULO PARA DEFINIÇÃO DOS RECURSOS MÍNIMOS A SEREM APLICADOS EM SAÚDE Primeira Diretriz: A apuração dos valores mínimos a serem aplicados em ações e serviços públicos de saúde, de que tratam o art. 198, § 2º da Constituição Federal e o Art. 77 do ADCT, dar-se-á a partir das seguintes bases de cálculo: 29 I – Para a União, até o ano de 2004, o montante efetivamente empenhado em ações e serviços públicos de saúde no ano imediatamente anterior ao da apuração da nova base de cálculo. II – Para os Estados: Total das receitas de impostos de natureza estadual: ICMS, IPVA, ITCMD (+) Receitas de transferências da União: Quota-Parte do FPE Cota-Parte do IPI Exportação Transferências da Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir) (+) Imposto de Renda Retido na Fonte IRRF (+) Outras receitas correntes: Receita da Dívida Ativa Tributária de Impostos, Multas, Juros de Mora e Correção Monetária. (-) Transferências financeiras constitucionais e legais a Municípios: ICMS (25%), IPVA (50%), IPI Exportação (25%), (=) Base de Cálculo Estadual III Para os Municípios: Total das receitas de impostos municipais: ISS, IPTU, ITBI (+) Receitas de transferências da União: Quota-Parte do FPM Quota-Parte do ITR Quota-Parte da Lei Complementar n º 87/96 (Lei Kandir) (+) Imposto de Renda Retido na Fonte IRRF (+) Receitas de transferências do Estado: Quota-Parte do ICMS Quota-Parte do IPVA Quota-Parte do IPI Exportação (+) Outras Receitas Correntes: Receita da Dívida Ativa Tributária de Impostos, Multas, Juros de Mora e Correção Monetária (=) Base de Cálculo Municipal 30 IV – Para o Distrito Federal: Base de Cálculo Estadual ICMS (75%) IPVA (50%) ITCD Simples Imposto de Renda Retido na Fonte Quota-parte FPE Quota-parte IPI - exportação (75%) Transferência LC 87/96 – Lei Ka (75%) Divida Ativa Tributária de impostos Multa, juros de mora e correção monetária Base de Cálculo Municipal ICMS (25%) IPVA (50%) IPTU ISS ITBI Quota-parte FPM Quota-parte IPI - exportação (25%) Quota-parte ITR Transferência LC 87/96 – Lei Ka (25%) Divida Ativa Tributária de impostos Multa, juros de mora e correção monetária DOS RECURSOS MÍNIMOS A SEREM APLICADOS EM SAÚDE Segunda Diretriz: Para a União, a aplicação dos recursos mínimos em ações e serviços públicos de saúde, no período do ano de 2001 até 2004, a que se refere o art. 77, II, b, do ADCT, deverá ser observado o seguinte: I - a expressão “o valor apurado no ano anterior”, previsto no Art. 77, II, b, do ADCT, é o montante efetivamente empenhado pela União em ações e serviços públicos de saúde no ano imediatamente anterior, desde que garantido o mínimo assegurado pela Emenda Constitucional, para o ano anterior; II - em cada ano, até 2004, o valor apurado deverá ser corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto – PIB do ano em que se elabora a proposta orçamentária (a ser identificada no ano em que se executa o orçamento). Terceira Diretriz: Para os Estados e os Municípios, até o exercício financeiro de 2004, deverá ser observada a regra de evolução progressiva de aplicação dos percentuais mínimos de vinculação, prevista no Art. 77, do ADCT. § 1º Os entes federados cujo percentual aplicado em 2000 tiver sido não superior a sete por cento deverão aumentá-lo de modo a atingir o mínimo previsto para os anos subseqüentes, conforme o quadro abaixo. Ano 2000 2001 2002 2003 2004 Percentuais Mínimos de Vinculação Estados Municípios 7% 7% 8% 8,6% 9% 10,2% 10% 11,8% 12% 15% § 2º Os entes federados que em 2000 já aplicavam percentuais superiores a sete por cento não poderão reduzi-lo, retornando aos sete por cento. A diferença entre o efetivamente aplicado e o percentual final estipulado no texto constitucional deverá ser abatida na razão mínima de um quinto ao ano, até 2003, sendo que em 2004 deverá ser, no mínimo, o previsto no art. 77 do ADCT. Quarta Diretriz: O montante mínimo de recursos a serem aplicados em saúde pelo Distrito Federal deverá ser definido pelo somatório (i) do percentual de 31 vinculação correspondente aos estados aplicado sobre a base estadual definida na primeira diretriz com (ii) o percentual de vinculação correspondente aos municípios aplicado sobre a base municipal definida na primeira diretriz, seguindo a regra de progressão prevista no artigo 77 da ADCT, conforme abaixo demonstrado: Ano Montante Mínimo de Vinculação 2000 0,07 x Base Estadual + 0,070 x Base Municipal 2001 0,08 x Base Estadual + 0,086 x Base Municipal 2002 0,09 x Base Estadual + 0,102 x Base Municipal 2003 0,10 x Base Estadual + 0,118 x Base Municipal 2004 0,12 x Base Estadual + 0,150 x Base Municipal Parágrafo Único: Aplica-se ao Distrito Federal o disposto no § 2º da Terceira Diretriz. DAS AÇÕES E SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE Quinta Diretriz: Para efeito da aplicação da Emenda Constitucional nº 29, consideram-se despesas com ações e serviços públicos de saúde aquelas com pessoal ativo e outras despesas de custeio e de capital, financiadas pelas três esferas de governo, conforme o disposto nos artigos 196 e 198, § 2º, da Constituição Federal e na Lei n? 8080/90, relacionadas a programas finalísticos e de apoio, inclusive administrativos, que atendam, simultaneamente, aos seguintes critérios: I - sejam destinadas às ações e serviços de acesso universal, igualitário e gratuito; II - estejam em conformidade com objetivos e metas explicitados nos Planos de Saúde de cada ente federativo; III – sejam de responsabilidade específica do setor de saúde, não se confundindo com despesas relacionadas a outras políticas públicas que atuam sobre determinantes sociais e econômicos, ainda que com reflexos sobre as condições de saúde. § Único – Além de atender aos critérios estabelecidos no caput, as despesas com ações e serviços de saúde, realizadas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios deverão ser financiadas com recursos alocados por meio dos respectivos Fundos de Saúde, nos termos do Art. 77, § 3º do ADCT. Sexta Diretriz: Atendido ao disposto na Lei 8.080/90, aos critérios da Quinta Diretriz e para efeito da aplicação da EC 29, consideram-se despesas com ações e serviços públicos de saúde as relativas à promoção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde, incluindo: I - vigilância epidemiológica e controle de doenças; II - vigilância sanitária; III - vigilância nutricional, controle de deficiências nutricionais, orientação alimentar, e a segurança alimentar promovida no âmbito do SUS; IV - educação para a saúde; 32 V - saúde do trabalhador; VI - assistência à saúde em todos os níveis de complexidade; VII - assistência farmacêutica; VIII - atenção à saúde dos povos indígenas; IX - capacitação de recursos humanos do SUS; X - pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico em saúde, promovidos por entidades do SUS; XI - produção, aquisição e distribuição de insumos setoriais específicos, tais como medicamentos, imunobiológicos, sangue e hemoderivados, e equipamentos; XII - saneamento básico e do meio ambiente, desde que associado diretamente ao controle de vetores, a ações próprias de pequenas comunidades ou em nível domiciliar, ou aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), e outras ações de saneamento a critério do Conselho Nacional de Saúde; XIII - serviços de saúde penitenciários, desde que firmado Termo de Cooperação específico entre os órgãos de saúde e os órgãos responsáveis pela prestação dos referidos serviços. XIV – atenção especial aos portadores de deficiência. XV – ações administrativas realizadas pelos órgãos de saúde no âmbito do SUS e indispensáveis para a execução das ações indicadas nos itens anteriores; § 1º No caso da União, excepcionalmente, as despesas com ações e serviços públicos de saúde da União financiadas com receitas oriundas de operações de crédito contratadas para essa finalidade poderão integrar o montante considerado para o cálculo do percentual mínimo constitucionalmente exigido, no exercício em que ocorrerem. § 2º No caso dos Estados, Distrito Federal e Municípios, os pagamentos de juros e amortizações decorrentes de operações de crédito contratadas a partir de 1º.01.2000 para custear ações e serviços públicos de saúde, excepcionalmente, poderão integrar o montante considerado para o cálculo do percentual mínimo constitucionalmente exigido. Sétima Diretriz: Em conformidade com o disposto na Lei 8.080/90, com os critérios da Quinta Diretriz e para efeito da aplicação da EC nº 29, não são consideradas como despesas com ações e serviços públicos de saúde as relativas a: I – pagamento de aposentadorias e pensões; II - assistência à saúde que não atenda ao princípio da universalidade (clientela fechada); III - merenda escolar; IV - saneamento básico, mesmo o previsto no inciso XII da Sexta Diretriz, realizado com recursos provenientes de taxas ou tarifas e do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, ainda que excepcionalmente executado pelo Ministério da Saúde, pela Secretaria de Saúde ou por entes a ela vinculados; 33 V - limpeza urbana e remoção de resíduos sólidos (lixo); VI - preservação e correção do meio ambiente, realizadas pelos órgãos de meio ambiente dos entes federativos e por entidades não governamentais; VII – ações de assistência social não vinculadas diretamente a execução das ações e serviços referidos na Sexta Diretriz e não promovidas pelos órgãos de Saúde do SUS; VIII – ações e serviços públicos de saúde custeadas com recursos que não os especificados na base de cálculo definida na primeira diretriz. § 1º No caso da União, os pagamentos de juros e amortizações decorrentes de operações de crédito, contratadas para custear ações e serviços públicos de saúde, não integrarão o montante considerado para o cálculo do percentual mínimo constitucionalmente exigido. § 2º No caso dos Estados, Distrito Federal e Municípios, as despesas com ações e serviços públicos de saúde financiadas com receitas oriundas de operações de crédito contratadas para essa finalidade não integrarão o montante considerado para o cálculo do percentual mínimo constitucionalmente exigido, no exercício em que ocorrerem. DOS INSTRUMENTOS DE ACOMPANHAMENTO, FISCALIZAÇÃO E CONTROLE Oitava Diretriz: Os dados constantes no Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde do Ministério da Saúde – SIOPS serão utilizados como referência para o acompanhamento, a fiscalização e o controle da aplicação dos recursos vinculados em ações e serviços públicos de saúde. Parágrafo Único: Os Tribunais de Contas, no exercício de suas atribuições constitucionais, poderão, a qualquer tempo, solicitar, aos órgãos responsáveis pela alimentação do sistema, retificações nos dados registrados pelo SIOPS. Nona Diretriz: O Sistema de Informação Sobre Orçamentos Públicos em Saúde – SIOPS, criado pela Portaria Interministerial nº 1.163, de outubro de 2000, do Ministério da Saúde e da Procuradoria Geral da República, divulgará as informações relativas ao cumprimento da Emenda Constitucional nº 29 aos demais órgãos de fiscalização e controle, tais como o Conselho Nacional de Saúde, os Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde, o Ministério Público Federal e Estadual, os Tribunais de Contas da União, dos Estados e Municípios, o Senado Federal, a Câmara dos Deputados, as Assembléias Legislativas, a Câmara Legislativa do Distrito Federal e as Câmaras Municipais. Décima Diretriz: Na hipótese de descumprimento da EC nº 29, a definição dos valores do exercício seguinte não será afetada; ou seja, os valores mínimos serão definidos tomando-se como referência os valores que teriam assegurado o pleno cumprimento da EC nº 29 no exercício anterior. Além disso, deverá haver uma suplementação orçamentária no exercício seguinte, para compensar a perda identificada, sem prejuízo das sanções previstas na Constituição e na legislação. Resolução aprovada, por unanimidade, pelo Plenário do CNS na 118ª Reunião Ordinária, em 04 de abril de 2002, com as alterações sugeridas e incorporadas na 120ª Reunião Ordinária, em 06 de junho de 2002. 34 Presentemente, duas Ações Direta de Inconstitucionalidade – ADINs, encontram-se pendente de julgamento no STF, para que seja dirimida controvérsia jurídica quanto aos valores mínimos10 que a União deve aplicar em ações e serviços públicos de saúde. O Parecer da Advocacia-Geral da União em ambas ações requeridas tem a seguinte. EMENTA: Piso a ser aplicado pela União para o custeio de ações e serviços públicos de saúde. A melhor exgese do art. 77, inciso I, alínea b, do Ato das Disposições Transitórias da Constituição de 1988, acrescentado pela Emenda Constitucional n.º 29/2000. A melhor interpretação do dispositivo constitucional da alínea b, do inciso I, do art. 77 do ADCT da CF é aquela dada pela Procuradoria da Fazenda Nacional no sentido de que, nos exercícios posteriores ao exercício de 2000, do ano de 2001, ao ano de 2004, a União aplicará, a título de piso, ou seja, no mínimo, nada impedindo, obviamente, que aplique mais, de acordo com as necessidades e a disponibilidade do Tesouro, o equivalente ao valor apurado no ano anterior, vale dizer, o valor apurado no ano de 2000, isto é, o montante empenhado nessas ações e nesses serviços públicos no exercício de 1999, acrescido de, no mínimo cinco por cento, corrigido, ainda, sucessiva e cumulativamente pela variação nominal do Produto Interno Bruto PIB. No caso de ser adotado outro entendimento acerca da controvérsia jurídica quanto ao “valor mínimo” que a União deve aplicar em ações e serviços de públicos de saúde, os investimentos nesta área sofrerão uma enorme redução, que inviabilizará completamente a saúde pública no Brasil, o que é inconstitucional, devido ao tratamento dado pela Constituição para as ações e serviços de saúde. 5.2 Financiamento O Sistema Único de Saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. A Lei n.º 8.080/90, prevê somatória de outras fontes ao orçamento da saúde como aquelas provenientes de doações, alienações patrimoniais, taxas e emolumentos na área de saúde e serviços que possam ser prestados, contanto que não interfiram na área fim do SUS (art. 32). A Emenda Constitucional 29/2000 também introduziu modificações que repercutem na elaboração dos orçamentos da saúde nas três esferas federativas na obrigatoriedade da observância de percentuais vinculados à saúde, inclusive, que o orçamento da seguridade conta na área de saúde com receita vinculada de impostos, além de contribuição social específica no nível federal (CPMF). _________________________ 10 Proc. n.º 00400.00916/2000-08 requerido pelos Partidos Políticos PCdoB, PL, PPS e PT - CF - 103, VIII; Proc. n.º 004900.002916/2000-08, requerido pela Associação Médica Brasileira - CF art. 103, IX. A regularidade no fluxo das verbas públicas destinadas ao financiamento do SUS é a única alternativa compatível com a Constituição para realizar ações e serviços que, por sua natureza, devem ser prestados diuturnamente, sem interrupção, com a qualidade e eficiência necessárias para preservar a vida e saúde do ser humano, pois estes são os bens fundamentais, dos que decorremos demais 11. 35 Tal fluxo de verbas é presidido por alguns princípios legais básicos que norteiam o sistema: o primeiro, que deve ser suficiente; o segundo, de que deve ser oportuno, ou seja, regular e automático; o terceiro, de que deve ser acompanhado da correção monetária, em caso de atraso; e o quarto, de que deve ser proporcional à despesa prevista em cada área constante no orçamento da Seguridade Social. A Lei Orgânica da Saúde - Lei n.º 8.080/90, determina que os recursos financeiros do SUS sejam depositados em conta especial, em cada esfera de sua atuação, e movimentados sob fiscalização dos respectivos Conselhos de Saúde; e que na esfera federal os recursos financeiros, originários do orçamento da Seguridade Social, de outros orçamentos da União, além de outras fontes, sejam administrados pelo Ministério da Saúde, por meio do Fundo Nacional de Saúde (art. 33). Assim, a suficiência dos recursos deve ser decorrência da definição inicial do valor necessário estipulado pelo Conselho Nacional de Saúde, de acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias, conforme venha a ser votado no Congresso Nacional, de sorte a constituir o orçamento da Seguridade Social, integrado por fontes criadas especialmente para este fim, com a participação eqüitativa de toda a sociedade. Em caso de necessidade ou falta, deverá ser complementado com recursos adicionais do orçamento fiscal, nas três entidades federativas. O repasse das verbas deve ser feito de modo regular e automático em dois momentos distintos: o primeiro, entre o órgão arrecadador e o Fundo Nacional de Saúde; e o segundo, entre o Fundo Nacional de Saúde e os entes federativos. Quanto ao primeiro momento, deve ser observado o prazo, a proporção e a atualização monetária das verbas repassadas. Sobre o prazo, há três diferentes diplomas legais a determinar que a transferência de recursos do órgão arrecadador e o Fundo Nacional de Saúde deve ser feita de modo automático e coincidente coma distribuição dos Fundos de Participação dos estados e Municípios, sempre a reforçar os objetivos constitucionais. (art. 34 da Lei 8.080/90; art. 19, §1º, da Lei 8.142/90 e art. 87 do Código Tributário Nacional). Repasse automático é aquele feito no exato instante em que se tem conhecimento da quantia disponível em favor da União. Quanto ao segundo momento, verifica-se que os recursos do Fundo Nacional de Saúde para Municípios, Estados e Distrito Federal devem ser repassados demodo não só automático, mas também regular. (art. 3º, §§1º e 2º; art. 4º, incisos I a VI, e Parágrafo Único, da Lei 8.142/90). Assim, qualquer outro procedimento administrativo diferente da transferência regular e automática de recursos para os Estados, Distrito Federal e Municípios, significa ofensa a tais princípios legais. _________________________ 11 DODGE. Raquel Elias Ferreira. www.crm.org.br.revista A correção monetária das verbas destinadas à saúde é decorrência do princípio geral de direito de que o acessório segue o principal. Portanto, a lei autoriza a aplicação financeira de verbas públicas destinadas à saúde para que o valor real da moeda seja preservado para atender ao dever do Estado. Por isso, o rendimento da aplicação financeira daquelas verbas deve ser destinadas à saúde. 36 6. SISTEMA DE SAÚDE ABERTO À INICIATIVA PRIVADA NO ASPECTO COMPLEMENTAR No artigo 199, vemos que a assistência à saúde não é monopólio do Estado, pois ali se previu o acesso da iniciativa privada ao ramo da prestação de serviços em saúde. Sinalize-se e que esta participação se dará de forma complementar ao SUS e segundo as diretrizes do SUS. A forma pela qual se abriu à iniciativa privada a participação nos serviços de saúde e, repise-se, de forma complementar, vinculação por regras publicistas ou conveniais, ou seja, nesta esfera, não impera a liberdade total. A atuação do segmento privado está sujeita aos preceitos constitucionais fundamentais doartigo 1.º, III, isto é, a dignidade da pessoa humana, e aos limites impostos pela lei, isto é, a atividade suplementar também tem deveres relacionados ao “direito à saúde”. Para a vinculação dará preferência às entidades filantrópicas ou às sem fins lucrativos. Então, há sinalização de que o serviço complementar de preferência não será puramente mercantil com objetivo tão-só de lucro. Prosseguimos, e vê-se no § 2º que está vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às entidades com fins lucrativos, e no § 3.º houve a vedação da participação direta ou indireta das empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde, salvo expressa previsão legal em contrário. 7. A AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR - ANS A atividade suplementar está regulada pela Lei 9.661/2000 para promover a defesa do interesses público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País. Dentre suas finalidades institucionais encontra-se a proposição de políticas e diretrizes gerais ao Conselho Nacional de Saúde Suplementar - CONSU para a regulação do setor de saúde suplementar, o estabelecimento das características gerais dos instrumentos contratuais utilizados na atividade das operadoras, a fixação de critérios para os procedimentos de credenciamento e descredenciamento de prestadores de serviço às operadoras, o estabelecimento de parâmetros e indicadores de qualidade e de cobertura em assistência à saúde para os serviços próprios e de terceiros oferecidos pelas operadoras, de normas para ressarcimento ao Sistema Único de Saúde e relativas à adoção e utilização, pelas operadoras de planos de assistência à saúde, de mecanismos de regulação do uso dos serviços de saúde. 8. ATRIBUIÇÕES DO SUS O artigo 200 vem dizer da competência do SUS e definir as suas múltiplas atribuições. A Lei n.º 8.080, de 19.09.90, e a Lei 8.142, de 28.12.90, foram já editadas atendendo ao comando do artigo 200, disciplinando e estruturando o SUS. São de competência do SUS a execução das ações de vigilância sanitária e epidemiológica; o controle e fiscalização de procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde, produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, homoderivados e outros insumos; ordenação e a formação de recursos humanos para atuar na saúde; participação da formulação da política e ações de saneamento básico, incrementador do 37 desenvolvimento científico e tecnológico; fiscalizador e inspecionador de alimentos para verificar o teor nutricional, bebidas e águas para consumo humano; o SUS deverá, ainda, participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos, finalmente atuará na proteção do meio ambiente, aí compreendendo o meio ambiente do trabalho. Vê-se, assim, que é uma competência vastíssima que se atribuiu ao SUS, onde atuará cumprindo o seu dever para com a saúde; dever que há de ser cumprido, e bem cumprido segundo vetores do Decreto n.º 3.507, de 13.06.2000, que estabeleceu os padrões de qualidade do atendimento prestado aos cidadãos pelos órgãos e entidades da administração pública federal, entre outros, os do artigo 3.º, atenção, respeito e cortesia, verificação de prioridades, tempo de espera, limpeza, conforto das dependências, além de controle e avaliação periódicas. Vê-se que já há sinalização dos critérios para que qualquer atendimento ou serviço seja avaliado. Nesta avaliação, devese atender ao princípio da razoabilidade e levar em conta a inconclusão do modelo que está sendo construído. 9. O SUS E A COMPETÊNCIA FEDERAL A nota que caracteriza e firma a competência da União e a impõe é a presença da competência concorrente como antes exposto, e a supervisão na aplicação dos recursos, aí o interesse federal. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre a competência federal em algumas oportunidades e mesmo sendo referente a uma questão criminal a mais extensamente fundamentada12 sinaliza para a linha a seguir. Deve ser mencionado que há precedente mais antigo que fixa competência estadual para a matéria.13 O Ministro Néri da Silveira oferece fundamentos para a fixação da competência federal em três precedentes há o precedente relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence com decisiva fundamentação, que sinaliza a competência federal, sendo que o raciocínio _______________ 12 Acórdão unânime em sessão plenária de 20/02/1997, ao apreciar o Recurso Extraordinário n.º 196.9822 (Paraná), tendo com relator o Ministro Néri da Silveira, Publicado no DJ em 26/07/1997, cuja Ementa é a seguinte: “ Recurso Extraordinário. 