UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Ana Beatriz de Mattos Pessoa, Jairo Vinícius M. de M. C. Pinto, Juliana Murata, Murillo de Mayo Ginjo, Rafaella Cleto Penteado, Ramon de Pontes da Silva, Tallita Tauscheck. A saúde mental do estudante de medicina: uma análise bibliográfica. CURITIBA 2011 Ana Beatriz de Mattos Pessoa, Jairo Vinícius M. de M. C. Pinto, Juliana Murata, Murillo de Mayo Ginjo, Rafaella Cleto Penteado, Ramon de Pontes da Silva, Tallita Tauscheck. A saúde mental do estudante de medicina: uma análise bibliográfica. Trabalho apresentado sob orientação do professor João Carlos do Amaral Lozovey como requisito parcial para obtenção de nota na disciplina de Investigação em Saúde Coletiva. CURITIBA 2011 A saúde mental do estudante de medicina: uma análise bibliográfica. PINTO, JV1; SILVA, RP1; PENTEADO, RC1; GINJO, MM1; MURATA, J1; PESSOA, ABRCM1; TAUSCHECK, T1. Contato do autor principal. 1 – Acadêmico do curso de medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR). RESUMO O estudante de medicina passa, ao longo de sua formação, por várias situações inerentes aos modelos atuais de ensino e saúde e que funcionam como fatores estressores. Essas dificuldades, que se estendem desde o processo de preparação para o vestibular até o contato com pacientes enfermos durante os estágios, podem, em algumas circunstâncias, ser nocivas à saúde mental dos acadêmicos. O objetivo deste estudo é realizar uma revisão de literatura para avaliar as condições atuais de saúde mental dos estudantes de medicina, os fatores estressores e o preparo das escolas em assisti-los. O estudo é exploratório-descritivo e foram feitas buscas das palavras-chave em bases de dados virtuais como Pubmed e SciELO, além de busca em livros para se complementar as informações. Sugere-se mais estudos do assunto e também que haja mais atenção à saúde mental dos estudantes por parte das escolas médicas, seja no aspecto preventivo, seja no curativo, ofertando, a exemplo de algumas instituições, serviços especializados de apoio aos acadêmicos. Palavras-chave: estudantes de medicina, saúde mental, depressão, suicídio, estresse, burnout, ansiedade, álcool, tabaco, transtornos psiquiátricos, doenças psiquiátricas. ABSTRACT The medical student undergoes, throughout his formation, several situations inherent in the current education model and health that work as stressing factors. These difficulties, which extend from the process of preparation for the college entrance exam through the contact with sick patients during the medical internship, may, at certain circumstances, be harmful to the mental health of the students. The objective of this study is to perform a literature review to assess the current conditions of the medical student's mental health, the stressing factors and the preparations of the schools to assist them. The study is exploratorydescriptive and searches of the keywords were made in virtual databases, such as Pubmed and SciELO, aside from search in books for supplemented information. It is suggested further studies regarding this subject, as well as more attention to the mental health of students by medical schools, either in the preventive or curative aspect, offering, in example of some institutions, specialized support services to the students. Keywords: medicine student, mental health, depression, suicide, stress, burnout, anxiety, alcohol, tobacco, psychiatric disorder, psychiatric disease. INTRODUÇÃO O estudante de medicina, ao iniciar o curso, anseia por formar-se um bom médico. Seja motivado conscientemente pela vontade de se tornar o médico ideal, representado pelas características do deus grego Asclépio (CASSORLA, 1995), seja motivado pelas razões mais profundas do inconscientemente (ROCCO, 1992) o acadêmico se empenha rumo aos seus aos seus intentos. Entretanto a dedicação integral a um curso de conteúdo denso e com constantes cobranças pode vir a ser um fator estressor e produtor de doença na vida dos estudantes (ZONTA et al., 2006), os quais nem sempre buscam auxilio, e, do contrário, tentam “mascarar” seu sofrimento com estratégias que degradam ainda mais a sua saúde. Desde antes do vestibular, com as pressões de estudo e concorrência, até diplomar-se médico, com as cobranças inerentes à profissão como a falta de tempo e a responsabilidade pela vida, diversas são as condições que podem causar sofrimento e alterações na saúde mental do estudante de medicina. Dentre os eventos estressores estão a figura do médico idealizado (QUINTANA et al., 2010), o pouco tempo livre, o grande volume