Gilson Nunes, presidente da Brand Finance para a

Propaganda
Espaço Aberto
Gilson Nunes
Quanto
vale a sua
marca?
Até pouco tempo reduzida a uma questão puramente de
imagem, logomarca e design, a marca ocupa hoje posição de
destaque na cúpula das organizações em esfera mundial, e nos
últimos anos ganhou atenção também de empresários, investidores
e clientes no Brasil. Diante do novo cenário de globalização,
competitividade e de um mercado extremamente dinâmico
com consumidores cada vez mais bem informados e exigentes,
o princípio de que a marca representa apenas a imagem da
organização caiu por terra. E a reboque disso, o marketing
tradicional também está com os dias contados.
Em busca de vantagem competitiva sustentável de longo
prazo e de diferenciação real diante de produtos e serviços cada
vez mais parecidos, as organizações se debruçam sobre um novo
paradigma para trabalhar a marca e a cultura organizacional:
o branding. Sob essa nova perspectiva, a marca passa a ser
gerenciada por todas as pessoas na empresa, de maneira
integrada, e não exclusivamente pelo marketing, que permanece,
contudo, com um papel-chave.
Vivemos atualmente a transição para esse novo modelo de
gestão da marca trabalhado como cultura em todas as esferas
da organização, seja ela industrial, comercial ou prestadora de
serviços. E, sob essa nova ótica, a marca ganha status de ativo
estratégico e cria valor econômico para a empresa, que pode
inclusive superar os ativos tangíveis, exemplificado em casos como
a Amazon. Com o surgimento de técnicas de avaliação dos ativos
intangíveis, já é possível mensurar o impacto e o valor da marca na
performance financeira da empresa.
Por isso, a gestão estratégica da marca passa a ser fator
crucial para o sucesso ou fracasso de qualquer negócio. É o que
defende o economista Gilson Nunes, presidente da Brand Finance
para a América Latina, especializada na gestão e valoração
das marcas, com sede em Londres, na Inglaterra, e atuação em
20 países. Nunes arrisca dizer que a marca é a maior fonte de
valor corporativo das empresas neste século. E sustenta que as
organizações que não trabalharem o branding e tiverem um gap
entre a promessa e proposta de valor da marca e o que de fato é
entregue ao mercado estão fadadas a, no médio e longo prazo,
destruir totalmente o valor da sua marca.
Essas e outras questões podem ser conferidas na entrevista
concedida à revista AMBIENTE.
4
Ambiente – Gestão da marca é um tema que vem ganhando
cada vez mais importância. O que é marca?
Gilson Nunes – Marca é o que fica na relação entre a empresa
e o seu mercado, os seus públicos, compreendendo clientes,
fornecedores, formadores de opinião e qualquer outro que seja seu
público. É o que fica nessa relação do ponto de vista de percepção.
Desde o momento que você fabrica um produto, distribui e manda
entregar para o cliente, até o momento que o produto está na loja e
o cliente vai lá comprar, tudo isso interfere nessa relação e confere
percepções em torno de atributos, fatores ou indicadores que podem
reforçar ou não a percepção do cliente sobre a marca. Ele pode, por
exemplo, ter a percepção de que o atendimento da loja não foi bom e
de alguma maneira associa isso à marca. O cliente avalia a marca em
todas as instâncias, desde atendimento, embalagem, produto, SAC da
empresa, facilidade de compra, preço em relação aos concorrentes.
A marca representa todo esse universo e o conceito é sumarizado
nessa dinâmica de relacionamento entre a empresa ou as pessoas
que atuam na empresa com o público – os stakeholders da marca.
Ambiente – Você acredita que, hoje, as organizações estão
dando maior atenção à gestão das suas marcas?
