Responsabilidade Pré-Contratual do Empregador

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CEDES – CENTRO DE ESTUDOS DIREITO E SOCIEDADE – BOLETIM/JUNHO-JULHO DE 2007
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL DO EMPREGADOR
Paulo Guilherme Santos Périssé1
O contrato é a base jurídica sobre a qual se consolida a relação de trabalho.
Como um dos elementos estruturantes da própria relação de mercado sofre, no
entanto, no campo das relações de trabalho a influência de toda sorte de pressão por
parte dos movimentos organizados dos trabalhadores com a finalidade última de
melhor distribuir, entre empregadores e trabalhadores, os ganhos advindos do
exercício de qualquer atividade econômica. Desse contexto nasceu e se justifica até
hoje a existência de normas que regulam as relações de trabalho, sejam elas
produzidas a partir do Estado, via legislação, ou autonomamente, por parte dos
próprios interessados2.
Portanto, o contrato, mesmo em modelos como o brasileiro no qual a
normatização do trabalho parte preponderantemente da lei, possui significativa
importância para determinar a validade ou não de determinada ação empreendida
nesse campo. Justamente um dos aspectos nebulosos nesse cenário diz respeito às
eventuais responsabilidades dos empregadores para com os trabalhadores na fase que
antecede à contratação do empregado, ponto sobre o qual vou tecer alguns
comentários.
Num primeiro momento creio ser importante registrar que sob o ponto de vista
do direito estamos transitando no campo do chamado “acordo” de vontades, ou seja, o
contrato se justifica e tem validade por presumir que as partes interessadas foram
capazes de manifestar livremente sua vontade e chegar a algum consenso sobre seu
conteúdo3. Portanto, ao contratar, o trabalhador brasileiro já tem incorporados direitos
como férias ou décimo terceiro, por exemplo, não por vontade manifestada numa
1
Juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho e membro da coordenação do Centro de Estudos
Direito e Sociedade – CEDES. É mestre em sociologia pelo IUPERJ e doutorando nesta instituição.
2
O que por certo não afasta a existência de um mínimo de regulação, como estratégia para a
sobrevivência do próprio mercado.
3
Essa construção, por certo, tem validade meramente formal e a teoria social desde sempre debruçouse na crítica desse arranjo que, para o direito, justifica a relação contratual. Note, entretanto, que mesmo
aqui, sob a influência desse contexto externo, o direito incorporou normas mínimas, não negociáveis,
integradas a todos os contratos de trabalho destinadas a estabelecer o conteúdo mínimo desses
“acordos”. Resumidamente esse é o caráter, por exemplo, da CLT.
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negociação, mas por imposição legal presumindo-se que sem esse mecanismo poderia
ser pressionado a aceitar certas condições de trabalho desvantajosas e até mesmo
humanamente odiosas4.
Num
segundo
momento
pode-se
indagar,
então,
sobre
as
eventuais
responsabilidades do empregador em relação ao trabalhador quando ainda não
estabelecido o contrato, ou seja, antes da efetiva prestação dos serviços ou mesmo da
formalização desse “acordo” de vontades. Aqui a legislação trabalhista contida na CLT
e normas esparsas ainda não repercute por se tratar de um momento pré-contratual
que antecede ao ingresso desse pacto no campo das relações de trabalho
propriamente ditas. Mas será que eventuais lesões ou controvérsias nesse momento
fugiriam ao campo de ação do direito, permanecendo numa espécie de limbo jurídico,
isento de qualquer regulação ou proteção daquele economicamente mais fraco, o
trabalhador? Por certo isso não ocorre e nossos Tribunais já puderam manifestar-se
sobre esse assunto5.
O argumento com o qual se interpreta esse tipo de conflito é fundamentado nas
normas contidas no Código Civil aplicadas subsidiariamente ao direito do trabalho, nos
termos do artigo oitavo da CLT. Como regra geral, a proposta, uma vez formulada,
obrigará ao proponente (art.427 do Cód. Civil), vale dizer, o empregador passa a ter
responsabilidade por eventuais danos causados em função da frustração concreta e
culposa do contrato claramente proposto6. Por outro lado, situação distinta é a do précontrato, quando as partes trocam informações ainda sem um caráter conclusivo
quanto a proposta, apenas como forma de sondagem. Nessa circunstância é pouco
provável a responsabilidade do empregador em reparar eventuais danos sofridos pelo
trabalhador, justamente por conta do caráter precário desse vínculo cujo fim imediato é
verificar a viabilidade da eventual formulação da proposta.
Entretanto, ainda que raros os litígios levados aos Tribunais envolvendo esse
tema, o fato é que, seja em função da existência de uma proposta concreta, como na
fase das negociações pré-contratuais, a prática de atos que causem danos ao
trabalhador vai caracterizar o chamado ato ilícito e irá importar no dever de reparação
4
Basta perceber que mesmo com toda a regulação do mercado práticas como o “trabalho escravo”
persistem em nosso cenário justamente quando deixados os indivíduos à própria sorte, “livres”,
especialmente nas zonas de nossa fronteira agrícola.
5
Como se pode verificar na decisão do RO 00235-2006-055-03-00-7 do TRT da Terceira Região –
Relator Rogério Valle Ferreira.
6
É bem verdade que essa norma geral contempla uma série de exceções contidas no texto do Cód. Civil
(art. 427 e seguintes).
2
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(arts.186 e 927 do Cód. Civil). Esse é o caso, por exemplo, de eventuais despesas do
empregado durante uma fase de negociações consistentes destinadas à sua admissão
ou mesmo quanto a eventuais prejuízos decorrentes da recusa de outra proposta de
trabalho em função do negociado e ao final frustrado contrato.
Trata-se de uma hipótese pouco usual no âmbito dos contratos individuais nos
quais via de regra estarão envolvidos trabalhadores com pouco poder de negociação
de seu conteúdo7. No entanto, vale ressaltar a possibilidade de sua ocorrência do
ponto de vista prático e os limites para análise da eventual responsabilidade précontratual do empregador que serão dados diante das circunstâncias de cada caso, em
concreto.
7
O terreno mais fértil para esse tipo de polêmica é o campo das relações coletivas de trabalho.
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