Efeitos Benéficos dos Tratamentos de Restrição às Ações da

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO – UFOP
Núcleo de Pesquisas em Ciências Biológicas - NUPEB
Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas
Efeitos Benéficos dos Tratamentos de Restrição às Ações
da Angiotensina II na Infecção Experimental pelo
Trypanosoma cruzi
GUILHERME DE PAULA COSTA
Orientador: Prof. Dr. André Talvani
2012
Laboratório de Doença de Chagas/ NUPEB
Ouro Preto, Março de 2012
C837e
Costa, Guilherme de Paula.
Efeitos benéficos dos tratamentos de restrição às ações da angiotensina II na
infecção experimental pelo Trypanosoma cruzi [manuscrito] / Guilherme de
Paula Costa – 2012.
xiii, 74 f.: il., color; grafs.; tabs.
Orientador: Prof. Dr. André Talvani.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto
de Ciências Exatas e Biológicas. Núcleo de Pesquisas em Ciências Biológicas.
Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas.
Área de concentração: Imunobiologia de Protozoários.
1. Trypanosoma cruzi - Teses. 2. Enalapril - Teses. 3. Losartan - Teses.
4. Citocinas - Quimiocinas - Teses. 5. Inflamação. I. Universidade Federal de
Ouro Preto. II. Título.
CDU: 616.937:577.112.6
Catalogação: [email protected]
Efeitos Benéficos dos Tratamentos de Restrição às Ações
da Angiotensina II na Infecção Experimental pelo
Trypanosoma cruzi
Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em Ciências Biológicas do Núcleo de
Pesquisas em Ciências Biológicas da Universidade
Federal de Ouro Preto, como parte integrante dos
requisitos para obtenção do grau de Mestre em
Ciências Biológicas. Área de concentração:
Imunobiologia de Protozoários.
Orientador: Prof. Dr. André Talvani
Ouro Preto
Março de 2012
II
UNIVERSIDADE FEDERAL
DE OURO PRETO
Reitor
Prof. Dr. João Luiz Martins
Vice-Reitor
Prof. Dr. Antenor Barbosa Júnior
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação
Prof. Dr. Tanus Jorge Nagem
NÚCLEO DE PESQUISAS EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
Coordenador
Prof. Dr. André Talvani
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
Coordenadora
Profa. Dra. Renata Nascimento de Freitas
Suplente
Profa. Dr. Riva de Paula Oliveira
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus pais,
Roberto e Regina, que sempre
acreditaram na minha capacidade e me estimularam
a seguir meus sonhos.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais Roberto e Regina, por toda a confiança depositada e apoio em todos os
momentos. Nenhuma realização minha seria possível sem a participação dos meus pais.
Aos meus irmãos Cristiano e Fernanda pela confiança depositada, amizade e alegria nos
momentos em que estamos juntos.
Ao Professor André Talvani, pela orientação e inestimáveis conhecimentos passados,
mas principalmente, pela por ser um grande amigo.
Á Professora Maria Terezinha Bahia, por toda a colaboração oferecida, grande
aprendizado em docência e pela amizade.
Ao Professor Evandro Machado e a Professora Marta de Lana, pelas colaborações e
ótimo convívio.
Aos professores Wanderson Geraldo de Lima e Luis Carlos Crocco Afonso pelas
contribuições para a realização deste trabalho.
A todos os amigos do Laboratório de doença de Chagas, em especial a Vívian, Maíra,
Tassiane, Maykon, Ivo e Lívia pelo harmonioso e descontraído convívio dentro e fora
do ambiente de trabalho.
A minha aluna de iniciação científica Ana Luísa Junqueira Leite, pela grande
contribuição nesse trabalho e amizade.
A Ana, Ludmila e Daniela, por toda imprescindível ajuda diária no laboratório.
Ao André Santiago, que mesmo estando distante, nunca deixou de ser determinante
durante toda esta caminhada através de grande apoio e amizade inefável.
A toda turma 05/2 de Ciências Biológicas. Mesmo após quase três anos de formatura
continuam presentes e prezando pela grande amizade construída ao longo dos anos.
A todos os professores, colegas e funcionários do curso de pós-graduação.
A todos os antigos amigos de Belo Horizonte
A República Masmorra, aos prisioneiros e ex-alunos, por proporcionarem o grande
orgulho de morar em Ouro Preto.
Ao Juliano (Molusku) e ao Wellinson Bruno (Jagunçu), pelo convívio extremamente
agradável.
À UFOP pelo ensino gratuito de qualidade e às agência financiadoras: CAPES,
FAPEMIG e CNPq.
“A própria sociedade não se dá ao respeito; em vez de combater a descompostura, está
cada vez mais chamando a atenção para o que está errado e empurrando as criaturas
menos experientes para o abismo. Essa atitude é lamentável”
(Carlos Justiniano Ribeiro Chagas)
RESUMO
A cardiopatia chagásica (CC) constitui a manifestação clínica mais importante
da infecção pelo Trypanosoma cruzi, e apresenta um curso clínico variável desde
quadros assintomáticos até formas graves, com insuficiência cardíaca. Fármacos
anteriormente utilizados para melhorar a capacidade funcional ou amenizar o
remodelamento cardíaco na CC (ex. inibidores da enzima conversora da angiotensina –
ECA) têm apresentado ações também sobre os mecanismos inflamatórios – condição
sine qua non para a patogênese da CC. Neste estudo, avaliou-se a ação individual e em
combinação do Enalapril (inibidor da ECA) e do Losartan (bloqueador do receptor para
a angiotensina II) durante a fase inflamatória aguda da doença de Chagas experimental.
Camundongos Swiss foram infectados formas tripomastigotas da cepa “Colombiana” do
T. cruzi e tratados por 30 dias com 3 diferentes dosagens de Enalapril (10, 15 e
25mg/Kg) e Losartan (10, 15 e 20mg/Kg), além das combinações entre Enalapril +
Losartan (10+10, 15+10, 10+15 e 15+15 mg/kg). Parasitemia e mortalidade foram
utilizados para selecionar as melhores doses dos fármacos (Enalapril-25mg/kg,
Losartan-15mg/Kg e a combinação de ambos 15mg/Kg cada). Em uma 2ª etapa,
camundongos C57BL/6 foram infectados com a mesma cepa do T. cruzi e tratados
durante 20 dias com os fármacos/doses padronizados anteriormente, além do
Benzonidazol (100mg/Kg) e do veículo (controle não tratado). Após 22 dias de
infecção, os animais foram eutanasiados para retirada de materiais biológicos.
Observou-se redução do parasitismo sanguíneo e tecidual nos animais tratados com o
Losartan ou com o Enalapril, mas não para a combinação entre ambos. Os níveis séricos
dos mediadores inflamatórios TNF-alfa, CCL5 e CCL2 foram reduzidas nos animais
tratados com o Losartan, contrariamente aos níveis de IL-17 e IL-10. O tratamento com
o Enalapril reduziu os níveis de TNF-alfa, IL-17 e CCL5 e os manteve para IL-10 e
CCL2. Nos ensaios imunoenzimáticos, o tratamento com a combinação mostrou
resultados semelhantes àqueles com o Enalapril. Todos os tratamentos mostraram
redução na inflamação cardíaca pela análise histomorfométrica. Os dados mostram que
os efeitos pleiotrópicos dos tratamentos com as monoterapias dos fármacos que
restringem as ações da Angio II parecem interferir na capacidade replicativa do parasito
e promover uma modulação na resposta imune, culminando na redução do infiltrado
inflamatórios em tecido muscular cardíaco. Da mesma forma, sugerem que esses
tratamentos levariam a uma proteção aos danos cardíacos mediados pela resposta imune
durante a infecção experimental aguda pelo T. cruzi.
ABSTRACT
Chagas heart disease (CHD) is the most important clinical manifestation of
Trypanosoma cruzi infection and presents variable clinical course from asymptomatic to
severe form of heart failure. Drugs previously used to improve functional capacity or
mitigate cardiac remodeling in CHD (eg. inhibitors of angiotensin converting enzyme –
ACE) have also presented actions on inflammatory mechanisms, a sine qua non
condition for the pathogenesis of CHD. In this study, we evaluated the single and
combined action of Enalapril (ACE inhibitor) and Losartan (angiotensin II receptor
blocker) during the acute inflammatory phase of experimental Chagas disease. Swiss
mice were infected with tripomastigotes forms of “Colombian” strain of T. cruzi and
treated daily for 30 days with three different doses of Enalapril (10, 15 and 25mg/Kg),
Losartan (10, 15 and 20mg/Kg) and combinations of Enalapril + Losartan (10 +10, 15 +
10, 10 + 15 and 15 + 15mg/Kg). Parasitemia and survival rate was used to select the
best dose of drugs (Enalapril – 25mg/Kg, Losartan – 15mg/Kg and combination of both
– 15mg/Kg each). In a 2nd phase, C57BL/6 mice were infected with the same strain of T.
cruzi and treated for 20 days with drugs described, besides benznidazole (100 mg/Kg)
and vehicle (untreated control). After 22 days of infection, the animals were euthanized
to collect biological samples. It was observed a reduction of blood and tissue parasites
load in animals treated with Losartan or Enalapril, but not to the combination of both.
Serum levels of inflammatory mediators TNF-alpha, CCL2 and CCL5 were reduced to
those Losartan-treated animals which also showed an increase of IL-17 and IL-10
levels. Treatment with Enalapril leads to a reduction of TNF-alpha, IL-17 and CCL5,
but maintained IL-10 and CCL2 serum levels. For the immunoassays, treatment with
the combination showed similar results to those observed for Enalapril. All treatments
showed a reduction in cardiac inflammation in histomorphometric analysis. Our data
showed pleiotropic effects of treatments with the monotherapies of drugs which restrict
the actions of Angio II through the interference of parasite replication and immune
response modulation, culminating in the reduction of the inflammatory infiltrate in
cardiac muscle tissue. Together, these findings suggest that these treatments can lead to
a protection of heart damage mediated by immune response during acute experimental
T. cruzi infection.
LISTA DE FIGURAS E TABELAS
Figura 1.: Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona. *Local de ação dos
Inibidores da ECA. #Local de ação dos BR da Agonistas do AT-R....................... 20
Figura 2.: Estruturas químicas do Enalapril e sua forma esterificada ativa
Enalapriato ................................................................................................................. 22
Figura
3.:
Estruturas
químicas
do
Losartan
e
seu
metabolito
EXP-3174..................................................................................................................... 23
Figura 4.: Padronização da dose de Enalapril........................................................