de estudo, as dificuldades do relacionamento com os pacientes e a interferência da rotina da carreira médica na vida pessoal (MILLAN et al, 2005). Esses fatores podem causar consequências na saúde mental dos acadêmicos, causando estresse e consequentes condições depressivas e ansiosas (FOGAÇA et al., 2008). Muito embora algumas escolas de medicina tenham serviços de auxilio à saúde mental dos acadêmicos (MILLAN et al., 2008) isso acaba não sendo uma constante. Diante dos estressores do curso, os estudantes buscam diversas formas de suportá-los. Alguns recorrem aos serviços especializados, seja de profissionais de saúde ou de serviços ofertados por suas escolas (CUNHA et al., 2009) outros recorrem à religiosidade ou a outras estratégias saudáveis como fortalecimento de laços afetivos e práticas esportivas (ZONTA et al., 2006). Infelizmente, uma parcela dos acadêmicos recorre a práticas que, muito embora aliviem seu estresse momentaneamente, prejudicam sua saúde de forma geral em longo prazo. Dentre essas estratégias infortunas incluem-se o tabagismo (MENEZES et al., 1994), a ingestão de álcool e o uso de substâncias psicoativas (LEMOS et al., 2007). Frente à situação apresentada, faz-se necessário, portanto, que se estudem as condições de saúde mental dos estudantes de medicina e que se busquem alternativas para garantir a qualidade de vida dos futuros médicos. METODOLOGIA A presente pesquisa é do tipo exploratório-descritiva. Para a revisão de literatura, foi realizada uma busca nas bases de dados virtuais Pubmed e Scielo com o descritor “estudantes de medicina” combinado com outros descritores como “depressão”, “suicídio”, “estresse”, “burnout”, “ansiedade”, “álcool”, “tabaco”, “transtornos psiquiátricos”, “doenças psiquiátricas”, limitados a artigos científicos. Esses termos foram traduzidos para a língua inglesa, para a pesquisa no banco de dados Pubmed. No banco de dados do Scielo, tivemos o cuidado de selecionar artigos que diziam a respeito da saúde mental do estudante de medicina brasileiro, uma vez que foram encontrados artigos sobre estudantes de outros países, como Venezuela e Honduras. Nessa pesquisa, encontramos um número razoável de artigos científicos a respeito da saúde mental do estudante em diversas faculdades de medicina no Brasil. Foram identificadas as produções científicas da área médica a partir de 1980. A opção de trabalhar com produções da década de 80 deveu-se ao fato de as bases informatizadas de dados estarem disponíveis a partir deste período. De todas as referências encontradas, foram selecionadas apenas as publicadas em periódicos de língua inglesa e portuguesa. Os autores optaram ainda por utilizar apenas artigos de livre acesso à população, ou seja, que não têm custo financeiro. A pesquisa foi complementada e aprofundada com livros e sites da internet especializados no assunto, com fim do melhor entendimento sobre como a saúde mental do ser humano pode ser afetada, nas diversas formas. No site http://www.fm.usp.br/cedem/qv/servicos.php foram encontrados serviços e programas de suporte ao estudante de universidades. Estão ilustradas, 23 universidades em que existem serviços e programas direcionados para o suporte ao estudante, incluindo o estudante de medicina, que é o objeto de nosso estudo. DISCUSSÃO Idealização e luto Comumente as pressões sobre os futuros médicos iniciam-se antes mesmo destes adentrarem à faculdade ou universidade. As cobranças começam nos estudos e preparativos para o vestibular. O estresse da competição, da grande concorrência por uma vaga em boas instituições, o histórico de reprovações de anos passados, o peso das cobranças familiares e o medo da não aprovação são alguns dos fatores que antecedem a vida acadêmica já como um funesto preâmbulo do que virá a posteriori (SOUZA, 2010). Em virtude disso, pode-se questionar o que ocorre com essa população, que, por um lado, se mostra tão capacitada e, por outro, tão vulnerável ao adoecimento. Por isso a hipótese é de que as forças que estão envolvidas na busca do objetivo também estarão presentes no adoecimento. A idealização, a identificação, juntamente com a determinação, a persistência e a competitividade serão fatores determinantes no adoecimento. Superar a identificação do estudante de medicina com o ideal de “ser” médico é o trabalho a ser realizado. (SOUZA, 2010. Pág. 1). O estudante de medicina inicia o curso com uma idealização de médico e de atendimento em saúde. Porém ao se deparar com a fria realidade das ciências básicas e das excessivas cobranças em torno dos densos conteúdos