MoviMentos sociais e sociedade civil

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Movimentos sociais e sociedade civil
Autora
Maria Antônia de Souza
1.ª edição
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© 2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor
dos direitos autorais.
S238
Souza, Maria Antônia de
Movimentos sociais e sociedade civil./Maria Antônia de Souza. — Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2008.
164 p.
ISBN: 978-85-7638-830-2
1. Movimentos sociais. 2. Participação política. 3. Participação social. 4. Cultura. 5. Identidade. I. Título
CDD 303.484
Todos os direitos reservados
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Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 • Batel
80730-200 • Curitiba • PR
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Sumário
O que é movimento social? | 9
Primeiras palavras sobre movimentos sociais | 9
Interrogações necessárias para conceituar movimentos sociais | 10
Principais eixos temáticos dos movimentos sociais | 12
Movimentos sociais e especificidades agregadas ao território | 12
O conceito de movimento social no limiar do século XXI | 13
Paradigmas para interpretação dos movimentos sociais | 17
Introdução | 17
As fases de um movimento social | 19
Análise dos movimentos sociais | 20
A interpretação dos movimentos sociais na América Latina | 22
Sociedade civil | 29
Introdução | 29
Sociedade civil e movimentos sociais no Brasil | 30
A sociedade civil no Brasil | 35
Movimentos sociais do campo | 41
Introdução | 41
Lutas e movimentos sociais que questionam o direito à terra | 43
O Brasil dos anos 1970 a 1990: os sujeitos no contexto agrário e agrícola | 47
MST | 49
Movimentos sociais urbanos | 57
Introdução | 57
População brasileira e os principais problemas urbanos | 58
Movimentos populares urbanos e suas estratégias de luta | 61
Movimentos sociais e demandas por educação | 69
Introdução | 69
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Movimentos sociais e luta por educação | 70
Educação do campo: contexto e desdobramentos | 73
Novos movimentos sociais | 81
Introdução | 81
Novos movimentos sociais | 82
Marcos históricos para a compreensão dos novos movimentos sociais | 85
Novos movimentos sociais: exemplos | 86
Afinal, qual é a contribuição dos novos movimentos sociais à sociedade? | 89
Movimentos sociais e questões ambientais | 93
Introdução | 93
Cenário das preocupações ambientais no Brasil | 94
Características do movimento ambientalista | 101
Movimentos sociais: economia solidária e catadores de materiais ­recicláveis | 107
Introdução | 107
A economia solidária como movimento social | 108
O movimento nacional dos catadores de material reciclável | 111
Economia solidária e MNCR: o que há em comum? | 114
Movimentos sociais antiglobalização | 121
Introdução | 121
Globalização | 121
O momento histórico atual | 124
Movimentos antiglobalização | 124
Fórum Social Mundial | 126
Movimentos sociais: ­comunicação,
­cultura e ­educação frente aos ­processos de globalização | 131
Introdução | 131
Cultura popular | 133
A mística como ritual cultural e educativo dos sem-terra | 134
Comunicação, educação e cultura no movimento social | 136
Conjuntura de reconstrução democrática: comunicação, cultura, educação e movimentos sociais | 137
Movimentos sociais ­históricos: dos arcaicos aos modernos | 141
Introdução | 141
Movimentos sociais históricos | 143
Movimentos sociais modernos | 145
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Apresentação
Movimentos sociais e Sociedade Civil é um assunto instigante nas Ciências
Sociais. Primeiro porque a sociedade civil é um conceito que adjetiva a vida em
sociedade com a característica da civilidade. Segundo, porque o conceito exige
estreita relação com o Estado em todas as suas instâncias políticas. O princípio
da civilidade é dado pelo ordenamento político que é o Estado.
Ao discutir sociedade civil nos reportamos especialmente às ações coletivas do
século XX, tenham elas caráter de classe ou não. A sociedade civil organizada
é um conceito que abarca as formas de participação social expressas nas
entidades, organizações e movimentos que têm sua base na sociedade. O
conceito de movimento social é atribuído à participação social que demanda
do Estado a efetivação dos direitos sociais, políticos e civis. Empiricamente, é
visível no conjunto de manifestações coletivas organizadas, com duração de
tempo significativo, num determinado Estado, ou mesmo ações coletivas de
caráter global, a exemplo do Fórum Social Mundial.