Nunes – Certamente. Os temas marca, valor da marca, gestão
da marca, posicionamento e estratégia vêm ganhando cada vez
mais atenção no mundo todo há mais de seis anos e no Brasil de
uns três anos para cá. Hoje já se vai numa reunião de diretoria e
esse assunto está na pauta. As empresas, de maneira geral, e no
Brasil principalmente, nos últimos 10 anos focaram sua atenção na
redução de custos, competitividade, produtividade, reengenharia
e qualidade total. Isso tudo veio no bojo de melhorias de processo
dentro da fábrica, tudo olhando para dentro, do ponto de vista de
produção e distribuição. As organizações evoluíram muito nisso e a
tecnologia ajudou no processo. O fato é que hoje, tirando as talibãs,
todas produzem com qualidade, mais barato e com competitividade.
E os produtos ficaram muito parecidos. Tanto que nas pesquisas o
consumidor não vê mais diferenciação real no produto. Na última
década vivemos a gestão de produto e agora começamos a entrar na
gestão de marca. Porque depois que as empresas fizeram o programa
de qualidade, competitividade e custos, depararam-se com um novo
desafio: como vender mais e aumentar o faturamento? Para enfrentar
Joel Jordani
Entrevista:
isso elas têm que sair do foco interno, de dentro da fábrica, e olhar
para o mercado, para o seu público. Gerir custos em termos relativos
é fácil, porque se tem controle de tudo. Agora ir para o mercado e
convencer o consumidor a comprar o seu produto ou serviço e não do
concorrente não é simples. Aí entra a gestão de marca, fundamental
hoje para quem quer crescer e ter sucesso.
Ambiente – Se o branding é o único caminho possível, por que ele
é ainda tão falho na maioria das organizações? Muitos empresários
e executivos de marketing defendem que a marca e o branding são
importantes, mas não se empenham em levá-los realmente a sério.
Estamos diante de algo bastante sonhado, mas efetivamente pouco
praticado. Por quê?
Nunes – É uma realidade que varia de setor para setor e de
empresa para empresa. Se pegarmos o Google e a Scandian,
por exemplo, são grandes marcas da atualidade que trabalham o
branding no sentido que estamos falando. Mas empresas commodities
ou seculares, como a Gerdau, em função do período histórico que elas
têm no mercado e pelo porte, normalmente enfrentam um processo de
mudança mais doloroso e lento. A questão é que elas já perceberam
que têm que mudar a forma de trabalhar e que precisam atuar no
sentido do branding. Vamos conviver nos próximos anos com estruturas
antigas, sólidas e maduras mudando lentamente, porque operam em
mercados mais estáveis e também porque não existe processo de
mudança radical. Mudança radical só existe em crises. Uma coisa
é trabalhar o branding numa empresa madura, estagnada e com
poucos líderes de mercado. Outra é num mercado completamente
novo, como é o caso do Google, da Body for Sure e outras grandes
marcas que surgem a cada momento. Essa mudança de paradigma é
puxada principalmente por empresas desses novos segmentos, como
tecnologia, telecom, software, comunicação, todos mercados muitos
dinâmicos, e também por empresas que são líderes no seu mercado.
São elas que estão trazendo e disseminando a propagação do
branding, que veio para ficar.
Ambiente – O que podemos considerar uma marca forte e que
valores ela agrega?
Nunes – O conceito de marca forte traduz-se em uma empresa
que opera de maneira consistente, coerente, perene e sustentável
– isso é o branding. E significa não só criar uma proposta de valor
para seu público e trabalhar essa promessa do ponto de vista de
comunicação, publicidade e marketing de maneira geral, mas também
realmente cumprir, atender as necessidades, os valores, aquilo que o
público espera que a empresa faça. Marcas fortes trabalham para
que seu público seja cada vez mais leal, estabelecendo uma relação
de confiança e de identificação total entre a marca e o consumidor
a ponto de ele passar a ser advogado e defensor da marca. É como
torcedor de time de futebol, existe um aspecto emocional e filosófico
tão forte na relação que é muito superior a produto e serviço. Uma
marca forte é aquela que consegue levar cada vez mais seus
consumidores nesta direção, e obviamente para isso é preciso ter
produto bom, serviço bom, pós-venda bom, assistência técnica boa,
distribuição boa. É ser competente em processos, em tecnologia,
para entregar para o consumidor valores, necessidades. Uma marca
forte em última instância vira quase que um bem público, um ícone,
um símbolo para seu público. Temos como
exemplos Ferrari, Armani, Chanel, Natura. São
marcas inspiradoras, que passam a ter um poder
Na última década
de atração muito forte no mercado, todo mundo
vivemos a gestão
quer se relacionar com elas.