37
Figura 5.: Padronização da dose de Losartan.......................................................... 38
Figura
6.:
Padronização
da
dose
da
combinação
entre
Enalapril
e
Losartan........................................................................................................................ 39
Figura 7.: Curvas de parasitemia de animais C57BL/6 infectados com o T. cruzi e
tratados com fármacos que levam a restrição das ações da Angio II.................... 40
Figura 8.: Curvas de mortalidade de animais C57BL/6 infectados com o T. cruzi e
tratados com fármacos que levam a restrição das ações da Angio II.................... 41
Figura 9.: Tamanho relativo dos corações de animais C57BL/6 infectados com o T.
cruzi e tratados com fármacos que levam a restrição das ações da Angio II........ 42
Figura 10.: Efeitos dos tratamentos com fármacos que levam a restrição das ações
da Angio II em citocinas circulantes durante a infecção pelo T. cruzi................... 43
Figura 11.: Efeitos dos tratamentos com fármacos que levam a restrição das ações
da Angio II em quimiocinas circulantes durante a infecção pelo T. cruzi.............. 45
Figura 12: Determinação do número mínimo de campos microscópicos
representativos para análise de parasitismo cardíaco.............................................. 46
Figura 13: Quantificação do infiltrado inflamatório em tecido muscular cardíaco
de animais C57BL/6 infectados com o T. cruzi e tratados com fármacos que levam
a restrição das ações da Angio II................................................................................ 47
Figura 14: Fotomicroscopia de tecido muscular cardíaco de camundongos
C57BL/6 infectados e tratados com fármacos que levam a restrição das ações da
Angio II......................................................................................................................... 48
Figura 15: Efeitos dos tratamentos com fármacos que levam a restrição das ações
da Angio II no parasitismo cardíaco.......................................................................... 49
Figura 16: Ninho de amastigota do T. cruzi.............................................................. 50
Tabela 1: Sumário dos resultados............................................................................. 51
LISTA DE ABREVIATURAS
Angio I – Angiotensina I
Angio II – Angiotensina II
BR – Bloqueador do Receptor
BSA – Albumina do Soro Bovino (“Bovine Serum Albumin”)
DNA – Ácido Desoxirribonucleico (“deoxyribonucleic acid”)
ECA – Enzima conversora da angiotensina
H.E – Hematoxilina & Eosina
IFN – Interferon
IL – Interleucina
NF-kB - Factor nuclear kappa B
NK – “Natural Killer”
nm – Nanômetro
NO – Óxido Nítrico
PBS - Tampão Fosfato-Salino (“Phophate Buffered Saline”)
PCR – Reação em Cadeia da Polimerase (“Polymerase Chain Reaction”)
RAAS – Sistema Renina Angiotensina Aldosterona (“Renine Angiotensin Aldosterone
System”)
RNA – Ácido riconucleico (“ribonucleic ácid”)
TNF – Fator de Necrose Tumoral
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA......................................................................................................
IV
AGRADECIMENTOS............................................................................................
V
RESUMO.................................................................................................................
VII
ABSTRACT.............................................................................................................
VIII
LISTA DE FIGURAS.............................................................................................
IX
LISTA DE ABREVIATURAS...............................................................................
XI
I. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 14
1.1. Tripanosoma cruzi e doença de Chagas................................................... 15
1.2. Aspectos imunológicos da infecção pelo T. cruzi..................................... 16
1.3. Estratégias terapêuticas contra o Trypanosoma cruzi............................... 18
1.4. Inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) e bloqueadores
dos receptores da Angiotensina II .......................................................... 19
1.5. Enalapril e Losartan.................................................................................. 21
II. JUSTIFICATIVA................................................................................................. 24
III. OBJETIVOS........................................................................................................ 27
3.1. Objetivo geral............................................................................................ 28
3.2. Objetivos específicos................................................................................ 28
IV. MATERIAL E MÉTODOS.............................................................................. 29
4.1. Animais.................................................................................................... 30
4.2. Parasitos................................................................................................... 30
4.3.Infecção.................................................................................................... 30
4.4. Padronização das doses de Enalapril e Losartan..................................... 31
4.5. Tratamento e eutanásia dos animais........................................................ 31
4.6. Ensaios imunoenzimáticos...................................................................... 32
4.7. Histologia convencional.......................................................................... 33
4.7.1. Processamento e cortes em micrótomo......................................... 33
4.7.2. Coloração em Hematoxilina & Eosina......................................... 34
4.8. Fotodocumentação e análises morfométricas......................................... 34
4.9. Análises Estatísticas............................................................................... 35
V. RESULTADOS................................................................................................... 36
5.1. Determinação das doses de Enalapril e/ou Losartan............................... 37
5.2. Análise da parasitemia, mortalidade e peso relativo
do coração..............................................................................................
40
5.3. Ensaios Imunoenzimáticos.....................................................................
43
5.4. Análises histológicas..............................................................................
46
5.4.1. Análise do infiltrado inflamatório em tecido muscular
cardíaco................................................................................................ 47
5.4.2. Análise do parasitismo em tecido muscular cardíaco................... 49
5.5. Sumário dos resultados........................................................................... 51
VI. DISCUSSÃO..................................................................................................... 52
VII. CONCLUSÃO................................................................................................
VIII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................
59
61
Introdução
I. Introdução:
14
Introdução
1.1. Tripanosoma cruzi e doença de Chagas
A tripanosomíase americana é uma doença parasitária endêmica das Américas
causada pelo Trypanosoma cruzi, um protozoário hemoflagelado que possui ciclo de
vida heteroxênico e é transmitido naturalmente aos hospedeiros vertebrados por vetores
da subfamília Triatominae (Chagas 1909), podendo levar ao desenvolvimento da
doença de Chagas, uma moléstia com diversas alterações inflamatórias, funcionais e
alterações eletrocardiográficas (Rocha et. al., 2007).
Estima-se que existam 141 espécies de triatomíneos (hemípteros pertencentes à
família reduviidae) que, embora nem todas sejam consideradas importantes para a
epidemiologia da doença de Chagas, ainda assim seriam capazes de levar a infecção
pelo T.cruzi para mais 100 espécies de mamíferos (Cantillo-Barraza et. al., 2010).
Além da forma vetorial, existem outras possibilidades de infecção pelo T. cruzi,
como através da ingestão do parasito (Shikanai-Yasuda & Carvalho, 2012), transmissão
congênita, transplante de órgãos e transfusões sanguíneas, essas últimas com grande
importância epidemiológica em países desenvolvidos, onde se estima que 1% - 41% dos
imigrantes (dependendo do país onde reside e a nacionalidade do imigrante) são
infectados (WHO, 2010a; Schmunis & Yadon, 2010).
A doença de Chagas é ainda hoje um importante problema médico-social,
acometendo atualmente cerca de 10 milhões de pessoas no mundo com uma taxa de
mortalidade anual de 10 mil indivíduos (WHO, 2010b). Na América latina há cerca de
7,8 milhões de pessoas infectadas pelo T. cruzi com aproximadamente 28 milhões de
indivíduos sob risco de infecção (Maya et. al., 2010) e o Brasil tem um custo anual de
cerca de 5,6 bilhões de dólares devido à aposentadoria precoce causada pela doença de
Chagas (WHO, 2010b). Estima-se ainda que nos últimos 10 anos, 80 mil pessoas foram
infectadas pelo T. cruzi na Europa com mais de 4 mil casos já confirmados e as causas
são atribuídas às transmissões por transplantes de órgãos e transfusões sanguíneas por
indivíduos vindo da área endêmica, além de transmissão congênita (WHO, 2010a). Nos
Estados Unidos já são detectadas algumas espécies de triatomíneos infectados pelo T.
cruzi, evidenciando possibilidade de transmissão natural, embora não há dados que
revelam colonização domiciliar (Cesa et. al., 2011).
A doença de Chagas é classificada em fase aguda e fase crônica, sendo a
segunda iniciada por uma forma indeterminada (assintomática) na qual pouco se
15
Introdução
conhece quanto aos mecanismos que levam à progressão para as formas sintomáticas. A
fase aguda tem início logo após a infecção, por vezes evidenciado por um sinal de porta
de entrada na conjuntiva ocular denominado sinal de Romanã (Romanã, 1935), não
sendo frequentemente observada sintomatologia intensa e óbitos (Laranja et. al., 1956),
excluindo-se os casos de morte súbita (Prata, et. al., 1986), no entanto ocorre intenso
parasitismo sanguíneo e tecidual evidenciado histologicamente (Higuchi et. al., 2003).
Em crianças e indivíduos imunodeprimidos, podem ocorrer óbitos durante esta fase
devido à meningoencefalite (Hoff et. al., 1978). Já durante a fase crônica da doença de
Chagas, encontramos, na maioria dos indivíduos infectados, a forma crônica
indeterminada, no entanto, alguns indivíduos evoluem para forma sintomática, esses
afetando diretamente o coração, esôfago, colón e outros tecidos (Prata, 2001).
Infelizmente, pouco se sabe sobre os fatores que levam a gravidade da
doença de Chagas e seu caráter evolutivo. Alguns fatores são apontados como
responsáveis em exercer importância neste processo, como por exemplo, a via de
inóculo, a gravidade na fase inicial da infecção, a resposta imune do hospedeiro e a
variabilidade genética do parasito sendo que cada cepa apresenta características
distintas, como, por exemplo, a cepas “Colombiana” e “VL-10”, que possuem um
tropismo cardíaco (Vago et. al. 1996; Dvorak, 1984; Coura, 2007).
1.2. Aspectos imunológicos da infecção pelo T. cruzi
A cardiopatia chagásica experimental é uma doença que apresenta um perfil
inflamatório dependente de uma série de citocinas e quimiocinas para ativação e
recrutamento das células imunes para o sito de lesão (Talvani et al. 2000). Uma
ausência ou drástica redução da resposta inflamatória frente a esta infecção pode levar o
hospedeiro à morte (Talvani & Teixeira; 2011).
Frente à infecção pelo T. cruzi há um estímulo para produção de marcadores
inflamatórios, como a citocina IFN-gama, que ativará diversas células do sistema
mononuclear fagocitário que atuarão direta e indiretamente contra o parasito (fagocitose
e produção de oxido nítrico) além de produzir outras citocinas (TNF-alfa, IL-12) e
quimiocinas (CCL2-MCP1, CCL5-RANTES) responsáveis ativar e recrutar novas
células para o “sitio inflamatório”. A produção IL-12 estimula as células Natural Killer
(NK) a produzirem mais IFN-gama, levando, indiretamente, à produção de TNF-alfa,
16
Introdução
IL-12, radicais livres e quimiocinas, resultando em um feed-back positivo na ação
inicial contra o T. cruzi (Talvani & Teixeira; 2011). No entanto, uma quantidade
excessivo de células inflamatórias em determinado tecido é, por si só, prejudicial ao
hospedeiro. Portanto, com o aumento dos marcadores inflamatórios há um estímulo para
a regulação deste evento com a produção de citocinas como a IL-10 e IL-4 (Brener &
Gazzinelli, 1997; Aliberti et. al., 2001; de Oliveira et. al., 2007; Talvani et. al., 2009).