O desafio na escrita deste livro foi grande. Primeiro porque tem em seu título
dois conceitos polêmicos, uma vez que existem diversas concepções tanto
de movimento social quanto de sociedade civil. Procuramos referência
nos autores brasileiros que têm se dedicado há longa data no estudo dos
movimentos sociais, a exemplo de Evelina Dagnino, Ilse Scherer-Warren e
Maria da Glória Gohn. Também, autores que em determinados momentos se
dedicaram à análise de movimentos específicos como é o caso de Ana Doimo,
Marília Sposito, Vinícius Brant e Paul Singer, Eduardo Viola e Héctor Leis, para
mencionar alguns. Autores internacionais como Eric Hobsbawm, Manuel
Castells, Alain Touraine e Alberto Melucci foram referência para pensar o
conceito e as categorias analíticas. Hobsbawm analisa os movimentos sociais
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desde uma perspectiva marxista, classificando-os em reformistas e revolucionários.
Alain Touraine e Alberto Melucci fazem análises de cunho weberiano, uma vez que
compreendem os movimentos sociais a partir da análise do significado da ação
social. Quanto ao conceito de sociedade civil, adotamos a perspectiva de Sérgio
Costa, sistematizada em seu livro As Cores de Ercília.
Em segundo lugar, foi um desafio elaborar a obra em função da densidade do
conteúdo. Embora tivéssemos trabalhado durante três anos com a disciplina
Movimentos Sociais no Brasil Contemporâneo, junto ao Programa de Mestrado
em Ciências Sociais Aplicadas, na Universidade Estadual de Ponta Grossa, foi um
exercício de síntese, de novos estudos e de coragem para fazer algumas opções
teóricas e arriscar exemplificações.
Em terceiro lugar, o desafio reside, também, na dificuldade de analisar uma
realidade em movimento, pois afinal a sociedade brasileira tem uma infinidade
de organizações, movimentos (mais e menos visíveis), associações, experiências
cooperativas etc. que nos desafiam na interpretação. O movimento de Gays, Lés­
bicas, Bissexuais e Transgêneros (GLBT), por exemplo, está em franca ascensão em
diversos países, porém, o Direito ainda não tem reconhecido plenamente os direitos
dos cidadãos que fazem opção por relações homossexuais. A própria sociedade,
imbuída de uma cultura conservadora, tem dificuldades em aceitar a diferença
no que tange a questões sexuais e mesmo a diferenças étnicas e físicas, como é
o caso dos deficientes. Então, vivemos uma realidade em que hoje o movimento
social apresenta um formato e depois se apresenta com outras configurações.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é um exemplo. Nasce
com caráter revolucionário, haja vista todas as suas publicações sobre o método
revolucionário, o caminho da revolução e a coletivização da terra e do trabalho.
Na atualidade, demonstra-se aberto para a modificação do discurso político e já
admite que o processo revolucionário exige paciência e formação educacional,
além de aquisição de conhecimentos históricos por parte dos envolvidos na luta.
O livro, embora faça menções a movimentos globais, traz um destaque para a
sociedade brasileira e os movimentos sociais históricos e os novos movimentos que
dela participam.
Diante do exposto, fizemos uma opção por apresentar os capítulos na seguinte
seqüência:
1. Caracterização do conceito movimento social, com o intuito de orientar o
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­pensamento sobre o assunto e sobre os formatos empíricos das ações coleti­
vas presentes na sociedade brasileira.
2. Caracterização do conceito sociedade civil, de modo que os leitores possam
compreender qual é o lugar ocupado pelos movimentos sociais, bem como os
seus papéis em diferentes momentos históricos.
3. Apresentação dos paradigmas e teorias dos movimentos sociais. O intuito foi
mapear as principais teorias e as especificidades do paradigma para análise
dos movimentos sociais na América Latina.