2. Ação Penal. Crime de peculato, em face de desvio, no âmbito estadual, de dotações provenientes do orçamento da União Federal, mediante convênio, e destinadas ao Sistema Único de Saúde – SUS. 3. A competência originária para o processo e julgamento de crime resultante de desvio, em Repartição estadual, de recursos oriundos do Sistema Único de Saúde – SUS, é da Justiça Federal, a teor do Art. 109, IV, da Constituição. Além do inequívoco interesse da União Federal, na espécie, em se cogitando de recursos repassados ao Estado, os crimes n caso, são também em detrimento de serviços federais, pois a estes incumbe não só a distribuição dos recursos, mais ainda a supervisão de sua regular aplicação, inclusive com auditorias no plano dos Estados. 5. Constituição Federal de 1988, arts. 198, parágrafo único, e 71, e Lei Federal n.º 8.080/90, arts. 4º, 31, 32, § 4º. 6. Recurso Extraordinário conhecido e provido, para reconhecer a competência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, pelo envolvimento de ex-Secretário estadual de Saúde” 13 RE n º 207970/RS, Ministro Moreira Alves indica a competência estadual, Secretaria da Saúde, para questão envolvendo internação em hospital pelo SUS. utilizado pelo voto ministerial se afigura aplicável às causas cíveis, pois o custeio do SUS é incumbência da União. Como antes visto, inobstante já firmada a competência federal para ações de interesse do SUS, dúvidas de ordem jurídica, têm sido suscitada pelos Promotores de Justiça, à respeito da competência para o processamento e julgamento de eventual ação civil pública, quando trata-se de convênio firmado com recursos 38 repassados pela União Federal, especialmente aos Municípios, ora através dos órgãos de sua administração direta, ora através de suas autarquias e fundações14. É o que ocorre com FUNDEF (Fundo de Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), com o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento de Educação), com a SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste) etc. Na seara da improbidade administrativa, como não poderia deixar de ser, até pela natureza sancionatória, embora civil, da Lei 8.429/92, também se aplicam as decisões dos Tribunais Superiores concernentes à competência do ramo do Poder Judiciário comum (Federal ou Estadual) para julgar os crimes decorrentes da má aplicação pelas autoridades municipais ou estaduais dos recursos repassados pelo Governo Federal aos Municípios e suas respectivas autarquias e fundações, especialmente os oriundos de convênios. A matéria já está sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça, que em linhas gerais assim disciplinou a polêmica: a) através da Súmula 209, foi estabelecido o seguinte: “compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal.” Como podemos perceber, o STJ estabeleceu como regra geral que a verba transferida pela União, uma vez incorporada ao Município, passa a integrar o seu patrimônio, municipalizando-se e, portanto, deixando de ser federal, fato que implica a competência do Poder Judiciário estadual para processar e julgar os fatos ilícitos decorrentes de sua aplicação indevida; b) contudo, essa regra sofre exceção, conforme estabelece a Súmula n.º 208, se os recursos repassados estiverem sujeitos à prestação de contas perante órgão federal, não necessariamente perante o TCU - Tribunal de Contas da União, posto que o convênio pode estabelecer que a prestação de contas se faça perante o órgão federal remetente da verba, como ocorre com alguns convênios firmados pela SUDENE. Eis a Súmula n.º 208 na íntegra: “Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita à prestação de contas perante órgão federal”. Portanto, caberá ao Ministério Público, antes da instauração do procedimento administrativo preparatório ou inquérito civil, e à pessoa jurídica interessada, antes da propositura da ação verificar cuidadosamente o que consta das cláusulas do convênio sobre o órgão perante o qual as contas relativas às verbas ________________________ 14 SANTOS, Carlos Frederico Brito dos. Improbidade Administrativa. Reflexões sobre a Lei 8.429/92, Forense, 2002, p.132. repassadas serão prestadas, se ao Tribunal de Contas local, se ao Tribunal de Contas da União ou se ao próprio órgão autor do repasse. No caso do FUNDEF, quando as contas forem prestadas perante o próprio TCU, por força do quanto dispõe a Súmula n.º 208, a competência para o processamento e julgamento pela pratica de crime ou de ato de improbidade administrativa, na aplicação de seus recursos será da Justiça Federal comum - como, aliás, já decidiu repetidamente o STJ. 39 Pela competência da Justiça Federal, embora não baseie o seu entendimento nos preceitos sumulares do STJ, sustenta MARIA ISABEL GALLOTTI,15 em linhas gerais, e lastreada no próprio sentido da Federação, que a solução do problema reside na “verificação do interesse imediato lesado”, concluindo por tal critério que a competência será sempre da Justiça Federal (CF, art. 109, IV) quando houver “ofensa a interesse definido na Constituição como federal ou nacional (mesmo que de forma concorrente com as competências estaduais e Municipais), como p. ex., a SAÚDE (CF, art. 198, Parágrafo Único) e a EDUCAÇÃO (CF, art. 211, § 1.º)”. Quanto ao desvio de dotações provenientes do orçamento da União Federal, mediante convênio, e destinadas ao Sistema Único de Saúde - SUS, o Supremo Tribunal Federal já decidiu pela competência da Justiça Federal para o processo e julgamento de crime de peculato, a teor do art. 109, IV, da Constituição, com indiscutível repercussão na seara da improbidade administrativa. Como as aludidas súmulas se referem ao “desvio de verbas”, de forma ampla, tal conduta poderá ser enquadrada em qualquer dos três tipos de atos ímprobos, inclusive na violação de princípios, desde quando o desvio não importe enriquecimento ilícito ou em prejuízo ao erário, como ocorre no seguinte exemplo: em vez de construir uma UTI, conforme o objeto do convênio celebrado com o Ministério da Saúde, resolve o gestor de saúde construir, com os mesmos recursos, mais leitos no hospital, rompendo destarte, cláusulas específicas do ajuste, e, portanto, deixando de praticar, indevidamente ato de ofício (art. 11, II, da Lei 8.429/92), uma vez que tinha o dever jurídico de , como gestor, cumprir rigorosamente os convênios que celebrou, na administração de recursos públicos vinculados. Porém, há quem vislumbre, na conduta exemplificada, acompanhando HUGO NIGRO MAZZILLI16 prejuízo presumido ao erário, sob o argumento de que, devido ao desvio ilícito do gestor, o dinheiro público, por não ter atingido a destinação específica para a qual foi legalmente dotado, se perdeu, devendo o seu responsável, em decorrência, ressarcir a verba correspondente ao órgão de origem. 10. RELEVÂNCIA PÚBLICA DAS AÇÕES REFERENTES AO DIREITO À SAÚDE Na Seção II, no artigo 196, são traçados os lineamentos fundamentais do direito a saúde, direito de todos e dever do Estado. È proclamada no art. 197 a relevância pública das ações e serviços de saúde, prevendo-se ações para a promoção, ______________ 15 Parecer lançado no Procedimento Administrativo Criminal n.º 08128.000102/98-13, no âmbito da Procuradoria Geral da República da 1ª Região. 16 MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo - Meio Ambiente, Consumidor e Outros Interesses Difusos e Coletivos, 13ª edição, revista, ampliada e atualizada, cit. 162. proteção e recuperação. A execução dessas ações poderá ser feita diretamente pelo poder público ou por terceiros 17 e se submete fortemente a modalidades interventivas estatais, tais como a fiscalização e a regulação. 10.1. O Papel Reservado ao Ministério Público na Defesa da Cidadania e da Probidade Administrativa 40 O Ministério Público é uma instituição permanente, cuja função é defender e fiscalizar a aplicação das leis, representando os interesses da sociedade; zelar pelo respeito aos direitos constitucionais por parte dos poderes públicos e pela garantia dos serviços de relevância pública garantidos na Constituição.18 A Constituição Federal de 1988 garantiu direitos sociais para todos os residentes em nosso País, brasileiros e estrangeiros. O artigo 6º define estes direitos: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Legislações posteriores, como a do Sistema Único de Saúde (Lei n.º 8.080/90 e 8.142/90), da Assistência Social (Lei n.º 8.742/93), dentre outras, decorreram das diretrizes obrigatórias da Constituição e asseguraram a todos as políticas públicas sociais. Apesar deste respaldo constitucional e legal, estes direitos nem sempre são plenamente atendidos. É direito dos cidadãos exigir a implementação de políticas que efetivem estes direitos. Mas os cidadãos não constituem um bloco homogêneo de reivindicações. Com tantos interesses de grupos e classes sociais em jogo nem sempre é tarefa fácil para o administrador saber qual a melhor política a ser adotada. Dada a complexidade das demandas, bem como a necessidade de se verificar se a administração pública está de fato atuando em conformidade com a Constituição e com as leis, foi preciso criar instituições que fiscalizassem e controlassem sua atuação. Para que houvesse o aprofundamento da democracia, além de órgãos de fiscalização, foram criados também mecanismos de comunicação mais permanentes entre os cidadãos e a administração pública. O Ministério Público, por exemplo, que originalmente atuava como braço do Estado, ao longo da última década passou a defender interesses coletivos, ou seja, interesses de um grupo, categoria ou classe e não de um indivíduo isolado, como por exemplo, o direito de um grupo de moradores afetados por uma desapropriação de terras para a construção de uma barragem; interesses difusos, ou seja, interesses que não são específicos de uma pessoa ou grupo de indivíduos mas, de toda a sociedade, como por exemplo, o direito de todos respirarem ar puro; e interesses individuais homogêneos, ou seja, quando diferentes indivíduos têm em comum uma identidade de direitos, como o direito de consumidores lesados de uma mesma maneira, por exemplo. Em conjunto com outras instituições, o Ministério Público fiscaliza a administração pública, funciona como um canal de expressão dos direitos da população e, quando estes não são atendidos, atua como um advogado da sociedade. ______________ 17 18 VIGLIAR. José Marcelo Menezes.Obra Citada, p. 432 TEXEIRA.Ana Cláudia Chaves.www.polis.org.br Poucas vezes na história do Brasil uma instituição ganhou tanta importância no cenário público em tão pouco tempo. Por um lado, o Ministério Público tem publicizado inúmeros casos de corrupção, desvio de dinheiro público e abuso de poder por parte de administradores públicos, que tiveram que responder pelos seus atos. Por outro lado, tem sido um grande aliado dos administradores públicos que buscam cumprir melhor a sua função e aprofundar a democracia. O Ministério tem contribuído, assim, para distinguir entre os bons e os maus governantes, principalmente no que se refere à garantia dos direitos sociais e ao uso dos recursos público 41 Com um leque tão ampliado de atribuições, o Ministério Público pode agir tanto junto quanto fora do Judiciário. Por exemplo, se em determinada cidade não existe o Conselho de Saúde determinado por lei, o Ministério pode investigar junto ao prefeito, vereadores e associações locais o motivo da não existência do Conselho, procurando resolver o problema sem acionar o Judiciário. Caso isto não surta efeito, o Ministério pode propor uma ação contra aqueles que tinham a obrigação de criar o Conselho e não o fizeram. Neste caso, estará agindo junto ao Judiciário. Isso também pode acontecer quando a lei municipal não atende as diretrizes da Constituição ou da lei federal respectiva. As políticas públicas relativas aos direitos sociais estão reguladas pela Constituição Federal e outras leis, que visam tornar a cidadania uma realidade para todos. Os Conselhos Gestores de Políticas Públicas também estão previstos nas leis orgânicas dos Municípios ou em leis federais como as do SUS – Sistema Único de Saúde e da LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social. Cabe ao Ministério Público zelar pela efetiva implementação e funcionamento dos Conselhos. É função dos Conselhos atuar na fiscalização dos gastos de verbas públicas destinadas aos municípios. As leis prevêem que os recursos só podem ser repassados se os conselhos e os fundos existirem, e se os municípios tiverem planos municipais de políticas públicas em cada área. O Ministério Público pode verificar e apurar denúncias sobre o mau uso de verbas públicas, pois ele, assim como os conselhos, também deve defender o patrimônio público. Atualmente, grande parte das verbas públicas relativas às políticas públicas sociais são repassadas pelos Estados ou pela União Federal para os Municípios no sistema chamado “fundo a fundo”, ou seja, são verbas “carimbadas”, destinadas para um uso específico. Por isso o papel dos conselhos é fundamental, pois tendo acesso ás contas correntes dos fundos, eles podem detectar irregularidades e acionar o Ministério Público. Também é papel dos conselhos verificar se as entidades (públicas e privadas), que estão recebendo verbas públicas, estão, de fato, aplicando-as do jeito que estava previsto em seus planos de trabalho (aprovados anteriormente pelos órgãos da administração). O Ministério Público pode utilizar-se de dois instrumentos de ação: a ação civil pública e a ação de improbidade administrativa. A ação civil pública é a forma do Ministério Público propor uma ação contra aqueles que causam danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor estético, histórico, turístico e paisagístico, patrimônio público e qualquer outro interesse difuso ou coletivo, e ainda por infração da ordem econômica e da economia popular. A Constituição Federal estabelece ser função do Ministério Público promover o inquérito civil público e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, bem como outras funções, que forem conferidas por lei. Por exemplo, se o Conselho de Saúde souber que o hospital público da cidade está cobrando “por fora” um serviço que era para ser gratuito, ou ainda que está recebendo recursos mas, não aplica estes recursos como deveria, ele podem acionar o Ministério Público, caso o gestor de saúde não queira tomar nenhuma providência. 42 A Ação de Improbidade visa punir os administradores dos patrimônios e dos bens públicos quando cometem atos que prejudicam a receita da União, Estados e Município ou quando se enriquecem burlando as leis. O mau uso de verbas públicas pode caracterizar ato de improbidade (Lei n.º 8.429/92). Por exemplo, se o conselho apurar que a governo municipal ou Estadual está desviando recursos, podem e devem recorrer ao Ministério Público. A Ação civil por ato de improbidade não pode ser movida por associações e, portanto, as denúncias precisam ser necessariamente encaminhadas ao Ministério Público ou aos próprios órgãos de fiscalização e controle da administração, dependendo da área de atuação do conselho, como os Ministérios e Secretárias de Saúde, entre outros. O Ministério Público foi legitimado concorrentemente com a pessoa jurídica interessada para a tutela da probidade administrativa, visando a atender aos ditames do constituinte de 1988, que criou um novo Ministério Público, cujas funções, previstas no art. 127 daquele texto, são absolutamente compatíveis com o previsto no art. 37 da Carta Política. Ao se referir à pessoa jurídica interessada, quis o legislador estabelecer a legitimidade ativa, ao lado do Ministério Público, das próprias entidades públicas dotadas de personalidade jurídica prejudicadas e de algumas empresas privadas pelo ato de improbidade administrativa, vale dizer que a União, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios, a autarquia, a fundação, empresa incorporada ao patrimônio público e ou entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% (cinqüenta por cento), se com menos de 50% (cinqüenta por cento), bem como para a hipótese da entidade receber subvenção, benefício ou incentivo - fiscal ou creditício - de órgão público a sanção patrimonial se limitará à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos, estão legitimadas à propositura da ação civil pública por ato de improbidade administrativa, desde que a vítima da ação ou omissão do agente ímprobo e de terceiros por induzimento, concorrência ou beneficiamento19. Os motivos que levaram o legislador a legitimar também o Ministério Público para a Lei 8.429/92, foram eminentemente políticos; a) não deixar ao exclusivo encargo dos interessados, detentores da legitimidade ordinária, a iniciativa das demandas que tenham por objeto a defesa, em juízo, de interesses socialmente relevantes ou que, além desta característica, ainda que sejam indisponíveis; b) proporcionar, uma mais efetiva possibilidade de não deixar esses interesses à margem do Judiciário, que pertencem, por definição, a toda a sociedade ou a ela são muito caros; c) as garantias _________________ 19 SANTOS. Carlos Frederico Brito dos. Improbidade Administrativa. Foremse:2002, p. 3 pessoais de que gozam os membros do Ministério Público para o exercício de todas as suas funções institucionais, previstas na Constituição para a defesa dos interesses da sociedade 20. È fato que o cidadão é o mais prejudicado pela prática de atos de improbidade, porém, não foi ele contemplado com a legitimação para o combate à improbidade administrativa. Contudo, a Administração detém uma legitimação especial: e decorre da obrigação de combater a improbidade e decorre da necessidade de curar o ato realizado pelo agente público que toma decisões que, contrárias ao previsto na lei, 43 comprometem seu patrimônio, imagem, etc. Assim, até mesmo para dar o exemplo aos demais legitimados e porque a própria Lei 8.429/92 previu como modalidade de ato de improbidade administrativa a omissão que tenda a retardar ou se abster de praticar ato de ofício (art. 11, II), é que caberia prioritariamente à Administração combater improbidade, para atender ao princípio da eficiência 21 Para o citado autor, o agente público hierarquicamente superior ao que realizou o ato de improbidade deve incentivar o seu combate, referindo-se aos Prefeitos, Governadores e mesmo ao Presidente da República. Nesse diapasão, a legitimação do Ministério Público no combate a improbidade administrativa é absolutamente necessária, pois tanto o patrimônio público, quanto a probidade administrativa, constituem modalidade de interesses transindividuais. Em todos os municípios há pelo menos um representante do Ministério Público, com boa parte da atuação focada na investigação de ações de improbidade administrativa, denúncia de desvio de dinheiro público e encaminhamento de processos para o Poder Judiciário, também há muitas ações do Ministério Público de aproximação com a população, exercendo o papel de uma espécie de “ouvidor público”. Nestes casos, a atuação do Ministério Público é extrajudicial, complementar à ação da administração pública. As recomendações feitas pelo Ministério Público podem ajudar o gestor a perceber quais áreas da sua administração não estão cumprindo as determinações constitucionais e legais e, assim, percebendo as falhas, pode-se buscar corrigir os rumos da gestão. Além disso, muitas vezes os interesses dos diferentes grupos da população são conflitantes entre si. Nestes casos, o Ministério Público tem assumido o papel de defensor de direitos coletivos, especialmente de grupos mais vulneráveis. Em algumas áreas específicas, a atuação do Ministério Público auxilia o administrador a tomar atitudes que enfrentam resistência por parte de setores da sociedade, especialmente por falta de esclarecimento e informação. São exemplos deste tipo de atuação, que vem ao encontro dos interesses de uma administração democrática: a inclusão das crianças e adolescentes portadores de deficiência na rede regular de ensino; o problema dos lixões nos municípios, agregado à presença de crianças que trabalham nos lixões; o trabalho infantil nos municípios; a efetividade da municipalização dos serviços de saúde e a preservação do patrimônio histórico, cultural e ambiental. Há também questões ambientais como loteamentos irregulares perto de áreas de manancial, prevenção de poluição de rios, etc. _______________ 20. 21. VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Obra citada p. 432. VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Obra citada p. 435 e 436 Todos esses são problemas cotidianos que, quando respaldados pelo Ministério Público, podem ser mais facilmente enfrentados pelas administrações democráticas que buscam desenvolver seu município de forma integrada e autosustentável. 10.2. O Ministério Público e a Política Pública Social de Saúde 44 Uma política pública é o conjunto de objetivos, ações e recursos destinados a tratar dos problemas e das potencialidades de uma área de governo. E, mais importante, uma política pública é a concretização de um ou mais direitos humanos fundamentais como saúde, educação, saneamento, assistência, direito de ir e vir, etc., por intermédio do poder governamental do Estado e, de preferência, com a ativa participação da cidadania.22 Políticas Públicas são programas de ação governamental visando coordenar os meios à disposição do Estado e das atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados23. Cada vez mais o tema das políticas públicas vai se infiltrando entre as preocupações do jurista, tendo merecido, no entanto, pouco trabalho sistemático, nessa área. Não obstante, numa época em que o universo jurídico se alarga - em que os direitos sociais e transindividuais deixam se ser meras declarações retóricas e passam a ser direitos positivados em constituições e leis, em busca de efetividade -, não seriam as políticas públicas um foco de interesse juridicamente pertinente, como “esquema de agregação de interesses e institucionalização dos conflitos? Adotar a concepção das políticas públicas em direito consiste em aceitar um grau maior de interpenetração entre as esferas jurídica e política ou, em outras palavras, assumir a comunicação que há entre os dois subsistemas, reconhecendo e tornando públicos os processos dessa comunicação na estrutura burocrática do poder, Estado e Administração Pública. E isso ocorre seja atribuindo-se ao direito critérios de qualificação jurídica das decisões políticas, seja adotando-se no direito uma postura crescentemente substantiva e, portanto, mais informada por elementos da política. No caso da política pública de saúde a interseção entre as esferas jurídica e política, decorre do próprio texto constitucional (artigos 197 e 129, II) “cabe ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre a regulamentação, fiscalização e controle das ações e serviços de saúde, considerando-se a sua relevância pública....”. O texto constitucional afirma que a ação “ações e serviços de saúde são de relevância pública” (art. 197). A mesma constituição disse ser função institucional do Ministério Público “zelar pelo efetivo respeito aos poderes públicos e dos serviços de relevância pública a aos direitos assegurados nesta constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia” (art. 129, inciso II). A literalidade do texto constitucional impõe ao ministério público o cuidado com o sistema de saúde. Todavia, é da essência do ministério público a sua atuação dentro do sistema único de saúde. _____________________ 22. Política Municipal para a Pessoa Portadora de Deficiência. vol. 3, CORDE, 1998 HUGO Assman, “Carta a Santo Agostinho” in O Estado de São Paulo, caderno Cultura, 28.10.1995, p. D-8. 