Contudo, quando não há uma regulação eficaz na produção das citocinas IFN-gama e
IL-10, pacientes podem evoluir para a forma sintomática da doença de Chagas,
acarretando em uma imunopatologia cardíaca (D’Álvila et. al, 2009).
Como podemos notar, as citocinas exercem grande interferência durante a
doença de Chagas, destacando sua participação nos eventos inflamatórios. A citocina
pró-inflamatória TNF-alfa exerce importante papel durante a doença de Chagas
experimental, mediando os danos ao tecido muscular cardíaco e contribuindo para uma
sobrevivência prolongada do hospedeiro (Roggero et. al. 2009). Por outro lado, a IL-10
e a IL-4 também são encontradas em altos níveis no tecido cardíaco durante a fase
aguda da doença, porém inibindo a resposta inflamatória (Tricoli et. al. 2009).
As quimiocinas e seus receptores também possuem papel determinante no
curso da resposta inflamatória durante a infecção pelo T. cruzi, pois a ação destes
mediadores leva a um recrutamento de leucócitos para os tecidos parasitados (Paiva et.
al., 2009). Por exemplo, já foi mostrado que a ausência do receptor CCR5 resulta na
replicação desordenada do parasito devido à falta de estímulo de migração de células T
CD4+ e T CD8+ para o sítio inflamatório (Machado et. al., 2005).
A interação inicial do parasito com as células do hospedeiro acontece
através de receptores tipo Toll, principalmente 4 e 9, presentes em macrófagos e células
dendríticas (Bafica et. al., 2006). A partir dessa interação ocorre um estímulo para tentar
controlar a infecção que resulta na secreção de citocinas e quimiocinas inflamatórias,
morte de parasitos pela ação de espécies reativas de oxigênio e endocitose de leucócitos.
Haverá então um estímulo para geração de células T específicas anti T. cruzi que irão
migrar para o sitio inflamatório juntamente com outros leucócitos pela ação de diversas
quimiocinas como CXCL9, CXCL10, CCL5, CCL2, CCL3 (Teixeira et. al., 2002). Essa
resposta inflamatória aguda celular e humoral levaria ao controle do parasitismo
sanguíneo e tecidual, no entanto não sendo totalmente eficaz e conduzindo a infecção a
um estado crônico.
17
Introdução
Durante a fase crônica da doença, a produção de citocinas inflamatórias
persiste principalmente TNF-alfa e IFN-gama, mesmo nos indivíduos em forma
indeterminada (Cunha-Neto et. al., 2009; Talvani et. al., 2004). Em indivíduos com a
forma sintomática cardíaca, além do TNF-alfa, observa-se também uma persistência de
CCL2, alta expressão de receptores para quimiocinas como CCR5 e CXCR3, número
aumentado de células T CD4+ e CD8+ e baixa produção de células T reguladoras
FoxP3+, havendo assim predomínio de citocinas inflamatórias sobre as regulatórias
(Araujo et. al., 2007; Gomes et. al., 2003; Abel et. al., 2001).
Essa inflamação durante a fase crônica levaria a danos cardíacos mediados
pela resposta imune. Existem trabalhos que correlacionam esses danos à autoimunidade, onde um mimetismo molecular levaria a produção de auto-anticorpos e
células T auto-reativas (Leon & Engman, 2001; Cunha-Neto et. al., 1996). No entanto,
por meio de técnicas moleculares como a PCR em tempo real, foi demonstrada a
persistência do parasito nos tecidos por longo período de tempo após a infecção,
havendo ainda correlação entre a carga parasitária e a intensidade da inflamação
(Guedes et. al., 2011).
1.3. Estratégias terapêuticas contra o Trypanosoma cruzi
Os estudos terapêuticos contra o T. cruzi se iniciaram nos anos 60 após
descobrirem que o tratamento de longa duração com nitrofuranos era efetivo para a fase
aguda da doença em camundongos (Brener, 1962) e quando testado em seres humanos a
taxa de sucesso terapêutico foi considerada satisfatória (Cançado et. al., 1964).
Posteriormente, dois fármacos foram desenvolvidos e recomendados para o tratamendo
da doença, o Benzonidazol (Rochagan® and Rodanil®, Roche) e o Nifurtimox
(Lampit®, Bayer), que ainda hoje são as opções de tratamentos etiológicos (Guedes et.
al., 2011).
O Nifurtimox age como uma pró-droga e necessita de ativação por
nitroredução produzindo metabólitos de oxigênio (Peterson et. al., 1979). Entretanto sua
utilização é controversa devido a sua toxicidade, potencial carcinogênico, eficácia
limitada, existência de cepas do T. cruzi resistentes, além de seus efeitos adversos
gerados (Belinda et. al., 2011). Mas com a escassez de tratamentos etiológicos para a
18
Introdução
doença de Chagas este fármaco ainda faz parte do arsenal contra a doença de Chagas em
alguns países, embora não seja o fármaco de escolha no Brasil.
O Benzonidazol atua por meio de um mecanismo de stress oxidativo,
havendo modificação de macromoléculas (DNA e RNA) inibindo a replicação do
parasito (Docampo, 1990). Os efeitos adversos associados ao Benzonidazol são sua
principal desvantagem sendo esses, principalmente, dermatites, intolerância digestiva,
depressão da medula óssea e toxicidade hepática. Esses efeitos levam ao abandono do
tratamento em aproximadamente 10% dos casos (Pérez-Molina et. al., 2009; Viotti et.
al., 2009; Carrilero, 2011). No entanto o Benzonidazol continua sendo a primeira droga
de escolha na terapia anti T. cruzi em alguns países da América latina.
Por essas terapias não serem satisfatórias durante a fase crônica alcançando
ausência ou baixas taxas de cura (Suasnábar 2000; Cançado 2002; Caldas et. al. 2008),
além dos efeitos adversos já descritos (Coura 1997), os pacientes que se encontram
nesta fase da doença são submetidos a tratamentos com o objetivo de reduzir a
progressão da insuficiência cardíaca causada pela ação do parasito e da resposta
inflamatória do hospedeiro, fazendo uso de terapias farmacológicas diurética, de
digitálicos, beta bloqueadores e de inibidores da enzima conversora da angiotensina
(ECA) (Bestetti, 2008; Consenso brasileiro em doença de Chagas, 2005)
1.4. Inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) e bloqueadores dos
receptores da Angiotensina II
Os inibidores da ECA são fármacos que atuam no sistema reninaangiotensina-aldosterona (RAAS) não permitindo que a angiotensina I (Angio I),
derivada da clivagem do angiotensinogênio pela renina, seja convertida em angiotensina
II (Angio II). A ECA é responsável por converter a angio I, um peptídeo inativo, em
Angio II, ativo. A presença da Angio II no plasma desencadeia uma série de eventos
que exercem importante ação na regulação da pressão arterial e desempenham um papel
chave na regulação da resposta inflamatória vascular (Nickening & Harrison, 2002;
Ferrario & Strawn, 2006).
Os Bloqueadores dos receptores (BR) da Angio II agem no mesmo RAAS,
no entanto eles não impedem a produção de Angio II, mas bloqueiam os receptores
inibindo a ação desse peptídeo (Heran et. al., 2008).
19
Introdução
Figura 1: Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona. *Local de ação dos
Inibidores da ECA. #Local de ação dos BR da Agonistas do AT-R.
Já foi mostrado que o risco de problemas cardiovasculares como o infarto
do miocárdio eleva-se progressivamente com o aumento da pressão arterial e o uso de
medicamentos como os inibidores da ECA e BR da AngioII, além de reduzir a pressão
arterial, fornece uma proteção a esses danos cardíacos (Chobanian et. al., 2003). Nos
últimos anos, observações clínicas mostraram os benefícios do tratamento com esses
fármacos na redução da hipertrofia cardíaca e na redução da morbidade cardiovascular
em pacientes hipertensos (Ocaranza & Jalil, 2012).
A angio II apresenta importante ação vasoconstritora pela síntese da
aldosterona, propicia proliferação celular e quimiotaxia de células inflamatórias como
os monócitos, além de desempenhar importante papel na regulação da ação do tônus
vascular, estímulando a liberação de citocinas e quimiocinas, ativando o fator de
transcrição NF-kB, aumentando o estresse oxidativo e suprimindo a síntese de óxido
nítrico (Kohno et al. 2000; Cunha et al. 2005; Ferrario & Strawn, 2006). Desta forma, o
aumento das concentrações de angio II desencadeia respostas inflamatórias,
principalmente porque é possível encontrar a ECA em muitos tecidos e células do
corpo, incluindo coração, tecido vascular, leucócitos, monócitos periféricos e o pulmão
(Sciarretta, et. al. 2009).
20
Introdução
O tratamento com inibidores da ECA e BR da Angio II leva a uma redução
do quadro inflamatório em diversas doenças. Com o uso desses fármacos observou-se
redução da inflamação em doenças renais pela regulação do fator de transcrição NF-kB
inibindo a liberação de quimiocinas (CCL2, IL-8, CCL5, CXCL10 e CCL3), citocinas
(IL-6 e TNF-alfa) pró-inflamatórias e moléculas de adesão (VCAM-1, ICAM, selectinas
e integrinas) levando a uma redução da migração celular para os rins (Ruiz-Ortega et.
al., 2005). Observou-se, ainda, a redução de estresse oxidativo e inflamação em
pacientes com hipertensão através da diminuição de proteína C reativa circulante (Dohi
et. al., 2003).
Na infecção experimental pelo Trypanosoma cruzi, o Captopril, um inibidor
da ECA, foi capaz de amenizar a miocardite aguda reduzindo a resposta de
hipersensibilidade retardada contra anticorpos do parasito e da miosina, sem afetar a
susceptibilidade do hospedeiro à infecção (Leon et.al., 2003). Da mesma forma, o
tratamento com o Enalapril foi capaz de reduzir os danos cardíacos mediados pela
resposta imune ao apresentar uma redução dos níveis de citocinas e quimiocinas
circulantes, além de apresentar ação anti-parasitária tanto no sangue quanto no tecido
cardíaco (Paula-Costa et. al., 2010).
Em outros modelos de miocardite aguda, como aqueles induzidos pelo pelo
coxsackevirus (Rezkalla et. al., 1990) e pelo vírus da encefalomiocardite (Araki et. al.,
1995), o tratamento com o Captopril também apresentou boa eficácia terapêutica.