4. Debate sobre os movimentos sociais do campo, dando particular atenção ao
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra pela relevância do mesmo na
sociedade brasileira, como um dos movimentos que mais tem gerado polêmicas no campo da política e do Direito.
5. Caracterização do movimento popular urbano, no qual foram destacados as
diversas lutas e seu formato no século XX.
6. Debate sobre os movimentos sociais e lutas em torno da educação, no contex­to
dos movimentos populares urbanos.
7. Apresentação do conceito novos movimentos sociais, com o intuito de permitir
que o leitor estabeleça diferenças entre os movimentos clássicos, a exemplo do
movimento operário, e os movimentos que extrapolam a questão de classe social, como o ecológico, o feminista, entre tantos outros.
8. Caracterização do movimento ambientalista, contextualizando-o como novo
movimento social e de caráter global.
9. Debate sobre a economia solidária e o Movimento Nacional de Catadores de
Materiais Recicláveis, como novos movimentos sociais que vêm gerando uma
cultura política diferente no que tange à economia (solidária) e à sustentabi­
lidade ambiental (coleta seletiva de lixo) etc.
10.Caracterização do Fórum Social Mundial como um movimento antiglobali­
zação e de caráter global.
11. Debate sobre movimentos sociais, cultura, educação e globalização, com o
intuito de gerar reflexões sobre a produção cultural (rituais) nos movimentos
sociais e a possibilidade de construção de uma nova cultura política (da participação efetiva na coisa pública).
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12. Caracterização dos movimentos históricos de cunho primitivo e pré-político, ao
lado da reflexão dos movimentos que marcam o final do século XX, sob o título
de movimentos modernos, por sua forte organização política e estratégias de
luta que extrapolam o território nacional.
Enfim, espera-se que a obra contribua para que os futuros cientistas sociais tenham
elementos para indagar sobre os processos sociais que acontecem na sociedade
brasileira, dos quais somos protagonistas.
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O que é movimento social?
Maria Antônia de Souza*
Primeiras palavras sobre movimentos sociais
Movimento social refere-se a uma organização sociopolítica, cuja expressão empírica é dada pela
manifestação conjunta de pessoas, movida por determinados interesses e/ou carências. O conceito de
movimento social no meio acadêmico surgiu na primeira metade do século XIX, por volta de 1840. A
Revolução Industrial foi o contexto da emergência dos movimentos sociais, especialmente num cenário
de separação entre os trabalhadores e os donos dos meios de produção. Movimento social era sinônimo
de desordem. O filme Germinal, de Émile Zola, pode ser considerado um exemplo no estudo dos movimentos sociais no contexto da industrialização.
Na sociedade brasileira, todos nós ouvimos comentários sobre a existência de manifestação social, como greves, passeatas e ocupações de prédios públicos. Cabe destacar que toda manifestação
social é parte integrante de um movimento social, mas nem toda manifestação social é em si um movimento social organizado, com articulação política definida. A manifestação social pode ser um ponto de
partida para a configuração posterior de um movimento social.
No Brasil existem contradições sociais básicas, que são aquelas já enraizadas na história da população, a exemplo da concentração da renda e da terra. O país concentra riqueza nas mãos de poucas
pessoas. É expressivamente desigual. Essas contradições básicas, que têm longa duração, geram contradições que são conjunturais, a exemplo da falta de moradia, falta de alimentação, falta de emprego,
ausência de acesso à saúde e à educação etc. São essas contradições básicas e conjunturais que, de
imediato, fazem emergir movimentos sociais de todo o tipo. Em sua grande maioria, os movimentos
sociais surgem em função das carências econômicas e sociais e, por sua vez, da não-efetivação dos
direitos sociais.
* Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mestre em Educação pela Unicamp. Licenciada e Bacharel em
Geografia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Pesquisadora sobre Movimentos Sociais e Educação.
