Espaço Aberto Gilson Nunes Quanto vale a sua marca? Até pouco tempo reduzida a uma questão puramente de imagem, logomarca e design, a marca ocupa hoje posição de destaque na cúpula das organizações em esfera mundial, e nos últimos anos ganhou atenção também de empresários, investidores e clientes no Brasil. Diante do novo cenário de globalização, competitividade e de um mercado extremamente dinâmico com consumidores cada vez mais bem informados e exigentes, o princípio de que a marca representa apenas a imagem da organização caiu por terra. E a reboque disso, o marketing tradicional também está com os dias contados. Em busca de vantagem competitiva sustentável de longo prazo e de diferenciação real diante de produtos e serviços cada vez mais parecidos, as organizações se debruçam sobre um novo paradigma para trabalhar a marca e a cultura organizacional: o branding. Sob essa nova perspectiva, a marca passa a ser gerenciada por todas as pessoas na empresa, de maneira integrada, e não exclusivamente pelo marketing, que permanece, contudo, com um papel-chave. Vivemos atualmente a transição para esse novo modelo de gestão da marca trabalhado como cultura em todas as esferas da organização, seja ela industrial, comercial ou prestadora de serviços. E, sob essa nova ótica, a marca ganha status de ativo estratégico e cria valor econômico para a empresa, que pode inclusive superar os ativos tangíveis, exemplificado em casos como a Amazon. Com o surgimento de técnicas de avaliação dos ativos intangíveis, já é possível mensurar o impacto e o valor da marca na performance financeira da empresa. Por isso, a gestão estratégica da marca passa a ser fator crucial para o sucesso ou fracasso de qualquer negócio. É o que defende o economista Gilson Nunes, presidente da Brand Finance para a América Latina, especializada na gestão e valoração das marcas, com sede em Londres, na Inglaterra, e atuação em 20 países. Nunes arrisca dizer que a marca é a maior fonte de valor corporativo das empresas neste século. E sustenta que as organizações que não trabalharem o branding e tiverem um gap entre a promessa e proposta de valor da marca e o que de fato é entregue ao mercado estão fadadas a, no médio e longo prazo, destruir totalmente o valor da sua marca. Essas e outras questões podem ser conferidas na entrevista concedida à revista AMBIENTE. 4 Ambiente – Gestão da marca é um tema que vem ganhando cada vez mais importância. O que é marca? Gilson Nunes – Marca é o que fica na relação entre a empresa e o seu mercado, os seus públicos, compreendendo clientes, fornecedores, formadores de opinião e qualquer outro que seja seu público. É o que fica nessa relação do ponto de vista de percepção. Desde o momento que você fabrica um produto, distribui e manda entregar para o cliente, até o momento que o produto está na loja e o cliente vai lá comprar, tudo isso interfere nessa relação e confere percepções em torno de atributos, fatores ou indicadores que podem reforçar ou não a percepção do cliente sobre a marca. Ele pode, por exemplo, ter a percepção de que o atendimento da loja não foi bom e de alguma maneira associa isso à marca. O cliente avalia a marca em todas as instâncias, desde atendimento, embalagem, produto, SAC da empresa, facilidade de compra, preço em relação aos concorrentes. A marca representa todo esse universo e o conceito é sumarizado nessa dinâmica de relacionamento entre a empresa ou as pessoas que atuam na empresa com o público – os stakeholders da marca. Ambiente – Você acredita que, hoje, as organizações estão dando maior atenção à gestão das suas marcas? Nunes – Certamente. Os temas marca, valor da marca, gestão da marca, posicionamento e estratégia vêm ganhando cada vez mais atenção no mundo todo há mais de seis anos e no Brasil de uns três anos para cá. Hoje já se vai numa reunião de diretoria e esse assunto está na pauta. As empresas, de maneira geral, e no Brasil principalmente, nos últimos 10 anos focaram sua atenção na redução de custos, competitividade, produtividade, reengenharia e qualidade total. Isso tudo veio no bojo de melhorias de processo dentro da fábrica, tudo olhando para dentro, do ponto de vista de produção e distribuição. As organizações evoluíram muito nisso e a tecnologia ajudou no processo. O fato é que hoje, tirando as talibãs, todas produzem com qualidade, mais barato e com competitividade. E os produtos ficaram muito parecidos. Tanto que nas pesquisas o consumidor não vê mais diferenciação real no produto. Na última década vivemos a gestão de produto