sofre um penoso desprazer. Essa perda da abstração leva a um processo de luto pelo objeto idealizado e consequente sofrimento (FREUD, 1917). Não obstante o estudante ainda se depara com as cobranças que a sociedade impõe sobre os acadêmicos ao também idealizar o médico (QUINTANA et al., 2010) e, por decorrência, idealizar o estudante de medicina, sempre dedicado e competente. Ao começar as aulas no hospital o estudante de medicina se deparara com diversos conflitos já que inicia o convívio com a dor, o sofrimento e a morte que podem ser prejudiciais para a sua saúde mental (LEE et al., 2001). Ao se deparar com o fato de que nem sempre a cura está ao seu alcance e de que nem todas as doenças estão sob o seu controle, põem-se por terra os sonhos idealistas e onipotentes dos futuros médicos (GONÇALVES, 1998). O frequente contato com a perda e com o sofrimento leva o acadêmico a se confrontar com sua mortalidade e a temer pela sua própria saúde. O estudante sente-se, então, vulnerável já que o sentimento que havia outrora, de que poderia impedir a dor e a morte sua e de sua família são colocados em cheque. (WERNER, 1976). Estresse e burnout O ensino médico é pautado por momentos constantes de pressão e por fatores estressores dentre os quais estão o pouco tempo livre, o grande volume de estudo, as dificuldades do relacionamento com os pacientes e a interferência da rotina da carreira médica na vida pessoal (MILLAN et al., 2005). Estudos apontam que os estudantes de medicina adoecem mais que a população em geral (MILLAN et al., 1998; CAVESTRO e ROCHA, 2006; REZENDE et al., 2008), o que indica que estariam mais vulneráveis, portanto, ao estresse e, conseqüente, a doenças mentais. Segundo SOUZA (2010) uma das hipóteses para que essa vulnerabilidade ocorra é que fatores como a idealização e a conseqüente identificação do estudante com “ser” médico além da competitividade, dentre outros, são forças envolvidas tanto na busca do objetivo quanto no processo de adoecimento. O estresse pode ser definido como a soma de respostas físicas e mentais, como a vigilância elevada, e sobre as quais se tem pouco controle causadas, em resposta a uma experiência adversa (HIGGINS, 2010). Frente a situações de estresse, uma pessoa pode responder com alterações afetivas muito variadas, dentre as quais as mais comuns são as depressivas e ansiosas (FOGAÇA et al., 2008). Os sintomas característicos, que indicam, incluem a insônia, fadiga, irritabilidade, esquecimento, dificuldade para concentração e queixas somáticas. Estudos com universitário, e em especial com os do curso de medicina (COSTA E PEREIRA, 2005) apontam que o estresse ao qual são submetidos ao longo de sua vida acadêmica podem desencadear distúrbios mentais de cunho emocional, como estados depressivos, isolamento social, irritabilidade e distúrbios somáticos como gastrite, diarreia, cefaleia e perda de peso. De acordo com estudo de FIOROTTI et al. (2010) de 225 acadêmicos de medicina avaliados havia uma prevalência de transtornos mentais comuns em 29,6%. Segundo estudos de AGUIAR et al. (2009), com o objetivo de identificar o perfil sociodemográfico dos acadêmicos de medicina dos ciclos básico e clínico da Universidade Federal do Ceará (UFC) e avaliar a prevalência de sintomas de estresse, metade dos estudantes (49,7%) apresenta sintomas de estresse, sendo que os sintomas psicológicos são os mais prevalentes. O estudo mostrou também que embora haja maior prevalência percentual do sexo masculino (54,5%) entre os estudantes de Medicina, os índices de sintomas de estresse se revelam superiores no sexo feminino (66,7%% versus 35,8%). Nesse mesmo estudo, foi evidenciado, que a história de vida, os antecedentes pessoais e familiares, e os aspectos de personalidade têm papel significativo na gênese de transtornos por estresse. O burnout é, por definição, uma forma de sofrimento psíquico relacionada a alterações fisiológicas decorrentes do estresse, com maior risco de infecções, alterações neuroendócrinas do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal, hiperlipidemia, hiperglicemia e aumento do risco cardiovascular. A síndrome se caracteriza por exaustão emocional (fadiga intensa, falta de forças para enfrentar o dia de trabalho e sensação de estar sendo exigido além de seus limites emocionais), despersonalização (distanciamento emocional e indiferença em relação ao trabalho ou aos usuários do serviço) e diminuição da realização pessoal (falta de perspectivas para o futuro, frustração e sentimentos de incompetência e fracasso) São frequentes, também, sintomas