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Movimentos Sociais e Sociedade Civil
Todos já ouviram alguma notícia sobre um movimento social. Por exemplo, é comum notícias nos
meios de comunicação sobre o Movimento Sem Teto; Movimento de luta por escola, transporte, creche,
postos de saúde, alimentação, terra, salário etc. Os movimentos existem em função de múltiplos determinantes, tais como: questões culturais, econômicas, políticas e sociais.
No Brasil a grande maioria dos movimentos sociais é de trabalhadores. E por que isso ocorre? Especialmente porque os direitos sociais1 prescritos na Constituição Federal (CF) de 1988, como educação,
saúde, acesso à moradia, não estão sendo efetivados; porque resta à população se organizar para fazer
valer o que está posto na Constituição.
Mas existem movimentos sociais que não são necessariamente da classe trabalhadora, embora
ela possa participar deles também. É o caso do movimento ambientalista; movimentos contra a violência e pela paz; movimentos de homossexuais, entre outros.
Existem movimentos sociais que têm um caráter de classe e que lutam pela conservação de aspectos da sociedade, como é o caso da União Democrática Ruralista criada na década de 1980 e da
Bancada Ruralista, que por muito tempo marca presença no Congresso Nacional. São grupos que lutam
pela garantia da propriedade da terra ou pela conservação de valores culturais, a exemplo de movimentos religiosos contra o aborto, ou ainda pela ênfase em valores universais, como o direito à vida.
Portanto, na sociedade brasileira, os principais movimentos e suas reivindicações relacionam-se
com as condições materiais de existência, como a luta pela moradia e alimentação. Ao lado delas, as
condições necessárias à sobrevivência humana fazem parte das lutas dos movimentos vinculados à
saúde, educação, trabalho. São lutas pela efetivação dos direitos sociais e humanos fundamentais.
Interrogações necessárias para conceituar
movimentos sociais
Como vamos saber o que é um movimento social? Como discernir manifestação social de greves
e de movimentos sociais de fato?
É importante pensar na duração do movimento social, ou seja, da ação coletiva. No alcance do
fenômeno analisado, se ele é pontual ou se ele é nacional e se atinge visibilidade internacional.
Desse modo, algumas interrogações nos auxiliam na conceituação dos movimentos sociais, a saber:
::: Como e quando surgiu o fenômeno analisado? É importante pensar que os movimentos surgem em determinadas conjunturas político-econômicas, por isso é fundamental contextualizar o fenômeno no âmbito do que se passa na política do país, estado e município; contextualizá-lo no âmbito da economia e das características sociais. Um movimento não surge do nada
e também não surge movido por um único fator. Geralmente são inúmeros fatos que levam à
emergência de um movimento social.
::: Como está organizado o movimento social? Tem lideranças? Quem são elas, de onde vieram? O
que defendem? Tem caráter religioso, sindical ou político partidário?
1
Art. 6.° da CF de 1988 – “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção
à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”.
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O que é movimento social?
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::: O que é reivindicado pelo movimento social? É algo pontual, como uma passarela, mas localizado no rol de lutas populares urbanas? É algo relacionado a direitos humanos, como a igualdade e o reconhecimento da diferença? É relacionado a interesses supranacionais, como o
desenvolvimento sustentável e os cuidados com o meio ambiente?
::: Quais são as estratégias de luta dos movimentos sociais? Fazem passeatas, manifestos, abaixoassinados, ocupações etc.?
::: Como se dá o processo de negociação política entre a sociedade organizada e o Estado?
::: Que tipo de projeto político o movimento social defende? É um movimento que luta por direitos
sociais e democracia ou que luta por outra forma de governo?
::: Que tipo de apoio e de mediação é feita no contexto do movimento social? Ele é articulado a
outros movimentos? Quem são os assessores para fins políticos?