e agora começamos a entrar na gestão de marca. Porque depois que as empresas fizeram o programa de qualidade, competitividade e custos, depararam-se com um novo desafio: como vender mais e aumentar o faturamento? Para enfrentar Joel Jordani Entrevista: isso elas têm que sair do foco interno, de dentro da fábrica, e olhar para o mercado, para o seu público. Gerir custos em termos relativos é fácil, porque se tem controle de tudo. Agora ir para o mercado e convencer o consumidor a comprar o seu produto ou serviço e não do concorrente não é simples. Aí entra a gestão de marca, fundamental hoje para quem quer crescer e ter sucesso. Ambiente – Se o branding é o único caminho possível, por que ele é ainda tão falho na maioria das organizações? Muitos empresários e executivos de marketing defendem que a marca e o branding são importantes, mas não se empenham em levá-los realmente a sério. Estamos diante de algo bastante sonhado, mas efetivamente pouco praticado. Por quê? Nunes – É uma realidade que varia de setor para setor e de empresa para empresa. Se pegarmos o Google e a Scandian, por exemplo, são grandes marcas da atualidade que trabalham o branding no sentido que estamos falando. Mas empresas commodities ou seculares, como a Gerdau, em função do período histórico que elas têm no mercado e pelo porte, normalmente enfrentam um processo de mudança mais doloroso e lento. A questão é que elas já perceberam que têm que mudar a forma de trabalhar e que precisam atuar no sentido do branding. Vamos conviver nos próximos anos com estruturas antigas, sólidas e maduras mudando lentamente, porque operam em mercados mais estáveis e também porque não existe processo de mudança radical. Mudança radical só existe em crises. Uma coisa é trabalhar o branding numa empresa madura, estagnada e com poucos líderes de mercado. Outra é num mercado completamente novo, como é o caso do Google, da Body for Sure e outras grandes marcas que surgem a cada momento. Essa mudança de paradigma é puxada principalmente por empresas desses novos segmentos, como tecnologia, telecom, software, comunicação, todos mercados muitos dinâmicos, e também por empresas que são líderes no seu mercado. São elas que estão trazendo e disseminando a propagação do branding, que veio para ficar. Ambiente – O que podemos considerar uma marca forte e que valores ela agrega? Nunes – O conceito de marca forte traduz-se em uma empresa que opera de maneira consistente, coerente, perene e sustentável – isso é o branding. E significa não só criar uma proposta de valor para seu público e trabalhar essa promessa do ponto de vista de comunicação, publicidade e marketing de maneira geral, mas também realmente cumprir, atender as necessidades, os valores, aquilo que o público espera que a empresa faça. Marcas fortes trabalham para que seu público seja cada vez mais leal, estabelecendo uma relação de confiança e de identificação total entre a marca e o consumidor a ponto de ele passar a ser advogado e defensor da marca. É como torcedor de time de futebol, existe um aspecto emocional e filosófico tão forte na relação que é muito superior a produto e serviço. Uma marca forte é aquela que consegue levar cada vez mais seus consumidores nesta direção, e obviamente para isso é preciso ter produto bom, serviço bom, pós-venda bom, assistência técnica boa, distribuição boa. É ser competente em processos, em tecnologia, para entregar para o consumidor valores, necessidades. Uma marca forte em última instância vira quase que um bem público, um ícone, um símbolo para seu público. Temos como exemplos Ferrari, Armani, Chanel, Natura. São marcas inspiradoras, que passam a ter um poder Na última década de atração muito forte no mercado, todo mundo vivemos a gestão quer se relacionar com elas. Ambiente – É possível definir um tempo médio para a construção de uma marca? Nunes – Depende muito do mercado. Tem mercados mais comoditizados onde o processo é mais longo e lento; já no segmento de de produto e agora tecnologia e nos mercados emergentes é muito Ambiente – Como acontece o processo mais rápido. A Vivo, por exemplo, foi construída começamos a entrar de construção e gestão de uma marca? Você em quatro anos. O Google levou poucos anos. acredita que o branding é o melhor caminho na gestão da marca, Nestes mercados o processo é mais ágil, porque para construir e consolidar uma marca? se está atendendo uma necessidade latente da fundamental para Nunes – Usamos o termo branding para população que não era atendida, e de altíssimo diferenciar do marketing