Dimensões da Não-Aprendizagem

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Dimensões da Não-Aprendizagem
Autora
Vânia Aparecida Marques Leite
2008
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© 2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor
dos direitos autorais.
L533
Leite, Vânia Aparecida Marques. / Dimensões da Não-Aprendizagem. / Vânia Aparecida Marques Leite. — Curitiba :
IESDE Brasil S.A. , 2008.
100 p.
ISBN: 978-85-7638-980-4
1. Fracasso Escolar. 2. Psicologia educacional. 3. Distúrbios de
Aprendizagem. I. Título.
CDD 370.1523
Todos os direitos reservados.
IESDE Brasil S.A.
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 • Batel
80730-200 • Curitiba • PR
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Sumário
Aprendizagem e dificuldades................................................................................................ 7
Aprendizagem: concepções e fatores determinantes................................................................................7
Processo de aprendizagem e suas dificuldades.........................................................................................8
Inteligência, aprendizagem e desempenho escolar...................................................................................9
Problemas, dificuldades e distúrbios de aprendizagem............................................................................16
Indicadores de dificuldades de aprendizagem na criança.........................................................................18
Fracasso escolar: a dimensão do ensino................................................................................ 23
Abordagem social do fracasso escolar......................................................................................................23
Diversidade como um desafio da escola...................................................................................................26
Aprendizagem como ponto-chave para a superação do fracasso escolar.................................................32
Dimensão psiconeurológica da aprendizagem e suas dificuldades....................................... 37
O cérebro e sua relação com a aprendizagem...........................................................................................37
Aspectos neuropsicológicos da aprendizagem.........................................................................................40
Transtorno do Déficit de Atenção – Hiperatividade (TDAH)...................................................................41
Distúrbios da linguagem: leitura e escrita . .......................................................................... 51
Leitura e escrita e suas dificuldades..........................................................................................................51
Dislexia: distúrbio de leitura e escrita......................................................................................................54
Implicações sociais do iletramento...........................................................................................................59
Bases psicomotoras da aprendizagem e seus distúrbios....................................................... 63
Introdução à psicomotricidade..................................................................................................................63
Elementos do desenvolvimento psicomotor.............................................................................................64
Psicomotricidade e aprendizagem............................................................................................................69
Distúrbios e perturbações psicomotores: o que são?................................................................................70
Psicomotricidade e as dificuldades de aprendizagem...............................................................................74
Fatores comportamentais e as dificuldades escolares .......................................................... 77
Problemas de comportamento na escola...................................................................................................77
Distúrbios de comportamento...................................................................................................................77
Distúrbios de conduta...............................................................................................................................80
Distúrbios de personalidade......................................................................................................................80
A escola diante dos problemas comportamentais.....................................................................................88
Gabarito................................................................................................................................. 93
Referências............................................................................................................................ 97
Anotações.............................................................................................................................. 99
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Apresentação
V
ersar sobre o tema dimensões da não-aprendizagem é refletir acerca do ensino, da construção
do conhecimento, da cognição humana, enfim, da multiplicidade de fatores que influenciam
na aprendizagem e nas dificuldades de aprender.
Ao longo deste livro, buscaremos compreender que as diferentes dificuldades de aprendizagem não devem ser vistas como ocorrências isoladas, tampouco devem ser relegadas ao plano da exceção. Essas dificuldades, comumente enfrentadas por alunos e educadores em seu dia-a-dia, devem
ser compreendidas a partir de seu significado sócio-histórico, psicológico e de outras dimensões que
buscaremos elucidar ao longo deste estudo.
Nesta perspectiva, abordaremos a inter-relação de temas como inteligência, fracasso escolar,
diversidade cultural e outros fundamentais para a compreensão do fenômeno da não-aprendizagem
em sua complexidade.
Em uma perspectiva sociocultural abordaremos as dificuldades de aprendizagem na sua relação com o ensino, entendendo a escola como uma dimensão importante desse processo.
No que tange aos aspectos psico-neurológicos e emocionais, este estudo se propõe a discutir
as dificuldades de aprendizagem na sua relação com as funções cerebrais, abordando os aspectos psicomotores e focalizando alguns distúrbios específicos de aprendizagem e de comportamento e suas
implicações sobre a educação escolar.
Dessa forma, convidamos você, leitor, para o início dessa jornada de estudos cujo principal
objetivo é a compreensão dos processos de aprendizagem e as dificuldades a eles relacionados como
fenômenos multideterminados sobre os quais a escola tem um importante papel a cumprir.
