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FILOSOFIA/SOCIOLOGIA - PROFESSOR(A): DUMAS
ALUNO(A): ________________________________________
SÉRIE(S): 3° ANO/CURSO MAT/VESP UNIDADE(S): CENTRO/SUL TURMA:
________
A questão da Liberdade na obra:
Existencialismo é um Humanismo de Jean-Paul Sartre.
Amarildo Fernando de Almeida1
I. INTRODUÇÃO
No presente artigo, nosso objetivo maior foi tecer considerações acerca
dos conceitos
que consideramos fundamentais na questão da liberdade no
pensamento de Jean-Paul Sartre
(1905-1980) em sua obra: Existencialismo é um Humanismo.2*
Consideramos necessário antes de penetrarmos a nossa questão
propriamente dita
trabalharmos em questões preliminares, que são: contexto histórico e o
encontro de Sartre
com a fenomenologia de Husserl. Estas questões nos ajudarão a
compreender melhor o
pensamento de Sartre, pois estas revelam as exigências e preocupações
de sua época e o
método que ele utilizou para fazer a sua análise, para dar a sua
resposta.
É preciso levar em conta no presente artigo, “nossa limitação”.
Evidentemente que a
limitação é quase um desafio de nos superarmos no entendimento, na
reflexão e na análise,
não só do pensamento sartreano, mas do existencialismo, que
representa uma atitude
filosófica impregnada do desejo, da busca do homem do nosso século,
o pensar acerca do
sentido da própria existência.
1 Professor de Filosofia e Cultura Religiosa – Pontifícia Universidade
Católica de Minas / Serro e Guanhães
2 Conferência, livro-síntese das idéias fundamentais de Sartre e do
Existencialismo em geral. Sartre proferiu esta
conferência pela primeira vez em 1946 no Club Mainternart, Paris. O
interesse desta conferência foi mostrar que
o existencialismo não é uma bela teoria de vida, mas é uma filosofia de
ação.
1
II. Contexto histórico e o encontro de Sartre com a Fenomenologia
de Husserl.
Sabemos pelos relatos (livros, documentos...) da história mundial, que
sempre
existiram lutas, guerras entre os homens, mas essas lutas, guerras, no
século XX tornaram-se
mais sofisticadas (gases asfixiantes, metralhadoras, balas explosivas,
canhões, tanques,
navios, bomba atômica...). As guerras tornaram-se mais eficazes.
Nunca tivemos tantos
mortos, tanta destruição em tão pouco tempo. O que o homem levou
anos para construir em
poucos segundos era destruído.
Foi também no século XX que o homem pôde constatar, efetivamente,
que existia uma
outra possibilidade no modo de viver, um novo tipo de sociedade, uma
sociedade diferente da
sociedade capitalista. Esta nova sociedade foi possível de ser
implantada graças a milhões de
mortos. Esta nova sociedade deu-se efetivamente na Revolução Russa
(1917).
A quebra da Bolsa de Nova York (1929) também contribuiu para
agravar os
problemas do século: fome, desemprego, mortos, países ricos
pressionando os países pobres,
os países pobres querendo vender as suas mercadorias, por exemplo, o
Brasil precisava vender
o seu café – base de toda nossa economia da época; mas vender para
quem se ninguém tinha
dinheiro. Foi uma “quebradeira geral”.
Não podemos negar que existiram avanços neste século, pois a ciência
e a tecnologia
estão aí e são notórias as contribuições que elas alcançaram, tiveram.
No entanto, a exaltação
do saber científico, tecnológico, deve ser, é questionado, criticado,
pois aquilo que foi
prometido não foi cumprido: melhoria de vida da condição humana.
Neste clima de crise (econômica, política, moral, social, religiosa...)
surgem várias
questões: o que está acontecendo? Onde está a verdade?