23. A tarefa de defender a ordem jurídica determina que o Ministério Público exija o integral respeito à Lei 8.080/90 e da Lei 8.142/90. A incumbência de defender o regime democrático não se restringe, para o ministério público, na tarefa de fiscalizar as leis. O controle social, em especial na saúde onde há sérias competências para os conselhos, é materialização e exercício do regime democrático. Não é possível ser defensor do regime democrático sem voltar sua atenção a existência, ao funcionamento e a efetividade das instâncias do controle social. 45 No que diz respeito à missão ministerial junto aos interesses sociais, o envolvimento do ministério público se deve não apenas por força dos reclamos da sociedade em favor da saúde, mas pela impossibilidade de termos o direito à saúde para algumas pessoas concedido e a outros negado. Ou toda a sociedade é saudável, ou não há saúde. Impossível a criação de ilhas individuais de saúde. Ou se assegura a todos o direito à saúde, ou inexiste saúde. Essa indivisibilidade da saúde impõe ao ministério público a defesa do sistema criado para proteção do direito da cidadania à saúde. Esses imperativos constitucionais levaram os membros do Ministério Público a crescentemente se envolverem em questões do Sistema único de Saúde, ao mesmo tempo que a sociedade passou a buscar no Ministério Público solução para alguns dos seus anseios não respondidos pela administração do Sistema Único. O Ministério Público tem o instrumento da ação civil pública através da tutela específica para compelir o Gestor de Saúde a melhorar ou ampliar os serviços de saúde. A ação civil por ato de improbidade administrativa é mais adequada para responsabilizar os maus gestores por desvio de verba nos serviços de saúde pública. A Décima Conferência Nacional de Saúde destinou em um dos seus capítulos do relatório final uma seção inteira ao Ministério Público, dirigindo-lhes postulações. Entre outras deliberaram por: “defender que o Ministério Público seja o tutor da legislação da Saúde, da Assistência Social e do Estatuto da Criança e do Adolescente, fiscalizando sua implantação e a sua execução nos setores públicos e privados, e tomando as providências cabíveis no caso de descumprimento do texto legal”. O Conselho Nacional de Procuradores de Justiça do Brasil, na reunião realizada em Palmas, Estado do Tocantins, de 07 a 08 de agosto de 1998, após longas e produtivas discussões votou e aprovou a CARTA DE PALMAS EM DEFESA DA SAÚDE. Dentre as conclusões aprovadas, as seguintes: Ações Imediatas do Conselho Nacional de Procuradores Gerais de Justiça - Instituir a “Comissão Permanente de Defesa da Saúde”, no âmbito do Conselho Nacional, integrada por Procuradores Gerais de Justiça, Procuradores de Justiça, Promotores de Justiça e Procuradores da República convidados, visando assegurar a atuação do Ministério Público na tutela das relações da saúde. Organização Institucional - Ao Ministério Público dos Estados que assim ainda não procederam, recomendar: a) Ao Ministério Público dos Estados a instituição de Promotorias de Defesa da Saúde ou outro órgão com atribuições equivalentes, nos moldes sugeridos pela X Conferência Nacional de Saúde. Portanto, a competência federal atribuída nas causas de interesse do Sistema Único de Saúde, não é pacífica, inclusive alguns Estados da Federação já criaram as Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde, a exemplo do Rio Grande Sul, Paraná, Minas Gerais e Distrito Federal. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios criou e definiu as atribuições da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde – PROSUS, a qual poderá 46 utilizar-se das medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis para assegurar sua atuação, como a propositura de Ação Civil Pública e outras medidas que entender pertinentes. Exemplos de Atuações da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde Dentre outras atribuições, incumbe à PROSUS fiscalizar, no âmbito do cumprimento da Lei n° 8080/90, a regularidade, necessidade e execução dos convênios e contratos firmados entre o Sistema Único de Saúde - SUS e entidades sem fins lucrativos e filantrópicos, além daquelas entidades de iniciativa privada e profissionais liberais voltados à promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como o cumprimento do disposto no art. 38 da lei acima indicada. l) Assim, na busca de verificar a legalidade dos contratos administrativos entre o SUS e as pessoas jurídicas de direito privado, visando o respeito ao princípio legal da complementariedade do Serviço Público de caráter temporário, a PROSUS entrou em contato com a Secretaria de Saúde de Brasília - DF, e através das informações obtidas, inclusive com a análise de um Procedimento Administrativo para Credenciamento de Hospital Privado, resolveu tomar, dentre outras, as providências abaixo declinadas: Determinou a abertura de Inquérito Civil, e após estudo acurado do caso que ainda encontra-se em trâmite, verificou-se várias irregularidades no processo do credenciamento dos hospitais privados, bem como flagrante inexistência do indispensável contrato administrativo de todos os prestadores de serviço público de caráter privado, ou seja, hospitais privados credenciados para prestar serviço público sem o devido processo legal de contratação. Portanto, após o estudo do caso que resultou no Parecer n° 003/98-PROSUS, foi expedida RECOMENDAÇÃO à Secretaria de Saúde do DF, subscrita pelo ProcuradorGeral de Justiça e pelos Promotores de Justiça da PROSUS, para que, no prazo estipulado, cumprisse as determinações legais, realizando os contratos administrativos com os prestadores de serviços de saúde privados. Obtivemos informação de que a SES/DF está regularizando a situação dos hospitais credenciados, conforme determinação ministerial, no que pertine à especialidade de hemodiálise, devendo regularizar a situação com outros prestadores de serviço. 2) Outra atribuição da PROSUS é fiscalizar as execuções das atividades de vigilância sanitária e epidemiológica, de saúde do trabalhador, de assistência terapêutica e farmacêutica. Assim, com base nesta atribuição, estamos sempre em contato com os agentes de Fiscalização Sanitária que nos informam da existência de irregularidades neste âmbito. A primeira atuação da PROSUS nessa área foi a realização de inspeção e de Termo de Ajustamento de Conduta, com multa pecuniária pelo descumprimento, com a empresa Viação Planalto Ltda - VIPLAN, empresa de transporte urbano, que por diversas vezes foi autuada por desrespeitar as normas sanitárias, trazendo risco à saúde da população por manter depósito de sucatas a céu aberto, sem respeitar as determinações do Serviço de Vigilância Sanitária e da Fundação Nacional de Saúde FNS, propiciando a proliferação do mosquito transmissor da Dengue. Os agentes da Fiscalização de Saúde informaram o problema à PROSUS e em audiência realizada com o Representante da Empresa, os Agentes de Fiscalização de Saúde e os Agentes da FNS foi assinado TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA, em que a empresa se obrigou a cumprir as determinações dos agentes no prazo de trinta dias, sob pena de pagamento de multa diária pelo descumprimento do acordo. 47 3) Incumbe a PROSUS fiscalizar o respeito aos princípios constitucionais da GRATUIDADE, INTEGRALIDADE e UNIVERSALIDADE das ações e serviços de saúde nos setores públicos e privados. Isto significa dizer que é obrigação institucional do Ministério Público zelar pela garantia da gratuidade dos serviços públicos e dos serviços credenciados junto ao SUS /DF, devendo esclarecer a sociedade através de programas de incentivos à participação nos Conselhos de Saúde, atuando judicial ou extrajudicialmente para preservar esse direito. Incumbe, ainda, fiscalizar a formação e o funcionamento dos Conselhos de Saúde, bem como os repasses dos recursos ao Fundo de Saúde existente. A Constituição Federal institucionalizou o Ministério Público como Órgão de Controle Social na preservação dos direitos fundamentais. Nesta ordem, incumbe ao Ministério Público fiscalizar a formação paritária dos membros do Conselho de Saúde, evitando possíveis ilegalidades, velando pelo cumprimento das decisões, sempre de acordo com a Constituição e as leis ordinárias que regem a matéria. 4) Como fiscal da lei, o Ministério Público deve velar pelo respeito aos princípios que regem a Lei 8.l12/90, verificando o cumprimento da determinação de abertura de processo de sindicância e/ou administrativo para apurar as responsabilidades, quando se vislumbre a possibilidade de ter havido erro ou negligência por parte dos profissionais da área da saúde. Desta forma, a PROSUS, através da Abertura de Procedimento de Investigação Preliminar originado de um caso em que uma paciente de um hospital público sofreu lesões corporais decorrentes, em tese, da atuação do médico, foi apurada a inexistência da abertura do devido Processo Administrativo (Sindicância), mesmo tendo a parte interessada e diretamente prejudicada manifestado o interesse, afrontando determinação expressa da lei. Após o parecer n° 004/98-Prosus, a PROSUS resolveu RECOMENDAR ao Diretor Executivo da Fundação Hospitalar do Distrito Federal que determinasse a todos os diretores de hospitais públicos o cumprimento da lei, no que toca à abertura do Processo Administrativo Disciplinar para apurar os casos de erros praticados nos procedimentos na área da saúde, sob pena de responderem pela omissão. 5) Nesse mesmo caminho de velar pelo fiel cumprimento da Lei n° 8.112/90, a PROSUS, após analisar os fatos apresentados por autoridades da Fundação Hospitalar do Distrito Federal, ofereceu denúncia contra um médico anestesiologista que faltou injustificadamente ao seu plantão, colocando em risco vidas que necessitavam de intervenção cirúrgica urgente e buscavam socorro nos hospitais do GDF. A ação está tramitando na Vara Criminal de Sobradinho. Este fato deu origem à Recomendação n° 003 /98-PROSUS, e foi determinado aos dirigentes de instituições hospitalares que afixassem, diariamente, em local de fácil acesso ao público, as escalas de plantão dos profissionais da área de saúde e do pessoal de apoio que efetivamente estarão de plantão naquele dia. 6) A PROSUS tem atribuição também para zelar pelo efetivo respeito às normas sanitárias relativas ao denominado "lixo hospitalar" (que são os resíduos sólidos dos estabelecimentos de saúde - RSS), fiscalizando a forma de manejo, coleta, transporte, armazenamento e destino final, dentro dos critérios de segurança que visem a minorar não só o impacto ambiental, mas assegurar a saúde do pessoal que maneja direta ou indiretamente os resíduos hospitalares. 48 Para esse fim foi instaurado Inquérito Civil para apurar a real situação do tratamento global do lixo hospitalar no DF e tomar as medidas legais e administrativas cabíveis. 7) Ainda usando suas atribuições, a PROSUS, após receber a informação de ocorrência de irregularidade, realizou investigações e apurou a existência de funcionários que, residindo fora do Distrito Federal, aqui vinham no final de cada mês, assinavam seus pontos retroativamente e recebiam os salários indevidamente, pagando parte dos salários recebidos para outros funcionários substituí-los, prejudicando o serviço público e caracterizando possível venda de plantões, o que significa dizer, a ocorrência de improbidade administrativa. A PROSUS ajuizou Ação Cautelar visando a quebra de sigilo bancário para que esses profissionais sejam obrigados a ressarcir a União dos valores que receberam indevidamente, sem prejuízo de outras sanções. A ação tramita na Vara Cível de Planaltina. 8) Após receber várias reclamações, a PROSUS vem investigando o caso dos anteconcepcionais Microvilar e Ciclo 21 fornecidos pela Fundação Hospitalar no período de junho a dezembro/1998 que estavam com defeito. 9) Cabe, ainda, à PROSUS fiscalizar o exercício dos profissionais de saúde, verificando, entre outras situações, se os mesmos estão habilitados para exercer as atividades a que se propõem. Assim é que, investigando denúncia apresentada à Promotoria e vislumbrando indícios de exercício ilegal da medicina, a PROSUS ingressou em juízo com um Mandado de Busca e Apreensão contra um técnico em ótica que estava exercendo, ilegalmente, atividades de médico oftalmologista, o que não é permitido pela legislação brasileira. A ação está tramitando e o caso foi amplamente divulgado pela imprensa local 10) Chegou ao conhecimento da PROSUS o fato de que à anos algumas crianças que sofrem de problemas oftalmológicos estão em tratamento no Hospital de Base do DF e estão aguardando uma intervenção cirúrgica para correção do problema. No uso de suas atribuições, a PROSUS, após posicionar-se sobre o assunto no Parecer n° 008/99PROSUS, recomendou ao Diretor do HBDF que, considerando o Estatuto da Criança e do Adolescente, desse prioridade de atendimento às crianças. No início deste ano, as crianças foram operadas. 11) Alguns pacientes da Fundação Hospitalar do DF têm enfrentado dificuldades para marcarem data para se submeterem a cirurgias indicadas por médicos da própria FHDF e, quando conseguem, muitas vezes as datas são remarcadas. Em casos emergenciais a PROSUS, no uso de suas atribuições, tem recomendado aos Diretores dos Hospitais Regionais que procedam ao encaminhamento dos pacientes e realizem a cirurgia solicitada, o que vem produzindo efeitos favoráveis e satisfatórios. Muitas pessoas têm retornado para dizer que foram atendidas e foram submetidas à cirurgia de que necessitavam. O Ministério Público vem atuando preventivamente em situações que poderão trazer algum prejuízo à sociedade ou que, de fato, estão há muito esquecidas pelas autoridades responsáveis. É o caso do extenso trabalho que tem sido feito com vistas a incrementar as políticas de saúde mental no DF, resgatando, assim, a cidadania daquele que se julgava exclusivamente como "doente mental", tratando-o como um verdadeiro ser de direitos sociais e respeitando a sua dignidade humana, deixando de excluí-lo do convívio social e implementando obrigações do Poder Público de engajá-lo na coletividade e em especial, a situação dos detentos portadores de deficiência mental. 49 Outras circunstâncias em que se pode verificar trabalhos do Ministério Público no sentido de prevenir são: nas fiscalizações locais feitas nas clínicas médicas e hospitais públicos; nas fiscalizações feitas em conjunto com a Secretaria de Vigilância Sanitária em locais onde se verificar a prática de irregularidades, bem como a inobservância das normas sanitárias legais, como clínicas odontológicas, laboratórios de exames, farmácias, objetivando que os usuários dos serviços de saúde no Distrito Federal tenham uma boa assistência médico-hospitalar; no acompanhamento de ações para que não faltem medicamentos nos Hospitais Regionais para tratamento de determinadas doenças tais como câncer, aids, tuberculose; na elaboração de normas educativas e regulamentadoras na área de saúde, com a finalidade de orientar e evitar intercorrências que gerem reclamações, sendo exemplo mais recente a participação da PROSUS na elaboração da "Norma Brasileira para Comercialização do Alimento para Lactentes e sua fiscalização. Existe uma tarefa de qualificarmos todos – sociedade e estado- para o desafio da realização da constituição. A democracia vai sendo internalizada em nossa cultura. A cada dia cidadãos, ministério público e gestores aprendem mais uns com os outros. Esses atores do sistema único de saúde vão se aperfeiçoando em seus papéis, conhecendo-se, aproximando-se e dialogando em um estado democrático de direito. 11. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Alexandre de Moraes24 sustenta que o Direito Constitucional Administrativo assenta-se em dois grandes pilares: a probidade e transparência na gerência da “res pública” e a “eficiência na prestação de serviços públicos”. A finalidade do combate constitucional à improbidade administrativa é evitar que os agentes públicos atuem em detrimento do Estado, pois, como já salientava Platão, a punição e o afastamento da vida pública dos agentes corruptos pretende fixar uma regra proibitiva de que os servidores públicos não se deixem “induzir por preço nenhum a agir em detrimento dos interesses do Estado” (República). _________________ 24 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional Administrativo. Ed. Atlas. 2002. A previsão constitucional de combate à improbidade administrativa, portanto, zela pela manutenção da retidão e da honestidade na conduta dos negócios públicos, pois, como afirmado por Cícero, “fazem muito mal à República os políticos corruptos, pois não apenas se impregnam de vícios eles mesmos, mas os infundem na sociedade, e não apenas a prejudicam por se corromperem, mas também porque a corrompem, e são mais nocivos pelo exemplo do que pelo crime” ( As leis, III.XIV, 32). 11.1 Conceito de Improbidade O conceito de improbidade é o contrário de probidade, que vem do latim probitas, cujo radical significa crescer retilíneo, era aplicada às plantas. Em sentido moral significa a atitude de respeito total aos bens alheios e constitui o ponto 50 essencial para a integridade do caráter. “O homem probo, define Fernando Bastos de Ávila25: “é firme nas promessas que faz, é sincero com os outros, incapaz de se aproveitar da ignorância ou fraqueza alheia. No campo administrativo ou em sentido profissional, traduz a idéia de honestidade e competência no exercício de uma função social”. De conduta inversa do que acima foi dito, temos improbidade administrativa cujo sujeito ativo será, portanto, aquele que estiver investido de função pública, seja qual for a forma que a ela tiver sido guindado, a condição da qual se revista, em caráter temporário ou efetivo e que importe no gerenciamento, na destinação ou aplicação dos valores, bens e serviços cuja gestão tenha por finalidade, o público. Admite co-autoria que por sua vez independe da qualidade de quem a tanto se prestar. 26 Alexandre de Moraes elucida: “O ato de improbidade administrativa exige para sua consumação um desvio de conduta do agente público, que no exercício indevido de suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais da Sociedade, pretendendo obter vantagens materiais indevidas ou gerar prejuízos ao patrimônio público, mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções, como ocorre nas condutas tipificadas no art. 11 da presente lei”. 27 Conforme o magistério de Marino Pazzaglini Filho: “A improbidade administrativa significa o exercício de função, cargo, mandato ou emprego público, sem a observância dos princípios administrativos da legalidade, da impessoalidade, da publicidade, da moralidade e da eficiência. È o desvirtuamento do exercício público, que tem como fonte a má-fé”. Estas características acima elencadas encontram-se nos arts. 9º, 10 e 11 da referida lei com a finalidade de fazer valer o interesse coletivo e sobrepujá-lo ao individual. É comum confundir ato de improbidade administrativa com ato ilegal e lesivo ao patrimônio público, pressuposto básico da ação popular. O conceito de _________________ 25 ÁVILA, Fernando Bastos de. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo MORAES, Alexandre de. Obra citada, pág. 320 27 PAZZAGLINI FILHO, Marino, Lei de Improbidade Administrativa Comentada, p.‟‟ 26 improbidade é bem mais amplo28. É o contrário de probidade, que vem do latim probitas, cujo radical probus significa crescer reto. No sentido moral significa qualidade de probo, integridade de caráter, honradez. Logo, improbidade é o mesmo que desonestidade, mau caratismo, falta de pundonor, ato contrário à moral. Entretanto, em termos de direito positivo, conforme se pode verificar do texto constitucional e dos dispositivos de lei específica adiante mencionados, a moralidade não se confunde com probidade. Há entre eles relação do gênero para a espécie. A primeira compreende o conjunto de valores inerentes à criatura humana que devem reger, em geral, a vida em sociedade. A segunda pressupõe essa retidão de conduta no desempenho de uma atribuição determinada, mas, com zelo e competência. Por isso, improbidade administrativa pode significar má qualidade de uma 51 administração não envolvendo, necessariamente, falta de honradez no trato da coisa pública. Aliás, improbidade vem do latim “improbitas”, que significa má qualidade de determinada coisa. Não é por outra razão que a Constituição impõe a observância do princípio da eficiência no serviço público, isto é a diligência funcional do agente público para atingir o resultado máximo com o mínimo de tempo dispendido. Assim, improbidade administrativa é gênero de que é espécie a moralidade administrativa 29. Do exposto, podemos conceituar o ato de improbidade administrativa não só como sendo aquele praticado por agente público, contrário às normas da moral, à lei e aos bons costumes, ou seja, aquele ato que indica falta de honradez e de retidão de conduta de modo a proceder perante a Administração Pública direta, indireta ou fundacional, nas três esferas políticas, como também, aquele ato timbrado pela má qualidade administrativa. Ora, se o agente administrativo não conduzir sua ação para o bem comum ele, fatalmente, descumprirá a conduta disciplinada, cometendo a improbidade administrativa, regulada pela Lei 8.429/92. 12. IMPROBIDADE NAS TRÊS ESFERAS DE PODER Convém lembrar que a Administração Pública não se limita ao Poder Executivo. O Poder Executivo é aquele incumbido da tarefa de preponderantemente, executar as leis e administrar os negócios públicos, isto é governar. O executivo não interfere na atividade jurisdicional, mas, cabe-lhe à nomeação de ministros de tribunais superiores, sob o controle do Senado Federal (art. 84, XIV, CF). Cabe-lhe, ainda, a faculdade de elaborar e enviar ao Legislativo o projeto de lei, bem como, o poder sancionar ou vetar a propositura legislativa aprovada pelo Poder Legislativo, ressalvada a este último Poder a faculdade de derrubar o veto por deliberação da maioria absoluta de seus membros (art. 84, III, IV, V, CF). É nessa esfera de Poder, que se encontra a Gestão do Sistema de Saúde nas três esferas de governo, federal (Ministro da Saúde), estadual (Secretário de Estado da Saúde) e municipal (Secretário Municipal de Saúde), inclusive, onde os atos caracterizadores de improbidade administrativa, encontram seu campo mais fértil para disseminarem-se. _________________ 28 DAHER, Marlusse Pestana. Improbidade Administrativa. In Direito na WEB.adv.br.2001 HARADA Kiyoshi.www.uj.com.br/publicações/doutrina 29 O Poder Legislativo, preponderantemente, exerce a função de criar normas jurídicas gerais e abstratas para regular a vida em sociedade, mas, nesse processo legislativo participa o Executivo como vimos. O Poder Judiciário é aquele voltado, fundamentalmente, para a administração da justiça mediante a aplicação das leis às hipóteses de conflitos de interesses, objetivando sua composição. Não participa do processo legislativo, porém, cabe-lhe a prerrogativa de declarar a inconstitucionalidade das leis, não as aplicando nesse caso. A jurisdição, assim entendida como o poder estatal de aplicar a lei ao caso concreto nas relações entre indivíduos, ou entre os indivíduos e a sociedade, com o fito de promover a justiça, é monopólio do Poder Judiciário. Ela é inafastável por força do art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal. 52 A exemplo do Executivo, os Poderes Legislativo e Judiciário, também exercem atividades que extrapolam de suas atribuições próprias, quando promovem certame licitatório para a aquisição de bens ou execução de obras, quando efetuam o pagamento da folha, quando instauram sindicâncias ou inquéritos administrativos para apuração de faltas disciplinares de seus servidores etc. 12.1 Improbidade legislativa Como já se disse, a improbidade administrativa grassa nas três esferas do Poder, porque todos eles praticam atos de administração. A incidência dos atos de improbidade no âmbito do Poder Executivo é maior, porque é o Poder vocacionado para governar, abrindo um vasto campo de atuação dos agentes públicos, propiciando condições favoráveis à atuação de agentes inescrupulosos. Mas não é só. Os legisladores, também, podem cometer ato de improbidade no exercício da função típica. Assim, os próprios atos legislativos podem abrigar atos de improbidade. Uma lei que, de um lado, previsse demissão em massa de servidores públicos e, de outro lado, a contratação de outros tantos, configuraria um ato de improbidade. Da mesma forma, qualquer instrumento normativo de caráter concreto, que beneficie um indivíduo ou um grupo de pessoas em detrimento do interesse público seria um ato de improbidade. 