1.5. Enalapril e Losartan
O Enalapril é uma pró-droga que após sofrer esterificação no fígado e rins
dá origem ao Enaprilato (Figura 1). Esse inibidor da ECA, largamente utilizado em
tratamentos anti-hipertensivos atua inibindo a conversão da angio I em angio II
(MacFadyen et. al., 1993), além de ser utilizado também no tratamento de doenças
cardiovasculares, incluindo insuficiência cardíaca, doença arterial coronariana e
insuficiência renal (Kazi & Deswal, 2008). Por sua estreita relação com o bloqueio da
síntese da angio II, tem sido demonstrado seu papel como um fármaco anti-isquêmico,
anti-trombose e inibitória da agregação plaquetária, melhora a função endotelial e
remodelamento vascular, além de expressar regulação imune e propriedades antiinflamatórias (Enseleit et. al., 2001; Paula-Costa et. al., 2010).
21
Introdução
Figura 2: Estruturas químicas do Enalapril (A) e sua forma esterificada ativa
Enalapriato (B).
Já foi mostrado que o tratamento com o Enalapril em ratos diabéticos leva a
angiogênese em músculo esquelético melhorando o quadro de doença arterial periférica
(Fallahzade et. al., 2011), além de ser capaz de reverter o quadro de fibrose no
miocárdio na cardiopatia urêmica experimental (Tyralla et. al., 2011).
Em ensaio in vitro o Enalapril mostrou interferência na capacidade
replicativa das formas epimastigotas do T. cruzi (Paula-Costa et. al., 2010).
Com o crescente problema médico da hipertensão nos anos 70 houve
esforços para desenvolver uma terapêutica eficaz em bloquear os receptores da Angio
II. Alguns peptídeos análogos à angiotensina foram desenvolvidos, mas sem valor
terapêutico, devido a falta de bioatividade oral e parcial atividade agonista desses
compostos (Regoli et. al., 1974). Porém, nos anos 90, surgiu o Losartan, um potente
antagonista do receptor AT1 e que, ao ser ingerido, era convertido em um metabólito
denominado EXP-3174 (Figura 2), antagonista não competitivo de ação 10-40 vezes
maior que o Losartan apresentando, ainda, uma meia-vida maior (Santagada et. al.,
2003).
22
Introdução
Figura 3: Estruturas químicas do Losartan (A) e seu metabolito EXP-3174 (B).
O tratamento com o Losartan age não só reduzindo a pressão arterial, mas
também no sistema imune, como já foi demonstrada sua ação imunomodulatória
inibindo o desenvolvimento de monócitos pró-inflamatórios (Merino et. al., 2012), além
de inibir a produção de citocinas inflamatórias e a ativação do fator de transcrição NFkB (Kranzhöfer et. al., 1999).
Pelos efeitos pleitrópicos observados nos tratamentos com o Enalapril e com
o Losartan, e ausência de trabalhos correlacionando essa terapêutica com a fase aguda
da infecção experimental pelo T. cruzi, eles foram selecionados para realização de
ensaios na tentativa de elucidar algumas questões envolvendo essa relação.
23
Justificativa
II. Justificativa:
24
Justificativa
Durante a infecção pelo Trypanosoma cruzi, alguns questionamentos
permanecem sem solução como: (i) quais fatores levariam um indivíduo infectado a
manifestar a doença crônica, (ii) por que os tratamentos utilizados não respondem da
mesma forma em todos os pacientes, (iii) quais mecanismos imunopatológicos levariam
à lesões nos diversos tecidos parasitados. Essas questões parecem estar relacionadas
com fatores intrínsecos ao parasito como a genética do protozoário levando a diferentes
tropismos, virulência, patogenicidade e também à carga parasitária. No entanto, não
podemos esquecer alguns aspectos relacionados também ao hospedeiro, como a
variabilidade genética interferindo na constituição imunológica, o sexo e a idade de
cada indivíduo infectado.
Devido à ineficiência dos atuais tratamentos etiológicos contra o T. cruzi,
em particular, na fase crônica da doença, estratégias farmacológicas que diminuam ou
estabilizem a resposta inflamatória sistêmica e/ou local poderiam reduzir os danos
observados durante a cardiopatia chagásica. Fármacos que hoje são empregados no
manejo clínico do paciente chagásico (Consenso brasileiro de doença de Chagas, 2005)
e apresentam fortes indícios de ação anti-inflamatória tornam-se, portanto, alvos
primários de nossa investigação, a exemplificar os inibidores ECA e os bloqueadores do
receptor da Angio II.
Atualmente poucos trabalhos relatam a resposta de tratamentos com
fármacos que restringem a ação da Angio II durante a infecção pelo T. cruzi.
Considerando a influência desse peptídeo na produção de citocinas e quimicinas proinflamatórias, no recrutamento celular e nos relatos clínicos de benefício do tratamento
de pacientes chagásicos com inibidores da ECA e BR da Angio II, torna-se importante
estudar o efeito direto desses tratamentos durante a infecção pelo T. cruzi.
Até o momento nosso grupo descreveu os efeitos dos inibidores da ECA na
inibição da replicação do parasito in vitro, redução do parasitismo sanguíneo e tecidual,
além da modulação imunológica mediada pela produção de mediadores inflamatórios
circulantes e seus efeitos benéficos na redução do recrutamento de células inflamatórias
no tecido cardíaco. Mas até que ponto os resultados observados são inerentes ao
fármaco testado Enalapril ou reflete, como um todo, as terapias baseadas na restrição
das ações da Angio II, ainda permanecem sem solução.
Neste trabalho é mostrada a comparação entre os efeitos do tratamento com
o Enalapril na resposta imunológica com o Losartan e a associação entre esses dois
25
Justificativa
fármacos durante a infecção aguda experimental pelo T. cruzi. Para tal, o modelo
escolhido foi o camundongo C57BL/6, por se tratar de uma linhagem de animais
isogênicos, minimizando a variável “genética do hospedeiro” em nossos estudos, além
das já conhecidas vantagens da utilização do camundongo nos estudos da fase aguda da
doença de Chagas, como facilidade de acomodação e manuseio, resposta rápida frente a
infecção e por ser um modelo muito bem descrito na avaliação dos mediadores
inflamatórios.
26
Objetivos
III. Objetivos:
27
Objetivos
3. Objetivos
3.1. Objetivo geral
O objetivo geral deste trabalho foi avaliar a proteção aos danos cardíacos
mediada pela resposta imune durante a infecção aguda pela cepa Colombiana do
Trypanosoma cruzi, após o tratamento com Enalapril, Losartan, e a combinação entre
ambos.
3.2. Objetivos específicos
1. Padronizar as doses-respostas dos tratamentos a serem utilizados, em
camundongos da linhagem Swiss.
2. Testar se o tratamento com a combinação entre Enalapril e Losartan
durante a fase aguda da infecção experimental do T. cruzi apresenta sinergismo.
3. Avaliar, os efeitos do tratamento com Enalapril e Losartan sobre o
parasitismo e sobrevida dos animais.
4. Quantificar os marcadores inflamatórios circulantes em animais
isogênicos C57BL/6 infectados com a cepa “Colombiana” do T. cruzi e tratados com os
fármacos que restringe as ações da angio II.
5. Analisar a interferência dos tratamentos com Enalapril, Losartan e sua
combinação no parasitismo e inflamação no tecido muscular cardíaco durante a infecção
experimental aguda pela cepa “Colombiana” do T. cruzi.
28
Material e Métodos
IV: Material e Métodos
29
Material e Métodos
4.1. Animais
Neste trabalho foram utilizados animais da linhagem Swiss machos adultos com
idade de 6-8 semanas e peso aproximado de 25g para a etapa de padronização das doses
a serem utilizadas do Enalapril, Losartan e a combinação destes. Animais da linhagem
C57BL/6 (isogênicos) machos, adultos com idade de 6-8 semanas e peso aproximado de
18g foram utilizados para os demais procedimentos (avaliação dos fármacos e resposta
inflamatória) neste estudo. Todos estes animais foram fornecidos pelo Centro de
Ciência Animal da Universidade Federal de Ouro Preto (CCA-UFOP) e mantidos sem
restrição de água e ração.
Os procedimentos adotados neste trabalho estão de acordo com os princípios
éticos de experimentação animal pré-estabelecidos pelo Colégio Brasileiro de
experimentação Animal (COBEA), tendo sido aprovados pela Comissão de Ética no
Uso de Animais da Universidade Federal de Ouro Perto (CEUA-UFOP), com número
de protocolo de 2010/56.
4.2. Parasitos
Foram utilizados parasitos da cepa “Colombiana” do Trypanosoma cruzi
armazenados em nitrogênio líquido e mantidos in vivo por sucessivas passagens em
camundongos Swiss, mantidos no Centro de Ciência Animal da Universidade Federal
de Ouro Preto (CCA-UFOP).
4.3. Infecção
Tanto na etapa de padronização das doses quanto na experimentação utilizando
animais isogênicos, a infecção foi feita com 50 formas tripomastigotas sanguíneas
retiradas de camundongos Swiss utilizados na manutenção da cepa in vivo próximo ao
pico de parasitemia, com o objetivo de minimizar a seleção de formas. O sangue foi
diluído em salina 0,9% para ajuste da concentração desejada e o inóculo foi realizado
por via peritoneal.
30
Material e Métodos
4.4. Padronização das doses de Enalapril e Losartan
Afim de selecionarmos a dose ideal do Inibidor da ECA – Maleato de Enalapril
e do bloqueador do receptor da Angio II – Losartana, foi realizado um esquema de
tratamento com 11 grupos de 10 camundongos da linhagem Swiss. Três destes grupos
foram tratados com Enalapril em diferentes doses (10mg/Kg, 15mg/Kg, 25mg/Kg),
outros 3 grupos foram tratados da mesma forma com Losartan (10mg/Kg, 15mg/Kg,
20mg/Kg), 4 grupos foram tratados com diferentes combinações entre Enalapril e
Losartan
respectivamente
(15mg/Kg/15mg/Kg,
15mg/Kg/15mg/Kg,
15mg/Kg/15mg/Kg, 15mg/Kg/15mg/Kg) e 1 grupo permaneceu como controle
recebendo o veículo no qual os fármacos foram diluídos, PBS com adição de metilcelulose para suspensão.
Os animais foram tratados por 28 dias por via oral (gavagem), com início
imediato após a infecção, sendo as análises parasitêmicas realizadas através da coleta de
5ul de sangue da veia marginal caudal e contagem direta das formas tripomastigotas
sanguíneas em lâmina/lamínula por microscopia óptica, diariamente, segundo a técnica
descrita por Brener (Zigman, 1962) até o vigésimo oitavo dia de tratamento.
Para obtenção da taxa de sobrevida dos animais, os mesmos foram mantidos sem
restrição a água e ração e sem interferência de manuseio desnecessário.
4.5. Tratamento e eutanásia dos animais
Com as doses devidamente padronizadas, animais C57BL/6, machos, adultos
foram infectados e mantidos em estantes ventiladas sem restrição de água ou ração.