São interrogações preliminares que contribuem para determinar diferenças entre manifestações,
greves e movimentos sociais. As manifestações são ações pontuais e fazem parte da estratégia de luta
dos movimentos sociais. A greve é um direito social, descrito no artigo 9.º2 da Constituição Federal da
República Federativa do Brasil, de 1988. Os movimentos sociais têm maior duração, alcance político e
necessitam de organização e composição social sólidas. A organização diz respeito à estrutura interna
do movimento social, no sentido da clareza das funções de cada membro do grupo, do registro das atividades e negociações desenvolvidas, produção de materiais que possam dar visibilidade ao movimento, controle das ações durante uma manifestação ou passeata, de modo que não haja atos prejudiciais
ao grupo, como quebra-quebra, agressão etc. Composição social diz respeito aos representantes do
grupo, geralmente existem lideranças, pessoal de apoio, pessoal ligado à comunicação e recepção de
interessados na manifestação social, membros assessores do grupo social, a exemplo de pesquisadores,
pessoas ligadas à Igreja, partidos políticos etc. Enfim, a composição social diz respeito aos membros do
grupo e o que fazem. Existem aqueles que “engrossam” uma manifestação social e aqueles que coordenam a manifestação. Existem aqueles que fazem mediação internamente ao grupo e externamente nos
processos de negociação políticas.
Em síntese, os movimentos sociais fazem uso de diferentes estratégias de lutas, como abaixo-assinados, manifestações em lugares públicos, ocupação de prédios públicos entre outros. Fazem uso de
estratégias visuais que atraem a mídia, de modo a dar visibilidade às lutas empreendidas. Têm projeto
político que varia de questões estruturais para questões conjunturais. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), por exemplo, reivindica mudanças estruturais, no que tange à definição da
função social da propriedade, ou a sua própria extinção, e desenvolvimento de um modo coletivo de
produção. Outros movimentos têm um projeto político voltado para a luta pela liberdade e pela igualdade, desde que a diferença não seja descaracterizada. É o caso do movimento de homossexuais, que
no Brasil tem a sua visibilidade maior nas passeatas denominadas de Parada Gay.
Geralmente, o movimento social faz parte de uma relação de forças entre classes sociais e entre
estas e os governos. Há uma defesa de interesses antagônicos3, cenário que exige do Estado um posicionamento na dissolução do conflito social.
2
Conforme o artigo 9.° da CF de 1988: “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de
exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”.
3 O exemplo mais claro de interesses antagônicos pode ser dado pela relação entre empregados e patrões. Uns querem “correção salarial” e
outros querem “redução” de despesas. São interesses que estão em oposição e que o processo de negociação poderá levar a um consenso ou
a um acordo temporário.
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Movimentos Sociais e Sociedade Civil
O que vemos na sociedade é a aglutinação de pessoas em torno de determinados interesses,
construindo estratégias para atingir os objetivos. Quando a aglutinação atinge um grau de organização, proposição, conquista de negociação, delineamento de um projeto político, pode-se dizer que ela
adquira o formato de um movimento social.
Como define Ammann, “Movimento social é uma ação coletiva de caráter contestador, no âmbito
das relações sociais, objetivando a transformação ou a preservação da ordem estabelecida na sociedade” (AMMANN, 1991, p. 22). Para ela, a contestação é o elemento constitutivo do movimento social. Os
protagonistas podem ser classes sociais, etnias, partidos políticos, regiões, religiões etc. Concordamos
com a autora quando afirma que nem todos os movimentos têm caráter de classe e que nem todo o
movimento luta por poder. O objetivo do movimento social pode ser a contestação ou a preservação
de relações sociais.
Principais eixos temáticos dos movimentos sociais
O território brasileiro é marcado pela luta dos trabalhadores. Em cada canto do país reivindicam-se
melhores condições de vida e de trabalho. Reivindicam-se o direito à participação política e à efetivação
os direitos sociais que foram positivados no Brasil ao longo do século XX.
A participação dos movimentos sociais na sociedade brasileira é demonstrada por Gohn (2003)
na obra Movimentos Sociais no Início do Século XXI. A autora faz um panorama geral dos movimentos
sociais no início do milênio e aponta eixos temáticos, tais como:
1) lutas e conquistas por condições de habitabilidade na cidade, nucleados pela questão da moradia. 2) mobilização e organização popular em torno de estruturas institucionais de participação na estrutura político-administrativa da cidade. 3)
mobilizações e movimentos de recuperação de estruturas ambientais, físico-espaciais, equipamentos e serviços coletivos.