Muitos jovens que viveram neste contexto histórico, mais
precisamente, entre as duas
grandes guerras mundiais, procuraram respostas. Eles buscaram a
verdade, pois perceberam
2
que a verdade não estava naquilo que eles tinham aprendido (o bem e
o mal eram distintos,
separados; a ciência responde tudo, a ciência é uma deusa), mas que a
vida era cheia de
ambigüidades, que a ciência não responde tudo, ela esta presa a
interesse de uma determinada
sociedade.3¹
A Filosofia surge como uma nova paixão, como uma resposta para
esses angustiados e
atraídos pelo sentido da existência humana. Desvendar o sentido da
existência humana para
esses jovens passou a ser uma questão de sobrevivência.
“É por isso que os existencialistas, filósofos por excelência dos anos
50, que se
definiram como aqueles que têm o gosto pela evidência.”4²
Dentre esses jovens estava Jean-Paul Sartre, que como ele próprio nos
relata na sua
obra O Testamento de Sartre:
Entre 1939 e 1945 não fazia política. Me ocupava de literatura, vivia
com meus
amigos, era feliz... Subitamente estourou a guerra e, aos poucos,
sobretudo depois da
derrota e da ocupação alemã, eu me senti completamente privado do
mundo que eu
acreditava ter diante de mim. Encontrei-me diante de um mundo de
miséria, de
malefícios e desespero. Mas recusei esta possibilidade de desespero
que tão
frequente à minha volta e aliei-me a amigos que não se desesperaram,
que pensavam
no que era possível fazer, lutar por um futuro feliz, embora no
momento parecesse
não existir absolutamente qualquer possibilidade de existência para
este futuro.5³
Resta-nos uma questão: não existiram antes do século XX homens que
preocuparam
com a que tão da existência humana, pois fica parecendo que somente
no século XX o homem
foi preocupar com esta questão?
Podemos afirmar que não, nos séculos anteriores os homens já
estavam preocupados
em fazer uma análise da existência humana, por exemplo:
A lembrança do conselho socrático, expresso pelo lema „conhece-te a
ti mesmo‟,
já assegura a improcedência da hipótese, também desmentida pela
afirmação de
3 ALMEIDA, Fernando José de. Sartre: é proibido proibir. p.7-11.
4 Ibid, p.11.
5 in: Ibid, p.19.
3
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1
Aristóteles de que a filosofia é a existência do existente enquanto
existente. No
Discurso do Método,
de René Descartes (1596-1650) também se pode encontrar passagens
de cunho
acentuadamente existencialistas, resolveu estudar a si próprio,
dedicando-se, a partir
de então, com todo empenho, a escolher os caminhos a seguir. Outro
exemplo que
merece citação é o de Voltaire (1694-1778), que aconselhava que não
perdêssemos a
mediada humana das coisas.
Os autores acima referidos criaram, sem dúvida, doutrinas com vida
própria distinta
entre si. Mas, nem por isso podem elas ser desvinculadas de certos
elementos
comuns que terminaram por desaguar no que modernamente é
designado
existencialismo.6
Todavia, a maioria dos pensadores do existencialismo moderno possui
temas, um
núcleo de preocupações comuns que norteiam seu pensamento e
posicionamento:
A razão humana é impotente para resolver todos os problemas da
existência;
o homem está sempre se fazendo e refazendo;
o ser humano é frágil;
a realidade não aliena, nos torna estranhos a nós mesmos;
a morte é uma presença constante na vida;
não se pode fugir da solidão;
a existência é um mistério;
o Nada provoca o ser humano a avançar.7
Na história da Filosofia não encontramos estas preocupação tão
avançadas, isto é,
norteadoras, pertinentes. Os pensadores que apontamos acima a título
de exemplo, pensaram
sim a existência humana, mas não foi esta a preocupação central, ao
contrário do
existencialismo moderno. Portanto, quando ouvirmos falar do
existencialismo, saibamos que:
“Não é preciso, contudo, recuar as datas tão longínquas, pois quando
alguém se refere ao
existencialismo está querendo indicar, de forma precisa, um
movimento filosófico
historicamente bem recente.”8
Um movimento que teve um contexto histórico que possibilitou o
homem perguntar,
de uma maneira mais séria e vigorosa pela sua existência, visto que
esta estava sendo abalada
por tantos questionamentos, problemas, crises. Por isso:
6 PENHA, João da. O que é Existencialismo. p. 15.
7 ALMEIDA, Fernando José de. Sartre: é proibido proibir. p.7-11.
8 PENHA, João da. O que é Existencialismo. p. 15.
4
A análise da existência não será então o simples esclarecimento ou
interpretação
dos modos como o homem se relaciona com o mundo, nas suas
possibilidades
cognoscitivas, emotivas e práticas, mas também e, simultaneamente, o
esclarecimento e a interpretação dos modos como o mundo se
manifesta ou homem
e determina ou condiciona as suas possibilidades.9
“Os precedentes históricos próximos do existencialismo são a
fenomenologia de
Husserl e a filosofia de Kierkegaard.”10 Husserl (1859-1938);
Kierkegaard (1813.1855).
É com a fenomenologia de Husserl que Sartre vai se interessar, pois
Husserl tinha a
grande ambição de falar das coisas em seu estado puro,
(...) tais como as via e as tocava, sem serem „infeccionadas‟ pela
cultura ou pelas
interpretações dos outros. Isso era para ele a Filosofia. A
Fenomenologia buscava
realizar a proeza de ultrapassar as dificuldades encontradas por outras
filosofias,
como o idealismo e o materialismo, na sua tentativa de explicar
totalmente o
mundo.11
“A fenomenologia surge no processo de revisão de verdades tidas
como
cientificamente inabaláveis, no momento em que as ciências ao nível
da investigação,
assumem um significado humano.”12
Todavia, Sartre interpreta o pensamento de Husserl de uma maneira
bastante pessoal,
livre, utilizando principalmente a teoria da intencionalidade.
A teoria da intencionalidade veio finalmente mostrar qual é a
verdadeira relação
entre sujeito e objeto, entre consciência e mundo: eles nascem e
emergem juntos,
estando envolvidos numa relação na qual um termo não pode ser sem o
outro,
embora permanecendo sempre autônomo do outro.13
Agora nós podemos compreender o porquê da rejeição de Sartre à
psicologia
tradicional (reduzia os eventos psíquicos a um fato físico – deformava
os fenômenos da
consciência humana, não os dava autonomia) e o seu interesse pela
psicologia fenomenológica.
(...) a imagem nasce no interior do sujeito, estando relacionada com a
própria
capacidade intencional da consciência. Ela é, ainda, como Sartre
sublinha, „uma
9 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia - vol. XIV. p. 127.
10 Ibid, p. 128.
11 ALMEIDA, Fernando José de. Sartre: é proibido proibir. p. 19.
12 PENHA, João da. O que é Existencialismo. p. 15.
13 MORAIVA, Sérgio. Sartre. p. 15.
5
forma de consciência organizada! Uma das possíveis modalidades de
classificar o
ser real‟. Tudo isto revela a existência, no sujeito, de uma curta
capacidade.14
Uma capacidade que só é possível ser dada à consciência livre. Uma
liberdade que é
“ser-no-mundo”, mas que ao mesmo tempo pode aniquilar o mundo,
afirmando um novo ser,
uma nova situação que ainda não é, mas será. Liberdade a qual Sartre
vai fazer uma das bases
de seu sistema filosófico, pois: “o homem é um ser supremamente
livre, criador do seu
próprio mundo, medida dos seus valores.”15
2.1 A questão da liberdade na obra: Existencialismo é um
Humanismo, de Jean-Paul
Sartre.
14 MORAIVA, Sérgio. Sartre. p. 23.
15 Ibid, p. 11.
6
Sartre em sua conferência (Existencialismo é um Humanismo)
responde a uma série de
críticas que os católicos e marxistas fazem ao existencialismo. Os
marxistas criticam o
existencialismo de incentivar os homens a permanecerem acomodados,
num quietismo, presos
a subjetividade. Os católicos constroem suas críticas ao
existencialismo alegando que os
existencialistas acentuam o lado feio, sombrio, ruim da vida humana,
esquecendo o lado
bonito, por exemplo, o sorriso de uma criança.