Ambiente – É possível definir um tempo
médio para a construção de uma marca?
Nunes – Depende muito do mercado. Tem
mercados mais comoditizados onde o processo
é mais longo e lento; já no segmento de
de produto e agora
tecnologia e nos mercados emergentes é muito
Ambiente – Como acontece o processo
mais rápido. A Vivo, por exemplo, foi construída
começamos a entrar
de construção e gestão de uma marca? Você
em quatro anos. O Google levou poucos anos.
acredita que o branding é o melhor caminho
na
gestão
da
marca,
Nestes mercados o processo é mais ágil, porque
para construir e consolidar uma marca?
se está atendendo uma necessidade latente da
fundamental para
Nunes – Usamos o termo branding para
população que não era atendida, e de altíssimo
diferenciar do marketing tradicional e na falta de
valor agregado. Quando se acerta em cheio as
quem
quer
crescer
outra palavra. O marketing tradicional continua
necessidades do cliente há essa explosão na
sendo importante, mas para quem realmente
e ter sucesso.
construção da marca, e se a empresa atende
quer construir uma marca forte no cenário atual,
bem no médio e longo prazo vai consolidando
no mercado globalizado, nesta nova dinâmica
a marca. Mas em média diria que, nos novos
de relacionamento e de comportamento do consumidor, o branding mercados, em três ou quatro anos é possível construir uma marca forte,
é o único caminho de diferenciação real. Ele é uma evolução do já numa indústria tradicional leva-se, em média, 10 anos. A Natura
marketing conservando alguns elementos. O que muda é a forma levou 15 anos para virar um ícone, nesse tempo ela saiu do zero, virou
e como fazer, a forma da empresa se relacionar com seu público. o mercado e bateu a Avon no mercado brasileiro de cosméticos.
E isso não é fácil porque exige um esforço muito grande de toda a
organização, não é do marketing sozinho, e exige anos de trabalho
Ambiente – Estas marcas que nasceram e se solidificaram num
sério, consistente e coerente. O que acontece é que a maioria curto espaço de tempo devem boa parte desse esforço ao investimento
das organizações vive do curto prazo, e no curto prazo acaba-se em publicidade? Ou seja, qual o peso da comunicação na construção
atropelando ações de branding. Muitas empresas focadas em vendas, de uma marca?
em resultado no curto prazo, começam a trabalhar com o branding e
Nunes – Nos novos mercados a comunicação é fundamental.
acabam em algum momento mudando e simplificando ou saindo do É diferente, por exemplo, da Natura que construiu a marca baseada
branding, exatamente por não ser uma coisa fácil de trabalhar. Nossa na experiência criada com o consumidor num mercado comoditizado
experiência (da Brand Finance) mostra que, em alguns casos, existe como é o de cosmético. Até um tempo atrás a marca era construída
problema de cultura com o pessoal de marketing das organizações intuitivamente, no cheiro, baseada na experiência, com fraquíssimo
até para compreender a importância que o branding tem para eles e investimento publicitário. Mas no caso de marcas como o Google,
como pode auxiliá-los. Vemos muitas questões do tipo: para que vou elas estão entrando num mercado novo onde a barreira de entrada
trabalhar meu branding? Que benefício terei com isso? Trabalhamos é muito limitada. Antigamente a barreira de entrada era a dificuldade
para mexer com a cultura dessas empresas e a resposta mais fácil é: de acesso à tecnologia, capital, investimentos que só milionários
você conhecerá o valor da marca, um diagnóstico para compreender podiam fazer. Hoje a barreira de entrada é o uso da tecnologia e da
o momento atual, esse processo em todas as etapas da empresa e inovação para criar uma necessidade no consumidor. E logo depois
a relação da marca com seu público. Tendo em mãos o diagnóstico a possibilidade de copiar e imitar é muito rápida. Antigamente para
e compreendida essa dinâmica, a organização pode trabalhar no copiar um produto demorava cinco anos e era necessário um grande
sentido de fortalecimento do mercado e da marca, desenvolvendo investimento, hoje, com a informação, conhecimento e tecnologia
ações com foco de curto, médio e longo prazo para trazer resultado disponíveis isso é extremamente veloz. O ciclo de vida dos produtos
econômico e lucratividade. Esse é o processo de gestão da marca, reduziu de 10, 15 anos para três meses em algumas indústrias. Então
porque ela é um ativo estratégico e como tal tem que fazer parte da é preciso ser veloz, mesmo na capacidade de inovação. E neste novo
estratégia da organização.