4) mobilizações e movimentos contra o desemprego. 5) movimentos de solidariedade e apoio a programas com meninos
e meninas de rua. 6) mobilizações e movimentos dos sem-terra. 7) movimentos etnorraciais. 8) movimentos envolvendo
questões de gênero. 9) diversos movimentos rurais pela terra. 10) movimentos contra as políticas neoliberais e os efeitos da
globalização. (GOHN, 2003, p. 31-32).
Desse modo, os movimentos sociais podem ter caráter urbano ou rural; de classe ou não; lutas locais
e globais. De uma maneira geral, os movimentos sociais estarão localizados em um desses cenários.
Movimentos sociais e especificidades agregadas ao território
Os movimentos sociais agregam especificidades aos territórios. Especificidades entendidas como
relações e práticas sociais que modificam o conjunto anterior de relações.
Por exemplo, os movimentos de negros demandam e propõem reflexões afirmativas de sua identidade na sociedade.
Já os movimentos ligados à Educação Especial demandam infra-estrutura e fazem proposições
para o convívio social.
Os movimentos de luta por moradia e terra transformam e recriam territórios (cultura, valores,
modo de vida, simbologia).
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O que é movimento social?
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As novas territorialidades são dadas pelas relações sociais, pela prática social que produz circunstâncias, que confronta valores, que cria arranjos culturais, sociais, políticos e econômicos que, por sua
vez, dão forma ao lugar e dinamizam a vida em sociedade a partir dos formatos de participação.
Partilhando da análise de Haesbaert (2002 e 2004) afirmamos que as novas territorialidades podem ser geradas a partir dos processos de desterritorialização que estão vinculados à exclusão socioespacial. Portanto, de uma relação contraditória e dialética surge a possibilidade da construção de novos
arranjos espaciais. É o caso dos assentamentos rurais oriundos da luta pela reforma agrária, no contexto
do MST. Da exclusão posta em relações de trabalho anterior é gerada nova forma de participação, muitas vezes tendo no acampamento a gênese de uma organização coletiva de produção.
O conceito de movimento social no limiar do século XXI
Vários autores conceituam movimentos sociais. Selecionamos a obra de Gohn (1997, p. 251-252)
para expressar um conceito amplo. Vamos desdobrar o conceito da autora em tópicos, para melhor
compreensão.
1. Movimentos sociais são ações sociopolíticas construídas por fatores sociais coletivos pertencentes a diferentes classes e
camadas sociais, articuladas em certos cenários da conjuntura socioeconômica e política de um país, criando um campo
político de força social na sociedade civil.
Três questões básicas estão inseridas nessa frase da autora: 1) ação sociopolítica, ou seja, uma
ação social com intencionalidade definida. 2) os sujeitos podem ser oriundos de diferentes classes sociais. 3) a ação sociopolítica está contextualizada na conjuntura econômica, política e social do momento em que o movimento está em ação. Isso gera um campo político na sociedade civil. Aqui emerge um
conceito que merece atenção: sociedade civil4.
2. As ações se estruturam a partir de repertórios criados sobre temas e problemas em conflitos, litígios e disputas vivenciados
pelo grupo na sociedade. As ações desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma identidade coletiva para
o movimento, a partir dos interesses em comum. Essa identidade é amalgamada pela força do princípio da solidariedade e
construída a partir da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo, em espaços coletivos nãoinstitucionalizados.
Uma questão pode ser acrescida às três mencionadas anteriormente: as ações geram uma identidade que é política e social. Ela é consolidada mediante signos construídos na trajetória do movimento
social – arcabouço cultural e educativo.
3. Os movimentos geram uma série de inovações nas esferas públicas (estatal e não-estatal) e privada; participam direta
ou indiretamente da luta política de um país, e contribuem para o desenvolvimento e a transformação da sociedade civil e
política. Essas contribuições são observadas quando se realizam análises de períodos de média ou longa duração histórica,
nos quais se observam os ciclos de protestos delineados.