Sartre respondendo a essas críticas afirma que o existencialismo não é
uma doutrina
pessimista, mas que o existencialismo que ele está incluído deixa a
possibilidade de escolha
de viver ao homem, porque entende que o homem é livre, isto assusta
muitas pessoas.
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Há duas espécies de existencialistas: existencialistas cristãos e os
existencialistas
ateus. As duas espécies de existencialistas admitem que a existência
precede a essência. No
entanto, existencialismo ateu (no qual Sartre está incluído), como o
próprio nome quer dizer,
nega que Deus existe. Mas o que significa essência, existência, qual é
a diferença?
Na história da filosofia tivemos vários pensadores que tentaram fazer a
distinção entre
a essência e existência, por exemplo: “Aristóteles, filósofo grego que
viveu no século 4 a.C.,
ensinou que a essência é aquilo que define ou forma as características
fundamentais de um
ser. (...) essência é o que faz com que uma coisa seja o que é e não
outra coisa qualquer.”16
Santo Tomás de Aquino:
(...) a essência é potência com relação à existência; a existência é o ato
da essência.
Somente em Deus, porém, a essência é a própria existência, porque
Deus „não só é a
essência mas também o próprio ser‟; senão, ele existiria por
participação, como as
coisas finitas, e não seria o ser primeiro e causa primeira.17
Já os existencialistas afirmam que a essência humana não existe nas
idéias nem é
dada gratuitamente ao homem. A essência humana é construída por
cada um de nós
no próprio existir.
Quando penso em minha vida, vejo que há mil direções para seguir. À
medida que
vou existindo, decido-me por um caminho. Ando nele, com meu
caminhar, abro a
trilha. Sou como um trator, que faz seu caminho enquanto avanço,
mais do que o
automóvel, que só anda por estradas que foram feitas por outros.
16 ALMEIDA, Fernando José de. Sartre: é proibido proibir. p. 33.
17 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. p. 343-4.
7
O homem é um ser apenas possível. Existe à medida que transforma
esse possível
em real. Esta passagem do possível para o real é a vida. E mais que a
passagem e o
modo como o faço.18
“O homem, tal como concebe o existencialismo, se não é definível, é
porque
primeiramente não é nada só depois será alguma coisa e tal coisa a si
próprio se fizer.”19
Não existem idéias inatas, anteriores ao surgimento do homem e
destinadas a
orientar sua vida, indicando que caminho ele deve seguir. As idéias do
homem
extraem-se de sua experiência pessoal. O indivíduo primeiramente
existe, com o
tempo, torna-se isto ou aquilo, quer dizer, adquire sua essência. Está é
que irá
caracterizá-lo, mostrando-o em que se tornou bom ou mau, agradável
ou antipático,
destemido ou covarde, etc. A essência humana, portanto, só aparece
com
decorrência da existência do homem. São seus atos que definem sua
essência. Logo,
inicialmente o homem existe – e só depois é possível defini-lo,
conceituá-lo.20
“Não há mais a dependência de um sujeito com relação a um plano
divino. Deus não
existe para Sartre.”21 Deus não existe para os existencialistas!
Os existencialistas ateus afirmam que Deus não existe e isto leva a crer
que não existe
um bem “a priori”, um determinismo.
Quando se diz que o homem está sujeito ao determinismo, significa
que se acredita
que qualquer força, seja econômica, social, ou biológica, obriga-o de
tal forma que
ele nada pode escolher por si mesmo e com a liberdade.
No fundo, os defensores do determinismo afirmam que o homem é um
prisioneiro
de sua herança genética e um robô das pressões econômicas, que o
levam a escolher
a profissão, o amor, e amizade, o partido, ou uma viagem, sem
nenhuma autonomia.
Homens, em suas reações, seriam pouco diferentes de cobaias de
laboratório.