A administração do Enalapril, ocorreu na dosagem de 25 mg/Kg/dia, do
Losartan foi de 15mg/Kg/dia e da combinação de ambos ocorreu na dose de 15
mg/Kg/dia de cada. Foi adicionado ainda um grupo tratado com Benzonidazol na dose
100mg/Kg/dia (controle de tratamento para doença de Chagas) e um grupo controle que
recebeu o veículo no qual os fármacos foram diluídos, PBS com adição de metilcelulose para suspensão. Para cada um desses esquemas de tratamento foi adicionado
um grupo controle não infectado. Os tratamentos foram realizados durante 20 dias e
iniciados 24 horas após a infecção. Após este período foi realizada coleta de sangue
para obtenção de soro e eutanásia para obtenção do tecido muscular cardíaco.
31
Material e Métodos
O sangue foi coletado com pipeta Pasteur de vidro com adição de pequena
quantidade de anticoagulante (Heparina sódica 5000U.I/ml – Hipolabor, Minas Gerais,
BR) através do plexo ocular e condicionado em tubo eppendorff de 1,5ml. O sangue
coletado foi inicialmente armazenado em gelo durante a eutanásia e submetido à
centrifugação refrigerada (4oC) a 3300 RPM por 15 minutos para obtenção de soro. O
material foi aliquotado em 2 tubos eppendorff de 1,5 ml e armazenado a -70oC.
Cada animal foi pesado e então eutanasiado. O coração foi removido, lavado em
PBS 1x, pesado em balança analítica para o estabelecimento da medida relativa entre o
peso cardíaco/ peso corporal (Pca/Pco) e armazenado imediatamente em formaldeído
tamponado 10% para histologia.
Uma secção do lóbulo direito do fígado e o baço íntegro também foram
removidos e armazenados em formaldeído para formação de um banco de material
biológico a ser utilizado em trabalhos futuros.
4.6. Ensaios imunoenzimáticos
Os ensaios imunoenzimáticos (ELISA) foram realizados utilizando-se o soro dos
camundongos infectados ou não pelo Trypanosoma cruzi e/ou tratados ou não com as
terapias propostas neste trabalho.
Para estes ensaios foram utilizados kits, sendo todos os anticorpos e reagentes
reconstituídos e aliquotados de acordo com as orientações dos fabricantes
Em placas de 96 poços foram adicionados 100 µl de anticorpo monoclonal
contra o peptídeo (anticorpo de captura), reconstituído em PBS, sendo estas placas
incubadas por 12 horas a temperatura ambiente. Os anticorpos não adsorvidos pelas
placas foram descartados, por inversão e sucessivas lavagens em PBS-Tween (PBS
adicionado de 0,05% de Tween 20) e as placas foram bloqueadas com 100 µl/poço de
uma solução contendo PBS-BSA 1%, durante 1 hora a temperatura ambiente. A seguir
as placas foram novamente lavadas. As amostras foram aplicadas em um volume de 100
µl para cada poço. Paralelamente, a proteína investigada foi diluída em várias
concentrações para o estabelecimento da curva padrão e, a seguir, foi realizada
incubação por 2 horas em temperatura ambiente.
Os anticorpos secundários (anticorpo de detecção), após os poços serem
devidamente lavados, foram diluídos em PBS-BSA 0.1% e incubados por 2 horas à
32
Material e Métodos
temperatura ambiente. A placa foi novamente lavada e 100 µl de estreptoavidina ligada
à peroxidase (na diluição recomendada pelo protocolo de cada kit) em PBS-BSA 0.1%
foram adicionados à placa e a mesma incubada por 20 minutos à temperatura ambiente.
O cromógeno escolhido para revelação foi a Tetrametilbenzidina (Color
Reagent B - R&D Systems, Minneapolis, USA). Cinco ml do cromógeno foi adicionado
a 5 ml de água oxigenada(H2O2) adquirida pelo mesmo fabricante (Color reagent A R&D Systems, Minneapolis, USA). Cem microlitros dessa solução foram adicionados
em cada um dos poços e após vinte minutos de incubação em ausência de luz e
temperatura ambiente, a reação foi bloqueada adicionando-se 100 µl de H2SO4 2,5M
por poço. A leitura da intensidade de coloração foi realizada em leitor de ELISA
utilizando-se o comprimento de onda de 450 nM, imediatamente após a adição de
H2SO4 para o bloqueio das reações. A quantificação das quimiocinas e citocina
presentes nas amostras foi determinada baseada na densidade óptica obtida com a curva
padrão de concentrações conhecidas dos peptídeos, analisadas pelo software SOFTmax
PRO 4.0.
Os ensaios imunoenzimáticos de ELISA, realizados segundo o procedimento
descrito a cima, foram aplicados para detecção dos níveis das quimiocinas
CCL5/RANTES e CCL2/MCP-1 (R&D Systems, Minneapolis, USA), para a citocina
regulatória interleucina-10 (BioSource, Califórnia, USA) e para as citocina próinflamatórias TNF-alfa (fator de necrose tumoral) e interleucina-17 (PeproTech, New
Jersey, USA). Para cada um dos ensaios imunoenzimáticos foram observadas e seguidas
as recomendações propostas pelos fabricantes.
4.7. Histologia convencional:
4.7.1. Processamento e cortes em micrótomo
Os animais C57BL/6 dos 10 grupos experimentais foram eutanasiados no 22º dia
de infecção tendo seus corações imediatamente preservados em formaldeído tamponado
10%.
O tecido fixado foi desidratado em banhos sucessivos em álcool etílico,
permanecendo, respectivamente, em álcool 70%, 80%, 90%, e 2 banhos de álcool
absoluto em diferentes recipientes cada banho, por 30 minutos em cada um.
33
Material e Métodos
Após a desidratação, os tecidos foram diafanizados com dois sucessivos banhos
em Xilol, permanecendo trinta minutos em cada recipiente. Em seguida as amostras
foram submetidas a dois sucessivos banhos de 15 minutos cada um, respectivamente,
em parafina I, parafina II a 60oC. Os tecidos foram incluídos parafina adicionada de
10% de cera de abelha.
As lâminas que receberam os tecidos cortados receberam um tratamento de
álcool etílico e albumina com cânfora. Os cortes foram feitos em micrótomo com
espessura de 5 µm. Depois de realizado os cortes, o fragmento destacado do bloco foi
rapidamente colocado em um recipiente contendo água e álcool e, logo após, em água a
40oC em “banho maria” para distender corte. Imediatamente após, o fragmento foi
depositado sobre a lâmina previamente tratada.
4.7.2. Coloração em Hematoxilina & Eosina
As lâminas montadas foram submetidas à coloração de Hematoxilina & Eosina
(H.E) com a intenção de se analisar infiltrado inflamatório e parasitismo em tecido
muscular cardíaco.
Inicialmente os cortes foram desparafinizados com dois sucessivos banhos em
Xilol em recipientes diferentes por 30 minutos cada, então foram hidratados com
sucessivos banhos em concentrações decrescentes de álcool, sendo dois banhos de 15
minutos cada em álcool absoluto em diferentes recipientes, um em álcool 90%, 80% e
70% por 5 minutos cada. Após a hidratação, os cortes foram lavados em água corrente
por 5 minutos, corados pela hematoxilina por 1,5 minutos e lavados em água corrente
novamente durante 30 minutos. Em seguida, os corte foram corados pela eosina por 40
segundos e lavados com 3 rápidos mergulhos em água corrente e mais 3 em álcool
absoluto. Para montagem, as lâminas já coradas foram secas em estufa a 60oC e
receberam uma lamínula que foi colada com Entelan® (Merck, Alemanha).
4.8. Fotodocumentação e análises morfométricas
Antes da quantificação dos núcleos celulares para determinação da miocardite e
da quantificação da área ocupada por ninhos da forma amastigota do T. cruzi no tecido
muscular cardíaco, estabeleceu-se o número mínimo de campos microscópicos que
34
Material e Métodos
deveriam ser analisados para obtenção de uma representatividade estatística. Foi
utilizado um método onde o coeficiente de variação (CV) foi determinado a partir de
contagens sucessivas dos campos histológicos. O método consistiu na obtenção de
subgrupos menores de uma amostra de 70 campos aleatórios diferentes, avaliados de
uma lâmina escolhida ao acaso. Foram sorteados subgrupos com número crescente de
campos, onde os pontos 5, 10, 15, 20, 25, 30, 35, 40, 45, 50, 55, 60, 65 e 70 campos
foram escolhidos. A análise dos valores obtidos foi feita pelo cálculo estatístico
descritivo do conjunto de valores obtidos em cada subgrupo. Determinou-se, assim, a
média, o desvio padrão e o coeficiente de variação (CV) dos resultados encontrados. Os
sucessivos CV foram analisados até a obtenção de resultados constantes. O número de
campos considerado como mínimo representativo foi definido quando o incremento de
campos não resultava em alteração superior a 20% no valor do CV.
Foram feitas análises quantitativas do tecido muscular cardíaco dos animais para
infiltrado inflamatório e carga parasitária. Para quantificação do número de núcleos
foram obtidas 20 imagens (campos) aleatórias (área total percorrida igual à 2,24 x 106
µm2) de cada coração, com objetiva de 40X, utilizando uma microcâmera Leica DM
5000 B e o software de captura de imagens (Leica Application Suite versão 2.4.0R1). As
imagens foram processadas por meio do programa analisador de imagens Leica Qwin
V3.
Para quantificação da carga parasitária no coração dos animais, foram obtidas 35
imagens aleatórias de cada coração, com objetiva de 40X, em mesmo equipamento
mencionado anteriormente e mensurada a área total de ninhos das formas amastigotas
presente nos corações dos animais de cada grupo. Para esta análise foi utilizado o
software de domínio público MacBiophotonics ImageJ 1,43m, de distribuição gratuita
pela National Institutes of Health, USA (NIH).
4.9. Análise estatística
Os parâmetros avaliados foram representados através da média de seus valores e
respectivos “erros médio padrão”. Utilizou-se ANOVA para múltiplas comparações
com pós-teste de Tukey-Kramer HSD ou Newman-Keuls, quando ANOVA apresentou
variância. Todas as análises foram realizadas utilizando os programas INSTAT e
GraphPad Prism.
35
Resultados
V. Resultados:
36
Resultados
5.1. Determinação das doses de Enalapril e/ou Losartan
Para padronização da dose dos fármacos e da combinação entre eles, utilizou-se
doses já descritas na literatura para o Enalapril (Paula-Costa et. al., 2010) e Losartan
(Senador et. al., 2010; Jessup et. al., 2009) e foram adicionados algumas doses de valor
aproximado para se testar quais teriam melhor resposta na supressão dos níveis
parasitêmicos e mortalidade ao longo da infecção aguda pela cepa “Colombiana” do T.
cruzi. Para as combinações foram utilizadas as mesmas dosagens das monoterapias.