tradicional e na falta de valor agregado. Quando se acerta em cheio as quem quer crescer outra palavra. O marketing tradicional continua necessidades do cliente há essa explosão na sendo importante, mas para quem realmente e ter sucesso. construção da marca, e se a empresa atende quer construir uma marca forte no cenário atual, bem no médio e longo prazo vai consolidando no mercado globalizado, nesta nova dinâmica a marca. Mas em média diria que, nos novos de relacionamento e de comportamento do consumidor, o branding mercados, em três ou quatro anos é possível construir uma marca forte, é o único caminho de diferenciação real. Ele é uma evolução do já numa indústria tradicional leva-se, em média, 10 anos. A Natura marketing conservando alguns elementos. O que muda é a forma levou 15 anos para virar um ícone, nesse tempo ela saiu do zero, virou e como fazer, a forma da empresa se relacionar com seu público. o mercado e bateu a Avon no mercado brasileiro de cosméticos. E isso não é fácil porque exige um esforço muito grande de toda a organização, não é do marketing sozinho, e exige anos de trabalho Ambiente – Estas marcas que nasceram e se solidificaram num sério, consistente e coerente. O que acontece é que a maioria curto espaço de tempo devem boa parte desse esforço ao investimento das organizações vive do curto prazo, e no curto prazo acaba-se em publicidade? Ou seja, qual o peso da comunicação na construção atropelando ações de branding. Muitas empresas focadas em vendas, de uma marca? em resultado no curto prazo, começam a trabalhar com o branding e Nunes – Nos novos mercados a comunicação é fundamental. acabam em algum momento mudando e simplificando ou saindo do É diferente, por exemplo, da Natura que construiu a marca baseada branding, exatamente por não ser uma coisa fácil de trabalhar. Nossa na experiência criada com o consumidor num mercado comoditizado experiência (da Brand Finance) mostra que, em alguns casos, existe como é o de cosmético. Até um tempo atrás a marca era construída problema de cultura com o pessoal de marketing das organizações intuitivamente, no cheiro, baseada na experiência, com fraquíssimo até para compreender a importância que o branding tem para eles e investimento publicitário. Mas no caso de marcas como o Google, como pode auxiliá-los. Vemos muitas questões do tipo: para que vou elas estão entrando num mercado novo onde a barreira de entrada trabalhar meu branding? Que benefício terei com isso? Trabalhamos é muito limitada. Antigamente a barreira de entrada era a dificuldade para mexer com a cultura dessas empresas e a resposta mais fácil é: de acesso à tecnologia, capital, investimentos que só milionários você conhecerá o valor da marca, um diagnóstico para compreender podiam fazer. Hoje a barreira de entrada é o uso da tecnologia e da o momento atual, esse processo em todas as etapas da empresa e inovação para criar uma necessidade no consumidor. E logo depois a relação da marca com seu público. Tendo em mãos o diagnóstico a possibilidade de copiar e imitar é muito rápida. Antigamente para e compreendida essa dinâmica, a organização pode trabalhar no copiar um produto demorava cinco anos e era necessário um grande sentido de fortalecimento do mercado e da marca, desenvolvendo investimento, hoje, com a informação, conhecimento e tecnologia ações com foco de curto, médio e longo prazo para trazer resultado disponíveis isso é extremamente veloz. O ciclo de vida dos produtos econômico e lucratividade. Esse é o processo de gestão da marca, reduziu de 10, 15 anos para três meses em algumas indústrias. Então porque ela é um ativo estratégico e como tal tem que fazer parte da é preciso ser veloz, mesmo na capacidade de inovação. E neste novo estratégia da organização. cenário tem que vir com um programa formal de construção de marca, 5 é um assunto para profissionais, não mais para aquele cara que cria no fundo do quintal uma empresa e acha que com o tempo vai construindo a sua marca. Hoje, especialmente nos novos mercados, para se diferenciar logo, crescer e vencer a barreira de entrada é necessário um programa de publicidade agressivo e forte, condizente com o posicionamento, a estratégia e os valores da marca. Ambiente – Você diria que é possível ter uma marca forte sem investimento em publicidade? Nunes – Sim. Mas depende do segmento, da indústria onde se está atuando. Por exemplo, a Embraer levou 30 anos para construir sua marca no mercado internacional, porque atua em um mercado onde a credibilidade pesa acima de tudo. Hoje