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Bases psicomotoras
da aprendizagem e
seus distúrbios
Introdução à psicomotricidade
Getty Images.
Observemos uma criança de dois anos enquanto brinca com um jogo de encaixe. A criança
segura uma das peças com as mãos e tenta encaixá-la numa base perfurada com formas geométricas.
Ela não consegue encontrar a posição do objeto, tampouco o buraco que proporcionará seu encaixe
perfeito ao suporte. Ao mesmo tempo em que realiza esse exercício, a criança está se apropriando
das características daqueles objetos,
como a textura, cores e formas. Percebe, então, que as peças retas não
poderão ser encaixadas com sucesso
nas perfurações arredondadas, iniciando outras tentativas até conseguir. Uma música toca e então ela se
levanta e começa a dançar. Seu corpo
não obedece harmoniosamente aos
movimentos que pretende executar
e, então, perde o equilíbrio e cai. Levanta-se e cai de propósito por várias
vezes, em posições diferentes como
uma forma de se divertir. Levanta-se
e tenta se apoiar sobre uma das pernas girando. Desequilibra-se e cai batendo a boca no sofá. Chora
buscando o consolo da mãe que está na cozinha.
Dessa cena podemos concluir que a partir de uma experiência simples, de origem motora (corporal), a criança vai se apropriando da experiência, incorporando significados, operando com experiências anteriores para a resolução de problemas, abstraindo as características dos objetos, suas
relações e modificando seu meio. É a partir dessas experiências corporais que a criança vai se desenvolvendo cognitivamente, ou seja, vai ampliando sua capacidade de raciocinar sobre as coisas, construindo assim sua inteligência.
Ao nascer, o único recurso que a criança possui para comunicar seus sentimentos e necessidades
é o próprio corpo, pois ainda não tem desenvolvida sua linguagem oral e, nem mesmo, possui estrutura cognitiva que lhe permita elaborar de modo mais racional suas frustrações. Assim, ela comunica
seus afetos e desafetos por meio do corpo, sempre demonstrando suas emoções de modo intenso.
A partir das sensações corporais possibilitadas pela interação com o mundo que o rodeia, o
bebê vai descobrindo que possui um corpo, suas dimensões, limites e possibilidades. Aos poucos, os
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Dimensões da Não-Aprendizagem
estímulos físicos e afetivos do meio desafiam-no a se relacionar com os objetos
de modo intencional, pegando, observando, batendo e mordendo. Os estímulos
afetivos presentes na relação com a mãe e pessoas próximas permitem àquela
criança interpretar o significado de suas ações e comunicá-las. Com a aquisição
da linguagem, a criança vai, aos poucos, aprendendo a comunicar suas emoções
e necessidades gradativamente, não mais precisando recorrer aos gestos para se
fazer entender.
Quanto menor for a criança, mais afetiva é a sua forma de se comunicar com
o mundo, instigada por sua inteligência. Portanto, a função motora, o desenvolvimento intelectual e o desenvolvimento afetivo estão intimamente ligados.
O comportamento físico da criança expressa, uma a uma, suas dificuldades
intelectuais e emocionais. Por exemplo, uma criança pode não ter noções de medida, que são padrões cognitivos, e então recorrer aos gestos para indicar o tamanho do brinquedo que ganhou, tais como pulos e gritos que indiciam seu estado
afetivo, de felicidade porque ganhou o presente.
Por isso, podemos dizer que o desenvolvimento afetivo, cognitivo e motor
encontram-se intimamente relacionados, constituindo a psicomotricidade do
indivíduo.
De acordo com Ajuriaguerra e Marcelli (1991),
a psicomotricidade é a realização do pensamento por meio do ato motor preciso, econômico e harmonioso. Ou seja, é a relação entre o pensamento-ação, envolvendo a emoção.
Assim, é a partir do suporte motor que a inteligência se desenvolve e é por meio do corpo
que a criança acessa os símbolos e o raciocínio abstrato, essenciais às diferentes aprendizagens propriciadas na escola.
Elementos do
desenvolvimento psicomotor
Como vimos, a criança comunica-se com o mundo predominantemente por
meio das experiências corporais. Portanto, as atividades motoras desempenham
um importante papel em muitas das operações intelectuais. Durante os três primeiros anos de vida, a inteligência é função imediata do desenvolvimento neuromuscular e somente mais tarde essa associação vai sendo rompida. Ou seja, a
criança possui um tipo de inteligência prática, pois consegue raciocinar apenas a
partir do que está experimentando, na sua ação sobre o mundo. Somente depois o
pensamento se libertará da ação, transitando entre passado e futuro, permitindo
assim que a criança pense sobre fatos ocorridos, utilize experiências anteriores na
resolução de problemas futuros, ou planeje uma ação de modo independente.