Sartre propõe e defendeu a soberania da subjetividade humana que
permite ao
homem escolher a cada passo o seu caminho.
O indivíduo é livre. Ele não apenas tem liberdade, mas é liberdade
(sublinhado
meu). A inexistência de um Deus que vive a nos indicar caminhos e
valores faz com
que nada fora de nós legitime nosso comportamento. Nós construímos
tudo: até
mesmo os nossos valores, regras e imposições (...)22
Contudo:
Afirmar que o homem é livre não significa conferir-lhe o poder ou o
destino de agir
caprichosamente e ao acaso. O homem é livre no sentido em que pode
livremente
decidir do seu próprio comportamento, escolhendo os seus próprios
valores,
assumindo uma determinada atitude em relação ao seu próprio futuro,
presente e
18 ALMEIDA, Fernando José de. Sartre: é proibido proibir. p. 34.
19 SARTRE, Jean-Paul. Existencialismo é um Humanismo. p. 12.
20 PENHA, João da. O que é Existencialismo. p. 63.
21 ALMEIDA, Fernando José de. Sartre: é proibido proibir. p. 43.
22 ALMEIDA, Fernando José de. Sartre: é proibido proibir. p. 45.
8
passado. No plano ontológico, a liberdade é a possibilidade do para-si
existente de
negar a sua própria facticidade em-si, transcendendo-a em direção a
uma „outra‟
situação.23
Vejamos como, por que isto acontece:
O „em-si‟ corresponde ao mundo das coisas materiais (pedras, plantas,
etc.), aquilo
que se encontra fora do sujeito, que tem existência em si mesmo,
atemporal. O
„para-si‟ é o mundo da consciência, aquilo que tem a existência por si
mesmo, a
realidade humana. A consciência é um „ser-para-si‟ porque é autoreflexiva, porque
pensa sobre si mesma.24
“O para-si faz com que o nada apareça, desabroche.”25 “Quando me
interrogo sobre as
coisas, lanço sobre elas a negatividade”26
A capacidade do „para-si‟ de modificar as coisas, de imaginar o nada, é
a prova de
sua liberdade. Mas o que leva Sartre a estabelecer o nexo entre
nadificação e
liberdade?
Lembremos aqui que Sartre adota como método de análise filosófica
os princípios
básicos da fenomenologia. A exemplo de Husserl, ele não concebe a
consciência
como uma espécie de recipiente onde estariam depositadas as imagens
e
representação dos objetos. A consciência, ao mesmo tempo, não está
contida no
mundo das coisas – ele está no mundo. Tampouco está como que
afunda na
realidade. A característica fundamental da consciência, sabemos, é a
intencionalidade, é a tendência de estar sempre voltada para fora.
Nesse sentido, a consciência é o nada, o que lhe propicia a capacidade
de imaginar,
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de transcender, de ir além da situação presente, dos fatos imediatos. É
a imaginação
que possibilita à consciência criar mentalmente as coisas e reconstruílas quando
elas não se encontram presentes fisicamente. Daí, a afirmação
sartreana de que é o
„para-si‟ que faz com que exista o mundo. É através da consciência
que o mundo
adquire significado. Sem o „para-si‟, toda a realidade se reduziria ao
„em-si‟. É o
nada, portanto, que fundamenta a liberdade.27
Necessário se faz lembrar a relação entre dois „para-si‟, porque não
estou sozinho no
mundo, existem relações humanas, relações concretas do „para-si‟ com
outro „para-si‟. Como
ficam estas relações?
Ao relacionar-se com os demais indivíduos, o homem vê sua liberdade
condicionada
pela liberdade alheia. De sujeito, torna-se objeto, coisa, para as outras
consciências
alvo da liberdade do próximo. Mas, de que maneira se verifica esse
processo de
coisificação? Através do olhar do outro, olhar, diz Sartre, que me
desloca para além
de meu ser neste mundo, lança-me no meio do mundo, que é,
simultaneamente, este
23 MORAIVA, Sérgio. Sartre. p. 65.
24 PENHA, João da. O que é Existencialismo. p. 76.
25 Ibid, p. 78.
26 Ibid, p. 79.
27 Ibid, p. 89.
9
mundo e mais além. A consciência, o „para-si‟, experimente a
sensação incômoda de
existir como objeto para os outros, como parte de seu mundo exterior.