12.2 Improbidade judicial O Poder Judiciário, igualmente, não é imune à prática de atos de improbidade no exercício da atividade jurisdicional. Seus membros, no exercício da função típica podem incorrer em atos de improbidade. Eventual decisão judicial, que implicasse inovação legislativa, para beneficiar ou agravar alguém, em tese, caracterizaria ato de improbidade. Outrossim, a prestação jurisdicional é um serviço público essencial, insuprimível e indelegável, constituindo-se em monopólio do Poder Judiciário. Assim, a prestação desse serviço, sem zelo e competência, comprometendo o princípio constitucional da eficiência, constitui ato de improbidade que, nem sempre envolve enriquecimento ilícito do agente público ou prejuízo ao erário. 53 13. OS SUJEITOS DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA O Art. 1º da Lei 8.429/92 enumera os órgãos ou entidades que podem ser vítimas de improbidade administrativa praticada por agentes públicos, servidores e empregados que integram seu quadro de pessoal. O traço semelhante entre eles reside em suas atribuições de gestões de verbas públicas e de exercício de atividades públicas ou privadas de interesse público 30. Os sujeitos da improbidade administrativa na visão de Carlos Frederico Brito dos Santos31 podem ser classificados como ativos (aqueles que praticam o ato) e passivos (as pessoas jurídicas que sofrem as conseqüências éticas ou materiais da ação dos agentes ímprobos), ambos podendo ser subdivididos em próprios e impróprios. Os sujeitos ativos próprios estão definidos no Art. 2º da LIA e são todos aqueles que exercem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no art. 1º, caput e parágrafo único, e que englobam qualquer órgão da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da receita anual, bem como em entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da receita anual. Os sujeitos ativos impróprios, estão definidos no art. 3º da LIA, e são aqueles que, mesmo não sendo agente público, induzem ou concorrem para a prática do ato de improbidade administrativa ou dele se beneficiam sob qualquer forma direta ou indireta. Os sujeitos passivos próprios são as entidades estatais, como a União, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios, os Municípios, envolvendo a sua administração direta e suas autarquias e fundações. Os sujeitos passivos impróprios, asempresas incorporadas ao patrimônio público, as entidades para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da receita anual, bem como as entidades que recebam subvenção, benefício ou incentivo fiscal ou creditício, de órgão público bem como aquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da receita anual, casos em que a sanção patrimonial se limitará à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.. 13.1 Hospitais particulares conveniados ao SUS também são considerados agentes públicos. Os hospitais particulares que venham a exercer função pública delegada, conveniando-se ao Sistema Único de Saúde - SUS, também são considerados 54 _________________ 30 31 PAZZAGLINI Filho , Marino . Lei de Improbidade Administrativa Comentada , pág. 20 SANTOS . Carlos Frederico Brito dos . Obra Citada . Pág. 7 , 2002. agentes públicos e por isso são sujeitos as penalidades referentes ao crime de improbidade administrativa. A questão foi debatida e julgada pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao conceder o pedido do Ministério Público Federal para que os administradores do Hospital Tacchini fossem submetidos às punições previstas na Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa). “A denominação “agentes públicos”32 refere-se genérica e indistintamente a todos os sujeitos que servem ao Poder Público, considerando-se um “gênero” do qual são espécies os agentes políticos, administrativos, honoríficos e delegados (....) o que faz com que os sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa não sejam apenas os servidores públicos, mas, também, quaisquer outras pessoas que estejam de algum modo vinculadas ao Poder Público”, explicou o relator do processo, o ministro Luiz Fux. A partir do ano de 1995, passaram a ser noticiados problemas envolvendo o SUS no município de Bento Gonçalves (RS). O Ministério Público descobriu algumas omissões e cobranças de valores no atendimento da população carente. Depois de várias reuniões entre entidades públicas e privadas, profissionais da área biomédica e demais prestadores de serviço da área de saúde, foi instaurado um inquérito civil para apurar essa irregularidades. Durante o Processo, constatou-se que a Sociedade Dr. Bartholomeu Tacchini, que mantinha o hospital envolvido, havia instituído um plano de saúde, intitulado “Tacchimed”, o qual não possuia personalidade jurídica própria. O prejuízo do SUS ficou avaliado em R$ 576.042,85. “O SUS suportou despesas médicohospitalares de pacientes que constam na listagem de associados ao plano de saúde Tacchimed”, afirmou a denúncia do Ministério Público. Diante da confirmação da duplicidade de cobranças, o Ministério Público ingressou com uma ação cautelar requerendo a indisponibilidade de todos os bens dos acusados, com o intuito de garantir a eficácia da tutela jurisdicional buscada na ação civil pública por ato de improbidade administrativa e de reparação de danos movida contra os mesmos. O juiz da vara Federal de Caxias do Sul concedeu o pedido. Inconformados com a sentença, alguns dos acusados por ocupar as funções administrativas no Hospital Tacchini, interporam um recurso (agravo de instrumento) no Tribunal Regional da 4ª Região, alegando, entre outras coisas, que não se enquadravam como agentes públicos e que não existiam provas suficientes que comprovassem os atos de improbidade. O Tribunal atendeu ao recurso dos médicos, sustentando que “a indisponibilidade der bens não é medida que decorre ipso jure. Está sujeita a ação judicial pelo procedimento cautelar comum dos artigos. 788 e seguintes do CPC, que tratam das medidas cautelares inominadas e que tem como pressuposto para deferimento a presença da relevância do direito e do risco de dano”. No STJ, o Ministério Público interpôs um recurso contra a decisão do TRF. Por unanimidade, os ministros concederam o pedido. “As entidades privadas de assistência à saúde, podem participar, de forma complementar, por meio de celebração 55 de contrato de direito público ou convênio, do Sistema Único de Saúde. Em função da _________________ 32 STJ, 1ª Turma do Recurso. Relator Ministro Luiz Fux referida parceria, essas entidades hospitalares passam a receber verbas do Poder Público e, portanto, ficam subordinadas aos princípios regedores da Administração Pública, o que as torna passíveis de serem considerados „sujeitos ativos dos atos de improbidade” afirmou o relator. 14. HIPÓTESES QUE PODEM CARACTERIZAR A REALIZAÇÃO DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Diversamente das legislações infraconstitucionais anteriores (Leis n.º 3.164/57 e n.º 3.502/58) que somente se ocuparam do enriquecimento ilícito do agente público, a Lei 8.429/92 reprime três modalidades de atos de improbidade administrativa: aqueles que levam ao enriquecimento ilícito (art. 9.º), os que geram prejuízo ao erário (art. 10) os que violam princípios administrativos (art. 11) . Em cada um dos artigos a lei preocupou-se em definir a conduta característica da violação, arrolando exemplificativamente33, certas situações que a caracterizam. Esses atos implicarão na suspensão dos direitos políticos, na perda da função pública, na indisponibilidade dos bens e no ressarcimento ao erário, de conformidade com a forma de gradação legal. Essa lei tem, segundo o § 4º do citado art. 37, sanções próprias que não excluem as penas criminais (art. 12, da Lei 8.429/92). Após o advento da Lei de Improbidade Administrativa, o exercício da discricionariedade pelos agentes públicos, passa a ser redobrada, uma vez que basta o descaso aos princípios que regem a Administração Pública para que aqueles estejam sujeitos às sanções trazidas pela Lei, independentemente do enriquecimento ilícito que venham auferir ou do prejuízo que causem ao erário, conforme veremos. 14.1. Do enriquecimento ilícito O núcleo central do tipo vem expresso no caput do artigo, caracterizado pela obtenção “de qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida no exercício do cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º”. Marcelo Figueiredo 34 comentando a Lei de improbidade refere-se à de se delimitar a expressão “vantagem patrimonial indevida”, importância concluindo _________________ 33 Os artigos 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92 utilizam o termo notadamente, significando que além das hipóteses elencadas nos artigos outros poderão existir. Este é o posicionamento amplamente dominante na doutrina, conforme podemos verificar com Figueiredo Marcelo (Cf. Probidade Administrativa – Comentários à Lei 8.429/92 e Legislação Complementar, São Paulo: Malheiros, 2000, p.69), Melo Ari Cláudio (Cf. Improbidade Administrativa - Considerações Sobre a Lei 8.429/92 - Revista do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Revista dos Tribunais, n. 36, 1995, p. 17), Pazzaglini, Marino Filho, (Cf. Improbidade Administrativa - Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio Público, São Paulo: Atlas, 1998, p. 60). Em sentido contrário, ou seja, entendendo que as hipóteses 56 presentes nos artigos 9º, 10 e 11 são taxativas, podemos citar Dinamarco, Pedro da Silva (Cf. Requesitos Para a Procedência das Ações por Improbidade Administrativa in Improbidade Administrativa - Questões Polêmicas e Atuais. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 332. 34 FIGUEIREDO Marcelo. Probidade Administrativa – Comentários à Lei 8.429/92 e Legislação Complementar, São Paulo: Malheiros, 2000, p.68. pelo sentido amplo da expressão. Assim, considera a obtenção, o recebimento, direta ou indiretamente, de qualquer “interesse” que afronte o padrão jurídico de probidade administrativa, como suficiente para a incidência do referido dispositivo. A aceitação de hospedagem ou transporte gratuitos ou pagos por terceiros, por exemplo, pode caracterizar uma vantagem patrimonial. Desta maneira, não se faz necessário que a vantagem econômica seja obtida mediante prestação positiva, pode nada acrescentar, diretamente, à fortuna do agente ímprobo, correspondendo à poupança de despesas, ou seja, evita uma diminuição dos bens ou valores existentes no patrimônio do agente. A vantagem indevida é fruto de utilização imprópria da função pública, voltada para a busca de benefícios privados, que se constituem em valor, presente ou futuro, monetário ou não 35. Assim, todo o enriquecimento que esteja relacionado ao exercício da atividade pública e que não corresponda à contraprestação paga ao agente por determinação legal, constitui vantagem indevida. Note-se, inclusive, que, na maioria dos casos do art. 9º, a vantagem patrimonial conferida ao agente público não provém dos cofres públicos, mas sim de terceiros. Não é necessário que a vantagem indevida seja solicitada, basta que seja aceita, pouco importando se adveio de oferta, solicitação ou exigência 36 Dificuldade na ocorrência das hipóteses de enriquecimento ilícito diz respeito à prova. O administrador público desonesto, corrupto, normalmente se utiliza de terceira pessoa e raramente deixa vestígio que possa ser facilmente seguido. No entanto, é indispensável a prova do enriquecimento ilícito, uma vez que a presunção de inocência é garantia constitucional, inexistindo dispositivo legal que permita a inversão do ônus da prova neste caso.Outro ponto que não podemos deixar de abordar é o referente ao aspecto subjetivo do tipo, Para incidência do art. 9º da Lei 8.429/92 é necessário que o agente público tenha agido com dolo37. Nenhuma das modalidades deste artigo admite a forma culposa. A incidência do art. 9º da lei independe da ocorrência de prejuízo ao erário ou ao patrimônio das demais entidades do art. 1º, bastando a efetivação da vantagem indevida. Observe-se que as hipóteses constantes do art. 9º demonstram preocupação primordial como enriquecimento ilícito, sendo o prejuízo ao erário, em alguns casos, mera conseqüência do ato. Doze incisos compõem o artigo 9º, não sendo um rol taxativo. O que se verifica pela uso da expressão “notadamente”, que na lei significa “principalmente”, “sobretudo”, abrindo espaço para apresentação de hipóteses exemplificativas. Passaremos então a análise dos incisos do art. 9.º. que possam ocorrer com mais frequência pelo agente público de saúde. O art. 9º, I, refere-se ao recebimento de vantagem econômica de qualquer natureza pelo agente público, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente, dado por terceiro que tenha interesse passível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições daquele agente agraciado. Constitui um _________________ 57 35 BARACHO, José Alfredo de oliveira. O Enriquecimento ilícito Como Princípio Geral do Direito Administrativo. Revista Forense. Rio de Janeiro. Revista Forense n. 347, jul/set, 1999, p.170. 36 MARTINS, Júnior, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. São Paulo: Saraiva 2001, p.186 37 Segundo MIRANDA, Pontes de. “dolo é a direção da vontade para contrariar o direito” (Cf. Tratado de Direito Privado. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, Parte Geral, Tomo II, p..248 caso típico de enriquecimento ilícito que, para a sua configuração, basta o recebimento da vantagem econômica, não sendo necessária a atuação comissiva ou omissiva do agente público em prol do doador. A obtenção de vantagem patrimonial indevida, feita pelo agente público da saúde, em razão do exercício de cargo, mandato, função, etc., como deseja o art. 9º, da mesma Lei, levaria à caracterização de ato de improbidade administrativa, desde que o prejudicado tenha sido o erário38. O art. 9.º, II reporta-se ao recebimento de vantagem econômica pelo agente público para prática de ato específico, qual seja, facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1.º por preço superior do mercado (contratos super valorizados com empreiteiras). Note-se que as condutas visadas são reguladas pela Lei 8.666/93, que trata das normas gerais sobre licitações e contratos. Todos os procedimentos previstos neste inciso exigem processos licitatórios, com exceção da permuta que requer autorizativa e avaliação prévia dos bens. Caso ao administrador público em razão da vantagem econômica recebida determine a aquisição, troca, locação ou contratação de serviços com preços superiores ao praticado no mercado, ocorrerá além das hipóteses em questão, aquela prevista no art. 10, VIII, referente ao prejuízo ao erário em decorrência de fraude à licitação. Nesta hipótese verifica-se, além da violação ao princípio da moralidade e eficiência, afronta ao princípio da legalidade, uma vez que desatende às disposições contidas na Lei de Licitações que determinam a escolha da proposta mais vantajosa para a Administração Pública, na aquisição de medicamentos, por exemplo. No art. 9.º, III, o agente público recebe vantagem econômica para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor do mercado. Aqui, ao invés da Administração comprar, trocar, locar ou contratar serviço com superfaturamento, como ocorre na hipótese do inciso II, há o superfaturamento do que a Administração aliena, troca ou fornece, ocorrendo, também o prejuízo ao erário. As regras referentes à alienação de bens da Administração Pública estão dispostas no art. 17 da Lei 8.666/93, que também aborda a permuta. Deve-se, ainda, atentar para o disposto no art. 23, § 3º e 24, X, da Lei de Licitações. No âmbito da Administração Pública é prosaico o agente público dispor da coisa pública como se fosse um bem do acervo patrimonial. Não visualiza o prejuízo à coletividade decorrente da realização de negociatas, estando mais preocupados em beneficiar pessoas determinadas. O art. 9º, IV, aborda a modalidade de improbidade administrativa mais comuns nos quadros da Administração Pública brasileira que é a utilização particular de veículos, máquinas, equipamentos ou materiais de qualquer natureza, de propriedade ou de que estejam à disposição de qualquer das entidades mencionadas no 58 art. 1º, bem como a utilização de servidores públicos, empregados ou terceiros, contratados por essas entidades. _____________________ 38 VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Saúde Pública e Improbidade Administrativa, p.427 A avaliação do enriquecimento ilícito, neste caso, será feita mediante a apuração do valor dos materiais empregados na obra ou serviço, bem como o do aluguel e depreciação dos veículos, máquinas e equipamentos empregados. Havendo utilização de material humano será apurado o valor dos vencimentos e salários dos servidores públicos, empregados e operários, em razão do tempo de utilização dos seus serviços. Esta conduta traduz o estilo patrimonialista de se governar no Brasil e a sua aceitação pela sociedade de um modo geral. Quantas vezes flagramos carros oficiais destilando em shooping center, nos portões das escolas, em supermercados e quantas vezes denunciamos tais fatos? Quantos serviços particulares são prestados a prefeitos por funcionários da prefeitura, e o que é pior, em horário de expediente? Apesar de considerarmos todas essa condutas enquadradas no art. 9º, IV, este dispositivo deve ser analisado com ressalvas. Assim, a utilização do telefone da repartição pública para ligações particulares, pequenos favores prestados por subordinados como: pagar uma conta bancária, comprar um lanche, sem prejuízo da função pública, a utilização de canetas da repartição para anotações particulares, dentre outras condutas, não podem ser consideradas como improbidade administrativa, pois tais desvio são compreensíveis, não podendo ser avaliados como formas de enriquecimento ilícito, nem, tão pouco, condutas capazes de ocasionar prejuízos ao setor público. O art. 9º V, trata da tolerância para exploração ou prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, mediante o recebimento de qualquer vantagem econômica. Observe-se que a aceitação da vantagem econômica indevida se faz suficiente para a configuração do ato de improbidade, não sendo necessária a efetiva tolerância que, ocorrendo, seria o exaurimento da conduta. O art. 9º, VI, trata do recebimento de vantagem econômica para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º da lei. Essa forma de enriquecimento ilícito também é bastante comum no cenário da Administração Pública brasileira. Muitas vezes, visando ganhar concorrência o proponente, em conluio com agente público, oferece preço inferior ao custo da obra ou serviço, que, posteriormente, será compensado por meio de fraude nas medições, referente ao seu volume ou a natureza do material utilizado. As falsas declarações em medições de obras de pavimentação de estradas, por exemplo, são responsáveis por fabulosos desfalques na economia pública e enriquecimento acelerado de muitos empreiteiros e agentes públicos responsáveis pela fiscalização de tais obras. Pela leitura deste inciso, depreende-se que o agente público ímprobo, neste caso, deverá possuir qualificação técnica para realização de perícias avaliatórias. 59 O art. 9º, VII, por sua vez, reporta-se àquele agente público que, apesar de ter como fonte exclusiva de rendimento os vencimentos ou subsídios do cargo, não tendo sido agraciado com nenhuma herança ou prêmio lotérico, apresenta “milagrosamente” uma invejável evolução patrimonial. Assim, não se identificando a origem da evolução patrimonial do agente público, este poderá ser enquadrado na hipótese deste inciso. A lei 8.429/92 no art. 13, condiciona a posse ao exercício do cargo do agente público à apresentação da declaração de bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, atualizando-a anualmente. Entendemos que a evolução patrimonial injustificada do agente público autoriza a propositura da ação de improbidade. Note-se que a comprovação do ato de improbidade é feita em fase investigatória com a instauração de inquérito civil, ou outro procedimento administrativo, presidido pelo Ministério Público ou autoridade administrativa competente 39. Ora, é óbvio que em se tratando da hipótese do inciso VII, do art. 9º, sendo lícita a origem da evolução patrimonial esta, provavelmente, restará comprovada naquela fase. No entanto, não se conseguindo detectar a origem daquela evolução, nada impede a propositura da ação cabível, com fundamento no referido dispositivo legal. Assim, nesse ponto, concordamos com Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves40 quando afirmam que é desnecessário que o autor da ação demonstre qual o ato praticado pelo agente que ensejou uma evolução patrimonial incompatível com os seus rendimentos. Na hipótese do art. 9º, VIII, o agente público aceita emprego, comissão ou exerce atividade de consultoria para pessoa física ou jurídica que tenha interesse passível de ser atingido, ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente, durante a atividade. Não se faz necessário para a caracterização desta hipótese que haja relação empregatícia formal, bastando pagamento de comissão, ou assessoramento informal. Satisfaz a lei a simples aceitação do emprego, comissão, o que já constituiria o recebimento de vantagem indevida. No que concerne ao exercício de atividade de consultoria, este terá de ser efetivo. Não é necessário que o interesse privado seja satisfeito, sendo suficiente que as atribuições do agente público tenham a potencialidade de amparar os interesses da pessoa física ou jurídica. Obviamente que, cessado o vínculo do agente público com a Administração, nada impede que ele aceite o emprego, comissão ou exerça atividade de consultoria para pessoa privada.41 Segundo Marcelo Figueiredo, o fundamento maior deste dispositivo está relacionado ao princípio da impessoalidade. Afirma o autor que “a Administração deve ser imparcial; sendo assim, não pode haver relação de dependência ou hierarquia entre agentes públicos e particulares, ausente o princípio da legalidade em situações dessa jaez.42 O art. 9º, IX, trata do recebimento de vantagem econômica para a intermediação da liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza. Verba pública de qualquer natureza abrange todo tipo de pagamento efetuado pela Administração Pública, designa toda importância em dinheiro que a lei orçamentária destina à satisfação de um serviço ou utilidade 43. A conduta constitui o conhecido “tráfico de influência” ou lobby. _________________ 39 Neste sentido, observar os arts. 14 e 15 da Lei 8.429/92 GARCIA. Emerson e Alves, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Lumens Júris, 2002, p, 270. 