como insônia, ansiedade, dificuldade de concentração, alterações de apetite, irritabilidade e desânimo (VIEIRA et al., 2006). Muito embora seja uma morbidade comumente encontrada em clínicas e diagnosticada por ferramentas como o Maslach Burnout Inventory (MASLACH et al., 1996), ela não consta nas classificações psiquiátricas. DYRBYE et al. (2010), em estudo com acadêmicos de medicina, concluiu que atitudes como honestidade, agirem com integridade, advogar a favor das necessidades dos pacientes, reduzir barreiras para uma saúde mais equalitária, e aderir a um código de conduta ético são prejudicadas quando os estudantes se encontram em burnout (exaustão). Dentre os 2682 estudantes norte-americanos pesquisados, 52,8% encontravam-se em estado de burnout, e 52,5% foram positivos para um screening de depressão. No quesito relação médico-paciente, a falta é grave: 49% dos estudantes com burnout relataram um dado de exame físico como normal no prontuário tendo omitido sua pesquisa no exame físico, contra apenas 35,8% doa estudantes testados negativos para burnout. Estados de estresse crônico e elevado diminuem a qualidade do aprendizado e da realização do estudante frente à sua profissão, piorando o quadro de saúde mental e, ao enfrentar esses conflitos, prejudicando sua identidade profissional, deixando marcas na mesma (RAMOS-CERQUEIRA et al., 2002). Depressão e suicídio A depressão é uma condição comum, já reconhecida por Hipócrates, e que, apesar de nosso avanço tecnológico desde a Grécia antiga, ainda sabemos muito pouco sobre a condição dessa doença (HIGGINS, 2010). O transtorno de humor depressivo, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças, em sua 10ª revisão, abarca sintomas como concentração, atenção reduzidas, autoestima e autoconfiança reduzidas; ideias de culpa e inutilidade; visões desoladas e pessimistas do futuro; idéias ou atos lesivos ou suicídio; sono perturbado; e manifestações somáticas como anedonia, perda de apetite, perda de peso e perda da libido dentre outras (CID-10, 1993). Um estudo de rastreamento epidemiológico de sintomas depressivos em residentes e estudantes do curso de medicina do Centro de Ciências Médicas e Biológicas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (CCMB-PUC/SP), realizado por GABRIEL et al. (2005), apresentou importantes índices de sintomatologia depressiva observados nessa população. Participaram, nesse estudo, 64 residentes e 97 acadêmicos do primeiro ano do curso de medicina e foram encontrado os seguintes resultados: 81% dos residentes e 72% dos acadêmicos apresentavam sintomatologia depressiva. Houve predomínio no sexo feminino: 54% das residentes e 61% das acadêmicas. Em pesquisa realizada por SCHWENK et al. (2010), constatou-se que estudantes norte-americanos de primeiro e segundo anos são mais susceptíveis que os estudantes de terceiro e quarto anos a apresentar depressão moderada a severa. Contudo, os estudantes de primeiro e segundo ano relataram ideação suicida com menos frequência que os de terceiro e quarto anos. Dos alunos com depressão moderada a severa, foi encontrada uma percentagem maior de mulheres em relação a homens. Essa diferença não foi encontrada nos casos de ideação suicida. A frequência com que estudantes consideraram largar os estudos foi cerca de oito vezes maior em estudantes de medicina com depressão moderada a severa que em estudantes com depressão mínima ou não depressivos. Estudantes de medicina com depressão severa apresentaram com maior frequência estigmas em relação à depressão, quando comparados com colegas não ou minimamente depressivos. Entre estes estigmas estão a percepção de que contar sobre a doença a um chefe poderia ser arriscado, que procurar ajuda significaria que a sua capacidade cognitiva estava afetada, e que se assumissem a depressão suas opiniões seriam menos respeitadas. Estes dados poderiam refletir a distorção cognitiva que sabidamente ocorre em pacientes depressivos, podendo os estudantes de medicina afetados ter uma visão excessivamente negativa e não condizente com a realidade sobre a maneira como são vistos por outros estudantes. Os dados poderiam ainda indicar que estes estudantes são, de fato, vistos como menos capazes (SCHWENK et al., 2010). O suicídio é, sem dúvida, uma das situações mais dramáticas da psiquiatria e resultante de alteração tanto no conteúdo do pensamento quanto na conduta do paciente. É, muitas vezes, a maneira encontrada para o alívio do sofrimento, do sentimento de desesperança, do desamparo, dos conflitos pessoais ou interpessoais e do