Outra questão pode ser acrescida às nossas observações em curso: geração de inovação no campo da participação, seja na esfera pública ou privada. Os movimentos sociais têm a capacidade de gerar
4
A sociedade civil refere-se à esfera de ação das pessoas de uma sociedade. Algumas pessoas estão na sociedade civil e na sociedade
política, quando são representantes políticos, por exemplo. Existe a sociedade civil organizada que é entendida como o conjunto de sujeitos
ou fatores organizados, a exemplo de associações, organizações não governamentais; movimentos sociais; sindicatos, entre outros. Todos
nós, isoladamente, fazemos parte da sociedade civil. Mas, quando estamos organizados em um grupo, passamos a pertencer à denominada
sociedade civil organizada.
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Movimentos Sociais e Sociedade Civil
modificações, a exemplo da inserção dos direitos sociais na Constituição Federal de 1988 e no Código
Civil de 2002. Muitos direitos postos foram conquistados pela sociedade civil organizada, mediante reivindicações e enfrentamento junto ao Estado. É o caso do direito à educação, à aposentadoria para
trabalhadores rurais, à greve, à acessibilidade por parte daqueles que possuem alguma dificuldade temporária ou permanente, entre outros.
4. Os movimentos participam, portanto, da mudança social histórica de um país e o caráter das transformações geradas
poderá ser tanto progressista como conservador ou reacionário, dependendo das forças sociopolíticas a que estão articulados em suas densas redes; e dos projetos políticos que constroem com suas ações.
Um aspecto relevante dos movimentos sociais é que eles podem gerar transformações ou exercer
a pressão para a manutenção de uma característica da sociedade.
5. Eles têm como base de suporte entidades e organizações da sociedade civil e política, com agendas de atuação construídas ao redor de demandas socioeconômicas ou político-culturais que abrangem as problemáticas conflituosas da sociedade
onde atuam.
Por fim, uma questão essencial é que os movimentos sociais têm suportes na sociedade civil – em
outras organizações e movimentos – bem como na sociedade política, quando alguns partidos defendem a reivindicação ou partilham da intencionalidade política de determinado movimento.
Para concluir, vale pensar que os movimentos sociais indicam aspectos da sociedade que precisam ser modificados. Eles podem ser revolucionários ou reformistas5. A maioria dos movimentos que
conhecemos possui um caráter reformista. O próprio MST surgiu marcado por intenções revolucionárias, mas com o tempo foi adquirindo um caráter reformista, talvez necessário à conjuntura política vivida no início do século XXI. O movimento revolucionário é aquele que luta por modificações profundas
na sociedade, portanto, pela superação de um modo de produção.
Texto complementar
(GOHN, 2003, p. 13-17)
Para nós, desde logo, é preciso demarcar nosso entendimento sobre o que são movimentos
sociais: os vemos como ações coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam distintas
formas da população se organizar e expressar suas demandas. Na ação concreta, essas formas adotam diferentes estratégias que variam da simples denúncia, passando pela pressão direta (mobilizações, marchas, concentrações, passeatas, distúrbios à ordem constituída, atos de desobediência
civil, negociações etc.), até as pressões indiretas. Na atualidade, os principais movimentos sociais
atuam por meio de redes sociais, locais, regionais, nacionais e internacionais, e utilizam-se muito
5 Segundo Eric Hobsbawm (1970), “Os reformistas aceitam a estrutura geral de uma instituição ou disposição social, mas a consideram passível
de melhoria ou, quando abusos nela se infiltraram, de reforma. Os revolucionários insistem em que deve ser fundamentalmente transformada,
ou substituída”. Enfim, os reformistas defendem mudanças de uma instituição ou estrutura de modo que possa ser melhorada, enquanto os
revolucionários defendem a abolição da instituição ou estrutura.
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O que é movimento social?
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dos novos meios de comunicação e informação, como a internet. Por isso, exercitam o que Habermas denominou como o agir comunicativo. A criação e o desenvolvimento de novos saberes são
produtos dessa comunicabilidade.