Existe através
do olhar alheio, que assim a fixou. Existe porque é percebida – é um
„ser-paraoutro‟.
Por isso, o „ser-com‟ é uma relação de conflito.28
É como um duelo, por que:
As relações entre o Eu e o Outro são em si mesma antagônicas: o outro
limita-me e
nega-me, enquanto, por outro lado, existe apenas como um „eu
rejeitado”. É verdade
que o Eu se esforça por compreender o Outro, mas, por definição, não
o pode
atingir: o Outro, o homem, não é, em última análise, passível de ser
conhecido pelo
outro homem. Aliás, sentir e ao mesmo tempo conhecer o homem é a
priori
impossível: se o sinto com clareza, não o consigo conhecer; se o
conheço, se ajo
sobre ele , alcanço apenas o seu ser-objeto e a sua existência provável
no mundo;
nenhuma síntese destas duas formas é possível. O que não é permitido
éa
compreensão totalizante do homem como sujeito e como objeto, como
para-se e
como em-si. O sujeito e o Outro permanecem divididos pelo Nada que
em ambos
habita e que se revela através de uma série infinda de antagonismos e
negações
recíproca.29
Apesar do relacionamento entre dois „para-si‟ ser como um duelo de
dois olhares,
Sartre não estimula os indivíduos a ficarem presos ao „subjetivismo‟,
fazendo uma escolha
estritamente pessoal, por si próprio, enclausurado no Eu, com medo de
perder sua „liberdade‟,
mesmo porque existem fatos sociais, históricos... que muitas vezes
balançam o meu ser (como
um olhar de um “outro-para-si”), mas nem por isto chega a
condicionar, a acabar com projeto
fruto da liberdade humana. Diz Sartre:
(...) Os piores inconvenientes ou as piores ameaças que possam atingir
a minha
pessoa não têm sentido senão tendo em vista o meu projeto; surgem
tendo como
posso de fundo o meu projeto de empenhamento. É, pois, insensato
pensar em
queixar, porque nada de exterior decidiu aquilo porque passamos,
aquilo que
vivemos ou aquilo que somos (...). Cada pessoa é uma escolha
absoluta de si
(sublinhado meu) a partir de um mundo de conhecimentos e técnicos
que esta
escolha assume e esclarece ao mesmo tempo.30
Por conseguinte, “cada pessoa é uma escolha absoluta de si” não
significa: “escolha do
individual por si próprio.”
Quando dizemos que o homem se escolhe a si próprio; mas com isso
queremos
também dizer que, ao escolher-se a si próprio, ele escolhe todos os
homens. Assim, a
nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor,
porque ela envolve
28 PENHA, João da. O que é Existencialismo. p. 79-80.
29 MORAIVA, Sérgio. Sartre. p. 73.
30 MORAIVA, Sérgio. Sartre. p. 57-8.
10
toda a humanidade. Se sou operário e se prefiro aderir a um sindicato
cristão a ser
comunista, se por esta adesão quero eu indicar a resignação é no fundo
a solução que
convém ao homem, que o reino do homem não é na terra, não abranjo
somente o
meu caso: pretendo ser o representante de todos, e por conseguinte a
minha decisão
ligou a humanidade inteira. E se quero, fato mais individual, casar-me,
ter filhos,
ainda que este casamento dependa unicamente da minha situação, ou
da minha
paixão, ou do meu desejo, tal ato implica-me não semente, mas a toda
a humanidade
na escolha: a monogonia. Assim sou responsável por mim e por
todos.31
“E, ao querermos a liberdade, descobrimos que ela depende
inteiramente da liberdade
dos outros e que a liberdade dos outros depende da nossa.”32
Que a liberdade apesar de ser uma grande paixão humana, ela é
angustiante, porque
está “(...) o homem por um compromisso e que dá conta de que não é
apenas aquele
que escolhe ser, mas de que é também legislador pronto a escolher, ao
mesmo tempo
que a si próprio, a humanidade inteira, não poderia escapar de ao
sentimento de sua total responsabilidade.33
Isto é angustiante, é angustia sentirmos que “estamos condenados a ser
livres”.