cenário tem que vir com um programa formal de construção de marca,
5
é um assunto para profissionais, não mais para aquele cara que
cria no fundo do quintal uma empresa e acha que com o tempo vai
construindo a sua marca. Hoje, especialmente nos novos mercados,
para se diferenciar logo, crescer e vencer a barreira de entrada é
necessário um programa de publicidade agressivo e forte, condizente
com o posicionamento, a estratégia e os valores da marca.
Ambiente – Você diria que é possível ter uma marca forte sem
investimento em publicidade?
Nunes – Sim. Mas depende do segmento, da indústria onde se
está atuando. Por exemplo, a Embraer levou 30 anos para construir
sua marca no mercado internacional, porque atua em um mercado
onde a credibilidade pesa acima de tudo. Hoje é uma marca de
sucesso construída lentamente a partir da experiência com o produto,
com o serviço, com a empresa, baseada na credibilidade, respeito
ao contrato, prazo de entrega, uma série de coisas, não adianta só
a publicidade porque ela sozinha é inócua. Não adianta a empresa
dizer: meus aviões não caem, são as melhores tecnologias do mundo.
O cliente só vai crer baseado na experiência de uso de longo prazo.
ovo ou a galinha. Eu diria o seguinte: o nascedouro de uma grande
marca sempre está associado a uma grande sacada, uma grande
inovação, um insight de demanda não atendida. Vamos pegar o
exemplo de concessionárias de automóveis, onde no geral são
todas ruins em termos de atendimento. Alguém que trabalha lá como
vendedor, um cara visionário, percebe que os clientes ficam insatisfeitos
e vê nisso uma oportunidade de abrir uma concessionária, inovar em
serviços e oferecer uma experiência positiva ao consumidor. Faz isso
e tem sucesso, cresce, às vezes numa taxa de 100% ao ano, sem
investimento de comunicação. No início o atendimento dessa demanda
latente foi o grande fator propulsor do sucesso do negócio. Cresce
durante certo tempo, porém chega um momento em que vai estagnar
porque o negócio se tornou complexo. Aí que entra o branding, será
necessário um programa formal para profissionalizar a empresa e a
gestão da marca, condizente com seu DNA, seus valores. Disso vai
depender a continuidade do sucesso e crescimento da empresa. Há
outras situações, como aconteceu com a IBM, que tem 100 anos.
Nos anos 80 a empresa entrou em crise financeira e precisou se
reinventar – foi a palavra que usou na época, na verdade ela fez
branding. Percebeu que o que estava produzindo não tinha mais valor
e diferencial para os clientes, e deu uma guinada com o oferecimento
de serviços, tecnologia de software, resgatou a essência da marca
que era inovadora e de ponta. Não foi uma mudança radical, porque
está no DNA da IBM essa capacidade inovadora de criar soluções
dentro do universo em que atua. Então depende também do momento
da marca.