estresse. (VIANA et al., 2008). O suicídio encontrado entre médicos e estudantes de medicina está relacionado, segundo WEKSTEIN (1979) citado por MELEIRO (1998), à perda de onipotência, onisciência e virilidade idealizadas durante os estudos e durante a carreira. De acordo com MELEIRO (1998) ao citar ROSS (1973), nos Estados Unidos suicídio entre médicas é mais freqüente que entre médicos e a taxa de suicídio entre as mulheres médicas é quatro vezes maior que nas mulheres da população geral com mais de 25 anos. É relatado que mudanças de comportamento e até mesmo avisos de idealização suicida ocorrem em cerca de 80% e aproximadamente 50% o fazem abertamente. SIMON (1971), realizando um estudo retrospectivo em 62 escolas médicas norte-americanas e três canadenses, concluiu que o suicídio é a segunda causa de morte entre os estudantes de medicina, perdendo apenas para os acidentes. Os dados encontrados com os alunos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo aproximaram-se aos dos obtidos por Simon (MILLAN, 2008). Ainda de segundo trabalhos de MILLAN et al. (1990) e também de DE MARCO et al. (1992), alunos de medicina com melhor desempenho escolar encontram-se em um grupo de alto risco de suicídio. Os referidos autores conjeturam que, por serem pessoas mais exigentes, estariam mais propensas a sofrer as pressões impostas diante de qualquer falha. O estudante passa a ter culpa pelo que não sabe e com isso se sente paralisado pelo medo de errar. Esses quadros caracterizam-se por sentimentos de desvalia e impotência, que, muitas vezes, são responsáveis por idéias de abandono do curso, depressão e suicídio (MELEIRO, 1998). Busca por auxílio Para formar-se dentro das condições dadas atualmente no ensino médico, o estudante de medicina deve buscar formas para superar ou pelo menos suportar as exigências e demais estressores presentes em sua vida acadêmica, já que, de acordo com JUNG (1975) “somente se o médico souber lidar com ele mesmo e com seus próprios problemas ele será capaz de ensinar o paciente a fazer o mesmo”. Frente às situações inóspitas do curso, os estudantes buscam diversas formas de suportá-los. Uns recorrem aos serviços especializados, tanto de profissionais de saúde ou de serviços ofertados por suas escolas (CUNHA et al., 2009) outros recorrem à religiosidade ou a outras estratégias saudáveis como fortalecimento de laços afetivos e práticas esportivas (ZONTA et al., 2006). Algumas escolas de medicina possuem serviços de auxílio à saúde mental dos acadêmicos a exemplo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que possui já grande experiência. Nesses serviços, dentre os principais motivos de consulta predominam, transtornos de humor, principalmente os quadros depressivos. Os episódios depressivos, seguidos pelos transtornos depressivos recorrentes, transtornos distímicos e transtornos bipolar são as principais causas (MILLAN et al., 2008). A análise dos prontuários do período de 1997-2003 realizada por BELLODI (2007) mostrou que a cada ano, 11% dos 600 alunos da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo têm procurado o serviço de apoio psicológico oferecido pelos profissionais da instituição. A pesquisa mostrou predomínio no atendimento ao sexo feminino e nos anos iniciais do curso. Dentre as razões pessoais pela procura por psicoterapia destacam-se dificuldades no relacionamento amoroso e com a família. No domínio profissional destacamse a procura por problemas com colegas, principalmente no sexo feminino, e dificuldade de concentração, no sexo masculino. Quadros depressivos ligados a frustação do idealismo inicial, diminuição da qualidade de vida e falta de tempo livre foi marcante entre as mulheres. Entre o sexo masculino as principais queixas emocionais estão relacionadas a ansiedade gerada pela alta competitividade e rivalidade, prejudicando a capacidade de priorizar atividades realmente importantes para formação. Assim sendo, muito embora algumas escolas de medicina tenham serviços de auxilio à saúde mental dos acadêmicos (MILLAN et al., 2008) isso acaba não sendo uma constante. E o número decai se considerarmos as que possuem uma estrutura realmente adequada para acolher aos que as procuram. De acordo com informações retiradas do site da internet da Universidade de São Paulo (http://www.fm.usp.br), encontramos uma análise dos serviços e programas de suporte ao estudante. Foram analisadas 23 universidades e seus programas e serviços oferecidos aos estudantes, e concluiu-se que a assistência psicológica ao aluno de Medicina no Brasil remonta à década de