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Bases psicomotoras da aprendizagem e seus distúrbios
É importante que o professor conheça os principais aspectos do desenvolvimento psicomotor próprios de cada faixa etária, para identificar o que é considerado normal e patológico no desenvolvimento de cada indivíduo.
O corpo é um dos principais meios que permitem ao professor identificar,
por exemplo, o estado afetivo em que se encontram seus alunos. Uma criança pequena com passos indecisos e inseguros demonstra que ainda tem conquistas psicomotoras a atingir devido a sua maturação neurológica. No entanto, essa mesma
característica, quando observada numa criança maior, pode expressar uma condição de insegurança afetiva. Do mesmo modo, um atraso generalizado no desenvolvimento psicomotor pode indicar dificuldades cognitivas. A psicomotricidade
abrangre alguns elementos distintos que se integram na relação da criança com
o mundo físico e social. São eles: esquema corporal, lateralidade, estruturação
espacial, estruturação temporal, equilíbrio tônico-postural e coordenação motora.
Vejamos cada um, separadamente.
Esquema corporal
O esquema corporal envolve o domínio
do movimento e o conhecimento das dimensões, possibilidades e limites do próprio corpo. Uma criança que corre durante o recreio
e, involuntariamente, choca-se várias vezes
contra seus companheiros, ainda não domina
bem o seu corpo. Outro exemplo é o daquela criança que ao tentar passar por baixo de
um obstáculo esquece-se de dobrar as pernas
batendo a cabeça, fato que demonstra que ela
ainda não conhece as dimensões do seu corpo.
Dessa forma, podemos definir quatro etapas
do desenvolvimento do esquema corporal:
Inmagine.
O esquema corporal é um elemento básico indispensável para a formação
da personalidade. Refere-se ao modo como a criança percebe o seu próprio corpo. No início, essa percepção é difusa. O bebê, ao nascer, sequer sabe que possui
um corpo. Com o passar dos meses, gradativamente, ele vai adquirindo a noção
corporal, por meio das experiências sensoriais internas – dor e fome, por exemplo
– e das experiências externas, como as diferentes posições no colo do adulto. Experimentando o mundo que o rodeia, o pequeno ser percebe as dimensões de seu
corpo, os limites de sua ação e as possibilidades de operar sobre o mundo.
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Dimensões da Não-Aprendizagem
Corpo vivido – a criança percebe o seu corpo globalmente a partir das
sensações possibilitadas pela exploração do ambiente.
Conhecimento das partes do corpo – é a tomada de consciência de
cada segmento corporal, sua funcionalidade e seus nomes.
Orientação espaço-corporal – é uma atividade sensorial mais elaborada. Refere-se à consciência da posição que o corpo ocupa no espaço.
Organização espaço-corporal – após conhecer as partes do corpo, a
disposição e as possibilidades dele, a criança poderá adaptar melhor os
seus movimentos ao objetivo a ser alcançado.
Lateralidade
É o uso preferente que as pessoas fazem de uma das duas partes de seu
corpo. Porém, não há destros absolutos, nem canhotos totais. A dominância ou
preferência lateral é definida durante o crescimento do indivíduo e determina
qual lado do corpo será mais forte e mais ágil, seja ele o esquerdo ou o direito.
Para ter uma lateralidade bem definida, ao longo de seu desenvolvimento o
indivíduo precisa compreender que os membros do corpo não reagem da mesma
forma. Exemplo: ao pular com o pé esquerdo e depois com o pé direito, certa
criança perceberá que a reação corporal não foi a mesma.
A preferência lateral é definida por dados neurológicos, mas não podemos negar também a influência do meio sociocultural, uma vez que vivemos num
mundo feito praticamente para destros, tendo em vista o exemplo das carteiras
escolares e tesouras. Uma coisa é certa: cada um de nós tem como dominante uma
das mãos, um dos pés e um dos olhos, membros e órgãos com os quais desempenhamos melhor nossas funções.
Quando a lateralidade não está bem definida, podem ocorrer dificuldades na
aprendizagem da criança, mas é importante não confundirmos dominância lateral
com o conhecimento do que é esquerda e direita. Uma criança pode ser ensinada a
distinguir que a direita corresponde ao lado da mão que usa para escrever, mas tem
dificuldade em transpor esse conhecimento para outras situações, pois não percebe claramente a sua preferência lateral. Portanto, ensinar “direita-esquerda” para
a criança exige antes tudo que ela desenvolva a consciência sobre sua lateralidade.