40 60 41 Cumpre esclarecer que no caso das Agências Reguladoras, a Lei 9.986/98 determina expressamente no seu art. 8º o impedimento imposto ao ex-dirigente da Agência de atuar no setor por esta regulado, por um período de quatro meses, contados da exoneração ou do término do mandato. 42 FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade Administrativa – Comentários à Lei 8.429/92 e Legislação Complementar, São Paulo, Malheiros, 2000, p.77. 43 PAZZAGLINI Filho, Marino, – Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio Público. São Paulo: Atlas, 1998, p.71. É bastante corriqueira no cenário nacional o patrocínio de interesses privados junto aos órgãos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como das demais entidades mencionadas no art. 1º e seu parágrafo único, exercido em razão da influência funcional, em troca de vantagens materiais. O que a lei veda é a intermediação remunerada do agente público. Desta forma, pouco importa que haja ou não a liberação ou a aplicação pretendida, ou que estas sejam lícitas ou ilícitas. O Administrador Público que determina ao encarregado do empenho que dê preferência ao pagamento de determinada obra ou serviço público, em desconformidade com a finalidade de destinação da verba, visando favorecer terceiro que lhe concedeu uma vantagem patrimonial indevida, será enquadrado neste dispositivo. O art 9º X, prevê a hipótese do agente público que recebe vantagem econômica, de qualquer natureza, para omitir ato de ofício, providência ou declaração. O ato de recebimento da vantagem é suficiente para caracterização da conduta, independente da efetiva omissão. O agente público não poderá omitir-se em seus deveres, salvo para eximir-se de cumprir ordem manifestamente ilegal. Tal hipótese guarda semelhança com o crime de prevaricação, previsto no art. 319 do Código Penal, distanciando-se deste por exigir o recebimento de vantagem econômica. O art. 9º XI, refere-se ao agente público que incorpora por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º da lei. A conduta prevista neste inciso abrange o assenhoramento, a apropriação, ou seja, a transferência de bens, verbas e valores do patrimônio público para o acervo particular, não se confundindo com o uso, abordado nos incisos IV e IX. Vale salientar que o administrador público ímprobo, normalmente não incorpora diretamente ao seu patrimônio bens, verbas ou valores públicos, preferindo utilizar-se de terceiro como “testa de ferro”, realizando todos os tipos de manobras para encobrir a incorporação. Talvez seja essa a razão da expressão “incorporar, por qualquer forma”, constante no inciso XI. Nesta última hipótese exemplificava de enriquecimento ilícito, prevista no art. 9º, XII, o legislador condena o uso, em proveito próprio, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º da lei. O uso da máquina administrativa para campanha político-partidária é apenas uma das formas de utilização do acervo público para fins privados. Outra prática 61 comum é aplicação de dinheiro público em determinada instituição financeira particular, em troca de elevado limite de crédito à conta pessoal ou à obtenção de empréstimo pessoal à custa de saldo médio da empresa. Também o agente que emprega o dinheiro público em propaganda que lhe garantirá a promoção pessoal esta nitidamente utilizando em proveito próprio verba pertencente ao ente ao qual presta serviços. O que difere esta conduta daquela descrita no inciso XI é que aqui a intenção do agente é o uso do patrimônio público, não a sua apropriação. 14.2. Do prejuízo ao erário O art. 10, da Lei de n.º 8.429/92 trata dos atos de improbidade administrativa que causam lesões ao erário. Em verdade, o referido diploma legal não poderia deixar de fora a administração desastrosa do agente público, normalmente envolto na visão de a coisa pública é de ninguém. Da mesma forma que o artigo 9º, o artigo 10 traz no caput o núcleo da conduta e mais treze incisos, enunciados exemplificativamente. O caput do artigo se refere a “lesão ao erário”, surgindo daí, a primeira indagação. Por que a lei utiliza neste artigo a expressão “erário” e não “patrimônio público” como nos demais? O erário é o fisco, a fazenda pública, o tesouro, refere-se ao aspecto econômico-financeiro. O patrimônio público é mais abrangente, pois abarca os bens de valor histórico, estético, cultural, artístico e turístico. A lei que regula a ação popular Lei 4.717/65 - e a Lei de Improbidade Administrativa gizam o conceito de patrimônio público.44 O prejuízo ao patrimônio público previsto no art. 10, poderá ser decorrente da ação ou omissão do agente público. Observe-se que a omissão dentro da Administração Pública, diferentemente da esfera privada, pode não significar apenas um não-fazer, mas um comportamento em desacordo com a exigência legal de agir45. Neste dispositivo, o legislador infraconstitucional, provavelmente em atenção ao princípio da eficiência que norteia a Administração Pública, considerando como dever jurídico de realizar a atividade administrativa visando a extração do número maior de efeitos positivos para o administrado e administração, pune a lesão ao erário decorrente da ação ou omissão dolosa ou culposa.46 Desta forma, tanto incidirá na hipótese do artigo 10 o agente público que causou, conscientemente, prejuízo ao erário em razão de sua conduta, como aquele outro que, mesmo não tendo previsto o dano o erário, agiu de forma imprudente ou negligente. A distinção entre a conduta dolosa e culposa aproveita, apenas, para fins de aplicação das penas 47, incidindo para o segundo caso sanções menos severas, dentre as arroladas no art. 12, II, observando, também, o seu parágrafo único. Pela análise dos incisos do art. 10, depreende-se que, diferentemente do art. 9º, existe aqui, normalmente, concessão indevida de vantagem a terceiro, alheio ao quadro administrativo, em detrimento da Administração Publica. Porém, nada impede que ocorra prejuízo ao erário sem consequente enriquecimento de quem quer que seja. Seria, por exemplo, a hipótese do agir negligentemente na conservação de patrimônio público (art. 10,X). 62 _________________ 44 SZKIAROWSKY, Leon Frejda. www.ambito jurídico. com br FAZZIO Júnior. Waldo. Improbidade Administrativa e Crimes de Prefeito. São Paulo: Atlas, 2000, p.115. 46 Neste ponto, vale esclarecer que as noções de dolo e culpa não são exclusivas do direito penal. Assim, no nosso sistema jurídico estão constitucionalizadas as expressões dolo e culpa e superam os limites penais, na medida em que o agente público que o agente público que causa dano à Administração Pública pode ser responsabilizado, desde que agindo pelo menos com culpa (art. 37, § 6º, da Constituição Federal). 47. Apesar do parágrafo único do art. 12 se referir apenas à extensão do dano e o proveito patrimonial para a fixação da pena, pensamos que o aspecto psicológico da conduta deve também ser considerado. 45 Da mesma forma, muitas das condutas elencadas no art. 9º além do enriquecimento ilícito do agente, acaretam prejuízo ao erário. Ocorre que, como as sanções do art. 9º são mais severas, este absorve o art. 10. O prejuízo ao erário, característico deste artigo, se revela pela perda, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação. Vejamos agora a análise das hipóteses exemplicativas expostas no artigo 10, da Lei 8.429/92. O art. 10, I, aborda a hipótese do agente público que facilita ou concorre para que a pessoa física ou jurídica incorpore ao se patrimônio bens, verbas ou valores integrantes ao acervo patrimonial das entidades mencionadas no artigo 1º, desta lei. A inobservância das formalidades previstas no art. 17, da Lei 8.666/9348 - autorização legislativa (em se tratando de bens imóveis), avaliação e licitação - constitui uma das maneiras de facilitar a incorporação de bens da Administração Pública. Como ato de improbidade desta natureza, com prejuízo ao patrimônio público, considerado na sua ampla noção, temos o caso do guarda florestal que permite que caçadores capturem animais em extinção. Observe-se que esta conduta difere daquela prevista no art. 9º, XI, em razão do benficiário. No dispositivo em análise, o benificiário não é mais o agente público e sim o terceiro. No art. 10, II, O agente público que permite ou concorre para que pessoa física ou jurídica utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no artigo 1º, sem observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie. Neste inciso, o núcleo da conduta é exposto pelos verbos permitir e concorrer, cujos significados não se distanciam daqueles trazidos no inciso I. No entanto, a conduta reprovada é o uso e não mais a apropriação. O art. 10 III, faz referência à doação de bens, verbas, rendas ou valores do patrimônio público à pessoa física, jurídica ou ente personalidade, mesmo que de fins educativos ou assistenciais, sem observância das formalidades legais ou regulamentares cabíveis à espécie. A doação de bens públicos, como forma de alienação, terá sempre caráter causístico, devendo ser expressa pelo legislador nos seus pressupostos condições e facilidades. Em se tratando de bem imóvel à pessoa física, jurídica ou ente despersonalizado, esta dependerá de autorização legislativa indicando o bem a ser 63 alienado e os limites a serem observados na alienação, caso o bem pertença à Administração Pública direta e entidades autárquicas ou fundacionais. 49 Também, exige_________________ 48. Tal dispositivo trata da alienação de bens da Administração Pública; A regra constante do art 17, inciso I, alínea b, impõe a vedação de qualquer doação para particulares teve sua vigência suspensa por decisão cautelar proferida pelo Supremo tribunal Federal em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 927-3/RS, promovida pelo Governador do estado do Rio Grande do Sul. Tal decisão, abrangeu também as disposições contidas na alínea c,do mesmo inciso I, a alínea b, do inciso II e o disposto no § 1º, do art. 17. 49 se para doação de bens imóveis pertencentes à Administração Pública em geral, a avaliação prévia e licitação na modalidade de concorrência. Em se tratando de bem móvel dependerá de avaliação prévia e de licitação, dispensada esta em se tratando de doação para fins e uso de interesse social, após a avaliação de sua conveniência e oportunidade sócio-econômica sobre as demais formas de alienação. O art. 10, IV, o agente público permite ou facilita a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio das entidades mencionadas no art. 1º da lei ou ainda a prestação de serviço por parte delas a terceiros, por preço inferior ao do mercado. Sabe-se que o agente público tem o dever de zelar pela boa administração do patrimônio público. A este é vedado permitir e facilitar a realização de maus negócios para a Administração Pública, aceitando preços subfaturados. Pela leitura do art. 17 da Lei 8.666/93, observa-se que a alienação e permuta devem ser precedidas de avaliação. Da mesma forma, a locação de bens públicos deverá seguir o preço praticado no mercado. Assim, concluímos que para a prática de tal conduta necessária se faz a participação do agente público responsável pela avaliação do bem. Caso, conduta descrita neste inciso, decorra vantagem econômica para o agente público responsável, incidirá o art. 9º, III. Por outro lado, havendo apenas a permissão ou facilitação das operações contidas no dispositivo, sem o subfaturamento, poderá incidir o art. 11, caput, da lei. Para incidência do art. 10, V, o agente permite ou facilita a aquisição, permita ou locação, por parte das entidades mencionadas no artigo 1º, de bem ou serviço por preço superior ao do mercado. Infelizmente, é comum no âmbito da Administração Pública brasileira a realização de contratos superfaturados. Contratos estes que, na maioria das vezes, possuem uma aparência de total legalidade, precedidos de avaliação e licitação, como exige a lei. Porém, sob esta “aparência” de legalidade, esconde-se uma série de negociatas, envolvendo, além de agentes públicos, empresas privadas que participam do certame licitatório. A Lei 8.666/93 traz uma série de dispositivos visando garantir o preço justo nos contratos formados pela Administração 50. O art. 25 § 2º da referida lei, em repúdio ao dano causado à Fazenda Pública, decorrente do superfaturamento na aquisição direta, prevê a responsabilidade solidária do agente público e do licitante, que participaram do processo. Trata-se de reparação de desfalque patrimonial infligido ao erário. 64 O superfaturamento nem sempre é de fácil demonstração, exigindo a realização de pesquisas de preços praticados à época do certame licitatório. O art. 10 VI, cuida da realização de operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitação de garantia insuficiente ou inidônea. _________________ 50 Art. 7º, § 2º, II; art. 15, III, §§ 1º a 6º; art. 17, art. 24, VIII e IX; 40, X; 43, IV; 48, II, dentre outros dispositivos contidos na Lei Realizar operação financeira significa comprometer o patrimônio público, através da realização de empréstimos, emissão de títulos de dívida ou, ainda, obrigar-se por títulos de crédito 51 As normas que regem as atividades das instituições financeiras públicas estão estabelecidas na Lei Federal n.º 4.595/64 e em regulamentos. A Lei de Responsabilidade Fiscal n.º 100, de 4 de maio de 2000, também estabelece diversas exigências para destinação dos recursos públicos ao setor privado. A segunda hipótese, prevista no dispositivo em análise, diz respeito à aceitação de garantia insuficiente ou inidônea na realização de operação financeira. Obviamente que, havendo garantia insuficiente ou inidônea, a operação financeira estará em risco, uma vez que em condições normais a operação não seria realizada. O art. 10, VII, prevê como ato de improbidade administrativa a concessão de benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares. Assim, os benefícios fiscais como isenção de impostos, perdão de dívida, anistia fiscal e remissão, somente podem ser deferidos através de lei, devendo abranger uma faixa de contribuintes, ligados pela mesma relação fática 52, Deve-se, ainda, atentar para o princípio da isonomia tributária, que não admite discriminação. Inobservados os requesitos legais e regulamentares aplicáveis à concessão de benefício desta natureza haverá prejuízo ao erário, na medida em que ou o poder público gastou o que não devia ou deixou de receber o que lhe cabia. Assim, caso haja autorização legislativa irregular, pensamos que os membros do legislativo, responsáveis pela mesma, poderão também, ser alcançados pela ação de improbidade administrativa com fundamento no artigo 10, VII 53. O art. 10, VIII, prevê a conduta do agente público que frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo, indevidamente Este inciso também estão intimamente entrelaçados com a Lei n.º 8.666/93. As licitações e contratações, que ocupam lugar de destaque no cotidiano da Administração Pública, pretendem ser instrumentos de democratização do acesso aos negócios públicos e de controle interno e externo de sua moralidade, legitimidade, eficiência, impessoalidade e economicidade 54. Não se pode desconhecer que a licitação é _________________ 51 FAZZIO Júnior. Waldo. Improbidade Administrativa e Crimes de Prefeito. São Paulo: Atlas, 2000, p. 122. 52 MACHADO, Hugo de Brito ao abordar a exclusão do crédito tributário, trata da isenção, anistia e remissão. Assim, segundo o autor, isenção é a exceção à regra de tributação feita por lei, que especifica as condições e requesitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo o caso, a sua 65 duração. Anistia é a extinção da punibilidade do sujeito passivo infrator da legislação tributária, impedindo a constituição do crédito. Remissão é a forma de extinção do crédito tributário, quer decorrente de penalidade ou de tributo (CF. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 178-183) 53 A lei que concede benefícios fiscais é classificada como lei de efeitos concretos, pois apesar de ser considerada lei no aspecto formal, do ponto de vista material atua como ato administrativo (Cf. Medina, Fábio Osório. Improbidade Administrativa - Observações sobre a Lei 8429/92. Porto Alegre: Síntese. 1998, p.107. 54 PEREIRA Júnior, Jesse Torres. Comentários à Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, nota do autor à 4ª edição. instrumento eficaz de moralização da Administração Pública que mesmo não evitando inteiramente possíveis abusos, pelo menos os coíbe de forma eficaz. A primeira situação prevista no predito dispositivo, refere-se à frustração da licitude do processo licitatório. Assim, frustra a licitude do procedimento licitatório o agente público que introduz no edital cláusula incompatível com a Lei 8.666/93, tais como: Exigência de bens de determinada marca; requisição de documentos não previstos nos arts. 27 a 31, etc. Outra conduta que leva à incidência do art. 10, VIII é a indevida dispensa do processo licitatório. Tal dispensa consiste em não promover a licitação sem causa legal que derrogue a regra de sua obrigatoriedade 55. Visa coibir o indevido alargamento das hipóteses em que não é exigida a licitação, razão pela qual abriga tanto a dispensa como a inexigibilidade indevida. O art. 10, IX constitui ato de improbidade administrativa ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento. Despesa pública é todo emprego ou dispêndio de dinheiro para aquisição de alguma coisa ou prestação de algum serviço, decorrente da escolha política do governante 56. O pagamento de despesa somente será ordenado e efetivado após regularmente processada sua liquidação, que consiste na verificação de liquidez do crédito, mediante o exame dos títulos e documentos comprobatórios pertinentes 57. Deve-se atentar que qualquer conduta administrativa visando a expansão das despesas deverá ser acompanhada da estimativa de seus custos no triênio e da declaração do ordenador de despesas atestando a existência de dotação orçamentaria suficiente e compatibilidade das despesas com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias. O art. 15 da Lei de Responsabilidade Fiscal traz, ainda, um dos requesitos da despesa pública orçamentária que seria a legalidade 58. Assim, para que a despesa possa figurar na Lei de Diretrizes Orçamentárias e desta para a Lei Orçamentária Anual, há necessidade de devida autorização legislativa, seja por lei específica ou que admita a abertura de crédito adicional 59 Para Vigliar60 condutas como a malversação culposa ou dolosa, o descaso com o controle dos gastos e o desperdício de recursos ao erário, levariam à conclusão de que um ato de improbidade teria sido realizado. Aqui, teríamos as condutas previstas no art. 10 da Lei 8.429/92, que por vontade expressa do legislador, atendendo ao comando constitucional do § 4º do art. 37, também poderia ser omissiva. Destaca exemplos dos incisos VIII e IX do Art. 10. As condutas ali previstas. (frustar ou 66 ______________________ 55. FAZZIO Júnior, Waldo. Improbidade Administrativa e Crimes de Prefeito. São Paulo: Atlas, 2000, p. 132. 56 NASCIMENTO, Carlos Valder do. Comentários ã Lei de Responsabilidade Fiscal. Organizadores: MARTINS, Ives Gandra da Silva e Nascimento. CARLOS Valder do. São Paulo: Saraiva, 2001,p. 107 57 FAZZIO Júnior, Waldo. Improbidade Administrativa e Crimes de Prefeito. São Paulo: Atlas, 2000, p. 108. 58 A Lei de Responsabilidade Fiscal (n.º 101/2000) diploma legal que trouxe limitações e maior rigidez ao dispêndio público, estabelece no art. 15 que “são consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17” 59 BARROS, Luis Celso de. Responsabilidade Fiscal e Criminal. São Paulo: Edipro, 2001, p. 76. 60 VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Obra Cit. p. 427 dispensar indevidamente o processo licitatório e ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento) revelam conduta tendente ao malbaratamento ou dilapidação dos bens que integram o patrimônio público. O art. 10, X prevê duas condutas culposas. Assim, agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como na conservação do patrimônio público, constituem atos de improbidade administrativa. O agente público responsável, seja qual for a razão, não poderá omitirse na cobrança da dívida ativa, sob pena de praticar ato de improbidade administrativa. Obviamente que a aplicação deste dispositivo pressupõe a efetiva ocorrência de dano ao erário, o qual se efetivará com o decurso in albis do prazo decadencial para realização do lançamento tributário ou do prazo prescricional para a cobrança do tributo ou da receita devida. A segunda hipótese de improbidade administrativa prevista no inciso X, do art. 10 trata da conservação dos bens públicos. Desta maneira, a deterioração dos bens públicos, causada por desleixo ou abandono, constitui lesão ao patrimônio Público, levando a incidência desta hipótese. No nosso país, é comum nos depararmos com escolas abandonadas, hospitais sucateados, materiais adquiridos para distribuição desperdiçados, igrejas desmoronando, enfim todo tipo de cenário que retrata a total negligência do Poder Público. O administrador público, tem o dever de zelar pela conservação do patrimônio público, adotando as providências no sentido de evitar a perda, perecimento ou dilapidação do acervo patrimonial que pertence a toda uma coletividade O art. 10, XI traz, também duas situações. Primeiro dispõe sobre a liberação de verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes. Segundo trata da influência para aplicação irregular de verba pública. No que concerne à liberação de verba, não interessa o destino dado à mesma. Para caracterizar a conduta ímproba, basta que a caracterização de verba não tenha observado os preceitos legais aplicados à espécie. Assim, a realização de despesas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais, a concessão de subvenção social à entidade privada que não tenha prestado contas 61, a realização de despesas sem empenho, são alguns exemplos que podem perfazer a improbidade administrativa. O art. 26 da Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece requesitos para liberação de recursos destinados a atender às necessidades de pessoas físicas ou jurídicas. Com efeito além da autorização legislativa, deverá atender às condições 67 estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias e estar prevista no orçamento ou em seus créditos adicionais. Influir para aplicação de verba pública em finalidade estranha daquela explicitada na lei ou regulamento, também caracteriza a improbidade administrativa. O conteúdo do art.10, XII é bastante amplo, podendo-se afirmar que engloba todas as demais modalidades previstas nesse artigo. Assim, o agente público que permite, facilita ou concorre para que terceiro enriqueça ilicitamente, pratica ato de improbidade administrativa. _______________ 61 MARTINS Júnior, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 221 Para incidência deste dispositivo é necessário que o terceiro tenha experimentado um acréscimo patrimonial ilícito em detrimento dos cofres públicos. Parece que o terceiro nesta hipótese legal, é alguém estranho aos quadros da administração pública. No entanto, nada impede que o agente público seja acionado judicialmente pela prática de ato de improbidade administrativa, na modalidade do art. 10, caput, por ter concorrido para o enriquecimento ilícito de outro agente público, com prejuízo ao erário. Entendemos que, sendo a preocupação da lei o agente público ímprobo, o terceiro que enriquece ilicitamente com a permissão, facilitação ou concorrência do agente público, será enquadrado também no art. 10, XII e não no art. 9º que aborda o enriquecimento ilícito, uma vez que a tipificação legal é estabelecida a partir da conduta do agente público. Observe-se, inclusive, que dentre as cominações previstas no art. 12, II, aplicado nas hipóteses do art. 10, consta a perda de bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio. Ora, tal previsão tem em vista o terceiro, uma vez que o agente público que tem bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio será enquadrado no art. 9º da Lei 8.429/92. Na Administração Pública não são poucos os casos de pessoas físicas e jurídicas, que são constantemente agraciadas em detrimento do erário. Predita situação é o reflexo da visão patrimonialista comum no âmbito da Administração Pública, principalmente entre os Chefes do poder Executivo, que costumam prestar favores em busca de prestígio político às custas do patrimônio público, ou melhor, a expensas do trabalho de toda uma coletividade. Segundo o art. 10, XIII causa prejuízo ao erário o agente público que permite que terceiro utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição da Administração Pública, como também do servidor público, empregados ou terceiros por ela contratados. Observe-se que o art. 9º, IV faz referência à mesma conduta quando o beneficiário ou utilização é o próprio agente público. Bastante comum, principalmente nos municípios mais pobres e distantes, onde a própria população aceita que o prefeito se comporte como dono e senhor do acervo municipal, que as pessoas ligadas àquele utilizem bens públicos para proveito pessoal. Desta forma, obras são realizadas em propriedades privadas com a utilização do maquinário e trabalhadores do município, carros oficiais costumam levar familiares do prefeito para compromissos pessoais em outras localidades, festas particulares contam com a colaboração de diversos servidores, utilizados como garçons, dentre outras hipóteses. 