A angústia da liberdade é a angústia de optar, de fazer escolhas. Contra
a sua
liberdade, para fugir dela, tentando assim escapar da angústia que
provoca a
consciência de ser livre, o homem se refugia na má-fé. Forçado pelas
circunstâncias
a agir, a escolher, o que significa assumir pela decisão que tomar, o
indivíduo busca
disfarçar essa exigência adorando uma atitude de má-fé – finge
escolher, sem na
verdade escolher.34
“A má-fé não é para enganar os outros, mas para enganar-me a mim
mesmo, ainda que
para isto – o que comumente acontece – eu tenha que enganar os
outros.”35
Agora fica a pergunta: o indivíduo não é livre para adorar, assumir
uma atitude de máfé?
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Sartre responde:
Podemos julgar, antes de mais (e isto não é talvez um juízo de valor,
mas sim juízo
lógico), que certas escolhas são fundadas no erro e outras na verdade.
A má-fé é
evidentemente uma mentira, porque dissimula a total liberdade do
compromisso. No
mesmo plano, direi que há também má-fé, escolho declarar que certos
valores
existem antes de mim; estou na contradição comigo mesmo, se ao
mesmo tempo os
quero que se me impõem, se me dizem: „e se eu quiser estar de má-fé?,
responderei:
não há razão alguma para que você o não esteja, mas declaro que você
o está e que a
atitude de uma estrita coerência é a atitude de boa-fé.36
31 PENHA, João da. O que é Existencialismo. p. 80.
32 SARTRE, Jean-Paul. Existencialismo é um Humanismo. p. 27.
33 Ibid. p. 25.
34 TROGO, Sebastião. O Impasse de má-fé na moral de Jean-Paul
Sartre. p. 110.
35 Ibid, p. 16.
36 Ibid, p. 18.
11
Na mesma linha de angústia estão o desamparo e desespero, isto é,
partindo da
afirmação de que “a existência precede a essência”, que não há força a
priori a nos controlar,
comandar, um criador, o homem se sente desamparado, tem sempre
que buscar seu
futuro, “(...) sem qualquer apoio e sem qualquer auxílio, o homem está
condenado a cada
instante a inventar o homem”37
O desamparo implica sermos a nós escolher o nosso ser. O desamparo
é paralelo da
angústia. Quanto ao desespero, esta expressão tem um sentido
extremamente
simples. Quer ela dizer que nós nos limitamos a contar o que depende
da nossa ação
possível. Quando se deseja uma coisa há sempre uma série de
elementos
prováveis.38
Mas esta série de elementos prováveis não traz transtornos ao
indivíduo e nem o deixa
acomodado, quieto sem vontade de agir, de realizar o seu projeto
(essencial para o indivíduo
se fixar no mundo), pois, o homem é o seu projeto e só existe na
medida em que esta realidade
se torna concreta através da sua ação, dos seus atos, de sua vida de
inserção no tempo e no
espaço. E embora os projetos possam ser diversos, individuais, eles
têm o valor de
universalidade, eles podem ser compreendidos por todos os homens:
brasileiro, inglês,
angolano, chinês... criança, adulto, velho, ... em qualquer contexto
cultural, em qualquer
época o projeto do homem pode ser reconhecido, porque ele tem o
caráter de universalidade.
Acreditamos que quando Sartre demonstra que o existencialismo não é
uma doutrina
que estimula os indivíduos a ficarem acomodados, quietos, mas que
ele é uma doutrina de
ação: que o existencialismo não é uma doutrina pessimista (mostra
somente o lado ruim da
vida humana), porque acredita no homem, acredita na sua
possibilidade de encontrar a si
próprio e ao outro, por isso ele é uma doutrina otimista, fundada na
crença da liberdade.