Estruturação espacial
É a capacidade de estruturar o mundo exterior em relação ao próprio corpo e, posteriormente, também estruturar a própria percepção da posição dos
objetos entre si.
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Bases psicomotoras da aprendizagem e seus distúrbios
Isso implica em localizar objetos, perceber a velocidade de deslocamento
de si e do que está em volta, assim como a trajetória dos próprios movimentos.
Essa capacidade de localização possibilita antecipar o ponto do espaço que será
ocupado pelo próprio corpo ou por outro objeto móvel alguns segundos à frente.
Essa capacidade permite que o indivíduo regule seus deslocamentos em função
de seus objetivos.
Podemos dizer então que a estruturação espacial envolve a relação corpo–
espaço–tempo. A partir dela a criança vai construindo, processualmente, os conceitos de localização espacial: embaixo, em cima, ao lado, frente, atrás, entre, após etc.
Processualmente, a criança estrutura seu espaço a partir de suas experiências cotidianas, obtidas por meio de suas atitudes, como correr, reconhecer
seus próprios brinquedos e relacioná-los, brincar com seus colegas, dentre outras.
Podemos afirmar, portanto, que a integração de informações visuais, auditivas,
tátil-cinestésicas aliada a uma observação cuidadosa do ambiente, possibilitam à
criança desenvolver sua estruturação espacial. Vale notar, no entanto, que essa estruturação exige também um amplo desenvolvimento do esquema corporal, fundamental para a adequação de todos os movimentos de deslocamentos no espaço.
Vejamos quais são as quatro etapas que proporcionam a estruturação espacial de
modo integral:
Quatro etapas da estruturação espacial do indivíduo
Conhecimento das noções espaciais – momento em que se desenvolve a percepção das formas, tamanhos, quantidades.
Orientação espacial – etapa em que desenvolve o conhecimento das
posições e orientações dos objetos em relação ao seu corpo bem como
a outros objetos.
Organização espacial – fase de desenvolvimento da capacidade de
combinar diversas situações e orientações no espaço. Exemplo: jogo
do circuito em que a criança deve locomover-se no espaço tentando
encontrar o caminho que leva ao objetivo.
Compreensão das relações espaciais – momento em que se desenvolve a capacidade de raciocinar sobre um determinado espaço, antevendo seus elementos. Nessa fase, a criança também consegue perceber a relação entre o todo (físico-espacial) e suas partes.
Estruturação temporal
A estruturação temporal é a capacidade de se situar mentalmente no presente, passado e futuro de forma precisa.
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Dimensões da Não-Aprendizagem
Muitas de nossas ações dependem de sabermos nos localizar temporalmente. Termos como “antes”, “depois”, “ontem”, “hora”, “mês”, “durante”, “rápido”,
“devagar” são indícios de estruturação temporal. Para a criança, por sua vez, essas noções ainda são muito abstratas e por vezes difíceis de serem assimiladas.
Por isso, é importante que tais noções sejam ensinadas às crianças, instigando-as
a utilizarem os termos de estruturação temporal em seu dia-a-dia. A construção
da orientação temporal se dá a partir de quatro etapas.
Quatro etapas da estruturação temporal do indivíduo
Ordem e sucessão – momento em que se estabelece a percepção temporal da criança ou, em outras palavras, do conhecimento do que vem
antes e depois, da ordem em que os fatos aconteceram, ou ainda, do
que vem primeiro e por último;
Duração dos intervalos – é a percepção do que se passa devagar e
depressa; ou que dura muito e pouco; a diferença entre dia e hora, do
efêmero e do permanente;
Renovação cíclica de certos períodos – é a compreensão de que os
dias, meses, semanas, estações do ano se renovam em ciclos. Exemplo:
noção de que ao terminar o mês, começa-se a contar novamente os dias;
ou que um dia inicia-se com a manhã, passando à tarde e terminando
com a noite para que comece tudo novamente no dia seguinte;
Ritmo – é relação entre as noções de ordem, sucessão e alternância.
Exemplo: reproduzir estruturas rítmicas a partir de uma música.
Equilíbrio tônico-postural
É a capacidade de manter uma postura adequada, tanto em movimento
como em repouso. Para que a postura seja adequada, é importante que a posição e
o alinhamento das partes do corpo não exijam esforço ou tensões desnecessárias.