Ambiente – Toda marca tem o seu DNA, a sua essência, o
seu brand territory onde o consumidor trafega e tem as percepções
em relação a essa marca. Até que ponto a comunicação pode dar
elasticidade e afastar a marca do seu DNA?
Nunes – Essa é a armadilha de criar um gap entre a promessa e
a ação, geralmente visto em ações de comunicação e de publicidade
distantes do que realmente a empresa é capaz de entregar para seu
público. Promete, mas não cumpre. Isso é muito
Ambiente – Quais são os erros mais comuns
comum acontecer, especialmente em empresas
na gestão de uma marca e o que pode destruíque trabalham o marketing tradicional, no qual se
la?
Hoje é preciso
acredita que construir marca é uma questão só
Nunes – O principal erro é prometer e
de imagem. Fazem uma campanha maravilhosa,
não cumprir. Esse é o pior de todos, porque
ser
veloz,
mesmo
vendem a idéia de um produto moderno,
quando a empresa lança uma campanha de
na capacidade de
inovador, com tecnologia avançada, e quando o
comunicação, inova no produto, na identidade
consumidor vai comprar o produto e experimentar
marca, faz ações de venda, altera o ambiente
inovação. Neste novo da
os serviços não é nada daquilo. O Unibanco caiu
de atendimento, o treinamento dos funcionários,
nessa armadilha recentemente com a campanha
todas essas ações criam uma expectativa no
cenário tem que vir
“o banco da sua vida”. A campanha publicitária
público, e se a empresa não for coerente e
com um programa
em si foi muito bem feita, mas quando a gente
consistente em todas essas promessas pode
olha para os elementos da marca, para o produto
formal de construção frustrar a expectativa. E frustrar significa quebrar
e os serviços, para as agências todas antigas.
o pacto de confiança com seu público. Porque o
da marca, um assunto consumidor percebe que está sendo enganado
O próprio logo do Unibanco é o mesmo desde
os anos 50, 60, sofreu inovação com o mote
e simplesmente deixa de comprar, às vezes
para profissionais.
“o banco da sua vida”, mas mesmo assim não
se torna também um multiplicador negativo
passa modernidade. Como é possível dizer que
da marca. Pesquisas mostram que 90% dos
é o banco da sua vida, que tem tecnologia de
consumidores insatisfeitos não dizem nada,
ponta, se o próprio logo, a identidade visual da empresa não passa simplesmente saem da loja e nunca mais voltam a comprar produtos
isso? É o tipo de truque mercadológico que se pode gastar milhões ou serviços dessa marca. Esse erro acaba sendo comum porque
e não terá efeito. Quem é cliente sabe que é enganação, porque ele as empresas ainda são geridas isoladamente, o marketing cuida
experimenta, vive a marca no dia-a-dia. E quem não é cliente sente o de publicidade, embalagem, desenvolvimento de novos produtos
cheiro de fumaça, porque é cliente de outro banco e sabe que bancos eventualmente, vendas é responsável por vender, distribuição por
não têm nada de banco da sua vida. A Assolan é outro exemplo entregar, produção por produzir, financeiro pelas contas. Não há
interessante. Ela entrou no mercado aproveitando a desgraça da uma integração e uma forma sistemática de trabalhar. O consumidor
Bombril que estava em crise financeira. Fez um investimento altíssimo, não quer saber se o problema está na distribuição, na entrega, no
R$ 55 milhões de publicidade no primeiro ano, lançou a marca do marketing, na comunicação, porque a marca é uma só, é quase uma
zero, e quer coisa mais commodity que palha de aço? Fez uma entidade para ele. A marca tem esse poder de personificar, e quando
campanha estrondosa e cresceu rápido, detém hoje quase 20% de a empresa promete e não cumpre corre o risco de, no médio e longo
mercado. Mas ela cresceu exatamente onde a Bombril não estava, prazo, destruir totalmente o valor da sua marca no mercado. Gestão
aproveitou aqueles consumidores indecisos ou que não estavam nem da marca é trabalhar toda a organização para cumprir a promessa
aí para a Bombril. Sabe quanto o market share da Bombril mudou? feita ao cliente.