Dessa forma, quando se testou o Enalapril, foram utilizadas as doses de 10 mg/Kg, 15
mg/Kg e 25mg/Kg, para o Losartan 10mg/Kg, 15mg/Kg e 20mg/Kg e para as
combinações 15mg/Kg de ambos, 15mg/Kg do Enalapril e 10 mg/Kg do Losartan,
10mg/Kg do Enalapril e 15mg/Kg do Losartan e 10mg/Kg de ambos.
Figura 4: Padronização da dose de Enalapril. A dose de 25mg/Kg/dia de Enalapril
foi escolhida após análise da parasitemia (A) diária até o 28º dia de infecção e taxa de
sobrevivência (B) dos animais. * p<0,05: comparação entre as curvas para as doses de
25mg/Kg e 15 mg/Kg.
37
Resultados
Após análise da Figura 3, a dose de 25mg/Kg/dia foi eleita a mais adequada para
o tratamento com o Enalapril durante a fase aguda da infecção experimental pelo T.
cruzi. O tratamento com essa dose apresentou o 2º melhor índice de redução de
parasitismo sanguíneo, evidenciado na curva de parasitemia (Figura 3A), sendo apenas
dois pontos, 25º e 26º dias de infecção, estatisticamente comprovados como diferentes
da curva que representa a dose de 15mg/Kg. Além disso, a dose escolhida dina
apresentou a melhor taxa de sobrevivência, sendo a única capaz de levar alguns animais
para a fase crônica da infecção.
Figura 5: Padronização da dose de Losartan. A dose de 15mg/Kg/dia de Losartan foi
escolhida após análise da parasitemia (A) diária até o 28º dia de infecção e taxa de
sobrevivência (B) dos animais. * p<0,05: comparação entre as curvas para as doses de
15mg/Kg e 10 mg/Kg.
Com a análise da Figura 4, a dose de Losartan escolhida foi a de 15mg/Kg/dia
para o tratamento durante a fase aguda da infecção pelo T. cruzi. Esse tratamento
38
Resultados
apresentou a maior capacidade de redução da parasitemia comparado com as outras
doses, sendo todos os pontos, a partir do 25º dia de infecção, significativamente
diferentes da curva referente ao tratamento com 10mg/Kg/dia, além de promover
sobrevivência de animais até o 44º dia de infecção, superior ao grupo controle e o
tratado com 20mg/Kg/dia.
Figura 6: Padronização da dose da combinação entre Enalapril e Losartan. A dose
de 15mg/Kg/dia de ambos fármacos foi escolhida após analise da parasitemia (A)
diária até o 28º dia de infecção e taxa de sobrevivência (B) dos animais. * p<0,05:
comparação entre a curva de 15mg/Kg/dia de ambos os fármacos e as demais doses.
A partir da análise da Figura 5 a dose escolhida para o tratamento com a
combinação entre Enalapril e Losartan foi a de 15 mg/Kg/dia para ambos fármacos
durante a infecção experimental aguda pelo T. cruzi. Na avaliação da parasitemia
durante 28 dias de infecção o tratamento com todas as doses foram capazes de reduzir a
parasitemia quando comparadas com o controle, no entanto permaneceram semelhantes
entre si com exceção do 26º dia de infecção quando o tratamento com 15mg/Kg
39
Resultados
apresentou uma redução da parasitemia significativa em relação aos outros grupos. Ao
analisar a sobrevivência dos animais nesse período, todos os tratamentos apresentaram a
taxa de sobrevivência inferior ou igual ao controle, entretanto o grupo tratado com
15mg/Kg de ambos fármacos foi um dos que prolongou mais a sobrevivência dos
animais e apresentou um início tardio na mortalidade.
5.2. Análise da parasitemia, mortalidade e peso relativo do coração
Após a padronização das doses de Enalapril, Losartan e da combinação entre
ambos, que foi usada durante todo o período de tratamento, o experimento foi iniciado
com os animais C57BL/6 e o primeiro resultado obtido foi a curva de parasitemia.
Figura 7: Curvas de parasitemia de animais C57BL/6 infectados com o T. cruzi e
tratados com fármacos que levam a restrição das ações da Angio II. Curvas
referentes a 21 dias de infecção e 20 dias de tratamentos. * p<0,05 comparação entre a
curva que representa o tratamento com Enalapril e demais fármacos, e entre a curva
que representa o tratamento com Losartan e demais fármacos.
De acordo com a curva de parasitemia (Figura 6) nota-se que as monoterapias
com os fármacos que levam à restrição das ações da Angio II reduziram o parasitismo
sanguíneo, sendo esta redução induzida pelo Losartan em cerca de 90% e pelo Enalapril
em 50%. A combinação entre ambos levou a uma curva semelhante àquela observada
para o grupo que recebeu apenas o veículo. O grupo tratado com o Benzonidazol,
controle de tratamento, permaneceu com a curva de parasitemia zerada durante todo o
período de avaliação.
40
Resultados
Figura 8: Curvas de mortalidade de animais C57BL/6 infectados com o T. cruzi e
tratados com fármacos que levam a restrição das ações da Angio II. Curvas
referentes ao período compreendido entre o dia da infecção e o 22º dia de infecção
quando os animais foram eutanasiados.
A partir da análise da curva de mortalidade (Figura 7), observa-se que as
monoterapias com Enalapril ou Losartan no 22º dia de infecção se mostraram
semelhantes ao grupo controle com apenas dois animais mortos, sendo que para os
animais tratados com Enalapril houve apenas um óbito e no último dia de avaliação.
Para o tratamento com Losartan observaram-se três óbitos, apenas um a mais que o
observado para o grupo controle. O tratamento em combinação com Enalapril e
Losartan levou à menor taxa de sobrevivência, sendo que no último dia de avaliação
restaram apenas quatro animais. O grupo de animais tratados com o Benzonidazol não
apresentou nenhum óbito ao longo do período de avaliação.
41
Resultados
Figura 9: Tamanho relativo dos corações de animais C57BL/6 infectados com o T.
cruzi e tratados com fármacos que levam a restrição das ações da Angio II. Medida
obtida a partir do peso do coração dividido pelo peso corporal. Barras em vermelho
representam os grupos de animais infectados e as barras em branco representam
grupos de animais não infectados. a,b e c: letras diferentes representam diferença
significativa com p <0,01.
Ao analisar o tamanho relativo do coração (Figura 8) dos animais submetidos
aos diferentes tratamentos, nota-se que a infecção eleva os valores para essa relação. O
tratamento com o Benzonidazol mantém o Pca/Pco semelhante ao observado para os
grupos não infectados. O grupo infectado e tratado com a combinação entre os fármacos
mostra o valor para essa relação semelhante ao controle infectado. Para o grupo
infectado e tratado com o Losartan não há diferença comprovada estatisticamente. O
tratamento com o Enalapril foi o único, com exceção do Benzonidazol, capaz de reduzir
os valores dessa relação em animais infectados.
42
Resultados
5.3. Enasios Imunoenzimáticos
Após o sacrifício dos animais no 22º dia de infecção, foi retirado o sangue
desses animais e extraído o plasma para que fossem realizados ensaios
imunoenzimáticos para citocinas (TNF-alfa, IL-17 e IL-10) e quimiocinas (CCL2 e
CCL5).
Figura 10: Efeitos dos tratamentos com fármacos que levam a restrição das ações
da Angio II em citocinas circulantes durante a infecção pelo T. cruzi. Concentração
das citocinas TNF-alfa (A), IL-17 (B) e IL-10 (C) no plasma de animais C57BL/6. a e b:
43
Resultados
letras diferentes representam diferença significativa com pelo menos p<0,05. TNFalfa: p<0,001; IL-17: p<0,05; IL-10: * para p<0,01 e # para p<0,05.
Ao analisar a concentração de citocinas circulantes em animais infectados com o
T.cruzi e tratados com fármacos que levam a restrição das ações da Angio II (Figura 9),
observa-se que a infecção elevou drasticamente os níveis de TNF-alfa (Figura 9A), no
entanto, todos os tratamentos foram capazes de inibir este aumento, mantendo as
concentrações dessa citocina pró-inflamatória semelhantes ao apresentado pelo controle
não infectado e pelo grupo tratado com Benzonidazol (controle de tratamento). Para
IL-17 (Figura 9B), nota-se que a infecção também foi capaz de elevar suas
concentrações e apenas o tratamento com Enalapril foi capaz de manter os níveis dessa
citocina semelhante ao grupo não infectado. O tratamento com Losartan não impediu a
elevação da concentração de IL-17 a níveis semelhantes ao observado para o controle
infectado e os tratamentos com a combinação e com Benzonidazol mantiveram os níveis
de IL-17 intermediários, não havendo diferença comprovada por testes estatísticos para
nenhum dos grupos controle.
A análise da concentração de IL-10 circulante (Figura 9C) demonstra que apenas
o tratamento com Losartan foi capaz de elevar significativamente os níveis dessa
citocina regulatória e o tratamento com a combinação levou a concentração a níveis
intermediários entre o observado para o tratamento com Losartan e o controle não
infectado (concentrações mais alta e baixa de IL-10, respectivamente).
44
Resultados
Figura 11: Efeitos dos tratamentos com fármacos que levam a restrição das ações
da Angio II em quimiocinas circulantes durante a infecção pelo T. cruzi.
Concentração das quimiocinas CCL2 (A) e CCL5 (B) no plasma de animais C57BL/6.
a,b,c e d: letras diferentes representam diferença significativa com pelo menos p<0,05.
* com p<0,05; # para p<0,01; Demais comparações com p<0,001.
Ao analisar a concentração de quimiocinas circulantes, observa-se que a
infecção foi responsável pela elevação drástica dos níveis de CCL2/MCP-1
(Figura 10A) e CCL5/RANTES (Figura 10B) e o tratamento com o Losartan foi capaz
de reduzir os níveis das duas quimiocinas comparativamente com o controle infectado.
O tratamento com o Enalapril foi capaz de reduzir CCL5, mas não CCL2, enquanto o
tratamento com a combinação não foi capaz de reduzir a concentração plasmática de
nenhuma dessas quimiocinas. O tratamento com o Benzonidazol deixa os níveis de
ambas quimiocinas, semelhante ao observado para o grupo não infectado.
45
Resultados
5.4. Análises histológicas
Antes da realização das análises histológicas procurou-se estabelecer o
número mínimo de campos microscópicos necessários para se obter a representatividade
estatística, como descrita no item 4.7.
Figura 12: Determinação do número mínimo de campos microscópicos
representativos para análise de parasitismo cardíaco. Análise do coeficiente de
variação para parasitismo cardíaco (A) e para inflamação cardíaca (B) para
determinação do número mínimo amostral.