68 14.3 Da violação dos princípios administrativos Dentre as modalidades de improbidade administrativa, o art. 11 é a grande novidade, pois possibilita a imposição de sanções ao agente público que viola os princípios que regem a Administração Pública, independentemente do enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário. 69 A obrigação dos agentes públicos de velar pelos princípios administrativos vem expressa no art. 4º da Lei 8.429/92 62 e procura tutelar valores que devem inspirar a gestão da coisa pública. Assim, toda a conduta do administrador público deve obediência aos princípios administrativos, sejam eles explícitos ou implícitos. O caput, do art. 11 da lei de improbidade se refere à ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. Esses deveres são arrolados exemplificativamente, a eles se pode acrescentar a boa-fé, a impessoalidade, igualdade, proporcionalidade, dentre outros contidos nos princípios que norteiam a atividade administrativa. Com efeito, aplicam-se de forma direta esses princípios ao Sistema Único de Saúde – SUS, já que o setor de saúde possui certa autonomia de gestão diante do conjunto da administração da respectiva esfera de governo. Desta forma, infringem o art. 11, da Lei 8.429/92, aqueles violam os princípios de atenção à saúde e de gestão de do Sistema Único de Saúde, implícitos ou explícitos na Constituição Federal e Lei Orgânica da Saúde nº 8.080/90. Exige-se assim, a conduta ética do agente público. Pune-se a gestão desastrosa, atos que implique desonestidade, incompetência, pessoalidades. Enfim, condutas violadoras dos princípios que regem a Administração Pública. A inobservância dos princípios administrativos, implícitos ou explícitos, levará a incidência desse dispositivo legal, caso o agente público responsável tenha agido com dolo. Como veremos a seguir. Apesar do caput do artigo considerar ato de improbidade administrativa a violação do dever de legalidade, há que entenda que precisa estar associado à imoralidade para caracterizar a improbidade administrativa 63. Então além da necessidade de se provar a ilegalidade, deverá estar provado que o ato foi fruto da desonestidade, má-fé ou intolerável incompetência do agente público, reveladora do descaso no trato da coisa pública. Em consequência, para quem sustenta tal posicionamento, a violação dos princípios administrativos deverá sempre contar com um plus que seria a má-fé, essência da moralidade. Pensamos que a ilegalidade no âmbito da Administração Pública é intolerável e dificilmente haverá a violação autônoma do princípio da legalidade, ou seja, normalmente a ilegalidade está vinculada à imoralidade. Assim, considerando o Município de Salvador, por exemplo, onde o prefeito é assessorado por procuradores municipais concursados, bacharéis em direito, que presume-se conhecem bem as disposições legais e regulamentares, a violação do princípio da legalidade dificilmente ocorrerá de boa-fé, fruto de uma administração diligente. O artigo em comento é considerado residual em relação aos arts. 9º e 10, o que significa que sempre que ocorra a improbidade por enriquecimento ilícito ou _________________ 62 “Art. 4º Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade nos trato dos assuntos que lhes são afetos”. Observe-se que tal dispositivo repete o núcleo do art. 37, caput, da Constituição Federal, cuja emenda 19, de 4/6/1998, introduziu o princípio da eficiência. 63 FAZZIO Júnior, Waldo. Improbidade Administrativa e Crimes de Prefeito. São Paulo: Atlas 2000, p. 177. 70 prejuízo ao erário, haverá violação aos princípios administrativos. Desta forma, quando não for possível enquadrar o ato de improbidade administrativa naquelas duas primeiras modalidades, utiliza-se o art. 11 como regra de reserva. Em outra palavras, qualquer que seja o ato ímprobo perpetrado, haverá violação aos princípios administrativos. A primeira hipótese exemplificativa de improbidade administrativa por violação de princípios que regem a Administração Pública esta no art. 11, I que cuida da pratica de ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou daquele previsto na regra de competência. O caput, do art. 11 da lei de improbidade se refere à ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. Esses deveres são arrolados exemplificativamente, a eles se pode acrescentar a boa-fé, a impessoalidade, igualdade, proporcionalidade, dentre outros contidos nos princípios que norteiam a atividade administrativa. O administrativista gaúcho, Rui Cirne Lima64 afirma que na Administração Pública o bem não está vinculado à vontade ou personalidade do administrador, e sim à finalidade impessoal a que essa vontade deve seguir. Assim, o gestor de saúde que, por força de convênio firmado com o Governo do Estado, recebe verba especificamente destinada à construção de um hospital e decide construir um posto de saúde, está atuando com desvio de poder, uma vez que utilizou o numerário para finalidade diversa daquela estabelecida no instrumento de convênio 65. Para que se verifique o desvio de poder é preciso que exista ânimo predeterminado de atender a outros interesses distintos daqueles previstos em lei 66, sendo suficiente para sua caracterização que se demonstre que o administrador público agiu conscientemente apartado do fim previsto na norma, não se fazendo necessário apontar o fim efetivamente visado 67. O art. 11, II refere-se ao agente público que, indevidamente, retarda ou deixa de praticar ato de ofício. O agente público que retarda a prática de ato de ofício não realiza o ato inerente a sua função no prazo legalmente estabelecido ou deixa fluir prazo temporal relevante para sua prática, ocorrendo uma procrastinação do ato de ofício. Por outro lado, aquele que deixa de praticar ato de ofício, queda-se inerte, com o propósito de não o realizar. O não cumprimento de ato, em qualquer das duas formas omissivas, deve se dar de forma indevida, ou seja, sem que haja nenhuma causa justificadora. Sabe-se que na Administração Pública a atuação de seus agentes é pautada em normas legais e regulamentares, sendo-lhes conferidos deveres destinados ao atendimento de finalidades públicas. Assim, a omissão ou delonga injustificada na prática de ato constitui violação aos princípios da moralidade e eficiência uma vez que agride a _______________ 64 RUI Cirne Lima. Princípios de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p.22. A jurisprudência também traz decisões que reconhecem a improbidade decorrente de desvio de finalidade. Assim vejamos: “Apelação cível - ato de improbidade administrativa configurado - desvio de finalidade de verba destinada a fim específico - Falta de autorização da Câmara Municipal - alegada inexistência de prejuízos aos cofres públicos - constatada violação dos princípios da Administração Pública” (Ap. Cível nº 0107857900, Tribunal de Justiça do Paraná, Terceira Câmara Cível, rel. Des. Ruy Fernando de Oliveira, julgamento em 09/04/2002). 66 MARIN, Carmen Chinchilla. La Desviacion de Poder. Madri: Civitas, 1999, p.120 67 MARIN, Carmen Chinchilla. Obra Cit, pág. 125 65 71 obrigação de lisura e observância da finalidade legal, bem como contraria o dever da boa administração 68. O referido dispositivo legal possui ampla aplicação. Com efeito, o descumprimento de ordem judicial ou o não atendimento às requisições do Ministério Público bem como o Delegado de Polícia que deixa de instaurar inquérito policial requisitado pelo Promotor de Justiça constitui improbidade desta natureza. Da mesma maneira, pratica ato de improbidade administrativa, o médico que deixa de atender um paciente alegando falta de vagas na instituição. Vigliar69 exemplifica como hipótese do inciso II do art. 11, o do agente público que deixa de realizar um ato que, de ofício, deveria ser praticado, uma determinada epidemia, cujos indicadores de saúde apontavam como muito provável, considerando algumas condições que, uma vez presentes, levariam à sua eclosão, com a conseqüência de prejudicar a saúde pública. A regularidade das condições para tal epidemia tornavam o evento epidêmico certo. Enfatiza que suas conseqüências poderiam e deveriam ser evitadas e/ou minimizadas e controladas, para revelar respeito à saúde, ou para evitar gastos futuros e necessários ao combate da epidemia, ou no tratamento daqueles que foram acometidos pela doença. A omissão do agente público de saúde, no exemplo citado, acabou por expor indevidamente a saúde da população e, redundará na conclusão de que não fora observado o princípio da publicidade, fato que gera a caracterização de improbidade administrativa. Assevera que a informação tempestiva das condições epidêmicas apresentadas pelos indicadores de saúde, faria cumprir as funções próprias do princípio da publicidade que são a informação, a educação e a orientação 70. A publicidade, inclusive das medidas preventivas, proporcionaria a redução do impacto da epidemia. O art. 11, III prevê como ato de improbidade administrativa a revelação de fato ou circunstância que deva permanecer em segredo e de que se tenha conhecimento em razão das atribuições. Pune-se a violação do dever de lealdade para com a Administração Pública. Sabe-se que na Administração Pública prevalece o princípio da publicidade ou máxima transparência 71, segundo o qual à Administração deve agir sem nada ocultar, traduzindo-se na comunicação transparente à sociedade dos atos, contratos e procedimentos administrativos. No entanto, existem situações em que a divulgação prévia pode eliminar a viabilidade de medidas justificáveis, com prejuízo do interesse público. Com efeito a divulgação de fato que deve permanecer em segredo porque a sua revelação pode prejudicar ou pôr em perigo a realização dos fins perseguidos pelo Estado, constitui ato de improbidade administrativa 72. _____________ 68 FAZZIO Júnior, Waldo. Improbidade Administrativa e Crimes de Prefeito. São Paulo: Atlas 2000, p. 177. 69 VIGLIAR, José Marcelo Menezes, Obra Citada, pág. 427 70 MARTINS, Junior Wallace Paiva. (cfr. Probidade Administrativa. São Paulo: Saraiva, 2001, p.82-830 71 FREITAS, Juarez, O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 70 72 Segundo dispõe o art. 5º, XXXIII da Constituição Federal, “todos tem o direito a receber dos órgãos públicos informações do seu interesse particular, de interesse coletivo em geral, que serão prestadas no prazo de lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (grifo nosso). 72 Para incidência deste dispositivo, é preciso que o agente público tome conhecimento do fato que deva permanecer em segredo, em virtude do exercício da função inerente ao cargo que ocupa. Assim a conduta do agente que revela fato sigiloso que teve conhecimento ao folhear documentos na mesa de um colega, não se amolda a esta hipótese legal 73, podendo, no entanto, caracterizar a violação de princípios com fundamento no caput do art. 11. A revelação para caracterizar a improbidade administrativa deve ser direta, ou seja, o próprio agente público revela o fato sigiloso a terceiro, bastando a comunicação a uma só pessoa. Com efeito, pratica ato de improbidade administrativa prevista neste inciso, por exemplo, o prefeito que revela relação de imóveis que estão sujeitos à desapropriação ou que divulga, precipitadamente, a eclosão de doença epidêmica, sem efetiva comprovação desta circunstância 74. Da mesma forma, comete esta espécie de ato de improbidade, o agente público que, nomeado para elaborar as provas de concurso público, quebra o sigilo de tais provas, entregando as questões e respostas para determinado candidato. Refere-se o art. 11, IV a negativa de publicidade aos atos oficiais. Diante da importância atribuída à necessidade de transparência na Administração Pública, foi conferida expressão constitucional ao princípio da publicidade, no sistema jurídico brasileiro. Os Chefes dos Executivo que descumprem o art. 162 da Carta Constitucional 75 poderão ser enquadrados no art. 11, IV, da mesma forma aqueles que deixarem de publicar relatório resumido da execução orçamentária, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre 76 Dispondo sobre a publicidade de atos, programas, obras, serviços e campanhas da Administração Pública, a Constituição Federal determina que esta deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, vedada a promoção pessoal de autoridades ou servidores púbicos, através de nomes, símbolos ou imagens 77. A propagação de atos, programas, serviços, obras e campanhas é uma forma de publicidade especial, através da qual se pretende oferecer ao público uma explicação do objeto veiculado 78. Deve-se estar bem atento a esta prorrogativa constitucional, muitas vezes utilizada para atender a interesses privados de agentes que buscam promoção pessoal. Assim, o prefeito que insere sua foto em panfletos de obras sociais ou em propagandas no município veiculadas em televisão, viola os princípios ______________ 73 PRADO, Luis Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 4, 2001, p. 483 74 75 FAZZIO Júnior, Waldo. Improbidade Administrativa e Crimes de Prefeito. São Paulo. Atlas: 2000, p. 187 “Art. 162 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios divulgarão, até o último dia do mês subsequente ao da arrecadação, os montantes de cada um dos tributos arrecadados, os recursos recebidos, os valores de origem tributária entregues e a entregar e a expressão numérica dos critérios de rateio” 76 Art. 165, § 3º da Constituição Federal ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, vedada a promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos, através de nomes, símbolos ou imagens 77 Art. 37, § 1º da Constituição ROCHA, Carmem Lúcia Antunes.Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p. 244. 78 73 administrativos constitucionais da legalidade, impessoalidade e moralidade, estando tal conduta enquadrada no art. 9º, XII, da lei de improbidade79 Segundo o art. 11, V constitui ato de improbidade administrativa frustrar a licitude de concursos público. O dispositivo legal cuida da hipótese em que ocorre a frustração da licitude do concurso público, ou seja, a norma legal tem por escopo preservar a legalidade, legitimidade e moralidade do concurso público. Desta forma, exige-se a observância dos princípios regentes da atividade estatal no decorrer de todo o procedimento de seleção dos candidatos. Assim, constitui ato de improbidade por frustração da licitude do concurso público a injustificável imposição de cláusula incompatível com o cargo que se quer preencher, a existência de vínculo de parentesco entre o examinador e o candidato, a abertura de concurso público para fins eleitoreiros, quando inexiste necessidade para o serviço. Tais situações não se confundem coma inobservância da regra do concurso público que, também, caracteriza a improbidade administrativa, com fundamento no caput do art. 11, por violação aos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade 80. Art. 169 da Constituição Federal estabelece que a despesa com pessoal ativo e inativo da União, Estados, Distrito Federal e dos Municípios não poderá ultrapassar os limites estabelecidos em lei complementar. Estes limites foram fixados pelos artigos 19 e 20 da Lei Complementar 101/2000 81. O art. 11, VI reporta-se a violação do dever de prestar contas 82. A obrigatoriedade de prestar contas está prevista no art. 70, parágrafo único da Constituição Federal, aplicado a toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. A obrigatoriedade de prestar contas está prevista no art. 70, parágrafo único da Constituição Federal, aplicado a toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. ________________ 79 Este também é o posicionamento exposto por Carlos Frederico Brito dos santos, uma vez que o agente público se aproveita da publicidade oficial, custeada pelo erário para tirar proveito pessoal ilegal, deixando de pagar de seu bolso pela autopromoção (CF. Improbidade Administrativa - Reflexões sobre a Lei n.º 8.429/92. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 62) 80 Segundo SANTOS, Carlos Frederico Brito dos,. a contratação sem concurso público poderá ser também enquadrada no art. 10 caput da Lei de Improbidade, uma vez provado que as contratações foram desnecessárias ou houver superestimação remuneratória ( Cf. Improbidade Administração - Reflexões sobre a Lei n.º 8.429/92. Rio de Janeiro: Forense, 2002. P. 57) 81 O art. 167 da Constituição proíbe o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual. A Lei 8.666 impede a contratação sem previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços ao serem executados no exercício financeiro em curso. A Lei Complementar 101/2000 registra que a lei orçamentária não consignará dotação de investimento com duração superior a um exercício financeiro que não esteja previsto no plano plurianual ou em lei que autorize a sua inclusão, consoante o disposto no § 1º do art. 167 citado. 82 Decisões jurisprudenciais vem reconhecendo a pratica desta espécie de ato administrativo. Ap. Cível nº 71163930TJ/RS, Quarta Câmara Cível, Rel. Des. Vasco Della Giustina, julgamento em 13/09/2000. 74 Caracteriza a improbidade administrativa do art. 11, VI não somente a omissão do dever de prestar contas, mas também a prestação de contas realizada fora do prazo legal. Vigliar 83 destaca dois exemplos que aparecem no referido dispositivo: a omissão na prestação de contas, quando o agente público encontre-se obrigado a tanto (inciso VI) e a omissão na realização de publicidade dos atos oficiais (inciso IV). Acrescenta, que o agente público da área de saúde que vier a realizar atos que se subsumam a uma ou mais dessas categorias, obviamente realizará ato punível a partir da Lei 8.429/92, suportando as sanções previstas no seu art. 12. Constitui ato de improbidade administrativa por violação aos princípios administrativos, previsto no art. 11, VII, revelar ou permitir que cheque ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço da mercadoria, bem ou serviço. Trata-se de violação ao princípio da impessoalidade e, via de consequência, à moralidade administrativa. Já vimos que no artigo 11, III, que a Lei de Improbidade reprime a conduta consistente na revelação de segredo funcional, seja qual for o seu teor, independentemente dos motivos da revelação e suas consequências. O art. 11, VII, mais específico que aquele, trata da revelação de medida política ou econômica que possa afetar o preço de mercadorias, bens e serviços, ou seja, medidas que possam causar impacto no mercado. Não se faz necessário que os preços sejam efetivamente afetados, bastando, para caracterizar a conduta, a possibilidade de afetação. O dispositivo reprime tanto a revelação direta como a indireta. No primeiro caso, o próprio agente revela a medida a terceiro. No segundo, limita-se a facilitar o acesso de terceiro às informações econômicas ou políticas. Com efeito, o princípio da moralidade, poderá ser violado com a prática de qualquer dos atos previstos no elenco meramente enunciativo constante dos incisos do art. 11 da Lei 8.429/92, o que exigirá a análise casuística das situações submetidas a apreciação. 15. AS SANÇÕES DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E A NATUREZA DESSAS SANÇÕES O art. 37 § 4.º, da Constituição, passa a considerar a necessidade de punição de determinados atos que venham, justamente, ferir aqueles princípios consagrados em seu caput, determinando sua punição por intermédio da suspensão de direitos políticos, perda da função pública, e quando for o caso, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao Erário. A própria Constituição Federal, os qualifica como atos de improbidade administrativa, deixando ao legislador ordinário o encargo de classificálos e dizer da gradação e forma das punições 84. _________________ 83 VIGLIAR, José Marcelo Menezes, Obra cit. P. 427. 84 AZZAGLINI Filho Marino, Lei de Improbidade Administrativa Comentada, págs. 114 “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos públicos, a perda da função pública, a indisponibilidade de 75 bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação prevista em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. Essa norma Constitucional foi regulada no art. 12 da LIA, que as dividiu em sanções graduadas segundo a gravidade do ato de improbidade praticado e fixas. Ademais, como as indicadas no art. 37, § 4º, da CF, não são as únicas medidas punitivas, em numerus clausus, aplicáveis na espécie, o art. 12 da LIA, completou seu elenco . 15.1 Sanções Graduadas: O art. 12 da LIA instituiu três espécies de sanções graduadas: a) suspensão dos direitos políticos; b) multa civil; c) proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. De acordo com a classificação do ato de improbidade administrativa objeto da persecução civil, a intensidade dessas sanções é diferenciada: maior nos atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito (art. 9.