Uma criança que se senta de forma incorreta na carteira, concentrando o peso sobre um dos braços, por exemplo, apresenta uma falta de equilíbrio na organização
dos segmentos do corpo bem como na tensão muscular, sobrecarregando mais
uma parte do corpo, dificultando assim a realização do movimento da escrita.
O equilíbrio tônico-postural depende de diferentes variáveis, que podem
ser de natureza constitucional (predisposições genéticas) ou circunstancial (estado
nutricional, contexto de relações sociais, momento específico do desenvolvimento
etc.) Assim, é presumível que uma criança pequena ainda tenha dificuldade de
manter uma postura equilibrada. Ao mesmo tempo, o tônus muscular reflete claramente a dimensão afetiva da pessoa. É comum identificarmos, por exemplo,
quando uma pessoa está triste devido à sua postura cabisbaixa, sem energia nos
movimentos.
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Bases psicomotoras da aprendizagem e seus distúrbios
Coordenação motora
A coordenação motora é a capacidade de realizar um movimento ou uma
seqüência de movimentos com eficiência e economia de esforço. Apresenta quatro
aspectos distintos:
Coordenação dinâmica geral – refere-se aos movimentos do corpo
durante a locomoção, que não precisam ser guiados necessariamente
pela visão. Exemplo: cruzar os braços, trocar a marcha do carro.
Coordenação visomotora – refere-se aos movimentos que são guiados pela visão, envolvendo a orientação espaço-temporal e o esquema
corporal. Exemplo: lançar uma bola visando ao gol.
Coordenação óculo-manual – é a forma específica de coordenação
visomotora, presente nas atividades manuais. Exemplo: escrever, pintar, desenhar, etc.
Coordenação motora fina – é a habilidade de realizar movimentos
finos com as mãos. Todo movimento das mãos, que pode ou não ser
guiado pelos olhos. Exemplo: escrever, bordar, tocar piano.
O ato de escrever exige da criança a
conquista da coordenação motora fina, no
entanto, requer também o desenvolvimento
de uma boa coordenação óculo-manual, de
modo que a criança possa perceber os espaços da folha, as pautas, as margens e guiar
os movimentos da escrita adequadamente.
Inmagine.
A coordenação motora é um elemento básico à escrita, juntamente com a
estruturação espacial e a orientação temporal.
Psicomotricidade e
aprendizagem
O modo como se desenvolvem os elementos da psicomotricidade na criança
é fundamental para as aprendizagens escolares.
Como vimos, as crianças não nascem com noções prontas e definidas acerca
do esquema corporal, do espaço e do tempo. No entanto, sabemos o quanto essas
noções são fundamentais ao trabalho desenvolvido na escola. Por isso, é de fundamental importância que se proporcione o desenvolvimento psicomotor durante
período que antecede o da vida escolar da criança.
Por esse motivo que muitas das crianças que apresentam dificuldades de
aprendizagem possivelmente não tiveram chances suficientes para desenvolver
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Dimensões da Não-Aprendizagem
sua psicomotricidade em casa, quando pequenas. Nessas crianças, cujo esquema
corporal está mal constituído, os gestos são menos coordenados, sua escrita pode
ser lenta, além de apresentar problemas de ritmo na leitura.
Uma criança com problemas de lateralidade, devido à indefinição da sua
dominância lateral, pode apresentar dificuldade na orientação da escrita (da esquerda para a direita) e uma criança com problemas de orientação espacial pode
apresentar dificuldades em distinguir as diferentes posições entre as letras, confundindo-as.
Partindo da premissa de que a criança aprende com o corpo, é fundamental
que a escola crie ambientes e situações lúdicas que propiciem aos seus alunos
experiências de âmbito corporal, fato que lhes favorecerá a aprendizagem de conteúdos abstratos em idade mais madura.
A escola não deve ensinar apenas conceitos, tampouco a mecânica realização de exercícios com o corpo. Deve antes, visar fornecer ao aluno subsídios para
compreender e perceber seu corpo, de modo a construir na criança a consciência
do próprio eu físico-corporal, de suas possibilidades e limitações.
Distúrbios e perturbações
psicomotores: o que são?
Os distúrbios psicomotores correspondem às dificuldades na execução
de movimentos e na percepção do próprio corpo, do espaço, da postura do
corpo e do tempo.