No início deste novo milênio, os movimentos sociais estão retornando à cena e à mídia. Neles,
destacam-se quatro pontos:
1. as lutas e defesas das culturas locais, contra os efeitos devastadores da globalização.
Eles estão ajudando na construção de um novo padrão civilizatório orientado para o ser
humano e não para o mercado, como querem as políticas neoliberais de caráter excludente. Um outro papel importante a ser destacado nos movimentos atuais é o resgate
que eles estão operando do caráter e sentido das coisas públicas – espaços, instituições,
políticas etc.;
2. ao reivindicarem ética na política, ao mesmo tempo, exercem vigilância sobre a atuação
estatal/ governamental, eles orientam a atenção da população para o que deveria ser dela
e está sendo desviado, para o tratamento particular que supostamente estaria sendo dado
a algo que é um bem público, como os impostos arrecadados da população que estariam
sendo mal gerenciados etc.;
3. os movimentos têm coberto áreas do cotidiano de difícil penetração por outras entidades ou instituições do tipo partidos políticos, sindicatos ou igrejas. Assim, aspectos da
subjetividade das pessoas, relativo a sexo, crenças, valores etc. têm encontrado vias de
manifestação porque o grau de tolerância é alto na maioria dos movimentos sociais. Mas
não podemos deixar de lado ou ignorarmos que intolerância também existe e ela tem
estado presente em movimentos fanático-religiosos ou no ressurgimento de movimentos nacionalistas, citados acima, com suas ideologias não democráticas, geradoras de
ódios e guerras;
4. os movimentos constituíram um entendimento sobre a questão da autonomia diferente
do que existia nos anos 1980. Atualmente, ter autonomia não é ser contra tudo e todos,
estar isolado ou de costas para o Estado, atuando à margem do instituído; ter autonomia
é, fundamentalmente, ter projetos e pensar os interesses dos grupos envolvidos como
autodeterminação; é ter planejamento em termos de metas e programas; é fazer a crítica,
mas também ter a proposta de resolução para o conflito que estão envolvidos; é ser flexível para incorporar os que ainda não participam, mas têm o desejo de participar, de mudar
as coisas e os acontecimentos da forma como estão; é tentar sempre dar universalidade às
demandas particulares, fazer política vencendo os desafios dos localismos; ter autonomia
é priorizar a cidadania: construindo-a onde não existe, resgatando-a onde foi corrompida.
Finalmente, ter autonomia é ter pessoal capacitado para representar os movimentos nas
negociações, nos fóruns de debates, nas parcerias de políticas públicas (por isso é grande
o número de militantes/assessores de movimentos, advindos de ONGs, que têm adentrado aos programas de Pós-Graduação da academia. Resulta também que vários deles,
após qualificados, tornam-se professores universitários e voltam-se inteiramente para a
academia, ficando o movimento como “objeto” de estudos e pesquisas. As ONGs permanecem como estágios laboratoriais de iniciação participativa, estando sempre composta,
majoritariamente, por iniciantes.
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Movimentos Sociais e Sociedade Civil
Atividades
1.
As lutas por moradia, com organização política consistente, fazem parte dos movimentos sociais
urbanos? Por que existem lutas por moradia?
2.
As manifestações de moradores de um bairro reivindicando a construção de uma passarela
podem ser consideradas movimento social? Explique.
3.
Com base no texto lido, elabore um conceito de movimento social.
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Gabarito
O que é movimento social?
1.
Sim. Porque há carência de moradias no Brasil, em função da concentração de renda.
2.
Não, porque elas são estratégias de luta e muitas vezes têm duração curta e interferência
pontual/ local.
3.
Organização de um grupo social, com liderança, com objetivos, com estratégias de luta e que busca negociação com o poder político (Estado). Existem movimentos revolucionários que pre­gam a
extinção do capitalismo. Existem movimentos reformistas que buscam modificações nas estruturas existentes na sociedade, mas não a sua extinção.
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