Ao longo do nosso artigo, tentamos compreender os passos que Sartre
dá para chegar à
liberdade. Uma questão que tanto buscamos mas que ao mesmo tempo
temos medo
37 Ibid, p. 18.
38 Ibid, p. 18.
12
de encontrá-la, pois, encontrá-la significa ter que assumi-la com
sinceridade e
responsabilidade. No fundo não é isto que os marxistas e católicos
temiam e
conseqüentemente criticavam no existencialismo, no pensamento de
Sartre, obrigando Sartre
a mostrar que o existencialismo é um Humanismo.
13
III. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao chegarmos ao final deste artigo podemos dizer:
Com Sartre nós estamos realmente no ápice da filosofia existencialista
atéia. Uma
filosofia que tem a sua preocupação central voltada para o homem, não
o homem que
simplesmente é, mas o homem que existe, que se autodetermina.
Através do pensamento sartreano fica definitivamente superada a
metafísica
tradicional. Uma metafísica que está voltada para a essência, para a
busca daquilo que é. Para
Sartre, a existência precede a essência, isto é, primeiro existimos
depois constituiremos a
nossa essência. Seremos nós mesmos os nossos construtores,
inventores, não temos um Deus
para dar normas, para direcionar a nossa vida. Somos livres. Somos
livres para criar nossos
valores.
Se somos livres, somos também responsáveis por tudo aquilo que
escolhemos. A
nossa liberdade só possui significado se estiver ligada a fatos
concretos. Através de nossa
ação somos capazes de modificar o real. O homem que não assume
esta sua liberdade, engana
a si mesmo, aninha-se na má-fé (finge escolher no exercício da sua
mais plena liberdade, mas
não escolhe).
Um outro ponto importante anotado por Sartre em relação ao exercício
da liberdade de
um indivíduo (escolha, ação, responsabilidade...) é o fato dela nunca
estar centralizada, nunca
estar voltada para o individual, ela tem sempre o caráter, o valor
universal.
Necessário agora apontarmos para um impasse que encontramos no
pensamento de
Sartre. Pois, como pode o homem ser totalmente livre, ou melhor, o
homem ser a própria
liberdade, mas ao mesmo tempo ter que se preocupar, ser responsável
por toda humanidade?
Como esta se dá, se de um lado Sartre acredita que as relações entre
Eu e o Outro são sempre
antagônicas (o Outro sempre limita, nega o Eu); por outro lado, o
homem no exercício da sua
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liberdade tem que se dar conta das relações com os outros, ser
responsável por todos os
homens. Não parece contraditório? Ambíguo?
Acreditamos que aqui Sartre chega a um impasse e não deixa nenhum
caminho
concreto que possibilite ao homem ser realmente livre, mas um livre
dentro de uma
coletividade, de um tempo, de um espaço.
Necessário se faz também à guisa de conclusão afirmar:
Quão gratificante foi termos trabalhado o texto: Existencialismo é um
Humanismo, de
Jean-Paul Sartre, pensador de grande genialidade, romancista,
jornalista, dramaturgo,
militante político que não dissociou a sua reflexão filosófica nem a sua
produção literária da
situação em que vivia, permanecendo solidário nos acontecimentos
sociais e políticos de seu
tempo.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Editora Mestre Jou,
1982.
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Lisboa: Editora Presença, 1984.
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Herder, 1968.
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Lisboa: Edições 70,
1985.
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SARTRE, J. Existencialismo é um Humanismo. (Coleção Os
Pensadores – vol. XLV). São
Paulo: Editora Abril Cultural, 1973.
TROGO, Sebastião. O Impasse de má-fé na moral de Jean-Paul
Sartre. Tese a ser
apresentada e defendida tendo em vista o cargo de Professor Titular no
Departamento de
Filosofia – FAFICH-UFMG-BH-1984. Inédita em livro.
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