Os distúrbios psicomotores geram dificuldades para a criança ao se integrar
ao meio, dificultando sua compreensão quanto aos conceitos considerados necessários à aprendizagem escolar. Esses obstáculos resultam em uma posição de
desigualdade da criança com relação ao grupo em que se insere, fato responsável
por algumas conseqüências negativas facilmente observáveis na conduta infantil,
tais como ansiedade, tensão, insegurança e, conseqüentemente, problemas emocionais que podem interferir nas suas atividades intelectuais e na sua adaptação
sócio-afetiva.
As crianças que apresentam distúrbios psicomotores podem apresentar algumas das características apresentadas a seguir:
problemas no equilíbrio do corpo;
dificuldade de pular corda;
dificuldade de andar de bicicleta;
dificuldade em se orientar no espaço;
movimentos desajeitados para a idade;
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Bases psicomotoras da aprendizagem e seus distúrbios
dificuldades na execução dos movimentos finos, em especial da escrita
(tais como o de não respeitar a linha do caderno, letra visivelmente irregular com traçado muito forte/fraco, dificuldade em recortar com precisão, dificuldade em respeitar os limites do traçado do desenho ao pintar,
letra muito grande/pequena, dificuldade em segurar o lápis para a escrita,
dificuldade em montar o jogo de encaixe.1
É comum a incidência de alunos com distúrbios psicomotores. Embora aparentemente normais essas crianças podem apresentar dificuldades para aprender.
Não é necessária a presença de uma lesão cerebral para que o distúrbio se
instale. Ele pode se originar de uma disfunção cerebral mínima, de um problema
físico, emocional e ainda da falta de estímulos.
Perturbações psicomotoras
Atraso no desenvolvimento psicomotor – a criança não é capaz de executar movimentos próprios para crianças de sua idade. Pode ser ocasionado por deficiência mental ou por questões emocionais.
Perturbações do equilíbrio – a criança tem um andar desajeitado, cai
com freqüência, choca-se com objetos e com outras crianças, corre com
o tronco do corpo voltado para frente.
Perturbações da coordenação – a criança é desajeitada, faltando harmonia em seus gestos, normalmente é lenta, tem dificuldade com recortes, em respeitar os limites das linhas e páginas ao escrever
Perturbações do esquema corporal – são perturbações de origem afetiva e estão relacionadas ao modo como a criança vê a si mesma. A criança não conhece as partes do seu corpo, não situa bem o seu corpo em
relação ao meio, seus gestos não são harmônicos, não coordena bem os
movimentos.
Perturbações da lateralidade – a criança não define claramente quais
as preferências laterais do pé, mão e olho, podendo apresentar uma lateralidade cruzada. Fica em dúvida sobre qual mão escolher. Utiliza força
com uma mão e precisão com outra.
Perturbações da estrutura espacial – dificuldade em compreender os
termos espaciais (dentro, fora, perto, longe, em cima, embaixo etc.). É
desorientada, perde-se facilmente, tem dificuldade em distinguir posições
espaciais, por exemplo: pode confundir d com b, pois são letras parecidas e que estão espacialmente postas de modo diferente. Pode apresentar
ainda dificuldade em organizar-se no tempo.
Perturbações do grafismo – dificuldade na coordenação motora, traçado irregular, rígido.
Perturbações afetivas – dificuldade da criança em expressar seus desejos e sentimentos e em realizar trocas afetivas.
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1
Jogo composto de peças
que se encaixam. Podem
ser de natureza pedagógica e
centrado em objetivos específicos, como encaixar formas
geométricas em uma superfície perfurada ou de natureza
lúdica, como no caso da montagem livre de formas variadas
como no caso do jogo de lego.
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Dimensões da Não-Aprendizagem
Distúrbios psicomotores
Vale destacarmos a distinção entre os distúrbios e as perturbações. Os distúrbios correspondem a um conjunto de disfunções enquanto que as perturbações
referem-se à dificuldade expressada em uma área psicomotora específica.
Vejamos agora alguns distúrbios psicomotores, de acordo com Ajuriaguerra
e Marcelli (1986):
Disgrafia – caracteriza-se por uma inabilidade da escrita manual, as letras podem ser mal grafadas, borradas ou incompletas sem que haja implicação de nenhum déficit neurológico.
Estudos sobre a disgrafia demonstram que ela freqüentemente esta associada a outras dificuldades, tais como problemas de organização motora, espaço-temporal, perturbações da linguagem e da leitura e distúrbios afetivos.
Debilidade motora – caracteriza-se pela associação dos seguintes sintomas:
a persistência de certa rigidez muscular, que pode aparecer nas quatro
extremidades do corpo ou somente em duas. Quando a criança caminha ou corre, os braços e as pernas se movimentam mal e rigidamente.