A Assolan cresceu até bater na Bombril e estagnou, roubou meio por
cento, quando muito, de uma marca que tem quase 80% do mercado.
Ambiente – Como pode-se calcular ou mensurar o valor de uma
E a Bombril, com toda a crise, deixou de investir na marca e segurou marca?
numa boa. A Assolan fez um produto medíocre, sem inovação e
Nunes – Identificando e mapeando o processo de construção de
diferenciação, e entrou apenas com uma campanha de comunicação valor da marca no negócio. Isso significa saber quais são os indicadoresagressiva, que sozinha não se sustentou.
chave da marca, que variam de marca para marca, não há padrão. Os
indicadores pilares de cada marca são aqueles que medem a entrega
Ambiente – A partir de exemplos do mercado, normalmente das propostas de valor que a marca está propondo na relação com
as marcas nascem e são construídas de dentro (gestão) para fora seu público, utilizados no intangível da equação. Para identificar o
(comunicação), ou no processo inverso?
valor econômico temos que fazer o cruzamento, a correlação desses
Nunes – É a mesma coisa que perguntar quem nasce primeiro, o indicadores para saber como eles estão influenciando no negócio.
6
Joel Jordani
Então primeiro levantamos quais
são os valores mais importantes da
empresa, os KPIs (keep for indicators).
O desafio do trabalho é compreender
essa dinâmica, como os indicadores
intangíveis influenciam os KPIs da
empresa. Após o cruzamento com os
KPIs, cruzamos com o market share. E
finalmente conseguimos canalizar todo
esse processo para saber, por exemplo,
se as vendas estão aumentando, se a
receita está aumentando, se o custo
está sendo mais eficiente, se a marca
consegue influenciar o preço, se o
esforço de venda é menor porque
a marca tem mais cliente leal. O
processo de valoração da marca é
compreender esse processo, saber
como ele funciona e como isso traz
dinheiro para a empresa. Essa é a
metodologia em linhas gerais para
identificar o valor da marca.
vez mais relevante para o sucesso
das organizações. O branding prevê
exatamente isso, ele trabalha a marca
do ponto de vista cultural e considera
o relacionamento completo entre a
marca e seu público.
Ambiente – Na evolução
histórica do processo de construção
das marcas tivemos inicialmente a era
do logotipo, depois passamos para a
era da imagem e do design da marca
e hoje vivemos a fase de transição
para o branding. Neste novo cenário
como fica o papel das agências de
publicidade?
Nunes – O desafio para
as agências de publicidade é
exatamente encontrar o papel da
comunicação dentro do branding.
E mais: é matar a cobra e mostrar o
pau, ou seja, têm que provar para o
cliente que estão trazendo retorno,
Ambiente – Há casos de marcas
no curto, médio e longo prazo. Ou
e ativos intangíveis com valor superior
seja, as agências terão que ser mais
ou igual aos ativos tangíveis de uma
estratégicas. Algumas já perceberam
organização?
Nunes – Sim. A marca Coca
e estão se movendo, se equipando
Cola, por exemplo, considerada a mais valiosa do mundo, vale cerca com novas ferramentas, só que isso leva tempo. Vê-se muitas agências
de US$ 43 bilhões, e o valor da empresa é US$ 100 bilhões, então lançando empresas de consultoria em branding, marketing esportivo,
43% do valor de mercado da Coca Cola deve-se à marca. É bastante marketing de responsabilidade social. Porque elas sabem que têm
expressivo. Já nos setores mais novos, como web commerce, o intangível que trazer inteligência e estar vinculada ao negócio do cliente para
é predominante. Temos o exemplo da Amazon. A empresa vale US$ poder gerar valor. Elas terão que participar da estratégia do cliente,
25 bilhões e o intangível corresponde a 98% desse valor, quer dizer, dentro dele, não mais como executora de jobs. Por que até pouco
vale mais de US$ 23 bilhões. A Amazon praticamente vive da marca. tempo qual era o grande mérito da agência? É só olhar para Cannes.