º da LIA), média nos atos de improbidade administrativa que causam lesão ao Erário (art. 10º), e menor nos atos de improbidade administrativa que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11 da LIA). Na fixação dessas punições, entre o mínimo e o máximo, o juiz levará em conta, nos termos do parágrafo único do art. 12, a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente público ímprobo condenado. 15.2 Sanções Fixas O art. 12 da LIA estabeleceu três tipos de sanções aplicáveis sem graduação: a) a perda da função pública; b) ressarcimento integral do dano; c) perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio (cabível na hipótese do art. 9º). 15.3. Natureza Jurídica das Sanções: A LIA atendeu ao quanto fora determinado pela Constituição Federal. Assim, veiculou a incidência de sanções diversas, deixando claro que a realização do ato de improbidade administrativa não excluiria a incidência de sanção de natureza penal, caso o ato realizado também guardasse os elementos necessários para que fosse considerado um delito. E o caput do art. 12 da LIA, enfatiza: “Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:” As medidas punitivas arroladas na norma citada são de natureza política, político-administrativa, administrativa e civil, conforme o pensamento de Marino Pazzaglini Filho 85 política: 76 - suspensão dos direitos políticos; político-adminsitrativa: - perda da função pública; administrativa: - proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios; civil: - multa civil; - ressarcimento integral do dano; - perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio. Duas dessas sanções são absolutamente imprescindíveis: a perda da função pública e a necessidade de ressarcir o erário, de forma integral, quando for o caso. A perda da função pública, e a suspensão dos direitos políticos, é aplicada no juízo cível, estadual ou federal, onde foi proferida a decisão que, dando pela procedência da ação civil de improbidade administrativa, impôs essa medida sancionatória, que passa a vigorar com seu trânsito em julgado. Que essa sanção não incide apenas sobre a função pública exercida pelo agente público condenado à época em que praticou o ato de improbidade administrativa reconhecido na sentença judicial, mas sobre a função pública que ele esteja exercendo ao tempo da condenação irrecorrível. Além disso, se nessa ocasião, já ocorrera a aposentadoria do agente público condenado (inativo), é facultado ao magistrado anular a aposentadoria e decretar a perda da função pública. Na esteira de pensamento do autor acima citado, não são aplicadas as sanções de perda da função pública e de suspensão de direitos políticos às autoridades que ao Senado Federal compete privativamente julgar por crime de responsabilidade, ou seja, o Presidente da República; Vice-Presidente da República, bem como os Ministros de Estado; Comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica (nos crimes da mesma natureza conexos com ele); Ministros do Supremo Tribunal Federal; Procurador-geral da República; e Advogado-geral da União. Vê-se, por outro lado, que não só Presidente da República, mas, também, as demais autoridades poderão responder por ação civil de improbidade administrativa. E, na hipótese de serem condenados, descabe a imposição das sanções de perda da função pública e de suspensão dos direitos políticos, devendo o decreto condenatório limitar-se às demais penas previstas na lei, posto que cabe ao Senado Federal a aplicação das sanções político-administrativas (arts. 52, I e parágrafo único, da CF). ________________ 85 PAZZAGLINI Filho, Marino. Obra citada, pág. 116/118 Descabe, também, em decorrência de ação instaurada contra Senador, Deputado Federal e Deputado Estadual por improbidade administrativa, a imposição, na sentença que a julgar procedente, da medida punitiva de perda de mandato. No entanto, não estão essas autoridades imunes à suspensão temporária de direitos políticos, o que poderá acarretar a perda do mandato. 77 Finalmente, no tocante aos Governadores e Prefeitos, uma vez que a Carta Magna não os incluiu nas hipóteses de perda de cargo por decisão do Senado Federal, é aplicável a eles tanto essa medida punitiva, quanto a de suspensão dos direitos políticos 16 O FORO PRIVILEGIADO Os maiorais da República que nunca aceitaram a autonomia do Ministério Público, pois ela assegura que todos os prevaricadores sejam punidos, se empenharam para dar foro privilegiado para autoridades no exercício de função, mandato ou para ex-ocupantes de cargos públicos, como Presidente da República, ministros, governadores, senadores, deputados, prefeitos e magistrados. O privilégio para julgar corruptos foi repudiado pela sociedade brasileira inclusive, renomados juristas se manifestaram através de artigos publicados em jornais e revistas, a respeito da inconstitucionalidade da Lei 10.628/02, a exemplo e Hugo Nigro Mazzilli. O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO E A LEI N. 10.628/02 A Constituição e as leis estabelecem, em diversas hipóteses, foro por prerrogativa de função: a) em matéria penal (v. g., crimes comuns e de responsabilidade praticados por algumas autoridades); b) em matéria civil (v. g., mandados de segurança e de injunção). 86 Por muitos anos, o também chamado privilégio de foro em matéria penal foi estendido por via jurisprudencial para os crimes cometidos durante o exercício funcional, ainda que o inquérito ou a ação penal viessem a ser iniciados após a cessação daquele exercício: essa foi a orientação do Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de sua Súmula n. 394, editada em 1964. Basicamente, dois foram os argumentos que levaram à edição da Súmula n. 394, ambos supostamente voltados para melhor proteção do exercício da função pública: a) o julgamento dos mais altos tribunais seria mais imparcial ou isento do que o dos juízes de primeiro grau; b) a prorrogação da competência dos tribunais superiores, mesmo depois de cessado o exercício funcional, não deixava de ser uma maneira de proteger o próprio exercício da função pública. Façamos a análise crítica do primeiro argumento. Na ocasião da edição da Súmula n. 394, prevaleceu o entendimento de que, nas palavras do Min. Vítor Nunes Leal, a competência por prerrogativa de função ________________ 86 MAZZILLI, Hugo Nigro. O Foro por Prerrogativa de Função e a Lei n. 10628/02. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, jan. 2003. realmente devia ser instituída não no interesse pessoal do ocupante do cargo, mas no interesse público do seu bom exercício, isto é, do seu exercício com o alto grau de independência que resulta da certeza de que seus atos venham a ser julgados com plenas garantias e completa imparcialidade. Isso porque presumia o legislador que os tribunais de maior categoria teriam mais isenção para julgar os ocupantes de determinadas funções públicas, por sua capacidade de resistir, seja à eventual influência do próprio 78 acusado, seja às influências que atuassem contra ele. A presumida independência do tribunal de superior hierarquia seria, pois, uma garantia bilateral, garantia contra e a favor do acusado. Forçoso é reconhecer, entretanto, que essa argumentação parte de uma tese que está muito longe de ser demonstrada (de que os tribunais superiores são mais imparciais que os juízes singulares, já que estes últimos são nomeados por concurso público de provas e títulos, enquanto o Procurador-Geral da República e os Ministros dos maiores tribunais são nomeados livremente pelos próprios administradores e políticos cuja impunidade eles podem assegurar)… Passemos à análise do segundo argumento. Sustentou-se que a Súmula n. 394, ao menos de forma indireta, também protegia o exercício do cargo ou do mandato, se durante ele o delito fosse praticado e o acusado não mais os exercesse. É inegável que essa argumentação, pelo menos durante algum tempo, pareceu relevante ao STF, pois foi ela que justificou a manutenção da súmula durante várias décadas, mesmo com a troca de tantos ministros. Entretanto, após o advento da Constituição de 1988, os tempos mudaram. O regime democrático renasceu. As ações penais e de improbidade contra os políticos e administradores, que antes eram verdadeira raridade, passaram a ser mais comuns. Não que os administradores atuais tivessem passado a ser menos honestos do que os de antigamente, mas é que o Ministério Público ganhou maior independência com a Constituição de 1988 e as investigações e ações começaram a virar rotina, o que num país democrático não deveria, aliás, causar maior perplexidade… Assim, e por força dos novos tempos, em 1999 finalmente o STF resolveu cancelar a Súmula n. 394, por entender que o art. 102, I, b, da CF – que estabelece a competência dessa Corte para processar e julgar originariamente, nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República – não alcança aquelas pessoas que não mais exerçam mandato ou cargo. Em suma, ao revogar sua Súmula n. 394, o STF corretamente passou a entender que “a prerrogativa de foro visa a garantir o exercício do cargo ou do mandato, e não a proteger quem o exerce. Menos ainda quem deixa de exercê-lo. Também pesou o fato de que a prerrogativa de foro perante a Corte Suprema, como expressa na Constituição brasileira, mesmo para os que se encontrem no exercício do cargo ou mandato, não é encontradiça no Direito Constitucional comparado. Menos, ainda, para ex-exercentes de cargos ou mandatos. Ademais, as prerrogativas de foro, pelo privilégio, que, de certa forma, conferem, não devem ser interpretadas ampliativamente, numa Constituição que pretende tratar igualmente os cidadãos comuns, como são, também, os ex-exercentes de tais cargos ou mandatos”. Revogada a Súmula n. 394, o Presidente da República, os parlamentares se sentiram como na história do rei que fica nu… Antes protegidos por uma regra de foro por prerrogativa de função, que concentrava o poder de investigá-los e processá-los nas mãos do Procurador-Geral da República e dos altos tribunais (cujos integrantes são nomeados pelo Presidente da República e aprovados pelo Senado, podendo o Procurador-Geral ser reconduzido indefinidamente), de uma hora para outra essas autoridades passaram a tornar-se, de forma inédita, meros cidadãos comuns… Que acinte! 79 O foro especial por prerrogativa de função deixaria de existir, só porque tinham deixado de existir as funções… Então, por que não buscar por novas vias jurisprudenciais ou até por alteração legislativa aquilo que o STF lhes tinha dado por meio da Súmula n. 394, e depois, infelizmente, negado, quando revogada a referida súmula? Nessa linha, duas providências foram seguidas pelos interessados em beneficiar-se com o foro por prerrogativa de função: a) apresentaram reclamação ao STF, pedindo reconhecesse que as ações de improbidade, fundadas na Lei n. 8.429/92, envolviam autêntico crime de responsabilidade, sendo, assim, de competência originária dos tribunais pertinentes; b) apresentaram proposta de alteração legislativa para ampliar o foro por prerrogativa de função (mudanças na redação do art. 84 do Código de Processo Penal). O primeiro caminho foi cursado por meio da Recl n. 2.138-6-DF, apresentada ao STF (caso do Min. Ronaldo Sardenberg, ainda não julgado, mas que, no momento presente, já conta com 5 votos favoráveis ao foro por prerrogativa de função nas ações da Lei n. 8.429/92). A esse propósito, já anotamos que, de fato, nada impede que as ações cíveis de improbidade sejam propostas perante qualquer juiz singular, contra quaisquer autoridades, salvo se envolverem pedido de perda de cargo ou função pública, ou se envolverem pedido de suspensão de direitos políticos, pois nestes casos as autoridades que têm forma própria de investidura e destituição só podem ser assim sancionadas pelo procedimento instituído na própria Constituição, como é o caso do impeachment, e então o foro originário será mesmo o mais alto. O segundo caminho (alteração legislativa do art. 84 do CPP) foi urdido com a urgência própria de fim de mandato, com o objetivo de que o foro por prerrogativa de função ficasse assegurado aos exercentes de funções públicas, mesmo depois de cessada a investidura… E, num assomo de criatividade, os parlamentares ainda acrescentaram, et pour cause, que o foro por prerrogativa de função (e agora, a novidade esdrúxula do foro por prerrogativa de ex-função) se estenderia não só à matéria criminal, mas até para quaisquer infrações cíveis previstas na lei de improbidade administrativa (Lei n. 8.429/92). Com isso, foi editada, e sancionada no dia de se trocarem presentes de Natal, a Lei n. 10.628, de 24 de dezembro de 2002, publicada no DOU de 26.12.2002. Por força dela, assim ficou redigido o art. 84 do CPP: “Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade. § 1.º. A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública. § 2.º. A ação de improbidade, de que trata a Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1.º.” 80 Não obstante o advento da Lei n. 10.628/02, resta dizer que, em matéria de ação civil pública ou coletiva, assim como também já ocorre no tocante às ações populares, a competência originária para conhecê-las e julgá-las (ressalvada apenas a hipótese de pedido para perda do cargo ou suspensão de direitos políticos) não é dos tribunais e sim dos juízes singulares mesmo quando movidas contra o Presidente da República, Presidente do Senado, da Câmara, do STF, ministros, deputados, senadores, governadores, procuradores-gerais, desembargadores ou qualquer outra autoridade que goze de foro por prerrogativa de função na área penal ou em mandado de segurança. Assim, como já decidiu a maior Corte, “a competência do STF é de direito estrito e decorre da Constituição, que a restringe aos casos enumerados no art. 102 e incisos. A circunstância de o Presidente da República estar sujeito à jurisdição da Corte, para os feitos criminais e mandados de segurança, não desloca para esta o exercício da competência originária em relação às demais ações propostas contra ato da referida autoridade”. Com efeito, as ações civis públicas ou coletivas, que tenham como rés autoridades com foro por prerrogativa de função na área penal ou em mandados de segurança, correrão perante o juiz singular comum, com competência cível, e não perante os tribunais. Teve toda a razão, pois, o STF, ao proclamar que lhe falece competência para julgar ações civis públicas contra autoridades a ele diretamente submetidas no foro penal . Segundo cremos, esse posicionamento não deve mudar, mesmo com o advento da Lei n. 10.628/02, ressalvada apenas a competência originária dos tribunais para as ações de improbidade que visem à perda da função pública ou suspensão de direitos políticos, caso em que somente os tribunais a quem caiba julgar crimes de responsabilidade podem impor essas sanções. Em suma, a Lei n. 10.628/02 é apenas mais uma atitude própria da cultura de privilégios que infelizmente tem sido freqüente em nosso país, pois os administradores e parlamentares não se conformam em ser processados, mesmo na área cível e ainda que depois de terem deixado os cargos, perante os mesmo juízes que julgam os demais brasileiros. Em suma, quiseram o administrador e os parlamentares repristinar a Súmula n. 394-STF, aliás, com tardança revogada, a qual permitia que o foro penal por prerrogativa de função continuasse a existir… mesmo que não mais existisse função alguma… E quiseram ainda mais, ou seja, estabelecer agora também foro cível por prerrogativa de função, ainda que também não exista função alguma… A Lei n. 10.628/02, porém, descurou estes óbices: a) a competência do STF e do STJ é definida tão-somente pela própria Constituição, de forma que é inconstitucional ampliar a competência dessas Cortes por meio de mera alteração ao CPP; b) o foro por prerrogativa de função existe para resguardar o exercício da função, não para resguardar a pessoa em si, fora do exercício da função, o que é inequivocamente o objeto da referida alteração legislativa; c) se houve razões pelas quais a Lei Maior assegurou foro por prerrogativa de função para alguns exercentes de cargo público, essas mesmas razões deixam de existir quando cesse o exercício da função; assim, em vista da violação ao princípio da igualdade, é também por isso inconstitucional prever foro por prerrogativa de função para quem não tem função pública… Em nosso entender, estas são as conclusões a extrair de tudo quanto se disse até aqui: a) nas ações de improbidade fundadas na Lei n. 8.429/92, em que o pedido envolva perda da função pública ou suspensão de direitos políticos, se a 81 autoridade requerida estiver entre aquelas para as quais haja forma própria de investidura e destituição prevista na Constituição, o foro será o da ação por crime de responsabilidade ; b) para as ações de improbidade fundadas na Lei n. 8.429/92, em que o pedido envolva apenas e tão-somente a defesa do erário, a competência em primeiro grau de jurisdição será de juizes singulares, da mesma forma que já ocorre com as ações populares com o mesmo objeto; c) nas ações penais ou civis públicas, em que haja foro por prerrogativa de função, uma vez cessado o exercício desta, não prevalece o foro do STF ou do STJ, apesar do que vem disposto na Lei n. 10.628/02, pois não pode uma lei ordinária ampliar a competência constitucional dessas Cortes. Essa questão pende de julgamento do STF na Recl n. 2.138-6-DF. JURISPRUDÊNCIA - FORO PRIVILEGIADO A Lei n. 10.628, de 24 de dezembro de 2002, publicada no Diário Oficial de 26.12, alterou o caput do art. 84 do Código de Processo Penal e acrescentoulhe dois parágrafos. O § 1.º revigora a prorrogação do foro especial após a cessação do exercício da função pública, que havia sido extinta pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, ao revogar o enunciado da Súmula 394. O § 2.º, por sua vez, tem a seguinte redação: "A ação de improbidade, de que trata a Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1o." Tal dispositivo padece, data venia, de evidente inconstitucionalidade, e por mais de um fundamento. Em primeiro lugar, a Constituição deixa bem claro, no art. 37, § 4o., que a ação de improbidade administrativa não tem natureza penal, o que foi reconhecido pela melhor doutrina (FABIO KONDER COMPARATO, "Ação de Improbidade: Lei 8.429/92. Competência do Juízo de primeiro grau." - Boletim dos Procuradores da República, n. 9, 1999; WALLACE PAIVA MARTINS JR., "Probidade Administrativa", Saraiva, 2001, pp. 298-299 e 318-321; FÁBIO MEDINA OSÓRIO, "Improbidade Administrativa", pp. 145-151; MARINO PAZZAGLINI, MARCIO ELIAS ROSA e WALDO FAZZIO JR., "Improbidade Administrativa", Atlas, 1996, p. 122; FRANCISCO DE ALMEIDA PRADO, "Improbidade Administrativa", Malheiros, 2001, p. 20). Assim também foi proclamado pelo Superior Tribunal de Justiça: "Improbidade administrativa. (...) 3. Conquanto caiba ao STJ processar, nos crimes comuns e de responsabilidade, os membros do TRT (Constituição, art. 105, I, 'a'), não lhe compete, porém explicitamente, processá-los e julgá-los por atos de improbidade administrativa. Implicitamente, sequer, admite-se tal conseqüência, porquanto, aqui, trata-se de ação civil, em virtude de investigação de natureza civil. Competência, portanto, do juiz de primeiro grau." (STJ, Reclamação 591-SP, rel. Min. Nilson Naves, j. 1.12.99, m.v.). JOSÉ GUILHERME GIACOMUZZI informa que a Assembléia Nacional Constituinte rejeitou emenda que, pretendendo alterar o § 4.º, do art. 37 da Constituição, tratava os atos de improbidade administrativa como "crimes 82 inafiançáveis". O ato de improbidade é ilícito civil, e será punido na forma da lei, "sem prejuízo da ação penal". O mesmo autor salienta que as conseqüências dessa distinção são "enormes", inclusive quanto à adoção do rito processual, que será o civil, "com todas as conseqüências de prazo, formas de oitiva de partes, testemunhas, colheita de provas, elaboração de perícia, intervenção de terceiros etc. - , impossibilitando a decretação de prisões cautelares e refletindo-se, ao final de tudo, na forma de aplicação da sanção jurídica" ("A Moralidade Administrativa e a Boa-fé da Administração Pública", Malheiros, 2002, pp. 291-293). Não pode o legislador ordinário, portanto, violando o espírito e a letra do que foi decidido pelo constituinte, equiparar atos de improbidade administrativa a crimes comuns, chegando ao ponto de disciplinar a competência para ações de improbidade no Código de Processo Penal! Igualmente grave é o alargamento de competência de tribunais por meio de simples lei ordinária. "A competência do STF é de direito estrito e decorre da Constituição, que a restringe aos casos enumerados no art. 102 e incisos. A circunstância de o Presidente da República estar sujeito à jurisdição da Corte, para os feitos criminais e mandados de segurança, não desloca para esta o exercício da competência originária em relação às demais ações propostas contra ato da referida autoridade" (STF, Pleno, RTJ 159/28, rel. Min. Ilmar Galvão). O mesmo raciocínio vale para os demais Tribunais Superiores (com a única exceção do TST - CF, art. 111, § 3o., o que obviamente não interfere no raciocínio aqui exposto, dada a absoluta especificidade da jurisdição trabalhista). Nesse contexto, o STF julgou inconstitucional artigo do Código Eleitoral (lei ordinária) que pretendia atribuir competência ao TSE para conhecer de mandado de segurança contra ato do Presidente da República, em matéria eleitoral (RTJ 109/909). Também os Tribunais Regionais Federais (e bem assim os próprios juizes federais) têm prevista na Constituição, de forma taxativa, a sua competência, que "somente pode ser ampliada ou reduzida por emenda constitucional, contra ela não prevalecendo dispositivo legal hierarquicamente inferior" (RSTJ 92/157). Quanto aos Tribunais de Justiça, é também expressa a Constituição Federal, ao estatuir que sua competência "será definida na Constituição do Estado" (art. 125, § 1o.). Não pode esta ser ampliada pelo legislador ordinário. Tanto é assim que o STF considerou revogados os dispositivos da Lei Orgânica da Magistratura que dispunham sobre competência dos tribunais estaduais (HC 77.583-1-PR, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 18.9.98, p.7). Um terceiro e importante aspecto cabe ressaltar. É da sistemática e da tradição de nosso direito que as hipóteses de foro privilegiado somente podem ser disciplinadas na Constituição Federal ou, quando muito, nas Constituições Estaduais (STF, RTJ 152/548), não comportando ampliação por norma de estatura inferior. 83 Bem sintetiza ALEXANDRE DE MORAES: "A Constituição Federal de 1988 não incluiu o julgamento das ações por ato de improbidade administrativa na esfera de atribuições jurisdicionais originárias do STF, STJ, TRF ou quaisquer outros tribunais "(...) a Constituição Federal, consagrando o princípio do Juiz Natural (art. 5.