Analisando os gráficos acima, foi possível observar que a estabilidade da
variável parasitismo cardíaco (Figura 11A) foi observada após a contagem de 30
campos microscópicos, sendo a variação máxima entre dois pontos neste intervalo de
12,9%. Já para a variável inflamação cardíaca (Figura 11B) a estabilidade foi observada
após a contagem de 20 campos microscópicos, sendo que a variação máxima entre dois
pontos neste intervalo de 8,7%.
46
Resultados
5.4.1. Análise do infiltrado inflamatório em tecido muscular cardíaco
Com microfragmentos de corações foram produzidas lâminas que, após
serem devidamente coradas, foram analisados e quantificados o infiltrado inflamatório
presente no tecido cardíaco. Os dados histológicos foram analisados pelo programa
Leica Qwin V3.
Figura 13: Quantificação do infiltrado inflamatório em tecido muscular cardíaco
de animais C57BL/6 infectados com o T. cruzi e tratados com fármacos que levam
a restrição das ações da Angio II. A barra vermelha representa os animais infectados
e não tratados, as barras brancas representam os animais tratados e infectados e a
barra preta representa os animais não infectados e não tratados. a,b e c: letras
diferentes representam diferença significativa com pelo menos p <0,05. # e * com
p<0,01; & com p<0,05; Demais comparações com p<0,001.
A figura 12 mostra a média da contagem de núcleos celulares contidos em 20
campos de tecido cardíaco de animais infectados pelo Trypanosoma cruzi e tratados
com fármacos que levam à restrição das ações da Angio II. Notou-se que a infecção
elevou o número de núcleos em tecido muscular cardíaco. O tratamento com o
Benzonidazol manteve o número de núcleos semelhante ao observado para os animais
não infectados. O tratamento com Enalapril ou Losartan ou a combinação entre ambos
reduziu significativamente o número de núcleos celulares em relação ao controle
infectado, no entanto não foi capaz de igualar aos níveis observados para o tratamento
com o benzonidazol.
47
Resultados
Figura 14: Fotomicroscopia de tecido muscular cardíaco de camundongos
C57BL/6 infectados e tratados com fármacos que levam a restrição das ações da
Angio II. Animal infectado e não tratado (A); Não infectado e não tratado (B);
Infectado e tratado com Benzonidazol (C); Infectado e tratado com Enalapril (D);
Infectado e tratado com Losartan (E); Infectado e tratado com a combinação entre
Enalapril
e
Losartan
(F).
Imagens
Leica DM 5000 B.
48
capturadas
através
de
microcâmara
Resultados
Nas fotografias mostradas na figura 13, houve influência dos tratamentos com os
fármacos Enalapril e Losartan no controle do infiltrado inflamatório em tecido cardíaco.
Na imagen 13B por se tratar do tecido de um animal não infectado, notou-se uma
quantidade de infiltrado inflamatório inferior às demais, com exceção da Figura 13C,
que representa o tecido muscular cardíaco de um animal infectado e tratado com o
Benzonidazol. Comparando as Figuras 13D, 13E e 13F com 13A, observou-se uma
redução do infiltrado inflamatório atribuído aos tratamentos com o Enalapril, Losartan e
a combinação entre ambos, respectivamente.
5.4.2. Análise do parasitismo em tecido muscular cardíaco
Para as lâminas produzidas com os microfragmentos de coração dos animais
foram ainda analisados e quantificados o parasitismo presente no tecido muscular
cardíaco, expresso pela área ocupada por ninhos da forma amastigota em 30 campos
microscópicos (objetiva 40X) de cada coração. Os dados foram analisados através do
software MacBiophotonics ImageJ.
Figura 15: Efeitos dos tratamentos com fármacos que levam a restrição das ações
da Angio II no parasitismo cardíaco. A barra vermelha representa o número de
ninhos de formas amastigotas presente em tecido cardíaco de animais infectados e não
tratados. As barras brancas representam a mesma medição, mas para animais
infectados e tratados. a, b e c: letras diferentes representam diferença significativa com
pelo menos p <0,05. * com p<0,05; Demais comparações com p<0,001.
49
Resultados
Observa-se uma clara influencia nos tratamentos com Enalapril e Losartan
no parasitismo cardíaco (Figura 14). Os animais tratados com Enalapril apresentam uma
redução no número de ninhos da forma amastigota presente no coração de mais de 60%
em relação ao controle, enquanto para os animais tratados com o Losartan houve uma
redução no parasitismo tecidual de cerca de 90 %. O tratamento com a combinação não
foi capaz de reduzir significativamente a área ocupada pelos ninhos da forma amastigota
em tecido muscular cardíaco. O tratamento com o Benzonidazol, mais uma vez,
suprimiu totalmente o parasitismo.
A Figura 15 ilustra a presença dos ninhos da forma amastigota no
tecido muscular cardíaco de um animal infectado com a cepa “Colombiana” do
Trypanosoma cruzi e não tratado. A fotográfica destaca um ninho no centro, não
estando em suas dimensões originais.
Figura 16: Ninho de amastigota do T. cruzi. Presença das formas amastigotas em
tecido muscular cardíaco de um animal infectado e não tratado em lamina corada com
Hematoxilina & Eosina. Imagem capturada através de microcâmara Leica DM 5000
B.
50
Resultados
5.5. Sumário dos resultados:
Tabela 1: Sumário dos resultados. Foi montada uma tabela com o objetivo de
sumarizar e facilitar a visualização geral dos dados deste trabalho. 0 = nulo; + =
valor baixo; ++ = valor médio; +++ = valor alto; ++++ = valor altíssimo.
51
Discussão
VI. Discussão:
52
Discussão
Apesar dos fármacos contra o Trypanosoma cruzi serem poucos e falhos, as
estratégias usadas no manejo clinico do cardiopata chagásico apresentam, atualmente,
novas vertentes de investigação, por exemplo, a ação direta sobre a resposta imune do
hospedeiro (Consenso brasileiro em doença de Chagas).
Dentro dessa estratégia,
podemos citar os fármacos que agem diretamente no sistema renina-angiotensinaaldosterona (RAAS) levando a uma modulação da resposta inflamatória por inibirem a
liberação da aldosterona ou agirem indiretamente em vias secundárias como da
bradicinina (Nishio et. al., 2011). Como exemplo de fármacos que agem no RAAS citase os inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) e os bloqueadores do
receptor da angiotensina II (BR da Angio II).
A primeira preocupação neste trabalho foi determinar uma dose adequada a ser
utilizada nos tratamentos com o BR da Angio II (Losartan), com o inibidor da ECA
(Enlapril) e a combinação entre ambos. Esses fármacos já são empregados em diversas
dosagens para avaliação em quadros de cardiopatia, hipertensão, diabetes, dentre outros.
Portanto nossa estratégia baseou-se em investigar, na literatura, as dosagens utilizadas
desses fármacos e construir uma curva dose resposta avaliando-se parâmetros inerentes
à infecção aguda pelo Trypanosoma cruzi. Em humanos, o Losartan é comumente
utilizado na dose de 50mg/Kg/dia (Al-Thanoon & Mahmood, 2012), no entanto
consideramos mais adequado investigar referências que utilizassem um modelo
experimental semelhante ao nosso. A maioria das referências enfocando o tratamento
com Losartan descrevia sua administração diluída em água (modelos experimentais),
normalmente em concentração final próxima a 0,002g/animal/dia (Yang et. al., 2009;
Campuzano et. al., 2012). Considerando que em 24 horas um camundongo consome
diferentes quantidades de água e, conseqüentemente, diferentes quantidades do fármaco,
optamos por utilizar um método de tratamento em que a dose individual diária seria
constante e igual para todos os animais do mesmo grupo. Optou-se, dessa forma, pela
utilização do método de gavagem diária, onde a curva dose-resposta foi estabelecida
com as doses de 10, 15 e 20mg/Kg/dia (Senador et. al., 2009; Jessup et. al., 2009; van
den Borne et. al., 2009; Okt et. al., 2012). Avaliou-se, em paralelo, a parasitemia e a
sobrevida dos animas sendo a dose de escolha para o Losartan após estes experimentos
foi 15mg/Kg/dia. Para o tratamento com Enalapril a curva dose-resposta foi elaborada
com as doses 10, 15 e 25mg/Kg/dia (Knowles et. al., 2001; Xu et. al., 2002; Leuschner
et. al., 2010; Paula-Costa et. al., 2010), sendo a dose de maior eficiência nos parâmetros
53
Discussão
avaliados aquele equivalente a 25mg/Kg/dia. Para a combinação procurou-se mesclar os
pontos escolhidos para as monoterapias sem utilizar os valores máximos de cada uma.
O inibidor da ECA, Captopril, foi previamente estudado em modelo
experimental da doença de Chagas não sendo capaz de promover a sobrevida dos
camundongos e nem de alterar os níveis de parasitos circulantes e teciduais (Leon et. al.,
2003). Estes resultados mostraram-se contrários aos achados neste presente estudo onde
verificou-se uma redução no parasitismo sanguíneo e tecidual proporcionado pelo
tratamento com o inibidor da ECA, Enalapril. Resultado semelhante já havia sido
observado anteriormente por nosso grupo, quando o tratamento com Enalapril foi capaz
de reduzir a carga parasitária circulante e tecidual, além de promover maior sobrevida
aos animais. Além disso, mostrou-se uma ação anti-replicativa do Enalapril sobre a
forma epimastigota do T. cruzi in vitro (Paula-Costa et al.,2010). A escassez de
trabalhos relacionados ao tratamento com inibidores da ECA e a infecção experimental
pelo T. cruzi dificulta uma explicação para a divergência observada entre os dois
inibidores, sendo hipotetizado que a diferença na composição química (no caso a
ausência de um grupamento “thiol” no Enalapril) seria responsável por essas
divergências, já que esse grupamento desempenha, intracelularmente, importantes
papéis em quase todos os aspectos das funções celulares como a participação de sua
oxidação nas vias de toxicidade por oxigênio, na interferência na glicólise e na produção
energética pelas mitocôndrias (Haugaard, 2000). De forma análoga, existe a dificuldade
de se explicar as ações do Losartan no parasitismo tecidual e sanguíneo pela ausência de
trabalhos correlacionando tratamentos com BR da Angio II e a infecção experimental
pelo T. cruzi. A exemplo do Enalapril, o Losartan não apresenta o grupamento thiol em
sua composição química, no entanto essa explicação não seria satisfatória por estarmos
comparando fórmulas totalmente diferentes e levando a entender que qualquer
composto com a ausência desse agrupamento seria prejudicial ao parasito. Um recente
trabalho mostrou a ação anti-parasitária do tratamento com Losartan em infecção aguda
causada pelo Schistosoma mansoni relacionando esta ação a interferências do fármaco
sobre o sistema imune do hospedeiro (El-Lakkany et. al., 2011).