é uma marca de sucesso construída lentamente a partir da experiência com o produto, com o serviço, com a empresa, baseada na credibilidade, respeito ao contrato, prazo de entrega, uma série de coisas, não adianta só a publicidade porque ela sozinha é inócua. Não adianta a empresa dizer: meus aviões não caem, são as melhores tecnologias do mundo. O cliente só vai crer baseado na experiência de uso de longo prazo. ovo ou a galinha. Eu diria o seguinte: o nascedouro de uma grande marca sempre está associado a uma grande sacada, uma grande inovação, um insight de demanda não atendida. Vamos pegar o exemplo de concessionárias de automóveis, onde no geral são todas ruins em termos de atendimento. Alguém que trabalha lá como vendedor, um cara visionário, percebe que os clientes ficam insatisfeitos e vê nisso uma oportunidade de abrir uma concessionária, inovar em serviços e oferecer uma experiência positiva ao consumidor. Faz isso e tem sucesso, cresce, às vezes numa taxa de 100% ao ano, sem investimento de comunicação. No início o atendimento dessa demanda latente foi o grande fator propulsor do sucesso do negócio. Cresce durante certo tempo, porém chega um momento em que vai estagnar porque o negócio se tornou complexo. Aí que entra o branding, será necessário um programa formal para profissionalizar a empresa e a gestão da marca, condizente com seu DNA, seus valores. Disso vai depender a continuidade do sucesso e crescimento da empresa. Há outras situações, como aconteceu com a IBM, que tem 100 anos. Nos anos 80 a empresa entrou em crise financeira e precisou se reinventar – foi a palavra que usou na época, na verdade ela fez branding. Percebeu que o que estava produzindo não tinha mais valor e diferencial para os clientes, e deu uma guinada com o oferecimento de serviços, tecnologia de software, resgatou a essência da marca que era inovadora e de ponta. Não foi uma mudança radical, porque está no DNA da IBM essa capacidade inovadora de criar soluções dentro do universo em que atua. Então depende também do momento da marca. Ambiente – Toda marca tem o seu DNA, a sua essência, o seu brand territory onde o consumidor trafega e tem as percepções em relação a essa marca. Até que ponto a comunicação pode dar elasticidade e afastar a marca do seu DNA? Nunes – Essa é a armadilha de criar um gap entre a promessa e a ação, geralmente visto em ações de comunicação e de publicidade distantes do que realmente a empresa é capaz de entregar para seu público. Promete, mas não cumpre. Isso é muito Ambiente – Quais são os erros mais comuns comum acontecer, especialmente em empresas na gestão de uma marca e o que pode destruíque trabalham o marketing tradicional, no qual se la? Hoje é preciso acredita que construir marca é uma questão só Nunes – O principal erro é prometer e de imagem. Fazem uma campanha maravilhosa, não cumprir. Esse é o pior de todos, porque ser veloz, mesmo vendem a idéia de um produto moderno, quando a empresa lança uma campanha de na capacidade de inovador, com tecnologia avançada, e quando o comunicação, inova no produto, na identidade consumidor vai comprar o produto e experimentar marca, faz ações de venda, altera o ambiente inovação. Neste novo da os serviços não é nada daquilo. O Unibanco caiu de atendimento, o treinamento dos funcionários, nessa armadilha recentemente com a campanha todas essas ações criam uma expectativa no cenário tem que vir “o banco da sua vida”. A campanha publicitária público, e se a empresa não for coerente e com um programa em si foi muito bem feita, mas quando a gente consistente em todas essas promessas pode olha para os elementos da marca, para o produto formal de construção frustrar a expectativa. E frustrar significa quebrar e os serviços, para as agências todas antigas. o pacto de confiança com seu público. Porque o da marca, um assunto consumidor percebe que está sendo enganado O próprio logo do Unibanco é o mesmo desde os anos 50, 60, sofreu inovação com o mote e simplesmente deixa de comprar, às vezes para profissionais. “o banco da sua vida”, mas mesmo assim não se torna também um multiplicador negativo passa modernidade. Como é possível dizer que da marca. Pesquisas mostram que 90% dos é o banco da sua vida, que tem tecnologia de consumidores insatisfeitos não dizem nada, ponta, se o próprio logo, a identidade visual da empresa não passa simplesmente saem da loja e nunca mais voltam a comprar produtos isso? É o tipo de truque mercadológico que se pode gastar milhões ou serviços dessa marca. Esse erro acaba sendo comum