cinquenta; que vários centros tentaram criar serviços com tal finalidade, mas poucos conseguiram dar continuidade ao seu trabalho por um período longo, apesar de haver consenso quanto à importância e necessidade dos serviços; que a escassez de recursos materiais, a política institucional e a indefinição de um setting adequado parecem ser as causas mais comuns que levam à extinção de serviços; que não há uma uniformidade quanto aos objetivos, formas de abordagem e população alvo (a maior parte atende alunos de diferentes áreas e alguns se dedicam exclusivamente ao estudante de Medicina); e finalmente, que a carência de bibliografia especializada em nosso meio faz com que haja uma grande avidez dos colegas de diferentes instituições para trocar experiências e informações. Tendo em vista a situação de que nem sempre uma estrutura adequada existe para acolher os acadêmicos necessitados, e considerando que estes por diversos motivos, como até o preconceito pela psiquiatria (LYMAN, 1961) muitas vezes acabam não buscando auxílio especializado, Infelizmente, uma parcela dos acadêmicos recorre a práticas que, muito embora aliviem seu estresse momentaneamente, prejudicam sua saúde de forma geral em longo prazo. Dentre os psicoativos LEMOS et al. (2007), em estudo apresenta o álcool como droga mais utilizada pelos estudantes de medicina, seguida pelo lança-perfume, tabaco e maconha. Observa-se uso esporádico de todas as substâncias pesquisadas, com exceção do álcool, que apresenta altas taxas de uso regular. Além disso, o estudo revelou que a idade média para o uso de álcool pela primeira vez foi de 14,8 anos, mostrando que grande parte dos estudantes teve com esta substancia antes de ingressar na universidade. Foi observado um uso maior de tabaco, maconha e lança-perfume pelo gênero masculino e no uso de tranquilizantes pelas mulheres. De acordo com estudos de GABRIEL et al. (2005) 81% dos residentes e 84% dos estudantes com sintomas depressivos avaliados e faziam uso regular de bebida alcoólica e ainda, 25% dos residentes e 26% dos estudantes fumavam regularmente. Considerações Finais Percebe-se, com o trabalho, que muitas das causas de doença mental dentre os acadêmicos se deve aos modelos atuais de ensino e assistência em saúde nos quais há o despreparo para lidar com determinadas situações, cobranças excessivas e considerável negligência com a qualidade de vida tanto dos estudantes quanto dos profissionais de saúde. Os resultados encontrados pelos autores oferecem um panorama importante das condições de saúde mental de estudantes de medicina, revelando a alta prevalência de transtornos mentais comuns e identificando fatores associados a esses transtornos. Estes resultados podem servir de estímulo para futuros estudos destinados a identificar os efeitos de causalidade entre os fatores associados, e na reformulação não só dos currículos atualmente em uso em nossas universidades, mas também no processo de ensino e em métodos de aprendizagem, para garantir que a escola médica não exerça qualquer efeito prejudicial à saúde mental dos futuros médicos. Ressaltamos ainda a importância de oferecer serviços de apoio em saúde mental para esses alunos, a exemplo de algumas instituições supracitadas, evitando assim o agravamento dos sintomas, reforçando mecanismos saudáveis, e aumentando a capacidade de lidar com situação de doença mental. Também esperamos que nossos resultados possam promover o estabelecimento de programas dedicados aos cuidados de saúde de outros alunos que não alunos de medicina. A identificação precoce de sinais de estresse, como sintomas depressivos, sintomas de ansiedade, uso de psicoativos e até ideação suicida em programas de saúde é crucial para o fornecimento adequado de apoio e tratamento, promovendo a melhoria da saúde mental dos estudantes, prevenindo mortes por suicídio e aprimorando habilidades profissionais e sociais. Referências bibliográficas AGUIAR S. M. et al. Prevalência dos sintomas de estresse nos estudantes de medicina. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 2009, 58(1):34-8. BELLODI, P.L. Retaguarda emocional para o aluno de Medicina da Santa Casa de São Paulo (Repam): realizações e reflexões. Revista Brasileira de Educação Médica 631 (1); 5-14, 2007. CASSORLA, R. O mito de Asclépios e o médico lidando com a morte. Cadernos do IFAN, n.10, p.51-62, 1995. CAVESTRO, J. de M., ROCHA, F. L. Prevalência de depressão entre estudantes universitários; J Bras Psiquiatr, 55(4): 264-67; 2006. COSTA L., PEREIRA C.A. 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