º, incisos XXXVII e LIII), não permite alterações de foro por conveniências ou analogias políticas. O legislador constituinte foi claro ao direcionar os foros especiais em função da dignidade da função somente para o processo penal - bastando, por exemplo, a leitura do art. 102, I, a -; excluindo-se, portanto, de forma peremptória o processo e julgamento das ações civis por ato de improbidade administrativa originariamente nos Tribunais" ("Constituição do Brasil Interpretada", p. 2645; v. tb. nota ao art. 102, p. 1379). A matéria foi bem analisada pelo eminente Ministro CELSO DE MELLO, ao relatar o Agravo Regimental na Reclamação 1110-1-DF (DJU 07-12-1999, p.58): - O Supremo Tribunal Federal - mesmo tratando-se de pessoas ou autoridades que dispõem, em razão do ofício, de prerrogativa de foro, nos casos estritos de crimes comuns - não tem competência originária para processar e julgar ações civis públicas que contra elas possam ser ajuizadas. Precedentes. A competência originária do Supremo Tribunal Federal, por qualificar-se como um complexo de atribuições jurisdicionais de extração essencialmente constitucional - e ante o regime de direito estrito a que se acha submetida - não comporta a possibilidade de ser estendida a situações que extravasem os rígidos limites fixados, em numerus clausus, pelo rol exaustivo inscrito no art. 102, I, da Constituição da República. Precedentes. (....) Com efeito, não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que a competência originária do Supremo Tribunal Federal, por qualificar-se como um complexo de atribuições jurisdicionais de extração essencialmente constitucional - e ante o regime de direito estrito a que se acha submetida - não comporta a possibilidade de ser estendida a situações que extravasem os rígidos limites fixados, em numerus clausus, pelo rol exaustivo inscrito no art. 102, I, da Carta Política, consoante adverte a doutrina (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, "Comentários à Constituição Brasileira de 1988", vol. 2/217, 1992, Saraiva) e proclama a jurisprudência desta própria Corte (RTJ 43/129 - RTJ 44/563 - RTJ 50/72 - RTJ 53/776): "A COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - CUJOS FUNDAMENTOS REPOUSAM NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA SUBMETE-SE A REGIME DE DIREITO ESTRITO. (...) O regime de direito estrito, a que se submete a definição dessa competência institucional, tem levado o Supremo Tribunal Federal, por efeito da taxatividade do rol constante da Carta Política, a afastar, do âmbito de suas atribuições jurisdicionais originárias, o processo e o julgamento de causas de natureza civil que não se acham inscritas no texto constitucional (ações populares, ações civis públicas, ações cautelares, ações ordinárias, ações declaratórias e medidas cautelares), mesmo que instauradas contra o Presidente da República ou contra qualquer das autoridades, que, em matéria penal (CF, art. 102, I, b e c), dispõem de prerrogativa de foro perante a Corte Suprema ou que, em sede de mandado de segurança, estão sujeitas à jurisdição imediata do Tribunal (CF, art. 102, I, d). Precedentes." 84 (Pet 1.738-MG (AgRg), Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno) É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, em sucessivas decisões, firmou entendimento jurisprudencial no sentido de que não possui competência originária para processar e julgar determinadas causas - tais como ações populares (RTJ 121/17, Rel. Min. MOREIRA ALVES - RTJ 141/344, Rel. Min. CELSO DE MELLO - Pet 352-DF, Rel. Min. SYDNEY SANCHES - Pet 431-SP, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - Pet 487-DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - Pet 1.641-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), ações civis públicas (RTJ 159/28, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - Pet 240DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA) ou ações cautelares, ações ordinárias, ações declaratórias e medidas cautelares (RTJ 94/471, Rel. Min. DJACI FALCÃO - Pet 240DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA) - não obstante promovidas contra o Presidente da República, ou contra o Presidente da Câmara dos Deputados, ou, ainda, contra qualquer dos agentes políticos ou autoridades, que, em matéria penal (CF, art. 102, I, b e c), dispõem de prerrogativa de foro perante esta Corte ou que, em sede de mandado de segurança, estão sujeitos à jurisdição imediata deste Tribunal. Essa orientação jurisprudencial reflete-se na opinião de autorizados doutrinadores (ALEXANDRE DE MORAES, "Direito Constitucional", p. 180, item n. 7.8, 6ª ed., 1999, Atlas; RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, "Ação Popular", p. 129/130, 1994, RT; HELY LOPES MEIRELLES, "Mandado de Segurança, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, 'Habeas Data'", p. 122, 19ª ed., atualizada por Arnoldo Wald, 1998, Malheiros; HUGO NIGRO MAZZILLI, "O Inquérito Civil", p. 83/84, 1999, Saraiva; MARCELO FIGUEIREDO, "Probidade Administrativa", p. 91, 3ª ed., 1998, Malheiros, v.g.), cujo magistério também assinala não se incluir, na esfera de competência originária do Supremo Tribunal Federal, o poder de processar e julgar causas de natureza civil não referidas no texto da Constituição, ainda que promovidas contra agentes estatais a quem se outorgou, ratione muneris, prerrogativa de foro em sede de persecução penal, ou ajuizadas contra autoridades públicas, que, em sede de mandado de segurança, estão sujeitas à jurisdição imediata do Supremo Tribunal Federal. A ratio subjacente a esse entendimento, que acentua o caráter absolutamente estrito da competência constitucional do Supremo Tribunal Federal, vincula-se à necessidade de inibir indevidas ampliações descaracterizadoras da esfera de atribuições institucionais desta Suprema Corte, conforme ressaltou, a propósito do tema em questão, em voto vencedor, o saudoso Ministro ADALÍCIO NOGUEIRA (RTJ 39/56-59, 57). Na verdade, inexistindo - como ocorre no presente caso - qualquer indicação de ato suscetível de definir, para os fins a que se refere a Constituição, e dentro dos limites por esta taxativamente previstos, a competência originária da Suprema Corte, torna-se inviável pretender que se instaure, perante o Supremo Tribunal Federal, inquérito civil destinado a aparelhar futuro ajuizamento de ação civil pública, ainda quando referente a membros do Congresso Nacional ou, até mesmo, ao próprio Presidente da República (RTJ 94/471, Rel. Min. DJACI FALCÃO - Pet 240-DF (AgRg), Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, v.g.)." Por todos os ângulos de análise, a conclusão a que se chega é cristalina: a instituição de foro privilegiado não pode ser feita por lei ordinária. CONCLUSÃO 85 Ao concluir este trabalho, observo que a Lei 8.429/92, é um poderoso instrumento de que dispõe concorrentemente a pessoa jurídica interessada e o Ministério Público para o combate a atos de improbidade administrativa e garantir a saúde como um direito, na dimensão de um dever do Estado, na dimensão de um dever do Administrador/Gestor de Saúde em respeitar os princípios da administração pública, e por via de conseqüência, os princípios do Sistema Único de Saúde - SUS É fato que, a Carta Política de 1988, incumbiu ao Ministério Público a tutela constitucional da saúde. Contudo, a reconhecida competência federal aplicável às causas de interesse do Sistema Único de Saúde, como antes visto, bem como o número limitado de membros do Ministério Público federal, constitui-se, em dois grandes óbices ao Programa de Aperfeiçoamento e Fortalecimento ao Controle Social do Sistema Único de Saúde. Sabemos que em cada município brasileiro existe um Promotor de Justiça integrante do Ministério Público estadual, que a todo momento é instado a manifestar-se a respeito de corrupção administrativa, desvio de recursos públicos e abuso do poder econômico, praticadas pelo Gestor de Saúde. Contudo, dependendo da causuística, o órgão ministerial vê-se impedido de atuar, em razão da competência federal. Registre-se que, em alguns Estados da federação, a atuação do Ministério Público estadual nas causas de interesse do SUS, é restrita à fase investigatória, a título de cooperação com o Ministério Público federal, através de convênios, permeada com algumas questões administrativas envolvendo o Conselho de Saúde municipal principalmente, cabendo, àquele, o desencadeamento da ação civil por ato de improbidade administrativa. Presentemente, a competência federal atribuída às causas de interesse do SUS, impõe um novo posicionamento por parte da mais Alta Corte de Justiça do país, no sentido de reconhecer legitimidade concorrente ao Ministério Público estadual para o combate aos atos de improbidade administrativa praticado pelo Administrador/Gestor de Saúde, levando em conta não só a competência concorrente das três esferas para a atividade de cuidar da saúde e assistência pública, bem como a proximidade deste Órgão com os Gestores e Conselhos de Saúde, sob pena de se decretar a falência total do Sistema Unido de Saúde, atribuída a agentes públicos desonestos. 86 Com relação à instituição do foro privilegiado, pensamos como Dalmo de Abreu Dallari 87 é um privilégio antidemocrático. A Constituição brasileira define o Brasil como Estado Democrático de Direito. Essa definição tem muitas consequências práticas, em grande parte já refletidas no corpo da própria Constituição, quando fixa regras para situações concretas, mas deve estar sempre na lembrança de todos, especialmente dos membros do Legislativo e do Judiciário quando elaboram leis ou cuidam de sua aplicação. Uma dessa consequências é a afirmação da igualdade como princípio fundamental, não se admitindo a existência de cidadãos de primeira e de segunda classe, não havendo lugar para privilégios legislativos ou judiciários em favor de algumas pessoas. Todos são iguais perante a lei, a lei é igual para todos, todos são juridicamente responsáveis por seus atos e todos tem o mesmo direito de defesa e as mesmas garantias, consagrados na Constituição. A afirmação desses princípios, abolindo aos privilégios da nobreza, foi uma grande conquista da humanidade e é uma das características do Estado Democrático de Direito. Obviamente, que o que se pretende com a criação desta lei é um privilégio para cidadãos comuns, uma “prerrogativa de ex-funcionários”, criando-se uma cidadania de primeira classe. Além de ser ilógico e injusto o estabelecimento desse privilégio só pelo fato de que alguém exerceu uma função pública, a lei já é inconstitucional, porque a Constituição estabelece expressamente a competência dos tribunais superiores e só por meio de emenda constitucional isso poderá ser modificado. Assim, por exemplo, no artigo 102 está disposto que o Supremo Tribunal Federal é competente para julgar o Presidente da República e os Ministros de Estado nas infrações penais comuns, não se falando em ex-Presidente e ex-Ministro. Uma lei e não uma emenda constitucional alterando esse dispositivo é claramente inconstitucional e deve ser rejeitado. A par dessa evidente inconstitucionalidade, o privilegio que se quer conceder a certas pessoas, pelo fato de terem exercido funções públicas, contraria também o artigo 5.º da Constituição, onde se estabelece que “todos são iguais perante a lei”, o que é coerente com o Estado Democrático de Direito. Nem se diga que o fato de ter exercido uma função pública importante justifica o privilégio porque o exercício da função acarreta inimigos e aquele que passa à condição de cidadão comum ficaria muito vulnerável. Basta ver que todos os que exerceram a presidência da República no Brasil e que ainda estão vivos tem atividades absolutamente normais e intensas e nunca se ouviu de nenhum deles uma queixa por não ter foro privilegiado. A implantação de um absurdo na ordem jurídica brasileira seria o restabelecimento de um privilégio da nobreza, incompatível com os princípios democráticos e com uma Constituição democrática. É da essência da democracia a igualdade de direitos e deveres dos cidadãos. No Brasil de hoje todos os que tiverem exercido função pública e que forem chamados a se defender de acusações numa ação judicial tem assegurada a plenitude do direito de defesa, como também tem a garantia de que serão julgados por um juiz independente e imparcial. Deste 1889, com a proclamação da República, foram abolidos no Brasil os privilégios da nobreza e nenhuma razão respeitável justifica sua restauração, que seria inconstitucional, imoral e injusta”. Vimos que inobstante a lei instituidora do SUS - Lei 8.080/90 – tenha trazido em seu bojo as diretrizes de um sistema único de saúde satisfatório para as necessidades da população brasileira, onde estão inseridos princípios de grande alcance 87 _________________ 87 DALLARI, Dalmo de Abreu. Privilégios Antidemocráticos. Pub. originalmente no Correio Brasilienze. Edição nº 1, Revista CONAMP, 2002. social, como o da “universalidade e integralidade”, não raro, os gestores municipais manipulam o dinheiro da saúde de maneira irresponsável e criminosa, com real e sério prejuízo aos munícipes, que ficam privados dos mais elementares atendimentos de saúde pública. É fato que, a saúde pública deve ser sustentada por recursos da União, dos Estados e dos Municípios, depositados obrigatoriamente, na conta bancária do Fundo Municipal de Saúde, isto no âmbito de cada município, cujos recursos devem ser aplicados, exclusivamente, no serviço de saúde, com acompanhamento da comunidade, através de seus representantes, no Conselho Municipal de Saúde. Mas, por falta de consciência política dos gestores municipais e dos conselheiros, que ainda não assimilaram o princípio democrático da participação popular na política municipal de saúde, na prática, a excelência da teoria legal não se realiza, e o prefeito municipal, criminosamente, lança mão do dinheiro da saúde para outros fins, deixando os seus municípios em total desassistência. Um outro fator muito contribui para a não participação popular no controle das aplicações dos recursos da saúde nos municípios, é, sem dúvida, a dependência política, econômica, administrativa e financeira, existente entre os Conselheiros e os Prefeitos Municipais, embora a composição do Conselho seja paritária. Na verdade, direta ou indiretamente, em municípios onde o maior empregador é o Governo Municipal, existe essa relação de dependência do cidadão comum ao Prefeito do Município. Por essa razão, entendemos que nas Comarcas do Interior, o Promotor de Justiça, às vezes, se constitui no único e último órgão de defesa da cidadania ao direito à saúde pública, ora fiscalizando e controlando a aplicação dos recursos dos SUS pelos gestores municipais, e ora defendendo a participação dos Conselheiros Municipais de Saúde, na gestão de saúde pública de seu município, principalmente quando a Câmara Municipal, por questões de natureza político-partidária é omissa também nesse controle e nessa fiscalização. É necessário por outro lado, buscar propostas para efetivar o controle social no SUS: Capacitação dos conselheiros. Formação de conselhos locais. Simplificação da linguagem utilizada nas reuniões dos conselhos, evitando-se o uso de siglas como PPA, PPI, NOAS etc. Criar cargo eletivo para presidente do conselho Fornecimento de material de legislação em saúde aos conselheiros para uso constante na sua atuação. Conscientização imediata de futuros conselheiros quanto ao seu papel. Indicação do Gerente do Fundo Municipal de Saúde pelo conselho. Abertura de rubrica no Fundo Municipal de Saúde para as atividades do Conselho Municipal de Saúde. 88 Garantia de liberação do conselheiro de seu trabalho para participar do Conselho de Saúde de preferência no horário comercial, para que sua participação não seja tão cansativa. Programa de pauta da reunião com antecedência e divulgação prévia para os conselheiros. Criação de homepage dos conselhos de saúde Reivindicação de espaço adequado e definido para as reuniões. Conselhos fortes 88 e eficientes significam um controle social eficaz e capaz de, por seus próprios esforços, fazer cumprir a lei e a constituição. Nos espaços de controle social a cidadania ganha mais corpo e consciência da dimensão do seu papel histórico de fazer verdade todos os sonhos sociais inscritos no texto da constituição. A cidadania da saúde progride quando descobre que além do direito à saúde existe o direito à participação nos foros de controle social do sistema único de saúde. Esse direito significa que os cidadãos podem e devem, entre outras competências, controlar a formulação das políticas; avaliar a adequação dessas políticas e nelas influir; fiscalizar a ações de execução; zelar pelos recursos públicos; apreciar as prestações e demonstrações de cumprimento das metas pelos gestores; e, quando o caso, acionarem as instâncias reguladoras e sancionatórias. Além da participação nos foros de controle social no SUS, o Conselho Municipal de Saúde pode traçar estratégias para racionalizar, humanizar e implementar a qualidade das condições de atenção à saúde, podendo ser citados como: 1. Melhor organização dos serviços ambulatoriais e hospitalares, com capacitação dos recursos humanos, para atenção mais humanizada, materiais e medicamentos básicos; 2. Organização da referência e contra-referência entre os serviços de saúde dos diversos níveis, priorizando: a) Central de Vagas para o parto, no município ou na microregião; b) Casa de Apoio da Gestante, destinado às gestantes de alto risco ou que moram distantes da maternidade, para que no último mês de gestação possam aguardar tranquilas o momento do parto, além de aprenderem mais sobre os cuidados coma família, as crianças e consigo mesmas; c) Incentivo ao Programa Parto Seguro, para a melhoria da qualidade da atenção ao parto e das crianças recém-nascidas; d) Implementação do Programa Hospital Amigo da Criança, para incentivo ao aleitamento materno, humanização e melhoria técnica na atenção às crianças que necessitam do internamento hospitalar; e) Disponibilidade de medicamentos básicos, com sistema de controle de estoque informatizado e em rede, para evitar que faltem nos ambulatórios e hospitais/maternidades públicos e conveniados; _________________ 88 . MEDEIROS, Humberto Jaques www.conselho.saude.gov.br 89 f) A articulação inter-setorial na área de saneamento ambiental, priorizando a disponibilidade de água potável, de áreas de lazer, de esgoto, arborização, bem como a alfabetização de jovens e adultos, de ensino da saúde nas escolas, a educação para o trabalho e outros que influem drasticamente no nível de vida e de saúde da população, especialmente a mais pobre. Na tarefa de exigir respeito à Lei 8.080 e 8.142, o ministério público é um entusiasta do exercício pleno das competências dos conselhos de saúde. O Ministério Público, para o sistema de saúde, é um potencializador do controle social e um reforço da cidadania É nesses foros que a cidadania ganha voz para influir nos rumos da administração do Estado. Esse fenômeno faz com que, presentemente, os poderes dos governantes, dos empresários, dos proprietários, dos fornecedores de bens, dos pais, dos governos estrangeiros, das instituições e de quem quer que detenha qualquer parcela de poder sejam objeto de processos sociais, formais e informais, de controle. A redemocratização no Brasil passou pela aquisição da consciência de que todo aquele que possui algum poder deve aproximar-se dos destinatários de suas decisões, deve ouvi-los e legitimar-se com eles, vez que não possui liberdade plena e irrestrita quanto ao conteúdo de suas decisões. A cidadania da saúde começa na descoberta de que as ações e serviços de saúde não são um favor ou ato de caridade, mas sim um direito constitucionalmente exigível e para cujas ações todos colaboram por intermédio de tributos denominados contribuições sociais. Em outras palavras, à saúde é um direito de todos, e assim está expresso em nossa Carta Política, e como tal, incumbe ao Ministério Público a defesa desse direito no âmbito de sua competência “ratione materiae e ratione locci”, Por isso, entendemos que o Promotor de Justiça não deve ficar tímido para agir na defesa desse direito da comunidade, instaurando procedimentos administrativos, inquéritos civis, ações civis públicas, não só para responsabilizar os maus gestores municipais, por desvio de verba da saúde, nos termos da Lei de Improbidade Administrativa, como também para compeli-los, através da tutela específica, a ampliaram as verbas da saúde, exclusivamente, nos serviços de saúde pública municipal, com depósito obrigatório, na conta bancária do Fundo Municipal de Saúde, especificamente aberta para a movimentação da receita e despesa da saúde pública do município, bem como a respeitar a participação da comunidade, através do Conselho municipal de Saúde na política de planejamento, análise, avaliação, acompanhamento, fiscalização e controle interno do uso e aplicação adequada dos recursos da saúde, bem como, opinar sobre qualquer projeto público ou privado que implique na política de saúde do município, toda vez que chegar ao seu conhecimento quaisquer irregularidades no âmbito da saúde pública municipal, pois agindo assim, o Promotor de Justiça, longe estará de imiscuir-se em assuntos de outras instituições fiscalizadoras, como a Câmara municipal e Tribunais de Contas. O que quer se evitar é um ministério público extremamente atuante, e uma cidadania ausente, inoperante e dependente. Cidadãos devidamente organizados não dependem do ministério público para a plena defesa dos seus direitos. O ministério público é um parceiro da sociedade, não o seu intérprete, o seu tutor. 90 Esses pequenos exemplos prestam-se a reafirmar que os direitos existem porque se encontram escritos em normas, porque há remédios jurídicos para sua exigência e porque a cidadania os conhece, os afirma, e os exige. Há, porém, uma distância que separa o funcionamento do sistema único de saúde e a punição dos faltosos. As mais fortes sanções judiciárias - ação criminal e ação de improbidade - passam inegavelmente pela iniciativa do ministério público. Porém, muito mais produtivo que gastar toda a energia na punição dos fraudadores é investir na instalação do sistema preconizado na constituição e nas leis orgânicas da saúde, cujo modelo é muito menos suscetível de atentados ao patrimônio público por conta da proximidade e visibilidade com a cidadania. A questão passa pelo desafio da construção de uma nova cidadania. Não apenas a que sabe ter direito à saúde e o direito a participação no conselho do sistema de saúde; mas também a cidadania que descobre que possui um dever de cuidar de sua própria saúde e o dever de agir conseqüente e responsavelmente dentro das instâncias de controle social. A sociedade brasileira começa a se conscientizar que possui direito público subjetivo a uma administração respaldada na lei, honesta, transparente, impessoal, eficiente, ou seja, subordinada a todos os princípios consagrados no Direito Administrativo. Não mais se aceitam, no âmbito da Administração Pública, atuações inquestionáveis. 91 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Saúde Pública e Improbidade Administrativa. Curso de Especialização em Direito Sanitário para membros do Ministério Público e da Magistratura Federal, Universidade de Brasília, Faculdade de Direito da UnB, Núcleo de Estudos em Saúde Pública da UnB/CEAM. BALERA, Wagner. O direito Constitucional à Saúde. RPS, n. 134/92; CANOTILHO, José J. Gomes. A Constituição Dirigente e Vinculação do legislador. Coimbra, 1982; BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas. Renovar, 1996; MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional Administrativo. Ed. Atlas. São Paulo, 2002; BARROS, Wellington Pacheco. O município e seus agentes. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002; GARCIA Emerson e Rogério Pacheco Alves. Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro. Ed. Lumen Juris, 2002; ALVARENGA, Aristides Junqueira. 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