porque e não terá efeito. Quem é cliente sabe que é enganação, porque ele as empresas ainda são geridas isoladamente, o marketing cuida experimenta, vive a marca no dia-a-dia. E quem não é cliente sente o de publicidade, embalagem, desenvolvimento de novos produtos cheiro de fumaça, porque é cliente de outro banco e sabe que bancos eventualmente, vendas é responsável por vender, distribuição por não têm nada de banco da sua vida. A Assolan é outro exemplo entregar, produção por produzir, financeiro pelas contas. Não há interessante. Ela entrou no mercado aproveitando a desgraça da uma integração e uma forma sistemática de trabalhar. O consumidor Bombril que estava em crise financeira. Fez um investimento altíssimo, não quer saber se o problema está na distribuição, na entrega, no R$ 55 milhões de publicidade no primeiro ano, lançou a marca do marketing, na comunicação, porque a marca é uma só, é quase uma zero, e quer coisa mais commodity que palha de aço? Fez uma entidade para ele. A marca tem esse poder de personificar, e quando campanha estrondosa e cresceu rápido, detém hoje quase 20% de a empresa promete e não cumpre corre o risco de, no médio e longo mercado. Mas ela cresceu exatamente onde a Bombril não estava, prazo, destruir totalmente o valor da sua marca no mercado. Gestão aproveitou aqueles consumidores indecisos ou que não estavam nem da marca é trabalhar toda a organização para cumprir a promessa aí para a Bombril. Sabe quanto o market share da Bombril mudou? feita ao cliente. A Assolan cresceu até bater na Bombril e estagnou, roubou meio por cento, quando muito, de uma marca que tem quase 80% do mercado. Ambiente – Como pode-se calcular ou mensurar o valor de uma E a Bombril, com toda a crise, deixou de investir na marca e segurou marca? numa boa. A Assolan fez um produto medíocre, sem inovação e Nunes – Identificando e mapeando o processo de construção de diferenciação, e entrou apenas com uma campanha de comunicação valor da marca no negócio. Isso significa saber quais são os indicadoresagressiva, que sozinha não se sustentou. chave da marca, que variam de marca para marca, não há padrão. Os indicadores pilares de cada marca são aqueles que medem a entrega Ambiente – A partir de exemplos do mercado, normalmente das propostas de valor que a marca está propondo na relação com as marcas nascem e são construídas de dentro (gestão) para fora seu público, utilizados no intangível da equação. Para identificar o (comunicação), ou no processo inverso? valor econômico temos que fazer o cruzamento, a correlação desses Nunes – É a mesma coisa que perguntar quem nasce primeiro, o indicadores para saber como eles estão influenciando no negócio. 6 Joel Jordani Então primeiro levantamos quais são os valores mais importantes da empresa, os KPIs (keep for indicators). O desafio do trabalho é compreender essa dinâmica, como os indicadores intangíveis influenciam os KPIs da empresa. Após o cruzamento com os KPIs, cruzamos com o market share. E finalmente conseguimos canalizar todo esse processo para saber, por exemplo, se as vendas estão aumentando, se a receita está aumentando, se o custo está sendo mais eficiente, se a marca consegue influenciar o preço, se o esforço de venda é menor porque a marca tem mais cliente leal. O processo de valoração da marca é compreender esse processo, saber como ele funciona e como isso traz dinheiro para a empresa. Essa é a metodologia em linhas gerais para identificar o valor da marca. vez mais relevante para o sucesso das organizações. O branding prevê exatamente isso, ele trabalha a marca do ponto de vista cultural e considera o relacionamento completo entre a marca e seu público. Ambiente – Na evolução histórica do processo de construção das marcas tivemos inicialmente a era do logotipo, depois passamos para a era da imagem e do design da marca e hoje vivemos a fase de transição para o branding. Neste novo cenário como fica o papel das agências de publicidade? Nunes – O desafio para as agências de publicidade é exatamente encontrar o papel da comunicação dentro do branding. E mais: é matar a cobra e mostrar o pau, ou seja, têm que provar para o cliente que estão trazendo retorno, Ambiente – Há casos de marcas no curto, médio e longo prazo. Ou e ativos intangíveis com valor superior seja, as agências terão que ser mais ou igual aos ativos tangíveis de uma estratégicas. Algumas já perceberam organização? Nunes – Sim. A marca Coca e estão se movendo, se equipando Cola, por exemplo, considerada a mais valiosa do mundo, vale cerca com