Isso faz com que apresente uma deselegância geral na posição estática
ou em movimento. A qualquer solicitação, interna ou externa, a rigidez aumenta;
a impossibilidade ou extrema dificuldade em obter um relaxamento
muscular ativo. Por exemplo: ao balançar o corpo de uma criança de
um lado para o outro a segurando pelos ombros, o movimento dos
braços na criança normal é livre e amplo; a criança com debilidade psicomotora apresenta-o muito limitado, como se os braços estivessem bloqueados. O mesmo ocorrerá se levantarmos os braços das
crianças até a altura dos ombros e os largarmos livremente;
a realização de movimentos desnecessários. Ou seja, quando se coloca um objeto numa das mãos da criança com debilidade motora
e pede-se a ela que o aperte fortemente, sua mão oposta também se
fechará. Outro teste é pedir-lhe que fique sobre um só pé, o que para
ela é impossível.
Em geral, as crianças com debilidade psicomotora apresentam:
distúrbios de linguagem (articulação, ritmo e simbolização);
hábitos manipuladores: enrolar o cabelo, chupar os dedos;
tremores na língua, nos lábios ou nas pálpebras, bem como nos dedos;
aparenta esforço exagerado na realização de uma determinada atividade motora, por exemplo: aperta demais o lápis com os dedos ou
sobre o caderno;
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Bases psicomotoras da aprendizagem e seus distúrbios
de disciplina difícil, pois podem parecer mais imaturas e com capacidade reduzida de controlar-se em função das exigências do meio;
atenção deficiente e coordenação motora pobre;
dificuldade de realizar movimentos finos;
afetividade e intelectualidade comprometidas;2
sonolência maior que a de outras crianças;
enurese3 noturna e até diurna por muitos anos;
isolamento social e crises de teimosia ou ansiedade ao enfrentarem
situações difíceis;
dificuldade na aprendizagem da leitura, escrita e aritmética.
Dispraxias – caracterizam-se pela existência de perturbações profundas
na organização do esquema corporal e na representação espaço-temporal. A criança possui uma dificuldade intensa em identificar as partes do
corpo e nomeá-las, muito embora não apresente problemas de linguagem. Tem dificuldade em imitar gestos na mesma intensidade.
Instabilidade psicomotora – é o tipo de distúrbio que mais tende a incomodar tanto a família quanto a escola devido às reações de instabilidade
e atividade constante que a criança apresenta. Nesse quadro predomina
uma atividade muscular contínua e incessante. As crianças com instabilidade psicomotora revelam:
instabilidade emocional e intelectual;
falta de atenção e concentração;
atividade muscular contínua. Parecem inquietas e estão sempre mexendo com as mãos e os pés, não terminam as tarefas iniciadas;
falta de coordenação geral e de coordenação motora fina;
equilíbrio prejudicado;
hiperatividade;
deficiência na formulação de conceitos e no processo da percepção:
discriminação de tamanho, orientação espaço-temporal, discriminação da figura-fundo etc.;
alteração da palavra e da comunicação, atraso na linguagem e distúrbios da palavra;
alteração da função motora: atraso nos níveis de desenvolvimento
motor e na maturidade geral;
alterações emocionais: são impulsivas, explosivas, destruidoras, sensíveis, frustram-se com facilidade;
características durante o sono: movimentam-se excessivamente enquanto dormem, fazem movimentos rítmicos com o corpo ou a cabeça
no travesseiro, apresentam terror noturno;
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2
O indivíduo que apresenta
esse sintoma geralmente
não é de sofrimento, mas com
indiferença e apatia, confundido freqüentemente com o
de deficientes intelectuais.
3
Urinar na cama ou nas roupas intencional ou involuntariamente, com idade de pelo
menos mais de 4 anos.
73
Dimensões da Não-Aprendizagem
alterações no processo do pensamento: dificuldade para abstrair, pensamento desorganizado, memória pobre, atenção deficiente;
características sociais: têm dificuldade de adaptação a situações novas
e facilmente deixam-se influenciar por outras crianças;
escolaridade: dificuldades na leitura, escrita e na aritmética (discalculia), lentidão nas tarefas, dificuldade de copiar do plano vertical para
o plano horizontal (da lousa para o caderno);
babam excessivamente quando pequenas, chupam o dedo, roem
unhas, têm dificuldade no controle dos esfíncteres e são de fácil fatigabilidade;
problemas disciplinares graves na família, na escola e na sociedade.