Esse é um exemplo onde o intangível quase se confunde com o valor Tem um caso do mercado brasileiro envolvendo uma grande empresa
da empresa. No mercado de perfumes e de moda, marcas como de automóveis, cuja agência fez uma campanha para televisão e
Chanel e Armani se confundem com o negócio, o valor de mercado os diretores de marketing da empresa vetaram, porque não acharam
da empresa e o valor da marca quase são 100%.
condizente com a marca. E a agência fez um acordo com a empresa
porque queria concorrer em Cannes, e para isso tem que ter pelo
Ambiente – Qual é a vida útil de uma marca?
menos um mês de veiculação. Aí passou a campanha durante um
Nunes – Existe uma legislação internacional que trata de marca
como ativo estratégico das empresas e intangíveis de maneira geral mês numa cidade do Nordeste, das 2h às 3h da manhã. E ganhou
o prêmio. Ou seja, a criação da agência virou
que prevê o seguinte: o tangível tem uma vida
uma coisa nela mesma, distante da realidade do
útil, geralmente até 25 anos. O investimento
O
pior
erro
é
cliente. Por que Cannes não faz um prêmio da
é depreciado ao final desse período, existe o
agência que conseguiu criar e sustentar uma marca
valor residual, mas em tese não vale mais nada,
prometer e não
e trouxe o melhor resultado para o cliente? Esse é
é necessário renovar, investir novamente, ou seja,
o desafio que está lançado para as agências, elas
cumprir.
Quando
a
o ativo some. No caso do ativo intangível é ao
disso, as maiores principalmente, e existe um
contrário, ele se fortalece no tempo. Quanto mais
empresa promete e sabem
processo de transição porque elas têm que mudar
se investe na manutenção, no fortalecimento da
não cumpre corre o o modelo de negócio, a estrutura para atender os
marca, seu valor cresce como ativo e não há vida
útil definida, pode ultrapassar 50, 100 anos. Coca
risco de, no médio e clientes a partir do branding.
Cola tem mais de 100 anos, Shell tem 400 anos.
Ambiente – Como você vê o futuro do
longo prazo, destruir
Ambiente – Hoje temas como responsabiprocesso de construção e gestão da marca? É
totalmente o valor
lidade social, meio ambiente e crescimento suspossível antecipar cenários de como será daqui a
tentável fazem parte da gestão de grande parte
10 ou 20 anos?
da sua marca no
das corporações. Essas questões agregam valor
Nunes – O Brasil ainda está embrionário nessa
mercado.
à marca?
área, e nos próximos 10 anos ainda tem muito
Nunes – Com certeza. Hoje as pessoas não
trabalho a ser feito. A Mackenzie fez um estudo
se relacionam mais com produto ou serviço, se
mundial com os CEOs das principais empresas do
relacionam com a corporação. Os consumidores, pela maturidade e mundo que coloca a marca como o segundo tema mais importante
acesso à informação, querem saber cada vez mais quem está por trás para as organizações nos próximos 10 anos, atrás somente da
do produto ou serviço, se é uma empresa séria, idônea, de boa condu- inovação. Mas isso será um desafio grande, porque temos ainda
ta, que tem valores e crenças compatíveis com os seus. O consumidor uma estrutura tradicional de marketing, de pensamento, de cultura no
quer saber qual é o comportamento dessa marca no mercado. A es- mercado. E isso, infelizmente, leva tempo, principalmente para atingir a
sência e o posicionamento da marca vêm exatamente dessas crenças
pequena e a média empresa, por uma questão cultural principalmente
e da cultura da organização, desses valores que ela transmite para
do gestor. Mas elas também terão que mudar porque o mercado está
o produto e o serviço. Por isso, o investimento em responsabilidade
sócio-ambiental, saúde e governança corporativa passa a ser cada mudando.
7
Download