novas ferramentas, só que isso leva tempo. Vê-se muitas agências de US$ 43 bilhões, e o valor da empresa é US$ 100 bilhões, então lançando empresas de consultoria em branding, marketing esportivo, 43% do valor de mercado da Coca Cola deve-se à marca. É bastante marketing de responsabilidade social. Porque elas sabem que têm expressivo. Já nos setores mais novos, como web commerce, o intangível que trazer inteligência e estar vinculada ao negócio do cliente para é predominante. Temos o exemplo da Amazon. A empresa vale US$ poder gerar valor. Elas terão que participar da estratégia do cliente, 25 bilhões e o intangível corresponde a 98% desse valor, quer dizer, dentro dele, não mais como executora de jobs. Por que até pouco vale mais de US$ 23 bilhões. A Amazon praticamente vive da marca. tempo qual era o grande mérito da agência? É só olhar para Cannes. Esse é um exemplo onde o intangível quase se confunde com o valor Tem um caso do mercado brasileiro envolvendo uma grande empresa da empresa. No mercado de perfumes e de moda, marcas como de automóveis, cuja agência fez uma campanha para televisão e Chanel e Armani se confundem com o negócio, o valor de mercado os diretores de marketing da empresa vetaram, porque não acharam da empresa e o valor da marca quase são 100%. condizente com a marca. E a agência fez um acordo com a empresa porque queria concorrer em Cannes, e para isso tem que ter pelo Ambiente – Qual é a vida útil de uma marca? menos um mês de veiculação. Aí passou a campanha durante um Nunes – Existe uma legislação internacional que trata de marca como ativo estratégico das empresas e intangíveis de maneira geral mês numa cidade do Nordeste, das 2h às 3h da manhã. E ganhou o prêmio. Ou seja, a criação da agência virou que prevê o seguinte: o tangível tem uma vida uma coisa nela mesma, distante da realidade do útil, geralmente até 25 anos. O investimento O pior erro é cliente. Por que Cannes não faz um prêmio da é depreciado ao final desse período, existe o agência que conseguiu criar e sustentar uma marca valor residual, mas em tese não vale mais nada, prometer e não e trouxe o melhor resultado para o cliente? Esse é é necessário renovar, investir novamente, ou seja, o desafio que está lançado para as agências, elas cumprir. Quando a o ativo some. No caso do ativo intangível é ao disso, as maiores principalmente, e existe um contrário, ele se fortalece no tempo. Quanto mais empresa promete e sabem processo de transição porque elas têm que mudar se investe na manutenção, no fortalecimento da não cumpre corre o o modelo de negócio, a estrutura para atender os marca, seu valor cresce como ativo e não há vida útil definida, pode ultrapassar 50, 100 anos. Coca risco de, no médio e clientes a partir do branding. Cola tem mais de 100 anos, Shell tem 400 anos. Ambiente – Como você vê o futuro do longo prazo, destruir Ambiente – Hoje temas como responsabiprocesso de construção e gestão da marca? É totalmente o valor lidade social, meio ambiente e crescimento suspossível antecipar cenários de como será daqui a tentável fazem parte da gestão de grande parte 10 ou 20 anos? da sua marca no das corporações. Essas questões agregam valor Nunes – O Brasil ainda está embrionário nessa mercado. à marca? área, e nos próximos 10 anos ainda tem muito Nunes – Com certeza. Hoje as pessoas não trabalho a ser feito. A Mackenzie fez um estudo se relacionam mais com produto ou serviço, se mundial com os CEOs das principais empresas do relacionam com a corporação. Os consumidores, pela maturidade e mundo que coloca a marca como o segundo tema mais importante acesso à informação, querem saber cada vez mais quem está por trás para as organizações nos próximos 10 anos, atrás somente da do produto ou serviço, se é uma empresa séria, idônea, de boa condu- inovação. Mas isso será um desafio grande, porque temos ainda ta, que tem valores e crenças compatíveis com os seus. O consumidor uma estrutura tradicional de marketing, de pensamento, de cultura no quer saber qual é o comportamento dessa marca no mercado. A es- mercado. E isso, infelizmente, leva tempo, principalmente para atingir a sência e o posicionamento da marca vêm exatamente dessas crenças pequena e a média empresa, por uma questão cultural principalmente e da cultura da organização, desses valores que ela transmite para do gestor. Mas elas também terão que mudar porque o mercado está o produto e o serviço. Por isso, o investimento em responsabilidade sócio-ambiental, saúde e governança corporativa passa a ser cada mudando. 7