De fato, a inflamação é um mecanismo chave para a gênese e a progressão
das lesões associadas à cardiopatia chagásica, onde a presença do T. cruzi ou de seus
antígenos desencadeia uma resposta humoral/celular capaz não somente de destruir o
agente infeccioso, mas também as células do hospedeiro. Neste trabalho, foram
54
Discussão
demonstrados que o Enalapril e o Losartan apresentam importantes propriedades antiinflamatórias capazes de suprimir o recrutamento de leucócitos para o tecido cardíaco.
Há uma redução evidente dos marcadores inflamatórios circulantes nos animais tratados
com os fármacos que restringem as ações da Angio II, como a citocina pró-inflamatória
TNF-alfa e a quimiocina CCL5/RANTES. Previamente, camundongos C57BL6
infectados com a cepa Colombiana do T. cruzi mostraram elevada expressão de IFNgama coordenando a expressão de diferentes citocinas/quimicionas durante a fase aguda
da doença de Chagas experimental, como por exemplo a TNF-alfa e a CCL5/RANTES
(Talvani et. al., 2000). Esses dados embasaram nossos parâmetros biológicos sobre o
recrutamento leucocitário para o tecido muscular cardíaco, bem como sobre o
comportamento inflamatório induzido pela cepa Colombiana do T. cruzi. Também já foi
amplamente demonstrado a importância do TNF-alfa durante a fase aguda da infecção
(Tarleton, 1988), no entanto a presença desta citocina em tecido cardíaco durante a
infecção pelo T. cruzi é relacionada a danos teciduais (Kroll-Palhares et. al., 2008).
Além da participação da CCL5 na patologia observada durante a doença de Chagas,
onde animais tratados com met-RANTES (competidor da CCL5) apresentaram redução
no infiltrado inflamatório no coração e apresentaram maior sobrevida (Marino et al.
2004).
Outra quimiocina importante na atração de células para o sítio inflamatório,
também relacionada à patogênese da doença de Chagas, seria a CCL2/MCP-1. Elevados
níveis dessa quimiocina, juntamente com TNF-alfa leva a uma miocardite induzida pela
infecção pelo T. cruzi mais severa e conseqüente disfunção cardíaca (Talvani et. al.,
2004). Essa quimiocina ainda exerce interação com o parasito, podendo ter importante
ação no tropismo tecidual (Yamauchi et. al., 2007). Portanto, uma vez que a resposta
imune anti-T.cruzi culmina em um influxo leucocitário para o tecido cardíaco, novas
intervenções farmacológicas com propriedades anti-inflamatórias poderiam trazer
benefícios fisiopatológicos para o curso da doença.
Neste estudo observamos que o tratamento com o Losartan levou a uma
redução dos níveis de CCL2 séricos, o que tomado junto com a redução nos níveis de
TNF-alfa, CCL5 e a um aumento na concentração da citocina regulatória IL-10
culminou na redução da inflamação, evidenciado pela redução do infiltrado inflamatório
no tecido muscular cardíaco acompanhado por uma tendência na redução do peso
relativo desse tecido. Este mesmo tratamento com o Losartan durante a infecção
55
Discussão
apresentou ainda uma manutenção nos níveis plasmáticos de IL-17, o que contradiz o
trabalho de Weber et. al. (2012) onde foi observado que o tratamento com BR da Angio
II leva a uma redução de 4 vezes na concentração de IL-17.
O tratamento com o Enalapril também apresentou um interessante perfil no
quadro geral apresentado pela resposta imunológica. Houve redução das citocinas próinflamatórias TNF-alfa e IL-17, além da quimiocina CCL5 resultando em redução na
migração de células inflamatórias para o coração evidenciado por uma baixa no peso
relativo do órgão. Esses dados corroboram com trabalhos onde houve tratamento da
infecção experimental pelo T. cruzi com inibidores da ECA. Esse tratamento é capaz de
reduzir a miocardite induzida pela infecção (Leon et. al, 2003) além de reduzir diversos
marcadores inflamatórios proporcionando uma maior sobrevida aos animais (PaulaCosta et. al., 2010). Por outro lado, nosso dados corroboram com o trabalho de Weber et
al. (2012), onde observamos que o tratamento com inibidor da ECA levou a redução de
IL-17. Outro aspecto importante sobre esta citocina descrito para a doença de Chagas,
mas em culturad de monócitos isolados de sangue humano, demonstrou uma elevação
na produção de IL-17 por linfócitos T CD4+ (Coelho dos Santos et. al. 2010).
Em âmbitos gerais, sabemos que a resposta inflamatória durante a doença de
Chagas é de grande importância no controle do parasito, entretanto sua persistência leva
a danos teciduais, principalmente no coração (Talvani & Teixeira, 2011). Na interação
inicial do parasito com as células do hospedeiro, haverá intensa liberação de marcadores
inflamatórios como TNF-alfa, CCL2, CCL5 e óxido nítrico (Coelho et al. 2002, Talvani
et. al., 2009). Essa resposta inicial é importante no controle do parasito estimulando
migração de mais células inflamatórias para os tecidos infectados. Como essa resposta
não é suficiente para eliminar o parasito, sua persistência será um estímulo para
manutenção da inflamação, tornando-se um problema para o hospedeiro. A alta
produção de quimiocinas levaria a um estimulo para evolução da forma cardíaca da
doença (Guedes, 2010a) associado a uma baixa expressão de IL-10 que estará
relacionada ao controle da resposta tipo Th1 (Costa et. al., 2009). Há ainda o papel da
quimiocina IL-17 que está associada à proteção da miocardite causa pela infecção pelo
T. cruzi e exerce regulação sobre algumas quimiocina, dentre eleas CCL2 e CCL5
(Guedes et. al., 2010b). Dessa forma, os resultados apresentados neste trabalho
mostram-se consistentes, uma vez que as monoterapias com Enalapril e Losartan
apresentaram redução dos marcadores inflamatórios circulantes, do infiltrado
56
Discussão
inflamatório em tecido muscular cardíaco sem haver prejuízo no controle do
parasitismo. Especificamente, o tratamento com o Losartan mostrou um aumento da
produção de citocina regulatória, uma redução do TNF-alfa e uma elevada produção da
citocina IL-17 levando a uma proteção aos danos cardíacos. Houve também controle na
liberação das quimiocinas CCL2 e CCL5, além de reduzir o parasitismo sanguíneo e
tecidual, se mostrando, em modelo experimental, um possível bom tratamento de apoio
na terapêutica da doença de Chagas.
Vale ressaltar que, embora neste trabalho tenhamos usado o Benzonidazol
apenas como controle de tratamento, o mesmo foi capaz de igualar todos os parâmetros
avaliados ao grupo de animais não infectados. Sabemos que esse fármaco, mesmo sendo
ministrado em fase aguda, possui pífia eficácia contra a cepa “Colombiana” do T. cruzi,
mas se mostrou hábil em promover redução do parasitismo sanguíneo e tecidual, além
de manter basais os níveis de marcadores inflamatórios circulantes e a taxa de migração
celular tecidual.
Quanto ao tratamento em combinação entre o Enalapril e Losartan,
observou-se um padrão peculiar onde não houve interferência dessa estratégia no
parasitismo sanguíneo e tecidual (contrário às monoterapias). Entretanto, notou-se uma
redução em alguns marcadores inflamatórios circulantes e redução na inflamação
observada no tecido muscular cardíaco. Assim, observou-se que para aspectos inerentes
ao parasito, esse tratamento de combinação não foi eficiente, mas o foi quanto aos
aspectos referentes ao hospedeiro. A partir dessas observações propomos uma hipótese
onde o parasito deve possuir receptores para interação com o Enalapril e o Losartan, no
entanto essa combinação seria antagônica ao que se refere ao parasito. Porém, para os
receptores celulares do hospedeiro vertebrado essa associação não apresentaria
antagonismo.
Outro ponto interessante é o fato de o tratamento com o Losartan apresentar
maior redução no perfil inflamatório circulante em relação ao tratamento com o
Enalapril. A interferência do tratamento com inibidores da ECA, na via de degradação
da bradicinina, poderia explicar esse dado. A bradicinina, importante marcador
inflamatório possui uma via de degradação atrelada à enzima conversora da
angiotensina (Nishio et. al., 2011), sendo sua atividade inibida pelo tratamento com o
Enalapril conseqüentemente resultando em maior teor de bradicinina no organismo. O
Enalapril seria capaz de reduzir a inflamação durante a fase aguda da infecção
57
Discussão
experimental pelo T. cruzi pela redução direta dos níveis circulantes de aldosterona e
pela sua possível ação na inibição da replicação do parasito, sendo que a presença da
bradicinina atuaria a favor do aumento da resposta inflamatória. Já no tratamento com o
Losartan, a liberação da aldosterona é inibida devido ao próprio Losartan e o composto
EXP-3174 serem antagonistas do receptor da Angio II (Santagada et. al., 2003), não
havendo interferências nas ações da ECA, permitindo assim a degradação da bradicinina
e, por conseguinte, que esse tratamento leve a uma maior supressão na inflamação
circulante.
58
Conclusão
VII. Conclusão:
59
Conclusão
Nossos dados mostraram que durante a infecção experimental aguda pela
cepa “Colombiana” do T. cruzi:
1- O tratamento com Enalapril foi capaz de reduzir o parasitismo sanguíneo
e tecidual, além de reduzir a concentração plasmática das citocinas inflamatórias TNFalfa e IL-17. Não reduziu a concentração da citocina regulatória IL-10 e das
quimiocinas CCL2 e CCL5, mas reduziu a inflamação tecidual e o peso relativo do
coração.
2- O tratamento com Losartan foi capaz de reduzir de maneira ainda mais
efetiva o parasitismo sanguíneo e tecidual, além da concentração plasmática da citocina
TNF-alfa, mas não IL-17. Aumentou o teor da citocina regulatória IL-10 e reduziu das
quimiocinas CCL2 e CCL5. Também reduziu a inflamação tecidual, mas não o peso
relativo do coação.
3- O tratamento com a combinação entre Enalapril e Losartan não reduziu o
parasitismo sanguíneo nem o tecidual, no entanto reduziu a concentração de TNF-alfa e
mostrou uma tendência a reduzir IL-17 e CCL5. Houve também uma tendência a
aumentar os níveis de IL-10, mas não foi capaz de alterar o teor de CCL2. Reduziu a
inflamação cardíaca, mas não o peso relativo do coração.
Sendo assim, podemos afirmar que os efeitos pleiotrópicos apresentados
pelos tratamentos com os fármacos que restringem as ações da Angio II em
monoterapia, principalmente com o Losartan durante a fase aguda da infecção
experimental pela cepa “Colombiana” do T. cruzi levam a uma modulação no sistema
imune e controle sobre a replicação do parasito que, a longo prazo, podem gerar uma
proteção aos danos cardíacos mediados pela resposta imune.
60
Referências Bibliográficas
VIII. Referências bibliográficas:
61
Referências Bibliográficas
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