Nesse quadro, podem aparecer também os tiques. São movimentos automáticos, por isso, involuntários e incontroláveis. Repetem-se sempre
da mesma forma, independentemente da vontade da criança e em geral
começam depois dos 4 anos de idade.
Inibição psicomotora – caracteriza-se por um quadro muito próximo da
debilidade psicomotora só que com a presença constante da ansiedade.
As crianças com inibição psicomotora apresentam:
estado de ansiedade constante, isto é, sobrancelhas franzidas, cabeça
baixa, problemas de coordenação motora;
distúrbios de conduta;
distúrbios glandulares, de pele, circulatórios e tiques, além de enurese
e encoprese;
rendimento superior ao das crianças com debilidade psicomotora, mas
fracassam em provas individuais (exames, chamadas orais) por causa
da ansiedade.
Ao contrário dos outros tipos, os inibidos psicomotores apreciam situações novas e se comportam melhor quando estão em grupo.
Psicomotricidade e
as dificuldades de aprendizagem
O desenvolvimento psicomotor da criança em idade escolar requer o auxílio
constante do professor que, por meio da estimulação, pode atuar de forma preventiva sobre as dificuldades de aprendizagem.
A criação de uma atmosfera afetiva dá segurança ao aluno para se expressar. A organização e adequação do tempo e espaço pedagógico podem propiciar
à criança as experiências que lhes são necessárias para desenvolver seus aspectos
afetivo, cognitivo e motor de forma plena e saudável.
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Bases psicomotoras da aprendizagem e seus distúrbios
É importante que o professor conheça o desenvolvimento psicomotor da
criança para poder intervir sobre ele. Assim, uma observação cautelosa pode revelar se a criança apresenta perturbações de equilíbrio, coordenação, lateralidade,
esquema corporal etc.
A utilização de jogos e brincadeiras infantis são ferramentas importantes
no preparo do terreno para um aprendizado mais conceitual/abstrato. No entanto,
é importante que o professor tenha claro o seu objetivo ao utilizar esses artifícios
lúdicos como recursos educativos, para que se desenvolvam de forma efetiva as
habilidades psicomotoras necessárias à aprendizagem da criança.
1.
Discuta com seu grupo e apresente sugestões de atividades lúdicas que o professor pode realizar
junto às crianças para auxiliar no seu desenvolvimento psicomotor. Se possível, cite as habilidades psicomotoras que serão trabalhadas em cada atividade.
2.
De acordo com os estudos deste módulo, por que não podemos confundir lateralidade com noção de direita-esquerda?
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Dimensões da Não-Aprendizagem
3.
Para o professor, qual a importância do estudo do desenvolvimento psicomotor e do papel da
psicomotricidade na aprendizagem?
DE MEUR, A.; STAES, L. Psicomotricidade: educação e reeducação. São Paulo: Manole, 1991.
Esse livro é interessante para alunos e professores interessados em compreender o papel da
psicomotricidade para o processo de ensino e aprendizagem.
Numa linguagem clara, os autores fornecem informações sobre os problemas psicomotores e
trazem sugestões de atividades para a reeducação psicomotora no contexto escolar.
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Gabarito
Bases psicomotoras da aprendizagem e seus distúrbios
1.
A expressão psicomotora pode ser trabalhada por meio de brincadeiras e jogos que envolvam
o movimento do corpo, o raciocínio e a expressão afetiva. Por exemplo, o jogo das cadeiras é
uma brincadeira em que as crianças desenvolvem noções espaciais e temporais, a capacidade
de atenção e o equilíbrio. Quando a música pára, cada criança deve sentar em uma cadeira. A
criança que ficar sem cadeira sai do jogo. A cada rodada deve ser retirada uma cadeira da fila
até que, ao final sobrem apenas duas crianças e uma cadeira.
2.
A lateralidade é o reconhecimento de que as partes do corpo não respondem de maneira igual.
Por exemplo, ao erguer o braço direito para lançar uma bola, a criança preferiu esse braço e
não o outro porque tem consciência de que com ele seu desempenho será melhor. Assim, para
compreender os conceitos de direita esquerda é importante que a criança tenha desenvolvido a
sua consciência lateral.
3.
Quando o professor reconhece que a mente, o corpo e a afetividade são processos interdependentes, incorpora às suas estratégias pedagógicas ações que promovem a expressão da criança. Seus alunos aprendem melhor usando o corpo, participando concretamente das atividades.
Quando o professor ignora esse aspecto, pode gerar dificuldades de aprendizagem.
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